o desenvolvimento sócio - económico e a...

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António Sousa Gomes O desenvolvimento sócio - económico e a Educação O progresso social a desencadear num processo de desenvolvimento não é possível sem a existência de um esforço educacional que permita reconverter as estruturas men- tais e o próprio quadro das instituições. Por isso, se justifica uma tentativa para locali- zar, embora sumariamente, os obstáculos do- minantes do nosso sistema de ensino, em ordem a torná-lo apto para uma transforma- ção socio-cultural. I A educação e a promoção do desenvolvimento 1. Num processo de desenvolvimento, entendido este como fenómeno global, não só económico e social, mas de âmbito estru- tural, implicando profundas transformações socio-culturais e até institucionais, a educação é chamada a tarefas de fundamental re- levância. Para se avaliar a importância dessas tarefas interessa ter pre- sente o significado e a dimensão hoje atribuídos ao fenómeno que se designa por desenvolvimento. Com efeito, e utilizando a defini- ção de F. PERROUX, «O desenvolvimento é a combinação das trans- formações mentais e sociais de uma população que a tornam apta a fazer crescer cumulativamente e de uma forma durável o seu produto real global» 1. O desenvolvimento deixou de estar associado à simples ideia de crescimento económico, para passar a integrar a transformação sócio-cultural como factor essencial no progresso global e harmónico das comunidades humanas. A condição mestra do crescimento cumulativo e durável, numa 1 F. PERROUX. «La notion de développement», in l'economie du XXème siècle. Ed. P.U.F. Paris, 1961. 652

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AntónioSousa

Gomes

O desenvolvimentosócio - económicoe a Educação

O progresso social a desencadear numprocesso de desenvolvimento não é possívelsem a existência de um esforço educacionalque permita reconverter as estruturas men-tais e o próprio quadro das instituições. Porisso, se justifica uma tentativa para locali-zar, embora sumariamente, os obstáculos do-minantes do nosso sistema de ensino, emordem a torná-lo apto para uma transforma-ção socio-cultural.

I — A educação e a promoção do desenvolvimento

1. Num processo de desenvolvimento, entendido este comofenómeno global, não só económico e social, mas de âmbito estru-tural, implicando profundas transformações socio-culturais e atéinstitucionais, a educação é chamada a tarefas de fundamental re-levância.

Para se avaliar a importância dessas tarefas interessa ter pre-sente o significado e a dimensão hoje atribuídos ao fenómeno quese designa por desenvolvimento. Com efeito, e utilizando a defini-ção de F. PERROUX, «O desenvolvimento é a combinação das trans-formações mentais e sociais de uma população que a tornam aptaa fazer crescer cumulativamente e de uma forma durável o seuproduto real global» 1. O desenvolvimento deixou de estar associadoà simples ideia de crescimento económico, para passar a integrara transformação sócio-cultural como factor essencial no progressoglobal e harmónico das comunidades humanas.

A condição mestra do crescimento cumulativo e durável, numa1 F. PERROUX. «La notion de développement», in l'economie du XXème

siècle. Ed. P.U.F. Paris, 1961.

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economia racional do desenvolvimento, é o despertar do meio hu-mano de uma comunidade para um nível de aspirações mais exi-gentes. A tensão entre um estado desejado e uma situação reali-zada constitui o primeiro elemento motor do desenvolvimento. Oraé evidente que a educação assume uma função insubstituível, querna formação objectiva do grupo de aspirações, quer na constru-ção mental das novas formas de acção.

Os quadros mentais, as atitudes, o próprio ambiente institu-cional de uma comunidade assente na tradição e hermetismo nãopodem ser transformados e consentir o processo evolutivo impostopelo desenvolvimento sem que existam as bases humanas forne-cidas pela educação. Por outro lado, os objectivos principais a atin-gir numa população desperta para um novo nível de aspirações sãoo aumento da propensão a inovar, e da capacidade de vencer osdesequilíbrios produtivos de uma economia dominada. Também aquise compreende o papel desempenhado pela educação enquanto fac-tor de transformação da mentalidade social, capaz por si só devencer a natural impotência perante as novas tarefas a realizar.

2. Os aspectos globais e institucionais do desenvolvimentoconstituem, portanto, um contexto adentro do qual se exigem hojeda educação múltiplas tarefas que não podem já confinar-se aosseus tradicionais limites.

Numa breve análise das finalidades da educação convém notarque esta tem, como primeira finalidade, a formação da personali-dade humana. Ora é precisamente através dessa sua actuação fun-damental que a educação atinge as finalidades mais vastas de re-conversão da estrutura sócio-cultural. É, por isso, importante nãolimitar a educação, no sentido de esforço consciente na construçãoda personalidade de cada homem, ao ensino ministrado por umaforma sistematizada, que podemos identificar com a transmissãosocialmente organizada de estabelecer cultura. Com efeito, a edu-cação não pode ignorar, por um lado, o ensino feito pelas própriasestruturas sociais e pelo meio ambiente, veículos transmissores dacultura, e, por outro, a formação adquirida por reflexão própriasobre os dados apreendidos na experiência (em confronto ou nãocom os dados ensinados), que constitui o esforço pessoal de elabo-ração de cultura. É nesta dimensão mais ampla que devem ser en-tendidas as inter-acções e dependências entre a educação e o pro-gresso social.

A educação apresenta-se, ela própria, como um fenómeno so-cial complexo que não pode ser reduzido a esquemas racionais des-ligados dos múltiplos vínculos que o unem à realidade social. È, pelocontrário, a partir desta que devem ser definidas e concretizadasprioritariamente as tarefas genéricas que lhe cabem perante odesenvolvimento. Estas podem enunciar-se, em termos abstractos,como sendo:

658

— dar a cada homem, para lá da formação da sua personali-dade, uma capacidade específica de colaborar e trabalharna vida da comunidade;

— fornecer as bases de uma consciência social, de modo quecada homem possa escolher livremente, mas em função dosinteresses da colectividade, as formas de actuação maisúteis;

— preparar os homens para dar resposta aos problemas doseu tempo.

3. A importância assumida pela educação na promoção dodesenvolvimento económico é hoje testemunhada pela atenção quelhe é concedida universalmente. As inúmeras obras consagradasaos problemas da educação e do desenvolvimento apresentam-nosuma verdadeira «economia da educação», com todas as suas impli-cações no crescimento económico e no progresso social das comu-nidades.

Também a ideia de que o crescimento económico é simultanea-mente motor e consequência do desenvolvimento da educação entroujá definitivamente em todos os esquemas da planificação econó-mica. Quer considerada como um consumo (que aumenta com amelhoria da situação económica), quer tomada como um investi-mento (porque é necessária mão-de-obra extremamente qualificadapara o funcionamento dás modernas sociedades industriais), a edu-cação ou, se quisermos, o ensino, é hoje objecto de aturado es-tudo.

São, no entanto, os aspectos sociológicos e os de ordem pedagó-gica que ultimamente têm sido analisados com mais cuidado porparte da investigação social, já que começam a ser conhecidas asdependências que nesses domínios limitam ainda a educação.

Por todos estes factos, actualmente todos os países dedicamatenção especial aos problemas relacionados com a educação. Éconhecido o interesse que, mesmo entre nós, tem sido concedido ulti-mamente ao problema2.

Neste contexto, é portanto ocioso encarecer a importância quea educação assume hoje perante a promoção do desenvolvimento.Cremos, no entanto, útil tentar apresentar o problema nas suasimplicações concretas no caso português. Mas, sendo forçosa a deli-mitação do tema a alguns aspectos, pareceu-nos de interesse focar

2 O Ministério da Educação Nacional encontra-se empenhado na ela-boração do Estatuto da Educação Nacional (ao mesmo tempo que se encon-tram em curso os trabalhos de planificação quantitativa e qualitativa daacção educativa, sendo sobejamente conhecidos os textos (discurso de 7/5/68e comunicação de 335/7/68) em que o Ministro da Educação Nacional definiuas preocupações actuais do seu departamento sobre o assunto.

Recentemente, também a Assembleia Nacional se ocupou do problemada Educação Nacional, ao discutir um aviso prévio do deputado Nunes deOliveira (cfr. Diário das Sessões, de 22/1/64- a 6/2/64).

654

essencialmente o papel da educação, dentro do esforço global dedesenvolvimento, no que se refere à transformação sócio-culturale ao fomento do crescimento económico.

II — A transformação sócio-cultural

4. O progresso social, a desencadear num processo de desen-volvimento, não é possível sem a existência de um esforço educa-cional que permita reconverter as estruturas mentais e o quadroinstitucional da sociedade tradicional.

É essa, como vimos, uma das tarefas essenciais a que a educa-ção é hoje chamada. !É que, nas comunidades onde o grau deinstrução e cultura é baixo, o comportamento dos indivíduos é re-gido pela tradição e o horizonte de aspirações é extremamente li-mitado. Isso explica as resistências humanas que são opostas a todoe qualquer esforço de mutação ou reconversão nas sociedades nãodesenvolvidas.

Além disso, se uma população ou uma comunidade humana édespertada para um nível de aspirações mais elevado sem que para-lelamente lhe sejam fornecidas melhores condições educacionais,isso conduz a situações não evolutivas, quando não a tensões sociais,que só podem ser nocivas à reconversão mental e institucional quese pretende realizar. A concretização das aspirações desejadas, acapacidade de inovação, a implantação de uma estrutura social quepermita a difusão do progresso só se conseguirão como resultadode uma educação no sentido global atrás referido.

A acção da educação sobre o meio social traduzir-se-á por umcerto número de fenómenos sociais verificados tanto ao nível indi-vidual, como no quadro das instituições. Dentre eles parece-nosde interesse destacar:

— a urbanização progressiva do espaço social, com a migraçãopara a cidade de grandes volumes populacionais do meiorural;

— a comunicação social, assente na difusão dos meios de infor-mação, do acesso generalizado à cultura, e da participaçãona vida da sociedade;

— a socialização sob múltiplas formas de extensos sectoresda vida da comunidade, com os consequentes benefícios nautilização geral dos bens essenciais;

— a mobilidade social, fruto das transformações verificadasno estatuto social, e das próprias exigências da vida pro-dutiva em constante transformação.

O principal efeito educacional será, contudo, o grau de for-mação humana e social transmitido aos membros das novas gera-

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ções e que irá traduzir-se fundamentalmente numa nova atitudemental face ao progresso.

É, no entanto, mais fácil reconhecer os entraves postos pelaestrutura social à educação, do que medir os efeitos desta na estru-tura social. Sempre que o sistema educacional não está conce-bido de uma forma dinâmica, preparada para romper os deter-minismos da estrutura sócio-cultural vigente, é esta que dominatoda a acção educativa reproduzindo nela as suas característicasdominantes.

Por essa razão, a primeira actuação sobre o sistema educa-cional, em ordem a tomá-lo apto às tarefas necessárias num pro-cesso de desenvolvimento, é a detecção dos condicionamentos sociaisque o entravam. O seu conhecimento permitirá avaliar o tipo dereconversão, porventura necessário, na estrutura da educação.

Parece de interesse por essa razão tentar, embora sumaria-mente, localizar os obstáculos dominantes do nosso sistema de en-sino, em ordem a torná-lo apto para uma função de transformaçãosócio-cultural.

5. A eliminação do analfabetismo é uma condição prévia paraser possível instituir um processo de desenvolvimento; mas deforma alguma a alfabetização pode ser considerada suficiente comoesforço educacional de base. Existe um mínimo de formação que éindispensável fornecer a cada homem como condição necessáriapara que ele se sinta humanamente realizado e a sua actuação sejasocialmente útil. Esse mínimo ascende já na maioria dos paíseseuropeus a uma escolaridade obrigatória de 7/8 anos.

Neste domínio, um longo caminho há que percorrer ainda entrenós. Com efeito, em 1955, Portugal era o único país europeu comuma escolaridade obrigatória de quatro anos (número de anos deestudo). Recentemente, em Junho do corrente ano, anunciou-se oprolongamento da escolaridade obrigatória para seis anos com aextensão do ciclo primário por mais dois anos, para os que não vãofrequentar o ensino secundário. Esta medida constituirá um pri-meiro passo na reforma geral do ensino que se requer, visto queo problema nuclear da nossa educação é de âmbito mais extenso.

Importa reconhecer que, para lá das grandes deficiências exis-tentes no ensino primário, sobretudo as de carácter pedagógico efalta de meios humanos e materiais, se registaram progressos im-portantes no último decénio. Em 1960, o ensino primário atingiupraticamente todas as crianças do grupo etário que lhe corres-ponde (7-11 anos), quando, em 1950, 20,3% das crianças dessegrupo de idades não frequentaram a escola, numa população totalcontendo 40,4 % de analfabetos.

Mas os condicionamentos sociais determinam ainda umagrande parte das possibilidades materiais de educação. Particular-

656

mente significativo é o que se passa no termo do ensino primário.Na realidade, em 1962, cerca de 71 % das crianças que concluírama 4.a classe (ou seja, cerca de 90 000 num total de 134 600) nãoprosseguiram os seus estudos3, o que significa que, em Portugal,a maior parte da população está condenada actualmente a ter-minar no ensino primário a sua formação. O sistema educativo en-contra aqui entrave social que urge vencer, visto que o recruta-mento de talentos e aptidões intelectuais fica reduzido, à partida,na base da pirâmide educacional, a uma parte minoritária ondenada indica que se encontrem sequer os mais bem dotados. Os queprosseguem os estudos devem-no fundamentalmente a circunstân-cias de origem social, de capacidade económica dos pais, e mesmode localização geográfica4.

Não é possível estabelecer de um modo completo a ligação entreuma dada situação social e o grau de ensino, no nosso país, mas oquadro I permite reconhecer, pelo menos, que é justamente nosdistritos onde a mortalidade infantil, o rendimento médio, a rura-lidade e o analfabetismo apresentam índices pouco aceitáveis, emrelação à própria média nacional, que se verifica uma situaçãoeducacional pior \ Compreende-se que nesses distritos a carência debens materiais, associada ao isolamento e à falta de equipamentossociais, conduza a maioria da população escolar a abandonar osestudos no termo da instrução primária. O grupo de potenciali-dades contido nessa população só poderá ser aproveitado, com be-nefício social, no dia em que a educação seja efectivamente postaao alcance de todos.

6. Entretanto, ao nível do ensino secundário, a estrutura edu-cacional encontra-se moldada a uma situação sócio-cultural exis-tente, e não àquela que importa porventura estabelecer, como formade progresso social. Todos os que ascendem ao ensino secundáriovêem-se obrigados, logo à partida, a fazer uma opção que infeliz-mente não é isenta de consequências no que respeita às oportuni-dades oferecidas na vida. A escolha entre o ensino técnico e oensino liceal representa, com efeito, a opção entre a obtenção deuma formação profissional a curto prazo ou a de uma formação

3 Em 1962, passaram no exame da 4.a classe 134 586 indivíduos, tendo-sematriculado pela primeira vez no primeiro ano dos liceus e das escolas téc-nicas respectivamente 20 526 e 18168 (ou seja, no total, 38 694).

4 Parece interessante indicar aqui o resultado de um inquérito feito pelaJ.O.C, em 1956 a cerca de 2500 jovens operários: 81 % declararam que nãocontinuavam a estudar por falta de recursos económicos e pela necessidadede ajudar a família, 50 % tinham escolhido o primeiro emprego que lhes apa-recera, 68 % começaram a trabalhar com menos de 14 anos, 20 % entraramna profissão entre os 9 e os 12 anos e 77 % dos inquiridos não dispunha senãoda 4.a classe.

5 Infelizmente, nos dados apresentados não foi possível eliminar umaforte heterogeneidade, dada a carência de elementos estatísticos em relaçãoa anos recentes.

65?

S QUADRO ISituação social e nível educacional

DISTRITOS

1960

(con-tos)

1958 1958

| | |

1960 1960

ig*J

(Kwhp. habi-tante)

1958 1962 1962

Habitação(fogros unifa-

miliaree)

1982/63 1950

AveiroBejaBragaBragançaCastelo Branco ...CoimbraÉvoraFaroGuardaLeiriaLisboaPortalegrePortoSantarémSetúbalViana do CasteloVila RealViseu

Continente ...

(D552 227268 911593 587230 266310 745433 596215 186312 509276 275400 275

1 402 586183 841

1191 504462 121376 128275 345322 649477 468

8 255 414

(2)

5,15,45,03,25,84,56,24,63,24,911,26,56,85,27,93,23,03,56,2

(3)

72,228,972,231,251,458,933,047,534,851,292,339,787,344,178,046.938,734,270,6

(4)

38724176575262596857146518563462757043

(5)

7,75,69,83,9

12,214,79,3

16,33,35,666,710,938,43,2

36,45,17,13,6

23,5

(6)

609*371806515718761355817434754378659*35930125*158*266

(7)

66899511662607467,689,552,5617110049677910286

74

(8)

6,03,74,04,03,8

15,64,93,83,73,5

21,15,7

12,24,74,03,23,23,98,6

(9)

16147,33,3

10,212,119,439,14,413,882,215,431,415,352,17,76,44,4

28,9

(10)

13,06,27,44,7

13,811,311,213,84,9

11,051,17,9

22,012,028,96,85,86,2

17,7

(11)

17,615,313,810,913,816,026,323,010,513,167,825,036,218,947,99,79,18,0

27,0

(12)

18,615,425,219,028,035,927,630,319,620,054,721,235,228,234,414,821,016,230,4

(13)

3,31,83,32,92,74,93,22,52,72,214,82,96,22,82,52,62,93,05,2

(14)

35,057,944,945,851,241,348,347,343,445,425,451,232,944,544,642,344,944,340,3

FONTES: Colunas 1, 4, 5 e 7 a 14: Censos de 1950 e 1960; Anuário Estatístico de 1962; Estatística da Educação de 1962/63.Colunas 2, 3 e 6: M. Santos LOUREIRO, As assimetrias espactais de crescimento no continente português. INII, Efetudos

OBS.: o Inclui consumos de industrias electroquímicas.n.° 4.

voltada para o acesso ao ensino superior. Não podem ser critériospedagógicos, de capacidade intelectual ou de aptidão natural, os queaos 11 anos obrigam a fazer essa escolha. O facto é tanto maisgrave quanto se sabe que a transferência de cursos ou a obtençãode equivalências em situações intermédias não é exequível senãoatravés de dificuldades nem sempre solúveis.

O prolongamento da escolaridade obrigatória vem indirecta-mente obrigar a rever este problema, uma vez que o sexto ano pri-mário dará acesso, mediante exames a definir, ao segundo ciclodos liceus ou aos cursos profissionais do ensino técnico; mas impõe--se que o problema seja considerado urgentemente e se opte, pelomenos para já, pela solução de estabelecer possibilidades francasde transferência, com equivalências definidas, entre os dois grandesramos do ensino secundário.

Embora a frequência do ensino liceal e das escolas técnicastenha atingido em 1962/63, 247 736 alunos, triplo do valor regis-tado em 1950/51, continuamos a ser dos países europeus com maisbaixa percentagem de população no ensino secundário (2,8 %, em1962/63).

7. Pela importância inegável que hoje assume a formaçãouniversitária, a sua reforma é talvez a mais importante e urgenteno nosso sistema educacional. Os problemas específicos a ter pre-sentes numa reforma do ensino superior saem fora dos objectivosdeste artigo e justificariam por si só uma análise própria. Impor-tará notar aqui apenas alguns aspectos da situação do ensino su-perior enquanto afectando a promoção do desenvolvimento. Naverdade, os universitários, pelo papel que são chamados a desem-penhar na condução da vida da comunidade, constituem um dosagentes preponderantes da propagação dos efeitos de reconversãonecessária a qualquer política de desenvolvimento. Ora a propa-gação dos fenómenos inovadores e a implantação de centros oupólos de desenvolvimento está dependente, não só do nível de for-mação e de qualificação superior, como do volume de diplomadoscom que o país pode contar.

A formação universitária deveria aferir a qualidade do seuensino pelo nível de aptidão dos seus licenciados no desempenhodas funções requeridas pelo progresso da comunidade em quevivem. Extensas críticas seriam neste domínio inteiramente válidasquando aplicadas ao nosso ensino superior. A inexistência de es-tudos sistemáticos na investigação e prospecção de métodos peda-gógicos conduz também à aceitação, entre nós, de processos vi-ciados e improdutivos, com os consequentes custos, o maior dosquais se traduz na perda de percentagens elevadas de alunos quenão concluem os seus cursos.

Mas outro aspecto igualmente importante não pode ser igno-rado. Trata-se da necessidade de que ao ensino superior ascendam

659

todos os que, de uma forma ou de outra, revelaram no ensino se-cundário dispor de capacidades suficientes. A democratização doacesso à Universidade não pode ser realizada sem um certo númerode critérios orientadores que ajudem a vencer as barreiras de ordemsocial ou económica hoje existentes. Em ordem à promoção dodesenvolvimento, o Estado devia fomentar em larga escala a con-cessão de bolsas a todos os que, dispondo de comprovada capaci-dade intelectual, não possam ascender à Universidade sem esseapoio económico.

Em 1962/63, em cada 1000 portugueses, apenas 3 frequenta-ram o ensino superior. Na Europa, a maioria dos países apresentavalores da ordem de 5 a 6, enquanto os Estados Unidos e a URSSatingem valores de 18 e 10 por mil, respectivamente.

Particularmente grave é o decréscimo que se vem verificandono ensino superior relativo à Agricultura. Esta encontra-se nonosso País num estado prè-moderno, lutando com toda a espéciede dificuldades, bem conhecidas, de resto. Parece, porém, que osproblemas existentes —incapacidade produtiva, desconhecimentoda aptidão cultural dos solos, ignorância da gestão agrícola do tipoindustrial, fraca mecanização, etc. — terão de ser resolvidos semtécnicos agrícolas. Numa população activa com cerca de 40 % dapopulação na agricultura, só 2 % dos universitários escolhem acarreira agronómica. A conjuntura social que rodeia a agricultura,aliada à depressão produtiva desse sector, não serão, por certo,alheias a esta situação.

8. A promoção do desenvolvimento no nosso País, conduzindoa uma melhoria do estatuto social de toda a população, ao acessogeneralizado à cultura, à participação activa na vida política esocial da comunidade, à capacidade de inovação e propagação doprogresso, requer que o sistema educacional seja reformado porforma a que possa constituir uma estrutura activa capaz de venceros entraves sociais existentes. A par dessa reforma exige uma defi-nição clara dos objectivos a atingir na reconversão social, com osistema educativo.

Mas a educação, para constituir um motor na transformaçãosocial requerida pelo desenvolvimento, tem de desempenhar tambéma sua acção, integrada num esforço global, em todos os domínios.Com efeito, problemas graves podem suscitar-se, e suscitam-se defacto, quando a promoção educacional não é acompanhada de umamelhoria das condições sociais e do esforço de aproveitamento pro-dutivo das formações fornecidas. Atente-se no exemplo que sucedequando uma criança aprende na escola um certo número de noções,e mesmo recomendações, de higiene e de asseio de vida e em con-trapartida não dispõe de quaisquer condições, quer de ordem ma-

660

Frequência do ensino superior em Portugal

QUADRO II

RAMOS DO ENSINO SUPERIOR*

Letras

Belas-Artes

Direito

Ciências Sociais

Ciências Exactas e Naturais .

Engenharia

Ciências relativas à Medicina

Agricultura

Militar e Náutico

Total

Alunos matriculados

Em 1962/63

Número

7 055

1114

2 929

2 589

5 556

2 310

3 377

594

1400

26 924

%

26,2

4,1

10,8

13,3

20,6

8,5

12,5

2,2

5,1

100

No período1951/52 —1962/63

Número

60 864

12124

27111

18 598

44 062

23 366

42 985

6 814

8 717

244 611

%

24,8

4,9

11,0

7,6

18,0

9,5

17,5

2,7

3,5

100

Alunos que concluíram o curso

Em 1962/63

Número

614

168

209

153

263

163

428

47

233

2 278

26,9

7,3

9,1

6,7

11,5

7,1

18,7

2,0

10,2

100

No período1951/52 — 1962/63

Número

5 623

1632

1996

1475

2 260

2 883

4 834

862

2 224

23 792

23,6

6,8

8,3

6,1

9,4

12,2

20,3

3,6

9,3

100

Variaçãoda fre-auência1962/63

(Base=:—1951/52)

%

+ 110+ 24-f 93+ 132

+ 79

+ 44

0

— 25

+ 66

FONTE: I. N. E. — Estatística da Educação. Ano lectivo 1962/63.

* Os ramos do ensino superior são os adoptados pelo I. N. E.: L etras (cursos das Faculdades de Letras e dos Cur3os Superioresdo Ensino Eclesiástico); Belas-Artes (cursos das Escolas de BeJas-Artes e cursos dos Conservatórios e Instituto® de Músioa);Direito (cursos das Faculdades de Direito); Ciências Sociais (cursos da Faculdade de Economia e do I.S.C.E.F., cursos doInstituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina; curses dos Institutos e Escolas de Serviço Social); CiênciasExactas e Naturais (cuirsos das Faculdades de Ciências); Engenharia (cursos da Faculdade de Engenharia e do I.S.T.); Ciên-cias relativas à Medicina (cursos das Faculdades de Medicina b da Faculdade e Escola de Farmácia); Agricultura (cursos doI.S.A. e da Escola Superior de Medicina Veterinária).

terial (equipamento habitacional) ou social (família e meio am-biente) que lhe possibilitem a prática dessas noções. Não é precisofalar, de resto, das tensões criadas em seres humanos a quem éfornecida uma capacidade de comunicação e percepção mais amplae que são rodeadas por um contexto social que contradiz, mesmonos aspectos mais primários, a própria dignidade da condiçãohumana.

O carácter das transformações requeridas pelo desenvolvi-mento exige, assim, que a planificação educacional não seja alheiaa um planeamento global das restantes actuações, nomeadamente asde carácter social. Quando a capacidade de progresso fornecida aoindivíduo não se processa num ambiente aberto ao progresso socialele vê-se obrigado a deixar o seu meio de origem. O êxodo rural,privando a agricultura dos seus melhores elementos, é um doscustos da escolarização de certas regiões rurais onde a estagnaçãosocial e dos meios produtivos não oferece oportunidades de escolha.Neste domínio, seria de notar ainda a necessidade de definir umapolítica espacial de desenvolvimento que conduzisse à criação decentros polarizados equipados de uma infraestrutura de equipa-mento social e cultural suficiente para permitir a existência de umambiente promotor de progresso.

III — O fomento do crescimento económico

9. O desenvolvimento deverá conduzir, pelo menos a longoprazo, ao estabelecimento de sociedades científicas no sentido comque a expressão nos é apresentada por G. GUERON

6. Na verdade,a estrutura económica, e indirectamente a própria estrutura social,de um país desenvolvido tende a tornar-se uma estrutura científica,executando as tarefas produtivas com uma utilização cada vez maisracionalizada de técnicas e processos industriais que requerem, porum lado, mão-de-obra e pessoal extremamente qualificados, e simul-taneamente recursos e meios que só um trabalho de investigaçãocientífica permanente pode garantir.

No quadro III pode ver-se que são os países economicamentemais evoluídos, que apresentam taxas elevadas de frequência es-colar em todos os graus de ensino, nomeadamente no ensino supe-rior; mesmo nos países de economia tradicional o aumento dastaxas de crescimento tem coincidido com um aumento correlativodos seus efectivos escolares.

A educação, tendo em conta o meio económico e a estruturasocial existente, tornou-se assim um suporte necessário do pro-gresso económico, fornecendo à sociedade a mão-de-obra qualifi-

6 G. GUERON, «Le progrès scientifique et Ia condition de rhomme», inFrospective, n.° 5. Ed. P.U.F., Paris, 1960.

662

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cada que ela precisa. Deve, entretanto, salvaguardar-se de umaforma clara que a escola não pode limitar a essa tarefa a suafunção essencial de promoção cultural, humana e social. De facto,é comum encarar-se as funções da educação perante o desenvol-vimento debaixo apenas do prisma da produção de técnicos e mão--de-obra qualificada, e, com base nas necessidades quantitativas equalificativas da mão-de-obra, programar todo o plano educacionala executar, o que de forma alguma é aceitável. Isto não significa,todavia, que não haja absoluta necessidade de planear a acção edu-cativa tendo em conta essas necessidades, nem que se devam igno-rar as acções a realizar no domínio escolar e que estão em íntimaligação com as necessidades postas pelo progresso e pela evoluçãoeconómica. Significa apenas que não podemos esquecer que a escolatem tarefas e responsabilidades para além desses limites restritos.

10. No próprio domínio do planeamento do desenvolvimentoeconómico resulta evidente o interesse em conhecer a evolução pos-sível da estrutura de emprego e daí concluir sobre o tipo e o graude ensino requeridos para a mão-de-obra, bem como o volume dealunos que esse facto obrigará a estrutura educacional a suportar.A planificação do ensino nasce então como resultado das exigên-cias em mão-de-obra qualificada pelos sectores produtivos.

Sem entrar na análise dos processos utilizados nas previsõesrelativas à mão-de-obra, para o estudo das necessidades quantitati-vas em matéria de ensino, convém referir que este trabalho apre-senta dificuldades extremas nem sempre resolúveis a curto prazo.Acontece que, na prática, as estimativas de emprego dependem nãosó da situação demográfica como também das previsões ou objec-tivos do aumento de rendimento, bem como das evoluções conside-radas prováveis nas taxas de consumo e de produtividade7. Asprevisões globais não são em geral suficientes, pelo que é neces-sário detalhá-las por sectores de actividade e por regiões. A sub-divisão das previsões de emprego por actividades permite conhecerem primeira aproximação os tipos e o grau de formação profissio-nal requeridos. A formulação regional dessas previsões permite, poroutro lado, conhecer os problemas da localização dos estabeleci-mentos de ensino, tendo em conta a estrutura que se pretenda im-primir ao desenvolvimento regional.

A comparação das previsões com a situação educacional exis-tente permitirá finalmente conhecer o sentido das transformaçõesa realizar na estrutura escolar, bem como as medidas a adoptar

7 Dois métodos têm sido largamente utilizados: o da previsão baseadono cálculo da elasticidade do emprego em relação ao rendimento, e o da pre-visão baseado na evolução da produtividade.

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para preencher eventuais carências de mão-de-obra qualificada queo sistema escolar não possa fornecer a curto prazo. Uma obser-vação atenta dos múltiplos factores que intervêm neste trabalhode avaliação dos efectivos escolares em função das necessidadesem mão-de-obra qualificada é suficiente para nos dar uma ideiada delicadeza das questões postas.

Em primeiro lugar, põe-se o problema do desfazamento notempo entre as necessidades de mão-de-obra qualificada, resultan-tes de objectivos fixados a curto prazo (3 a 5 anos) pelo planea-mento económico, e os efeitos de um plano educacional, cujos resul-tados poderão só ser alcançados ao fim de 10 a 12 anos (ensinosecundário). Em segundo lugar, a formulação da estrutura de em-prego prevista para a população activa, em termos de formaçãoescolar, apresenta também certas dificuldades. Como se sabe, nãoé possível estabelecer correlações suficientemente precisas entre aaptidão profissional requerida e o grau ou tipo de formação es-colar, salvo para certos casos específicos, infelizmente bastante res-tritos. As correspondências a estabelecer devem, pois, referir--se a grupos e a níveis de formação suficientemente largos, o queobriga a contar com uma margem de erro na validade das pre-visões muito mais lata. De resto, a própria história contemporâneanos mostra que as qualificações gerais e especializadas, necessáriasao desempenho de funções precisas, evoluem hoje vertiginosamente.

Ressalta assim o aspecto de relatividade que assumem as pre-visões de mão-de-obra e a extraordinária maleabilidade que é ne-cessário dar ao planeamento educacional. Um único objectivo deveorientá-lo rigidamente: a preocupação de proporcionar a sectorescada vez mais amplos da população os meios de promoção culturale humana, além de uma qualificação profissional mais generalizada.

11. O estudo dos problemas do sistema de ensino postos pelaevolução da estrutura de emprego está a merecer uma larga atençãoem todos os países8, Em Portugal, uma equipa do Centro de Es-tudos de Estatística Económica (C.E.E.E.) vem trabalhando nestamatéria desde 1959, no âmbito dos estudos do Projecto Regionaldo Mediterrâneo. Recentemente foi publicado um trabalho con-cluído em 1963 pelo Centro de Estudos de Estatística Económica:Evolução da Estrutura do Ensino em Portugal — Previsão para1975, em que se apresenta uma previsão de efectivos escolares queo nosso sistema de ensino deverá fornecer nos próximos anos. Asdificuldades que houve que vencer para a efectivação deste trabalho

8 O trabalho efectuado pela SVIMEZ: Muttamenti delia struttura pro-fessionale e ruollo delia scuola — Previsioni per il prossimo quindecennio,ed. Giuffré, Roma 1963, constitui o exemplo mais conhecido de uma inumerávelsérie de estudos efectuados sobre este assunto.

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não podem ser menosprezadas. Efectivamente, as previsões devembasear-se no conhecimento detalhado da evolução da estrutura equalificação da mão-de-obra, o que implica conhecer, com cerca de15 anos de antecedência: 1) a estrutura prevista, ou desejável, dapopulação activa portuguesa por sectores; 2) a repartição dessapopulação dentro de cada sector, por graus e níveis de formação.

Ora basta dizer, para termos uma dimensão das dificuldades,que se trata de saber para 1975, em relação à estrutura da nossapopulação activa, o que muitos países não conheciam em 1960 9.Além disso, o desconhecimento dos objectivos concretos, quantoà estrutura dos sectores produtivos em 1975, a definir pelo planea-mento económico, obrigou a estabelecer as previsões com base emhipóteses de trabalho, cuja validade poderá merecer discussão.

A utilidade do trabalho feito pelo Centro de Estudos de Esta-tística Económica é de qualquer modo inestimável e representa omaior passo até hoje dado em Portugal para um planeamento sérioda educação. Resta agora que a planificação económica integre otrabalho realizado e lhe forneça as bases de correcção necessárias,por forma a que o aperfeiçoamento e extensão desse trabalho possaefectivamente servir de orientação na resolução dos problemas aque o sistema educacional terá de responder nos próximos anos.

12. Um dos entraves que é geralmente referido como causadirecta do nosso atraso económico e das dificuldades existentes emconseguir um ritmo satisfatório de crescimento é a falta de mão--de-obra qualificada e de técnicos nos diversos níveis e sectores dasactividades económicas. É difícil colocar o problema em termos tãosimplistas sem cair no exagero de esquecer múltiplos outros fac-tores de uma situação complexa. De qualquer forma, reconhecem--se as carências cada vez maiores de diplomados em todos os grausdo ensino, com relevo para as formações de aptidão técnica. Ora,por um lado, o número ide conclusões nos diversos graus de ensinovem aumentando a um ritmo lento, nomeadamente no ensino se-cundário e superior. Por outro lado, não se pode considerar satis-fatório o grau de instrução actual da nossa população activa. Note--se que, em 1950 —último ano para o qual existem dados publi-cados — entre os 7 213 662 indivíduos da população maior de 7anos que já tinha deixado de estudar, só cerca de 6 pessoas emmil tinham curso superior, e só 19 em mil o curso secundário.

O inquérito à mão-de-obra realizado pelo C.E.E.E. veio mos-trar, entretanto, que a carência de formação se situa a níveis quenão podemos deixar de considerar graves. Assim, em 1961, entre osoperários especializados, no sector secundário, só 5,7 % tinham o

9 O próprio CEEE efectuou em 1961 um inquérito à estrutura da mão--de-obra em Portugal, para poder dispor de uma base de trabalho.

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curso industrial (dos quais 3,9 % com o curso incompleto); a largamaioria, 81,4% possuía a 4.a classe; e finalmente ainda, percen-tagem considerável, 12,4 %, era analfabeta. Entre os dirigentes equadros superiores da indústria, 37,1 % tinham apenas a ins-trução primária e só 18% possuíam um curso universitário com-pleto 10.

Dificilmente se conseguirá mudar este panorama com a actualestrutura do ensino, mesmo tendo em conta os cursos do Institutode Formação Profissional Acelerada, recentemente criados. Veri-fica-se, por exemplo, que as actividades do sector industrial absor-vem hoje à saída da escola todos os diplomados do curso industrialdas escolas técnicas (cerca de 1200, em 1962/63) e muitas em-presas vêem-se obrigadas a realizar cursos internos de formaçãopara suprir deficiências de qualificação do seu pessoal.

13. A prossecução de qualquer política de desenvolvimentoeconómico no nosso País, ou mesmo o simples desejo de tentarmosatingir o nível de rendimentos médios europeus, obriga a que aprodução disponha de recursos em mão-de-obra qualificada, querem técnicos, quer em dirigentes, capazes de promover e manteresse esforço de crescimento. Para tal requer-se, portanto, nãosó a planificação do trabalho produtivo e das actuações sobre osmeios de o efectivar, como ainda que sejam preparadas as condiçõeshumanas de o suportarem. É evidente que dificilmente consegui-remos mudar a forma extremamente precária da nossa situaçãoprodutiva, sobretudo no que se refere a bens de equipamento e dasindústrias-base, enquanto não dispusermos de capital técnico e hu-mano suficiente para orientar os investimentos materiais. São fla-grantes as ilações que se colhem do conhecimento da nossa ba-lança comercial. Não só produzimos pouco nas nossas actividadestradicionais, como temos sido incapazes de nos lançarmos na pro-dução de bens de que carecemos, e em relação a muitos dos quaisestamos na absoluta dependência do exterior. Não é por acaso queesses bens são precisamente, em grande maioria, os produtos ma-nufacturados que requerem no seu fabrico um certo grau de capa-cidade técnica, aliada a dimensões produtivas e a processos indus-triais que assentam numa mão-de-obra qualificada, na existênciade quadros técnicos a todos os níveis competentes e de dirigentesconhecedores dos fins a atingir e das possibilidades e dos meiosde que dispõem.

O fatalismo histórico e sociológico que para muitos constituiudurante muitos anos a suprema desculpa está hoje ultrapassado.As capacidades de um povo resultam fundamentalmente de umesforço educacional consciente. As poucas actividades industriaiscomplexas lançadas no País trabalham hoje, após vencerem as di-ficuldades iniciais, nos mesmos moldes que as do exterior, mas

10 Cfr. Kesultados do Inquérito à Mão-de-obra. CEEE. 1961.

66?

constituem ilhas isoladas, que falam uma linguagem diferente daque é comum nos restantes sectores.

Não se pode esperar passivamente que a criação de mais algu-mas actividades produtoras mude o panorama. O processo tem deser acelerado na base, através de investimentos suficientes na in-fraestrutura educacional, e quebrando aí o ciclo vicioso da nossaincapacidade produtiva.

É curioso constatar, entretanto, que embora nos últimos anoso nosso crescimento económico tenha tido o seu grande motor nodesenvolvimento do sector industrial, no nosso País as licenciaturasem engenharia, depois de um acentuado crescimento entre 1940 e1954, período em que as conclusões anuais passaram de 126 para308, têm-se mantido praticamente estacionárias nos últimos dezanos, com média de 245. As conclusões do curso médio dos Ins-titutos Industriais mantêm-se também quase constantes a um nívelmuito baixo nos últimos anos (em 1962/63, 71 conclusões).

O que se poderá dizer é que o nosso crescimento económico nãoefectuou ainda a sua verdadeira descolagem ou que, por motivosdiversos, entre eles a existência de sub-utilização nos diplomadosdos ancs anteriores, não fez sentir os seus efeitos nos efectivos dealunos dos cursos de engenharia.

Em geral, como se pode ver no quadro IV, os países que atin-giram um grau de desenvolvimento económico elevado apresentamtaxas consideráveis de inscrições em engenharia.

A crescente necessidade de cientistas e técnicos (que cons-titui uma das características dominantes das sociedades desen-volvidas) resulta não apenas do alargamento da investigação e dotrabalho científico em todos os domínios, verdadeiro motor daseconomias modernas, mas sobretudo da própria forma do traba-lho produtivo contemporâneo.

Como exemplo, cite-se que o projecto de um avião de caçaque exigia em 1940 cerca de 17 mil horas de engenheiro, requerhoje mais de 2 milhões de horas. Entretanto, o tempo gasto nasua construção diminuiu sensivelmente, mas requerendo-se forçosa-mente qualificações extremamente elevadas a qualquer dos ope-rários intervenientes no seu fabrico.

Fenómenos paralelos ocorrem igualmente em todos os outrossectores da actividade humana. O domínio do homem sobre anatureza e a sua própria libertação do carácter penoso do trabalhoexige dia a dia maior complexidade técnica e maior aptidão cien-tífica e cultural. Nesse sentido tem extremo interesse o problemada orientação geral do ensino ministrado e da sua aptidão paraformar os homens da nossa época. A formação científica e técnicaé cada vez mais importante e basilar, mas em contrapartida a for-mação nas humanidades e nas ciências sociais torna-se simulta-neamente mais necessária, para permitir não apenas o equilíbrio,mas a própria plenitude na formação global de cada homem.

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Inscrições em Engenharia» nalguns países europeusQUADRO IV

PAÍSESInscrições em

emprenhariapor 1000 habit.

(1955-1959)

Rendimentonac. p. habit.

(1956-58) &

EspanhaInglaterraPortugalGréciaFrançaDinamarcaSuíçaFinlândiaItáliaHolandaAlemanha OcidentalSuéciaU.R.S.S* Ver nota do Quadro III.

1,82,12,42,73,04,34,64,84,85,45,55,6

34,0

IVIIVIVIIIIIIIIIIIIIIIII

IV — A acção a desenvolver

14. Reconhecida a importância da educação na promoção dodesenvolvimento, é necessário precisar os objectivos concretos queinteressa obter através da acção educacional, tendo em conta o con-texto eonómico, social e cultural existente e o esforço a realizarpara o transformar. Em face desses objectivos, é válida a críticae a análise das estruturas do ensino existentes e necessária a for-mulação de soluções. Ê este o trabalho fundamental a realizar nestemomento em Portugal,

Pretender que a reconversão do ensino e das restantes estru-turas educacionais não apresenta dificuldades seria manifesto de-sejo de ignorar a extensão e a complexidade dos problemas a solu-cionar. Mas talvez importe mais mobilizar todos os meios dispo-níveis para esse trabalho de reconversão e iniciá-lo desde já, doque nos contentarmos apenas em medir a extensão dos problemas.

Quanto aos objectivos da acção educativa, e concluindo do quejá se expôs, parece de interesse salientar as seguintes necessidades:

— despertar o meio humano para um nível de aspirações maiselevado;

— preparar os homens para dar resposta aos problemas do seutempo;

— fornecer os meios para a plena realização da personalidade

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de cada homem, permitindo simultaneamente a sua inserçãoválida no trabalho da comunidade;

— dotar a estrutura social de uma atitude mental aberta aoprogresso e preparar a própria reconversão institucionalnecessária à sua difusão;

— dotar com as qualificações requeridas a mão-de-obra neces-sária aos sectores produtivos;

— permitir o acesso geral à cultura, através de uma base ex-tensa de formação humana e social, e a qualificação profis-sional.

No que se refere à estrutura educacional, os aspectos mais re-levantes a ter em conta numa reforma, e nos quais julgamos deinteresse insistir, são os que seguem:

— prolongar o período de escolaridade obrigatória;— fomentar o acesso generalizado ao ensino secundário, tendo

em conta as próprias necessidades crescentes na qualifica-ção da população activa;

— dotar o ensino secundário de um tronco comum polivalentee permitir a comunicação franca entre os cursos diversifi-cados ;

— promover o ingresso na Universidade de maior número dealunos, sobretudo fomentando a concessão de bolsas a todosos que não podem actualmente ascender ao ensino superiorpor razões extrínsecas à sua aptidão intelectual, nomeada-mente as de carácter económico;

— rever a própria orientação pedagógica dada ao ensino, demodo a optar definitivamente entre um saber enciclope-dista, impossível nos nossos dias, e as bases de uma culturaatenta às necessidades de uma formação especializada, semesquecer no entanto o seu necessário enquadramento numaformação geral;

— atender à função exercida por todos os outros agentes daeducação, não ignorando que esta é exercida hoje num con-texto mais amplo do que a escola.

A reforma da educação não terá, entretanto, qualquer signi-ficado se não for acompanhada das medidas necessárias a comple-tar o esforço global de reconversão social em que se deve inserir.Especial relevo deverá ser dado portanto à educação no planea-mento global do desenvolvimento.

Não será notável a nossa situação educacional, perante o de-sejo de promover o desenvolvimento do nosso País. Mas há quereconhecer que os problemas existentes, porventura difíceis, nãosão insolúveis e que do esforço que for feito no sentido de osresolver resultarão sem dúvida melhores e mais amplas perspec-tivas ao nosso desenvolvimento.

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