o brasil e a república popular da china no século xxi ... · política externa brasileira e...
TRANSCRIPT
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CEFCH
Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas – PPGCP
Diogo Villela Garcia Moura
O Brasil e a República Popular da China no
Século XXI: Inserção Internacional e Relações
Bilaterais em Perspectiva Comparada
Recife, PE
(2012)
2
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CEFCH
Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas – PPGCP
Diogo Villela Garcia Moura
O Brasil e a República Popular da China no
Século XXI: Inserção Internacional e Relações
Bilaterais em Perspectiva Comparada
Orientador: Prof. Dr. Marcos Ferreira da Costa Lima
Dissertação apresentada como requisito
complementar para a obtenção do grau de Mestre
em Ciência Política com ênfase em Política
Internacional, do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Políticas da Universidade Federal de
Pernambuco.
Recife, PE
(2012)
Catalogação na fonteBibliotecáriaDivonete Tenório Ferraz Gominho, CRB4-985
M929b Moura, Diogo Villela Garcia O Brasil e a República Popular da China no século XXI : inserção internacional e relações bilaterais em perspectiva comparada / Diogo Villela Garcia Moura. - Recife: O autor, 2012.
135 f: Il., 30 cm.
Orientador : Prof. Dr. Marcos Ferreira da Costa Lima Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco,
CFCH. Pós –Graduação em Ciência Política, 2012. Inclui bibliografia.
1. Ciência Política. 2. Relações econômicas internacionais. 3. Brasil – China. I. Lima, Marcos Ferreira da Costa. (Orientador). II. Titulo.
320 CDD (22.ed.) UFPE (CFCH2012-105)
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
Diogo Villela Garcia Moura
O Brasil e a República Popular da China no Século XXI:
Inserção Internacional e Relações Bilaterais em Perspectiva Comparada
Recife, 03 de setembro de 2012.
____________________________________
Prof. Dr. Marcos Costa Lima (UFPE – Orientador)
____________________________________
Profª. Drª. Christine Paulette Yves Rufino Dabat ( UFPE)
____________________________________
Prof. Dr. Fernando Cardoso Pedrão (UFRB)
4
Agradecimentos
À minha filha, Nina, e à minha esposa, Julia. Por fazerem os momentos de
dificuldades serem mais amenos e a vida, melhor.
À minha Família, meus pais, irmãs e avós, pelo apoio incondicional.
Ao meu orientador Marcos, pela compreensão e auxílio.
A Deus e ao Destino, por ter me colocado no mundo em meio a pessoas
maravilhosas e lugares interessantes. Se não tivesse tido a experiência de
ter nascido e ser criado no subúrbio do Rio de Janeiro, de viver no Nordeste
brasileiro e ser da periferia do mundo talvez não desenvolvesse um olhar
crítico a respeito das realidades.
5
“Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.”
(Triste Bahia, Gregório de Matos)
“Não interessa se o gato é branco ou preto, desde que pegue ratos é um gato bom.”
(Deng Xiaoping, final da década de 1970)
6
RESUMO
O presente projeto tem por objetivo central analisar a evolução das relações bilaterais
sino-brasileiras, em especial a partir dos anos 2000. As transformações ocorridas no
sistema político e econômico internacional na virada do século XX para o XXI tem
como fator importante a emergência das regiões chamadas “em desenvolvimento”.
Neste contexto a ascensão de países como Brasil e China possibilitaram um aumento
das relações Sul-Sul, através de parcerias estratégicas tanto em nível bilateral como no
nível multilateral. O argumento central deste trabalho pretende demonstrar que as
relações sino-brasileiras entre 2000 e 2010 tenderam a uma concentração apenas no
pilar comercial, em detrimento dos pilares de investimento e cooperação. Porém, longe
de ser irreversível, tentaremos expor os principais campos de cooperação onde se
poderia balancear a preponderância comercial e assegurar uma relação bilateral mais
sustentável e estável.
Palavras-Chave: Brasil; China; Relações Bilaterais; Inserção Internacional.
ABSTRACT
This project is aimed to analyze the evolution of Sino-Brazilian bilateral relations,
especially since the 2000s. Changes in the international political and economic system
at the turn of the twentieth century to XXI is an important factor in the emergence of
"developing" regions. In this context the rise of countries like Brazil and China have
enabled an increase in South-South relations, through strategic partnerships at both the
bilateral and multilateral level. The central argument of this paper aims to demonstrate
that the Sino-Brazilian relations between 2000 and 2010 tended to focus only on one
trade pillar, to the detriment of the pillars of investment and cooperation. But far from
irreversible, try to expose the main fields of cooperation where we could balance the
preponderance business and secure a more sustainable and stable bilateral.
Keywords: Brazil, China, Bilateral Relations, International Insertion.
7
SUMÁRIO
Introdução
Objetivos e Justificativa, p. 10
Metodologia, p. 12
Capítulo 1:
Quadro teórico, p. 15
1.1.Economia Política Internacional, p. 17
1.2.Cepal, Prebisch e Furtado: O lugar da Periferia nas Relações Internacionais.
p. 24
1.3.Analise de Politica Externa: A influência das elites políticas e econômicas
nacionais na política externa estatal. p. 42
Capítulo 2
2.1. Política Externa e Inserção Internacional Chinesa: A ascensão (ou
reinserção) chinesa no sistema internacional (Zhongguo) p. 47
2.1.2. Entendendo nosso parceiro: Uma breve introdução histórica sobre
a china contemporânea. p. 48
2.1.3. A política externa da República Popular da China - RPC (1949 em
diante) p. 58
2.1.4. Surgimento e desenvolvimento do eixo sino-americano. p. 64
2.2. Politica Externa e Inserção Internacional brasileira nos anos 1990 e 2000:
Principais diretrizes, estratégias de inserção internacional e a influência dos
grupos dominantes. P. 71
2.2.1. Política Externa Brasileira e inserção internacional no governo
FHC p. 71
2.2.2. Política Externa Brasileira e inserção internacional no governo
Lula p. 77
8
Capítulo 3
3.1.As relações bilaterais sino brasileiras no século XXI p. 88
3.2. Antecedentes históricos e relações embrionárias (1800-19740) p. 89
3.3. Institucionalização das relações (1974-1990) p. 91
3.4. A parceria Estratégica (1993-2003) p. 97
3.5. As relações bilaterais sino-brasileiras no século XXI: Da parceria estratégica
à preponderância comercial? P. 102
3.6. A reprimarização da pauta exportadora e a especialização dos acordos
bilaterais entre Brasil e China: uma análise comparativa entre as décadas de
1990 e 2000. P. 110
Conclusões, p. 126
Referências Bibliográficas, p. 129
9
Tabelas
Tabela 3.1: Exportações e Importações Brasil-China (1990-2010)
Tabela 3.2: Brasil. Participação percentual dos dez produtos mais importados e
exportados para a China (1990, 2000, 2010).
Tabela 3.3: Atos Bilaterais Brasil-China, separados por Área e década.
Tabela 3.4: Atos Bilaterais Brasil-China em Ciência e Tecnologia, separados por década
e Área.
Gráficos
Gráfico 2.1: Intercâmbio comercial brasileiro 1989-2010
Gráfico 3.1: Intercâmbio comercial brasileiro com a China
Gráfico 3.2: exportação brasileira por fator agregado – 1964-2010 (%)
Gráfico 3.3: Exportações brasileiras: China e outros países (1990-2010)
Gráfico 3.4: Importações brasileiras: China e outros países (1990-2010)
Gráfico 3.5: Brasil: Importações. Produtos agrupados por intyensidade tecnológica,
China, anos selecionados (%)
Gráfico 3.7: Principais produtos brasileiros exportados (%), 1990-2010
Gráfico 3.8: Acordos Bilaterais Brasil-China (1990-2010)
Figuras
Figura 2.1: Mapa da China Contemporânea
Figura 2.2: Representação Gráfica da “Estratégia da Pomba da Paz”
10
Introdução
O cenário político-econômico mundial está testemunhando uma época de
constantes incertezas. Enquanto vem ocorrendo uma profunda transformação no
equilíbrio de poder entre Estados na economia global, a falta de liderança criou um
vácuo a ser preenchido. Se olharmos comparativamente as posições de economias
emergentes - como Brasil, Índia, China, Turquia, África do Sul e outras - na
participação de composição do PIB mundial entre as décadas de 1990 e de 2000, notam-
se mudanças no decurso da última década. O PIB das economias brasileira e Chinesa
dobrou ao longo dos anos de 2000 e 2010. Além disso, o crescimento econômico das
economias emergentes vem acompanhado de uma mudança relativa no padrão
comercial mundial, aonde o peso do comércio Sul-Sul vem aumentando a sua
interconexão a cada ano. O aumento do peso e da importância do comércio, cooperação
e investimentos Sul-Sul pôde ser bem mais enfatizado no período seguinte à crise
financeira de 2008-2009. Neste ínterim, o Brasil ultrapassou o Canadá e agora é a
sétima maior economia do mundo, enquanto a China agora ocupa o lugar outrora
japonês como segunda maior economia mundial.
Com efeito, a ascensão econômica de potências emergentes como Brasil e China
resultam em consequências benéficas para o sistema político internacional (SPI). A
tendência que se abaliza indica que, com a ascensão de potências emergentes, as
expectativas são para que ocorra um deslocamento das economias ocidentais, em
11
direção a um maior equilíbrio no padrão das relações econômicas internacionais1. Por
mais impressionante que seja a contribuição das economias emergentes para o ciclo
recente de crescimento global, o aumento efetivo no poder de influência na condução de
temas ligados à governança global ainda continua desproporcional ao dos países
desenvolvidos. Neste sentido, qual seria o papel do Estado brasileiro na constituição de
uma nova ordem mundial? Qual o papel da China? Como transformar o aumento de
poder econômico em poder político na arena internacional?
O presente projeto tem como tema central as relações mantidas entre a
República Federativa do Brasil e a República Popular da China na primeira década do
Século XXI. A opção pelo estudo das relações sino-brasileiras justifica-se,
primeiramente, pelo fato de as relações políticas e econômico-sociais estabelecidas
entre brasileiros e chineses terem sido estudadas nos últimos anos por um reduzido
número de estudiosos nacionais e estrangeiros, sendo que, na maioria das vezes, foram
enfocadas apenas algumas questões ou áreas dentro da vasta problemática das
influências exercidas mutuamente, tendo sido poucos os trabalhos elaborados a partir da
visão das relações internacionais. Além disso, o objetivo especifico da elaboração deste
projeto é analisar o impacto da cooperação bilateral em seus respectivos projetos
nacionais de desenvolvimento, partindo da perspectiva de um contexto geopolítico
internacional de grandes incertezas futuras.
A respeito desse tema de interesse para a história comum da China e do Brasil,
algumas indagações relevantes servem de guia para o presente estudo: por que o Brasil e
a China – tão distantes geograficamente, díspares historicamente e distintos
culturalmente – se interessaram um pelo outro a ponto de se proporem o
estabelecimento de relações formais entre eles? Quais fatores compeliram o Brasil e a
China ao distanciamento ou à aproximação? Após trinta anos de cooperação, podem tais
relações ser consideradas estratégicas? Frente aos problemas anteriormente levantados,
esta obra coloca-se como objetivo geral compreender como o Brasil e a China reagiram
à globalização econômica do fim do século XX e quais mutações provocou no
relacionamento externo existente entre os dois países.
1 Dentro de uma perspectiva assimétrica de relação economica centro-periferia, o efeito do aumento de
intercambio comercial Sul-Sul pode até ser entendido como um fenômeno interessante do ponto de vista
macroeconômico, porém deve ser atrelado a uma mudança no padrão de desenvolvimento econômico do
Estado periféricos, no intuito de que o superávit primário oriundo seja reinvestido em políticas de
desenvolvimento mais descentralizantes.
12
Dentre os objetivos específicos propostos pelo presente trabalho, destaca-se, por
um lado, o de revelar como as percepções internas de interesse e oportunidades
sistêmicas foram formadas ao longo do período analisado e em que medida
condicionaram as relações bilaterais sino-brasileiras e suas respectivas estratégias de
Inserção Internacional. Com vistas a orientar a pesquisa proposta e facilitar seu estudo,
sugerem-se alguns argumentos a respeito dos fatores anteriormente elencados: i) é
considerada importante na caracterização e condução da política externa do Brasil e da
China a adequação de suas estruturas político-econômicas e de estratégias de inserção
internacional à dinâmica própria do sistema internacional; ii) o interesse mútuo
existente entre o Brasil e a China e o estabelecimento e aprofundamento de relações
formais, harmoniosas e duradouras entre ambos dependem da capacidade de esta
parceria colaborar na consecução dos projetos nacionais destes países e no
aproveitamento das oportunidades oferecidas pela ordem global em transformação.
A partir desses argumentos, este trabalho parte do pressuposto de que as relações
entre o Brasil e a China tornaram-se possíveis graças à existência de coincidências e
convergências entre seus respectivos projetos nacionais. Por sua vez, o que explica o
pouco aprofundamento, até o presente momento, das relações bilaterais e não
atingimento da maior parte dos objetivos traçados são não apenas fatores ligados às
diferenças lingüísticas e sócio-culturais – também existentes nas relações que a China
mantém com outros países do mundo ocidental – mas principalmente às condições de
desenvolvimento interno e às percepções de interesse, as quais conduzem os dois países
a aproveitarem de forma diversa as oportunidades que se apresentam no sistema
internacional, a optarem por relações com as grandes potências da época e a
negligenciarem o conhecimento mútuo e as realidades nacionais dos parceiros.
Desenho e Metodologia de Pesquisa:
A metodologia que está sendo utilizada pode ser dividida em duas instâncias
complementares. Primeiramente, realizamos no um levantamento da literatura
especializada na temática em questão, constituindo assim o aporte do quadro teórico em
três partes: Bibliografia teórica geral; Livros e artigos de caráter teórico sobre Estados e
13
Instituições Internacionais; Bibliografia especializada sobre sistemas políticos
internacionais. O modelo a seguir apoia-se numa metodologia fundada em bases
teóricas e empíricas de investigação cristalizadas nos últimos anos.
Está-se utilizando técnicas de Política Externa comparada para uma análise dos
Governos brasileiro e chinês no recorte temporal estipulado. Através da metodologia de
análise de política externa fornecida por Katzenstein (1978) podemos triangular os três
campos teóricos elencados acima e partir para uma tentativa de sistematização dos
processos decisórios dos governos do Brasil no que tange a sua relação com a China.
Tentaremos identificar em quais casos as conduções da política externa manteve-se
coerente e obteve os resultados condizentes com os seus objetivos. Adotaremos o
modelo de Putnam (1988) para o entendimento das mudanças na política externa.
Putnam enfatiza que as mudanças na política externa podem ser enquadradas em uma
constante que vai desde pequenos ajustes, passando por modificações de objetivos e de
programas, até alterações fundamentais no comportamento internacional dos países.
Esses graus de mudanças são examinados buscando identificar suas origens, agrupadas
em quatro fatores: a influência dos líderes na política externa (Diplomacia presidencial),
a influencia da burocracia (Itamaraty, ministérios ligados às relações internacionais
como o Ministério do Comércio Exterior) e por último a influencia de choques externos
(crises econômicas , acontecimentos importantes como o 11 de setembro).Para a análise
da cena externa e das estruturas de oportunidade e constrangimentos irão se utilizar as
abordagens neomercantilistas em Economia Política Internacional (EPI).
Para a construção da presente dissertação, além de noticiários da imprensa e
fontes secundárias nacionais e internacionais especializadas em política, teoria e história
das relações internacionais e política externa brasileira e chinesa, estão sendo
consultados documentos oficiais do Ministério das Relações Exteriores (MRE), no que
diz respeito aos Atos Bilaterais acordados entre os países e dados econômicos referentes
a balança comercial entre os países.
Esses dados possibilitarão o estudo comparado da inserção brasileira e chinesa
no sistema Político internacional. Por último, será feito o processo de análise de
conteúdo e triangulação dos dados e análise de casos importantes.
14
15
Quadro Teórico
Os enfoques teóricos que utilizaremos para a análise das políticas externas e
estratégias de inserção internacional brasileira e chinesa compõem um conjunto mais
amplo das Relações Internacionais, passando por teorias clássicas de interpretação e
análise do SPI que se ramificam e se especificam até uma dimensão estritamente
nacional de exame do problema. Neste sentido, acreditamos que este quadro teórico
pode ser mais bem entendido a partir da sua divisão em três dimensões interconectadas.
Em uma primeira dimensão, de escopo mais amplo, estariam as correntes teóricas mais
gerais em Economia Política Internacional e Relações Internacionais. Neste primeiro
momento serão utilizadas as visões de mundo de dois grandes campos de interpretação
do funcionamento da ordem e dos regimes globais. De um lado teríamos os paradigmas
dominantes de cunho liberal e neoliberal - correntes institucionalistas, neo-
institucionalistas, da interdependência, neorrealistas - que interpretam a transformação
do sistema político mundial pós Guerra-Fria como sendo substituídos por novas formas
de estruturação da sociedade internacional. Como sugere a teoria da interdependência,
os temas dessa nova agenda seriam guiados por relações de poder mais brandas “soft
Power” na arena internacional (KEOHANE & NYE, 1989). Neste sentido os temas
relativos à economia política internacional estariam migrando para serem debatidos
mais amplamente em grandes foros e grupos multilaterais que teriam condições de
arbitrar mais firmemente as resoluções de conflitos nas áreas econômicas, comerciais e
16
políticas, visto que a globalização e a transnacionalização dos mercados e de capitais
possibilitou a emergência de novos atores não estatais na arena internacional (WALTZ,
1959; GILPIN, 1981). Este grupo via esta nova estruturação internacional como sendo
benéfica, pois possibilitava o debate democrático entre todos os atores - estatais e não-
estatais; grandes ou pequenos; poderosos ou não - nestes organismos multilaterais de
conversação. Em contrapartida, outros teóricos viam este processo como centralizador
do “soft power” nas mãos dos verdadeiros controladores do capital internacional em
conluio com os países centrais do sistema internacional (COX, 2002)
Uma segunda dimensão, de escopo regional, estaria ligada a uma análise mais
focada na realidade dos países emergentes latino-americanos e asiáticos. Neste campo
existem interpretações do pensamento latino-americano aplicado às relações
internacionais. A raiz dos estudos de Raúl Prébisch formou-se pensamento do grupo
reunido pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Esse grupo inspirou
derivações expressas por Celso Furtado em sua teoria do desenvolvimento e pelos
enfoques da Dependência elaborados por Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Na
década de 1980, a influência do pensamento liberal fez com que a Cepal adaptasse o seu
modo de ver as relações internacionais regionais, inventando a versão do regionalismo
aberto. Estas formações teóricas foram influenciadoras da formação do pensamento
político internacional dos principais articuladores da política externa do governo Lula,
como veremos abaixo.
A análise da Política Externa Brasileira (PEB) pode ser agrupada em dois
grandes campos de interpretações. No primeiro campo, estariam as interpretações
formuladas pelos próprios fazedores da política externa e as análises de acadêmicos
ligados a escola do Itamaraty. Neste campo podemos perceber um consenso sobre as
formas de atuação da política externa do governo FHC como sendo uma busca pela
‘Autonomia pela integração’ (LAMPREIA, 1998; VIGEVANI et. al, 2003; ALMEIDA,
2004). De acordo com esta corrente, o governo FHC buscou obter maior controle sobre
o seu destino e a resolver melhor seus problemas internos através de uma maior
participação das normas e pautas de conduta da ordem mundial. Ao aumentar o seu grau
de participação na organização e na regulamentação das relações internacionais, a
diplomacia brasileira contribuiria para o estabelecimento de um ambiente favorável ao
seu desenvolvimento econômico. Para esta corrente, a perspectiva institucionalista
passou a ser vista como favorável aos interesses brasileiros, porque promovia o respeito
às regras do jogo internacional, as quais, uma vez estabelecidas deveriam ser respeitadas
17
por todos os países, inclusive os mais poderosos, equilibrando a balança de poder
internacional e reforçando o seu papel como global trader.
O início do Governo Lula, esperava-se um novo direcionamento da política
externa. A nomeação do embaixador Pinheiro Guimarães para secretaria geral do
Ministério das Relações Exteriores (MRE), forte crítico da política externa do governo
FHC, sinalizaria para mudanças. A literatura acerca da analise da política externa do
governo Lula indica a formação de um contexto político internacional onde o Brasil vai
tentar se inserir a partir de uma autonomia pela diversificação (ALMEIDA, 2005;
VIGEVANI & CEPALUNI, 2007). Neste sentido, enxerga-se a política externa do
governo Lula através de uma diversificação das suas articulações internacionais,
mantendo o modelo de inserção do governo FHC nas relações com os países
desenvolvidos e nos organismos multilaterais, mas buscando uma maior relação com os
países subdesenvolvidos, além de uma maior Inserção Internacional através de uma
diversificação de parceiros comerciais.
No campo da Economia Política Internacional, as análises do modelo Brasileiro
e Chinês de desenvolvimento e das potenciais formas de inserção política Internacional
feitas por Celso Furtado (1982, 1987, 2001) e José Luis Fiori (2008), e Gelson Fonseca
(2008), Giovanni Arrighi (2007), Shawn Breslin (2007), Rosemary Foot (2009), Zheng
Yongnian (et. al. 2010) abarcam uma grande parte do escopo teórico explicitado acima,
dando ênfase maior ao Brasil como inserido no sistema Mundial multipolar, mas que
ainda mantêm-se como um Estado periférico, ou semiperiférico, que tem procurado
aumentar o seu leque de Relações Internacionais através de uma perspectiva de
alargamento da cooperação internacional, mas operando economicamente dentro das
perspectivas de mercado e financeirização neoliberais. Nas seções abaixo, exploraremos
em detalhe os debates.
1.1. Economia Política internacional
Nesta primeira seção, nos concentraremos em expor resumidamente o campo de
estudo acadêmico conhecido como Economia Política Internacional (comumente
conhecido pela sigla abreviada de EPI). Mais precisamente, faremos uma tentativa de
sintetizar como se concretizou ao longo do tempo a construção da EPI como um campo
reconhecido e independente de pesquisa acadêmica relevante no qual podemos associar
18
com outro quadro – também abrangente – que convencionamos chamar de Relações
Internacionais (RI).
A arena da Economia Política Internacional nos ensina a pensar sobre as
conexões existentes entre as esferas econômicas e políticas que vão além das fronteiras
de um Estado Nacional. Do ponto de vista prático, a economia política sempre fez parte
das Relações Internacionais. Mas, como um campo de pensamento distinto, a EPI
nasceu a poucas décadas atrás2. Economia e Ciência Política eram tratadas como
disciplinas completamente diferentes e cada uma dominava sua própria visão e
abordagem dos assuntos internacionais.
Atualmente, este campo de pesquisa é amplamente reconhecido como uma
verdadeira interdiciplina, em que pese seu alcance e conquistas podem ser percebidos
através da construção de pontes de ligação entre disciplinas antigas e estabelecidas e
novas perspectivas acerca do estudo da economia mundial. Neste sentido entendemos
que o que une os diversos campos interpretativos na EPI é o esforço de seus
pesquisadores em tentar fazer uma “ligação” entre os espaços que separam as diferentes
especialidades e especificidades da economia internacional e o estudo das Relações
Internacionais. O que torna este campo mais interessante seriam as diferentes variedades
de “ligações” possíveis dentre os mais variados campos ideológicos.
Com efeito, trataremos de mostrar através de uma análise interpretativa as duas
principais escolas e autores de Economia Política internacional – suas visões e
interpretações do tema – de forma a explicar o porquê de termos nos aproximado
ideológica e empiricamente de umas em detrimento de outras. Dessa forma tentaremos
focalizar nas contribuições teóricas – os conceitos abstratos, princípios, proposições e
conjecturas que em conjunto ajudaram a moldar o “jargão” convencional da EPI.
A primeira escola a ser abordada neste espaço é talvez a mais conhecida e, em
muitos casos, a versão dominante sobre Economia Política Internacional: A “Escola
Americana” 3. De forma bastante simplificada, poderíamos sintetizar a interpretação
2 Não queremos com isso, dizer que não existiram inúmeros autores que se preocuparam e ocuparam
suas mentes com as inter-relações entre a “Politica” e o “Mercado”dentre os acadêmicos do mundo Ocidental. Principalmente os Marxistas e outros respeitáveis intelectuais que orbitavam periféricos ao mainstream. 3 Nosso entendimento de “escola” neste texto é bastante abrangente, não significando que os autores
atribuídos à mesma escola tenham necessariamente metas e agendas de pesquisas em comum, mas que existam entendimentos compartilhados tanto no nível ontológico , quanto no nível epistemológico.
19
básica do conceito de EPI na Escola Americana através de uma citação bastante
compartilhada de um de seus autores mais conhecidos: Para Robert Gilpin, o conceito
básico de EPI pode ser definido como “the reciprocal and dynamic interaction in
international relations of the persuit of wealth and the persuit of power” (GILPIN,
1975:43). Em nossa interpretação, o que Gilpin quis dizer com “persuit of wealth” seria
a conquista da esfera econômica – o entendimento dos mecanismos e do papel dos
mercados no desenvolvimento econômico. Já “the persuit of power” estaria atrelada à
esfera política – o papel do estado na gerência dos conflitos (internos e externos),
problema central na teoria política realista.
Doravante, a Escola Americana de EPI pode ser entendida como uma correlação
entre estas duas disciplinas (Economia e Política), integrando estudos de mercado e
análise política em um só campo investigativo. De certa forma, fundamentalmente o
estudo da EPI significaria entender a inter-relação complexa entre as atividades políticas
e econômicas que acontecem a nível internacional.
E qual seriam as inter-relações econômicas e políticas que contextualizavam o
mundo nos anos de 1970, e que impulsionaram as interpretações da Escola Americana?
De certo, mudanças fundamentais estavam ocorrendo no campo da economia e da
política internacional na época em questão. Em um contexto pós-Segunda Guerra
Mundial, de um lado tínhamos a culminação de uma impressionante recuperação
econômico-social dos países europeus e do Japão devastados durante a guerra.
Esta recuperação foi possível, em larga escala, pelo auxílio político e econômico
dos Estados Unidos via investimentos externos diretos capitaneados por grandes
corporações e bancos americanos transnacionais, além de um programa de crédito
governamental a baixo custo. Estes massivos investimentos externos acabaram por
engendrar um efeito negativo na própria economia interna americana, que passava por
período de estagnação econômica e baixo crescimento.
Do outro, temos a crescente pressão internacional para a descolonização, e o
consequente debate em torno dos desafios e dilemas do desenvolvimento econômico
atrelado aos novos países independentes assim como aos países subdesenvolvidos.
Além disso, não podemos esquecer-nos de salientar que, como alinhado a este cenário
existia uma intensa briga ideológica entre os Estados Unidos (EUA) e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a Guerra Fria.
20
Em meio a este conflito entre o “norte” desenvolvido e o “Sul” subdesenvolvido
estava a constatação de que as economias nacionais (desenvolvidas ou não) passavam
por um contexto de intensa interdependência, influenciados pela adoção por países
industrializados de políticas cada vez mais liberalizantes promovidas pelos Estados
Unidos através dos recém-criados4 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT)
5 e
o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em tese, O GATT e o FMI foram criados para
garantir que as disputas entre Estados fossem direcionadas e analisadas por questões
técnicas amparadas por um arcabouço legal comum a todos os países envolvidos e não
por questões de segurança.
Segundo Cohen (2008:23) as questões acima citadas foram culminar, na década
de 1970, resumidamente, em duas questões importantes e que estariam ameaçando a
proeminência do poder estatal:
1. A crescente interdependência econômica entre os países estaria influindo para
que as políticas públicas formuladas pelos países estivessem se tornando cada
vez menos eficientes em seu objetivo de garantir o bem-estar econômico e
social de suas populações;
2. A crescente interdependência aliada à adoção de políticas econômicas cada vez
mais liberalizantes estaria diminuindo o leque de opções políticas dos governos
nacionais para a adoção de medidas contracíclicas em caso de “choques”
externos.
Na tentativa de compreender o contexto político-econômico citado acima, Keohane e
Nye lançam em 19776 um modelo de visão paradigmática de mundo que se faz influente
até os dias de hoje: o modelo de Interdependência Complexa (KEOHANE e NYE,
1977).
O modelo de Interdependência Complexa pode ser definido por três
características principais: i) múltiplos canais de comunicação; ii) ausência de hierarquia
4 O FMI foi criado em 1944 e o GATT, em 1947.
5 GATT (em inglês: General Agreement onTariffs and Trade), é um conjunto de normas e concessões
tarifárias, criado em 1947, com a função de impulsionar a liberalização comercial, combater práticas protecionistas e regular, provisoriamente, as relações comerciais internacionais (MATTKE, Marcos V. O Acordo Geral de Tarifas e Comércio e a construção da hegemonia político-econômica dos EUA após a II Guerra Mundial (1947-1994). Monografia: UniCuritiba: 2010.). 6KEOHANE, Robert e NYE, Joseph. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston, Little
Brown.
21
entre as questões internacionais; iii) a diminuição do papel do poder militar na resolução
de conflitos. Esta teoria se contrapunha à clássica visão realista e estatocêntrica
dominante até então no universo de estudo das Relações Internacionais nos EUA.
Para os autores, o paradigma realista não teria mais condições de explicar as
mudanças em transformação na política e economia mundial. Tampouco foi capaz o
realismo de prever os importantes acontecimentos ocorridos na década de 1970, como o
colapso do regime de padrão-ouro atrelado ao dólar americano e o “choque do petróleo”
causado pelo repentino aumento dos preços do combustível (e consequentemente seus
derivados) pelos grandes produtores – nem propor uma resposta política eficaz à estas
circunstâncias.
Neste novo contexto, o conceito de interdependência complexa demonstrava que
a chave para o entendimento desta situação estava na fragmentação e difusão do poder
nos assuntos econômicos oriundos de uma crescente interconectividade entre as
economias nacionais. Neste sentido, a centralidade dos Estados como atores no sistema
político internacional ainda se mantinha alta, porém, com a expansão e interconexão dos
mercados, os Estados perderam a autoridade em determinar e controlar os efeitos e
resultados finais.
A liberalização financeira e comercial estava expandindo rapidamente o alcance
das relações transnacionais, adicionando novas formas de interação entre os países que
ultrapassavam os limites de controle oficiais determinados pelos órgãos de política
externa dos governos. A interdependência econômica estava ampliando o número de
atores internacionais que participavam ativamente das relações entre os países, atores
que o paradigma realista até então não tinha atentado.
Do ponto de vista prático, a ideia proposta por Keohane e Nye não se mostrava
“universalizável” – no sentido poder explicar a realidade de todos os países. Porém,
como um “tipo-ideal”, este novo paradigma foi bastante eficaz em compreender o
processo pelo qual vinha passando as nações mais industrializadas como Estados
Unidos, Europa Ocidental e Japão. O aumento das relações econômicas, a diminuição
da ameaça de conflito armado e a expansão de atores não-estatais entre estas nações
parecia legitimar o conceito de interdependência complexa.
22
No entanto, Robert Gilpin (2002) demonstrava que a emergência do
transnacionalismo e de novos atores não necessariamente estaria atrelada ao detrimento
do poder central do Estado, nem da teoria realista. Para Gilpin, o transnacionalismo só
poderia ser entendido através do contexto histórico do Sistema de Estados tradicional
Westphaliano. Sendo assim, “Politics determines the framework of economic activity
and channels it in directions witch tend to serve political objectives.”(GILPIN,
1975:54).
Gilpin vai buscar em três correntes distintas de pensamento nas Relações
Internacionais – marxismo, liberalismo e realismo – os modelos clássicos que podem
explicar a forma que a política enquadra a atividade econômica e a canaliza em direção
na qual tende a servir os objetivos políticos. Resumidamente, para Gilpin, Liberais e
Marxistas tem em comum a crença de que a economia tenderia a dominar a política –
embora os mesmos divirjam completamente no fato de ser esta dominância uma coisa
boa ou ruim. Já os Realistas, em contraste, mantinham a centralidade analítica na
questão do poder das relações políticas em adaptar e moldar os sistemas econômicos.
Mas no fim das contas, se as premissas ideológicas podem divergir bastante de
autor para autor, qual seria a base em comum que induziria estes autores a se
enquadrarem em uma “escola” em comum, a Escola Americana de Economia Política
Internacional? A resposta para esta indagação resta na metodologia. Ao longo dos anos,
a epistemologia da Escola Americana tornou-se cada vez mais padronizada, e o modelo
a ser utilizado cada vez mais semelhante com a metodologia da economia neoclássica –
baseado na análise positivista, aplicando modelos formais na coleta e análise sistemática
de dados empíricos. O uso de técnicas estatísticas e matemáticas de análise empírica nas
pesquisas da Escola Americana tem se tornado fato corriqueiro em qualquer Revista
Acadêmica de prestígio editorada nas áreas de Ciência Política, Economia Política ou
Relações Internacionais nos Estados Unidos – restando poucas exceções à regra.
Neste sentido, se faz necessário apontarmos agora o “outro lado da moeda” - e
do oceano Atlântico: a Escola Britânica de EPI (COHEN, 2008) 7. Para esta escola, o
estudo da EPI tende a ser muito mais multidisciplinar em sua finalidade, mais
normativo em sua ambição, crítico em relação a ortodoxias estabelecidas e mais 7 Como notamos ao fazer referência à escola americana, utiliza-se o conceito de “escola” de forma bem
ampla, apenas no sentido de que seus autores compartilham um entendimento comum geral, e não metas específicas ou agendas de pesquisa em comum (Cohen, 2008:44).
23
preocupado com os efeitos da EPI nas questões sociais. Diferente da Escola Americana,
suas preocupações metodológicas tendem a ser mais qualitativas do que quantitativas,
dando menos importância às evidências empíricas de suas pesquisas. Ligada às linhas
de pensamento mais tradicionais de Economia Politica Clássica, a Escola Britânica
tende a ser mais institucional e histórica em sua natureza.
Como demonstraremos abaixo, optamos por desenvolver nossa análise através
de uma ótica mais “britânica” do que “americana”. Ainda que utilizemos autores das
mais variadas correntes para tentar explicar nosso ponto de vista.
De uma forma bastante sintética, podemos resumir o estudo da economia
Política Internacional através da integração de perspectivas teóricas das disciplinas da
Economia e da Ciência Política no que tangem a compreensão em assuntos como
comércio intra, inter e transnacionais e do desenvolvimento econômico dos Estados-
Nação, por exemplo. Os conturbados acontecimentos ao longo do século XX obrigaram
os estudiosos das Relações Internacionais a focalizar as inevitáveis tensões e interações
contínuas entre a economia e a política. Neste sentido, existe uma necessidade
imperiosa de integrarmos o estudo da Economia Internacional e da Política
Internacional para aprofundarmos as compreensões dessas duas forças e a sua
consequente influência no mundo moderno. Durante toda a história, os fatores
econômicos têm desempenhado um papel importante nas relações internacionais
(ARRIGHI, 1996; FIORI, 2008; FURTADO, 2009; WALLERSTEIN, 1998).
Embora ao longo da história os fatores políticos e econômicos sempre tenham
exercido uma influência recíproca, no mundo moderno essa influencia se mostrou
transformada de modo importante. Cresceu a interdependência das economias nacionais
em virtude do aumento dos fluxos de comércio e do intercambio financeiro e
tecnológico. A percepção pública do conteúdo econômico nas disputas políticas também
aumentou. A expansão dessa consciência econômica , assim como da democracia
política, levou a uma percepção quase universal de que o Estado pode ser usado para
produzir resultados econômicos, e, em particular para redistribuir a riqueza entre
determinados grupos (GILPIN, 2002)
O Estado nacional vem assumindo, ao longo dos séculos, posição fundamental
na ordem política internacional, deslocando as formas pré-modernas de organização
política como as cidades-estados, tribos e Impérios. Simultaneamente, o mercado
24
tornou-se o meio primário da organização das relações econômicas, afastando outros
tipos de intercâmbio. Essas duas formas opostas de organização social, o Estado
moderno e o mercado, desenvolveram-se ao mesmo tempo nos últimos séculos, e a sua
interação recíproca tornou-se cada vez mais importante para o caráter e para a dinâmica
das relações Internacionais.
Grande parte do debate teórico dentro das Relações Internacionais (RI) enfocou
a questão do Estado de alguma maneira. Para Fred Halliday (2007), algumas discussões
apresentavam o Estado como ator principal nas RI, enquanto outras focavam o debate
na relativização da importância do mesmo como principal fiador do que é bom, dentro e
entre os Estados. O realismo estatocêntrico reafirmou as posições tradicionais sobre o
Estado, e o neorrealismo continuou algumas de suas ideias, principalmente no campo
das relações econômicas internacionais. Outros paradigmas desafiaram a primazia do
Estado através de duas correntes distintas: as teorias da interdependência e do
transnacionalismo e as teorias estruturalistas, que focavam na primazia dos sistemas
globais e das estruturas sobre atores específicos.
No debate sobre Economia política Internacional (EPI), o desenvolvimento de
perspectivas sobre o lugar dos Estados nas RI tem sido um processo contraditório que
nem confirma nem refuta a mais simples das análises realistas e neorrealistas. Neste
sentido, se são identificadas inúmeras maneiras nas quais o Estado perdeu a sua
preeminência, também são apontadas varias outras que provam a sua manutenção e
fortalecimento. Assim, a posição do Estado pode ser analisada desde várias formas e a
resolução empírica ou teórica uniforme torna-se dificultosa. Halliday enxerga essa
pluralidade de paradigmas como uma indicação de que a disciplina é saudável e não
“um bloco monolítico do qual são excluídos outras perspectivas, programas de
pesquisa, conceitos e fatos” (HALLIDAY, 2007:88). Neste sentido, no de pensar a
economia política e as relações internacionais através de outras perspectivas, é que nos
leva a inserir neste debate o pensamento Cepalino, através das contribuições de dois de
seus grandes colaboradores, Prebisch e Furtado.
1.2. Cepal, Prebisch e Furtado: O lugar da Periferia nas Relações
Internacionais.
25
Por proposta do Chile, na recém fundada Organização das Nações Unidas
(ONU, 1945), surge a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL,
1948). O papel reservado à Instituição era de desenvolver estudos que pudessem apoiar
o projeto de industrialização para a América Latina.
A ONU partia do diagnóstico já formulado por alguns economistas do leste
europeu e escandinavo – que defendiam a industrialização como processo de
modernização das sociedades subdesenvolvidas (entre elas as latino-americanas). Havia
já um esboço do diagnóstico de degradação dos preços dos produtos agrícolas. O papel
da CEPAL, como uma Comissão provisória da ONU, que funcionaria por apenas três
anos, era de levantar mais informações sobre a questão dos preços e esboçar
possibilidades de industrialização. Mas, os dados eram escassos e uma das
considerações dos técnicos da entidade era de que os países da América Latina
precisavam de uma burocracia técnica e especializada que pudesse mensurar
minimamente a economia da região.
A chegada do eminente economista argentino Raúl Prebisch, contratado como
consultor da Comissão em 1949, para ajudar a preparar o relatório sobre o
desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas, a ser
discutido na conferência das Nações Unidas em Havana, 1950, agregou novos
elementos às pesquisas cepalinas e deu visibilidade a Entidade. Tamanha foi a presença
de Prebisch e tão expressiva foi sua sintonia com os seus dados sobre a América Latina
(que se somaram com os da América Latina trazidos por ele), que o autor logo se
identificou com o projeto da Comissão e logo se tornou o seu mais importante teórico.
Surpreendente ou não, o relatório da CEPAL escrito para a conferência de
Havana, tornou-se um verdadeiro manifesto terceiro-mundista, argumentando em favor
da industrialização e fazendo referências à desigual polarização das economias em
centro e periferia. O relatório foi alvo de intenso debate no mundo acadêmico,
entusiasmou muitos pesquisadores e agregou apoio para a manutenção dos trabalhos da
instituição. Afinal era o primeiro trabalho sistematizado de pesquisa econômica, com
resultados consistentes e argumentação sustentada fora do eixo dos países
desenvolvidos.
Em 1952, mesmo a contragosto da diplomacia norte-americana, a CEPAL foi
efetivada como uma Comissão permanente da ONU. Prebisch permaneceu no cargo de
secretário executivo da Entidade até 1963, no mais longo mandato da história da
Comissão.
26
A instituição cepalina ficou tradicionalmente conhecida pela sua heterodoxia
econômica, de origem keynesiana e construção estruturalista, que sempre foi vista como
uma opção às políticas de cunho neoclássico, tentando construir um pensamento a
partir da periferia do capitalismo e não aceitando de bom grado as sugestões de políticas
econômicas, que estão relacionadas com o contexto de desenvolvimento europeu ou
norte-americano, pouco ligadas aos padrões de vida latino-americanos. A CEPAL
representava um pensamento original, voltado para os problemas do
subdesenvolvimento, centrado nas preocupações dos países capitalistas periféricos e
ligado ao contexto da América Latina. Seus estudos levam em consideração estratégias
de desenvolvimento para países atrasados socialmente, em um mundo com fortes
assimetrias econômicas e em busca de novos meios, não apenas econômicos, mas
também políticos e sociais para alcançar os objetivos da modernização.
Além disso, a CEPAL parecia representar o surgimento de um pensamento
efetivamente novo. Cunhou novas teorias. Deu corpo e audiência à teoria de Prebisch de
centro/periferia e sobre a degradação dos termos de intercâmbio – contrariando assim as
teses ricardianas de "vantagens comparativas". Mostrou que na prática ocorria uma
perda de renda real dos trabalhadores em países subdesenvolvidos, que não tinham os
mesmos mecanismos de defesa que os proletários dos países centrais desenvolveram.
Havia nas publicações institucionais cepalinas um questionamento a respeito da
aplicação dos diagnósticos econômicos dos países centrais. Estes não eram razoáveis
para explicar a economia dos países subdesenvolvidos. O recado era claro: no lado sul
do equador havia uma lógica econômica particular. Assim, a CEPAL promoveu algum
tipo de inovação no recente debate da Teoria do Desenvolvimento – explicitando que
entre os países centrais e os periféricos havia relações sociais e políticas que deveriam
ser levadas em conta nas teorias e nos prognósticos econômicos.
Por tudo isso, que apareceu logo nos primeiros anos de funcionamento da
CEPAL, a Instituição se tornou um ponto de referência para os estudos da economia do
subdesenvolvimento. Sua abordagem ficou conhecida como heterodoxa, transferindo,
por contraste, aos economistas adeptos do pensamento neoclássico a denominação de
ortodoxos. Estes não viam diferenças entre as economias de centro e periferia,
consideravam para todos os países as mesmas etapas para o desenvolvimento
econômico.
O que a CEPAL fez, na verdade, foi provocar uma relativa “cisão” na teoria
econômica, questionando a economia política neoclássica, a partir de uma posição
27
periférica na divisão internacional do trabalho e das novas teorias keynesianas de
formulação de políticas anticíclicas. Tudo isso a tornou uma opção e uma referência
fundamental para os governos da América Latina, que viam nas suas recomendações de
políticas públicas uma saída inovadora para tratar da pobreza, da miséria e do
subdesenvolvimento; assuntos que não eram explorados pela economia política
ortodoxa.
Uma linha de pensamento de grande influência para o pensamento de latino
americano foi elaborada pelo economista argentino Raul Prebisch. Segundo este, a
partir da crise de 1929, alguns países da América Latina iniciaram processos de
industrialização, impulsionados pelos efeitos da desorganização da divisão internacional
do trabalho e da ordem econômica até então vigente (PREBISCH, 1984). A
industrialização “espontânea” que ocorria na América Latina almejava resolver os
problemas de demanda e de vulnerabilidade externa advindos da desorganização da
economia internacional (PREBISCH, 1984). Contudo, a industrialização, ao longo da
primeira metade do século XX, passa a ser vista como uma janela de oportunidade para
superar o atraso econômico e social existente. Entretanto, este autor vai observar que
estes processos endógenos de industrialização careciam de uma teorização que os
guiasse.
No intuito de fornecer esse tipo de teorização, Prebisch lança o que podemos
considerar como as três grandes contribuições à teoria sobre as relações entre centro e
periferia. Contudo cabe apresentar antes as principais variáveis com que Prebisch
trabalhou e que foram aproveitadas posteriormente por Furtado.
Em primeiro lugar, Raul Prebisch tinha uma visão bastante singular do
funcionamento do sistema internacional. Ele acreditava que as relações econômicas
internacionais eram marcadas por uma ruptura estrutural entre o centro e a periferia do
sistema capitalista (FURTADO, 1992). Isso significaria dizer, que na divisão
internacional do trabalho haveria uma segmentação clara entre, de um lado, países
exportadores de commodities e de outro, exportadores de bens manufaturados. Essa
assimetria na distribuição e capacidade de produção de riqueza na ordem internacional
seria um dos eventos causais da estruturação de relações de poder econômico entre as
nações, no qual a periferia sairia em desvantagem. Essa ideia relativa ao funcionamento
do sistema econômico internacional seria posteriormente desenvolvida e remodelada
por Celso Furtado.
28
Uma segunda ideia-força de Prebisch é a “Tese da Deterioração dos Termos de
Intercâmbio” (PREBISCH, 1984). A compreensão de uma constante reiteração do lugar
da periferia através dos mecanismos do mercado internacional foi de expressiva
relevância para a apreensão de uma estrutura de distribuição assimétrica não apenas de
riqueza, mas de poder e influência nas relações internacionais entre o centro e a
periferia. Com isso, o fenômeno econômico vê-se misturado ao político nas relações de
poder e de dominação nas quais se travam as competições interestatais e
interempresariais.
Um terceiro legado teórico prebischiano, central para o pensamento cepalino, é a
importância do Estado como um ator central para o processo de industrialização tardia e
de desenvolvimento. Os mecanismos e prerrogativas institucionais desta instituição,
segundo o autor, podem ser de grande valia para um processo de desenvolvimento
tardio. Instrumentos como o planejamento, a política industrial e as barreiras
alfandegárias seriam apenas alguns mecanismos econômicos, dotados de uma dimensão
estratégica de promoção da industrialização e do desenvolvimento, como da defesa da
soberania econômica nacional.
A partir do último terço do século XIX, o núcleo industrial do sistema capitalista
se ampliou de uma forma bastante importante, sofrendo modificações estruturais
relevantes. A preocupação com economias externas dinâmicas (em um nível de sistema
nacional) sobrepôs-se, em muitos casos aos critérios das “vantagens comparativas”,
passando o sistema industrial nacional a optar pelo respectivo mercado interno, que
resultou em uma redução do comércio internacional. Os países que nesse período, não
surgiram ou não foram criadas condições para que fosse seguida constantemente uma
política de integração nacional permaneceram em uma condição de dependência que
condicionou sua evolução econômica posterior.
Neste contexto, a evolução da economia industrial se apresentava sob forma de
fluxos de inovações que se apoiam no processo de acumulação de capital. Para Celso
Furtado (2003), embora esses processos sejam parte de um mesmo sistema, eles podem
ser objeto de transação comercial separadamente. Com isso, as novas técnicas
produtivas podem ser adquiridas no mercado e utilizadas para modificar abruptamente
as estruturas produtivas de determinada região, enquanto os novos produtos feitos com
as novas técnicas são adquiridos á parte e utilizados para modificar a forma de vida de
29
uma população. Com o avanço da industrialização, fazem-se mais sofisticadas as
técnicas produtivas e mais variado e abundante o fluxo de bens consumo, aumentando
paralelamente o nível de acumulação de capital. Dentro deste processo, Furtado entende
que a transferência de novas técnicas, entre países com níveis de acumulação de capital
distintos, implica em modificações estruturais no país de menor nível.
A estrutura atual do sistema capitalista pode ser entendida em grande parte como
um reflexo das disparidades geográficas no processo de acumulação de capital. A
mutação do sistema, que Celso Furtado faz referência, significou em os países optarem
por formas de crescimento econômico que permitiam maximizar a acumulação ao nível
do sistema nacional.
A partir desta análise de Furtado, podemos perceber as consequências do atraso
no processo de acumulação. Como a industrialização de um país molda-se pelo grau de
acumulação alcançado nos países que lideram o progresso técnico, o esforço requerido
para dar os primeiros passos tende a crescer com o tempo. Compreendemos assim, que
a partir de certo ponto, a possibilidade de optar por um projeto de sistema econômico
nacional se tenha tornado praticamente nula. Para um melhor entendimento deste
processo, Celso acredita ser pertinente enquadrar este momento histórico nas teorias de
Raúl Prebisch sobre capitalismo central e capitalismo periférico.
Para Prebisch (1984), o sistema capitalista central compreende toda uma
constelação de economias que possuem disparidades consideráveis, mas em que o
desenvolvimento econômico se apoiou numa forte acumulação de capital, buscando
sempre uma forte industrialização e tecnificação da agricultura. Já o sistema capitalista
periférico compreende uma constelação de países com disparidades ainda maiores,
porém todos os seus membros têm em comum certos traços estruturais que decorrem do
fato de que passaram por uma modernização das formas de consumo de uma parte da
população antes de engajar-se decididamente no processo de desenvolvimento das
forças produtivas.
A ascendência dos interesses industriais dentro das classes dominantes nas
economias periféricas deu-se paralelamente à ampliação do Estado como agente
econômico. Sendo o principal instrumento de captação de recursos financeiros – através
do controle direto de empresas de grande vulto, seja associando-se a grupos
internacionais, exercendo o poder regulador, enfim, pretendendo ser o único intérprete
30
do interesse público em sociedades onde a maioria da população não está representada
no sistema político, o Estado que foi emergindo nos países de capitalismo periférico, na
fase de industrialização foi uma instituição um pouco diferente do Estado no sistema
capitalista central. Suas responsabilidades diretas no plano econômico são bem maiores
do que as que conheceram o Estado no capitalismo central.
Para Celso (1987), a preeminência de um grupo tecnoburocrático nas estruturas
do poder constituiu um dos traços mais característicos do capitalismo periférico. Por
isso Celso acredita que o capitalismo periférico requer maior concentração de poder e
maior interdependência entre o político e o econômico do que foi a regra no capitalismo
central. Assim:
“se se tem em conta que a evolução do capitalismo periférico faz-se pela
assimilação de padrões de consumo gerados em sociedades que se
encontram a um nível de acumulação muito avançado (o que engendra
uma agravação das desigualdades sociais inerentes ao capitalismo),
compreende-se que surja no mundo periférico o Estado centralizador.”.
(FURTADO, 1987:100)
Para Furtado (2003), a tutela americana não tem condições de assegurar um grau
adequado de estabilidade social na área de influência. A política externa formulada pelo
governo americano tinha como princípio a ideia de que a estabilidade geopolítica para
uma hegemonia americana internacional podia ser encontrada através de uma bem
orientada “ajuda externa” aos países subdesenvolvidos, através de um processo de
desenvolvimento dos países periféricos orientado de fora para dentro.
Na segunda metade do século XX, o principal problema do Brasil era o de
conceber um desenvolvimento em que se pudessem ser alicerçados as bases estruturais
sociais, políticas e econômicas que serviriam de base para abrir caminhos para a
revolução tecnológica em curso naquele momento. O país se viu diante da necessidade
de ter que introduzir profundas modificações no seu marco institucional para evitar que
a própria tecnologia viesse a provocar a concentração de renda e deformar a aplicação
dos recursos produtivos, aumentando o custo social do desenvolvimento. Para isso seria
necessária a tarefa de ampliar as dimensões reais e potenciais dos mercados internos por
31
meio de uma maior integração econômica das regiões brasileiras, visando com isso a
influir na própria orientação do processo tecnológico a ser recebido das economias
centrais em função das exigências específicas da fase do processo de desenvolvimento e
de modernização das estruturas sociais nacionais, para com isso modificar a organização
agrária e empresarial, a fim de eliminar as formas antissociais de poder econômico.
Porém, couberam as empresas norte-americanas um papel básico no
desenvolvimento Latino-Americano como principais intelectuais da política de “ajuda”
dos Estados Unidos. Essa política tem suas raízes na própria evolução estrutural do
capitalismo americano, no qual o poder econômico tende a concentrar-se ao mesmo
tempo em que a estrutura da grande empresa se diversifica funcional e geograficamente.
Do ponto de vista estritamente econômico, Furtado (2003) acredita que a grande
empresa é um instrumento ineficaz para promover o desenvolvimento em um país
subdesenvolvido. Com avançada tecnologia e elevado capitalização, as grandes
empresas tendem a provocar desequilíbrios estruturais de difícil correção, como maiores
disparidades de níveis de vida entre grupos de população e rápida acumulação de
desemprego.
A consequência das assimetrias que caracterizam as relações centro-periféricas,
no sentido da mimetização cultural e tecnológica da periferia, pode ser examinada nas
formas de viver e nos valores que prevalecem nos países periféricos, principalmente por
suas elites, e mostram o controle das empresas vindas do centro sob os mesmos. Por que
uma grande parcela da riqueza que se acumula nos países periféricos é de propriedade
ou está sob controle de empresas do centro, o que condiciona um fluxo crescente de
recursos reais da periferia para o centro, ocasionando um endividamento estrutural, que
aumenta a pressão nas relações internacionais, e enfraquece a posição negociadora dos
países periféricos no sistema político internacional.
Neste sentido, para Furtado, o autêntico desenvolvimento econômico e social
dificilmente se fará sem uma atitude participativa de grandes massas da população. Pois
toda política de desenvolvimento retira a sua força de um sistema de juízos de valor que
incluem os ideais coletivos. Se essa coletividade não dispõe de órgãos políticos
capacitados para interpretar as suas legítimas aspirações, não está aparelhada para
empreender as tarefas do desenvolvimento. Assim:
32
“Toda a medida que se venha tomar para enfraquecer os governos como
centros políticos capazes de interpretar as ações nacionais e de
aglutinar as populações em torno de ideias comuns, resulta na limitação
das possibilidades de um autêntico desenvolvimento na região”.
(FURTADO, 2003:41)
A partir desta crítica, podemos indagar: Que tipo de organização política será
possível na região, com um sistema econômico tutelado por poderosas sociedades
anônimas norte-americanas? A resposta para esta questão pode ser encontrada quando
avaliamos historicamente a década de 1990 na América Latina. Período em que
poderosas forças capitalistas internacionais se articularam com os centros políticos e
econômicos da região, promovendo uma inserção tardia ao modelo neoliberal, abrindo
os mercados nacionais de vez aos investidores externos, privatizando empresas estatais
e diminuindo imensamente a autonomia dos governos locais.
Segundo Celso (2003), o sistema econômico mundial que surgiu sob a
hegemonia americana é estruturalmente diferente do que reinava sob a preeminência
britânica. O sistema britânico de baseava em uma divisão internacional do trabalho que
exigiu a abertura crescente da economia inglesa. Especializando-se na produção
manufatureira, a Inglaterra abria as suas fronteiras à produção estrangeira, formando um
sistema econômico que se apresentava como uma articulação de subsistemas nacionais.
Já o sistema econômico mundial tutelado pelos Estados Unidos começou a definir-se
como um sistema de decisões de âmbito Multinacional, e que a sua coerência é
resultado de critérios valorativos, estabelecidos a partir da realidade interna da
economia americana. Neste novo sistema, as funções econômicas do Estado e a
natureza da empresa privada como centro de decisões e o processo de concentração do
poder econômico tendem a passar por profundas alterações.
A tendência de uma empresa controlar totalmente um mercado, como foi
observada no começo do século XX, não se manifestou. No seu lugar tenderam a
prevalecer as formas de organização oligopolistas dos mercados. Comparáveis com as
políticas de preços administrados que convêm às grandes empresas e permite a união de
vários grupos num esforço de conjunto para condicionar o comportamento do
consumidor sem conflito com a legislação antitruste. Se observarmos em conjunto a
33
integração e a diversificação, veremos que uma empresa que se expande nessas direções
tende a ser levada a controlar atividades econômicas na aparência totalmente
desconectadas umas das outras. A partir de certo momento, as vantagens da
diversificação passam a ser de caráter estritamente financeiro: o excesso de liquidez de
um setor pode ser utilizado em outro ocasionalmente mais dinâmico. Esse tipo de
coordenação pode ser conseguido através de instituições bancárias, que facilmente
obtêm informações em todos os setores da atividade econômica e tem pronto acesso aos
mercados financeiros. Essa dupla coordenação, obtida através de estruturas oligopolistas
e das instituições financeiras, constitui característica fundamental do capitalismo em sua
fase atual. A ela se deve, em boa medida, a intensificação do crescimento das
economias capitalistas e também a considerável aceleração no processo de concentração
do capital. Do ponto de vista da teoria econômica convencional, o conglomerado
poderia parecer uma aberração, porquanto não se apoia nem nas economias de escala,
nem nas conhecidas vantagens de integração vertical. No entanto, sua vitalidade é
evidente, pois já se constitui a forma predominante de organização da produção. Baseia-
se em dois princípios: O de investir em múltiplos setores com um mínimo de relação,
reduzindo o risco e de dispor de poder financeiro, o que seria mais importante do que
uma elevada participação no mercado.
Para Celso (1987), existem amplas evidências que estas instabilidades tendem a
assumir uma forma de flutuações cíclicas no nível da atividade econômica em geral e do
emprego em particular. Daí que o desemprego cíclico se haja transformado,
progressivamente, na preocupação central das nações de economia capitalista mais
avançada. Assim, o tratamento contra essa instabilidade viria a reforçar a tendência para
o fechamento das economias enveredado pelo protecionismo desde a primeira grande
guerra. Neste sentido, o conglomerado surge como um fenômeno do capitalismo pós-
cíclico. Eliminados os ciclos de prosperidade e depressão, uma inversão (investimentos)
que se distribuam entre um grande número de setores produtivos põe-se ao abrigo de
riscos maiores. Evitadas as depressões, as perdas ocasionais ocorridas em certos setores
são compensadas com ganhos em outros.
Parece-nos fora de dúvida que o fator mais importante na conformação do atual
sistema capitalista é o processo de unificação do espaço econômico, o processo de
integração crescente dos sistemas econômicos internacionais. Podemos perceber melhor
essa unificação aqui:
34
“mas a verdade é que as fronteiras dos antigos sistemas econômicos
nacionais vão desaparecendo sem que o perfil do novo sistema global
tenha se definido com clareza. As grandes empresas, que enfeixam
crescente poder dentro das novas estruturas, ainda não possuem estatuto
definido. Os recursos líquidos ou semilíquidos de que dispõem essas
grandes empresas são hoje muito superiores às reservas de todos os
bancos centrais do mundo capitalista, particularmente se levarmos em
conta que as reservas de ouro não são operacionais. Os recursos
transitam pelo mercado financeiro internacional, e que escapam ao
poder de quaisquer autoridades monetárias somam centenas de bilhões
de dólares. Existe, portanto, uma esfera de decisões que não se
confundem com os quadros institucionais controlados pelos Estados
nacionais. Tudo se passa como se houvesse surgido uma nova dimensão
no conjunto das decisões econômicas que escapa as formas codificadas
de ação dos governos nos planos nacional e Internacional.”
(FURTADO, 1987:70)
O que Celso Furtado quer dizer é que dentro deste quadro institucional, os
governos não têm a possibilidade de coordenar a ação que todo um conjunto de
poderosos agentes exerce no sistema capitalista. Se alguma coordenação existe, ela
realiza no quadro dos oligopólios e dos consórcios financeiros, dentro dos qual a
presença dos governos se manifesta através da pressão que ocasionalmente sobre este ou
aquele agente.
Podemos perceber que Celso Furtado enfatiza, corretamente, que os primeiros
sintomas da instabilidade internacional que se desdobra mundialmente a partir da
década de 1970 se manifestam no plano monetário. A partir do momento em que a
moeda já não é uma mercadoria produzida como as outras e sim um símbolo criado sem
qualquer custo, o controle centralizado do poder de emissão passa a ser condição básica
para que um sistema econômico opere com um mínimo de estabilidade.
Na evolução dos sistemas capitalistas nacionais a criação dos bancos centrais
constitui um marco decisivo. Poder criar meios de pagamento significa estar em
condições de apropriar-se, a todo o momento, de parte dedo fluxo de bens e serviços à
35
disposição de uma coletividade. Uma empresa poderosa tem a possibilidade de, em
curto prazo, modificar a sua estrutura financeira, isto é, de transformar um ativo menos
líquido em outro mais líquido, o que para fins práticos, pode ter o mesmo efeito de
emitir papel-moeda. A teoria monetária tradicional ignora este fato, assumindo que, em
curto prazo a circulação da moeda é constante. Mas esse curto prazo pode ser muito
distinto quando visto do ângulo de agregados nacionais de uma empresa. A
manipulação de seus ativos em curto prazo, mediante operações de avanços e
retardamentos, abre para uma grande empresa a possibilidade de criar liquidez. Se a
empresa atua no plano internacional, essa possibilidade de criar liquidez adquire uma
nova dimensão: permite a empresa fazer transferências financeiras internacionais
escapando ao controle das autoridades monetárias dos países em que atua. Que esse
poder seja utilizado em operações de especulação contra a moeda deste ou daquele país
é apenas um aspecto da questão.
Podemos perceber no autor uma análise do ponto de vista global que deixa clara
a existência de uma descontinuidade centro-periférica na estrutura do sistema
capitalista. Neste sentido isso, toda a análise da dinâmica capitalista do fim do século
XX deve partir deste ponto. Como foi explicado anteriormente, Furtado analisa o
sistema político e econômico mundial a partir da relação centro-periferia. Nesta relação,
o crescimento do centro faz-se com difusão social dos frutos do aumento da
produtividade, e na periferia com concentração. Como a periferia paga ao centro pela
técnica que utiliza e como parte do lucro gerado na periferia é apropriado por empresas
do centro, a renda tende a concentrar-se em benefício do centro. Daí que Celso entende
este processo como sendo de dupla concentração de renda: uma em benefício dos países
centrais no conjunto do sistema, e outra nas classes dominantes dos países periféricos,
que reproduzem o estilo de vida do centro.
Além disso, um dado fundamental que se deve considerar para compreender a
dinâmica do conjunto do sistema mundial, defendido por Celso é o processo de
integração, que pressupõe a existência de uma superestrutura política que cria as
condições para que as grandes empresas transnacionais desfrutem de considerável
autonomia. Assim:
“... uma mutação no plano político, ocorrida há três decênios, abriu
caminho para toda uma reestruturação no plano econômico, cujo amplo
36
alcance somente agora percebemos com clareza. Da mutação política
surgiu a ideologia da interdependência, da solidariedade com os ex-
inimigos, da liquidação do velho colonialismo, da igualdade de
oportunidades para todas as empresas de países grandes e pequenos, do
acesso a todos os povos (centrais) aos altos padrões de consumo que o
capitalismo industrial havia banalizado nos Estados Unidos. A
institucionalização dessa superestrutura política continua em estado
embrionário, embora a criação de instâncias regionais, particularmente
na Europa, tenha permitido certos avanços no sentido de reduzir o grau
de arbítrio do poder político nacional no campo econômico.”
(FURTADO, 1987:103)
Na medida em que a grande empresa vai ganhando autonomia, graças ao seu
crescimento fora das fronteiras nacionais e a alianças com outras grandes empresas
(conglomeração) em vários países, suas relações com o Estado do país de origem vão
adquirindo novas características. Nesse sentido, é importante que o Estado procure atuar
no plano internacional em função dos interesses das grandes empresas do respectivo
país. No plano interno, Furtado acha que esta tendência mundial de autonomia das
grandes empresas fará com que o Estado passe a assumir crescentes posições no plano
social e cultural e diminua a sua posição no plano político-econômico.
1.2.1. A teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado
Celso Furtado explicita, na esteira de Prebisch, a questão da originalidade do
subdesenvolvimento – em oposição direta ao recém divulgado trabalho de Rostow, As
etapas do crescimento econômico (Rostow, 1961), no qual se defende a ideia de que há
uma única trajetória de desenvolvimento, comum a todas as economias. E será essa
originalidade que justificará a construção de teorias e a adoção de políticas também
originais para as “estruturas subdesenvolvidas”. No entanto, também como Prebisch, no
que será de resto uma marca registrada da CEPAL, Furtado define desenvolvimento e
subdesenvolvimento em termos estritamente atinentes às estruturas produtivas.
37
Furtado, nesse início dos anos sessenta, na esteira de Prebisch, parte da ideia de
que a constituição dos sistemas econômicos à época maduros, desenvolvidos, se origina
do processo de surgimento do capitalismo industrial, no qual os vetores do crescimento
econômico se tornam progressivamente endógenos – o que não ocorria no capitalismo
comercial. Em particular, como o empresário industrial precisava comprometer
adiantadamente (ou avançar) capital próprio no processo produtivo, cujo resultado
poderia não ser posteriormente sancionado pelo mercado, “os custos de produção
passam a ocupar o centro de suas preocupações” (Furtado, 2009:166). A necessidade,
imposta pela concorrência e pela assunção do risco, de reduzir custos e preços é o
estimulo da busca contínua de aumentos de produtividade, cujo mecanismo é, por
excelência, o progresso técnico. Na primeira etapa de constituição do capitalismo
industrial, o dinamismo econômico atuava pelo lado da oferta – baixando custos e
preços, por meio do progresso técnico, para constituir mercados antes inexistentes, e
absorvendo, paulatinamente, a mão de obra, abundante, que vinha sendo dispensada das
atividades artesanais destruídas pela indústria nascente. Num segundo momento, o
aumento de produtividade e lucratividade nas indústrias de bens de consumo induzia
seus empresários a aumentar os investimentos, comprando máquinas e equipamentos.
Constituía-se, aí, o setor de bens de capital, que também absorvia mão-de-obra, liberada
agora também pela maior produtividade do setor de bens de consumo. E esse novo
acréscimo de força de trabalho retroagia, agora pelo lado da demanda, sobre o setor de
bens de consumo. O dinamismo econômico operava tanto do lado da oferta como do da
procura dos bens finais de consumo (Furtado, 2009:169). Uma vez concluída a absorção
pelo capitalismo industrial do sistema artesanal e da mão de obra por ele liberada, a
relativa escassez da força de trabalho impõe um aumento progressivo do salário real e,
reativamente, uma aceleração da incorporação do progresso técnico, especialmente no
setor de bens de capital.
Segundo Furtado, uma das linhas de expansão mundial do capitalismo industrial,
a partir da Europa, deu-se através da incorporação de sistemas econômicos pré-
capitalistas em regiões de antiga colonização:
“a resultante foi quase sempre a criação de estruturas híbridas, uma
parte das quais tendia a comportar-se como um sistema capitalista, a
outra, a manter-se dentro da estrutura preexistente. Esse tipo de
economia dualista constitui, especificamente, o fenômeno do
subdesenvolvimento contemporâneo” (FURTADO, 2009:180).
38
A intensidade do impacto econômico do capitalismo industrial sobre os sistemas pré-
capitalistas dependia, basicamente, do volume relativo de mão de obra daquele sistema
absorvido pelo núcleo capitalista – que era, em geral, de início, pequeno. Além disso, os
estímulos à transformação daquela estrutura em um sistema industrial desenvolvido
eram limitados pelo fato de que a massa de lucros gerada no polo capitalista não se
integra na economia local (Furtado, 2009:182).
No Brasil, contudo, “a massa de salários no setor ligado ao mercado
internacional foi suficiente para dar caráter monetário a uma importante faixa do
sistema econômico” (Furtado, 2009:185), que causava uma diversificação dos hábitos
de consumo e estavam satisfeitos com o fluxo das importações. Nos momentos de
retração da demanda externa, em condições de preservação relativa da renda monetária
interna, havia, portanto, estímulos à produção doméstica de bens de consumo, cuja
importação tornava-se mais difícil, processo que levou à criação de um núcleo industrial
voltado para o mercado interno.
Ao contrário dos países desenvolvidos, portanto, a constituição do núcleo
industrial no Brasil não teria tido na oferta seu impulso dinâmico, mas na demanda
preexistente. Mas os estímulos que o arrefecimento do dinamismo externo
proporcionava à indústria local eram limitados pela própria redução da capacidade de
importação, que encarecia a internalização de bens de capital necessários para a
progressiva endogeneização do progresso técnico no sistema industrial
subdesenvolvido. Mas, paulatinamente, a diversificação industrial passava a abranger
também o setor de bens de capital, o que possibilitava o prolongamento do crescimento
econômico mesmo sob contração da capacidade de importação.
Ainda assim, o fato de os empresários nacionais serem obrigados a se pautar
pela concorrência externa os levava a optar por tecnologias poupadoras de mão-de-obra,
o que fazia com que a estrutura ocupacional do país se modificasse com lentidão.
Preservava-se, portanto, como traço típico dos países subdesenvolvidos, o alheamento
de grande parte de sua população aos benefícios do desenvolvimento.
Essa, em breve resumo, a teoria do subdesenvolvimento elaborada por Furtado
no início dos anos sessenta. Vazada, como se vê, basicamente em termos econômicos,
tendo como fio condutor a forma desigual pela qual o progresso técnico e seus frutos se
disseminaram a escala mundial – tal como em Prebisch. A diferenciá-los, talvez, há a
predominância, em Prebisch, como vimos, do pragmatismo – menos teoria, mais ação.
39
Em Furtado, a preocupação maior e mais explícita de conferir maior precisão e
generalidade à teorização – que ele chama de ênfase no aspecto estrutural da teoria – e
de concatená-la e ilustrá-la com uma história estilizada do capitalismo industrial,
desenvolvido e subdesenvolvido.
O aparato analítico de Furtado e a construção do método histórico-estrutural têm
como influência importante uma leitura muito particular e atenta de Marx em quem ele
se inspira para enfatizar a centralidade da estrutura produtiva, da acumulação de capital,
do progresso técnico, a divisão departamental da indústria em bens de consumo e bens
de produção, a ideia de que, uma vez constituído esse segundo departamento, o processo
de acumulação ganharia movimento endógeno pleno – e, não menos importante, o apoio
da teoria na história do capitalismo. Ressalta como ponto fundamental de discordância
da leitura furtadiana de Marx o tema do exército industrial de reserva – para Furtado,
inexistente no capitalismo maduro, mas presente, sob a forma da oferta elástica de mão
de obra, nas estruturas subdesenvolvidas.
Furtado irá explicitar, com base na teoria, suas preocupações. E essas são,
essencialmente, idênticas às de Prebisch: devem-se preservar as políticas de
desenvolvimento e, para isso, é preciso planejar o investimento para reduzir os
desequilíbrios estruturais de balanço de pagamentos e monetários inerentes às trajetórias
de crescimento das estruturas subdesenvolvidas: “não existe qualquer razão
fundamental para que o desenvolvimento não possa processar-se a um ritmo rápido e
em condições de relativa estabilidade, tanto interna como externa. O que se procurou
demonstrar foi, tão somente, a inviabilidade de semelhante ocorrência, nas fases
intermédias e avançadas do subdesenvolvimento, sem uma orientação [“ positiva”] do
processo de formação de capital” (Furtado, 1961, pág. 231). Noutros termos, Furtado
defende a condução deliberada pelo Estado de uma política de industrialização que teria
como eixo um processo de substituição de importações. Desenvolvimento e
industrialização são quase sinônimos – de novo, como em Prebisch.
No último capítulo, Furtado aplica suas teorizações e prescrições ao caso
brasileiro – o qual, desde logo, embora nem sempre de forma explícita, está sempre em
primeiro plano em nosso autor. Depois de mostrar como seu esquema analítico do
subdesenvolvimento está colado à história concreta – ainda que estilizada – da
industrialização brasileira, ele prossegue afirmando que, a par do “deslocamento do
centro dinâmico da economia brasileira para o setor industrial” (pág. 243), houve
também a internalização dos centros de decisão das medidas de política econômica, dos
40
interesses ligados ao setor externo para aqueles voltados para o desenvolvimento
interno, cristalizados no Estado. E vai mais além: “Após a grande expansão da indústria
de bens de produção ocorrida no último quinquênio, pode-se assegurar que a economia
brasileira aproximou-se do grau de diferenciação necessário para que seu
desenvolvimento dependa basicamente de fatores endógenos. Alcançado esse ponto, a
demanda básica de importações tenderá a reduzir-se às dimensões correntes da
capacidade para importar. Em outras palavras: a taxa ‘necessária’ de crescimento –
correspondente à plena ocupação da capacidade instalada – poderá ser alcançada sem
pressão inflacionária incontível, dado um influxo ‘normal’ de recursos externos”
(Furtado, 2009:253).
Não se supera, portanto, o subdesenvolvimento. À manutenção da exclusão
social, Furtado acresce uma preocupação com a ausência de vetores de dinamismo,
quando se completa a industrialização e se encontra preenchida com oferta nacional a
demanda preexistente antes suprida com importações. Esgotada a substituição de
importações, a economia tenderia à estagnação – tema que nosso autor traria à frente da
cena alguns anos mais tarde. Furtado receita, para prosseguir ambas as trajetórias –
crescimento e desenvolvimento –, a adoção de políticas visando homogeneizar o
progresso técnico e distribuir melhor seus frutos, industrializando também a agricultura
– seja diretamente, por uma reforma agrária, seja aumentando a produtividade da
indústria para baratear os bens de capital para o setor primário. E isso seria um
imperativo: para evitar a eclosão de tensões sociais agudas, as reformas, em voga no
Brasil à época.
1.2.2. A contribuição da CEPAL para a Economia Política nas
Relações Internacionais: uma breve introdução
A análise empreendida ao longo desse trabalho sobre o conceito de centro
periferia tanto em Prebisch, quanto na análise furtadiana de subdesenvolvimento,
pretende transcender os limites das disciplinas que compõem as Humanidades. Tendo
em vista o próprio caráter transdisciplinar do conteúdo gestado por essas correntes de
pensamento, na medida em que congregam elementos econômicos, políticos, sociais e
históricos, num esforço analítico totalizante da realidade regional, objetiva-se
dimensionar o impacto que a noção de centro e periferia produziu no campo particular
41
da Economia política das Relações Internacionais. Não se ambiciona aqui apresentar os
diversos debates ontológicos, epistemológicos e metodológicos que permeiam a
disciplina, nem oferecer uma descrição das principais teorias que compõem as matizes
teóricos desse campo de estudo, mas sim ressaltar a relevância do pensamento
introduzido Raúl Prebisch e Celso Furtado na compreensão da dinâmica das relações
internacionais e da configuração do sistema internacional.
Busca-se destacar aqui os principais elementos da dimensão centro periferia e do
subdesenvolvimento, os quais contribuem para a análise das relações internacionais.
Ambas as perspectivas procuram formular uma visão totalizante e sistêmica da
realidade, que transcenda análises parciais e fragmentadas da América Latina, região
que se constitui como objeto de estudo das referidas perspectivas. Partindo da
compreensão de que a região latino-americana está inserida num contexto social,
político, econômico e histórico mais amplo, que abrange todo um sistema internacional,
considerou insuficientes as análises que procuram explicações amparadas apenas na
lógica interna, endógena dos países latino-americanos.
O estudo das condicionantes sociais, políticas e econômicas internas de um
Estado e da sociedade, deve estar intrinsecamente vinculado a uma preocupação com a
inserção desse Estado e dessa sociedade na estrutura internacional e com as
condicionantes externas dessa estrutura.
Um elemento essencial à compreensão das relações internacionais, ressaltado
tanto por Prebisch quanto pela análise furtadiana é o caráter assimétrico do sistema
internacional. Ao romper com a teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, a
qual afirmava a existência de benefícios mútuos para os países produtores de bens
primários e para os países produtores de manufaturados, os autores chamam atenção
para as profundas assimetrias, presentes na configuração da divisão internacional do
trabalho, que marcam o sistema como um todo. A formulação do conceito de centro e
periferia se inscreve no esforço por evidenciar o caráter desigual do sistema. Os efeitos
produzidos por tal condição podem ser vislumbrados nas relações que se estabelecem
entre os Estados que conformam o sistema internacional, relações essas que se fundam
num afastamento crescente entre o centro e a periferia do sistema.
Atenta-se, dessa forma, para a necessidade de se considerar o caráter
assimétrico, bem como as contradições entre capital e trabalho nas análises das relações
42
internacionais. Considera-se a premência de uma concepção que acentue o caráter
desigual do desenvolvimento capitalista e os efeitos dessa característica no sistema
internacional.
1.3. Analise de Politica Externa: A influência das elites políticas e
econômicas nacionais na política externa estatal.
Como última instancia analítica, objetiva-se nesta seção elencar sinteticamente o
papel das elites nacionais na condução da politica externa. O pressuposto central de
nossa pesquisa seria de que as relações bilaterais sino-brasileiras na primeira década do
século XXI passaram por “adequações” que alteraram o eixo central da relação bilateral
– fixado na parceria cooperativa técnico-científica nos anos 1990 para o campo do
comércio (e dentro deste campo ainda ocorreu um desnivelamento forte entre os países
baseado em um processo de complementaridade tipicamente desigual).
Estas adequações teriam em sua origem, de um lado a reconfiguração dos eixos
produtivos internacionais, onde a China conseguiu se reposicionar como a maior
produtora de produtos manufaturados em uma relação simbiótica com os EUA - tema
que no próximo capítulo abordaremos melhor.
Do outro lado, no plano nacional, temos a consolidação no governo Lula de uma
política macroeconômica embasada na manutenção dos privilégios e incentivos a dois
grandes grupos setoriais: O setor bancário e o setor dos agronegócios. Nossa hipótese de
pesquisa seria de que estes dois fenômenos, um a nível internacional e outro a nível
nacional, possibilitaram o engendramento deste contexto.
Nesta seção tentaremos expor mais explicitamente como as teorias de análise de
política externa conseguem explicar mais especificamente o relacionamento entre as
elites políticas e econômicas nacionais e como esse relacionamento possibilita a
reordenação dos objetivos da política externa.
Dentro do estudo e da análise em Economia Política Internacional, existe um
debate mais específico que vem sendo discutido por várias escolas e paradigmas
diferentes. De forma geral, como vimos anteriormente, nos debates sobre EPI não resta
nenhuma dúvida sobre a centralidade do Estado Nacional como ator fundamental no
43
sentido de dar projeção e defender os diversos interesses nacionais no campo
internacional. Porém, mesmo reconhecendo o Estado como uma peça chave para se
pensar sobre as conexões entre a política e economia global e os interesses dos governos
nacionais, uma pergunta se faz pertinente: Seria o Governo nacional o único ator a ser
analisado como ponto focal nas relações interestatais? Qual o papel das elites políticas e
econômicas nacionais na formulação das diretrizes de política externa?
Do ponto de vista realista, os estados seriam os primeiros e mais importantes
pontos de análise e, assim sendo, as políticas públicas seriam os lugares onde se deve
olhar. A análise seria então direcionada para o entendimento em quais seriam as fontes e
quais as implicações de um determinado comportamento do Governo.
Em outras escolas de pensamento, como a britânica, autores como Susan Strange
e Robert Cox divergem desta linha de pensamento realista e procuram mostrar que a
análise pode ser muito mais abrangente do que a conformação entre estado e suas
políticas, relevando a importância de outros atores não estatais no processo. A Teoria
Crítica tende a focar nas relações entre as fronteiras estatais em outras formas além da
ação estatal como objeto de investigação.
Neste caso, o trabalho de autores como Peter Katzenstein (1978) e Ronald
Rigowsky (1989), que enfatizam a influencia de fontes domésticas na política externa
econômica dos países nos concede uma visão mais completa a respeito das fontes não
governamentais na moldura do comportamento político dos governos.
Dentro do amplo escopo das Relações Internacionais, podemos distinguir níveis
analíticos que são mais comumente utilizados. Dentro da corrente Realista, o modelo
de analítico de Kenneth Waltz (1959), baseado em uma categorização “imagética”
tricotômica poderia explicar as causas da guerra através de um ordenamento em de suas
plausibilidades ao: i) Nível individual (natureza humana); ii) Nível das estruturas dos
Estados Nacionais ( organização interna dos países); ou iii) Nível Interestatal (
organização externa aos Estados).
O terceiro nível imagético de Waltz corresponde ao nível estrutural de análise,
focando-se no Estado Soberano como sendo um ator racional e unitário. Neste nível, a
abordagem metodológica tende a entender os propósitos analíticos em questão (as
44
preferências governamentais) como sendo constantes, endógenas, ao invés de variáveis,
ou exógenas.
Do ponto de vista da perspectiva das políticas comparadas, o comportamento
estatal também pode ser estudado de “dentro para fora”, ou seja, concentrando-se nas
características internas do Estado, mais do que no ambiente externo.
Convencionalmente chamado de nível doméstico de análise nas Relações
Internacionais, este seria equivalente ao segundo nível imagético proposto por Waltz.
Dando atenção às interações estratégicas entre todos os atores domésticos – sejam eles
governamentais ou não – objetiva-se verificar a influência destes atores na condução da
política externa, assim como verificar as configurações institucionais em que os
interesses diversos dos grupos dominantes são mediados e convertidos em políticas
(Cohen, 2008:120).
Nos debates sobre teoria das Relações Internacionais mais clássicos, as
abordagens sistêmicas e domésticas em variados níveis foram utilizadas, de forma que
os mesmos acabaram sendo acompanhados e utilizados nos estudos de Economia
Política Internacional.
A análise da influência das estruturas domésticas na política externa como
unidade de análise em EPI foi influenciada por Katzenstein de forma importante. Em
seu livro Between Power and Plenty (1978), partindo da premissa de que as respostas
das políticas estatais dos países industrializados para o enfrentamento da crise
energética gerada pelo choque do petróleo seriam insuficientes, o autor percebe que elas
variavam bastante de um país para outro. Mas por quê? Segundo o autor, a resposta
poderia ser encontrada na análise das estruturas políticas domésticas onde se pode
encompassar as coalizões governamentais que definem os objetivos políticos e a
organização institucional em que se condicionam os instrumentos políticos
(Katzenstein, 1978). Assim, nas palavras do autor:
“International explanations do not adequately explain why
an international challenge, such as the oil crisis, elicitsdifferent
national responses. Despite the enormous growth of different
forms of international interdependencies and transnational
relations, the nation-state has reaffirmed its power to shape
strategies of economic policy… Today’s international political
45
economy remains unintelligible without systematic analysis of
domestic structures.” (Katzenstein, 1978:4-5)
Trinta anos após esta afirmação, em 2008, a crise financeira internacional ainda
suscita os mesmos tipos de indagações, provando a força explicativa e explanatória das
estruturas domésticas. Nossa aproximação com os preceitos de Katzenstein também
emergem da perspectiva histórica no sentido de definir os padrões de análise. Para o
autor“[The] Contemporary structures are rooted in some of the major historical
transformations of the past” (Katzenstein, 1978:323).
Indo nesta direção a abordagem de Robert Putnam (1988) também pode ajudar a
iluminar as a análise de nossa pesquisa. Conhecida como “two-level game”, a
abordagem de Putnam enfoca o papel dos governos nacionais como mediadores entre as
forças externas e internas. Desse modo este “jogo de dois níveis” seria, do lado
nacional, jogado entre as autoridades públicas e os setores sociais mais influentes,
enquanto pelo lado internacional, o jogo seria entre governantes dos Estados. Assim, o
comportamento de um Estado poderia ser entendido como um produto dos esforços dos
policymakers em intermediar os interesses entre os dois níveis.
Estas linhas de análise foram bem condensadas por Ronald Rogowsky (1989) em
seu livro Commerce and Coalitions. Em seu modelo de análise, as políticas domésticas
de comércio refletem diretamente o posicionamento de classes ou grupo dominantes.
Neste modelo, as políticas comerciais adotadas pelos países refletem diretamente o
embate interno entre os grupos, ou classes de importadores de matéria-prima, de um
lado, e dos exportadores do outro.
Para fins de nossa pesquisa, acreditamos que a análise em dois níveis (nível
sistêmico - internacional e estrutural – doméstico) seria interessante no sentido de
explicar:
1) Através de uma perspectiva histórica, a (re) inserção da China na
economia mundial a partir da década de 1980, e como esta ascensão
provocou mudanças em todo o eixo produtivo mundial;
2) Como estas mudanças podem ser contextualizadas com a evolução
das relações bilaterais sino-brasileiras; e sua respectiva mudança entre
as décadas de 1990 e 2000.
46
3) Qual foi a influência dos blocos políticos e econômicos dominantes na
mudança de perspectiva no tocante as relações sino-brasileiras na
década de 2000.
47
Capitulo 2:
2.1. Política Externa e Inserção Internacional Chinesa: A ascensão (ou reinserção)
chinesa no sistema internacional (Zhongguo)
O crescimento do poder chinês- em termos, referido como “ascensão” ou
“levante” de um Estado isolado para uma potência regional e possivelmente como uma
grande potência- é entendida como um aumento nas suas capacidades de exercer
influência política e econômica não só na região asiática e do Oceano Pacífico, mas
também no resto do mundo. Esta influência pode ser observada em variadas áreas das
Relações Internacionais, do ponto de vista da segurança até a economia, passando pela
cultura e meio ambiente. Neste sentido a questão que se sobrepõe a constatação da
influência chinesa seria qual a direção que o país tomará no futuro próximo. Assumindo
que o Estado chinês continuará a acumular poder (mesmo que apenas através de sua
economia), tal questão se torna importante para que se entender os rumos que a política
externa chinesa tomará.
A Política Externa de uma nação pode ser descrita e interpretada através de
variados prismas, aonde seus intérpretes levam em conta a interrelação entre uma gama
de agentes políticos e estruturas formadas por relações sociais(como Estado e outras
organizações que utilizam um aparato normativo constituído em comum acordo). No
caso chinês, observa-se uma grande mudança no rumo de sua política externa a partir da
integração de outros agentes que não o próprio Estado na formulação e implementação
de sua política externa, seja direta ou indiretamente. Dois fatores são observados como
articuladores desta mudança: a sua reforma econômica de 1978 e a consequente
integração econômica com o resto do sistema internacional, e as mudanças em relação
aos interesses nacionais e internacionais que passam a integrar o rol de interação entre a
China e outros países via organizações internacionais.
Do ponto de vista histórico, num escopo de sessenta anos, os interesses da
política externa chinesa passaram de um aspecto regional para um enfoque realmente
global. Porém, ao contrario de outras nações democráticas, a ascensão chinesa no
sistema político e econômico internacional não está necessariamente articulada com
uma maior descentralização política no que tange aos agentes formuladores de sua
48
política externa. Neste sentido, embora o país tenha paulatinamente englobado novos
atores na execução de seus interesses internacionais, estes novos atores parecem ter
surgido mais por uma necessidade promovida pela integração ao jogo político
internacional - onde as regras e normas naturalmente exigem uma maior participação de
diferentes intérpretes que possibilitem uma resposta mais rápida sobre os inúmeros
assuntos nos quais uma nação se vê obrigada a discutir - do que por uma vontade
interna de descentralizar o poder decisório, mesmo sendo um país comunista, que
dirige a política de forma centralizada.
O processo decisório na formulação da política externa chinesa é
comparativamente mais centralizado do que outros países desde que o partido
comunista chinês venceu a guerra contra o partido nacionalista (Guomindang) e
instaurou a República Popular da China em 1949. Desde então o governo chinês tem
sido dominado por apenas um ator político: o Partido Comunista Chinês (PCC). Esta
convergência centralizadora faz com que o governo chinês tenha que encarar uma
dualidade que a grande maioria dos países democráticos não necessariamente precisa
enfrentar: a necessidade de equilibrar de forma equânime os interesses nacionais em sua
política externa de forma que seja possível manter a sua recente trajetória positiva no
campo socioeconômico nacional com crescentes apelos internacionais de transparência
nas mais variadas áreas de política externa.
Para que se possa fazer uma apreciação mais qualificada da trajetória da política
externa chinesa, em particular no tocante das relações sino-brasileiras, é necessário que
se faça antes um exame resumido da trajetória histórica pela qual o país passou a partir
do fim do século XIX em diante. Na seção abaixo, faremos algumas observações acerca
da história recente chinesa.
2.1.2. Entendendo nosso parceiro: Uma breve introdução histórica sobre a china
contemporânea.
Como expomos anteriormente, entendemos que uma mera análise empírica
sobre nossa relação bilateral com a China não poderia deixar de vir acompanhada de
uma breve apresentação de um contexto histórico mais abrangente. Além disso, o uso da
49
palavra “breve” no contexto histórico chinês deve ser relativizado, haja vista a
amplitude histórica que este país possui8.
Devido ao pouco espaço disposto nesta pesquisa, optamos por iluminar mais
especificamente, o passado chinês relacionado às duas questões envolvidas com nosso
tema central: A grande disputa interna por uma unificação nacional política e territorial
perdida com o fim da Dinastia Qing, seguido por um período de fragmentação, e o
tormentoso relacionamento chinês com as nações ocidentais no passado. Estes pontos
são importantes para entendermos primeiramente o comportamento chinês em sua
política externa e em segundo lugar, o reposicionamento da China no sistema
econômico internacional globalizado.
8 Para se ter uma ideia, dentro do estudo clássico da História da China, só a parte denominada
contemporânea se alarga por mais de quatro séculos, iniciando-se com o fim da Era Ming e começo da Dinastia Qing, no final do século XVI.
50
Figura 2.1: Mapa da China Contemporânea
FONTE: http://www.worldatlas.com/webimage/countrys/asia/cnlarge.htm
A questão da unificação chinesa é importante, primeiro, para entendermos como
é que o Partido Comunista Chinês nasceu, e em segundo lugar, numa tentativa de
“desocidentalizar” a visão comum de que o sistema político implementado pelo Partido
Comunista Chinês foi imposto à população chinesa em geral de forma arbitrária - sem
que houvesse (e ainda há) um mínimo consentimento e respaldo popular acerca de seu
funcionamento.
Nosso segundo tema – as relações chinesas com países estrangeiros – é
importante no sentido que através desta reconstrução pode-se entender melhor o
comportamento atual chinês, suas ressalvas e suas ações no campo da política
51
internacional que muitas vezes parecem conservadores, até mesmo inaceitáveis do
ponto de vista ocidental.
A Dinastia Qing (1644-1912) conseguiu governar o vasto território chinês
durante séculos, porém, uma fonte de problemas durante seu reinado sempre fora o
equilíbrio entre o poder central- reservado à etnia Manchu, e as diversas lideranças
locais espalhadas por todo o território. A falta de diálogo entre o poder central e as
lideranças locais causou a degradação do tecido político e econômico chinês, foi
robustecida por uma presença cada vez mais ativa dos povos estrangeiros – basicamente
europeus e americanos – que acabaram por difundir entre a sociedade chinesa ideais de
raiz tipicamente ocidentais, como democracia, república, livre-mercado, individualismo,
entre outros, que iam de encontro com toda a estrutura organizacional político-social
clássica chinesa.
De forma simplificada, a decadência do império Qing teve uma correlação forte
com a incapacidade de seus dirigentes em conseguir situar de forma clara o império
chinês na nova configuração econômica mundial de então. O mercantilismo tinha
diminuído os espaços internacionais de tal forma que já não era mais possível de manter
a China fora do contexto econômico internacional.
Até então, o Estado Qing não tinha um Ministério das Relações Exteriores. Os
negócios com os povos não chineses eram conduzidos por uma variedade de
departamentos e órgãos que, de diversas maneiras, insinuavam ou afirmavam a
inferioridade cultural e a marginalidade geográfica dos estrangeiros. No Norte, as
relações com os mongóis e russos eram feitas através do Lifan Yuan (Departamento de
Assuntos Fronteiriços). Já os contatos com missionários europeus eram supervisionados
pela Casa Imperial. O contato com os povos não chineses da Coréia e do Sul, Vietnam e
Tailândia era intermediado pelos funcionários do Ministério dos Rituais (Spence, 1995).
Essas três linhas gerais da administração das relações estrangeiras
compartilhavam de premissas fundamentais chinesas de grande importância. Na raiz
dela estava a presunção de que a China era o reino Central (Império do Meio) e que os
demais países sempre estiveram na periferia. O conhecimento real dos povos mais
afastados também era muito fantasioso e espetacular. Desse modo, os governantes Qing
nunca tiveram interesse nos ganhos relativos ao comércio exterior e tinha controle
absoluto dos estrangeiros que comerciavam com a China. Com a expansão marítima,
52
este corpo de práticas adotadas pelo governo Qing não demoraria a se chocar com as
principais potências europeias, ávidas por novos mercados e produtos.
O primeiro grande choque com o ocidente se deu por causa da comercialização
do Ópio, vindo da Índia. A companhia das Índias Orientais (Inglesa) obteve o
monopólio da compra do ópio indiano e depois vendeu a licença para mercadores
selecionados, conhecidos como “navegadores nativos”. A Inglaterra não queria se
envolver diretamente com a venda do narcótico. Depois de vender o ópio na China, os
mercadores depositavam a prata recebida na base da Companhia das Índias Orientais,
em Cantão e por elas recebiam uma carta de crédito a ser compensada na volta ao
continente indiano. Desse modo estabeleceu-se um comércio triangular entre Inglaterra,
Índia e China, onde a China comprava o ópio dos comerciantes indianos, que trocavam
as moedas por créditos a serem recebidos dos ingleses no seu retorno. Por sua vez os
ingleses se beneficiavam da triangulação ao garantir a manutenção da prata em território
chinês para a compra de outros produtos, como chá e seda9.
Em 1815, a Companhia das Índias Orientais inglesa enviou uma missão à China
que ficou conhecida como missão Amherst. O Objetivo de tal empreitada era aumentar
os privilégios comerciais ingleses, abrir mais portos e estabelecer uma residência
diplomática na China. Porém, a expedição acabou sendo frustrada logo na chegada em
solo chinês. Cansado pela longa jornada marítima, o comandante, Lorde Amherst, foi
obrigado a prestar o kowtow em audiência imperial no mesmo dia em que chegou a
Pequim, antes mesmo de poder descansar. Ao solicitar um tempo para que se
recuperasse, foi ameaçado e depois expulso do Império.
O episódio relatado por Spence (1995), abordado no parágrafo acima, é
importante para que entendamos um pouco de como foram complexas as primeiras
relações com nações estrangeiras na China moderna no inicio do século 19. Até então,
os impérios chineses anteriores estavam acostumados a terem relações apenas com
nações fronteiriças ou bem próximas.
O episodio acima culminou no que conhecemos como Guerra do Ópio, e o
resultado foi a primeira grande anuência chinesa para com os estrangeiros. As
concessões do Governo chinês para o comercio com a Inglaterra ficou estabelecido no
9(Spence, 1995)
53
Tratado de Nanquim e estabelecia, entre outras coisas: 1) a abertura de cinco cidades
chinesas para a residência de súditos britânicos e a criação de consulados em cada uma
delas; 2) Concessão da ilha de Hongcong ao império britânico; 3) Abolição do sistema
de monopólio chinês sobre o comercio. A partir do Tratado de nanquim, seguiram-se
tratados com os EUA e França nos mesmos moldes e nas mesmas regiões liberadas para
os Ingleses.
Estes acontecimentos, atrelados a incapacidade do governo central em manter
uma unidade, desencadearam uma série de revoltas em toda china continental, a
população passava por inúmeros problemas em conseguir manter o próprio sustento, o
que gerou apelos por uma nova China, mais cosmopolita e de acordo com as novas
exigências mundiais.
Neste novo contexto de abertura estrangeira, a esperança dos políticos mais
progressistas da China desencadeou um processo de análise crítica da situação chinesa.
Com isso, muitos intelectuais, altos burocratas e grandes negociantes passaram a lutar
para o estabelecimento de uma República viável em lugar do desacreditado sistema
imperial. Exigiam a criação de um novo modelo governamental que seria capaz de
transformar o país em um Estado-Nação moderno (dentro de um modelo tipicamente
ocidental).
Com o levante dos boxers, o Imperador Qing viu-se incapaz de exercer suas
funções e foi destituído para que em seu lugar fosse instalada a República Popular da
China. Um parlamento em Pequim, composto de uma coletiva formada por delegações
de todas as províncias, seria capaz de manter uma ponte de diálogo amplo entre o centro
e a periferia e daria margem à possibilidade de atender melhor os problemas específicos
de cada região. A representatividade destas delegações seria garantida através de um
eleitorado amplo garantindo voz aos mais variados interesses inerentes à uma nação
vasta e heterogênea como a China.
Em 1902, em meio a uma grande agitação popular em torno da primeira eleição
nacional da China, o líder político da maioria nacionalista é assassinado. O presidente
provisório, Yuan Shikai e o seu Partido Nacionalista (Guomingdang) recém-formado
não obteve apoio de todos os generais e nem capacidade política para manter uma união
central apoiada pelos partidos então formados. Dessa forma, o poder político ficou
descentralizado nas mãos das elites provinciais e com os líderes militares que
54
ascenderam com a desordem nacional. Do ponto de vista internacional, o Japão – que
despontava como potência emergente – invade o território chinês tomando parte da
Manchúria (região nordeste da China). O Japão estava convicto em se lançar no
continente asiático e promover o seu estilo de desenvolvimento econômico, social e
político como sendo o estilo clássico a ser perseguido pelas outras nações asiáticas.
Imersa em um turbilhão político, as décadas de 1910 até 1940 foram
atravessadas por intensas batalhas internas. O país fora praticamente dividido em áreas
controladas ou por países estrangeiros ao longo da costa sudeste – onde emergiram
grandes cidades comerciais - ou controlados por generais - os chamados “senhores da
Guerra”. Muitos intelectuais chineses observavam a esta situação com perplexidade e,
temendo que a unidade territorial chinesa estivesse prestes a ser desmantelada,
começaram a estudar todo o tipo de teoria política e organizacional, examinado
criticamente a natureza de seu próprio tecido social e debater os valores de novas
formas organizacionais, educacionais e todo o sentido de progresso inerentes aos países
ocidentais.
Muitos destes intelectuais foram atraídos para as doutrinas marxistas, por meio
de uma aproximação com agentes nacionais da União Soviética. Em 1920 já havia no
seio da sociedade chinesa a formação de um núcleo do que no ano seguinte viria a ser o
Partido Comunista Chinês (PCC). Em Julho de 1921 ocorreu a primeira reunião do
partido. Segundo Spence10
o Partido Comunista Chinês ainda permanecia como uma
força minúscula no cenário nacional, contando então com duzentos membros,
excetuando aquelesvivendo no exterior.
Embora o Guomingdang (Partido Nacionalista) tivesse muito mais prestígio e
seguidores, o Partido Comunista foi capaz de dar expressão às aspirações da China no
combate ao despotismo dos Senhores da Guerra, das elites latifundiárias e ao
imperialismo estrangeiro, além de conseguir dar voz a incipiente, mas já explorada
classe operária das cidades costeiras chinesas.
Esta realidade foi capaz de atrair o Guomingdang, fazendo nascer uma aliança
que foi possível devido ao desespero geral inerente a grande parte da sociedade civil
chinesa, que se via em uma realidade oprimida entre os regimes militaristas e o
10
SPENCE (1995:314)
55
imperialismo estrangeiro (que dispunha de privilégios especiais desde os tratados feitos
após a Guerra do Ópio). Diante desta situação, comunistas e republicanos não tinham
opção a não ser se juntar de forma a incitar o espírito e as capacidades humanas e
intelectuais dos chineses contra os inimigos e conseguir uma reunificação territorial.
Ideologias à parte, o acordo visava a reunificação através de ações militares e reformas
sociais. Reuniram e treinaram uma nova elite militar e formaram associações rurais que
se uniram aos operários das cidades litorâneas. Este trabalho obteve êxito em diversas
partes em 1926, porém no ano seguinte as divergências políticas em relação ao caminho
a ser seguido pelo novo Estado acabaram com os comunistas sendo esmagados e
desmembrados pelas forças nacionalistas. O que sobrou de suas fileiras foi obrigado a
se refugiar no interior central da China, região montanhosa e extremamente isolada.
O Guomingdang conseguiu consolidar seu domínio sob diversas áreas
importantes e, em 1928 unificaram parte da China novamente sob uma única bandeira.
O novo presidente, Chiang Kai-shek concentrou-se na implementação de uma série de
reformas institucionais e no desenvolvimento da infraestrutura do interior chinês.
Também foram feitos esforços para melhorias nos serviços urbanos e no sistema
educacional. As zonas em poder dos países estrangeiros não foram afetadas pela
reforma, visto que algumas, como os EUA e Alemanha foram importantes parceiros
durante o período, contribuindo com dinheiro e pessoal especializado para a
reconstrução de um país arrasado pelos anos de fragmentação. O Japão, por outro lado
continuava intransigente, mantendo um governo títere ao longo da região dominada da
Manchúria11
. Entre 1920 e 1930, a Alemanha auxiliou o governo de Nanquim (Chiang
Kai-Tchek) nos assuntos militares e de infraestrutura militar. Foi um aliado importante
no preparo da guerra contra o PCC, conhecida como a “longa marcha”.
Na década de 1930, o tumultuado processo de tentativa de reforma político-
econômica do Partido Nacionalista continuou, porém de forma desorganizada e em
paralelo à inúmeros conflitos com o Japão, o PCC e tendo que manter sob controle os
Senhores da Guerra. Em 1937, Chiang Kai-shek deflagrou o seu plano de guerra total
ao Japão (em aliança com o PCC), porém seu resultado acabou com qualquer chance se
criar um Estado-Nação forte e centralizado na China. O efeito desta ofensiva total
contra o Japão foi desastroso e, em um ano, o Japão conseguiu dominar todo o Leste da
11
(Spence, 1995)
56
China, privando o Guomingdang dos maiores centros industriais e das terras mais férteis
do território chinês. Além disso, a tomada territorial fez com que o governo de Chiang
tivesse que ser realocado em Chongqing, região central 1600 km acima do rio Yangzi,
impossibilitando o contato do governo como o resto do mundo12
. Da mesma forma, os
comunistas se viam isolados em sua base em Yan’an, situados na província de Shaanxi.
Nesse ínterim, os comunistas se preocuparam em reagrupar o pessoal restante e criaram
grandes centros administrativos (chamados sovietes) nas zonas rurais isoladas baseados
em uma mistura de reforma agrária e guerra de guerrilhas13
. Durante os primeiros anos
da frente única contra o Japão, comunistas e nacionalistas conseguiram manter um
diálogo. O PCC abrandou suas práticas de reforma agrária e moderou o discurso
retórico socialista nas comunidades que iam conquistando paulatinamente. O
Guomingdang tentava dar força as reformas econômicas e administrativas. Mas no
início da década de 1940, em 1941, os dois partidos voltaram a se enfrentar, imaginando
uma possível guerra civil após a expulsão dos japoneses.
A partir do bombardeio de Pearl Harbor, também em 1941, e a consequente
entrada dos Estados Unidos na II Guerra, o contexto chinês se modificou positivamente.
De um lado, o Japão iniciou uma nova frente de batalha no pacífico, o que o fez realocar
estrategicamente suas forças, retirando grande parte do contingente em solo chinês para
pontos no Oceano Pacífico. Por outro lado, a China passou a ser tratada como uma
“Grande Potência” pelos Aliados e recebeu assessoria militar, empréstimos maciços e
equipamentos e combustível. Essas assistências foram concedidas apenas ao
Guomingdang, que foi reconhecido como governo legal da China. Os comunistas, em
Yan’an tiveram de sobreviver de forma bem rústica, voltando ao padrão radical de
confisco de terras e redistribuição de modo a fortalecer o apoio popular no campo.
Depois de demoradas discussões entre os Aliados, em janeiro de 1943, o sistema
de extraterritorialidade nos locais dominados por estrangeiros foi abolido em comum
acordo14
. Em dezembro de 1943, Chiang Kai-Tchek reuniu-se com o presidente
americano e primeiro ministro inglês - Franklin Delano Roosevelt e Winston Churchill,
respectivamente – na conferência do Cairo, onde os líderes estipularam a devolução da
12
(SPENCE, 1995:421) 13
(SPENCE, 1995:382) 14
(SPENCE, 1995:453)
57
Manchúria e Taiwan ao controle dos nacionalistas (Partido Nacionalista, o
Guomindang) depois do fim da segunda Guerra Mundial.
A guerra civil entre o PCC e o Guomindang prosseguiu no pós Segunda Guerra,
agora pela luta do controle dos espaços antes controlados pelos japoneses. Os EUA
estavam do lado do Partido Nacionalista, embora observassem a sua falta de controle na
gestão central do país. Do ponto de vista macroeconômico nesta época foi criado o
renminbi (nova moeda popular), como tentativa de conter a hiperinflação advinda da
escassez de produtos e investimentos militares, causada pela guerra civil. Os comunistas
ainda contavam com o auxílio (bem mais modesto) dos agentes da União Soviética.
Ao final da II Guerra Mundial , em 1945, o Guomingdang encontrava-se
desmoralizado internamente pelos longos anos de luta armada e o seu governo
enfraquecido por conflitos políticos dentro do próprio partido. Tentando ocupar o
“vácuo” estabelecido com a retirada do Japão, o restabelecimento do controle das áreas
nipônicas foi feito em desordem devido a falta de pessoal treinado para ocupar os cargos
vagos e recursos para a reconstrução da sociedade destruída pelos longos anos de
fragmentação. Os comunistas, por sua vez, também se viam em situação precária.
Porém, agiram com rapidez para tomar todas as áreas que pudessem dos japoneses
derrotados e assegurar uma base firme de apoio popular no Norte da China. Por
estratégia, optaram por se concentrar na região da Manchúria, onde viam um importante
centro para acumular forças para um ataque final conta Chiang Kai-shek. Em 1948, as
forças de Chiang, na Manchúria foram desbaratadas e sua própria base de poder via-se
desgastada pela desestruturação socioeconômica. O contexto macroeconômico de
hiperinflação e a revolta cada vez maior de intelectuais, estudantes, classes profissionais
e trabalhadores urbanos fez com que suas forças remanescentes se desintegrassem. Ao
final do ano, Chiang retirava-se com seus partidários para a ilha de Taiwan.
Ao mesmo tempo, no dia 1 de outubro de 1949, Mao Zedong declarava em
Pequim a fundação da República Popular da China (RPC). Com a capital em Pequim e
como bandeira, a estrela dourada de cinco pontas, com quatro estrelas secundárias que
representam a estrela grande o PCC e as quatro menores, as quatro classes constitutivas
do novo regime: a burguesia nacional; a pequena burguesia; os operários e os
camponeses. Inicia-se assim uma nova era na história da China moderna.
58
Como vimos, o percurso de unificação chinesa foi um período bastante
atribulado e penoso. Muitas vidas foram ceifadas ao longo deste caminho e o país
encontrava-se em estado de calamidade. Veremos adiante como este processo
influenciou os projetos de reestruturação da política externa chinesa durante a era de
Mao no poder, e, mais adiante, como a China optou por reestruturar mais uma vez sua
trajetória no final do século XX.
2.1.3. A política externa da República Popular da China - RPC (1949 em diante)
A partir da instauração da RPC, como vimos anteriormente, os processos
decisórios que ditaram os rumos da nação passaram a ser promovidos por apenas um
ator político, o Partido Comunista Chinês (PCC). Desta forma, embora o partido
contasse com uma estrutura institucional que apoiasse todo o tipo de planejamento
estatal no que tange a formulação de política públicas, a palavra final do tocante a
integralização de uma ação recaía sobre seu líder Mao Zedong, presidente do partido e
líder na nação comunista.
Historicamente, todo o processo de revolução pretendido pelo PCC foi realizado
com o apoio da União Soviética, que ajudou o partido comunista durante toda a guerra
civil contra o partido nacionalista e os invasores estrangeiros via empréstimos,
armamentos e pessoal qualificado. Esta aproximação ideológica fez com que o
intercâmbio entre as duas nações continuasse naturalmente com a instauração da
República.
Neste sentido, os primeiros anos da República Popular podem ser descritos por
uma forte política de alinhamento com a União Soviética e a partir de uma mútua
dedicação de ambas as partes em difundir e exportar a revolução comunista para outras
partes do globo terrestre. Ao mesmo tempo, as relações internacionais chinesas
refletiam um profundo ressentimento com o ocidente, especialmente com os Estados
Unidos da América, que ao final da guerra civil chinesa em 1949 passaram a apoiar
abertamente (inclusive militarmente) o líder exilado do partido nacionalista
(Guomingdang),Chiang Kai-shek e o seu governo constituído na ilha de Taiwan.
As primeiras percepções da república popular chinesa a respeito do sistema
internacional foram influenciadas por dois eventos que provocaram uma análise
59
bastante cética a respeito do dos benefícios de algumas organizações internacionais para
o país15
. A primeira foi a frustrada tentativa inicial de se obter um assento nas
Organizações das Nações Unidas (ONU) em reconhecimento da sua vitória sobre o
partido nacionalista chinês (Guomingdang), que ainda era visto como o legítimo
governo chinês por grande parte dos países ocidentais. Durante a década de 1950, sem
conseguir conciliar os interesses de ambos os lados, que reivindicavam o
reconhecimento, a ONU acabou optando por reconhecer Taiwan como o verdadeiro
representante chinês, principalmente pelo apoio do a EUA. A única exceção à época foi
o governo do Reino Unido, que em janeiro de 1950 optou por conceder um
reconhecimento de jure do governo da República Popular, devido a óbvios interesses
comerciais com o país.
Outro evento que teve muita influencia na suspeição chinesa em relação às
instituições internacionais, e que contribuiu para a manutenção do distanciamento
chinês do sistema internacional foi a guerra da Coréia (1950-1953). Com a invasão do
norte comunista no sul da Coréia, e se aproveitando de uma saída temporária da União
Soviética do Conselho de Segurança da ONU, os EUA conseguiram aprovar uma
intervenção no território coreano por meio de uma missão de paz. Os Estados Unidos
esperavam que a RPC, desordenada devido a todo o processo de guerra civil, não fosse
capaz de arregimentar qualquer tipo de ajuda no território vizinho. Porém, o governo
chinês de Mao achou que se os EUA conseguissem neutralizar a invasão comunista
norte-coreana no sul do país, teriam capacidade de montar uma base de mísseis em
território coreano, e consequentemente atacar o território chinês com mais facilidade. A
entrada da China no conflito balanceou a guerra e fez com que o confronto fosse
suspenso ,em 1953, sem que nenhuma das partes ganhasse território sobre a outra16
.
A institucionalização alinhamento chinês para com a União Soviética foi
codificado em 1956 no primeiro Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês. Liu
Chaoqi, estadista chinês, em discurso confirmou que as prioridades da política externa
chinesa incluiriam um reforço dos laços entre a China e a União Soviética e seus
aliados, além de se opor as práticas imperialistas a partir do suporte as tendências dos
países em desenvolvimento por independência e descolonização. O congresso também
marcou a introdução oficial dos “cinco princípios de coexistência pacífica”, uma das
15
Marc Lanteigne -chinese foreign policy an introduction 2009 16
Marc Lanteigne -chinese foreign policy an introduction 2009
60
bases do pensamento chinês em política externa que perduraria muito além da era
maoísta. Deve-se notar que, embora á época o partido adotasse uma política de
alinhamento com a USSR, os cinco princípios deixavam uma brecha para a cooperação
com países não-socialistas.
O “grande salto adiante” (1958-1960) foi uma tentativa feita pelo regime
maoísta para acelerar a transição do país para um verdadeiro comunismo e marca um
verdadeiro ponto de virada no assuntos políticos internos e externos chineses. A
agricultura foi coletivizada formalmente e os camponeses forçados a se agrupar
socialmente em comunas, contribuindo para uma grande escassez de comida em que
milhares de pessoas foram levadas à morte devido a inanição ou doenças vinculadas.
A desarticulação entre China e União Soviética começa a se desenhar com o a
morte do líder soviético Joseph Stalin. Seu sucessor Nikita Khrushchev era visto por
Mao como um líder fraco, por iniciar uma nova política para a nação soviética desviante
da doutrina revolucionária soviética e aceitar uma coexistência pacífica com os EUA e o
ocidente. Neste sentido, pode-se entender todo o processo do “Grande salto..” como
uma maneira de se construir um modelo comunista propriamente chinês de
desenvolvimento que se diferenciasse do modelo soviético. Outros incidentes como a
demanda imediata de Khrushchev para que os chineses pagassem pelas armas
vendidas pelos soviéticos durante a guerra da Coréia e a falta de suporte em duas
tentativas frustradas de retomar Taiwan em 1954 e 1958. As crescentes críticas de Mao
à Khrushchev fizeram com que a União Soviética retirasse todo o seu contingente
atuando em território chinês em 1960. Assim, A RPC inicia a década de 1960 isolada
tanto do ocidente quanto o Oriente, constituindo poucas relações diplomáticas mesmo
com os países em desenvolvimento.
Outro ponto baixo da política externa chinesa na era maoista acontece durante a
chamada Revolução Cultural. Com o fracasso do Grande Salto Adiante, Mao começa a
se preocupar com a crescente insatisfação popular advinda das políticas econômicas e
sociais. Além disso, o líder chinês ficou bastante impressionado com o tratamento dado
a Stalin após a sua morte pelas autoridades soviéticas, que criticaram vorazmente o ex-
líder. Mao começa a imaginar que a crescente insatisfação popular pudesse levar a
sociedade chinesa a se desviar dos princípios comunistas. Com isso inicia uma tentativa
de resgatar os valores comunistas através da Grande Revolução Cultural Proletária,
61
em 1966. A Revolução Cultural marca um ponto baixo na política externa chinesa
porque devido as restrições impostas aos estrangeiros durante o período, visto que o
país cortou inúmeros laços diplomáticos e permitiu a entrada de poucos observadores
internacionais em seu território.
Em 1969, quando os rumos das políticas implementadas por Mao por meio da
Revolução Cultural começaram a se mostrar desgastadas, começa a se delinear no
horizonte novas perspectivas. Na época, Mao tinha concedido o lugar de ministro da
Defesa para o revolucionário LinBiao. Porém, Lin começa a estruturar laços mais fortes
com a ala mais extrema do partido e fomentar a sua própria base política. O desenrolar
desta história ainda se mantêm incerto, porém o que se sabe é que em 1971, Lin é
acusado de fomentar um plano para assassinar Mao e morre em um acidente aéreo em
sua tentativa de fuga no deserto de Góbi. Com a sua morte inicia-se outra fase na
história da política externa chinesa, com a promoção em seu lugar de Zhou Enlai,
revolucionário mais moderado politicamente.
Em meados da década de 1970, a política externa chinesa começa a se
movimentar, se distanciando aos poucos de uma interpretação do sistema internacional
que levasse em conta somente os interesses e movimentações das duas superpotências
em conflito aberto, Estados Unidos e União Soviética. Com a recuperação econômica
em andamento na Europa e Japão, via implementação de políticas keynesianas no pós-
segunda guerra mundial - via investimentos americanos principalmente – e o
crescimento substancial de países emergentes no cenário econômico e político
internacional como Índia, o sistema internacional começa a modificar o seu padrão
bipolar. A China começa a aumentar a sua rede de relacionamentos com o s países em
desenvolvimento, passando a se enquadrar também nesta categoria de países.
As relações internacional da China começam a se transformar a partir do rompimento de
relações com a União Soviética, ruptura que foi bastante dura e que chegou a quase uma
guerra nuclear entre as duas nações. A partir do momento em que o Partido Comunista
Chinês se viu sem a sua maior parceira e grande investidora internacional, inicia-se um
processo de tentar retomar paulatinamente o espaço perdido no Sistema político
internacional. Esse movimento pode ser entendido através de uma ótica endógena –
partindo de dentro do próprio partido – mas também de um ponto de vista exógeno.
62
Internamente, a partir da ascensão de Zhou Enlai dentro do PCC, inicia-se um
processo de aproximação chinesa tanto dos organismos multilaterais quanto dos
chamados países emergentes, agora já enquadrados dentro de um arranjo ideológico em
que o governo chinês se enxerga como representante. Além deste novo contexto, Zhou
torna-se o elemento fundamental durante todo o processo, fomentando conversas e
encontros diplomáticos com representantes tanto dos ditos países emergentes, mas
também de países europeus e dos EUA.
As perspectivas chinesas sobre as questões internacionais ganham uma nova
perspectiva a partir do fim da Guerra-Fria. Com o aumento das relações sino-
americanas, o enfoque político chinês no cenário internacional se modifica. Antes
tratado através de uma perspectiva conceitual de ascensão e queda de potências
hegemônicas, o governo chinês adota um discurso mais liberal de política externa. Neste
novo projeto, as prioridades chinesas passam a ser: I) a preocupação de ser tratada
seriamente como igual pelas potências dominantes e a necessidade de desempenhar um
papel de liderança no mundo em desenvolvimento17
; II) o interesse em garantir um
ambiente pacífico na esfera regional e assegurar o acesso a recursos energéticos a nível
internacional de modo a manter o seu alto nível de crescimento econômico18
.
Neste sentido, o governo chinês passa a adotar uma posição um tanto quanto
contraditória, porém consistente em matéria de política externa. No campo multilateral,
exige e se compromete a manter um Sistema Político onde todos os Estados nacionais
sejam tratados como iguais. Já no plano bilateral, o Estado chinês se apresenta como
uma opção aos países “em desenvolvimento” não alinhados com o liberal-
institucionalismo e seus requisitos básicos - como respeito aos direitos humanos
internacionais e a democracia – como opção para a manutenção de relações econômicas
e comerciais. Neste sentido a China tem usado a retórica das relações Sul-Sul e o seu
respeito incondicional a soberania dos Estados Nacionais como subterfúgio para manter
e fazer novos vínculos com países “embargados” comercial e politicamente por
instituições multinacionais.
17
FOOT, Rosemary. Estratégias chinesas em uma ordem global hegemônica: acomodação e hedging.In:
Os BRICs e a Ordem Global (2009). Rio de Janeiro, Editora FGV, 2009. pp. 128-129. 18
MENDES, Carmen Amado. Política externa chinesa: um jogo em vários tabuleiros. In:YANJIU,
Jhonguo [ED.] (2008). Revista de Estudos Chineses.Instituto Português de Sinologia. PP. 233-234
63
Porém, esta contradição foi muito bem construída pelas elites políticas chinesas.
Adotada como “Estratégia da Pomba da Paz”19
, devido à semelhança de seu desenho
esquemático com o corpo de uma pomba de asas abertas (Figura 1), o comportamento
internacional chinês no começo do século XXI pode ser muito bem interpretado através
da visualização de seu esquema. Segundo o autor do estudo intitulado The
modernization of China (2008)20
, He Chuanqi, este relatório se baseia na experiência
internacional dos últimos trezentos anos. Sua composição atual “apela à construção de
um ambiente internacional a modernização da China e à cooperação de todos os Estados
membros numa base de benefício mútuo” 21
19
Idem. Pp 235-236 20
CHUANQI, He (2007).China Modernization Report 2008 - A study on the International
modernization.Disponível em: http://www.modernization.com.cn/cmr2008%20overview.htm. Acessado
em 25/05/2011. 21
Idem.
64
Figura 2.2: Representação Gráfica da “Estratégia da Pomba da Paz”
FONTE: CASS, 2008. Disponível em: http://www.modernization.com.cn/cmr2008overview.htm
Por este diagrama, pode-se ter uma ideia melhor dos objetivos e prioridades
internacionais do governo chinês. Na ponta superior, representando a cabeça da pomba,
encontra-se a Organização das nações Unidas (ONU). No centro situa-se a região
asiática (AsiaAssociation), nas asas direita e esquerda, respectivamente, Europa (Asia
Europe Economic Cooperation – AEEC) e Estados Unidos (Asia Pacific Economic
Cooperation – APEC). Na cauda, encontram-se respectivamente África, Oceania e
América do Sul (Relação Sul-Sul). Diante deste diagrama, podemos perceber que no
aspecto das prioridades, as relações Sul-Sul encontram-se ou no final, ou na base das
relações internacionais chinesas.
2.1.4. Surgimento e desenvolvimento do eixo sino-americano.
No campo da economia e política internacional, o final da década de 2010 foi
marcado pela instabilidade econômica resultante da crise financeira que abalou o
sistema internacional em 2008 e 2009. Após a sua “estabilização”, ficou evidente a
65
importância interdependente de dois atores na economia mundial. De um lado temos os
Estados Unidos, considerado largamente como a grande potência político-financeira do
sistema internacional, que a partir da década de 1990, firmou-se como o grande
articulador financeiro do sistema produtivo mundial. Do outro lado temos a República
Popular da China, uma nação comunista, que a partir do final da década de 1970 iniciou
um processo de reformas institucionais do seu sistema econômico-produtivo, tornando-
se gradativamente uma economia de mercado socialista22
controlada pelo Estado
detentora de grande parte produção industrial mundial de produtos manufaturados e de
baixo valor agregado. A inter-relação siamesa23
entre globalização Financeira americana
e o “milagre” econômico chinês, possibilitou um crescimento econômico mundial
bastante intenso, porém desigual durante os anos 1990 (tabela 1). Vejamos como este
relacionamento se conformou.
22
BRESLIN, Shawn (2007). “China and the Global Political Economy”.New York, NY.
PalgraveMacmillan, PP. 40-81. 23
FIORI, José Luis (2008). “O sistema interestatal capitalista no início do século XXI”. In:O Mito do
Colapso do Poder Americano. São Paulo, Record, p. 173-277.
66
Tabela 1: Taxas de crescimento real do PIB – 1990-2009 (em %)
Fonte: PINTO, 2010
Em linhas gerais, os Estados Unidos iniciaram no final da década de 1970 um
processo de transformações estruturais no intuito de recuperar a competitividade do seu
capital. Medidas de reestruturação política e econômica foram implementadas inserindo
novos elementos que desconfiguraram a dinâmica keynesiana constituída entre a crise
financeira de 1929 e o fim da segunda guerra mundial. Este caminho abriu espaço para a
promoção de nova rota de acumulação e de poder para os capitais norte-americanos por
meio do modelo de (des) regulação econômica de cunho neoliberal baseado na
transnacionalização de partes do seu setor produtivo na e da ampliação da acumulação
com predomínio das finanças24
. Este novo padrão ocasionou um crescimento econômico
estadunidense na década de 1990, basicamente liderado pelo seu setor financeiro25
.
O outro polo de crescimento nos anos 1990 localizou-se na Ásia. O crescimento
chinês foi possibilitado em partes pelo contexto das transformações regionais
introduzidas pelo reenquadramento produtivo japonês, que foi forçado pelos EUA a
readequar o seu sistema produtivo no leste asiático, deslocando o seu eixo industrial e
produtivo para os “tigres asiáticos” – inicialmente – e subsequentemente para o sudeste
asiático e para a China. Este processo ficou conhecido como modelo dos “gansos
24
PINTO, Eduardo Costa (2010). “O eixo sino-americano e a inserção externa brasileira: Antes e depois da crise”.
In: Inserção Internacional Brasileira: Temas de Economia Internacional. 25 CHESNAIS, François (2005), “Doze teses sobre a mundialização do capital”. In O Brasil frente à ditadura do
capital financeiro: Reflexões e alternativas. Rio de Janeiro, Univates
67
voadores” 26
. Com a crise asiática de 1997, este modelo entrou em crise, acarretado pelo
colapso financeiro de grande parte de seus participantes. Devido ao que Chu (2010)
denomina de “neoliberalismo Estatal”27
– política monetária e econômica controlada
pelo governo e abertura seletiva e específica de mercado - a China foi o país que sofreu
menos impacto e pode sair mais rapidamente da crise asiática.
Como resultado, o final do século XX e inicio do século XXI ficou marcado pela
convergência entre investimentos financeiros americanos e o dinamismo da economia
chinesa que acabou por captar grande parte do capital financeiro americano desde então.
Se observarmos na tabela 1 os ciclos de crescimento da economia mundial entre 1990-
99 e 2003-07, observam-se momentos bem distintos da economia mundial, onde o
primeiro é marcado por crises econômicas e crescimentos desiguais, enquanto que no
segundo, o ciclo de expansão nos parece ser bem mais homogêneo. Neste segundo
momento o novo contexto geopolítico internacional consolidou o eixo sino-americano,
expandindo a sua área efetiva de atuação para todas as regiões do globo. Baseado em
uma relação de complementaridade, interdependência e competição, este novo eixo se
tornou o protagonista da dinâmica econômica mundial. A China, no plano comercial, se
firmou como principal exportador para o mercado americano, enquanto que no plano
financeiro, tornou-se a principal fonte de investimentos (diretos e indiretos) do capital
financeiro americano. Este processo resulta em uma situação interessante onde a China
aparece como devedora dos Estados Unidos (devido aos investimentos externos
americanos no país) e por outro lado como credora dos Estados Unidos (pela compra de
títulos da dívida pública estadunidense).
Assim, as relações de complementaridade financeiro-produtivas entre China e Estados
Unidos no campo da economia internacional nos anos 1990 possibilitaram um aumento
exponencial da taxa de crescimento e das reservas financeiras internacionais em todo o
mundo, durante grande parte da década de 2000. Este aumento se deu pela condução do
eixo sino-americano de uma operação macroeconômica articulada pela ação destes dois
países, como mostraremos abaixo.
26 PALMA G. (2004). “Gansos Voadores e Patos Vulneráveis: A diferença da liderança do Japão e dos Estados
Unidos no desenvolvimento do Sudeste Asiático e da América Latina”. In: FIORI, José Luís (Org.). O Poder
Americano. Petrópolis, Vozes. 27CHU, Yin-wah & SO,Alvin Y.(2010).”State neoliberalism: The Chinese Road to Capitalism”In: CHU, Yin-wah
[ED.] Chinese Capitalisms: Historical Emergence and Political Implications. London, PalgraveMacmillan.
68
TABELA 2 - Indicadores Macroeconômicos – mundo, Estados Unidos e China,
1990/2009
Fonte: PINTO, 2010
Do lado americano destaca-se o avanço da política macroeconômica
expansionista, em virtude de dois grandes acontecimentos: a crise financeira da bolsa de
valores Nasdaq e o atentado de 11 de setembro em Nova Iorque. A resposta
governamental foi uma política monetária de redução de juros enquanto que no setor
fiscal foram reduzidos os impostos e aumentaram-se os gastos públicos, principalmente
no setor de defesa28
. Esta combinação permitiu a rápida recuperação da economia
americana, como visto na tabela 2.
No âmbito chinês, destaca-se o realinhamento de sua política econômica no
tanto no nível nacional como no internacional. Internamente, a China optou por alargar
a sua inserção na economia de mercado, ampliando as zonas econômicas especiais,
junto com a expansão do seu programa de investimentos públicos em infraestrutura e
desenvolvimento rural. Como política monetária manteve sua taxa de câmbio fixa e
desvalorizada perante o dólar. Estas políticas possibilitaram a expansão do seu mercado
interno. No nível internacional, a China optou por ampliar as suas relações comerciais
28
SERRANO, Franklin. (2008) "A economia americana, o padrão 'dólar-flexível' e a expansão mundial nos anos
2000", in FIORI, SERRANO e MEDEIROS. O mito do colapso americano, Editora Record, Rio de Janeiro, p. 83.
69
em busca de maiores mercados para seus produtos industrializados e de fontes de
produtos primários necessários para o prosseguimento de sua política interna de
expansão infra-estrutural.
Com isso, a política econômica chinesa, somada à política expansionista
financeira americana possibilitou um processo de acumulação financeira, e expansão
produtiva que resultou em um arranjo geoeconômico durante a década de 2000 que “(...)
permitiu o aumento das importações chinesas de máquinas e equipamentos originários
da Alemanha, Estados Unidos e Japão, de produtos industriais dos demais países
asiáticos e de matérias-primas e alimentos dos países em desenvolvimento da África e
América Latina.” (PINTO 2010:93). Se olharmos na tabela 2 o crescimento do volume
de comércio mundial, verifica-se claramente que a configuração deste eixo sino-
americano gerou impactos positivos no volume de comércio internacional. Este novo
contexto permitiu que países desenvolvidos e em desenvolvimento se beneficiassem
desta expansão através de superávits primários decorrentes da liquidez internacional e
do aumento efetivo da demanda produtiva.
Este novo quadro econômico liderado pelo eixo sino-americano afetou a
geopolítica internacional de forma importante, alterando a relação de poder e a estrutura
hierárquica do sistema mundial. A China tornou-se um ator político e econômico de
grande importância, assim como o elevado crescimento das taxas de intercâmbio
comercial possibilitaram aos países em desenvolvimento, como Brasil, por exemplo, a
resolverem seus problemas de financiamento e restrições externas aos crescimentos
nacionais, possibilitando um maior poder de barganha e autonomia nos assuntos
internacionais.
As implicações políticas desta reordenação econômica oriundas do eixo sino-
americano podem ser analisadas a partir de duas perspectivas teóricas. A primeira
enfatiza a questão da distribuição de poder no SPI. De um modo geral, a abordagem
neorrealista enfatiza a distribuição de poder material como elemento principal de um
sistema, e, neste sentido, os Estados Unidos mantêm-se como o poder dominante da
realidade política desde o fim da Guerra Fria. A interpretação neorrealista/realista
enfatiza a questão da balança e do balanceamento do poder global. Com o fim da União
Soviética, nenhuma outra grande potência foi capaz de assumir o seu lugar como
70
possível contrabalanceador da hegemonia americana29
. Neste sentido a ascensão
econômica da China é vista pelos analistas de política externa americana como uma
ameaça velada à posição dos Estados Unidos. De uma forma geral a perspectiva
neorrealista trabalha com a questão da concentração de poder como fator determinante
de política externa, e neste sentido, as opções para potencias emergentes para a
integração no sistema político internacional seriam ou de oposição ou de alinhamento ao
Estado ou coalizão de Estados hegemônica no sistema30
.
Para esta corrente a ascensão do eixo sino-americano é vista como uma ameaça
relativa, posto que a dependência econômica entre Estados Unidos e China ainda não
extrapolou o campo da economia no sentido de causar tensões no campo da política31
.
Os EUA ainda detêm o controle do ponto de vista da segurança estratégica tanto a nível
regional quanto global. Este modo de análise, porém, é bastante limitado posto que seja
interpretado unilateralmente a partir da perspectiva norte-americana, preocupando-se
estritamente com as estratégias que este país deve adotar para manutenção de sua
hegemonia. Neste sentido, esta corrente falha ao pressupor que as opções estratégicas
dos países de segunda ordem sejam polarizadas entre o alinhamento ou o confronto
irrestrito32
.
A perspectiva liberal enfatiza que novos tipos de lógica sistêmica têm ganhado
força e estariam se desenvolvendo, alterando as relações clássicas entre Estados. De
forma geral, a corrente liberal-institucionalista entende que a globalização e a formação
de redes de trocas de informação e comunicação transnacional fizeram emergir no
cenário internacional novas instituições e formas de governança. Neste sentido, o
aumento da integração de países na economia e na sociedade global tenderia a uma
convergência para instituições internacionais pautadas por normas internacionais mais
igualitárias e abrangentes. Por este ponto de vista, pode-se dizer que a articulação do
eixo sino-americano foi estabelecida, dentro da política internacional, através de uma
convergência para o uso de instituições internacionais multilaterais como foros
29
HURREL, Andrew, (2009). “Hegemonia, Liberalismo e Ordem Global” In: HURREL, Andrew (et al).
Os Brics e a Ordem Global. Rio de janeiro, Editora FGV. 30
SORENSEN, Georg (2009). “Big and Important Things’ in IR: Structural Realism and the Neglect of
Changes in Statehood” In: International Relations, Vol 23(2):p.223–239. Disponível em:
<http://ire.sagepub.com/content/23/2/223>Acessado em: 22 de Junho de 2010. 31
KIM, Samuel, S (2004). “China in World Politics”. In: BUZAN, Barry & FOOT, Rosemary (ED.).
Does China Matter? A Reassessment Essays in memory of Gerald Segal. London, Routledge. 32
HURREL, Andrew (2009). Op Cit.
71
legítimos de resolução de conflitos entre países. Esta convergência atuou como
mecanismo regulador do eixo sino-americano ao “coagir” a China a se adequar às
normas internacionais de comércio e de mercado, assim como foram largamente
utilizadas pelo Estado norte-americano para legitimar e difundir os seus interesses
político-econômicos33
.
2. Politica Externa e Inserção Internacional brasileira nos anos 1990 e 2000:
Principais diretrizes, estratégias de inserção internacional e a influência dos
grupos dominantes.
2.1. Política Externa Brasileira e inserção internacional no governo FHC
Nos anos 1990, a política externa brasileira ganhou destaque dada a ênfase em
processos de integração regional, à abertura comercial e às negociações multilaterais.
Com a diminuição das tensões Leste-Oeste, o Brasil inicia uma nova fase de política
externa onde se preocupou em possuir uma integração internacional mais proativa, em
detrimento de uma posição histórica dos governos militares brasileiros que davam
sentido para políticas protecionistas, voltadas para uma ideia de autonomia pela
distância34
.
Entre os estudos e debates produzidos a partir da análise comparada das políticas
externas dos governos FHC e Lula - suas principais diretrizes, repercussões e atuações
diplomáticas - podemos perceber algum consenso a respeito de uma clara diferenciação
de posicionamento entre os formuladores e executores da política externa dos
respectivos governos em relação às estratégias de inserção internacional a serem
seguidas pelo país35
.
O discurso oficial no governo Fernando Henrique Cardoso pregava uma maior
participação brasileira no sistema político internacional através da intensificação de sua
integração no modelo político-econômico liberal (reafirmando temas como democracia,
o livre-mercado, respeito ao direito internacional, a importância dos regimes
33
PAPE, Robert Anthony (2005). “Soft Balancing against the United States”.International Security,
Volume 30, Number 1, pp.7-45. MIT Press 34
Idem. 35
MAPA, Dhiego (2010). Inserção Internacional no Governo Lula: Interpretações Divergentes. Revista
PolíticaHoje,Vol.34(19),n.1.
72
internacionais e de organizações multilaterais), numa tentativa de reforçar o papel
brasileiro como ator importante na economia, no comércio e na governança global36
.
No plano multilateral, os analistas de política externa observam que o governo
FHC adota uma postura moderada, atribuindo ao direito internacional um papel
importante de interlocução com os países centrais do SPI. Neste sentido o governo FHC
aceitava a divisão do poder político no campo internacional, as assimetrias na balança
de poder, como sendo estas as regras do jogo, cabendo ao Estado brasileiro
potencializar o uso dos mecanismos e dos instrumentos de mediação à seu favor37
.
Com a Globalização, o peso das questões econômicas, ambientais, comerciais e
de competitividade e interdependência estatal38
aumenta, observando-se no campo das
relações Internacionais através uma mudança de importância estratégica entre os temas
citados acima em relação aos temas ligados à segurança internacional que ditavam à
época da Guerra Fria. De forma resumida, podemos elencar as alterações oriundas desta
mudança de estratégia no âmbito brasileiro em dois campos: no campo politica interna e
da politica externa.
No campo da politica interna destacam-se as medidas neoliberais adotadas no
intuito de uma maior integração internacional, como a liberalização cambial,
liberalização de importações, liberalização de investimentos estrangeiros, privatização
de empresas estatais e a renegociação da dívida externa. No campo da formulação da
politica externa, nota-se uma reforma do Ministério das relações Exteriores (MRE),
criando-se departamentos, divisões e subsecretarias articuladas entre o governo e
sociedade civil onde se pudessem discutir os temas desta “nova agenda” internacional.
Na perspectiva do governo FHC, a visão de futuro era fundamental diante de um
ambiente desfavorável, contra o qual a diplomacia deveria atuar a longo prazo,
buscando adaptar-se às mudanças. O objetivo não seria a adaptação passiva, mas, no
limite do próprio poder, articulado com o interesse de outros estados e forças, o de
redirecionar e reformar o ambiente, buscando a possibilidade de participação nos
assuntos internacionais por meio da elaboração de regimes mais favoráveis aos
36
LAMPREIA, Luís Felipe (1998). Op. Cit. 37
CERVO, Amado (2003). Relações Internacionais do Brasil: Um Balanço da Política exterior da Era
Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45 (1): 5-35. 38
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. (1989).Power and interdependence. 2. ed. Glenview: Scott,
Foresman and Company.
73
interesses brasileiros. Regimes internacionais que, “mesmo não sendo ideais,
representam um inequívoco aprimoramento na matéria”39
(Lafer, 1993, pp. 46-47). Ao
aderir, o Brasil estaria garantindo um marco legal internacional para a busca da
concretizaçãodos seus interesses nacionais. A reiteração de conceitos como o de global
trader, a interpretação do Mercosul como plataforma de inserção competitiva no plano
mundial, sendo prioritária, mas não excludente, a ideia da possibilidade de integração
com outros países e regiões40
, representam o lado pragmático do paradigma renovado
que permaneceria durante o governo FHC.
A consolidação de conceitos ou sua renovação não se pretendiam neutras.
Incorporar o conceito de global trader significava que o Brasil tinha interesses globais,
e assim poderia assumir posições e agendas diversificadas, buscando mercados e
relações sem vincular-se a um único parceiro. Nesse sentido, explica-se o
comportamento não institucionalista no caso do Mercosul e, ao mesmo tempo,
institucionalista na agenda multilateral, particularmente perante as organizações
mundiais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) ou a OMC. A opção deum
global trader é pela liberalização comercial multilateral em que seus ganhos podem ser
maximizados41
. O MRE manteve na década de 1990, e até o final da gestão FHC, o
princípio de que “a solução global deve ser o objetivo”42
, ou seja, na formulação de
diplomatas, optar pela Alca ou pela área de livre comércio com a União Europeia
implicava contribuir para o estabelecimento e para o pleno funcionamento de um regime
internacional de liberalização comercial.
Na gestão FHC, consolida-se a estratégia de autonomia pela participação,
embora sua evolução tenha sido paulatina desde o governo Sarney através de mudanças
internas que respaldassem uma adesão aos valores prevalecentes no cenário
internacional43
.Se observarmos o gráfico 1 , nota-se claramente uma correlação entre a
evolução de volume comercial brasileiro, e o reenquadramento estratégico de inserção
internacional. As politicas de liberalização comercial do governo FHC se espelham
39
LAFER, Celso. (1993), “Política externa brasileira: três momentos”. Série Papers da
Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung, 4. 40
BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (MRE). (1993), A inserção internacional
do Brasil: a gestão do ministro Celso Lafer no Itamaraty. Brasília, MRE 41
TulloVigevani, Marcelo F. de Oliveira e Rodrigo Cintra (2003). Política externa no período FHC: a busca de autonomia pela integração 42
Brasil, MRE, 1993, p. 199 43
VIGEVANI E CEPALUNI (2007). Op. Cit.
74
claramente no aumento do fluxo comercial, com o impacto no saldo sendo inversamente
proporcional ao aumento das importações.
A opção pela aproximação e integração com os países do primeiro mundo, por
parte da politica exterior do governo de Fernando Henrique, transformou a balança
comercial brasileira, antes promotora da produção interna, em “variável dependente da
estabilidade de preços”44
. O que provocou um aumento do fluxo de capitais e da
dependência financeira, além da dependência empresarial e tecnológica, com efeitos
negativos para a economia nacional.45
A associação com o capital externo resulta em um fortalecimento do poder de
barganha das classes dominantes que historicamente sempre buscavam alianças externas
para se fortalecerem frente às demandas dos segmentos sociais populares. A busca de
aliança com o capital externo nasce do receio ou medo de nossa burguesia em relação às
demandas populares, o que se deve ao contexto histórico específico do país em que não
ocorreu a radicalização da luta de classes, como ocorreu nos países centrais do
44
CERVO, Amado Luiz. “Editorial - A Política Exterior: de Cardoso a Lula”. RevistaBrasileira de
Política Internacional, vol. 46, nº 01, jan-jun 2003, p. 5-11.
Disponívelem:http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n1/a01v46n1.pdf. 45
Mapa, Dhiego, 2010. Revista politica hoje, Vol 19, n.1
75
capitalismo europeu46
. Em função deste fato, a burguesia nacional opta por buscar
alianças externas na resolução das questões sociais internas, em vez de se buscar
composições internas, através de concessões às reivindicações populares.
As alianças externas podiam se materializar em apoio militar, como no caso da
implantação do regime militar em 1964. Ou, ao contrário, poderiam se apresentar de
uma forma mais sutil e imperceptível pela via econômica. É o caso, por exemplo, nos
anos 1990, do enfraquecimento das demandas populares como consequência dos
processos de liberalização financeira e comercial que debilitam o poder de barganha dos
sindicatos. Ou seja, as classes mais atingidas em processos que envolvam a integração
econômica à comunidade internacional são os segmentos populares que não podem
contar com uma rede de proteção social eficiente.
O receio de que as mudanças externas pudessem induzir transformações sociais
internas leva à conformação de uma mentalidade extremamente conservadora e avessa a
rupturas entre nossa burguesia, que opta pela continuidade e obediência às regras do
jogo impostas pelo grande capital internacional. Ou seja, qualquer tentativa de
disciplinar ou enquadrar o capital internacional – por mais discreta que possa parecer –
aparece no olhar subjetivo de nossa burguesia como uma diferenciação do sistema
capitalista que poderia redundar em transformações internas de fortalecimento das
demandas populares, sobre as quais os segmentos desta burguesia poderiam perder o
controle.
É, portanto, o medo da generalização do conflito e fortalecimento das classes
sociais populares que tornam nossa burguesia extremamente conservadora e contrária a
qualquer processo de ruptura com as diretrizes do grande capital internacional. Este
receio da burguesia nacional quanto às transformações sociais se deve a falta de tradição
em lidar com o conflito social.47
Assim, o retorno à uma ordem democrática, a crise do Estado e do modelo de
industrialização protegida e a abertura econômica vão redundar em uma importância
renovada da política doméstica no processo de formação da política externa, com duas
implicações que se reforçam: a potencial diminuição da autonomia decisória prévia do
MRE na condução da politica externa e a politização da política externa, em função do
seu novo componente distributivo, com a possibilidade da criação de novas coalizões
46
Gustavo Viana Machado A internacionalização da economia brasileira nos anos 90 Revista de economia
heterodoxanº 10, ano VII • 2008 47
Gustavo Viana Machado A internacionalização da economia brasileira nos anos 90 Revista de
economia heterodoxanº 10, ano VII • 2008
76
favoráveis a mudanças do status quo, em face dos incentivos e restrições presentes nos
planos doméstico e internacional.
A principal consequência da liberalização política e da abertura econômica foi
ter modificado a natureza da politica externa que, além de representar interesses
coletivos no plano mundial, passou a ter que negociar interesses setoriais, inserindo-se
no conflito distributivo interno. Nesta nova dinâmica, a sustentação de determinada
ação tende a adquirir uma dinâmica própria, e o chefe do governo passa a se encarregar
da compatibilização dos dois níveis (o coletivo e o setorial) 48
.
Como vimos, no governo FHC esperava-se que a articulação do Estado
brasileiro às normas internacionais ocidentais de politicas tanto internas quanto
externas, resultaria em uma participação mais efetiva na politica e na economia
internacional. Esta expectativa se demonstrava em uma ênfase maior na articulação
cooperativa brasileira com os países desenvolvidos, e com os países latino-americanos
através do MERCOSUL. Para o governo FHC, os ganhos decorrentes do binômio
participação-integração, corolário da adesão ao mainstream internacional, deveriam ser
sustentados por capacitação em termos de elevados níveis de especialização,
particularmente para as negociações comerciais e econômicas. Portanto, alcançar
resultados favoráveis ao país e a cada um dos setores interessados seria
contemporaneamente o resultado da adesão aos regimes e da competência em utilizar-se
deles. Ao mesmo tempo, a adequação do Estado para o contexto negociador e a
capacidade dos atores privados de responder adaptando-se aos novos patamares
mostrou-se insuficiente. Muitas vezes, as posições brasileiras mantiveram-se defensivas.
Em outros, a decisão ofensiva concentrou-se em áreas com competitividade, como a
agricultura, mas que não podem representar o conjunto dos interesses nacionais, mesmo
quando muito importantes.49
Dentro deste escopo, as relações com a China tiveram incremento expressivo,
crescendo em importância nos oitos anos de FHC e alcançando em 2002 a significativa
posição de segundo partner comercial do Brasil. O significado desse desenvolvimento é
abrangente, não apenas econômico, mas político e estratégico. Essa relação, do ponto de
vista brasileiro, concretiza as ideias de universalismo, global player e global trader. O
Brasil apresenta-se como interlocutor global, buscando maximizar vantagens em
48
Soares, de lima, 2000. Instituições democráticas e politica exterior 49
TulloVigevani, Marcelo F. de Oliveira e Rodrigo Cintra (2003). Política externa no período FHC: a busca
de autonomia pela integração
77
diferentes áreas, não apenas no comércio, mas também na área de ciência e tecnologia.
Ganhou destaque nessa relação a cooperação bilateral no desenvolvimento de tecnologia
de satélites. As relações diplomáticas foram consolidadas. FHC viajou à China e
recebeu duas vezes Jian Zemin. Na viagem ao Brasil do presidente chinês, em meio à
crise do contencioso sino-americano provocado pela invasão do espaço aéreo chinês por
um avião dos Estados Unidos, o governo de Washington solicitou a intervenção
brasileira para facilitar uma solução. O Brasil manifestou claramente seu apoio, sendo
um dos primeiros a fazê-lo, à entrada da China na OMC, e as negociações
desenvolveram-se no sentido de adaptar as preferências bilaterais às regras da
organização, o que implicou concessões recíprocas entre China e Brasil. Em Genebra,
houve esboços de coordenação de políticas na organização, visto o parcial paralelismo
de interesses decorrentes de algumas características comuns, como a existência em
ambos os países de amplos mercados consumidores, e por serem os dois receptores de
grandes fluxos de investimentos externos diretos. As diferentes inserções na economia
internacional não permitiu, porém, uma coordenação consistente. As exportações
brasileiras para a China duplicaram durante os mandatos de FHC. O protocolo de
cooperação para pesquisa espacial, no âmbito do Acordo de Cooperação Científica e
Tecnológica de 1982, rendeu seus primeiros frutos quando pôs em órbita o primeiro
satélite sino-brasileiro Cebrs de uma série de quatro, produzindo conhecimento e
riqueza para os dois países. Feiras de negócios de empresas brasileiras foram realizadas
na China e vice-versa.
2.2. Política Externa Brasileira e inserção internacional no governo Lula
Com o início do governo Lula, criou-se uma forte expectativa sobre os caminhos
da politica brasileira, tanto no nível nacional quanto internacional. Embora o cenário
internacional inicial não tenha sido muito diferente do governo FHC, as mudanças
percebidas no governo Lula tiveram algumas diretrizes diferentes como uma defesa
mais enfática da igualdade e do equilíbrio internacional, buscando uma crítica mais
assertiva das assimetrias norte-sul no SPI e o aumento e a diversificação das relações
bilaterais e multilaterais de forma a aumentar o peso do país nas negociações politicas e
econômicas internacionais. Estas diretrizes convergiam para uma ação diplomática mais
densa e articulada no intuito de aproveitar as possibilidades de um maior intercâmbio
econômico, financeiro, tecnológico e cultural. Estes seriam os preceitos básicos da
78
estratégia de Autonomia pela Diversificação50
. No governo Lula, opera-se uma
mudança relativa de discurso, que por um lado reafirma a adesão brasileira aos regimes
internacionais, porém adota uma posição mais crítica em relação às assimetrias e
desigualdades do sistema internacional. Neste sentido, a postura política do governo
Lula em relação à política externa procurou expandir as relações brasileiras com os
países em desenvolvimento, organizando novos grupos de discussão, reforçando
acordos cooperativos e diversificando parcerias comerciais no intuito de aumentar o
poder de negociação nos organismos multilaterais.
No governo Lula percebe-se uma mudança de posição tanto no corpo
diplomático quanto o discurso presidencial, que passa a adotar uma posição mais crítica
em relação às desigualdades do SPI, defendendo a soberania e uma maior igualdade
entre os países. Destaca-se neste campo uma articulação mais ativa do governo Lula no
campo das relações bilaterais, procurando desenvolve-las com países emergentes e
outras potências médias, enquanto que o governo FHC limitou-se ao aprofundamento
das relações com as potências médias da União Europeia.
Em seu discurso após a vitória no pleito eleitoral de 2002, Lula fez questão de
salientar as diretrizes em política externa, ressaltando o comprometimento com a
integração sul-americana e com o compromisso brasileiro em fortalecer e democratizar
os organismos internacionais, sobretudo com a ONU51
. Em sua posse, Lula deixa claro
também que a “a ação diplomática do Brasil seria um instrumento do desenvolvimento
nacional”52
, e este desenvolvimento se daria em três pilares: comércio exterior,
capacitação de tecnologias avançadas e busca de investimentos produtivos. Sempre
pautado na luta contra o protecionismo e no aumento da exportação nacional.
Na ocasião, Lula também deixa claro o objetivo de aprofundar as relações com
países de peso internacional proporcional ao brasileiro, os Brics: “Aprofundaremos as
relações com grandes nações em desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África
do Sul, entre outros.” 53
. Neste sentido, observa-se logo em seu primeiro discurso como
50
Idem. 51
Discurso do Presidente Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, "Compromisso com a Mudança". São Paulo,
28/10/2002. Disponível em:http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discurso. 52
Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão de Posse, no congresso Nacional. Brasília, 01/01/2003. Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos. 53
Idem
79
presidente da República uma nova perspectiva de ampliação e diversificação da área de
atuação brasileira no exterior, buscando um diálogo mais abrangente com os países em
desenvolvimento a partir de uma linha de raciocínio de que esta aproximação daria ao
Brasil uma melhor capacidade de defender seus interesses no plano multilateral. Sem
que para isto houvesse necessidade de se romper as relações conquistadas com mundo
desenvolvido.
Esta nova abordagem sobre as diretrizes brasileiras de política externa estariam
delineadas por uma estratégia econômica que procura expandir o comércio de
exportações com o estabelecimento de parcerias com paísesde economias
complementares à Brasileira, por um lado, e por outro, fortalecer as capacidades de
barganha dos países do “Sul”, como um bloco, durante as negociações de caráter
comercial nos organismos multilaterais.
Um dos pontos mais fortes em que se observa uma clara diferenciação das
políticas externas entre os governos é o campo da cooperação bilateral e multilateral. De
certo modo, se traçarmos uma linha imaginária onde em um extremo colocássemos as
aproximações e no outro extremo situássemos os contrastes entre as políticas externas
dos governos FHC e Lula, teríamos no extremo das proximidades a questão das
negociações comerciais multilaterais, onde ambos os governos adotam posturas
semelhantes, em convergência com a postura histórica da diplomacia brasileira.
Tomemos como exemplo o forte ativismo brasileiro na OMC em ambos os governos.
No outro extremo, das diferenças, poderíamos situar a questão das estratégias de
inserção internacional e das cooperações internacionais. Principalmente no que tange às
relações com outros países periféricos, as chamadas relações Sul-Sul54
.
Dentro deste escopo, o de criação de desenvolvimento de parcerias estratégicas
com países em desenvolvimento pode ser bem exemplificado a partir das ações
diplomáticas voltadas para criação de coalizões como o G-20, o foro IBAS (Índia,
Brasil, Africado Sul) e da cúpula América do sul-Países Árabes. Desse modo, a politica
externa do governo Lula, pautava-se por uma ação diplomática mais abrangente que o
governo FHC, na tentativa de criar condições estruturais em que o Brasil pudesse abrir
novos espaços internacionais que fornecessem alternativasa relação assimétrica com o
“centro” capitalista - as nações com maior poder econômico, político e tecnológico.
54
VIGEVANI E CEPALUNI (2007). Op. Cit.
80
Segundo Amado Cervo, o governo Lula apresenta uma mudança de modelo de
inserção internacional centrado em quatro linhas de perspectiva55
:
1. a recuperação do universalismo e do bilateralismo (restringido no
governo FHC), a partir de uma ação diplomática que procurou
diversificar suas parcerias com países africanos, asiáticos e árabes;
2. Priorização da integração estratégica sul-americana;
3. Combate as dependências estruturais e instrumentalização do
desenvolvimento nacional;
4. Manutenção do acumulado histórico, principalmente o compromisso
com a “ideologia” desenvolvimentista.
Na mesma linha de interpretação, Paulo Vizentini observa em sua análise que a
politica externa do governo Lula apresenta três dimensões: a) Dimensão econômica
(realista); b)Dimensão política (resistência) e c) Dimensão social (propositivista)56
. Em
relação ao primeiro aspecto, é necessário manter abertos os canais de negociação com o
Primeiro Mundo, obtendo recursos (investimentos e tecnologia),negociando a dívida
externa e sinalizando que o governo deseja cumprir os compromissos internacionais,
sem nenhuma ruptura brusca. A diplomacia política, por sua vez, representa um campo
de reafirmação dos interesses nacionais e de um verdadeiro protagonismo nas relações
internacionais, com a intenção real de desenvolver uma “diplomacia ativa e afirmativa”,
encerrando uma fase de estagnação e esvaziamento.57
A segunda dimensão está ligada à uma devolução ao MRE de uma posição
estratégica na formulação e execução da política exterior. Já a terceira dimensão, a
social, está ligada a proposta do governo Lula em construir uma agende internacional
55
CERVO, Amado Luiz. “Editorial - A Política Exterior: de Cardoso a Lula”. Revista Brasileira de
Política Internacional, vol. 46, nº 01, jan-jun 2003, p. 5-11. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n1/a01v46n1.pdf. 56
VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma década de política externa(1995-2005)”. Civitas–
Revista de Ciências Sociais, v. 5, n. 2, jul-dez 2005, p. 381-397.Disponível
em:http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/9/1602. 57
Idem. P. 388
81
que busque “corrigir as distorções criadas pela globalização, centrada apenas em
comércio e investimentos livres.”58
Dentro desta última dimensão podemos elencar as medidas anunciadas como a
revalorização do mercado doméstico e da capacidade de poupança interna, de uma
economia de produção e de combate aos fatores internos que debilitam uma ação
internacional mais qualificada (como desigualdade social, desemprego, criminalidade,
fraqueza e desordem administrativa e caos fiscal), são evidências da construção de tal
projeto. As políticas sociais, energéticas, urbanas, fundiárias e produtivas representam
uma vontade política neste sentido.
Neste campo, da conjugação entre politica externa e situação domestica,
podemos elencar a análise de Soares de Lima (2006) a respeito da repercussão que a
politica externa do governo Lula causou nos debates eleitorais das eleições presidenciais
brasileira em 2006, em que foi candidato à reeleição. A autora nos relata como a escolha
política de aumentar a relação com países em desenvolvimento, em detrimento das
relações com países ricos gerou muita polêmica à época.
Controvérsias à parte, é importante salientar o compromisso do Governo com a
consolidação das prerrogativas democráticas estabelecidas, na tentativa de estabelecer
um padrão de continuidade que possibilitou a vinculação das ações internacionais – no
sentido crítico das desigualdades sistêmicas em variados campos – com um esforço
interno de combate as desigualdades sócias e compromisso com a diminuição da
miséria.
Este discurso crítico a respeito das desigualdades no âmbito internacional estaria
vinculado a uma mudança do sentido que o governo Lula entenderia como
desenvolvimento nacional. A crítica às vulnerabilidades externas e ao compromisso da
política externa com o interesse nacional sempre esteve ligada às questões mais
econômicas e sociais. Esta premissa socioeconômica estaria vinculada ao contexto
geopolítico estável em que o país esteve inserido historicamente. Do ponto de vista
regional e continental, o Estado brasileiro se encontra em relativa segurança desde o
inicio do século XX. No começo do século passado, o país já havia solucionado
pacificamente todas as disputas territoriais com países vizinhos e o processo de
58
Ibidem. P. 389
82
consolidação do Estado nacional brasileiro se deu se deu em um contexto marcado por
resoluções diplomáticas, com poucos conflitos militares abertos.
Este contexto em que o país se encontrava, “geopoliticamente satisfeito”,
possibilitou o crescimento de uma política externa voltada para os condicionamentos do
desenvolvimento econômico interno e as conjunturas críticas que permeavam o modelo
a ser seguido. As conjunturas críticas geralmente são geradas pela combinação de
transformações sistêmicas e domésticas – momentos nos quais padrões dominantes de
desenvolvimento econômico interno e a inserção internacional consequente destes
padrões chegam a um esgotamento e uma nova coalizão sociopolítica emerge, alterando
tanto a política econômica externa quanto interna.
No contexto brasileiro do século XX, destacamos duas conjunturas críticas que
influenciaram uma mudança de rumo: a crise do modelo agroexportador em 1930 e sua
substituição por um modelo baseado na industrialização por substituição de importações
(ISI); e na década de 1990, o esgotamento do modelo Industrialização protegida e a
consequente adoção de um modelo de integração competitiva com a economia global.
A primeira conjuntura possibilitou que o Brasil se industrializasse rapidamente
durante a segunda metade do século XX. O modelo de ISI (que tinha como premissas
básicas o papel central do Estado na regulação e no planejamento econômico nacional e
na provisão de incentivos produtivos; alto grau de protecionismo; e promoção da
participação de investimentos estrangeiros diretos em setores industriais escolhidos
como preferenciais pelo Estado59
.
Porém, as condições internacionais que possibilitam o nascimento e
florescimento de tal modelo podem evoluir ou desaparecer de acordo com a dinâmica
histórica. Mas esta dinâmica não leva necessariamente ao desaparecimento simultâneo
de instituições, interesses e ideias associadas a tal modelo. No caso brasileiro, nos ajuda
a explicar a estabilidade e continuidade do modelo de ISI aspectos como os interesses
materiais e valores da coalizão social dominante que apoiava o modelo e as resistências
paradigmáticas das formas e ideias antigas continuaram a exercer sobre a visão de
mundo das autoridades brasileiras.
59
A construção teórica deste modelo foi discutida na segunda seção do primeiro capítulo, sobre a Cepal.
83
A segunda conjuntura, mais recente, se dá pela conformação de aspectos
internos e externos ao Brasil. No lado interno, podemos destacar em primeiro lugar o
contexto político – o processo de transição do fim do regime militar que governou o
país entre 1964 e 1985 para a democracia. Em segundo lugar, o aspecto econômico de
instabilidade estrutural advinda da crise fiscal do Estado e do esgotamento do modelo
de ISI. No plano internacional, o fim da Guerra Fria e o processo de interdependência
econômica resultante da globalização, levaram a conformação de um contexto que levou
ao desenvolvimento do modelo de “Autonomia pela Participação” (que explicamos
mais detalhadamente na seção anterior sobre política externa do governo FHC).
O ponto que queremos salientar aqui é que embora a década de 1990 possa ser
considerada como uma nova conjuntura crítica, tal conjuntura não propiciou um
consenso claro e inconteste como a conjuntura critica anterior, criando uma nova
realidade interna em que os dois modelos anteriormente citados lutam pela
preponderância de um sobre o outro. De um lado temos um modelo “novo”, em que a
busca por uma maior credibilidade internacional estava atrelada a necessidade de se
enxergar o país pela perspectiva dos seus potenciais parceiros. Sob esta ótica, países
como o Brasil, que não teriam as condições realistas clássicas de poder, deveriam optar
pelo caminho da institucionalidade, aderindo e se conformando as regras e instituições
internacionais. Do outro lado teríamos uma perspectiva que pretendia dar ênfase a uma
maior autonomia e ênfase internacional através de uma política desenvolvimentista ativa
e que possibilite uma maior articulação com países em situação similar e a construção
de um projeto nacional que busque a resolução das desigualdades sociais domésticas.
Assim observa-se no governo Lula, um embate ideológico entre as convenções
de desenvolvimento, como explica Fabio Erber60
, em que “ a convenção
institucionalista restrita, que privilegia a estabilidade de preços ao custo de um
desenvolvimento também restrito, detém a hegemonia sobre a convenção
desenvolvimentista/neodesenvolvimentista”61
, através de uma coalizão conservadora
que sustenta seu argumento na premissa de que as classes sociais mais pobres seriam as
mais prejudicadas pela alta da inflação.
60
ERBER, Fabio S. (2010). Convenções de desenvolvimento no Brasil contemporâneo: um ensaio de economia política. Textos para discussão Cepal-Ipea, 13. Brasília, DF: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA. 61
Idem
84
A convenção institucionalista restrita, conforme elencada por Erber, seria
mantida do ponto de vista institucional pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco
Central. Seus foco principal seria o estabelecimento de normas e organizações que
garantam o correto funcionamento dos mercados, de forma que estes cumpram suas
funções de alocar recursos do modo mais produtivo, gerando poupanças, investimentoe,
em consequência, crescimento econômico sustentável. Para que isso ocorra, seriam
essenciais a garantia dos direitos de propriedade e a redução dos custos de transação,
que por sua vez, demanda instituições estatais eficientes. Como os mercados
contemporâneos tem dimensão internacional, a abertura econômica comercial e de
investimento seria essencial para o desenvolvimento62
.
Neste contexto, caberia ao Ministério da fazenda o papel de promotor estatal de
agente do Estado brasileiro como estipulante das diretrizes de políticas nas quais o
Ministério executa tais diretrizes. Esse modelo seria destinado a evitar as ineficiências
do suprimento direto de serviços por instituições públicas estatais para no sentido de
garantir o regime de metas inflacionarias do Banco Central. Já o papel do Banco Central
- de garantidor das metas inflacionárias – estariaM condicionadas pela estabilidade do
“tripé” manutenção da taxa de juros-valorização cambial-metas fiscais primárias. No
processo de estabilizar as metas inflacionárias, o Banco Central adota como dispositivo
a manutenção de taxas de juros que, embora oscilantes, se mantiveram entre as mais
altas do mundo. As altas taxas de juros permitem do lado cambial, a entrada de capitais
estrangeiros especulativos, valorizando a taxa de câmbio da moeda nacional e assim,
contendo os preções de bens e serviços comercializáveis internacionalmente. Do lado
fiscal, obriga a política a estabelecer suas metas em termos primários, restringindo os
gastos governamentais em investimentos para o pagamento dos juros da dívida pública.
As consequências desta prática macroeconômica geram perdedores e
ganhadores. Segundo Erber, saem perdendo o Estado, elevando o pagamento dos juros
da dívida e no setor privado, todos os que necessitam utilizar mecanismos de crédito de
famílias empresas. O que geram como consequência a redução da demanda final de
bens de consumo e da cadeia produtiva e investimentos de longo prazo. Além disso,
62
Ibidem
85
esta prática acaba encorajando o sistema financeiro a concentrar suas operações em
títulos públicos em detrimento da concessão de crédito63
.
Do lado beneficiário, destacam-se o sistema financeiro em sua totalidade –
bancos, seguradoras, fundos de pensão, e as empresas exportadoras de commodities que
se beneficiaram da valorização do Real, e pelo fato de serem geradores de caixa, da alta
dos juros64
. Como se pode perceber, existe uma ampla e poderosa constelação de
interesses privados e públicos que se estruturou a partir da combinação juros-câmbio
valorizado, estabelecendo uma convenção de que estes elementos seriam essenciais para
o desenvolvimento do país.
Esta coalizão de interesses possui instrumentos para consolidar e difundir a
convenção que vão do financiamento de campanhas políticas e relações com membros
do congresso (lobby), aos enlaces entre burocracia e empresariado. Sem contar com o
apoio da grande mídia, que difunde o modelo como estabilidade.
O outro modelo de convenção de desenvolvimento, o “neodesenvolvimentista”
repousa sobre cinco pilares:
1. Investimentos em infraestrutura (energia, logística e saneamento);
2. Investimento residencial pelo crédito (público e privado);
3. O circulo virtuoso entre o aumento do consumo familiar (aumento real
do salário-mínimo, transferências de renda do Bolsa-Família, expansão
do emprego formal) e do crédito e, por outro lado, aumento do
investimento em capital fixo e inovação
4. Investimento em inovação;
5. Política externa independente (“Autonomia pela diversificação”)
Nesta convenção, o Estado nacional volta a assumir papel de liderança no
processo de desenvolvimento, recuperando o protagonismo de empresas estatais e dos
bancos públicos. Note-se também, que nos dois primeiros e no último pilar elencado por
Erber, está implícito uma tentativa de atualização da antiga proposta
desenvolvimentista. A coalizão entre empreiteiras da construção pesada e leve,
fornecedores de insumo e equipamentos com o governo, o investimento em inovação e
63
ERBER, Fabio S. (2010:25) 64
ERBER, Fabio S. (2010:26)
86
a diminuição do déficit habitacional estão entre as premissas clássicas do
desenvolvimentismo cepalino.
De modo ímpar, o que uniu as duas convenções durante grande parte do governo
Lula foi o terceiro pilar: a redução da pobreza por meio dos mecanismos de
transferência de renda, aumento do consumo familiar e geração de emprego formal. A
“ponte de ligação” entre os dois paradigmas restaria exatamente na premissa de que as
camadas mais baixas de renda seriam as mais prejudicadas pela alta da inflação.
Em resumo, procurou-se destacar neste capítulo que:
No campo da política externa, observa-se uma clara diferenciação entre
as diretrizes e objetivos do governo FHC (Autonomia pela Integração) e
Governo Lula (Autonomia pela diversificação)
Porém, no da política interna o governo Lula optou desde o início por
uma construção ideológica em que se disputavam duas convenções de
desenvolvimento aparentemente conflitivas (Institucionalista e
neodesenvolvimentista) unidas por um objetivo: a redução da miséria e
consolidação das classes mais baixas na economia de mercado.
Este novo “arranjo” possibilitou uma inserção internacional brasileira
que permitiu a manutenção das premissas institucionais no plano
comercial, mas objetivou se reposicionar no campo da política
internacional através de novas relações e coalizões com países do Sul e
fortalecimento do país nos organismos multilaterais.
No lado chinês, procuramos ressaltar que sua reinserção econômica a partir dos
anos 1990 (eixo-sino americano), foi articulada com uma nova agenda de política
externa. Esta nova agenda tem profundas raízes na questão em torno da vulnerabilidade
histórica passada. Neste sentido, uma das maiores consequências da reforma econômica
do país e sua adesão ao liberalismo de mercado (com características distintas) tem sido a
diversificação das perspectivas entre intelectuais, comentaristas e representantes
oficiais. Esses fatores favoreceram uma abordagem mais interpretativa das perspectivas
chinesas acerca da ordem global, e esta interpretação estaria baseada um discurso de que
os acontecimentos não estrariam preordenados e que as escolhas políticas do mundo
contemporâneo ainda estão sendo feitas.
87
No próximo capítulo, discutiremos como estas abordagens influenciaram
a mudança nas relações bilaterais sino-brasileiras.
88
Capítulo 3:
3.1.As relações bilaterais sino brasileiras no século XXI
Neste capítulo, pretende-se analisar a evolução das relações bilaterais entre o
Brasil e a China na virada do século XX para o século XXI. Nosso objetivo principal se
destina a apontar as mudanças relativas acontecidas nesta relação em termos
econômico-comerciais e na esfera da cooperação bilateral entre os decênios de 1990 e
2000. Como havíamos explicado anteriormente, nossa hipótese seria de que as relações
bilaterais sino-brasileiras apresentaram evoluções positivas no campo comercial em
detrimento do avanço no campo diplomático cooperativo.
Em nossa concepção, esta dinâmica “conflitante” entre os dois campos se deu
por razões internas e externas. No campo internacional, a ascensão chinesa na esfera
produtiva e econômica a partir dos anos 1990 (através da consolidação do eixo sino-
americano, conforme explicamos melhor no capítulo 2), aprofundou a interdependência
e a complementaridade das pautas de produtos da balança comercial sino-brasileira.
Porém, de acordo com o postulado em nosso quadro teórico, fatores externos por si só
não possuem valor explicativo para os rumos políticos e econômicos que determinado
país escolhe. Necessita-se entender como tais dinâmicas externas influenciam e são
compreendidas do ponto de vista doméstico pelos dirigentes e classes dominantes.
Neste sentido, entendemos que tanto uma busca geopolítica para a manutenção e
consolidação de mercados exportadores de commodities, do lado chinês, quanto a busca
por uma estabilização macroeconômica institucionalista em detrimento de uma política
desenvolvimentista no lado brasileiro, tiveram forte influência nesta dinâmica.
89
Para explicar nossa hipótese, após uma breve apreciação da evolução da relação
histórico-institucional entre Brasil e China, nos atentamos a verificar a inversão
valorativa entre cooperação e comercio bilateral sofrida entre os dois últimos momentos
(a parceria estratégica 1993-2003 e o período atual, de 2003 em diante). Para tal exame
optamos por focalizar nossa análise na evolução dos Atos Internacionais Bilaterais
acordados entra as nações, e a sua relação com o comércio bilateral.
3.2. Antecedentes históricos e relações embrionárias (1800-19740)
A história comum entre Brasil e China pode ser considerada, de forma mais
enfática e institucional, através da aproximação entre os dois países há época da
fundação da República Popular da China, em 1949. Entende-se o período demarcado
entre 1949 e 1974 como a primeira fase das relações sino-brasileiras, tendo seu final, a
assinatura do acordo de reconhecimento diplomático entre as duas nações em 1974.
Porém vale a pena ressaltar que os laços históricos que unem as duas nações podem ser
datados do início do século XVII.
Historiadores chineses e brasileiros insistem em marcar a chegada de
trabalhadores chineses ao Rio de Janeiro em 1810 como o início das relações entre
ambos os países. Na verdade, as raízes dos contatos sino-brasileiros se encontram no
comércio marítimo português nos séculos 17 e 18. Embora a Coroa portuguesa proibisse
o comércio entre Macau, no sul da China, e o Brasil, navios portugueses que chegavam
aos portos de Salvador, Recife e Rio de Janeiro abasteciam o mercado com sedas,
porcelanas e até braços chineses. Segundo o acadêmico Charles Boxer, há indícios
documentais que apontam a participação de trabalhadores chineses na extração de ouro
em Minas Gerais durante o século 1865
.
Os reflexos deste contato podem ser encontrados na botânica, na arquitetura, nos
costumes e na culinária. Como Luís Antônio Paulino e Marcos Cordeiro Pires (2001)
destacam, o sociólogo Gilberto Freyre observara, ao analisar anúncios publicitários nos
jornais do Rio de Janeiro, na primeira metade do século XIX, o fascínio exercido pelas
65
Eric VandenBussche. A China descobre o Brasil: o primeiro capítulo das relações sino-brasileiras. Disponivel em:
http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/07/27/a-china-descobre-o-brasil-o-primeiro-capitulo-das-relacoes-sino-
brasileiras
90
chinoseries entre os consumidores brasileiros, como podemos perceber na passagem
abaixo:
“Na Rua da Alfândega n°5 se acham à venda por atacado e miúdo todos
os gêneros e fazendas da China, como sejam canela e chás, Alfojar,
Pérola, Hisson, Uxim, Congo, Sequim, Tonkay e Suchon, toda a
qualidade de charões, gangas, sedas e tonquins, tanto em peças como
chalés, mantas, etc. No armazém da mesma casa se vendem varejados
todos os chás novos do navio Maria I, pelos preços atuais e louça
ordinária e em porcelana, para mesa e chá também do mesmo navio.”
(FREYRE, 2003:57 apud LUÍS E PIRES, 2011:20)
Do ponto de vista diplomático, tanto o Império chinês quanto a República
brasileira não obtiveram contatos próximos com o país asiático. A primeira missão
brasileira à China foi feita para negociar o estabelecimento de relações formais entre
ambas as nações. Essa missão diplomática, liderada por Eduardo Calado e Artur
Silveira da Mota, tinha como objetivo principal a negociação de um tratado que
assegurasse a emigração de chineses para suprir a carência de braços nas lavouras de
café66
.A missão brasileira conseguiu, após longas negociações e graças à interferência
da Inglaterra, assinar um tratado estabelecendo relações formais com a corte Qing. A
forte oposição chinesa, porém, frustrou as repetidas tentativas brasileiras de incluir no
tratado uma cláusula estimulando a emigração de trabalhadores chineses. Sem obter
sucesso, o resultado positivo deste primeiro contato foi a abertura de um consulado
brasileiro em Cantão (1843).
A posição da dinastia Qing em relação ao Brasil, entretanto, passou por uma
transformação com a visita do militar Fu Yunlong ao Brasil, em 1889. O militar havia
sido enviado ao Japão e ao continente americano pelo ZongliYamen (o órgão do
governo Qing responsável pelas relações exteriores) para coletar informações sobre
esses países. Após permanecer no Brasil durante um mês (de 7 de março a 5 de abril de
1889), Fu Yunlong preparou um relatório que enterrou as resistências da corte Qing em
relação à emigração de coolies chineses ao país. Para Fu, os trabalhadores chineses no
66
Eric VandenBussche. A China descobre o Brasil: o primeiro capítulo das relações sino-brasileiras. Disponivel em:
http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/07/27/a-china-descobre-o-brasil-o-primeiro-capitulo-das-relacoes-sino-
brasileiras
91
país se dedicavam ao cultivo do chá e, ao contrário dos coolies no Peru e em Cuba, não
sofriam maus-tratos. Ele enfatizou as oportunidades que o Brasil oferecia aos
imigrantes: a abundância de terras virgens e minas a serem exploradas. Porém, com a
ascensão do Japão e a iminente queda do Império Qing, as relações entre as nações se
deteriorou.
A retomada do diálogo sino-brasileiro se deu com a abertura do governo
brasileiro de uma representação consular junto ao governo de Chiang Kai-shek em
1943, em meio aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. A partir da fundação
da RPC, governada por Mao Zedong, o governo brasileiro passa a adotar as
determinações norte-americanas e continua a reconhecer oficialmente o Governo de
Chiang em Taiwan. Porém, o interesse entre a RPC e o Brasil volta a ter valia a partir
do governo Vargas partindo do pressuposto de que ambas as nações se identificariam
como nações subdesenvolvidas.
Ambas as nações apresentaram na década de 1960 discursos semelhantes a
respeito das Relações internacionais, figurando-se entre os terceiro-mundistas. De fato,
a opção pela Política Externa Independente vigente no governo de Jânio Quadros
(1961) possibilitou a primeira visita oficial de um governante brasileiro à China. Com a
instauração do regime militar em 1 de agosto de 1964, a Politica Externa brasileira volta
a adotar uma política de alinhamento com os EUA, rompendo as relações com a China.
Na década de 1970, diferentes fatores levaram a uma abertura de diálogo. Do
ponto de vista chinês, interessava ao país encerrar o isolamento de Pequim no sistema
internacional no sentido de recuperar algum poder de barganha. Do ponto de vista
brasileiro, a retomada do discurso nacional-desenvolvimentista faz com que o Brasil
encadeie a partir de uma nova perspectiva brasileira em diversificar seus parceiros e
abrir novos mercados.
3.3. Institucionalização das relações (1974-1990)
Uma década após a instauração do regime militar no Brasil, as relações
diplomáticas foram efetivamente abertas através de um conciso comunicado conjunto,
assinado pelo então Ministro das relações Exteriores da república federativa do Brasil,
Antonio F. Azeredo da Silveira e o então Vice-Ministro do Comércio Exterior da
República Popular da China, Chen-Chieh, em Brasília no dia 15 de Agosto de 1974:
92
“O Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da
República Popular da China, em conformidade com os interesses e os
desejos dos dois povos, decidem estabelecer relações diplomáticas em
nível de Embaixadas, a partir desta data.
O Governo da República Federativa do Brasil reconhece que o Governo
da República Popular da China é o único Governo legal da China. O
Governo chinês reafirma que Taiwan é parte inalienável do território da
República Popular da China. O Governo brasileiro toma nota dessa
posição do Governo chinês.
Os dois Governos concordam em desenvolver as relações amistosas
entre os dois países com base nos princípios de respeito recíproco à
soberania e à integridade territorial, não-agressão, não-intervenção nos
assuntos internos de um dos países por parte do outro, igualdade e
vantagens mútuas e coexistência pacífica.
O Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República
Popular da China concordam em trocar Embaixadores dentro do mais
breve prazo possível e emprestar um ao outro toda a assistência
necessária para a instalação e funcionamento das Embaixadas em suas
respectivas capitais.” 67
Do ponto de vista político, a importância do comunicado reside no reconhecimento do
governo de Pequim como o legítimo governo da China - e não o governo de Chiang, em
Taiwan. Tal relação deveria servir, pela ótica brasileira, para reafirmar a presença
autônoma e aumentar o prestígio brasileiro no sistema internacional.
Do ponto de vista prático, as relações entre países se desenvolveram lentamente.
O primeiro acordo comercial só veio a ser assinado em Pequim no dia 7 de janeiro de
67
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1974/b_47/
93
197868
. A partir de então, a corrente de comércio sino-brasileiro começou a evoluir de
forma gradual, indo de US$ 19,4 milhões em 1974 para US$ 202 milhões em 1979.
Dentre os produtos mais comercializados destacaram-se os produtos primários como
algodão, farelo de soja e açúcar pelo lado brasileiro enquanto elementos químicos e
farmacêuticos foram os produtos mais importados pelo Brasil da China.69
Na década de 1980, o diálogo entre os países passou a evoluir de forma mais
consistente. Da parte chinesa, com a morte de Mao (1976) e o início da era Deng
Xiaoping (a partir de 1978), o governo chinês adota uma estratégia diferente de
Desenvolvimento, denominada “Quatro Modernizações” 70
. A partir de então, o
comprometimento chinês com a modernização de seus eixos econômico-produtivos
através da dominação de tecnologias avançadas, passou a ter maior preponderância do
que o fator ideológico em sua politica externa. No lado brasileiro, os parcos resultados
alcançados através do alinhamento com países desenvolvidos levaram o Brasil a investir
em outro tipo de politica externa, agora voltada mais para o seu aspecto regional.
Aumentaram-se os laços com a América do Sul e Latina e formou-se um novo eixo
bilateral em especial com a Argentina. Em paralelo, objetivou-se em termos
internacionais aprofundar o estreitamento de relações com outras nações que se
identificassem com a realidade socioeconômica brasileira fora da América do Sul,
incluindo-se nesta gama os países asiáticos como a China.
Neste sentido, as afinidades entre os países levam à assinatura em 1984 de um
“Protocolo entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a
Comissão Estatal de Ciência e Tecnologia no Campo da Cooperação Científica e
Tecnológica”, que, de acordo com o seu artigo segundo visava o acordo cooperativo nas
seguintes modalidades:71
a) Intercâmbio de informações e de documentação científica e técnica;
68
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1978/b_1 69
BECCARD, Danielly (2011). O que esperar das relações Brasil-China?.In: Revista de Sociologia e Politica V.19 n° Suplementar: 31-44. 70
Cf. Capítulo dois, seção um. 71
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1984/b_51
94
b) Realização de conferencias, reuniões cientificas, cursos, seminários e
simpósios;
c) Intercambio de cientistas, pesquisadores, professores e técnicos de alto nível
(doravante denominados "especialistas");
d) Realização de projetos conjuntos de pesquisa cientifica e de desenvolvimento
tecnológico nos setores de interesse comum;
e) Outras formas de cooperação a serem acordadas entre as Partes
Contratantes.
Em 1985, em um “Memorando de entendimento” também observamos o alargamento
das relações através da “satisfação pela ampliação de seu relacionamento em três
novas áreas: consular, cultural e militar”. 72
No mesmo memorando observa-se
também uma vontade em expandir o comércio e a cooperação. Assim: “Dentro desse
espírito, e com vistas à contribuir positivamente para o pleno aproveitamento das
perspectivas de expansão do intercâmbio, em nível compatível com as potencialidades e
complementaridades das economias dos dois países, o Governo brasileiro:
a)concorda em elevar suas compras de petróleo bruto da República
Popular da China para o nível de 3 milhões de toneladas em 1986 e, se
possível, manter essa meta para 1987 e 1988.
As duas empresas operadoras, Petrobrás e Sinochen, manterão
entendimentos a respeito dos tipos de petróleo a serem fornecidos em
1986, assegurada à Petrobrás a importação de uma quantidade mínima
de petróleos leves, igual à recebida em 1985.
A Parte brasileira tem o direito de, através de entendimentos prévios
entre a Petrobrás e a Sinochen, reexportar para terceiros mercados a
quantidade adicional adquirida em 1986.
72
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1985/b_57
95
b)manifesta o interesse em adquirir carvão metalúrgico da República
Popular da China, em quantidades a serem negociadas, e de acordo com
especificações técnicas a serem definidas. Neste contexto, as empresas
operadoras brasileiras registram a intenção de receber, desde já,
missões técnicas, amostras e "trial cargoes",para aprofundar a
discussão sobre o assunto;
c)toma nota do interesse do Governo da República Popular da China em
exportar arroz, milho e algodão e, a esse respeito, assegura que, na
hipótese de o Brasil vir a importar esses produtos, para complementar
parcialmente o abastecimento doméstico, as ofertas chinesas serão
estudadas com todo o interesse, no melhor espírito de contribuir para a
diversificação do comércio. Nesse sentido, o Governo da República
Federativa do Brasil expressa sua satisfação em ver concretizadas as
primeiras operações de compra de arroz chinês, no volume de 32.000
toneladas;
d)em apoio ao esforço de promoção do intercâmbio bilateral, propõe o
aprofundamento das discussões em torno da questão do frete marítimo,
de modo a favorecer, tanto quanto possível, o barateamento dos
produtos comercializados entre os dois países;
e)manifesta o interesse no desenvolvimento de um programa de
cooperação tecnológica e econômica, no setor de transportes, com
ênfase, numa fase inicial, nas modalidades portuária e rodoviária. Com
esse objetivo, os Governos da República Federativa do Brasil e da
República Popular da China comprometem-se a tomar as providências
cabíveis, com vistas à troca de missões técnicas, para dar seguimento às
discussões sobre o assunto.”73
73
Idem
96
Já o Governo da República Popular da China “expressa sua disposição em
colaborar com o Governo da República Federativa do Brasil, com vistas à
implementação dos propósitos enunciados no parágrafo anterior” e:
a)concorda em que suas compras de produtos siderúrgicos brasileiros
para 1986 – incluídas neste total as compras de ferro-gusa – sejam
superiores às de 1985, e, se possível, manter esse novo volume, em 1987
e 1988;
b)concorda em elevar suas compras de minério de ferro brasileiro ao
nível de 2,5 milhões de toneladas em 1986, e, se, possível, manter ou
ampliar esse volume em 1987 e 1988;
c)toma nota do interesse brasileiro em exportar 50 mil toneladas de
celulose .para a República Popular da China em 1986 e, a esse respeito,
assegura que as propostas brasileiras serão estudadas com todo o
interesse;
d)concorda em importar, com esforços, em 1986, 50 mil toneladas de
alumínio de lingote ao Brasil;
e)manifesta o interesse em continuar a adquirir toras de madeira
brasileira, em quantidades a serem definidas. O Governo brasileiro toma
nota do interesse chinês por esse produto e assegura que serão
concedidas facilidades às empresas brasileiras, para que vendam o
produto à República Popular da China, enquanto permanecer a
autorização temporária de exportação pelo Brasil;
f)toma nota do interesse brasileiro em exportar diversos tipos de veículos
e bens de consumo brasileiros; e
g)manifesta a intenção de continuar a adquirir, em 1986, produtos
petroquímicos brasileiros, se possível em quantidades equivalentes à
média dos dois últimos anos.”74
74
Ibidem
97
Como podemos perceber, as relações sino-brasileiras no campo comercial evoluíram
bastante, alcançando em meados de 1980 o recorde na corrente de comercio entre os
países, elevando a China ao segundo maior mercado asiático para as exportações
brasileiras, atrás do Japão.
A década de oitenta também foi palco do mais bem sucedido acordo de
cooperação em ciência e tecnologia que o Brasil e China fizeram até hoje. A proposta de
construção conjunta de satélites de sensoriamento remoto – China-Brazil Earth
Resource Satellite (Cbers) – lançada em 1988, insere-se dentro do contexto em que as
duas nações pretendiam há época: de inserirem-se de forma autônoma frente às nações
desenvolvidas e suas restrições à aquisição de tecnologias impostas em seus acordos. O
protocolo estabelecia a aprovação do Relatório de Trabalho sobre a Pesquisa e Produção
Conjunta do Satélite Sino – Brasileiro de Recursos da Terra, assinado em Beijing, no
dia 04 de março de 1988, pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia
Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST). E designava o Instituto de Pesquisas Espaciais
do Brasil (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST) como
entidades executoras para a pesquisa e produção conjunta do Satélite Sino – Brasileiro
de Recursos da Terra, cabendo-lhes celebrar os atos necessários para a execução do
projeto para a pesquisa e produção conjunta do Satélite de Recursos da Terra.75
Entre o fim da década de 1980 e 1993, as relações sino brasileiras arrefeceram
devido a problemas internos em cada país. No Brasil, crises financeiras e a reforma
política (processo de redemocratização, moratória da divida externa, e hiperinflação)
fizeram que o Estado diminuísse sua atenção externa. Enquanto isso, na China pressões
internas para uma inclusão maior dos seus cidadãos (na politica a e na nova diretriz
econômica), assim como o fim da USSR, fizeram com que a China se fechasse durante
algum tempo para o mundo.
3.4. A parceria Estratégica (1993-2003)
Na virada da de oitenta para a década de noventa do século XX, observa-se
mudanças estruturais no campo a economia e da politica internacional. A partir do fim
da Guerra Fria, movimentos são percebidos na direção da expansão do capitalismo
75
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1988/b_44
98
internacional (no sentido da financeirização e da abertura econômica dos países). No
Brasil tais ações foram densamente sentidas, modificando o modo em que o país
enxergaria sua inserção internacional.
O surgimento de uma nova articulação em política externa acompanha a direção
dos países desenvolvidos (“Autonomia pela integração”76
) em detrimento de parcerias
com países do “Sul”. Esta mudança de rumo é sentida também na relação com a China.
A China por sua vez dava continuidade ao seu plano de inserção e ascensão pacífica no
sistema internacional. Dentro de sua estratégia, a América Latina (e consequentemente
o Brasil) continuava a ser entendida como parceiros necessários para a estabilidade
geopolítica por serem grandes fornecedores de matéria-prima.
Com a entrada no poder do governo Itamar Franco, em 1993, esforços foram
feitos para que se rearticulassem as relações com a China (através da continuação de
projetos como o Cbers) e na tentativa de se imprimir parcerias em outros campos, como
na tentativa de grandes empresas empreiteiras brasileiras em fornecer capacitação,
know-how e pessoal qualificado para grandes empreendimentos como a construção de
hidrelétricas na China.
Tabela 3.1: Exportações e Importações Brasil-China (1990-2010)
Ano Valor das Exportações ( milhares de
dólares)
Valor das Importações (milhares de
dólares)
1990 $381.799 $203.459
1991 $226.395 $75.101
1992 $460.035 $57.297
1993 $779.384 $156.979
1994 $822.408 $196.813
1995 $1.203.744 $417.931
1996 $1.113.819 $1.255.422
1997 $1.088.204 $1.292.316
1998 $904.863 $1.146.977
76
Cf, capitulo2.
99
1999 $676.123 $943.036
2000 $1.085.207 $1.350.806
2001 $1.902.095 $1.468.655
2002 $2.520.442 $1.697.772
2003 $4.532.542 $2.330.922
2004 $5.440.270 $4.054.274
2005 $6.833.656 $5.836.206
2006 $8.399.512 $8.595.943
2007 $10.743.845 $13.677.181
2008 $16.403.019 $21.738.897
2009 $20.190.842 $16.940.426
2010 $30.804.640 $27.824.414
Fonte: BADECEL/Cepal
Em 1990, o Brasil exportou para China o montante equivalente à US$381.799 e
importou US$203.490. Em 1994 o montante de exportações mais que dobra, enquanto
as importações continuam oscilando. Esta retomada comercial colaborou de forma
importante para que as relações entre o Brasil e a China fossem elevadas e um novo
grau. Esta evolução fez com que as autoridades de ambos os países reconsiderassem a
parceria entre as nações. Nos três anos seguintes esta cifra ultrapassou a marca do
Bilhão.
As relações comerciais nos primeiros anos da parceria estratégica Brasil-China
não foram muito expressivas se comparado com o período seguinte. Seja do ponto de
vista do volume de intercâmbio, seja do ponto de vista da participação da China no na
balança comercial total brasileira. Talvez pelo fato de a que economia brasileira
estivesse passando por um momento de reajuste e reforma durante o período, o
comércio exterior tenha sido afetado de maneira mais acentuada. Do ponto de vista
chinês, deve-se levar em conta que o processo de reforma e influencia sobre o mercado
internacional fossem menos sentidos nos fluxos de mercadoria mundiais do que a fase
posterior a sua entrada na OMC, em 2002. Podemos perceber esta situação através da
Tabela 3.1 e do Gráfico 3.2.
100
De forma sucinta, o saldo comercial entre Brasil e China na década de 1990
obteve uma média de superávit de US$150 milhões. Fatores como a maior
internacionalização da economia brasileira no período, A sobrevalorização do Real
entre 1994 e 1999 podem explicar o porquê da manutenção da balança comercial em
nível comparativamente baixo em relação à década anterior (US$150 milhões).
Do ponto de vista chinês, a manutenção de parcerias estáveis com os países
latino-americanos era importante para a obtenção de matéria-prima e recursos
energéticos, assim como para a manutenção de canais de comercio para o desembarque
dos seus produtos em potenciais mercados consumidores. Pela parte brasileira o
governo FHC (1995-2002) procurou aprofundar as parcerias comerciais e em projetos
de ciência e tecnologia com a China, embora o foco de sua política externa estivesse
voltado para a integração com os países desenvolvidos e em uma maior participação do
Brasil em foros multilaterais.
Neste sentido, foram realizados acordos como o “Acordo de quarentena
vegetal” (1995), que tinha por finalidade:
“evitar a introdução de enfermidades, pragas e ervas daninhas sujeitas a
quarentena (daqui em diante referidas como "pragas de quarentena") no
território de qualquer das Partes Contratantes, para proteger a
produção agrícola, para promover o desenvolvimento do comércio de
101
plantas e produtos vegetais, e para reforçar a cooperação no domínio da
quarentena vegetal entre os dois países”.77
Ainda houve visitas oficiais, como a visita da delegação brasileira em 1999, chefiada
pelo Secretário dos Direitos Humanos, Doutor José Gregori, e integrada por
representantes da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, do Ministério das
Relações Exteriores, do Programa Comunidade Solidária e do Governo do estado de
São Paulo. A visita da delegação brasileira deu continuidade à cooperação bilateral em
matéria de direitos humanos iniciada com o envio, em fevereiro de 1997, de missão à
China, também chefiada pelo Secretário de Estado dos Direitos Humanos, e seguida de
visita ao Brasil, em setembro de 1997, delegação chinesa chefiada pelo então Vice-
Ministro da Justiça, Senhor Zhang Xiufu.78
Também avançou nesta época o projeto de cooperação científica do Cbers. Esta
evolução acontece de forma interessante e devidamente contextualizada com as
expectativas de ambos os países em aumentar a autonomia em relação aos países
desenvolvidos em matéria de tecnologia. Após difíceis tempos de negociação e falta de
verba para a continuação do projeto, foram registrados novos documentos de
aprofundamento da parceria espacial permitindo avanços na produção e fabricação dos
satélites sino-brasileiros. Em 1999 foi lançado o primeiro satélite, o CBERS-1.
A partir de 2000, observa-se uma evolução paulatina e estável da corrente
comercial sino-brasileira. Entre possíveis explicações para tal avanço, podemos citar o
fim do Plano Real no Brasil (a quebra da paridade entre o dólar e o real) e o fim da crise
asiática. Tais acontecimentos podem ter ajudado a aumentar o fluxo comercial entre as
nações.
Assim no começo do século XXI as relações sino-brasileiras passam por um
estágio de excelente entendimento político. Este entendimento se deve, em certo grau, a
superação de obstruções políticas no sentido de dar mais força à complementaridades
das cadeias produtivas entre os países, como veremos na análise da última fase abaixo.
77
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1995/b_97 78
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1999/b_26
102
3.5. As relações bilaterais sino-brasileiras no século XXI: Da parceria estratégica à
preponderância comercial?
O contexto politico e econômico no início dos anos 2000 podem ser
considerados de forma bastante distinta do que se apresentou nos anos 1990. A
perspectiva harmoniosa e interconectada difundida após o fim da Guerra Fria na década
de noventa chega ao final do decênio sendo bastante contestada. Se do ponto de vista
ideológico, houve uma diminuição dos conflitos e dos dilemas capitalismo x socialismo,
observa-se uma retomada de questões envolvendo o nacionalismo e religiosidade. Por
exemplo, os movimentos fundamentalistas islâmicos, que ressurgem com força.
Do ponto de vista do sistema político internacional, a preponderância unilateral
exercida pelos EUA a partir do fim da Guerra Fria possibilitou que o país exercesse o
papel hegemônico em relação a mediação dos conflitos internacionais de acordo com os
seus interesses, de certa forma deslegitimando ou cooptando os foros internacionais
como a ONU. Do ponto de vista econômico, esta preponderância possibilitou ao país
uma articulação de uma ordem econômica neoliberal, como a transformação do GATT
em OMC e a imposição da mediação das distribuições financeiras entre países pelo FMI
e Banco Mundial no sentido de obrigar países periféricos em situação de
vulnerabilidade a abrir suas economias e diminuir o papel ativo do Estado na sua
regulação.
Com a apresentação de resultados ineficazes em países em que este “modelo”
imposto pelos EUA foi implementado, observou-se na virada do século uma mudança
de postura no âmbito internacional, onde países em desenvolvimento, passaram a fazer
duras criticas a sua utilidade e função. Diante disso, a restruturação da ordem
internacional em direção à um sentido mais multipolar e democrático passou a ser
defendida pelos países em desenvolvimento. Suas reivindicação iam em direção à uma
maior democratização dos centros decisórios internacionais, sejam nas questões
politicas, econômicas, sociais ou militares.
Neste contexto internacional é que são fundamentadas as novas relações
bilaterais entre Brasil e China, como um reflexo do aumento da importância que estes
dois países passam a exercer neste cenário. A evolução da importância no campo da
politica e da economia internacional certamente se fez influente sobre as intensificações
103
das articulações políticas e, principalmente, nas trocas comerciais, como veremos mais
adiante.
O início da década de 2000 foi marcado, nas relações sino-brasileiras, pela visita
do então Chefe do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) Tang Jiaxuan ao
Brasil. No mesmo ano, ocorre a abertura do primeiro escritório da EMBRAER na
China, sediado em Pequim. Neste mesmo ano, a China torna-se nossa maior parceira
comercial na Ásia, ultrapassando o Japão.
Em 2001, o então presidente chinês Jiang Zemin vem ao Brasil. Àquela época,
véspera da entrada da China na OMC, Jiang chega em Brasília para encontrar-se com o
presidente Fernando Henrique Cardoso e debater importantes temas bilaterais, como a
ampliação do relacionamento econômico e comercial e a intensificação dos processos
relacionados à cooperação científica e tecnológica, e as conjunturas politicas e
econômicas da Ásia e da América Latina.
Em 2003, toma posse o presidente Lula, inaugurando uma nova linha de politica
nas relações bilaterais. No mesmo ano, foi lançado o segundo satélite oriundo do
programa aeroespacial sino-brasileiro, o CBERS-2. No mesmo ano os governos assinam
um “Memorando de Entendimento em Cooperação Técnica e Científica no Campo dos
Recursos Hídricos”79
, com objetivo de ampliar os já existentes laços sino-brasileiros de
cooperação técnica e tecnológica na utilização, administração e desenvolvimento
sustentável dos recursos hídricos e estabelecer uma relação cooperativa em longo prazo
em base de igualdade e benefício mútuo e promover um Acordo de Cooperação
Científica e Tecnológica no Campo dos Recursos Hídricos entre os Governos de ambos
os países no futuro. Esta parceria se daria nos seguintes campos:
1.legislação, regulamentação e políticas de gestão de recursos hídricos;
2.sistemas e mecanismos de gestão de recursos hídricos, arranjos institucionais
e operacionais;
3.manejo e utilização integrados da água no nível de bacias hidrográficas e em
escala regional;
79
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2003/b_64
104
4.desafios da gestão de recursos hídricos e enfoques inovadores para
suprimento de água em regiões semi-áridas;
5.planejamento, desenho, construção e administração de projetos de
transferência de água a longa distância;
6.proteção de recursos hídricos, provisão de água e tratamento de efluentes;
7.sistemas de alerta e previsão de inundação e técnicas de prevenção e
mitigação de desastres;
8.monitoramento hidrológico e informacional, GIS e Sistema de Informação de
Água; e
9.ciência e tecnologia, educação, treinamento e construção de capacidade no
campo da administração da água.
Estes campos de cooperação seriam desenvolvidos a partir do intercâmbio da
informação e literatura dos campos mencionados acima, da discussão e execução de
projetos cooperativos bilaterais e no intercâmbio de instituições e projetos de pesquisa.
O ano de 2004 foi um ano importante em diversos sentidos para a relação brasil-
China. Historicamente, representaram a conclusão de trinta anos de estabelecimento de
relações diplomáticas, celebradas com visitas recíprocas do presidente Lula à China em
Maio e do presidente Hu ao Brasil em Novembro. Naquela oportunidade, as visitas
representam o entusiasmo da comunidade empresarial brasileira pelo mercado daquele
país, principalmente no setor do agronegócio. Estes empresários enxergavam a abertura
e expansão do mercado interno chinês para no campo da agricultura como uma opção ao
protecionismo crônico dos mercados desenvolvidos europeus e americano.
A viajem do presidente Lula à China foi considerada como uma das mais
importantes em sua gestão. Sua comitiva contava com nove ministros de Estado, seis
governadores e aproximadamente 400 empresários. O principal objetivo da viajem era
salientar ao governo e empresariado chinês a importância estratégica e comercial que o
Brasil se propunha a conceder à China neste novo período. Na ocasião, num discurso
em Xangai Lula reivindica “uma nova geografia do comércio mundial”80
.Sob um clima
extremamente otimista quanto a capacidade de colaboração e cooperação chinesa em
80
Balanço de política externa 2003-2010. MRE, 2003. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/visitas-internacionais-do-presidente-lula-e-visitas-ao-brasil-de-chefes-de-estado-e-de-chefes-de-governo-2003-a-2010
105
termos recíprocos, o Brasil entendia que a China possuía condições de colaborar com o
progresso, principalmente no que se refere à investimentos em infraestrutura e na
obtenção de produtos brasileiros.
E um comunicado conjunto81
, se expressa mais especificamente estes interesses,
como destacaremos abaixo:
i. O estabelecimento da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e
Cooperação, a fim de orientar e coordenar o desenvolvimento do
relacionamento entre os dois países.
ii. A adoção de um quadro regulatório para dar sustentação à cooperação
relacionada às aplicações de sensoriamento remoto ampliará ainda mais os
feitos já alcançados e permitirá disponibilizar a terceiras partes os serviços
gerados pelo Programa CBERS.
iii. Aprimoramento qualitativo e pelo desenvolvimento estável a longo prazo da
cooperação econômico-comercial bilateral.
iv. Constituição do Conselho Empresarial Brasil-China, que agrupa firmas
brasileiras e chinesas de grande expressão.
v. Reafirmação, por parte do Brasil, da sua posição sobre o princípio de "uma só
China" e ser o Governo da República Popular da China o único governo legal
da China, posicionamento esse que vem orientando a política externa brasileira
nos últimos 30 anos.
vi. Defesa da democratização das relações internacionais e de um sistema
internacional multipolar como fatores fundamentais para enfrentar ameaças e
desafios globais e regionais por meio da prevenção e da solução pacífica de
controvérsias e com base no respeito à igualdade soberana e ao direito
internacional.
vii. Apoio à autoridade das Nações Unidas e ao seu papel central na manutenção
de paz e segurança internacional e na promoção do desenvolvimento. Nesse
contexto, expressaram a necessidade de reforma das Nações Unidas, inclusive
a do Conselho de Segurança, de forma a torná-lo mais representativo e
democrático, promovendo as reformas necessárias e adequadas naquele órgão,
que deem maior papel aos países em desenvolvimento.
viii. Reforço da cooperação da comunidade internacional com vistas a promover o
desenvolvimento econômico e social e a erradicar fenômenos como pobreza,
81
MRE, DAI – Divisão de atos internacionais . Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2004/b_39
106
discriminação, desigualdade, entre outros. A parte chinesa expressou sua
apreciação pelo empenho positivo do Presidente Lula no combate à pobreza.
As duas partes convieram em reforçar o intercâmbio e a cooperação entre os
dois Governos nesse campo com o fim de reduzir a pobreza em âmbito global.
ix. Manifestaram sua disposição em continuar a fortalecer a coordenação entre si
na Rodada de Doha e impulsionar as negociações com vistas a alcançar os
resultados que reflitam interesses de todas as partes, em especial do mundo em
desenvolvimento, para que ela se torne verdadeiramente numa Rodada do
Desenvolvimento.
x. Manifestaram sua não conformidade com a politização da questão dos direitos
humanos e com a adoção de critérios seletivos. Reiteraram também sua
intenção de fortalecer o intercâmbio e a cooperação entre si no campo dos
direitos humanos.
xi. As duas partes consideraram que a união e a cooperação dos países em
desenvolvimento nas respectivas regiões beneficiam a promoção da
estabilidade e desenvolvimento regional.
No ano da comemoração dos 35 anos de relações diplomáticas, em 2009, o
presidente Lula realizou a sua segunda viajem oficial à China. Na ocasião, em outro
comunicado conjunto82
, podemos perceber algumas nuances relativas a mudança nas
relações postas em exercício pelo governo Lula:
i. Foram assinados instrumentos de cooperação nas áreas política, jurídica, do
comércio de produtos agropecuários, científica e tecnológica, espacial,
financeira, de energia e de cooperação portuária, que aproximarão ainda mais
os povos brasileiro e chinês.
ii. Destacaram o importante papel da COSBAN na orientação e coordenação das
inúmeras vertentes do relacionamento bilateral. Manifestaram a intenção de
ampliar o planejamento estratégico das relações Brasil-China, por meio de
frequentes encontros de alto nível, que permitam intercambiar visões, não
apenas sobre temas da agenda bilateral, mas também sobre as grandes
questões internacionais e regionais de interesse comum. Mencionaram que essa
interação deve ser complementada com o Diálogo Estratégico e as Consultas
82
MRE, DAI – Divisão de atos internacionais . Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2009/b_6340
107
Políticas, bem como enriquecida por meio do Mecanismo Regular de
Intercâmbio entre a Câmara dos Deputados do Brasil e a Assembleia Popular
Nacional da China e de outros mecanismos bilaterais e contatos nas áreas de
defesa e de assuntos jurídicos.
iii. Elaboração um Plano de Ação Conjunta entre os dois Governos, a ser
implementado no período 2010-2014, que contemple, de forma abrangente,
todas as áreas de cooperação bilateral existentes. Para tanto, instruíram os
diversos órgãos e instituições integrantes da COSBAN a elaborar, em suas
respectivas áreas de atuação, no mais breve prazo possível, o conteúdo do
Plano de Ação Conjunta.
iv. Os dois Presidentes expressaram sua satisfação com a contínua expansão do
intercâmbio econômico-comercial bilateral e se comprometeram a envidar
esforços para promover ainda mais a diversificação das pautas e o incremento
dos fluxos comerciais.
v. No âmbito do mecanismo do Diálogo Financeiro Brasil-China, manifestaram a
disposição de intensificar o diálogo sobre as respectivas políticas
macroeconômicas e de aprofundar a cooperação sobre temas financeiros
internacionais, regionais e nacionais de interesse comum. As partes
promoverão ainda mais a cooperação financeira entre os Bancos Centrais dos
dois países, com vistas a intensificar o intercâmbio e o diálogo sobre assuntos
tais como política monetária, cooperação monetária, estabilidade financeira e
reforma do sistema financeiro internacional.
vi. Reconhecimento do papel estratégico da ciência e da tecnologia para as
políticas de desenvolvimento e competitividade das economias de seus países.
Assinalaram, ademais,que a cooperação bilateral é um instrumento-chave para
a consecução desses objetivos. Dessa forma, expressaram sua grande
satisfação com a assinatura do Plano de Trabalho em Ciência,Tecnologia e
Inovação, para os próximos cinco anos, nas seguintes áreas de interesse
prioritário: ciências agrárias, agro energia, energias renováveis, biotecnologia
e nanotecnologia.
vii. Instalação, em 2010, inicialmente em Pequim, de Laboratório no Exterior
(LABEX), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), em
parceria com a Academia de Ciências Agrárias da China (CAAS).
viii. Estreitar a cooperação em educação, cultura, imprensa, turismo e esporte.
No primeiro comunicado, de 2004, observa-se uma tônica voltada para o
aprofundamento das relações comerciais e técnico-científicas, a defesa de uma reforma
108
dos organismos multilaterais e a defesa dos Direitos Humanos Internacionais ( pela via
da sua não-politização e pela adoção de critérios seletivos). No segundo comunicado, o
Brasil já expressa sua preocupação com a promoção e diversificação da sua pauta
exportadora para a China. Fato de grande destaque no ano de 2009 foi a recolocação da
China como principal parceiro comercial do Brasil, ultrapassando os EUA, que
historicamente vinha sendo o principal parceiro brasileiro.
De fato, a preocupação com a especialização complementar da pauta
exportadora foi bastante enfatizada ao final da primeira década do século XXI. A
principal crítica que se faz a evolução do intercambio comercial Brasil-China seria a
dificuldade do Brasil em diversificas e agregar valor aos produtos exportados para a
China. A composição da pauta exportadora brasileira ao país asiático se deteve,
basicamente, em produtos de matéria-prima bruta e alimentícios, contrastando com o
perfil global da pauta exportadora brasileira, um pouco mais equilibrada como vemos
abaixo (Gráfico 3.2).
109
Gráfico 3.2: exportação brasileira por fator agregado – 1964-2010 (%)
FONTE: MDIC/SECEX
110
Analisaremos abaixo como a evolução deste processo se deu em congruência com o
processo inversamente proporcional de diminuição (ou especialização) dos acordos em
cooperação científica e tecnológica.
3.6. A reprimarização da pauta exportadora e a especialização dos acordos
bilaterais entre Brasil e China: uma análise comparativa entre as décadas de 1990
e 2000.
Nesta seção dedicaremos nossos esforços em explicar como a evolução do
intercâmbio comercial entre Brasil e China esteve congruente com uma mudança do
foco no campo diplomático em se obter acordos bilaterais técnico-científicos em áreas
diversificadas para uma especialização nos campos ligados aos setores de commodities
e agropecuária. Assim como houve também uma concentração dos investimentos
conjuntos na mesma direção.
Gráfico 3.3: Exportações brasileiras: China e outros países (1990-2010)
Fonte: BADACEL/ CEPAL
De fato, o Gráfico 3.3 nos dá uma ideia mais clara a respeito da evolução das
exportações brasileiras para a China. Em 1990, as exportações brasileiras para a
república socialista somaram o montante de US$381.799 milhões e um volume total de
3.914.307 toneladas. No mesmo ano, A China enviou ao Brasil o equivalente à
US$203.459 milhões em mercadorias, totalizando 791.023 toneladas (Gráfico 3.4). Em
2000, o intercâmbio comercial passa à US$1.085.207 bilhões (17.836.667 toneladas) em
111
exportações e US$ 1.350.806 bilhões (1.966.249 toneladas) em importações. Já em
2010, foram vendidos o equivalente a US$30.804.640 bilhões (100.035.643 toneladas) e
comprados US$27.824.414 bilhões (8.396.274 toneladas) em mercadorias. Tal situação
é reflexo do ingresso da China à OMC, das novas cadeias produtivas globais, em que a
China tem papel fundamental , e também da retomada do crescimento da economia
brasileira depois de duas décadas de estagnação.
Gráfico 3.4: Importações brasileiras: China e outros países (1990-2010)
Fonte: BADACEL/ CEPAL
Se observarmos a diferença entre o volume e o valor das trocas comerciais,
podemos ter uma percepção de como esta especialização se consolidou ao longo dos
anos. Para se ter uma ideia, em 1990, do total exportado para a China, cerca de vinte por
cento eram commodities, 19,5% recursos naturais, 34% manufaturados de baixa
intensidade tecnológica, 17,3% manufaturados de média tecnologia, 28,9%
manufaturados de alta tecnologia (Gráfico 3.5). Os principais produtos comercializados
foram Óleo de Soja (32,5%), Minerais fundidos (14,0%) e minérios de ferro (10%). Já a
pauta exportadora chinesa para o Brasil estava dividida em: 58,5% commodities,
17,75% recursos naturais; 6,4 manufaturados de baixa intensidade tecnológica, 9,9%
manufaturados de media tecnologia e 7,1% em manufaturas de alta intensidade
112
tecnológica (Gráfico 3.6).Seu produtos mais exportados eram petróleo e carvão (Tabela
3.2).
Gráfico 3.5: Brasil: Importações. Produtos agrupados por intensidade tecnológica,
China, anos selecionados (%)
Fonte: CEPAL/SIGCI PLUS
Em 2000, o quadro já se tornava bem distinto. A pauta exportadora Brasil-China
começava a se concentrar em commodities (67%) e Manufaturas de recursos naturais
(13%). A China por sua vez conseguiu diversificar e modificar completamente a sua
pauta exportadora para o mercado brasileiro, com produtos de alta e média tecnologia
representando cerca de 55% de sua exportações. A tabela 3.2 nos demonstra claramente
como a China conseguiu diversificar a sua pauta exportadora, diminuindo
113
completamente a hegemonia de determinado produto em sua pauta. Em nível de
comparação, a soja foi o nosso produto mais exportado para china neste ano,
representando 31% do total, enquanto “partes deaparelhose acessórios”, o tipo de
produto mais importado pelo Brasil representava 6,9% da pauta chinesa.
Gráfico 3.6: Brasil: Exportações. Produtos agrupados por intensidade tecnológica,
China, anos selecionados (%)
Fonte: CEPALSTAT/SIGCI PLUS
Desde 2004 já se observa uma mudança no padrão de comércio mais forte, com
redução dos saldos comerciais brasileiros e o ganho dos produtos chineses no mercado
brasileiro, sobretudo no setor manufatureiro. Entre 2006 e 2008, apesar de não ter
114
ocorrido diminuição nas exportações brasileiras para a China, foram decrescentes os
saldos comerciais brasileiros.
Em 2010, a situação se mofifica ainda mais. Cerca de oitenta por cento de nossa
pauta de produtos exportados para a China derivavam de commodities e dez por cento
de manufaturas baseadas em recursos naturais, enquanto a China mantêm adiversidade
de produtos exportados para o Brasil entre manufaturas de alta, media e baixa
tecnologia e recursos naturais processados. Como comparação, o percebtual dos dez
produtos mais exportados para a China em 2010 representavam 90,3% de nossa do total,
e dentre eles, apenas aviões nao se enquadram na faixa de commodities ou
manufaturados basedaos em recursos naturais. Ja o percentual dos dez produtos mais
exportados da China para o Brasil representavam 28,2% do toal, dispersos entre todo o
setor de manufaturados.
Gráfico 3.7: Principais produtos brasileiros exportados (%), 1990-2010
115
Em comparação, o perfil total das exportações brasileiras se mostra
relativamente diferente tanto em seus produtos quanto na participação dos dez mais
comercializados no total geral. Em 2010, o percentual dos dez produtos brasileiros mais
exportados era entre 45% e 50%, ou seja, quase a metade da nossa pauta exportadora
total. Bem diferente do quadro apresentado em particular, com a China.
Tabela 3.2: Brasil. Participação percentual dos dez produtos mais importados e
exportados para a China (1990, 2000, 2010)
Exportação Brasil China % Acum.
%
Importação % Acum. %
1990 1990
Nome do produto (em inglês) Nome do produto (em inglês)
'Soyabeanoil' 32,5 32,5 'Crude petroleum and oils
obtained from bituminous
materials'
49,
0
49,0
'Pig iron, cast iron, spiegeleisen, in
pigs, blocks, lumps, etc'
14,8 47,3 'Coke and semi-coke of coal, of
lignite or peat; retort carbon'
8,0 57,0
'Iron ore and concentrates, not
agglomerated'
10,6 58,0 'Sewing machines, furniture,
needles etc, and parts thereof,
nes'
5,1
9
62,2
'Sheet, plates, rolled of thickness
4,75mm plus, of iron or steel'
4,7 62,7 'Beans, peas, other leguminous
vegetables, dried, shelled'
4,4 66,6
'Mineral or chemical fertilizers,
nitrogenous'
4,0 66,7 'Heterocycliccompound;
nucleicacids'
4,1 70,7
'Raw cotton, excluding linters, not
carded or combed'
3,7 70,5 'Castor oilseeds' 3,7 74,4
'Iron or steel coils for re-rolling' 3,0 73,5 'Children's toys, indoor games,
etc'
1,7
8
76,2
'Iron ore agglomerates' 2,8 76,3 'Ball, roller or needle roller
bearings'
1,6
7
77,9
'Bars, rods (not wire rod), from iron or
steel; hollow mining drill'
2,7 79,0 'Antibiotics, not put up as
medicaments'
1,6
2
79,5
'Wire rod of iron or steel' 2,6 81,7 'Leather of other hides or skins' 1,5
1
81,0
2000 2000
'Soyabeans' 31,0 31,0 'Parts, nes of and accessories for
apparatus falling in heading 76'
6,9 6,9
'Iron ore and concentrates, not
agglomerated'
16,2 47,2 'Parts, nes of and accessories for
machines of headings 7512 and
5,7 12,6
116
752'
'Iron ore agglomerates' 8,7 56,0 'Coke and semi-coke of coal, of
lignite or peat; retort carbon'
4,7 17,4
'Chemical wood pulp, soda or sulphate' 4,9 61,0 'Children's toys, indoor games,
etc'
4,4 21,8
'Tobacco, wholly or partly stripped' 3,8 64,8 'Peripheral units, including
control and adapting units'
3,8 25,
'Aircraft of an unladen weight from
2000 kg to 15000 kg'
3,3 68,2 'Heterocycliccompound;
nucleicacids'
3,6 29,3
'Crude petroleum and oils obtained
from bituminous materials'
3,3 71,5 'Opticalinstrumentsandapparatus
'
3,4 32,8
'Wood, non-coniferous species, sawn,
planed, tongued, grooved, etc'
2,4 74,0 'Otherorgano-
inorganiccompounds'
2,5 35,4
'Leather of other bovine cattle and
equine leather'
2,2 76,2 'Other electrical machinery and
equipment, nes'
2,2 37,7
'Soyabeanoil' 1,9 78,2 'Electric filament lamps and
discharge lamps; arc-lamps'
1,8 39,5
2010 2010
'Iron ore and concentrates, not
agglomerated'
39,6 39,6 'Parts, nes of and accessories for
apparatus falling in heading 76'
8,6 8,6
'Soyabeans' 23,1 62,7 'Parts, nes of and accessories for
machines of headings 7512 and
752'
4,0 12,6
'Crude petroleum and oils obtained
from bituminous materials'
13,1 75,9 'Electronicmicrocircuits' 3,5 16,1
'Iron ore agglomerates' 3,7 79,7 'Air conditioning machines and
parts thereof, nes'
2,0 18,1
'Chemical wood pulp, soda or sulphate' 2,9 82,7 'Opticalinstrumentsandapparatus
'
2,0 20,1
'Soyabeanoil' 2,5 85,2 'Peripheral units, including
control and adapting units'
1,9 22,1
'Sugars, beet and cane, raw, solid' 1,6 86,9 'Knitted, not elastic nor
rubberized, of fibres other than
synthetic'
1,7 23,8
'Aircraft of an unladen weight
exceeding 15000 kg'
1,1 88,1 'Sheet, plates, rolled of
thickness less 3mm, of iron or
steel'
1,6 25,5
'Leather of other bovine cattle and
equine leather'
1,1 89,2 'Other electric power
machinery, parts, nes'
1,3 26,9
'Tobacco, wholly or partly stripped' 1,1 90,3 'Other sheet and plates, of iron
or steel, worked'
1,3 28,2
Fonte: Cepal/
117
Assim, a primeira década do século XXI se encerra com o comércio bilateral
chinês bastante ativo, porém altamente complementar e concentrado pelo lado das
exportações brasileiras, fato que contrasta largamente com o perfil global das
exportações brasileiras. As causa desta falta de dinamismo podem ser encontradas em
fatores estruturais como os altos custos de transporte e logística no Brasil, a excessiva
carga tributária brasileira, falta de infraestrutura decente, além de um falta de
conhecimento a respeito do mercado chinês e de um planejamento a longo-prazo de
inserção das empresas brasileiras no mesmo.
Porém, salientamos que as causas estruturais e de falta de planejamento podem
ser adicionadas a outra condicionante, a falta de um programa mais incisivo em procurar
diversificar este problema através de acordos bilaterais mais incisivos na promoção da
diversificação dos assuntos estratégicos.
Cabe aqui fazermos uma breve explanação acerca do trâmite legal em que se dá
a promulgação de um acordo bilateral na esfera brasileira para que se possa ter uma
ideia melhor sobre o tema. Como regra geral, pode-se afirmar que o órgão competente
do Poder Executivo para entabular negociações diplomáticas que tenham em vista a
celebração de atos internacionais é o Ministério das Relações Exteriores. O incremento
de acordos, de natureza eminentemente técnica, tem proporcionado a participação de
outros órgãos governamentais no processo negociador internacional. Terminada a
negociação de um ato bilateral, o projeto, por vezes rubricado pelos negociadores, vai à
apreciação das autoridades dos respectivos países. A minuta rubricada indica tão
somente concordância preliminar.
A Constituição Federal estipula que é competente para celebrar atos
internacionais em nome do Governo brasileiro o Presidente da República. Ao Ministro
de Estado das Relações Exteriores cabe auxiliar o Presidente da República na
formulação da política exterior do Brasil, assegurar sua execução e manter relações com
Estados estrangeiros, organismos e organizações internacionais.
Qualquer autoridade pode assinar um ato internacional, desde que possua Carta
de Plenos Poderes, firmada pelo Presidente da República e referendada pelo Ministro
das Relações Exteriores. Exclui-se de tal regra para os tratados em geral, os Chefes de
Estado, Chefes de Governo (por competência constitucional) e os Ministros das
118
Relações Exteriores (por competência legal). Portanto, a capacidade de outros Ministros
ou qualquer outra autoridade assinarem atos internacionais deriva de plenos poderes
específicos para cada caso dada pelo Presidente da República.
Em regra, todos os atos bilaterais ou multilaterais estão sujeitos, por
determinação constitucional, à aprovação pelo Congresso Nacional. Prepara-se uma
Exposição de Motivos, na qual o Ministro das Relações Exteriores explica as razões que
levaram à assinatura daquele instrumento e solicita que o Presidente da República, por
uma Mensagem, o submeta ao Congresso Nacional. Aprovada a exposição de motivos e
assinada a mensagem ao Congresso pelo Presidente da República, o ato internacional é
encaminhado para exame e aprovação, sucessivamente, pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal. Antes de ser levado aos respectivos Plenários, o instrumento é
avaliado, em ambas as Casas, pelas Comissões de Constituição e Justiça e de Relações
Exteriores e por outras Comissões interessadas na matéria.
Uma vez publicado o Decreto Legislativo, encontra-se encerrada a etapa de
apreciação e de aprovação do ato. Procede-se então a sua ratificação ou confirmação,
junto à outra Parte Contratante, do desejo brasileiro de obrigar-se por aquele
documento. A ratificação é, portanto, o processo pelo qual os atos são postos em vigor
internacionalmente. Nos processos bilaterais, a ratificação pode ser feita por troca de
notas, podendo o ato entrar em vigor, conforme determine seu texto, na data de
recebimento da segunda nota ou num prazo estipulado após essa data. Pode-se ainda
efetivar a ratificação por troca de instrumentos de ratificação, o que se faz com certa
solenidade, mediante a lavratura de uma Ata.83
Deste modo, foram analisados os atos bilaterais entre Brasil e China a partir de
dois estágios. O primeiro estágio seria referente ao momento em que os países
formulam e acertam os limites do que se está acordando e estariam ligados a ação
diplomática efetiva e alguns atores nacionais como ministérios ou unidades federativas.
O segundo se daria quando este acordo é ratificado pelo legislativo nacional. A
diferenciação é importante para nossa pesquisa porque permite identificar e caracterizar
as competências dos atores envolvidos no processo e entender mais especificamente a
83
MRE, DAÍ – Divisão de Atos Internacionais - http://dai-mre.serpro.gov.br/clientes/dai/dai/apresentacao/tramitacao-dos-atos-internacionais.
119
influência dos atores internos no processo de política externa, ratificando ou não a
importância de um acordo a partir dos interesses específicos no campo doméstico.
Gráfico 3.8: Acordos Bilaterais Brasil-China (1990-2010)
Entre 1990 e 2000 foram computados em nossa pesquisa 75 Atos Bilaterais
acordados no período, e a mesma quantidade de Atos ratificados pelo congresso
nacional (Gráfico 3.8). Na primeira década (1990-1999) foram celebrados ou ratificados
38 Atos, enquanto na segunda (2000-2010) foram celebrados ou ratificados 37 Atos
Bilaterais. À primeira vista - embora a quantidade seja quase igual entre os dois
períodos - na década de noventa os acordos estão mais bem distribuídos ao longo dos
anos, sendo o triênio 94 à 96 o mais rico em quantidade (o ano de 1994 foi o mais
proeminente com 11 atos celebrados, enquanto os demais anos obtiveram 7 acordos
cada um). Na década seguinte, observa-se uma preponderância do ano de 2004 – ano
do aniversário de 30 anos das relações bilaterais – com 19 Atos celebrados no ano.
120
Porém, separando os acordos por área de atividade relacionada, percebemos uma
mudança bastante significativa na sua composição (Tabela 3.2). No campo da
agricultura e da agropecuária foram feitos dois acordos (1995 e 1996) sobre quarentena
vegetal e animal,
“...com a finalidade de efetivamente evitar a introdução de
enfermidades, pragas e ervas daninhas sujeitas a quarentena (daqui em
diante referidas como "pragas de quarentena") no território de qualquer
das Partes Contratantes, para proteger a produção agrícola, para
promover o desenvolvimento do comércio de plantas e produtos vegetais,
e para reforçar a cooperação no domínio da quarentena vegetal entre os
dois países.”84
E ainda, “permutar boletins mensais sobre doenças animais transmissíveis e sobre
medidas adotadas para controle e erradicação das doenças transmissíveis graves de
notificação obrigatória”85
.Na primeira década do século XXI, foram realizados sete
acordos (seis em 2004 e um em 2009) dentre os quais quatro versavam sobre quarentena
e condições sanitárias e veterinárias sobre processamento e exportação de carnes
(bovina, suína e de aves) tanto do Brasil para a China quanto da China para o Brasil, um
sobre requisitos fitossanitários para exportação de folha de fumo e um memorando de
entendimento que resume com clareza o objetivo doa demais atos:
“Com o intuito de promover a comunicação e a cooperação bilaterais na área
de segurança sanitária e fitossanitária de produtos alimentares, com vistas à
proteção da saúde humana, animal e vegetal, bem como da elevação do nível
de segurança de produtos alimentares, o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) da República Federativa do Brasil e a Administração
Geral para a Supervisão da Qualidade, Inspeção e Quarentena da República
Popular da China (AQSIQ) e doravante denominadas "as Partes", após
negociações amigáveis, concordaram com o seguinte:
1.As partes concordam em estabelecer mecanismo de consulta mútua na área
de segurança sanitária e fitossanitária de produtos alimentares, em harmonia
84
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1995/b_97 85
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1996/b_10
121
com os princípios, regulamentos, direitos e obrigações estipulados no Acordo
sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização
Mundial do Comércio — SPS/OMC, sujeitos a leis e regulamentos de cada
país. As partes procurarão solucionar as não conformidades relacionadas à
inspeção sanitária e fitossanitária, por meio do diálogo, da troca de
informações e de consultas bilaterais, e forma a assegurar benefícios mútuos,
adotando as medidas incluídas neste Memorando de Entendimento de modo
justificável, científico, transparente e consistente.”86
De forma alguma acreditamos que uma maior regulação sobre os meios adequados de
importação e exportação de alimentos seja ruim. Apenas queremos salientar a
correlação entre o aumento da regulação com o aumento do intercâmbio de produtos
deste tipo.
Tabela 3.3: Atos Bilaterais Brasil-China, separados por Área e década.
Área dos atos negociados 1990-1999 2000-2010
Agropecuária / Agricultura 2 7
Ciência e Tecnologia 21 14
Comércio 1 0
Diplomacia 5 4
Direito 4 1
Outros 3 6
Recursos Naturais 1 3
Saúde 1 2
Total 38 37
Fonte: MRE/DAI. Elaboração própria.
O setor de Ciência e Tecnologia (C&T) é talvez, o que tenha sofrido as maiores
modificações, para o lado positivo e para o lado negativo. O programa de Construção de
Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS) é o maior projeto de
cooperação em C&T entre o Brasil e a China. Dentre os avanços alcançados por tal
parceria podemos destacar a quebra do monopólio das grandes potências na produção e
86
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2004/b_40
122
uso de imagens adquiridas por satélites, a melhoria do conhecimento sobre
sensoriamento remoto de baixo custo e a promoção de um desenvolvimento sustentável
por meio do uso de tecnologia de ponta na área espacial87
. A ação conjunta possibilitou
o lançamento de três satélites (Cbers-1 (99), Cbers-2 (2003) e Cbers-3 (2007)) e planeja
o lançamento de mais dois. Desde 2004 o Brasil fornece gratuitamente via internet mais
de meio milhão de imagens via satélite do mundo. A China seguiu o mesmo caminho e
disponibilizou mais de 200 mil imagens, principalmente à países africanos.
Podemos perceber o peso do programa na Tabela 3.4. Dos 34 acordos bilaterais
em C&T, 18 correspondem ao programa espacial. Se os retirarmos do montante total em
C&T, percebe-se que na década de 2000 foram assinados apenas 4 acordos na área, em
contrapartida dos 12 na década anterior. No campo geral de acordos sobre C&T, foram
registrados 4 em 1990. O “ACORDO DE COOPERAÇÃO ECONÔMICA E TECNOLÓGICA
ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA
POPULAR DA CHINA” original previa:
“estimular a Cooperação Econômica e Tecnológica entre corporações,
empresas e instituições, públicas e privadas, de ambos os países,
observadas as condições de igualdade e benefício mútuo. As Partes
fomentarão o estabelecimento de relações entre corporações, empresas e
instituições, públicas e privadas, dos seus respectivos países, em
quaisquer setores econômicos e tecnológicos identificados como
promissores, com prioridade para os setores agro-industrial, energético,
de exploração mineral, transportes e telecomunicações.”88
Os outros três são ajustes complementares que visavam especificamente “a cooperação
entre si em matéria de energia elétrica, incluindo a energia hidrelétrica, em seus
aspectos econômicos e tecnológicos, com base no princípio de benefícios mútuos”89
,
“contribuir para o desenvolvimento e a intensificação da cooperação no setor de novos
materiais”90
e “estimular suas empresas públicas e privadas e organizações não-
87
BECCARD, Danielly (2011). O que esperar das relações Brasil-China?.In: Revista de Sociologia e Politica V.19 n° Suplementar: 31-44. 88
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1990/b_13_2011-10-17-15-48-33 89
MRE, DAI – Divisão de Atos Internacionais. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1993/b_10_2011-10-04-15-03-01 90
http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1994/b_24
123
governamentais, no sentido de fomentar a cooperação técnica, científica e comercial
nos setores relacionados à indústria química, incluindo o setor petroquímico.”91
.Como
se pode entender, os ajustes complementares ao acordo em C&T visavam três setores
específicos: Energia, Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Petroquímica.
Tabela 3.4: Atos Bilaterais Brasil-China em Ciência e Tecnologia, separados por década
e Área.
Área dos atos negociados 1990-1999 2000-2010
C&T/CBERS 8 10
C&T 4 0
C&T/Recursos Hídricos 3 2
C&T /Indústria 2 1
C&T/Agricultura 1 0
C&T/Mineração 2 0
C&T/infraestrutura /construção 0 1
Fonte: MRE. DAI. Elaboração própria.
Outro campo em que se obteve considerável avanço foi o dos recursos naturais,
em que destacamos avanços em:
a) intercâmbio de informações sobre leis e regulamentos, políticas públicas e de
planejamento nas áreas de energia, mineração e processamento de minérios;
b) intercâmbio de informações, pesquisas conjuntas e desenvolvimento de
tecnologias avançadas e eficientes de geração de energia, mineração e processamento de
minérios;
c) intercâmbio de informações sobre proteção do meio ambiente nas áreas de
energia, de mineração e de processamento de minérios;
d) incentivo ao desenvolvimento conjunto e das atividades de exploração
aplicadas às áreas de petróleo e gás natural;
91
http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1998/b_57
124
e) incentivo ao desenvolvimento conjuntos de petróleo, de reservas de gás
natural e outros recursos minerais em terceiros países;
f) implementação da cooperação em engenharia e serviços técnicos aplicados
aos setores de petróleo, gás natural e carvão;
g) cooperação no refino de petróleo pesado;
h) incentivo à cooperação no setor elétrico;
i) Intercâmbio de informações sobre tecnologia para a geração de energias
renováveis, tais como as hidrelétricas, os biocombustíveis e outras fontes de energia;
j) extensão da cooperação e troca de experiências na produção e no uso do etanol
combustível, promovendo, de forma conjunta, o desenvolvimento e a aplicação dos
biocombustíveis;
k) estímulo à formação de parcerias sino-brasileiras, incluindo associações, com
o objetivo de intensificar o comércio bilateral de máquinas e equipamentos para a
produção de biocombustíveis, entre outros.
Por fim cabe salientar que embora houvesse evolução nos campos de ciência e
tecnologia, grande parte das negociações aconteceram na década de 1990, e quando,
foram complementadas na década de 2000.As evoluções decorrentes dos acordos
assinados até então aconteceram de maneira bem mais sutil e específicas em campos
relacionados com a pauta exportadora brasileira recente, ou seja, no âmbito dos recursos
naturais e commodities.
125
126
Conclusões
Procurou-se, ao longo desta pesquisa, entender as transformações ocorridas nas
relações bilaterais sino-brasileiras na virada do século XX para o XXI. Para tanto,
identificaram os principais fatos estilizados da dinâmica entre os fatores externos – a
nova dinâmica da inserção internacional chinesa (e seus efeitos na economia
internacional sob a conformação do eixo sino-americano) - com fatores internos – a
mudança de perspectiva em política externa do governo FHC para o governo Lula - e
procurou-se mostrar como estes fatores influenciaram as relações bilaterais entre Brasil
e China.
As informações e dados apresentados correlacionam mudanças relativas na
balança comercial entre as duas nações com um exercício diplomático que ajudou na
intensificação do peso comercial nas relações bilaterais em detrimento de avanços no
campo cooperativo, principalmente em C&T. Isso foi evidenciado através da
diminuição da proporção de acordos bilaterais em setores estratégicos para o
desenvolvimento de uma atividade produtiva nacional mais diversificada e competitiva,
em favor de setores em que o Brasil detém certa vantagem comparativa, como recursos
naturais e commodities.
Em nossa análise, esta opção estaria ligada à tentativa do governo Lula em
manter certa estabilidade econômica através de um regime de política macroeconômica
institucionalista (baixa inflação, juros altos e taxa de câmbio flutuante, mas controlado)
para der continuidade à uma política social redistributiva, sob o argumento de que as
classes sociais mais baixas são as que mais sofrem com as instabilidades econômicas.
127
Neste sentido, a manutenção da complementaridade da pauta de exportações
entre Brasil e China colaboraria para o saldo positivo da balança comercial brasileira,
diminuindo a vulnerabilidade externa, e proporcionaria a geração de “caixa” para a
manutenção das políticas sociais de transferência de renda.
No entanto, entendemos que esta relação de complementaridade, que possibilita
saldos positivos na balança comercia Brasil-China, pode provocar à longo prazo nossa
vulnerabilidade externa estrutural, configurando um tipo de crescimento empobrecedor,
combatido desde o século passado por autores como Prebisch e Furtado. Com efeito,
esta dinâmica externa tem criado uma força atratora que impulsiona a reprimarização da
pauta exportadora brasileira, e a especialização regressiva da estrutura industrial.
Podemos citar como exemplo os acordos de cooperação em C&T com a China, que à
exceção do programa espacial, tem se concentrado especificamente em áreas de
Recursos Naturais (setor petroquímico) e de commodities (como biotecnologia em
produção de sementes).
Isso nos leva a indagar: o que irá acontecer quando a China realizar o seu catch-
up ? E se ela resolver modificar a sua estratégia de abastecimento em recursos naturais,
procurando diversificar suas fontes (como começa a acontecer com vários países
africanos? Caso continuemos ampliando a especialização regressiva de nossa estrutura
industrial, como poderemos pensar num projeto nacional com inserção soberana? Estas
questões estão em aberto na entrada da segunda década do século XXI, e se quisermos
pensar o futuro da sociedade brasileira elas são essenciais.
Alguns esforços para modificar a realidade da relação sino-brasileira já
começam a ser mostrados, como a “Agenda Brasil-China”, projeto que estuda os
possíveis setores de alta intensidade tecnológica em que o Brasil pode oferecer serviços
a China. Porém os resultados são poucos em curto prazo e demandam tempo e
investimento em setores industriais que não gerariam lucros em pouco tempo.
Assim, o tema tratado aqui, longe de estar finalizado, gera alguns eixos para
futuras pesquisas a respeito dos caminhos da economia, da sociedade e do Estado
brasileiro, em especial nas suas vertentes de política externa e relações bilaterais, que
não puderam ser realizadas neste trabalho devido ao limitado tempo e tamanho da
pesquisa, assim como das capacidades do próprio pesquisador.
128
129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRIGHI, Giovanni (1996). O longo século XX. Rio de Janeiro, Contraponto.
________________ (2007). ADAM SMITH IN BEIJING: Lineages of the Twenty-First
Century. London/ New York, Verso.
ALMEIDA, Paulo Roberto de (2004). Uma política externa engajada: a diplomacia do
governo Lula. Revista brasileira de política internacional [online], vol.47, n.1, pp.
162-184.
BECARD, Danielly (2008). O Brasil e a República Popular da China: política externa
comparada e relações bilaterais (1974-2004). Brasília: FUNAG, 2008.
_________, Danielly (2011). O que esperar das relações Brasil-China?.In: Revista de
Sociologia e Politica V.19 n° Suplementar: 31-44.
BERNAL-MEZA, Raúl (2010). International Thought in the Lula era. Revista
Brasileira de Política Internacional. 53: 193-213.
BIELSCHOWSKY, Ricardo (org.) (2000), Cinqüenta anos de pensamento da Cepal.
Rio de Janeiro, Record.
________________________, Ricardo (2007). Pensamento Econômico Brasileiro: O ciclo
ideológico do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Contraponto.
BRESLIN, Shawn (2007). China and the Global Political Economy. London, Palgrave
Macmillan.
130
BUGRES, Sean W. (2008). Consensual Hegemony: Theorizing Brazilian Foreign
Policy after the Cold War. International Relations 22(1), pp. 65-84.
CASON & POWER (2009). Presidentialization, Pluralization, and the Rollback of
Itamaraty. International Political Science Review (2009), Vol. 30, No. 2, 117–140.
CERVO, Amado (2003). Relações Internacionais do Brasil: Um Balanço da Política
exterior da Era Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45 (1): 5-35.
_______, Amado (2004). Política Exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque
paradigmático em Revista Brasileira de Política Internacional, pags. 05-25; n.02, ano
46.
CHESNAIS, François (2005), “Doze teses sobre a mundialização do capital”. In O
Brasil frente à ditadura do capital financeiro: Reflexões e alternativas. Rio de Janeiro,
Univates.
CHRISTENSEN, Thomas J. (2006). Fostering Stability or Creating a Monster? The
Rise of China and U.S. Policy toward East Asia. International Security, Volume 31,
Number 1, summer 2006, pp.81-126.
CHU, Yin-wah [ED.] (2010). Chinese Capitalisms: Historical Emergence and Political
Implications. London, Palgrave Macmillan.
CHUANQI, He (2007).China Modernization Report 2008 - A study on the International
modernization.Disponível em:
http://www.modernization.com.cn/cmr2008%20overview.htm
COHEN, B. International Political Economy: an Intelectual History. New Jersey:
Princeton University Press, 2008.
131
COX, Robert W. (2002). The Political Economy of a Plural World: Critical Reflections
on Power, Morals and Civilization. London, Rutledge.
DREZNER, Daniel W. (2009). Bad Debts Assessing China’s Financial Influence in
Great Power Politics. International Security, Volume 34, Number 2, fall 2009, pp. 7-45.
ERBER, Fabio S. (2010). Convenções de desenvolvimento no Brasil contemporâneo:
um ensaio de economia política. Textos para discussão Cepal-Ipea, 13. Brasília, DF:
CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA.
FIORI, José Luis (2008a) O Mito do Colapso do Poder Americano. São Paulo, Record.
______________ (2008b) O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações. São
Paulo, Boitempo.
FONSECA JR, Gelson (2008), O Interesse e a Regra. São Paulo, Paz e Terra.
FOOT, Rosemary (2006). Chinese strategies in a US-hegemonic global order:
accommodating and hedging. In: International Affairs, v. 82, n. 01. London.
FURTADO, Celso (1959). Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia
Editora Nacional.
______________, Celso (1982), A nova dependência, dívida externa e monetarismo.
Rio de Janeiro, Paz e Terra.
________________ (1987), Transformação e crise na economia mundial. São Paulo,
Paz e Terra.
________________ (1974). O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Paz
e Terra.
132
________________ (1997), O capitalismo global. São Paulo, Paz e Terra.
________________ (2001), Raízes do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Civilização
brasileira.
________________ (2009). Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de
Janeiro, Contraponto, Centro Internacional Celso Furtado.
GILPIN, Robert (2002). A Economia Política das Relações Internacionais. Brasília,
Editora UNB.
HALLIDAY, Fred (2007). Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre,
Editora da UFRGS.
HERMANN, Charles F (1990). Changing course: when governments choose to redirect
foreign policy. International Studies Quarterly, v. 34, n. 1, p. 3-21, 1990.
HURREL, Andrew (2006). Hegemony, Liberalism and Global Order: what space for
would be great-powers? In: International Affairs, v. 82, n. 01. London.
JOHNSTON, Alastair I. (2003). Is China a Status Quo Power? International Security,
Volume 27, Number 4, spring 2003, pp.5-56
KATSUMATA, JONES & SMITH (2008). Correspondence ASEAN, Regional
Integration, and State Sovereignty. International Security, Volume 33, Number 2, fall
2008, pp. 182-188
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. (1989). Power and interdependence. 2. ed.
Glenview: Scott, Foresman and Company.
133
KIM, Samuel, S (2004). “China in World Politics”. In: BUZAN, Barry & FOOT,
Rosemary (ED.). Does China Matter? A Reassessment Essays in memory of Gerald
Segal. London, Routledge.
LAMPREIA, Luiz Felipe (1998). A política externa do governo FHC: continuidade e
renovação. In: Revista Brasileira de Política Internacional, 42(2): 5-17.
MACHADO, Gustavo Viana (2008). A internacionalização da economia brasileira nos
anos 90 Revista de economia heterodoxa nº 10, ano VII • 2008
MAPA, Dhiego (2010). Inserção Internacional no Governo Lula: Interpretações
Divergentes. Revista PolíticaHoje,Vol.34(19),n.1
MEDEIROS, Marcelo de Almeida... [et al.] (org.) (2010). Clássicos das Relações
Internacionais. São Paulo, Hucitec.
MENDES, Carmen Amado. Política externa chinesa: um jogo em vários tabuleiros.
In:YANJIU, Jhonguo [ED.] (2008). Revista de Estudos Chineses. Instituto Português de
Sinologia. PP. 233-234
PALMA G. (2004). “Gansos Voadores e Patos Vulneráveis: A diferença da liderança do
Japão e dos Estados Unidos no desenvolvimento do Sudeste Asiático e da América
Latina”. In: FIORI, José Luís (Org.). O Poder Americano. Petrópolis, Vozes.
PAPE, Robert Anthony (2005). “Soft Balancing against the United States”.International
Security, Volume 30, Number 1, pp.7-45. MIT Press
PINTO, Eduardo Costa (2010). “O eixo sino-americano e a inserção externa brasileira:
Antes e depois da crise”. In: Inserção Internacional Brasileira: Temas de Economia
Internacional.
134
PREBISCH, Raúl (1984). Dinâmica do desenvolvimento latino-americano, São Paulo,
Fundo de Cultura
ROGOWSKI, Ronald (1989). Commerce and Coalitions. Princeton: Princeton
University Press.
ROSTOW, Walt W. (1961). Etapas do desenvolvimento econômico. Rio de
Janeiro, Zahar Editores.
SORENSEN, Georg (2009). “Big and Important Things’ in IR: Structural Realism and
the Neglect of Changes in Statehood” In: International Relations, Vol 23(2):p.223–239.
Disponível em: <http://ire.sagepub.com/content/23/2/223>Acessado em: 22 de Junho de
2010.
SPENCE, Jonathan D. (1995). Em busca da China moderna. Quatro séculos de
história. São Paulo, Companhia das Letras.
STRANGE, S. Internacional Economics and International Relations: a Case of Mutual
Neglect. International Affairs, v. 46, n. 2, 1970.
VIZENTINI, Paulo Fagundes. “De FHC a Lula: uma década de política externa(1995-
2005)”. Civitas– Revista de Ciências Sociais, v. 5, n. 2, jul-dez 2005, p. 381-
397.Disponível
m:http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/9/1602.
WALLERSTEIN, Immanuel (1998). O Capitalismo Histórico, Porto, Estratégias
Críticas.