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O AUXÍLIO RECLUSÃO: ENTRE SUAS LIMITAÇÕES ATUAIS E AS ABERRAÇÕES JURÍDICAS PROPOSTAS PELA PEC
304/2013 E O PROJETO DE LEI 5671/13 - HUMANIZAR É PRECISO – CONCEIÇÃO, Eric Fernando Mendes; NETTO, Mariana Correa.
Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,
ISSN 2316-266X, n.3, v. 18, p. 121-138
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O AUXÍLIO RECLUSÃO: ENTRE SUAS LIMITAÇÕES
ATUAIS E AS ABERRAÇÕES JURÍDICAS PROPOSTAS PELA
PEC 304/2013 E O PROJETO DE LEI 5671/13- HUMANIZAR É
PRECISO
1Eric Fernando Mendes Conceição
2Mariana Correa Netto
RESUMO: Este artigo pretende analisar as configurações normativas e hermenêuticas atuais do
auxílio-reclusão no direito brasileiro, buscando localizar suas principais diretrizes e limitações.
Posteriormente, se observará como tal benefício se concretiza na realidade da vida das pessoas
beneficiárias, quais são os basilares princípios protetores de sua existência e como as propostas
da PEC 304/13 e do Projeto 5671/13 desvirtuam o mesmo, por meio de intenções rasas e
incoerentes com o Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: auxílio-reclusão, Estado democrático de Direito, crime.
RESUMEN: En este artículo se analizan los ajustes regulatorios actuales y hermenéutico ayuda
reclusión en la legislación brasileña, tratando de localizar a sus principales directrices y
limitaciones. Posteriormente, se observará como tal beneficio se realiza en la realidad concreta
de la vida de las familias, cuáles son sus principios rectores de protección de su existencia y
cómo la propuesta PEC 304 / 13 y la ley 5671 /13 distorsionan a través de intenciones poco
profundas e incompatible con el Estado democrático de derecho.
Palabras clave: asignación para la reclusión, el Estado democrático de derecho, el crimen.
1 Mestrando em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação de Direito
Constitucional da Universidade Federal Fluminense ( PPGDC-UFF). 2 Mestranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação de Direito
Constitucional da Universidade Federal Fluminense ( PPGDC-UFF).
O AUXÍLIO RECLUSÃO: ENTRE SUAS LIMITAÇÕES ATUAIS E AS ABERRAÇÕES JURÍDICAS PROPOSTAS PELA PEC
304/2013 E O PROJETO DE LEI 5671/13 - HUMANIZAR É PRECISO – CONCEIÇÃO, Eric Fernando Mendes; NETTO, Mariana Correa.
Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,
ISSN 2316-266X, n.3, v. 18, p. 121-138
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1) Introdução
O mundo contemporâneo é marcado por grandes transformações que levaram as
sociedades a se questionarem acerca de todos os âmbitos componentes da vida social.
Assim como a diversificação e dicotomias sentida nas artes, filosofia, economia e
ideologias, entre outros campos da vida social, o Direito também se reforça como
cenário de intensos questionamentos atuais. Diversificadas teorias, escolas e correntes
são produzidas, recuperadas ou rechaçadas nas ciências jurídicas a fim de captar e
responder juridicamente a autêntica crise instalada em nosso ramo científico.
Especificadamente, o Direito sente uma necessidade inerente de responder as
ansiedades sociais que, até então, não foram juridicamente satisfatórias. Em meio ao
aprofundamento das violações à humanidade, que fazem com que o ser humano seja
tratado como mero objeto dentro de uma perspectiva liberal ou militar dos poderosos; a
falência da representatividade democrática também leva a questionamentos acerca da
finalidade das ciências jurídicas. Deve o direito representar a proteção de um status quo,
impedindo que as sociedades alcancem novos patamares ou deverá assumir um
protagonismo de mudanças, no qual será um veículo motriz para transformações?
Nesta diapasão, devemos pensar que a atividade social exigida pela nossa
Constituição, que representa uma grande viragem normativa em nosso país pós-
ditadura, se enquadra nesses novos parâmetros. O constituinte originário previu uma
gama de direitos e garantias objetivando o controle da marginalidade e o avanço de
políticas públicas a fim de conformar uma sociedade marcada pela igualdade. Igualdade
esta não apenas formal, ou seja, aquela exigida perante a lei, mas também material, que
pressupõe o tratamento desigual entre os desiguais.
O seguro-reclusão pode ser entendido como um benefício afim dos propósitos
constitucionais acima elencados. O objetivo do constituinte em realiza-lo, foi proteger
as famílias do recluso, que, devido a prisão de seu ente querido, sofre um impacto
financeiro em sua renda, que sem a presença do Estado, levaria a entidade familiar à
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penúria. Assim, cumpre o Estado, pelo menos minimamente, seu compromisso moral e
constitucional de proteção da família, além de impossibilitar que a mesma seja punida
pelos crimes de seu recluso.
Neste artigo, pretendemos realizar uma proposta diferente de observação do
seguro-reclusão. Em um primeiro momento, vamos demonstrar a configuração jurídica
do benefício em nosso ordenamento jurídico, despontando seus princípios inerentes, os
progressos e os embaraços ainda constantes em sua normatividade atual de acordo com
a doutrina especializada. Posteriormente, procuraremos a efetividade social do auxílio,
ou seja, como este se satisfaz sociologicamente e suas subjetividades visíveis. Quer
dizer, vislumbrar quais as dinâmicas sociais presentes nas famílias beneficiárias e como
este cumpre com o intuito de contenção da marginalização social. Por fim, avaliaremos
as propostas de alterações legislativas que intentam esvaziar este benefício
previdenciário, quais sejam a PEC 304\13 e o Projeto 5671\13, bem como as falácias
justificadoras presentes nos discursos de seus autores, e a consequente aberração
jurídica legitimada, caso as mesmas sejam aprovados pelo Congresso Nacional.
2) O auxílio-reclusão e sua normatividade no direito brasileiro
contemporâneo: avanços e limites.
Objetivando fundar uma nova perspectiva democrática e de justiça, a
Constituição brasileira de 1988 elencou diversos direitos e garantias, considerados
fundamentais, até então negligenciados juridicamente pela nação. Por via da
necessidade de ultrapassar os traumas do período antecedente, demarcado pelo
autoritarismo e repressão, além do fator social, no qual maior da parte da sociedade
brasileira se encontrava à margem “milagre do crescimento”, a “Constituição cidadã”
previu a inauguração de uma nova base político-jurídico para o país. Era a urgência da
de um novo fundamento constitucional que velasse por uma democracia plena e
socialmente equilibrada, no qual o Estado assumia para si a obrigatoriedade de equalizar
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as diferenças sociais que tanto marcaram a história nacional. Enfim, foi a iluminação de
uma nova era constitucional: o Estado democrático de Direito.
Entre os diversos princípios que despontam a formalização de um Estado
demarcado por uma sociedade constitucionalmente democrática, sem dúvidas, a
dignidade da pessoa humana se sobrepõe em importância. Este princípio é a força-
motriz da constituição, uma vez que eleva o ser humano a sua dignidade útil e sem o
qual nenhum sistema político-jurídico poderia ser considerado justo. Daí a preocupação
do constituinte em discernir todos os direitos e garantias fundamentais que julgou serem
premissas para fazer valer a centralidade do homem e da sociedade na vida estatal. Isto,
pois, toda organização política serve o homem, e não o homem que serve os aparelhos
organizatórios (CANOTILHO, 1998, p.219). Justamente por este viés interpretativo que
o constituinte originário instituiu o benefício do auxílio-reclusão.
O auxílio-reclusão não adentrou em nosso sistema normativo somente em nossa
constituição atual. Sua origem pátria remonta à previsão pelo extinto Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) , e posteriormente também legitimado
pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB). Somente em 1960,
este ganha normatividade jurídica, ao ser previsto pela Lei Orgânica da Previdência
Social. Curiosamente, o benefício ganhou contornos bem sólidos no decorrer da
Ditadura Militar, uma vez que foi continuamente utilizado neste período de “chumbo”
da história nacional, com o intuito de não desamparar as famílias de presos políticos.
Atualmente, o auxílio-reclusão possui contornos e percepções mais elaboradas.
Ele é a contraprestação paga pelo Estado aos beneficiários do segurado da Previdência
Social que se encontra recolhido à prisão, durante todo o período que este estiver
recluso, sob o regime penal fechado ou semi-aberto. Quer dizer, não é cabível,
previamente, ao segurado que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em
regime aberto, como bem lembra o próprio site da Previdência Social, órgão
governamental responsável pelo seu pagamento. Sua previsão constitucional está
disposta no capítulo VII, denominado “Ordem Social”, no qual trata da Seguridade
Social. Esta colocação normativa abona o acúmen do constituinte de que o auxílio-
reclusão se enquadra nas ações harmônicas exigidas do Estado e de toda a sociedade,
que visam a manutenção da qualidade de vida dos cidadãos, especificadamente
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direcionados à saúde, assistência social e previdência. É justamente no último,
especificadamente, que se encontra a determinação do referente auxílio.
A configuração do auxílio-reclusão como benefício previdenciário pressupõe a
necessidade de preenchimento de inúmeros requisitos previstos na legislação para sua
concessão aos dependentes. De antemão, é determinante, até pelo respeito ao princípio
contributivo que rege a Previdência nacional, que só terá o direito reconhecido o preso
tenha sido contribuinte previdenciário. Só nisto, observa-se o contraste da realidade
constitucional com a opinião popular, que fomenta inúmeras formulações rasas e
infundadas, de que todo dependente teria tal direito, de forma indiscriminada. No
entanto, este é somente a primeira de diversas requisições instituídas para a percepção
do tão comentado benefício.
Cabe ressaltar que existe uma equiparação prevista em lei para a utilização do
benefício para o menor infrator (jovens entre 16 e 18 anos). Este não se enquadra
categoricamente na figura do recluso, uma vez que se encontra protegido pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA). Assim sendo, aquele que é apreendido por ato
infracional e esteja em custódia do Juizado da Infância e da Juventude, desde que
também seja contribuinte previdenciário, pode justificar a gozo do benefício aos seus
dependentes. Casos estes em que, não muito raramente, se configura a mãe do menor
como beneficiária, porém não deslegitima que sejam outros familiares habilitados,
desde que comprovem a essencialidade do menor para o seu sustento.
É a Lei 8213 de 1991 que determina os requisitos legais para a concessão do
subsídio. De acordo com seu artigo 80, o mesmo seguirá as mesmas condições da
pensão por morte, desde que o segurado preso não receba remuneração da empresa a
qual trabalhava, nem esteja em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou mesmo abono
de permanência em serviço. Complementando, o parágrafo único institui a exigência de
comprovação da situação de efetivo recolhimento à prisão, não havendo carência, já
que, como a pensão por morte, os destinatários são os beneficiários e não o próprio
segurado (PEREIRA, 2012, p.66).
A reivindicação para a fruição não termina com essas exigências. Especificando
e adicionando novas condições, o artigo 116 do decreto 3048 de 1999 determina que a
última contribuição previdenciária seja inferior ou igual a R$ 360,00. Este valor,
obviamente, não se tornou estanque, passando a ser atualizado de acordo com Portarias
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do Executivo, sendo atualmente fixado em R$ 1.025,81 (de acordo com a Portaria
Interministerial MPS/MF nº 19, de 10/01/2014). Esta fixação de valor máximo de
contribuição a possibilitar o acesso a um benefício contributivo gera a primeira das
grandes discussões da doutrina quanto ao tema.
Esta formulação legal que estabelece um teto máximo de contribuição se
espelhou na alteração constitucional trazida pela Emenda 20 de 1998 que reformulou
diversas disposições da previdência. Foi incluso no inciso IV, do artigo 201 da Carta
Magna, a equiparação do auxílio ao salário-família, instituído a condição de baixa renda
para a possibilidade de seu desfrute. Em outros termos, a reforma constitucional, em
tese, objetivou retirar da proteção previdenciária os dependentes do segurado que até
sua reclusão possuía meios suficientes para prover satisfatoriamente sua família.
A doutrina mais abastada considera tal reforma um contrassenso jurídico, sendo
flagrantemente inconstitucional. Como é sabido, nossa Constituição em seu artigo 5º,
caput, dispõe acerca do princípio da isonomia: Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade. Assim sendo, desigualdades de tratamento da lei não pode se
dar de forma absurda ou arbitrária, devendo apenas ocorrer no intuito de se obedecer à
razoabilidade e a busca da igualdade material (tratar os desiguais, a medida de sua
desigualdade) ordenado os preceitos normativos, inclusive os constitucionais por
atuação do constituinte reformador. Neste sentido confirma Bandeira de Mello, ao
denotar os contornos legítimos da desigualdade possibilitada pelo âmbito normativo:
“a) que a desequiparação não atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo;
b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados;
c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;
d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público.” (BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 41).
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Pela reflexão apurada da distinção criada pelo constituinte derivado, é visível a
falta de explicação plausível. Primeiramente, o auxílio-reclusão não se direciona ao
recluso e sim aos seus dependentes, o que cria o contorno de renda máxima
incompatível com as finalidades do benefício; que é a proteção da família desamparada
pela impossibilidade daquele permanecer a sustentando, devido ao cumprimento da
pena. Esta evidência é comprovada, inclusive, pela previsão dada pelo jurista Arnaldo
Zanela, em seu artigo “Previdência Social: auxílio-reclusão”, em que, de acordo com o
artigo 482, d, do Código de Leis Trabalhistas, que versa este ser motivo de dispensa por
justa causa a condenação criminal. Ora, se este é motivo atual passível de demissão do
empregado, como pode o constituinte se aferir da condição financeira pretérita do
segurado para garantir a exclusão de seus beneficiários? Claramente, em uma situação
normal e plausível de relação de trabalho, não interessaria o empregador manter a
relação trabalhista com um recluso, muito mais por se abster sem grandes ônus para o
seu desfazimento, alinhado também pelos estigmas que um “presidiário” carrega
socialmente. Por conseguinte, a condição da necessidade familiar seria suficiente, justa
e juridicamente aceitável para a definição dos contemplados pelo auxílio, não
fomentando assim discriminações odiosas dentro do ordenamento jurídico, respeitando,
conclusivamente, o princípio que rege a seguridade social que é a universalidade da
cobertura e do atendimento a quem dela necessita.
Infelizmente, esse não é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal ( STF),
corte jurídica máxima do país, que reconheceu a constitucionalidade do dispositivo
alterado e contradizendo posições claras da maioria doutrinária:
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXILIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I- Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do beneficio previdenciário e não a de seus dependentes. II- Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. III – Diante disso, o artigo 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vicio da
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inconstitucionalidade. IV- Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 587365, Relator (a) Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 25/03/2009, repercussão geral-mérito.Dje-084 divulg. 07/05/2009, public. 08/05/2009, ement vol. 02359-08 pp 0136).
Para a manutenção do auxílio-reclusão, assim como sua concessão, é cogente a
observância de requisitos enumerados pelo decreto já comentado, sob pena de sua
extinção ou suspensão. Faz-se imprescindível, por exigência do artigo 117, §1º do artigo
já revelado, que os beneficiários cumpram a obrigatoriedade, trimestralmente, de
comprovar, por via de atestado de autoridade competente, a permanência de reclusão em
regime fechado ou semi-aberto de seu respectivo segurado. Esta requisição preceitua o
resguardo da condição contínua de reclusão do provedor, que é “fato gerador” do
benefício, uma vez que tal pode ser extinto, seja pela colocação definitiva do mesmo em
liberdade (ou regime aberto), óbito no cumprimento da pena privativa de liberdade
(caso em que será convertida em pensão por morte), ou mesmo suspensa pela sua fuga
ou não apresentação da comprovação, por negligência. Aqui, novos questionamentos
podem ser expostos.
É plausível, se não sociologicamente, pelo menos juridicamente, a extinção do
benefício por término da pena de efetiva/parcial reclusão ou óbito do segurado; bem
como sua suspensão pela não apresentação do atestado. Todavia, a sua suspensão por
fuga não se mostra razoável. Prevalece o entendimento da doutrina majoritária,
conjuntamente com jurisprudências condizentes, que só caberia a restituição do
benefício, caso o fugitivo fosse capturado. Espanta a isenção de nossos juristas pela
ausência de críticas quanto ao dispositivo da lei e a solução encontrada pelo legislador
como causa suspensiva do direito previdenciário, sem levantar possibilidades (não
foram encontradas opiniões divergentes, dentro de uma pesquisa realizada) acerca da
legitimidade constitucional de tal “resolução jurídica”.
A fuga concretizada pelo aprisionado configura uma situação peculiar, com
evidências explícitas da singularidade social que tal fato possui. A responsabilidade de
tal ato deve ser dirigida ao fugitivo (mitigado pela compreensão de que a busca pela
liberdade é inerente ao ser humano), em concorrência com a ineficiência obrigacional
do Estado de valer seu poder coercitivo e, por fim, impedir o escape. A família, ou seja,
os dependentes financeiros, em nada pode ser responsabilizada e muito menos punida
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por ato exclusivo de seu provedor e pela incapacidade de ação estatal. Claramente, o
mero fato da fuga, não tende a alterar a situação de inópia vivida pelo núcleo familiar já
que, dificilmente, seu provedor, em condições de fugitivo, encontraria meios hábeis
para satisfazer as necessidades de seus familiares. Consequentemente, não é somente a
efetiva prisão do segurado que cria a situação de calamidade social e sim, com mais
razoabilidade, a existência de uma pena privativa de liberdade daquele que
impossibilita, por meios legítimos, de continuar o sustento de seus entes. É, em nosso
ver, um novo meio imoral de se apenar a família por erros cometidos por seu familiar
preso, o que, prima facie, configura sua inconstitucionalidade, já que a pena não pode
ultrapassar a figura do preso (princípio da pessoalidade, que justifica também, a
inconstitucionalidade da exigência de “baixa renda” já discernida).
O valor pago pelo auxílio-reclusão obedece correções previstas, também, em
portarias do Executivo e, por determinação legal, não poderá ser inferior ao salário
mínimo. Esta imposição procura resguardar a dignidade dos familiares, pois se assim
não fosse, as contínuas ingerências inflacionárias dinamitariam o seu real poder de
sustento. Cabe ressaltar, por fim, que divergentemente da opinião popular, o auxílio
assume um valor global, ou seja, o valor auferido de acordo com a contribuição
realizada pelo recluso não é devido para cada um dos dependentes, mas este quantitativo
total é rateado. Isto preceitua que salvo a existência de um único dependente, o
benefício recebido será sempre menor que o salário mínimo vigente, o que desmitifica a
opinião corrente de que o auxílio-reclusão criaria uma situação de privilégio aos
familiares do preso, já que, de acordo com este frágil discurso, estes receberiam mais
que um trabalhador não condenado com rendas auferidas pelo mínimo salarial
permitido.
Observamos, em linhas gerais, os contornos atuais referentes ao auxílio-reclusão
no Brasil. Diferentemente de informações correntes, para a concessão do referente
benefício, não é todo recluso que possui a qualidade jurídica suficiente para possibilitar
aos seus dependentes o seu recebimento. Pelo contrário, a sistemática jurídica
estabelece múltiplos requisitos a serem preenchidos, sendo os principais a prévia de
contribuição previdenciária, conjuntamente com a comprovação de baixa renda do
recluso (condição considerada constitucional pela Suprema Corte). Logo, não somente
se configura plenamente compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana,
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como também necessita-se extirpar suas ainda incoerências contemporâneas para que
atinja sua máxime que é a atuação de um Estado Social coerente, com a busca
incessante da contenção das marginalidades sociais.
3) O auxílio-reclusão como justiça, sua realidade social e frese
política legitimada pela PEC 304/13 e o Projeto de Lei 5671/13
De acordo com dados obtidos no site da Previdência Social, o auxílio-reclusão
vem, desde junho de 1998, aumentando sua base de beneficiados, tendo atingido em
2009 o total de 25.078 auxílios liberados. Ainda assim, de acordo com estes dados
oficiais, o total, se comparado com a margem global de benefícios pagos pelo referido
órgão, representou apenas 0.09%. Estes dados revelam o baixo impacto financeiro do
benefício-reclusão, em contraste com o frenesi causado socialmente pelo seu
pagamento.
Não são poucos os sites populares na internet que refletem acerca do que
consideram “injusto” o pagamento do benefício. A opinião disseminada se dá pela
interpretação errônea de que o auxílio-reclusão seria um prêmio à família do preso por
este ter cometido um crime, sendo comum e ironicamente denominado “bolsa-
marginal” ou “auxílio-bandido” e “prêmio-crime”. O que se revela é a completa
leviandade em se perceber a sua utilidade social e seu importante papel de minimizador
das marginalidades tão características da sociedade brasileira.
O auxílio reclusão, como os demais benefícios pagos pela Previdência, possui
um valor máximo a ser pago aos dependentes do recluso, além da exigência de baixa
renda promulgada constitucionalmente. Obviamente, pelos requisitos aqui elencados,
esse benefício se destina aos mais necessitados, aqueles que efetivamente sentirão a
ausência financeira de seu ente preso. Seu objetivo maior é resguardar a família do
aprisionado, que tende a ter uma situação precária pela coerção estatal, marginalizando-
se ainda mais do que quando este, parcamente, contribuía para o sustento do lar. É a
própria reflexão moral de um Estado que pretende ser social, que visa proteger seus
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cidadãos e não fazer com que erros do recluso alcance financeiramente aqueles em que
nada contribuíram para tal fato divergente. Afinal, já se torna suficientemente doloroso
o sofrimento trazido pela ausência física de seu parente e pela sua condição de
indignidade, que em nome de um Direito penal falido, lhe coloca em situações
deploráveis de cárcere tão comuns no sistema presidiário nacional.
Não bastasse esta advertência, a exigência da prévia contributiva do recluso
denota outro dado sociológico interessante. É razoável pensar, dentro de uma
possibilidade fática e não meramente legal (afinal o Direito representa uma ciência
humana, logo conectado com a dinâmica social), que se o então recluso contribuía para
a previdência social, a ilicitude não tenderia a ser sua prática principal. Esta
contribuição corrobora a densa possibilidade do aprisionado ser um trabalhador comum,
legitimado em seu anseio pela sobrevivência e que, por questões díspares da vida,
cometeu um ato criminoso. Afinal, mais uma vez diferentemente do pensamento
popular, a reclusão de regime fechado ou semi-aberto pode ser alcançada por diversos
crimes e não apenas pelo crime de latrocínio, tráfico de drogas ou, em resumo, crimes
hediondos. Neste sentido, a humanização do benefício precisa ser alcançada, a fim de
que se interprete a realidade a qual se propõe proteger e exterminar, por vez, as
desconfianças de sua eticidade.
Em brilhante artigo intitulado “Acesso à justiça, exclusão social e auxílio-
reclusão: constatações de uma pesquisa empírica”, Elizabete David Novaes e Maressa
Mello de Paula cientificam esta discussão. Como premissa, analisam que deve se ter em
mente que o acesso à justiça aos mais necessitados não é uma realidade vivida no país
(muito embora prevista constitucionalmente), associado ao fato de que o cárcere
somente cumpre sua função de retirar o criminoso do convívio social. A conjugação
desta triste verdade enfatiza a permanência de uma sociedade em que maiorias são
colocadas ao relento, impossibilitando o exercício da ampla defesa na dinâmica penal,
estratificando ainda mais uma sociedade hierarquizada em que o Direito Penal se
direciona ferozmente aos necessitados.
Observam as autoras que o acesso informativo também não é cumprido após a
condenação do apenado, principalmente quando este é pobre. Basta afirmar a
fragilidade da Defensoria Pública no Brasil, representado pela sua inexistência em
muitos estados federativos e quando existe, esta é escassa de funcionários, se
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304/2013 E O PROJETO DE LEI 5671/13 - HUMANIZAR É PRECISO – CONCEIÇÃO, Eric Fernando Mendes; NETTO, Mariana Correa.
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comparado os muitos pedidos de assessoria gratuita. Fatores que provocam a
permanência da injustiça aos mais pobres, que não possuem, em muitos casos,
informação imprescindível para o acesso ao seu direito previdenciário, pelo órgão
governamental.
A fim de substanciar as dinâmicas reais provocadas pelo recebimento do auxílio
em questão, as eminentes pesquisadoras efetivaram uma pesquisa de campo com
famílias beneficiárias. Por meio de entrevistas não direcionadas, a contemplação da vida
concreta destas se tornou possível, expondo situações individuais e outras corriqueiras
que fazem parte de seu cotidiano.
Entre as conclusões presentes, afirmam as cientistas que todas as famílias
entrevistadas convergiram para a importância do pagamento do benefício e que este é
essencial para o provimento familiar, além de possibilitar recursos para visitas rotineiras
ao seu familiar preso. Este foi o relato emocionado da “entrevistada 1”, ao confirmar:
“A única coisa é que eu gasto um tantão indo visitar ele na cadeia. Quando teve a rebelião na cadeia que ele estava queera aqui perto, ele foi transferido para longe. Eu gasto mais dinheiro para visitar ele. E agora eu recebo o dinheiro, que antes ele não me dava nada.” (NOVAES & DE PAULA, 2009, p.84).
Em continuidade, outros depoimentos são relevadores das nuances que precisam
ser concatenadas à efetividade social do auxílio-reclusão. Muito interessante o
comentário, por mais de uma entrevistada, da ausência de informação oficial (como pré-
confirmado) quanto ao seu direito. A comunicação da possibilidade de auxílio estatal,
quando seu familiar, contribuinte costumeiro da previdência se encontra em cárcere, se
deu por vias de uma intensa rede de relações sociais que são formalizadas em suas
vizinhanças. A situação anacrônica, além da pobreza emergente comum entre os
vizinhos dos beneficiários, enfatiza que o encarceramento não é uma excepcionalidade
vivenciada. Em outros momentos da entrevista, familiares abonam a experiência de se
ter um familiar recluso como um fato habitual entre suas relações pessoais, sendo este o
meio efetivo de comunicação do direito previdenciário. Infeliz verdade, como
demostrado a seguir:
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“É que aqui no meu bairro tem mais gente que está na cadeia, e as vizinhas me falaram que se ele tivesse carteira de trabalho que eu receberia dinheiro enquanto ele estava preso” (Entrevistada 01)
“A minha comadre que me contou, ela recebia do marido queestava preso, aí eu fui lá na sua faculdade para que pedissem o dinheiro para mim. (Entrevistada 03)
“Eu pedi sim (o auxílio-reclusão). Aqui no bairro todo mundo sabe desse benefício, né, tem bastante gente que já foi presa por aqui.” (Entrevistada 04)” (NOVAES & DE PAULA, 2009, p.83).
Este trabalho realizado, em que procurou a vivência factual dos que usufruem do
auxílio reclusão, reflete aspectos muitas vezes negligenciados, seja pelos poderes, seja
pela sociedade. A ausência de pesquisas de campo no âmbito jurídico quanto à
existência concreta do benefício (em uma rápida pesquisa, não foram encontrados
outros trabalhos do ramo jurídico que buscassem ouvir os beneficiários) estimula a
ignorância da importância socializante e da marginalidade financeira que aqueles que o
obtém vivem. Preceito suficiente para o avanço de preposições legais esdrúxulas que
estratificam preconceitos e estigmas quanto ao auxílio em debate, que em nada se
conformam com a incessante realização de uma sociedade igualitária e afeita aos mais
necessitados. Modelos destas propostas abomináveis que tão-somente atestam o fosso
entre a política brasileira e os parâmetros de justiça e igualdade, estão a PEC 304/13 e o
Projeto de Lei 5671/13.
Intencionando recepcionar as abominações sociais que censuram a existência do
auxilio-reclusão no direito brasileiro, a Proposta de Emenda Constitucional 304/13
(PEC 304\13) e o Projeto de lei 5671/13 sugerem alterações legislativas, a fim do que
julgam ser uma resposta aos clamores sociais pelas “injustiças” trazidas pela sua
continuidade, nos moldes atuais. A PEC 304/13, apresentada pela deputada Antônia
Lúcia (PSC-AC) sugere a extinção do auxílio.
Em contrapartida ao aniquilamento do benefício previdenciário, esta emenda
constitucional cria um benefício mensal no valor de um salário mínimo para as vítimas
de crimes e suas famílias. Este novo benefício objetiva pagar à pessoa ofendida por um
crime, durante o tempo em que esta estiver afastada ou no caso de sua morte, a seus
familiares; de acordo com legislação posterior. Em consonância com o substituído,
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prevê que esta nova modalidade de “auxílio-vítima” será impossibilitada aos que
usufruem de pensão por morte, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
Nas palavras da própria deputada, isto seria uma medida de justiça, uma vez que
ao disponibilizar o pagamento previdenciário pra vítima e não para a família do recluso,
assumiria o Estado seu papel de amparo aos injustiçados pela atividade criminal. Não
satisfeita, ainda declara considerar uma aberração o Estado ter benefícios ao criminoso e
seus familiares, enquanto que a vítima permanece desamparada, sendo isto um estímulo
à atividade criminosa. Em outras palavras, na percepção da representante popular, o
auxílio-reclusão seria uma bonificação ao aprisionado por este não seguir as proibições
exigidas pelo Estado.
A proposta, claramente popularesca, ganhou imensa visibilidade, sendo discutida
em diversos fóruns na internet e petições eletrônicas, no intuito de pressionar os órgãos
do Poder Legislativo a aprovarem a emenda. A neurose pública chegou a tal ponto, que
o próprio sítio eletrônico da Câmara dos Deputados disponibilizou uma enquete para
verificar o apoio popular à proposta apresentada. No dia 26/04/2014, a imensa maioria
dos votantes (precisamente 94,52%) apoia à emenda, contra os parcos 5,04% que se
posicionaram contra seu teor.
Já a proposta de lei 5671/13 é menos abrupta que a famigerada emenda.
Sugerida pelo deputado André Moura (PSC-SE), concidentemente do mesmo partido da
deputada antecedente, esta lei objetiva o rateio do benefício-reclusão entre os familiares
do recluso e os da vítima. Em consonância com a opinião refletida pela deputada, sugere
o deputado ser injusto se beneficiar apenas os familiares do aprisionado, deixando a
vítima e seus familiares sem proteção social ou financeira. Além do mais, em sua
entrevista ao próprio veículo de comunicação da Câmara dos Deputados, reafirma o
autor do projeto à fatídica opinião, já explicitada aqui suas falhas, que o valor médio do
auxílio é de R$ 900,00, bem acima do valor do salário mínimo. Assim, apontando o que
considera ser um caminho mais equilibrado, explica que sua preposição legislativa não
busca o fim do benefício, mas sim a divisão, em partes iguais, entre os familiares da
vítima e do segurado.
Tais sugestões de alteração legislativas podem ser configuradas como aberrações
jurídicas. Em seus discursos há um completo desvirtuamento do propósito social do
benefício, na qual se objetiva atrair a atenção das maiorias contra as minorias
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necessitadas, com argumentativas falseadas. Antes de adentrarmos nos princípios
jurídicos, além daqueles já comentados e que resguardam o auxílio-reclusão como fonte
de igualdade social, façamos algumas prévias.
Primeiramente, a argumentativa utilizada de que não há previsão legislativa que
socorra a vítima de crimes no ordenamento jurídico se mostra falível. Nossa
Constituição descreve em seu artigo 245: “A lei disporá sobre as hipóteses e condições
em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de
pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do
ilícito”. Ou seja, existe a previsão constitucional para a configuração assistencial aos
dependentes das vítimas de crimes. O que carece é a omissão legislativa para a
efetividade deste mandamus constitucional, havendo, então, uma preocupação máxima
do constituinte tanto com os dependentes da vítima quanto com os do recluso e a
intenção explícita de prever separadamente ambas, não fazendo substituir uma pela
outra. Logo, tal intencionalidade seria uma verdadeira fraude ao constituinte originário,
dilapidando reflexamente as proteções sociais de competência do Estado, que este não
pode se eximir de efetivar.
Além deste argumento jurídico, temos dados sociológicos que afirmam o baixo
impacto do benefício perante a população carcerária nacional. Segundo fontes da
Previdência Social, no ano 2009, aproximadamente 25.000 auxílios foram liberados,
ocasionando um gasto estimado de R$148.000.000. Se compararmos os gastos da
Previdência Social com o pagamento de benefícios, que foi na ordem de R$ 224,876
bilhões, percebemos que o valor global do auxílio tão atacado é irrisório para as
despesas previdenciárias (cerca de 0,5% do total). Tem-se também a realidade que a
população carcerária brasileira neste período, de acordo com o Ministério da Justiça, era
próxima dos quinhentos mil, reafirmando que nem 5% dos reclusos recebem o
benefício, quer dizer, porcentagem ínfima. De tal modo, observa-se o baixo impacto
financeiro e de captação da população carcerária que o auxílio-reclusão possui no país (
e aqui sim, em nossa visão, ocorre uma séria deficiência do Estado em resguardar as
famílias dos reclusos carentes, retirando a potencialidade do benefício como política
pública protetiva da população carente).
Destarte aos tamanhos ataques que a configuração do benefício sofre, este se
apresenta como fundamental. Ele se adequa perfeitamente, além dos preceitos de justiça
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social e outros já discutidos, à proteção da família determinada ao Estado pelo artigo
226 de nossa Carta Maior. A dignidade da entidade familiar, sofrida pelo impacto
financeiro de ver seu provedor condenado e impossibilitado de concorrer para o sustento
é o cerne do auxílio em questão. Neste sentido, acertadamente, o constituinte instituiu a
proteção familiar do recluso como norma cogente constitucional, efetivando sua
manutenção e não ausentando a responsabilidade dos poderes públicos perante tal
propósito. Nesse sentido que a doutrina reconhece o mesmo não como um benefício
previdenciário de natureza indenizatória, mas sim alimentar, já que intenciona garantir a
subsistência dos familiares do preso, que pela exigência (questionada neste artigo) da
baixa renda, configura ser uma família não apenas prejudicada pela ausência de seu
parente recluso, mas também vítima das desigualdades sociais. Finalizando, arremata
Zambitte:
“Daí a importância da participação estatal, por meio de instrumentos legais, propiciando uma correção ou, ao menos, minimização das desigualdades sociais. Além disso, o Estado não pode aceitar a desgraça alheia como resultado de sua falta de cuidado com o futuro - devem ser estabelecidos, obrigatoriamente, mecanismos de segurança social.”(ZAMBITTE, 2008, p.1).
4) Conclusão
O seguro-reclusão se consolida como uma importante proteção constitucional,
na qual, a família do recluso fica minimamente resguardada pela ausência do suporte
financeiro de seu recluso a cumprir pena em regime fechado ou semi-aberto. Sua
essencialidade é demonstrada pelo direcionamento às famílias marginalizadas, uma vez
que, mesmo inconstitucionalmente na opinião da doutrina avançada, a emenda
constitucional 20/98 exige a baixa renda como requisito de concessão. Além do mais,
podemos observar que, apesar da neurose social causada pela interpretação incorreta do
benefício, legislativamente transpostas pela PEC 304/13 e do Projeto 5671/13, este não
se dirige ao preso, nem mesmo causa grande impacto aos cofres públicos. O que se
verifica é justamente o contrário, a continuidade da escassez financeira de diversas
famílias que necessitariam do benefício, visto que somente uma pequena parcela da
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população carcerária é capaz de cumprir os delineamentos legais. Requisitos que, ao
nosso ver, são excessivos, excludentes e estritamente objetivos, pois não levam em
consideração as especificidades e necessidade de cada família para sua concessão.
Assim, conclui-se que o auxílio-reclusão necessita de mais pesquisas que vão
além dos aspectos legais, no intuito de adentrar na realidade social que o envolve, as
desigualdades que o contorna e, principalmente, entender como a Constituição ganha
vivacidade perante esta parcela da sociedade. Somente assim, exterminará, em
definitivo, as apreensões de que este seria um benefício injusto, propostas legislativas
absurdas, seja em sua dinâmica jurídica ou social. Reflexamente, os intuitos do
constituinte em prevê-lo serão valorizados: resguardar o bem-estar da família do
recluso, a dignidade de seus membros e a conformação maior de um Estado Social e
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