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Juliana Passos Kirsten
O Brincar no Contexto de Adoecimento e suas
Implicações na Melhora das Crianças.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2007
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Juliana Passos Kirsten
O Brincar no Contexto de Adoecimento e suas
Implicações na Melhora das Crianças.
Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação do curso de psicologia, sob a orientação da Profª Célia Maria de Souza Terra.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2007
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AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus, pelas conquistas que me permitiu
alcançar e por ter despertado em mim o amor e o fascínio pelo exercício da
psicologia.
Em segundo lugar, agradeço a meus pais, que sempre me apoiaram
durante toda a minha formação, principalmente na faculdade. A meu pai, muito
obrigada por todo o esforço e por apostar em mim, nas minhas escolhas e nas
futuras conquistas e por estar sempre presente de um jeito que lhe é próprio. A
minha mãe querida gostaria de agradecer por toda a sua paciência, carinho e
encorajamento, manifestações de seu amor que me possibilitaram seguir em
frente e sempre superar os desafios.
A meus irmãos, Rafael e André, “meus companheiros de aventuras”, por
sempre estarem presentes e torcendo por minha felicidade, cada um a sua
maneira.
A meu namorado, por sua presença em minha vida, por seu apoio mais que
essencial, inclusive na realização deste trabalho.
Agradeço também à professora Célia Maria de Souza Terra, por me orientar
neste trabalho com sua dedicação e primorosas contribuições a minha formação.
A minhas queridas professoras Sandra Pavone e Marisa Penna, por
aumentarem em mim o fascínio pela clínica com crianças e pelo trabalho da
psicologia hospitalar, respectivamente, e por serem para mim modelos de
profissionais sérias e apaixonadas pela profissão que escolhemos. Muito obrigada!
A Associação Pró-Hope, pelo apoio e confiança dedicados a mim para a
realização deste trabalho.
Por todos os meus amigos, aqueles com os quais divido os momentos mais
variados de minha vida e que não poderiam estar ausentes neste que é tão
importante para mim.
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Área: Psicologia: 7.07.00.00-1
Juliana Passos Kirsten: O Brincar no Contexto de Adoecimento e suas
Implicações na Melhora das Crianças, 2007.
Orientadora: Profª Célia Maria de Souza Terra.
Palavras chave: brincar, adoecimento, psicanálise.
RESUMO
O presente estudo se propõe a analisar o brincar em contexto de
adoecimento e as implicações que este trabalho elaborativo propiciado pelo lúdico
pode ter no prognóstico de crianças ou no enfrentamento deste contexto que
muitas vezes pode ser vivido como doloroso, traumático e extremamente
desconhecido e ameaçador. Este trabalho seguiu os conceitos da psicanálise e da
teoria do brincar de D. W. Winnicott e consistiu na análise qualitativa de relatórios
da brinquedoteca de uma casa de apoio que atende setenta e cinco crianças e
adolescentes, com faixa etária de zero a dezoito anos, em tratamento hospitalar
na cidade de São Paulo. A partir dos resultados, pode-se perceber que a
introdução do elemento familiar da criança e constituinte de sua subjetividade, o
brincar, possibilita que ela construa instrumentos que lhe são próprios para o
atravessamento de um momento de crise em sua vida. O uso do ambiente lúdico
se apresentou como facilitador da elaboração dos sentimentos envolvidos em um
adoecimento, da autonomia, de um ser mais ativo e mais consciente daquilo que
se passa com ele.
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SUMÁRIO
I INTRODUÇÃO................................................................................................................... 06
1.1 Associação Pró-Hope......................................................................................................... 10
II O BRINCAR...................................................................................................................... 11
2.1 A Criatividade: a passagem da passividade para a atividade............................................ 14
2.2 A Troca de Papéis: as identificações e o uso de objeto..................................................... 16
III A BRINQUEDOTECA....................................................................................................... 19
3.1 O Espaço potencial............................................................................................................ 20
3.2 A brinquedoteca no contexto do adoecimento................................................................... 22
IV METODOLOGIA............................................................................................................... 24
Procedimento...................................................................................................................... 24
a. Sujeitos................................................................................................................................ 24
b. Coleta de Dados................................................................................................................. 26
c. A Brinquedoteca Terapêutica da Associação Pró-Hope..................................................... 26
d. Análise dos Dados.............................................................................................................. 28
V ANÁLISE............................................................................................................................. 29
VI DISCUSSÃO....................................................................................................................... 50
VII CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 54 ANEXOS............................................................................................................................. 56
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I INTRODUÇÃO:
Para a realização deste trabalho escolhi um tema que me interessou desde
muito antes de escolher a psicologia como a minha área de atuação profissional: o
ambiente hospitalar e as transformações do mesmo onde a cura pode se
desenvolver. Todo este interesse está ligado as minhas observações do ambiente
hospitalar, tanto em atividades acadêmicas quanto pessoais, e ao fato de perceber
e saber, pelo conhecimento teórico da psicanálise que pude aprender até aqui,
quanto o adoecer e o privar-se do ambiente familiar para tratar de uma
enfermidade pode alterar as relações sociais, afetivas e psíquicas do paciente e
deixá-lo muito mais vulnerável a situações que comprometam ainda mais seu
estado de saúde.
Quando se trata de uma criança, estas relações podem ser ainda mais
intensas, e todas estas mudanças são entendidas por ela como uma experiência
assustadoramente nova. Labonia (1999) diz em seu trabalho que o hospital pode
ser visto como um ambiente que apresenta dois pontos contraditórios, pois ao
mesmo tempo em que se faz como um lugar de cura, proteção e reparação
daquilo que não vai bem, é também um lugar de sofrimento e separação. É um
lugar de proteção e reparação na medida em que os pais ou familiares depositam
no médico todo seu desejo de que seu ente que está enfermo se recupere e volte
a viver normalmente, e também se mostra como um lugar de sofrimento e
separação uma vez que a pessoa enferma terá que se separar de seu ambiente
familiar e afetivo para ficar em um espaço onde terá que se submeter aos muitos
procedimentos invasivos sem a proteção ou sustentação de pessoas em que
confia. Labonia (1999) segue dizendo que tendo como base uma visão
psicanalítica (visão esta que também seguirei para a realização de meu trabalho),
esta separação que se dá no ambiente hospitalar pode ser entendida como uma
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repetição do momento de separação do recém nascido de sua mãe, pois, segundo
a autora, “... a criança ao nascer perde o ambiente seguro e protetor do útero para fazer parte de
um ambiente desconhecido” (1999), exatamente como acontece com uma criança que é
hospitalizada e tem que deixar em sua casa seus familiares, seus brinquedos, ou
seja, seu ambiente afetivo que já havia sido garantido por diversas relações de
confiança.
Com todo este quadro de medos e inseguranças configurado no ambiente
hospitalar a criança precisa de instrumentos para conseguir lidar melhor com seus
sentimentos em relação a esta fase de sua vida, e uma vez que toda esta fase
apresenta elementos totalmente novos para o mundo da criança, o que ela precisa
neste momento é de algum elemento familiar, de sua linguagem específica, para
expressar-se e enfrentar este desafio: o brincar – que se configura como um
recurso que a criança possui para se expressar e elaborar os sentimentos hostis e
de dor psíquica.
O brincar está presente desde o início da vida de uma criança e segundo
Winnicott, é um elemento universal, próprio da saúde e facilitador do crescimento
do indivíduo, dos relacionamentos grupais e da comunicação. O autor ainda afirma
que “... é com base no brincar que se constrói a totalidade da existência experiencial do homem”.
(1975 p.93).
Em um outro trabalho, Winnicott (1982) diz que as crianças brincam para
dominar angústias, controlar idéias ou impulsos que conduzam a angustia. Nas
brincadeiras elas conseguem “dar escoamento” aos seus sentimentos conferindo-
lhes algum sentido. É neste espaço das brincadeiras que as crianças podem se
deparar com estes sentimentos entendê-los e lidar com os mesmos através de
uma linguagem particular e acessível a sua elaboração. É neste contexto que
Barbanti (1989) afirma que através do brinquedo, muito mais do que outra
atividade, pode-se verificar que a criança aprende a manipular e a controlar seus
objetos, lidando assim com situações de conflito quando consegue desempenhar
nas brincadeiras as dificuldades que encontrou na realidade.
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Chateau refere que, para Claparède o brincar é
“... a única atmosfera na qual seu ser psicológico pode respirar e,
conseqüentemente, agir”. Portanto, em crianças hospitalizadas, situação que o
agir psicológico se faz necessário, o brincar se torna ainda mais decisivo e
importante neste processo que vai do adoecimento até uma possível cura. A
brincadeira fornece uma organização para a iniciação de relações emocionais e
assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais que antes não eram
possíveis. “(1987).
Para Chateau a criança brinca para repetir tanto situações prazerosas
quanto situações traumáticas e dolorosas como forma de elaboração. No hospital
quando a criança se encontra enferma, suas fantasias inconscientes da
enfermidade e até mesmo suas fantasias inconscientes da cura podem se fazer
presentes através da brincadeira. É neste sentido que Lindquist (1993) diz que as
crianças hospitalizadas não conseguem verbalizar seus desejos e necessidades e
uma das formas mais eficazes para esta verbalização é através da prática lúdica.
Segue dizendo que ao brincar, as crianças se vêem absorvidas pelas atividades
criativas, ”esquecendo“ que estão enfermas.
Outra relação possível com o uso do lúdico no hospital é que através da
imaginação e da fantasia a criança pode assumir outros papéis, como por
exemplo, o do medico ou da enfermeira, e esta troca de papeis proporcionada
pela atmosfera lúdica, permite à criança viver a situação conflitante a partir de
outro lugar e assim expor e trabalhar com todos estes conteúdos inconscientes
que podem estar envolvidos no seu adoecimento. É a partir do brincar que a
criança sai de uma posição passiva do adoecer (de paciente) onde simplesmente
recebe cuidados e é um receptáculo de remédios e procedimentos e passa para
uma posição ativa, para um gesto de saúde, uma vez que se apresenta como um
ser participativo de sua própria vida, onde pode expor seus sentimentos e
aprender a lidar com eles. Esta troca de posição faz com que a criança se sinta
muito menos vulnerável à doença e consiga passar por este momento de crise de
uma maneira menos traumática e mais produtiva.
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Por outro lado, por se tratar de um período de muitos conflitos, pode acontecer
de crianças não conseguirem se colocar neste lugar criativo, participativo pelo fato
de não suportarem tamanha angústia gerada por estes acontecimentos. É neste
sentido que Winnicott afirma que a brincadeira se torna impossível: “É sobejamente
conhecido que, quando a angústia é relativamente grande, (...) a brincadeira se torna impossível” (1982 p.164). Portanto, a criança perde a chance de dar vazão à sua angústia e
efetivamente produzir algo a partir dela, por que o ambiente e a situação em que
está imersa impossibilitam-na e não oferecem a oportunidade de realizar a
atividade que talvez mais a represente como sujeito: o brincar.
Enfim, a partir desses aspectos acima descritos, tem-se como objetivo desta
pesquisa analisar as duas características do brincar no contexto hospitalar - a
passagem da postura passiva para uma postura ativa proporcionada pelas
atividades criativas e a troca de papéis como facilitador da elaboração do
momento pelo qual a criança está passando, que aparecem e se desenvolvem
durante atividades lúdicas de crianças em processo de hospitalização. Como
objetivo também, analisar as possíveis implicações dessas atividades na melhoria
das enfermidades das crianças que têm acesso a brinquedoteca ou qualquer
ambiente lúdico no seu processo de internação hospitalar, ou de espera pelo
tratamento, pois ao se chegar ao final da pesquisa acredita-se que estas duas
características envolvidas no brincar auxiliam e possibilitam que a criança tenha
uma maior elaboração dos conteúdos nela envolvidos durante o período de
adoecimento podendo possibilitar até uma mudança no enfrentamento da doença
e no próprio prognóstico da enfermidade ou na forma como ela se manifesta.
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1.1 Associação Pró-Hope:
Histórico:
A Associação Pró-Hope - apoio à criança com câncer, mais conhecida como
Casa Hope, foi fundada em 1996 com o objetivo de dar a crianças carentes
oriundas de todo país em tratamento em São Paulo condições de permanecer na
cidade e continuar seu tratamento após a alta hospitalar.
A Casa Hope é, portanto, uma entidade sem fins lucrativos que dá assistência
social integral a crianças e adolescentes portadores de qualquer tipo de doença e
seus acompanhantes em qualquer estagio do adoecimento, desde que o paciente
venha encaminhado de hospital publico ou atendimento gratuito.
A Casa Hope conta, atualmente, com uma estrutura composta de três Casas
de Apoio, um Bazar e uma Casa administrativa. São nas casas de apoio que as
crianças e seus acompanhantes recebem toda a atenção necessária no período
que precedem ou sucedem o período de internação hospitalar.
As três casas de apoio oferecem aos pacientes e acompanhantes a moradia,
alimentação supervisionada por um serviço de nutricionistas, higiene e limpeza,
medicação, transporte até os hospitais e locais de exames, assistência medica,
assistência social e psicológica, brinquedoteca terapêutica, apoio pedagógico e
educacional, assistência jurídica, fonoaudióloga, fisioterapia, curso de informática,
entre outros serviços.
Com esta estrutura, a Casa Hope consegue atender atualmente setenta e cinco
crianças e setenta e cinco acompanhantes, mas a Associação tem como objetivo
ampliar sua estrutura para conseguir atender daqui a dois anos,
aproximadamente, duzentos e cinqüenta crianças e duzentos e cinqüenta
acompanhantes e aumentar e criar novos serviços para auxiliar no tratamento
desses pacientes.
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II
O BRINCAR
Neste capítulo pretendo abordar as questões relacionadas ao brincar que o
faz um instrumento de suma importância para a comunicação da criança com o
mundo dos adultos a partir de uma linguagem que lhe é própria além de ser
imprescindível para o desenvolvimento e a constituição da criança como sujeito no
mundo, ativo e produtor de sua subjetividade. Abordarei também duas
características existentes no brincar, sendo elas a passagem da passividade para
a atividade através da construção de um brincar criativo, e a brincadeira
envolvendo a troca de papéis, construída através das identificações e uso do
objeto.
Para Winnicott (1975) o brincar é algo natural do sujeito, algo que é
“universal e que é próprio da saúde (p.63). E diz ainda que é o brincar que
“conduz aos relacionamentos grupais” (p.63). Neste sentido, Bomtempo (1992) vai
dizer também que é o brincar que qualifica a criança como um ser humano, e
assim o possibilita a viver em uma sociedade e num mundo culturalmente
simbólico. Winnicott (1975) ainda diz que a importância do brincar se encontra
entre a troca e o interjogo que existe entre a realidade psíquica individual e a
experiência do controle que se faz com os objetos reais, e de acordo com ele, esta
troca é uma troca precária. Esta precariedade é uma precariedade da própria
magia, originária na intimidade, em um relacionamento que está se constituindo
como algo digno de depositarmos nossa confiança. Este sentimento de segurança
ao brincar, a se deixar levar pelos aspectos imaginários e reais do jogo só é
possível se existiu em um estágio anterior de confiança e motivação na relação
mãe-bebê.
Winnicott (1975) propõe em seu trabalho um caminho que é percorrido pela
criança até que ela possa, munida de confiança pelo objeto, brincar de uma
maneira criativa e social. A primeira fase que a criança percorre até este brincar é
aquela que o bebê e seu objeto (mãe) ainda estão fundidos um no outro. O bebê
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ainda não reconhece uma separação entre ele e a mãe e a visão que ele tem
deste objeto ainda é subjetiva. O trabalho da mãe neste ponto é de tornar mais
concreto aquilo que seu bebê já está pronto para encontrar.
A próxima fase para tornar possível o desenvolvimento da criança é quando
o bebê passa por uma fase de repudiar este objeto e depois retorna-lo a ele,
significando de maneira objetivamente percebida este processo pelo qual passou.
Esta fase complexa depende muito da mãe agüentar que seu filho expresse este
não desejo por ela e depois possa reintegra-la novamente. Se a mãe consegue
responder a esta fase de maneira satisfatória, retirando-se e voltando-se a seu
bebê de acordo com o que ele lhe mostra, o bebê poderá experimentar com ele o
que Winnicott chama de experiência do “controle mágico” que é vivida através da
onipotência na descrição daquilo que acontece intrapsíquicamente e, além disso,
adquire confiança em sua mãe por ter possibilitado que ele pudesse transitar entre
as experiências da “onipotência” e o controle do real.
A confiança, neste momento estabelecida, cria o que Winnicott (1975)
chama de “playground intermediário”, estado onde a magia se origina. Por este
motivo o autor diz que é neste ponto do desenvolvimento da criança que a
brincadeira pode começar. Winnicott (1975) ainda diz que “o playground é um
espaço potencial entre a mãe e o bebê, ou que une mãe e bebê”. (p.71).
O estádio seguinte proposto por Winnicott para a construção da capacidade
do brincar é quando a criança pode ficar sozinha, brincando, na presença de
alguém. A criança brinca agora partindo do pressuposto de que a pessoa a quem
ama e confia está disponível e continua disponível quando é lembrada, mesmo
após ter sido esquecida pela criança. É como se essa pessoa fosse um espelho
(refletisse de volta) o que acontece durante a brincadeira.
Por fim, depois de passar por todas as fases acima descritas, com o
sentimento de confiança e segurança concedido por seu objeto primeiro (mãe), a
criança está ficando pronta para se permitir a entrar em uma superposição de
duas áreas de brincadeira. A princípio é a mãe que brinca com a criança,
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colocando-lhe seu modo de brincar, mas tomando o cuidado cabível para se
adequar às necessidades do bebê quanto às atividades lúdicas que estão
realizando. A partir daí, a criança pode introduzir seu próprio brincar e se permitir
aceitar ou não as instruções ou idéias que lhe são propostas. Desta maneira a
criança encontra-se pronta para iniciar uma brincadeira em um meio social e de
relacionamento.
Winnicott (1975) ainda relaciona, no mesmo trabalho, a atividade criativa e
o brincar com o desenvolvimento da personalidade, pois enxerga no brincar uma
das vias, senão a única, mais importantes para a liberdade de criação tanto para a
criança quanto para o adulto, possibilitando o aparecimento desta criatividade (ou
seja, criar uma atividade, portanto não mais se colocar em uma posição passiva) e
a utilização da personalidade de uma maneira integral.
Ainda em relação a isso o autor diz que a criança pode expressar os
sentimentos através da brincadeira, sendo eles sentimentos relacionados a
acontecimentos saudáveis quanto a acontecimentos traumáticos (como uma
experiência de hospitalização, agressão, por exemplo) permitindo que a mesma
possa ser elaborada e que esta vivência com aquilo que emerge na brincadeira
pode acontecer sem conseqüências negativas posteriores ao meio e a criança.
Em relação a isto, Aberastury (1992) vê no brincar uma reprodução
reduzida do mundo adulto, estabelecendo-se como um instrumento muito eficaz
de domínio de situações difíceis e traumáticas na sua relação com o ambiente a
partir de brincadeiras que reproduzam estas realidades e muitas vezes são
representadas pelas crianças de maneira oposta com que foram vividas por ela
(por exemplo, a criança que foi agredida, torna-se o bandido na brincadeira, a que
está internada em um hospital, torna-se médico e assim por diante)
proporcionando a ela uma re-significação daquela cena que lhe foi traumática e
uma elaboração da mesma. A este aspecto da brincadeira chamaremos “troca de
papéis” e juntamente com o conceito de criatividade atrelada ao brincar
dedicaremos um maior aprofundamento a seguir por se tratar de características
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muito importantes no desenvolvimento psíquico da criança e na elaboração de
cenas traumáticas, como a que focaremos no presente trabalho, como pôde ser
observado pelos autores anteriormente evocados.
2.1 A Criatividade: a passagem da passividade para a atividade.
Segundo Freud (1920) o brincar possibilita que a criança adquira um certo
controle do mundo, dominando-o a seu modo e da maneira com que consegue
elaborar os conteúdos envolvidos na temática da brincadeira. Uma vez que o
brincar corresponde ao instinto da criança de dominar suas experiências, as
crianças passam, durante a brincadeira, de sujeitos passivos a sujeitos ativos e
produtores de sua subjetividade.
Winnicott (1975) vai dizer que talvez seja apenas no brincar que a criança
ou o adulto deixa fruir a sua capacidade de criação. E para Winnicott isto se faz de
tamanha importância a ponto de o autor afirmar no mesmo trabalho que uma
psicoterapia infantil só é possível quando o paciente pode brincar, pois é na
brincadeira que o paciente manifesta toda a sua criatividade. (1975). Se a angústia
do paciente é tão grande a ponto de impossibilita-lo a manifestar a sua
criatividade, isto é, o brincar, Winnicott (1975) propõe que o trabalho da
psicoterapia neste caso deve começar com o objetivo de capacitar a criança à
brincadeira, a se manifestar criativa e individualmente, e só assim, o trabalho
psicoterápico pode ter continuidade. Segundo o mesmo autor (1975), é no ato
criativo, possibilitado pelo brincar, que o individuo pode utilizar sua personalidade
integral e descobrir o seu eu (self).
Winnicott (1975) aprofunda em seu trabalho a idéia de a criatividade estar
relacionada com a vida, com o ser ativo no mundo, aquele que produz
criativamente em seu meio e que sente a vida como algo digno de ser vivido. Em
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contrapartida, existem pessoas em que a criatividade não pode estar presente,
são pessoas que muito provavelmente vivem submetidas as suas realidades
externas, como se a adaptação aos acontecimentos do mundo fosse a única
maneira de se continuar vivo. Winnicott (1975) diz ainda que esta submissão traz
consigo uma idéia de inutilidade, de passividade, de que nada importa e de que
nada se pode fazer, construir ou produzir que lhe seja próprio em seu viver.
Muito comumente associamos a atividade, a criatividade a uma condição
mais saudável de ser e à submissão, passividade, uma condição menos saudável
de viver e se fazer ser no mundo. Em relação a isso Winnicott (1975) vai dizer que
a criatividade o interessa tanto em sua teoria por estar relacionada ao estar vivo,
fazer-se presente no mundo. E um dos instrumentos mais eficazes de chegarmos
a esta vivencia criativa, principalmente quando estamos falando de crianças, é o
brincar.
Segundo Novelle (2001), em um ambiente hospitalar, ou durante um
tratamento, os pacientes se vêem inteiramente submetidos às prescrições de toda
a equipe médica e acabam se sentindo expectadores de suas próprias vidas
podendo expressar pouco suas vontades, individualidades, enfim sua criatividade
em um ambiente onde a coletividade e ao mesmo tempo a assepsia se fazem tão
presentes. No caso de hospitalização ou tratamento de crianças isto se torna
ainda mais grave. As crianças são submetidas a uma serie de regras e
procedimentos hospitalares e raramente conseguem se comunicar e expressar
todos aqueles eventos, muitas vezes traumáticos pelos quais estão passando. É
através do brincar, linguagem própria e familiar a criança, que esta pode se
expressar criativamente e retornar como alguém ativo e produtor de sua própria
vida, constituindo, assim, um estado mais saudável de viver, imprescindível nestes
casos de hospitalização ou tratamento de enfermidades.
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2.2 A Troca de Papéis: as identificações e o uso de objeto.
O conceito de uso de objeto foi descrito por Winnicott (1975) em “O Brincar
e a Realidade”. Neste trabalho o autor diferencia o uso de objeto do relacionar-se
com o objeto, sendo que o primeiro seria decorrente do segundo, quando o sujeito
consegue não mais depender de um relacionamento com objetos exclusivamente
internos e subjetivos e pode relacionar-se com os objetos de seu mundo
compartilhado, ou seja, objetos reais que podem ser usados pelo sujeito de
maneira real e objetiva.
Para poder fazer uso do objeto a criança necessita primeiro se relacionar
com o objeto, encontrá-lo no mundo e se interessar por ele. Após esta fase de
encontrar o objeto que permite ser encontrado, ao invés de ser criado pelo sujeito
e ter surgido magicamente no mundo, o sujeito precisa destruir este objeto, ou
seja, se certificar que o objeto irá sobreviver a seus ataques destrutivos para que
depois, vendo que o objeto sobreviveu a seu uso, confiar neste objeto e a partir
daí o sujeito pode começar a viver uma vida no mundo dos objetos.
Para Winnicott (1975), é só a partir deste momento que o sujeito pode
chegar a estágios iniciais de seu crescimento emocional, uma vez que , atingindo
este estágio, o sujeito pode usar de seus mecanismos projetivos para identificar
quais objetos estão efetivamente “lá” (que possam ser destrutíveis e consumíveis)
e portanto podem ser usados pelo sujeito, que após ter se identificado com o
objeto fará suas projeções e o “transformará” em algo que é próprio para si e para
o momento em que está vivendo.
O sujeito é capaz de “transformar” o objeto a partir do uso e das
identificações que faz com o mesmo, e isto possibilita que o sujeito encontre neste
objeto instrumentos para continuar a viver, continuar a se relacionar com o real,
ultrapassar situações que lhe são ameaçadoras.
Colocando este conceito no contexto do brincar, a criança pode fazer uso
dos brinquedos (quando a fase do relacionar-se cede lugar ao estágio em que a
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criança pode efetivamente usar o objeto real) identificando-os com seu mundo
externo e muitas vezes repetindo cenas do mesmo, cenas que lhe são familiares,
traumáticas, intensas, a fim de tentar elaborá-las a partir da re-vivência da mesma.
Neste sentido, Freud (1920) diz que o brincar também é determinado por
desejos, e o de ser grande ou adulto pode ser um deles, e esta é a razão pela qual
as crianças imitam a vida dos adultos em seu brincar. Para o autor o brinquedo e a
fantasia são formas de realização dos desejos, diferenciadas pelo fato de que a
criança sabe distinguir o brincar da realidade, embora “brinque’” com objetos reais,
e assim costuma ligar os objetos e situações imaginadas a elementos do mundo
real.
Esta troca de papéis realizada pelas crianças em seu fazer criativo (brincar)
pode ser vista com grande freqüência. Em um ambiente hospitalar, por exemplo, é
comum que se perceba uma criança brincando de ser médico ou enfermeira e
reproduzindo, da maneira em que vive e sente individualmente esta situação, em
um boneco, urso de pelúcia ou até mesmo em um adulto aqueles procedimentos e
cuidados aos quais ela própria é submetida.
Outras brincadeiras deste tipo também não são incomuns, para as
meninas, brincar de casinha, para os meninos, ser bombeiro, policial, piloto, entre
outros e as brincadeiras usando fantasias de personagens também representam
uma troca de papéis entre o real e o fantástico, permitindo que a criança seja ali,
naquele momento, uma figura que não pode ser cotidianamente, e isto permite
que ela se expresse de uma maneira muito particular, muito sincera e que pode
auxiliá-la a se relacionar com o mundo externo do jeito que lhe é próprio e que por
alguma razão não estava sendo possível anteriormente.
Neste sentido, Aberastury (1992) entende o brinquedo como uma
reprodução do mundo adulto para a criança, sendo um instrumento de domínio de
situações difíceis e traumáticas na sua relação com o mundo. Ressalta uma
característica importante do brinquedo que é poder ser substituível e isto permite
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que a criança represente situações prazerosas ou perturbadoras, podendo
expressar, portanto, no brincar, os seus sentimentos e idéias.
Em suma, é fazendo uso do brincar que a criança cria um mundo próprio ou
pode rearranjá-lo a seu modo, podendo viver ou reviver situações que lhe marcam
emocionalmente, de forma positiva ou não, criando um espaço onde estes
acontecimentos e os sentimentos envolvidos neles possam ser elaborados de uma
maneira satisfatória para a criança, uma vez que é feito usando um instrumento
que é próprio da linguagem da criança e do seu relacionar-se com o ambiente: o
brincar.
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III
A BRINQUEDOTECA
Winnicott (1975) diz que “o brincar tem um lugar e um tempo” (p.62) para
acontecer e para poder se dar de forma criativa propiciando as elaborações e a
constituição do sujeito como foi dito no capítulo anterior. A brinquedoteca, como se
tem hoje em dia, é também um destes espaços que podem propiciar o brincar se
for utilizada da maneira pela qual foi pensada e criada. Segundo Novelle (2001) a
brinquedoteca é este espaço de brincadeira “(...) onde a ação da criança é
valorizada, onde a afetividade é acolhida, onde se busca cultivar a sensibilidade e
a criatividade”.
Segundo Cunha (1992) a primeira brinquedoteca teria surgido em Los
Angeles em meados de 1934, com o caráter exclusivo de empréstimo de
brinquedos e a partir daí esta idéia acabou se disseminando a diversos países,
mais fortemente a partir da década de sessenta, mas a partir daí com diferentes
objetivos, dependendo de cada região, como aprendizagem, orientação
educacional e à saúde, resgate da cultura lúdica, entre outros. Ainda para a
mesma autora o surgimento da brinquedoteca se deu no sentido de garantir a
infância, uma vez que lhe proporcionou elementos indispensáveis ao seu
crescimento e desenvolvimento saudáveis e a partir da idéia de que a criança
necessita de uma filosofia de educação que se volte ao respeito às suas
individualidades e potencialidades e que precisam de um espaço adequado para
que isso possa se manifestar indo além do mero acesso ou empréstimo de
brinquedos possibilitou que as crianças pudessem ser vistas como seres humanos
em constituição possuidoras de uma linguagem própria, a do brincar. (Cunha,
1992).
Como já dito anteriormente, as características e objetivos de cada
brinquedoteca evoluem de acordo com cada país, região ou cultura. Como pode
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ser observado em Cunha (1994), a brinquedoteca no Brasil tem um trabalho mais
voltado para o brincar propriamente dito, se diferenciando das ludotecas, por
exemplo, que têm como objetivo o empréstimo de brinquedos. Além das
diferenças ocasionadas pelo local físico e cultural em que cada brinquedoteca se
encontra elas podem variar quanto a seu enfoque ou objetivo, mesmo estando em
um mesmo país, dependendo do lugar institucional em que a brinquedoteca se
encontra. Existem brinquedotecas em hospitais, escolas, creches, abrigos, centro
comunitários, universidades, clínicas psicológicas, por exemplo, e seus objetivos
específicos vão variar, portanto, de acordo com as finalidades, necessidades e
características da população a que a brinquedoteca se destina. (Friedmann, 1992,
apud Novelle 2001).
Apesar de as brinquedotecas possuírem objetivos e vantagens diferentes a
depender da finalidade a qual se destina, Bomtempo (1992) aponta vantagens
“universais” que a brinquedoteca proporciona às crianças que a freqüentam,
sendo elas, a oportunidade que a criança tem de experimentar o brinquedo antes
de escolhê-lo; permitir a possibilidade de se observar as preferências das crianças
de diferentes faixas etárias pelos diferentes brinquedos; e o fato de a manipulação
de vários brinquedos por uma mesma criança permitir que a criança se lance ao
mundo da ação e da representação, que ela possa agir e imaginar, podendo
simbolizar o que está sentindo através de suas representações durante o brincar.
3.1 O espaço potencial
Em Rocca, Camps e Mandelbaum (apud Novelle, 2001, p.77), encontramos
o relato de uma experiência em uma “sala de jogos hospitalar” onde diz que esta
sala é considerada um espaço potencial em que a criança pode expressar suas
fantasias e medos frente a seu processo de hospitalização, mas o que seria este
espaço potencial a que se referem?
21
Tomando a teoria de D. Winnicott como base para este pensamento, o
espaço potencial seria uma terceira área do viver humano, que não seria uma
simples junção das outras duas (o mundo interno e o mundo compartilhado), mas
sim, esta terceira área de experiência humana seria extremamente variável de
individuo para individuo e seria “produto das experiências da pessoa individual (...)
no meio ambiente que predomina”.(Winnicott, 1975, p.148). Além disso, é nesta
terceira área que a experiência cultural ou o brincar criativo pode se desenvolver.
Desta maneira, ainda no mesmo trabalho, Winnicott (1975) esclarece um pouco
mais sobre a idéia anteriormente colocada, se refere ao espaço potencial, local da
brincadeira e da cultura, como um espaço existente entre mãe-bebê, dizendo
ainda que está se referindo à:
“(...) área hipotética que existe (mas pode não existir) entre o bebê e o
objeto (mãe ou parte desta) durante a fase do repúdio do objeto como não-eu,
isto é, ao final da fase de estar fundido ao objeto”. (p.149).
Com isso, Winnicott nos diz que após este estado em que o bebê se sente
fundido à mãe, ele passa a um espaço de separa-la de seu eu (self), enquanto a
mãe, em resposta a isso e até para que isso seja possível, diminui seu grau de
adaptação as necessidades de seu bebê, como se estivesse permitindo que ele
pudesse partir, se separar dela, e isso se faz de extrema importância para a
constituição do sujeito. É quando há esta separação e este espaço entre mãe-
bebê proporcionada por um vazio que se forma a partir desta separação que é
possível que tanto a criança, o adolescente ou o adulto preencham este espaço
criativamente com o brincar, o que levará que, com o tempo, isto se transforme em
uma fruição da herança cultura, tal como temos hoje e que constantemente se
transforma. Em contrapartida, é possível também dizer que a separação pode ser
evitada “pelo uso do espaço potencial com o brincar criativo, com o uso dos
símbolos e com tudo o que acaba por se somar a uma vida cultural”. (1975 p.151).
O interessante deste ponto do trabalho de Winnicott, é que o autor também diz
que este lugar onde a brincadeira e a cultura se encontram não pode ser apenas
22
herdado e sim é construído e pode existir somente a partir das experiências do
viver do indivíduo (Winnicott, 1975).
Ainda segundo Winnicott (1975), o brincar e a experiência cultural são
especialmente valorizados por serem “coisas” que vinculam o passado o presente
e o futuro e por ocuparem o mesmo tempo e o mesmo espaço. De esta maneira o
brincar se mostra como uma ferramenta do viver humano muito importante para a
elaboração dos sentimentos e vivências do individuo ligadas a seu presente, como
um processo de hospitalização, por exemplo, mas também em relação a
integração de suas experiências já vividas e a preparação para aquelas que ainda
virão, assim a existência de um lugar, não somente existente na subjetividade,
mas um lugar físico em que estas experiências possam ser trocadas e construídas
se faz de tamanha importância para o ser do indivíduo, e a brinquedoteca, tal
como podemos observar nos dias atuais, pode ser um lugar muito propício para
que as potencialidades do ser se mostrem e se transformem em um agir novo,
sendo que só é dado a partir de experiências vividas, e social, uma vez que estas
relações acontecem nos relacionamentos grupais.
3.2 A brinquedoteca no contexto de adoecimento
Kishimoto (1992) considera em seu trabalho o brincar como um direito da
criança, inclusive daquela que está hospitalizada ou passando por um processo de
tratamento de uma doença. Segundo a autora, o brincar quando usado em
ambiente hospitalar ou de adoecimento tem finalidade terapêutica, como meio de
expressão e auxílio a todas as angústias presentes na criança doente. Cunha
(1994) salienta ainda a finalidade da brinquedoteca inserida neste ambiente de
adoecimento de proporcionar à criança internada o auxílio na diminuição das
tensões, visando a preservação de sua saúde emocional, a manutenção de sua
confiança, a superação das adversidades, bem como de prepara-la para a volta a
23
sua casa. Além disso, para Nascimento (1999) o brincar transforma o ambiente
hospitalar e vem preencher a lacuna, causada pela internação ou tratamento,
presente entre a criança, seus familiares e a equipe hospitalar, aliviando o
estresse causado por esta situação e apresentando-se como instrumento de
superação dos sentimentos dolorosos.
Segundo Novelle (2001), as brinquedotecas em contextos de adoecimento
surgiram no Brasil com o intuito de humanizar o atendimento à criança em
processo de hospitalização. A princípio sua finalidade estava ligada a utilização do
jogo como atividade terapêutica, tendo como base à idéia de que “(...) ao brincar a
criança se expressa e se recupera mais rapidamente” (p.75).
Não é em todos os lugares que este espaço para o brincar dentro do
contexto de hospitalização recebe o nome de brinquedoteca, mas tem-se o
conhecimento de diferentes modalidades de assistência que consideram o brincar
como uma atividade construtiva e importante para a criança doente. Embora se
constituam como um espaço de extrema importância para a recuperação de
crianças hospitalizadas ou em tratamentos hospitalares, as brinquedotecas com
estas finalidades ainda não ocupam um papel significativo no Brasil, mas estão em
expansão devido, também, à incentivo da UNICEF para as instituições
hospitalares ou de assistência a crianças e adolescentes em tratamentos
hospitalares que possuírem em suas instituições espaços como o da
brinquedoteca, mas infelizmente no Brasil estes espaços não são devidamente
fiscalizados e muitas vezes ficam fechados para que não tenha risco de os
brinquedos se perderem e para que a instituição não perca este incentivo
financeiro.
24
IV
METODOLOGIA
O presente estudo caracteriza-se por uma pesquisa qualitativa por se tratar
de, segundo Thomas e Nelson (2002), um exame detalhado e rigoroso de um
único caso, não com o intuito de investigar um único indivíduo, mas também,
podendo se estender a investigações que envolvem programas, organizações,
estruturas sociais e pessoais e comunidades. Os dados serão analisados
seguindo os conceitos teóricos da psicanálise.
Procedimento:
O local escolhido para a presente pesquisa foi a Associação Pró-Hope onde
foi solicitada uma autorização para a diretora técnica da Instituição escolhida por
meio do Termo de Autorização de pesquisa para ter acesso aos relatórios de
observação da brinquedoteca terapêutica bem como aos prontuários das crianças
freqüentadoras desta atividade. Devido à impossibilidade de um Termo de
Consentimento Informado a todos os pacientes, será utilizado um Termo de
Utilização de Dados que foi assinado por todos os pesquisadores responsáveis
com o consentimento da diretoria técnica da Instituição.
a) Sujeitos:
Seis crianças com idades de três a sete anos freqüentadoras da brinquedoteca
terapêutica no segundo semestre de 2006, hospedadas na Casa Hope para
25
tratamento em hospitais da cidade de São Paulo (vide quadro abaixo)1. Estas
crianças e seus acompanhantes são encaminhados pelos próprios Hospitais onde
fazem tratamento para a Casa Hope, uma vez que são provenientes dos mais
variados estados do País e têm a Casa Hope como uma casa de apoio durante o
período de tratamento e lá recebem todo tipo de assistência necessária, seja no
período pré-tratamento ou pós- tratamento Hospitalar, que vai desde serviços de
primeira necessidade como alimentação e moradia até assistência social, jurídica
e psicológica, por exemplo.
Nome*
Idade Diagnóstico Quantas vezes
foi a
brinquedoteca
Data de entrada
na Casa Hope
Carla 3 anos Retinoblastoma 5 25/11/2004
Ana
Cristina
3 anos Teratoma
maduro
2 03/03/2005
Felipe 5 anos e
1 mês
Atresia das vias
biliares
2 03/04/2006
Caio 5 anos e
7 meses
Hepatite 1 20/11/2004
Vitor 7 anos e
7 meses
Tumor cerebral 1 11/08/2004
Paulo 3 anos Atresia das vias
biliares
2 07/04/2004
* Os nomes utilizados das crianças presentes neste trabalho foram trocados para
que se possa preservar a identidade das mesmas.
1 Inicialmente pensou-se em analisar oito crianças com idade de três a sete anos de idade,mas para se obter análises e resultados mais completos e elaborados optou-se por ficar com as seis crianças cujo material fosse mais significativo para a proposta do trabalho.
26
b) Coleta de Dados:
Após o consentimento da instituição por meio do Termo de autorização
para a realização da pesquisa foram recolhidos sete relatórios de observação da
brinquedoteca terapêutica feito por duas estagiárias de psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo entre o período de 08/2006 a 12/2006. Estes
relatórios são documentos pertencentes à Casa Hope e que consistem em uma
descrição detalhada das atividades realizadas por cada criança em cada sessão.
O recolhimento destes dados foi feito na própria instituição sob supervisão da
psicóloga responsável pela brinquedoteca terapêutica, e também pela
coordenadora técnica da Instituição.
c) A Brinquedoteca Terapêutica da Associação Pró – Hope:
A brinquedoteca da Casa Hope é um espaço aberto disponível a todas as
crianças e adolescentes usuários da Casa e possui uma série de atividades
supervisionadas por diferentes profissionais dependendo do horário e do dia em
que acontecem. A atividade da brinquedoteca terapêutica acontece de segunda a
sexta-feira no período da manhã e está destinada a crianças de zero a quatro
anos, uma vez que neste o horário as demais crianças e adolescentes estão em
atividades pedagógicas ou em reforço escolar.
Esta atividade recebe supervisão da psicóloga da instituição que possibilita
que as crianças brinquem livremente, porém sempre atenta aos conteúdos das
brincadeiras, auxiliando as crianças em algumas elaborações daquilo que está
sendo produzido por elas, através de brincadeiras em conjunto ou da sugestão de
alguma brincadeira com o objetivo de perceber como a criança está conseguindo
se socializar e se perceber durante o processo de tratamento de sua enfermidade.
É nesta atividade, da brinquedoteca terapêutica, que foi realizado o presente
trabalho.
27
Planta Baixa da Brinquedoteca:
Abaixo, a planta baixa da brinquedoteca onde foram realizadas as
observações utilizadas com a descrição detalhada do lugar de cada brinquedo,
possibilitando que o leitor possa ter melhor clareza do ambiente da brinquedoteca
e das possibilidades que o espaço oferece.
Carrinhos
Bonecas e carrinho de compras
Carro de Bombeiro
Bancada de
Mecânico
Cozinha de Brinquedo
Arara de fantasias
EspelhoArmário
Baú de Fantoches
Fazendinha
Maleta de médico e telefones
Bonecos para bebês
Encaixe educativo
Brinquedo educativo de madeira
Brinquedo de encaixe
Caixas de jogos de regras Brinquedos de montar
In umentos musicais
str
Bonecas e banheiras
Mesa de Atividades
Infantil
Mesa de Atividades
Infantil
Armário
Mesa de Atividades
Adulto
28
d) Análise dos Dados:
Cada sessão da brinquedoteca foi analisada verificando a presença ou não
das duas características do brincar anteriormente colocadas (a passagem da
passividade para a atividade e a troca de papéis) e como elas se desenvolvem
durante as atividades lúdicas de crianças em processo de hospitalização, bem
como as possíveis implicações dessas atividades, dependendo da forma com que
foram realizadas, no prognóstico e no andamento do tratamento dessas crianças
que tiveram acesso a um ambiente lúdico durante seu tratamento.
29
V-
ANÁLISE
Primeira Sessão Análise
23/08/06
Crianças presentes: Carla
Para começar a atividade na
brinquedoteca as estagiárias foram
chamar as crianças presentes e naquele
dia só estava a Carla.
Carla chegou a brinquedoteca um
pouco arredia e, a princípio, recusava
os brinquedos que lhe eram oferecidos,
mas aos poucos, foi ganhando
confiança no ambiente e nas
estagiárias e foi se soltando. Carla foi
se sentindo mais a vontade na
brinquedoteca e começou a aceitar e
brincar com brinquedos que a
principio lhe eram oferecidos.
Iniciou brincando com a boneca,
que havia lhe sido sugerida pela
estagiária, foi brincando de ninar a
boneca e até chegava a tentar imitar a
musica que a estagiária cantava para
que a boneca dormisse.
Nesta primeira sessão com Carla,
pode-se perceber que ela chegou
demonstrando certa agressividade e
desconfiança no ambiente. Foi a partir
do momento em que Carla se sentiu
segura dos objetos e das pessoas
que estavam a sua volta que aquele
espaço pôde se caracterizar para ela
como um lugar seguro em que ela
pudesse agir e se expressar a seu
modo.
Carla passou de uma posição mais
resistente e de reconhecimento de
espaço para um pouco mais aberta,
recebendo as sugestões das
estagiárias quanto às brincadeiras,
mas neste momento ainda não pôde
se mostrar totalmente criativa, embora
se esforçou para imitar as estagiárias
e criar a brincadeira de fazer a
30
Depois de um tempo, Carla viu
uma bola, largou a boneca e foi buscar
a bola, com a qual brincou quase todo
o tempo, até o término da atividade na
brinquedoteca. Carla ficava
escondendo a bola atrás de seu corpo e
dizendo “abo” (acabou) e depois a
mostrava e a jogava, interagindo
pouco a pouco com as estagiárias. A
brincadeira de jogar a bola para as
estagiárias não seguia muito, uma vez
que Carla queria a bola de volta para
ela para que continuasse com a
brincadeira de esconder. Brincava com
as estagiárias para que elas
descobrissem onde estava a bola e
quando as estagiárias diziam algo a
respeito de que a bola estava atrás
dela, Carla dava um sorriso, mostrava
a bola e a jogava novamente.
No final da atividade Carla
estava mais ativa e até comunicativa.
Começou a tentar a falar (Carla
costumava fazer poucas verbalizações)
enquanto guardava os brinquedos e
repetia as frases que eram ditas pelas
estagiárias ao guardar os brinquedos,
como por exemplo, a boneca fica aqui,
vamos guardar a bola, etc.
boneca dormir.
No próximo passo de seu jogo,
pode-se perceber que Carla torna-se
mais ativa frente a sua própria
situação. Carla cria seu próprio jogo.
Ela consegue eleger um objeto que
lhe chama atenção e pode, desta vez
sim, fazer uso dele.
Na brincadeira anterior, Carla estava
se relacionando com o objeto
(boneca), mas não podia, naquele
momento, explorá-la a sua maneira e
usá-la propriamente, pois ainda não
devia estar se sentindo
completamente segura física e
emocionalmente.
Foi quando Carla sentiu-se mais
segura naquele que para ela tornou-
se um espaço potencial de criação e
de vida que ela pôde criar sua própria
brincadeira e se tornou tão mais ativa
que isto se refletiu na maneira como
saiu da brinquedoteca, feliz, sorrindo
e se comunicando com as estagiárias
e com a psicóloga.
A partir da possibilidade de se
expressar de uma maneira que lhe é
31
Ao término no tempo a mãe de
Carla foi buscá-la na brinquedoteca e
esta saiu sorridente e aparentando estar
satisfeita e feliz.
familiar, brincando, Carla pôde liberar
alguns dos sentimentos e tensões que
deveriam estar guardados por conta
de seu adoecimento, diagnóstico e
todo o tratamento que estava
passando, fazendo com que esta
expressão também se desse de
maneira concreta, uma vez que Carla
passou a se comunicar verbalmente e
a se expressar fisicamente de forma
mais alegre e viva.
Segunda Sessão Análise
06/09/06
Crianças presentes: Carla e
Felipe.
Quando as estagiárias se dirigiam
a casa III para pegar as crianças, o
Felipe entrou na sala mostrando que já
havia tomado toda a sua mamadeira e
que, portanto, já poderia ir para a
brinquedoteca. As estagiárias
combinaram que pegariam as outras
Esta segunda sessão já começa de
maneira diferente da primeira. As
duas crianças que participaram da
atividade da brinquedoteca já
estavam prontas para participar da
atividade e dá até a impressão de que
elas escolheram participar desta
atividade naquele dia, uma vez que já
32
crianças e voltariam para nos encontrar
com ele. A Carla já estava esperando no
pátio.
Já na brinquedoteca, cada criança
escolheu um brinquedo e com a ajuda das
estagiarias e da psicóloga começaram as
brincadeiras.
Felipe por sua vez brincou de
maneira mais autônoma, era ele quem
escolhia os brinquedos e chegou até a
“entrar” em uma das brincadeiras
que tinha sido proposta para outra
criança, brincando com os bonecos da
família e colocando-os dentro da casinha
para que dormissem. Felipe ficou
bastante tempo nesta brincadeira e queria
garantir que todos os bonecos entrassem
na casa e tivessem um espaço para dormir
e chegou a se mostrar um pouco irritado
quando não conseguia fazer isto. No final,
acabou apertando alguns bonecos dentro
da casa e conseguiu o que queria.
Depois disso pegou um ursinho e
disse que ele fazia muito coco, tanto que
até fazia na calça, e após brincar um
pouco mais com ele disse que precisaria
levá-lo ao médico por que o ursinho
estava muito doente. Felipe subiu no
carrinho do bombeiro, que neste momento
era uma ambulância, e levou o ursinho
estavam esperando o momento para
se dirigirem ao espaço e começarem
o seu trabalho.
Nesta sessão as duas crianças se
mostraram ativas ao poder escolher
do que iriam brincar e cada uma, já se
sentindo seguras no ambiente e com
os objetos, escolheu os brinquedos
com os quais queria trabalhar sem
dificuldades aparentes.
Apesar de se mostrar autônomo e
seguro de suas escolhas, Felipe se
utilizou de uma brincadeira que havia
sido proposta para a outra criança e
ao que parece já estava em
andamento para se colocar de forma
mais ativa. Após este momento,
entretanto, Felipe parece ter se
envolvido emocionalmente na
brincadeira o que possibilitou que
estes sentimentos fossem expressos
externamente, como quando ficou
bravo por que parecia que os seus
objetos internos, representados pelos
brinquedos, aparentavam não seguir
ou respeitar suas vontades.
Após esta luta entre os aspectos
inconscientes que Felipe queria que
33
para o hospital. Chegando ao hospital
(que era na mesa de atividades infantil) o
próprio Felipe fez o papel de médico e
uma das estagiarias era a mãe do bebê.
Nesta brincadeira Felipe pôde
falar um pouco sobre sua história de
internações e de cirurgias. Durante toda
brincadeira demonstrou-se como um
médico sério e um pouco mandão e falava
sempre que a mãe do bebê não poderia
ficar na mesma sala que o seu bebê,
fazendo até com que a estagiária mudasse
de lugar. Felipe dizia ao bebê que as
injeções iriam doer e que ele (bebê) teria
que ficar bem quietinho senão o médico
não iria deixar mais o bebê ver a mãe
dele. A estagiária fazia a voz do bebê
chorando e Felipe fazia cara ainda mais
séria e dizia que era para o bebê parar de
chorar.
A estagiária, fazendo papel da
mãe do bebê, perguntava se o bebê iria
ficar bem, e Felipe respondeu
primeiramente que não. A estagiária
começou a fingir que estava chorando e
disse estar bastante preocupada com seu
filho. Neste momento Felipe disse que o
bebê iria ficar bom, mas teria que fazer
várias cirurgias.
Felipe começou então a operar o
ficassem contidos dentro de si (da
casinha) e que insistiam em continuar
aparecendo, causando-lhe
aborrecimento, e que, após tanto
trabalho conseguiu que ficassem
onde gostaria, aparentemente, Felipe
decide por outra brincadeira, que, a
meu ver, veio como que denunciar
muitos dos sentimentos e vivências
que Felipe estava guardando dentro
de si e que antes não era possível
expressar.
Felipe começa a realizar então um
jogo que traz como princípio a troca
de papéis. Sendo, neste jogo, o
médico e não mais o paciente, papel
que é obrigado a realizar quase que
diariamente, Felipe consegue
comunicar como está se sentindo em
seu tratamento. Como se sente
cuidado, ou não, pelos médicos e
quais são suas verdadeiras
esperanças de cura de sua
enfermidade.
Felipe elege para o bebê,
representado pelo urso de pelúcia, um
diagnóstico muito parecido com o seu,
e se identifica quase que inteiramente
34
bebê. A cirurgia era bastante demorada e
após o termino desta a estagiária
perguntava se agora o bebê estava bom e
Felipe dizia que ainda não, que teria que
fazer outra cirurgia. Felipe mostrava-se
bastante compenetrado na brincadeira,
principalmente quando realizava a
operação. Após três cirurgias Felipe disse
que o bebê iria ficar bem, mas que teria
que ficar um tempo na UTI para depois
sarar.
Felipe colocou o ursinho em um
dos bancos da mesinha de atividades
(onde seria a UTI) e se dirigiu para
brincar com os carrinhos.
Após uma conversa com a
psicóloga da instituição, ela contou às
estagiárias que antes de chegarem à Casa
Hope, Felipe já havia brincado com outro
bicho de pelúcia e havia feito nele todos
os procedimentos invasivos pelos quais
ele próprio já havia passado.
Carla ficou brincando com a
cozinha e com os objetos de montar e
ficou mais próxima da outra estagiaria.
Ela estava bem à vontade na
brinquedoteca e brincou de maneira
bastante autônoma, diferente da primeira
sessão em que chegou mais desconfiada e
foi se soltando aos poucos.
com o sujeito que tem agora, no papel
de médico, a função de cuidar e até
de curar.
Felipe está nos mostrando desta
maneira, entre outras coisas, quais
são as possibilidades reais de ele se
curar a si próprio de todo o sofrimento
interno, emocional, psíquico que esta
vivência de adoecimento e tratamento
está causando nele.
Felipe nos mostra, portanto sua
possibilidade de cura, de vida, que ele
entende como algo demorado, que vai
exigir muito dele, como exigiu do
médico que ele foi, mas que depois
de muita luta, de muitos cuidados
especiais (representados pela UTI)
ele iria ficar bem e poderia re-
significar esta vivência.
Nesta sessão Carla também estava
bem mais independente e
diferentemente da sessão passada já
iniciou suas atividades se apropriando
do espaço e de maneira bastante
ativa e criativa.
Na brincadeira de fazer comida,
Carla também realizou uma
35
Primeiramente Carla brincou de
fazer “comidinha” para a estagiária e
saía com o carrinho de feira para
comprar os ingredientes de seu almoço.
Colocava todas as frutas e verduras de
plástico que encontrava dentro do
carrinho e dava uma volta com ele pela
brinquedoteca até chegar novamente à
cozinha para preparar o almoço.
Carla colocou todos os
ingredientes dentro da panela, ficava um
tempo mexendo com a colher e
experimentava dizendo que faltava
pimenta. A estagiária pegou um potinho
dizendo que ali tinha pimenta, Carla
pegou o pote, fingiu colocar a pimenta,
experimentou novamente e disse: “agora
está gostoso”. Carla falava com um
pouco de dificuldade, mas se fazia
entender. Depois colocou um pouco do
conteúdo das panelas em um prato e deu
para que a estagiária comesse. A
psicóloga também ganhou um prato e as
três ficaram “almoçando” e dizendo que
a comida estava muito boa.
Depois desta brincadeira, Carla
pegou os objetos de montar e os juntava
em forma de uma guirlanda e colocou em
seu braço dizendo que era sua bolsa e
começou a andar pela brinquedoteca com
brincadeira de faz de conta que leva
em conta a troca de papéis. Carla era
nesta brincadeira muito
provavelmente a mãe que teria que
suprir de carinhos e alimentos os seus
filhos, que nesta sessão foram
representados pela estagiária e a
psicóloga.
Carla agia propriamente como um
adulto, fez compras, produziu o
alimento e foi bastante criativa
quando sentiu falta da pimenta na
comida e posteriormente transformou
um objeto que poderia ter inúmeros
significados em uma bolsa e começou
a agir como uma mulher adulta, uma
mãe. Neste momento Carla estava se
identificando, estava sendo a sua mãe
interna, a mãe que ela gostaria de ter
e que tem internalizada a partir das
suas relações com sua mãe real.
Esta brincadeira de Carla é
importante, pois ela no papel de mãe
conseguiu nos mostrar como ela se
sente ou até como gostaria de se
sentir no papel de filha.
36
o novo adereço. Depois, por sugestão da
estagiária, este adereço virou uma coroa
e depois uma pulseira, mas Carla
agüentou pouco esta brincadeira e
preferiu ficar brincando de destruir as
peças que montava.
As duas crianças ficaram na
brinquedoteca durante todo o período e
saíram quando suas mães chegaram para
levá-los de volta a casa III.
37
Terceira Sessão Análise
13/09/06
Crianças presentes: Caio, Felipe e Vitor.
As estagiárias chegaram a casa e
após se encontrarem com a psicóloga se
dirigiram a casa III para pegarem as
crianças.
Chegando a casa para buscar as
crianças para participarem da atividade
na brinquedoteca a monitora da casa
contou às estagiárias que todas as
crianças pequenas estavam no hospital.
Quem estava na sala de espera da Casa
III era Caio. Ele já tem idade para ir à
escola, mas como estava muito resistente
a psicóloga fez um combinado com ele de
que iria à brinquedoteca somente naquele
dia e que depois voltaria a freqüentar a
escola. Já o Vitor fica na casa IV e tem
sete anos. A mãe dele contou às
estagiárias que ele estava passando mal
naquele dia por causa dos remédios e ao
ser convidado para ir até a brinquedoteca
ele aceitou e demonstrou ter ficado muito
feliz com o convite.
Na brinquedoteca, o Caio
começou a brincar de espada e a matar
todo mundo, enquanto o Vitor colocava
Nesta sessão além da troca de
papéis e de uma construção de
brincar criativo, também pode ser
observada uma grande expressão de
agressividade por parte dos meninos
e em especial em Caio que foi quem
iniciou a brincadeira. Segundo
Winnicott (1979) a criança encontra
no brincar o prazer experimentado
tanto emocional quanto fisicamente e
ao expressar sentimentos como a
agressividade, por exemplo, este
sentimento pode aparecer e ser
elaborado pelo sujeito na brincadeira
sem maiores danos para o meio
externo.
A brincadeira dos meninos começou
de uma maneira mais agressiva,
espaço no qual puderam expressar
seus conteúdos agressivos e que
estavam completamente
adequadamente localizados, uma vez
que era uma briga entre heróis (os
meninos) contra monstros (as
38
uma fantasia de super- herói. Depois
disso, eles começaram a lutar entre si e
brincaram bastante de luta com uma das
estagiárias utilizando os boliches e as
espadas.
Na metade no tempo Felipe
chegou do Hospital. Ele tinha acabado de
fazer a cirurgia para retirar uma tela que
havia sido colocada para facilitar a
cicatrização de sua cirurgia. Ele chegou
bem disposto e conversou sobre o que
acabara de acontecer no hospital. Logo
ele se juntou aos meninos e começaram
todos a vestir fantasias e brincar de
super-heróis, nem as estagiárias
escaparam desta.
A brincadeira de super-herói
acabou se transformando em uma de
médico paciente quando os “heróis”
feriram uma das estagiárias. Neste
momento os três meninos transformaram-
se em doutores, colocaram os
“capacetes” de médico, pegaram as
maletas com os instrumentos médicos e
começaram a fazer uma série de
cirurgias. O Felipe chegou até a “cortar
a barriga” da estagiária e a colocar e
depois a tirar uma telinha da barriga
dela. Os três deram muita injeção e
anestesia nela de maneira bem agressiva
estagiárias). Esta brincadeira
expressa e nos comunica a maneira
com a qual estas crianças conseguem
responder a ataques de situações ou
sentimentos que lhe são
ameaçadores, como uma situação de
tratamento de uma enfermidade, por
exemplo.
Após este momento de elaboração
dos conteúdos internos e
ameaçadores por meio da
agressividade, os meninos
transformaram uma brincadeira que
tinha como essência
predominantemente a morte para uma
brincadeira com um caráter de vida, a
brincadeira de médico paciente.
Os meninos após destruírem o
objeto que lhes causava medo,
sofrimento, puderam agora reconstruí-
lo e resignificá-lo a partir de suas
vivências e de suas possibilidades
internas. E através do mecanismo de
troca de papeis estavam desta vez,
sendo realmente médicos, médicos
de si próprios, curando e tentando
arrumar aquilo que está sendo sentido
como doente e como desarrumado,
39
e dolorida e a estagiária dizia que estava
doendo muito e eles continuavam a dar as
injeções de maneira bem forte. Depois de
tudo isso eles disseram que ela iria se
curar.
Após este momento Felipe disse
que ele seria o paciente, entrou no baú de
brinquedos que dizia ser a UTI, fechou a
tampa do baú e ficou lá dentro por um
tempo. Depois saiu sorridente e meio
saltitante dizendo: “pronto, agora eu vou
ficar bom”.
Quando o tempo já havia se
esgotado, ajudaram-nos a guardar os
brinquedos e voltaram com as suas mães.
Somente o Carlos não quis nos ajudar e
ainda saiu da brinquedoteca sozinho e foi
para a casa III.
como todos os sentimentos de
impotência que sentem durante uma
internação, por exemplo.
Neste momento, as crianças
estavam ativas, sendo elas próprias
autoras de suas histórias e de seus
futuros e ao mesmo tempo em que
estavam se curando, através deste
gesto de reparação ao objeto que
antes destruíam, estavam podendo
comunicar a maneira como sentem de
maneira dolorosa todos os
procedimentos invasivos pelos quais
têm que passar durante o tratamento
e que sentem como se não tivessem
voz nem lugar para expressar este
sentimento, uma vez que durante a
brincadeira continuaram a “aplicar as
injeções e anestesias de forma bem
dolorida mesmo quando a estagiária,
que era o paciente, apontou que
estava doendo.
A última parte desta sessão parece-
me bastante significativa, uma vez
que Felipe conseguiu expressar uma
possibilidade de cura e de vida no
meio de vivências tão dolorosas e
sem esperança que estava vivendo.
40
Quarta Sessão Análise
11/10/2006
Crianças presentes: Carla e Ana Cristina.
As estagiárias foram pegar as
crianças na casa III junto com a
psicóloga.
As duas crianças estavam
dispostas a ficar na brinquedoteca,
embora a mãe da Ana Cristina insistisse
que ela não ficaria.
Ao chegar à brinquedoteca, cada
uma já procurou os brinquedos que mais
as interessava. A Ana Cristina quis a
maleta de maquiagem e começou a
maquiar a si própria e as estagiarias.
Seguiu com esta brincadeira por bastante
tempo. Cada vez que se maquiava Ana
Cristina se dirigia até o espelho para ver
como tinha ficado e pedia que as
estagiárias fizessem a mesma coisa.
Depois de ter se maquiado Ana Cristina
foi até a arara de fantasias e escolheu
uma bolsa com a qual ficou o resto do
período em que esteve na brinquedoteca.
A Carla escolheu os instrumentos
musicais e ficou sentada tocando cada um
deles. A Ana Cristina demonstrou gostar
Nesta sessão, embora cada criança
tenha escolhido inicialmente um tipo
de brincadeira que mais lhe
interessava houve uma interação
entre as crianças durante as
brincadeiras, fato que foi pouco
observado durante este trabalho,
talvez por conta da maioria das
crianças ainda serem pequenas.
O fato é que, nesta sessão, o
ambiente lúdico e as brincadeiras que
foram surgindo espontaneamente
favoreceram a relação social entre as
crianças, possibilitando que, no seu
fazer criativo, elas pudessem ir além
da disputa pelo objeto. Elas agora
estavam conseguindo usar este
objeto e usá-lo em conjunto,
distribuindo funções a cada uma
durante a brincadeira, enquanto uma
tocava a outra dançava, embora
nenhuma estivesse interferindo na
brincadeira da outra elas conseguiam
se integrar na mesma brincadeira.
41
muito de musica e depois que havia
terminado a sua brincadeira com a
maquiagem ficava cantando e batendo
palma o tempo todo, embora não fale
direito ainda. Enquanto a Carla ficava
brincando com os instrumentos musicais a
Ana Cristina ficava dançando e emitindo
sons que acompanhavam o que Carla
fazia.
Foi a primeira vez que a Carla
veio a brinquedoteca com as estagiárias
depois da cirurgia para retirada do
segundo olho por conta de seu
diagnóstico de retinoblastoma. Durante
todo o trajeto até a brinquedoteca, ela
veio sentindo o caminho com a ajuda de
uma estagiária que sinalizava pra ela o
que iria encontrar pela frente.
Dentro da brinquedoteca foi a
mesma coisa. Ela foi re-descobrindo cada
brinquedo e gostou muito de brincar com
os instrumentos musicais. Ela estava
calma e ficou brincando sentada com uma
das estagiarias, não se incomodou com a
presença da outra criança,
comportamento comum antes de realizar
a segunda cirurgia. Ela foi se soltando
aos poucos, mas só no final desta sessão
começou a falar com as estagiarias e a
Ana Cristina demonstrou maior
facilidade em se integrar com a Carla
e com as estagiárias em sua
brincadeira e as incluiu desde o
primeiro instante.
Carla por sua vez estava um pouco
mais introspectiva, pelo fato de sua
cirurgia de retirada do olho esquerdo,
estava muito mais voltada para seu
interior e ficava “tateando” o ambiente
e os objetos a seu redor como se
quisesse ter certeza de que podia
confiar neste novo mundo que se
colocava diante dela por conta de sua
nova condição (de não mais
enxergar).
Como na primeira sessão Carla
precisa novamente se sentir segura
neste espaço, que para ela é mais
uma vez uma novidade. Precisa se
sentir segura para criar dentro deste
espaço e precisa descobrir
novamente as possibilidades do
mesmo, para saber até onde pode ir
sem maiores danos para si
internamente.
Apesar de tudo isso, Carla estava
42
psicóloga e a comentar o que estava
fazendo, que ia tocar o chocalho forte,
que ia tocar “devagarzinho” e assim foi
até o término da sessão.
mais sociável e no final, semelhante
ao que aconteceu na primeira sessão,
pôde começar a se expressar
verbalmente, colocando naquele lugar
as suas vontades, a sua marca,
podendo passar de uma atitude uma
pouco mais introspectiva e passiva
para uma um pouco mais ativa.
Quinta Sessão Análise
18/10/06
Crianças presentes: Carla
Quando as estagiárias foram
buscar as crianças só havia a Carla,
todas as outras tinham ido aos hospitais.
Levamo-la para a brinquedoteca, sempre
descrevendo o caminho, pois ela não
enxerga, devido à cirurgia de retirada dos
olhos por que passou recentemente,
conseqüência do retinoblastoma.
Ela estava alegre e disposta a
brincar, porém não falava, fazendo com
que as estagiárias lhe dessem os
brinquedos. Carla chegou trazendo uma
Esta sessão pode ser vista como
continuação da anterior no que diz
respeito ao desenvolvimento da
segurança e atividade de Carla após
a sua segunda cirurgia.
Carla chegou a brinquedoteca mais
disposta, mais ativa. Embora tenha
sido preciso um primeiro contato com
as estagiárias até que Carla se
soltasse após este período de
adaptação Carla brincou ativa e
criativamente.
43
boneca, então lhe foi oferecida outra
boneca, que ela pegou, analisou com as
mãos, e resolveu tirar sua roupa, e então
colocá-la de volta, gesto que repetiu
algumas vezes. Fez tudo sem ajuda,
apenas com algumas instruções.
Quando parou de brincar com a
boneca lhe foi dado a guitarra e os
chocalhos. Quando terminou de
“conhecê-los” com as mãos quis tocar, e
foi acompanhada pelas estagiárias, que
tocavam junto com ela, parando quando
ela parava e reiniciando quando ela
reiniciava, Carla pareceu gostar de
comandar a atividade.
No final da sessão Carla ajudou
de boa vontade a guardar os brinquedos
com apenas um pedido. Neste dia ela se
mostrou calma, disposta, concentrada, e
as estagiárias consideraram sua
participação na brinquedoteca excelente,
especialmente levando em conta as
sessões anteriores.
Sua mãe foi buscá-la e ela falou
que ia “papar” e quando saiu falou
“tchau” para as estagiárias diversas
vezes.
Nesta sessão fica bem claro o que
Winnicott diz sobre o brincar criativo.
É apenas quando a criança consegue
sentir segurança no ambiente em que
está se relacionando, segurança esta
que foi construída através das
primeiras relações com a figura
materna, que ela consegue agir no
mundo e se expressar de uma
maneira que lhe é própria, criativa e é
nesta criatividade que a criança
encontra saúde, vida.
Na criatividade, no seu fazer
criativo, a criança vivencia um
momento de prazer por estar ativa,
produzindo, no comando da situação,
como o sentimento sentido por Carla
quando as estagiárias começaram a
segui-la em sua brincadeira, mas
deixando com que ela ficasse no
comando. Em um ambiente de
hospitalização isto é ainda mais
importante.
44
Sexta Sessão Análise
01/11/06
Crianças presentes: Ana Cristina, Paulo e
Carla
Ao chegar a Casa Hope, as
estagiárias foram buscar as crianças que
estava na casa III, a Ana Cristina e o
Paulo. Depois chegou a Camila com a
psicóloga.
As crianças ficaram brincando
praticamente individualmente ou com as
estagiárias e a psicóloga, com algumas
interações entre elas. A Carla ficou mais
isolada, estava bem sozinha explorando
os brinquedos com as mãos e brincando
bastante com as bonecas, eventualmente
tentava falar alguma coisa. No fim não
quis ajudar a guardar os brinquedos e
chorou muito quando sua mãe foi buscá-
la, pois não queria ir embora.
O Paulo e a Ana Cristina
brincaram mais ativamente e interagiram
mais. Brincaram bastante com o carro de
bombeiro, com carrinhos, com o piano e
com as casinhas e fazendinhas.
Foi o Paulo quem ficou a maior
Nesta sessão pode-se perceber
que o conceito atividade estava bem
presente, exceto no que diz respeito a
participação de Carla.
Carla estava mais quieta e
introspectiva e isto pode representar
seu estado naquele momento. Carla
está em uma fase de redescobertas
do mundo, está mais introspectiva e
seus pensamentos ficam mais
internalizados. Carla está pouco
comunicativa talvez pelo fato de que
seu meio de contato e conhecimento
do mundo tenha se restringido ao
tato, e levando-se em consideração
isto, Carla estava bem ativa com os
recursos que lhe são possíveis. Carla
tateou todos os brinquedos que teve
acesso e está começando a se
relacionar com o mundo desta
maneira como se fosse a primeira vez
que o faz, e de fato o é. Segundo a
45
parte do tempo com o carro de bombeiro
e ficava dando várias voltas pela
brinquedoteca. Ana Cristina também
queria brincar com o brinquedo, mas
Paulo não quis emprestá-lo a colega. Ana
Cristina, então, pegou os outros carrinhos
e começou a brincar com eles,
interagindo com o seu colega bombeiro e
os dois diziam estar passeando, ora até o
zoológico, ora para o supermercado, ora
para o parque.
Depois disso Paulo estacionou seu
carro e disse que iria tocar um pouco te
piano. Enquanto Paulo “tocava” piano
Ana Cristina ficava ao lado dele cantando
e batendo palmas no ritmo da música.
Depois de um tempo Paulo também
começou a cantar algumas músicas e eles
seguiram bastante tempo nesta
brincadeira conjunta.
Depois foi a vez de Ana Cristina
sugerir uma brincadeira. Ela pegou as
fazendinhas e começou a brincar com os
animais. Paulo também se interessou pela
brincadeira e quis pegar alguns animais
de Ana Cristina. Foi preciso que as
estagiárias interviessem para que eles
conseguissem dividir os animais e
continuarem a brincadeira. A brincadeira
com a fazendinha consistia basicamente
teoria de Winnicott, Carla se encontra
na fase anterior a qual o uso de objeto
é possível. Carla está (novamente) na
fase do relacionamento do objeto,
mas desta vez está se relacionando
com seus objetos internos de maneira
diferente do que aconteceu quando
era menor. Assim que Carla conseguir
se relacionar com este objeto e
passar pelas fases de destruí-lo para
depois confiar neste objeto por ter
sobrevivido a seus ataques ela
poderá usá-lo propriamente dito e
assim estenderá seu uso, suas
identificações e suas expressões
através de seu agir criativo que lhe
será possível em um ambiente
possibilitador de tais ações como o é
a brinquedoteca em questão.
Paulo e Ana Cristina estavam se
apropriando de suas possibilidades de
criação e brincaram de maneira
bastante ativa e criativa, conseguindo
expressar suas vontades e os
conteúdos que precisavam ser melhor
elaborados durante a atividade lúdica
como foi o caso de Paulo com a
questão da figura materna.
Paulo mostrou seu medo de ficar
46
em colocar os animais para dormir, mas
Paulo dizia quem era a mamãe e quem
era o filhinho e sempre colocava o
filhinho perto da mamãe, pois dizia que se
não fizesse isso o filhinho ia chorar muito,
por que gostava de ficar bem pertinho de
sua mamãe.
O Paulo falava bastante e exigia
atenção para o que estava fazendo. A Ana
Cristina somente às vezes chamava, mas
se integrava bem nas brincadeiras que
eram propostas por seus colegas e
começava a dançar com qualquer musica
que ouvia.
sem sua figura de segurança, ainda
mais no contexto em que está
vivendo, ao projetar nos animais um
medo que é seu, ficar sem sua mãe,
seu objeto seguro e sentir-se
extremamente ameaçado pelo mundo
em que vive. Paulo fez questão que
cada animal tivesse sua figura
materna, querendo garantir que ele
próprio também tinha esta figura de
proteção e segurança, mesmo que
seja apenas em seu mundo interno,
mas isso já é bastante saudável, uma
vez que ele possui elementos dentro
de si que podem dar conta das
ameaças vividas tanto interna quanto
externamente, concretizada pela
enfermidade.
47
Sétima Sessão Análise
08/11/2006
Crianças presentes: Paulo.
Quando as estagiárias
chegaram a Casa para pegar as crianças
para irem até a brinquedoteca
perceberam que Paulo já estava as
esperando para a atividade, e não quis
nem terminar de tomar seu lanche.
Logo que chegou a brinquedoteca,
como fez na sessão anterior (mas por
algum motivo não está relatado), pediu
que as estagiárias pegassem uma casinha
para que ele pusesse em cima da mesinha
de atividade, o interessante é que ele não
brinca com a casinha, apenas pega e a
deixa perto dele para que ele possa
começar suas brincadeiras.
Paulo interagiu bastante com as
estagiárias e com a psicóloga e brincou
de carrinho, fazendinha e instrumentos
musicais, mais ou menos como havia
brincado na sessão anterior.
Primeiramente pegou o carro de
bombeiros e começou a fazer entregas
com as frutas e legumes que estavam no
carrinho de supermercado. Perguntava
Acho que o tema que chama mais
atenção nesta sessão é o fato novo
que Paulo só consegue começar a
brincar quando o brinquedo em forma
de uma casinha é colocado a seu
alcance, em lugar em que ele tem
acesso e pode controlar o que está
acontecendo com este objeto.
O fato de este objeto ser uma
casinha é muito significativo. Paulo
está nos comunicando com seu
pedido que precisa se sentir seguro,
com a presença de um ambiente que
lhe é familiar (a casa) para que possa
falar de temas que lhe são
assustadores e ameaçadores , como
a ausência da mãe e até a morte,
representado pelo filhinho que se
perde e pela mãe preocupada, fato
que o desespera tanto que não
consegue continuar a brincar até que
se ache o objeto que então era dado
como perdido.
48
para as estagiárias e para a psicóloga o
que elas queriam para comer e depois
saía distribuindo os pedidos, “dirigindo”
seu carro de maneira bastante rápida.
Depois Paulo estacionou o carro
em frente ao piano e disse ter que
descansar, pois estava bastante cansado.
Paulo sentou no banco do pianinho e
começou a tocar. Neste momento as
estagiárias pegaram os chocalhos e
começaram a acompanhar Paulo em sua
música. Paulo tocou umas quatro músicas
acompanhado das estagiárias e da
psicóloga até parar e partir para outra
brincadeira.
Quase no final da sessão Paulo
pediu que s estagiárias pegassem uma das
fazendinhas que havia sido guardada em
uma prateleira no alto que ele não
alcançava enquanto ele pegava a outra que
estava no seu alcance. Quando pegou a
fazendinha que estava no alto percebeu
que um dos animais (a galinha) não estava
lá e ficou desesperado achando que o
objeto havia se perdido. Na brincadeira da
sessão anterior Paulo tinha dito que a
ovelha era a mamãe da galinha e então
disse que a ovelha estaria muito
preocupada, pois seu filhinho havia
sumido. Depois de procurar um pouco
O tema da morte se faz presente
em um ambiente de adoecimento e as
fantasias criadas em cima do mesmo
podem ser aterrorizadoras. Um
ambiente como a brinquedoteca
possibilita que temas como estes
possam emergir para serem
trabalhados com a criança na própria
sessão da brinquedoteca ou
individualmente.
Antes do acontecimento da perda
do animal, no entanto, Paulo se
mostrou bastante ativo em suas
brincadeiras e conseguiu interagir
com as estagiárias e a psicóloga,
mostrando-se bastante integrado
internamente e com vastas
possibilidades de sociabilização.
49
achou a galinha dentro da outra
fazendinha e ficou bem mais aliviado e
conseguiu continuar a sua brincadeira de
colocar todos os animais para dormir.
50
VI-
DISCUSSÃO
Em todas as sessões apresentadas pôde-se perceber uma maior atividade
por parte das crianças durante as atividades lúdicas. Por mais que iniciassem a
sessão de uma maneira uma pouco mais introspectiva e passiva, como foi o caso
de Carla nas primeiras sessões, elas iam se soltando à medida que as
brincadeiras iam progredindo e podiam até construir elas próprias suas
brincadeiras de maneira ativa e criativa.
Em geral durante o tratamento o sujeito tem poucas possibilidades de se
mostrar da maneira como é, de ser ativo e de comandar situações. Em um período
de tratamento hospitalar o sujeito acaba ficando mais passivo (paciente) e
dependente de outras pessoas. Um ambiente que lhe proporcione se expressar,
comunicar e agir está proporcionado-lhe vida, possibilidade de cura e de volta a
experiências que tinha antes do aparecimento de dada enfermidade. E o que pôde
ser observado é que o ambiente da brinquedoteca terapêutica da Casa Hope
proporcionou este tipo de ação às crianças participantes desta atividade,
permitindo-lhes uma maior comunicação dos assuntos referentes a sua
enfermidade possibilitando sua expressão e elaboração.
Um momento muito significativo de elaboração de conteúdos referentes à
enfermidade e que se mostraram a partir das observações deste trabalho foi
quando Felipe se colocou no lugar de médico e tratou de um “bebê” cujo
prognóstico parecia ser muito difícil, mas no final o tratamento foi bem sucedido.
Esta troca de papéis proporcionada pela brincadeira possibilitou que Felipe
entrasse em contato com conteúdos de seu próprio adoecimento e das fantasias
que ele havia criado em função desta enfermidade.
51
É através da troca de papéis, e às vezes só é possível por meio dela, que
as crianças conseguem nos comunicar como se sentem e quais são suas
angústias frente a determinado assunto ou a determinada vivência, e cada
sentimento é diferente para cada criança em cada contexto, por isso é importante
que elas possam ter acesso a espaços e instrumentos que as possibilitam
expressar esta linguagem que lhes é própria e se caracteriza como um facilitador
para elaboração de seus conteúdos internos.
O caso de Carla foi bastante significativo, pois foi possível observar seu
desenvolvimento emocional a partir das atividades lúdicas antes da cirurgia para a
retirada do segundo olho em decorrência de seu diagnóstico de retinoblastoma e
após esta cirurgia.
Carla apresentou mudanças significativas quanto a sua maneira de brincar
e estar no ambiente durante as cinco sessões em que esteve na brinquedoteca.
No início Carla estava mais passiva em relação ao ambiente e às suas próprias
possibilidades frente ao mesmo, a sua enfermidade e a sua própria vida. Com o
passar das sessões, e principalmente após a realização da cirurgia, Carla
mostrou-se mais ativa frente aos objetos, explorando-os a sua maneira e
conseguindo expressar mais suas angústias e suas vontades frente a seu
processo de adoecimento.
Além de Carla, a maioria das crianças observadas apresentou maior
atividade no decorrer das sessões e puderam brincar de forma bastante criativa,
utilizando instrumentos para a elaboração dos sentimentos evocados pela
atividade lúdica, como a troca de papéis.
52
VII-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início deste trabalho propôs-se observar e verificar se o uso de
elementos lúdicos dentro de um contexto de adoecimento traria alguma implicação
no desenvolvimento das crianças enfermas e até em seu prognóstico.
A partir de pesquisas teóricas pôde-se perceber a importância do elemento
lúdico para a constituição do sujeito e para suas futuras relações com o mundo
compartilhado. O brincar se constitui como uma linguagem própria da criança,
através da qual pode expressar seus sentimentos se comunicar e se fazer ouvir, a
linguagem do brincar entra para a criança no lugar da fala e por isso que se faz
tão importante deixar que a criança brinque, isto é que a criança fale sobre o que
está acontecendo com ela, principalmente durante o processo de tratamento de
uma enfermidade.
A introdução de um elemento familiar da criança e constituinte de sua
subjetividade possibilita que ela construa instrumentos que lhe são próprios para o
atravessamento deste momento de crise em sua vida a partir do uso do ambiente
lúdico como facilitador da elaboração dos sentimentos envolvidos em um
adoecimento. Este propicia que a criança tenha uma maior autonomia sobre os
seus sentimentos e o que está acontecendo com ela, tornando-se assim mais
ativa durante o processo de tratamento de sua enfermidade.
Esta maior atividade pôde ser observada pelos resultados e a partir das
análises feitas sobre os mesmos. Após um período no ambiente da brinquedoteca
as crianças puderam se expressar, cada uma a seu modo, e contar um pouco
como estavam significando este momento de crise em suas vidas a partir das
brincadeiras criadas e das relações com o ambiente da brinquedoteca e seus
colegas.
53
A passagem da passividade para a atividade e a troca de papéis foi
bastante observada e se constituíram como características do brincar de suma
importância para a expressão de sentimentos dolorosos e não elaborados. Estas
duas características são elementos bastante familiares do mundo infantil e,
portanto são bastante utilizadas por eles durante o brincar.
Busca-se, com o trabalho com brinquedotecas em contexto de
adoecimento, contribuir para um momento criativo e minimamente prazeroso da
criança durante seu processo de tratamento, onde ela tenha um espaço
assegurado no qual possa revelar a sua natureza saudável, procurando novas
formas de enfrentamento dos conteúdos que neste momento emergem.
O ambiente hospitalar e de tratamento é originalmente vivido pela criança
como um lugar de separação e reclusão. A possibilidade de ser ressignificado pela
criança se dá através do brincar, situação na qual ela pode continuar a ser criança
e não apenas paciente que é obrigada, na dor, a fazer o que não quer ou a ser
submetida ao que não escolheu.
A identificação da criança com seu universo próprio, proporcionada pela
brinquedoteca, afasta a condição de exclusão que é vivida pela hospitalização e
abre a possibilidade para que sua infância possa ser reinventada, a seu modo,
desde que seja oferecido a possibilidade de ter acesso a seu elemento de
linguagem mais familiar e elementar: o brincar.
54
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WINNICOTT, D. W (1982)-A Criança e o seu Mundo. Rio de Janeiro, Guanabara,
Ed. Koogan.
56
ANEXO A
Termo de compromisso do pesquisador _______________________________________________________________ Pesquisa: “O Brincar no contexto do adoecimento e suas implicações na
melhora das crianças”.
Os pesquisadores, abaixo assinados, se comprometem a :
• Atender os deveres institucionais básicos da honestidade, sinceridade, competência, da discrição.
• Pesquisar adequada e independente, além de buscar aprimorar e promover o respeito à sua profissão.
• Não fazer pesquisas que possam causar riscos não justificados às pessoas envolvidas;
• Não converter recursos públicos em benefícios pessoais; • Não prejudicar seriamente o meio ambiente ou conter erros previsíveis ou
evitáveis; • Excluir a possibilidade de engano injustificado, influência indevida e
intimidação; • Não violar as normas do Termo de Compromissos de Utilização de Dados.
São Paulo,.......... de ............................ de............. __________________ ________________________ (Pesquisadora) (Orientadora)
57
ANEXO B
Termo de Consentimento da Instituição _____________________________________________________________ Aos responsáveis pela Associação Pró-Hope. Prezados Srs, Venho solicitar autorização para realização de pesquisa utilizando dados dos prontuários das crianças que participaram da Brinquedoteca Terapêutica desta Instituição. Devido à impossibilidade de obtenção do Consentimento Informado de todos os pacientes, será utilizado um Termo de Compromisso de Utilização de Dados que será preenchido por todos os pesquisadores e colaboradores envolvidos na manipulação destes dados. Todas as pessoas, pesquisadores ou colaboradores, deverão se comprometer com a manutenção da privacidade e com a confidencialidade dos dados utilizados, preservando o anonimato dos pacientes. Os dados obtidos somente serão utilizados para o projeto ao qual se vinculam. Temos ciência de que todo e qualquer outro uso que venha ser planejado deverá ser objeto de novo projeto de pesquisa, que deverá ser submetido à apreciação da Comissão de Pesquisa e Ética.
São Paulo,.......... de ............................ de............. ___________________ ______________________ (Pesquisadora) (Orientadora)
58
ANEXO C
Termo de Compromisso para Utilização de Dados
_______________________________________________________________ Pesquisa: “O Brincar no Contexto do Adoecimento e suas Implicações na Melhora das Crianças”. Os pesquisadores do presente projeto se comprometem a preservar a privacidade dos pacientes cujos dados serão coletados em prontuários e bases de dados referentes a Brinquedoteca Terapêutica da Associação Pró-Hope. Concordam, igualmente, que estas informações serão utilizadas única e exclusivamente para execução do presente projeto. As informações somente poderão ser divulgadas de forma anônima. São Paulo, ___ de ___________ de 2007. ___________________ _______________________ (Pesquisadora) (Orientadora)