o design e o aprendizado
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Dissertação Mestrado - Heliana PachecoTRANSCRIPT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
DEPARTAMENTO DE ARTES
O Design e o Aprendizado
Barraca: quando o Design Social deságua no Desenho Coletivo
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
HELIANA SONEGHET PACHECO
HELIANA SONEGHET PACHECO
O Design e o Aprendizado
Barraca: quando o Design Social deságua no Desenho Coletivo
TESE APRESENTADA AO
DEPARTAMENTO DE ARTES DA PUC-RIO
COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE
EM DESIGN
DEPARTAMENTO DE ARTES
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
Rio de Janeiro, 9 de abril de 1996
Dedico este trabalho a
Helio e Elza, meus pais.
Helio, Fernando, Marcos, Leonardo e
Marcelo, meus irmãos.
À Maura, que nos criou.
A Barraca,
Nosso tabernáculo
Oramos e celebramos
A vida.
Com gratidão,
1993/4 – 2 mil e...sempre
Leila
AGRADECIMENTOS
Com orgulho termino a primeira tese de mestrado em Design no Brasil e vejo
que um trabalho coerente desenvolvido pelo Departamento de Artes ao longo de
muitos anos é a base concreta deste curso. Aos professores que fizeram parte deste
trabalho e aos que finalmente deram início ao processo formal de aplicação deste
desafio, com o cuidado, com a qualidade e a eficiência que o Mestrado em Design na
PUC-Rio se caracteriza, muito obrigada.
Gostaria de agradecer muito a Deus por ter colocado em meu caminho:
O meu orientador, Henrique Antoun, com sua confiança e luz em suas palavras.
Professor Augusto Sampaio, com a força e a atenção com que sempre me
apoiou.
Os professores doutores do Departamento de Artes que fazem do nosso curso
de mestrado um exercício sério de educação em Design no Brasil.
Tereza Cavalcanti e Henri de Ternay, do Departamento de Teologia da PUC-
Rio, e André Parente, da Escola de Comunicação da UFRJ, que foram meus professores
em matérias eletivas, com quem pude enriquecer meu curso com sensíveis
colaborações.
E especialmente:
Rita Maria e Luiz Evânio Couto, com a paciência, a atenção e o especial carinho
que caracterizam a verdadeira amizade.
Rejane Spitz, pela presença nos momentos difíceis.
Os professores Claudio Magalhães e Luiz Antônio Coelho, com o apoio
incondicional da diretoria e o eficiente cuidado na coordenação da pós-graduação do
Departamento de Artes da PUC-Rio.
A professora Margarida de Souza Neves, coordenadora geral da pós-graduação
da PUC-Rio e o seu secretário Jorge dos Santos.
O professor José Luiz Ripper, com carinho e a acolhida no LOTDP.
Os amigos, muitos, que colaboraram com as perguntas preciosas, apoios,
confiança e força.
Jacinto Fabio Corrêa, meu poeta azul.
Meus pais que sempre me apoiam, de todas as maneiras, neste caminho que,
sigo e que muitas vezes não sei onde vai dar, mas que sei sempre contar com eles, com
a glória de Deus e suas manifestações em caminhos como nestas pessoas que me
cercam.
As jaqueiras, os macaquinhos, as garças, o vento, o sol, o verde, o trabalho, a
alegria, a PUC.
E Ana Branco.
Obrigada, meu Deus!!!
RESUMO
Esta dissertação de mestrado fala do aprendizado de desenvolvimento de
projetos que teve no Design Social (DS) uma inovação de ensino do Projeto na PUC-
Rio. Esta inovação se deu no curso de Desenho Industrial do Departamento de Artes e
teve, com a Barraca, sala de aula construída para lecionar a matéria de Projeto, um
laboratório de experimentação das importâncias da intuição e do afeto para o
aprendizado da prática projetual.
O trabalho inicia com as raízes do DS e depois fala dos frutos que esta
metodologia dá, do papel e da contribuição da Barraca que amplia as características do
Design Social gerando um método que o incorpora, mas que expande as formas de
intuição e de afeto como instrumentos da prática projetual: o Desenho Coletivo.
ABSTRACT
This monography describes the learning of Project development that had, with Social
Design, an innovation in the teaching of the “project subject at PUC-Rio”. This innovation took
place in the Industrial Design course, at the Arts Department and had, whit the “Barraca”
(tend), a classroom built to teach the subject, an experimentation lab for the relevance of
intuition and affection in the learning of the project practice.
The monography starts with the roots of Social Design and then describes the fruits this
methods brings, the role and contribution of the “Barraca” that extends the characteristics of
Social Design, creating a method that incorporates Social Design, but that expands the
intuition and affection form as tools of the practive: the Collective Design.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1: RAÍZES
1.1 Histórico
1.1.1 A participação do usuário
1.2 Embasamento teórico do Design Social
1.3 O ensino de Design Social na PUC-Rio
1.3.1 A estrutura atual do curso de Design
1.3.2 Algumas considerações sobre a matéria de Projeto
orientada pelo Design Social na PUC-Rio
1.4 Minha experiência com a prática do Design Social
CAPÍTULO 2: FRUTOS
2.1 Experiências concretas do Design Social na PUC-Rio
2.2 A Barraca
2.3 A estrutura do Desenho Coletivo e a Barraca
CONCLUSÃO
ANEXO 1
Depoimento de alunos
ANEXO 2
Projeto – Apostila 1996.1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LISTA DE FIGURAS
Figura1. Logomarca da Barraca. Utilizada em todas as publicações que se
relacionam a ela. Pág. 52
Figura 2. Os quatro desenhos da Barraca. A partir da esquerda em cima, a
Barraca em seu primeiro desenho, em 1988. Ao lado, seu desenho em 1989. À esquerda
embaixo, 1991 e ao lado 1993. Pág. 55
Figura 3. Os yourtes e sua construção. Pág. 56
Figura 4. A estrutura do yourte e o fogo. Pág.57
Figura 5. A transparência. Um aluno olhando um esquilo que está ao lado da
{rvore exatamente na “moldura” do losango formado pela treliça. P{g. 58
Figura 6. Aula. Dia de aula, onde por acaso, dois professores orientam alunos
ao mesmo tempo. As conversas paralelas não atrapalham. Observa-se a luminosidade
ao meio-dia. As pessoas sob o reflexo da cor laranja do teto. Pág. 60
Figura 7. Jaqueira. Detalhe de uma das jaqueiras que sustentam a Barraca. Pág. 62
Figura 8. O fogo. À noite, o fogo aceso ilumina a aula. Pág. 63
Figura 9. Espaço de evidenciação. Apresentação final de projeto com a presença
da interlocutora, que aponta para o centro onde os objetos construídos pelos alunos
com ela estavam expostos no lugar do fogo, natural espaço de evidenciação da Barraca.
Era meio-dia e o sol iluminava o trabalho. Pág. 64
Figura 10. O alçapão. Nos primeiros desenhos da Barraca já existiu um armário
de ferro que ficava em cima de um dos praticáveis. Ocupava lugar e atraía a atenção
dos presentes para o seu interior. Com a solução do alçapão, só sabe de sua existência
quem precisa dele. Quem não precisa, não sabe. Pág. 65
Figura 11. Vista da Barraca pelo lado do campo de futebol. Pág. 66
Figura 12. Alunas apresentam seu produto final. Pág. 68
Figura 13. A Barraca em manutenção. Pág. 69
Figura 14. O brilho. Pág. 70
______________________________________
INTRODUÇÃO
O tema desta dissertação diz respeito à metodologia de desenvolvimento de
Projeto, características do curso de Desenho Industrial de PUC-Rio, que trabalha sob o
enfoque metodológico do Design Social (DS). Este tema guarda relação com a linha de
pesquisa Objeto, Meio Ambiente e Sociedade, do curso de mestrado em Design no
Departamento de Artes da PUC-Rio, na medida em que o DS ocupasse
prioritariamente de questões relacionadas com a produção social do objeto1.
Este enfoque metodológico também é marca que caracteriza o Departamento de
Artes.
Já se tornou marca registrada desse curso (Desenho Industrial)
a orientação no sentido de que o aluno trabalhe com situações
da realidade, em um contexto real, contribui não somente para
estimular a criatividade e desenvolver o senso crítico, mas
também ajuda o aluno a descobrir valores da sua própria
cultura.
Esse modo de atuação, conhecido como Design Social, foi
introduzido no Departamento de Artes da PUC-Rio, há cerca de
12 anos, por um grupo de professores...(Catálogo do
Departamento de Artes, 1993/94:7)
O Design Social vem merecendo minha atenção desde os tempos em que cursei
a graduação em Desenho Industrial, quando desenvolvi projetos orientados por este
enfoque metodológico. Posteriormente ao aceitar o convite do Departamento de Artes
para lecionar a matéria de Projeto Básico I, sob tal orientação pude desenvolver meu
trabalho como orientadora de projeto utilizando-me do DS como ferramenta de ensino.
Apesar de o Design Social constituir-se em uma metodologia de aula de
projetos e, também, em uma maneira de atuação de professores e seus projetos de
pesquisa, o Departamento de Artes tem poucos registros sobre trabalhos realizados sob
este enfoque. Um estudo mais aprofundado desta questão foi feito em 1991, pela
professora Rita Couto, do Departamento de Artes de PUC-Rio, para sua dissertação de
mestrado no Departamento de Educação desta mesma Universidade2. Encontram-se
1 Definição da linha de pesquisa “Objeto, Meio Ambiente e Sociedade” pelo Caderno de Desenho Industrial, nº2: Mestrado em Design: “Teoria e prática de desenvolvimento do projeto de objetos, valores estéticos e extra estéticos envolvidos nessa produção e
uso; metodologia de produção do objeto; efeitos dos meios de produção sobre a fabricação do objeto; relações entre o
desenvolvimento, produção e uso dos objetos e o meio ambiente social e natural; desumanização do trabalho e rompimento com a tradição; conceito de criatividade na produção do objeto; a produção social do objeto, meio e subjetividade social.”
2 Couto, Rita. “O ensino da disciplina de projeto básico sob o enfoque do Design Social.” Rio de Janeiro: Departamento de
Educação PUC-Rio, (dissertação de mestrado), 1991, 86p.
também no departamento de Artes, relatórios de pesquisas feitos por professores que
adotam essa postura no desenvolvimento de projetos. Poder dar continuidade ao
trabalho de registro e de fundamentação do DS para maior aprofundamento das
questões de design e das particularidades deste enfoco metodológico beneficiará
alunos, pesquisadores, professores e o próprio design, que terá esclarecida mais uma
face de sua extensão.
A maneira de trabalhar o design através do envolvimento direto com os
usuários teve início na PUC a cerca de 14 anos com os professores José Luiz Ripper e
Ana Branco3. Influenciados por discussões em relação ao ensino de design e pela
própria prática no mercado de trabalho, os dois professores começaram a desenvolver
uma postura particular de ensino, a partir de questões encontradas na prática das
disciplinas de projeto, que ministravam. Esta postura, que pouco a pouco se
caracterizou como uma metodologia de ensino fundamentou-se a partir de diversas
áreas, dentre as quais se destacam a colaboração das ideias de J. Baudrillard, no tocante
ao conservadorismo visto no design; de Gui Bonsiepe, envolvendo questões do
primeiro e do terceiro mundos; de V. Papanek, que propunha o projeto para um
mundo real; E C. Alexander, envolvendo a democratização do projetar, levando em
conta realmente o usuário na concepção do projeto4. Estes autores construíram a base
de discussão para a formação do pensamento e da prática dessa nova metodologia de
projeto em design, que, entretanto, ao longo dos anos, tem trilhado seu próprio
caminho. Mas não podemos reduzir o desenvolvimento dessa nova maneira de ensinar
design apenas à contribuição destes autores, pois novas ideias foram surgindo das
questões trazidas pela prática de ensino dos professores supra citados, ao passo que
questionavam e ampliavam os conceitos de seus inspiradores.
Nestes 14 anos, surgiram meios, territórios, espaços, atitudes de tinham uma
ação sobre este pensamento e sofriam uma moldagem desta maneira de trabalhar. São
os meios de aprendizagem, que não são momentos sucessivos de uma evolução, mas
aspectos que tem características próprias de contexto, onde aprendizagem se estabelece
3 José Luiz Mendes Ripper e Ana Branco são professores do Departamento de Artes da PUC-Rio, onde lecionam e desenvolvem
projetos de pesquisa sob o enfoque metodológico do Design Social oficialmente desde 1982.
4 J. Baudrillard, sociólogo; G. Bonsiepe e V. Papanek, designers; e C. Alexander, arquiteto e designer.
de maneira mais apropriada do que o ensino. Este detém um conhecimento prévio; é
um caminho de mão única que liga o professor ao aluno. Aprendizagem é algo comum
ao aluno e ao professor e visa a descoberta, algo que se goste e se cuide. Cabe falar de
aprendizagem em DS incluindo-a a um meio. É típica do DS, metodologia que visa
enfatizar o processo do fazer e incorporar o aluno numa realidade dada pela sociedade,
meios que estejam coerentes com esta maneira de ensinar projeto.
Desde que começou a se desenvolver na PUC-Rio, o DS utilizou-se de vários meios de
ensino e aprendizagem que deram corpo a esta metodologia de ensino de
desenvolvimento de projeto. Dentre esses meios um deles se destaca, não só por
incorporar toda a metodologia de ensino ao Design Social, como pela característica de
ter desenvolvido à sua origem – o DS – dados que o enriquecem, como a possibilidade
de trabalhar mais com a intuição, com o afeto etc. é a Barraca, sala de aula feia
especialmente para lecionar as matérias de projeto do Departamento de Artes da PUC-
Rio.
Construída em 1988, pela professora Ana Branco com a colaboração de outros
professores e alunos, este abrigo/objeto/meio de aprendizagem tem em toda a sua
concepção, estrutura e utilização a concretização desta metodologia que o DS veio
trazer ao Departamento de Artes da PUC-Rio. É, também, onde ela tem desenvolvido e
ampliado seu campo de atuação através do trabalho que acontece neste espaço. Com a
Barraca, o DS se mostra um desenho vivo que faz parte de uma grande “{rvore” cuja
raiz é o desenho de trabalhar o aprendizado, o tronco é o movimento concreto em
relação a esse, seus galhos são os caminhos percorridos e os frutos são os resultados
capazes alimentar e de gerar novas árvores.
Veremos neste trabalho como o Design Social surgiu na PUC, sua
prática, por que consideramos a Barraca um meio de aprendizagem exemplar para a
compreensão das propostas e implicações práticas deste enfoque metodológico e como
ela amplia o DS através do Desenho Coletivo.
Para desenvolver essa dissertação utilizei-me do método qualitativo, numa
abordagem etnográfica, com pesquisa exploratória. Lüdke e André (1986) nos falam de
métodos básicos utilizados pelos etnógrafos que incluem observação direta e
entrevista, além de análise de documentos, fotos, vídeos, histórias etc. Gil (1989) nos
fala da pesquisa exploratória que inclui a documental e a bibliográfica.
Pude, em minha pesquisa, recolher um material que inclui fotos, entrevistas
com professores, depoimentos de alunos, vídeos, artigos de professores, palestras,
documentos de congressos e design, projetos de alunos, além de minha própria
experiência registrada em livro. Acredito que este material será de grande utilidade
para futuros pesquisadores.
Capítulo 1
_____________________
RAÍZES
1.1 HISTÓRICO
Os cursos de Design no Brasil vêm formando, ao longo de 30 anos, bacharéis que se
dedicam ao mercado de trabalho e também ao ensono e à pesquisa. No início deste
período sofreu uma profunda influencia estética da Bauhaus, a primeira escola de
design, craida na Alemanha que se tornou por mais de uma década o mais importante
centro criador da Europa. Para a Bauhaus, a forma rpresentava o melhor caminho para
o projetista, como definiu o arquiteto Walter Gropius, um de seus criadores. No Brasil,
o pensamento de Gropius norteou os caminhos do design e influenciou os cursos da
primeira Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro e da PUC-Rio.
Era um pensamento onde acreditava-se que o aluno chegava à universidade vazio
de conhecimento, devendo ser alimentado de informações até que, ao concluir o curso,
tivesse conhecimentos suficientes que lhe permitissem operacionalizar. Traduzia a
ideia de transmissão de um saber hierarquizado, que concorria para a maturação
progressiva do aluno e refletia a visão de graus de complexidade entre as formas dos
objetos a serem projetados.
O Departamento de Artes da PUC-Rio, sob direção doprofessor José Luiz Mendes
Ripper e coordenação da professora Ana Branco na gestão 1982-1984, começou a
trabalhar o ensino de Design de uma maneira inovadora no Brasil, por esses
professores não concordarem com as ideias de um saber hierarquizado, decidindo
partir para o que chamamos de Design Social.
Reconhecendo nossa herança cultural, onde éramos desde a Colônia meros
consumidores de produtos de vinham de fora, e vendo essa nossa dependência como
véu do desconhecimento do objeto como significante para a produção de uma cultura
própria, o curso de Desenho Industrial da PUC-Rio veio resgatar este papel importante
que é das escolas de Design e que estava esquecido por elas.
Esta mudança de filosofia pode ser vista nos primeiros escritos sobre o assunto
produzidos no Departamento de Artes da PUC-Rio. Em novembro de 1982-84, durante
o 3º Congresso ALADI – Associação Latino-Americana de Desenho Industrial, o
Departamento apresentou sua proposta de ensino onde demonstrou, através de
projetos desenvolvidos com o pensamento do DS e de um documento explicativo, o
que queria dizer com valorização do processo, temática nativa e resultados práticos
junto aos alunos.
Neste documento via-se o objeto como produto humano de uma dada cultura,
inserido num contexto social e sendo suporte material de ideias. Este resgate se deu na
valorização do FAZER, ou seja, do ato de modelar as matérias, extraindo delas as
ideias em objetos cristalizados momentaneamente em objetos, prosseguindo
ilimitadamente, porém, enquanto prática. Este seria o papel das escolas de Design, pois
nossa tradição cultural caracteriza-se pela inibição deste fazer e pela ênfase à
“superioridade” da erudição e das profissões liberais.
Porém, na PUC-Rio, principalmente porque o curso de Design está inserido num
Centro de Ciências Humanas e não de tecnologia – temos aí um campo em que a
universidade define um espaço para lidar com a expressão da sensibilidade criadora e
transformadora do homem em relação ao seu meio – onde temos então um ambiente
propício ao resgate da importância do risco como campo específico de um fazer que
não se distingue do aprendizado.
Esta conduta do Departamento de Artes tomava, neste documento, a palavra
“risco” no seu sentido mais arcaico (séculos 18 e 19), como sendo, ao mesmo tempo a
representação gráfica de uma ideia e sua realização no mundo. Reportavam-se a Lúcio
Costa, que associava a palavra risco à ideia de feitio de alguma coisa e, tal como, não
era apenas um desenho comum, mas um desenho que se remetia à feitura de
determinado objeto ou à excução de uma determinada obra, ou, porque não, à
execução de determinado projeto.
Com este pensamento, a Direção do Departamento deu início à valorização do
fazer, enfatizando o PROCESSO DO FAZER como seu “carro chefe”. A ideia era evitar
as práticas de pura repetição e cópia impostas por um contexto saturado de produtos
importados de outras culturas, outros processos e materiais identificados com outros
meios e outros modos de viver que não o nativo. A TEMÁTICA NATIVA se fazia
presente nas exigências de uma realidade muito mais próxima, identificada com
grupos específicos, cujos desejos e necessidades vão implicar trabalhos desenvolvidos
completamente ajustados a essa realidade.
O objetivo era “integrar o aluno ao meio universit{rio sem fazer do saber
técnico e do saber teórico uma doutrina, mas algo que se incorpore à sua formação,
adequando-o à realidade do contexto cultural e socioeconômico em que atuará. Assim
sendo, o ensino universitário converge para a aproximação de áreas onde se amplia o
saber do designer, permitindo que sua habilidade se desenvolva no sentido de
adequação à contemporaneidade, A noção de temática nativa remete à construção de
uma identidade própria que caracterizará o nosso Design, não só diferenciando-o dos
demais por sua complexidade cultural, como integrando-o num universo
transcultural”5
Os fundamentos divulgados por ocasião do 3º ALADI passaram a se chamar de
Design Social, cujo nome veio bem depois de sua origem, pela natural incorporação da
sociedade e meio ambiente na elaboração e desenvolvimento de projetos orientados
por este pensamento. Hoje, nomes como Desenho Universal, Desenho Ecológico,
Desenho Coletivo já são usados como tentativa de captar melhor seu espírito, sua
subjetividade, determinando aquele elemento que liga definitivamente o objeto com o
meio em que foi gerado e onde irá atuar.
O pano de fundo para o surgimento do Design Social no Departamento de
Artes foi, pois, marcado pelo repúdio ao desenvolvimento de projetos a partir de
populações-alvo6 imaginadas e de necessidades que geravam os produtos simulados
imaginariamente em sala de aula. O professor Ripper (1994) nos conta, por exemplo,
que até então era bastante comum realizar um projeto para usuários fictícios e
necessidades imaginadas, o que desencadeava uma série de erros de julgamento na
concepção do processo de projeto. O que amparava esta atitude projetual era o
pressuposto da universalidade racional da lógica da produção e de seus propósitos -
vinculados a uma funcionalidade concebida como única e idêntica para cada classe de
5 Texto extraído da proposta de ensino apresentada pelo Departamento de Artes da PUC-Rio no 3º Congresso ALADI – Associação Latino-Americana de Desenho Industrial – Novembro de 1984 – Rio de Janeiro.
6 Populações-alvo são os grupos sociais para quem os designers tradicionais fazem projetos e com quem os designers sociais
projetam.
objetos. As distorções trazidas por esta atitude para o ensino e a prática do Design
evidenciam-se neste depoimento de Ripper:
As dimensões eram falsas porque tudo era inventado. Uma
coisa uma hora podia, outra hora não, mas dava-se um jeitinho,
já que era tudo inventado. O fabricante também não existia e os
materiais eram pensados teoricamente. A discussão em torno
do trabalho era uma ilusão. (Ripper, 1994)
Por mais que as situações pudessem parecer reais, não possuíam a realidade
como aliada para a promoção de um exercício ligado a um mundo físico e social, que
permitisse interação, interlocução e experimentação. Ripper nos conta:
Que eu me lembre, o motor que nos moveu a modificar o amido
foi o ridiculo da uma situação simulada. Era o sentimento de
que a realidade (não vamos chamar realidade porque muita
gente diz que realidade é uma coisa vaga, filosófica e pode ter
várias maneiras de interpretar), então vamos chamar de meio
físico-social fora dos muros da universidade - sobre isto não há
dúvida: por experiência própria no mercado de trabalho,
sabíamos que este meio físico-social fora da universidade era
muito rico e estava em constante transformação,
proporcionando assim, um trabalho interessante, na medida
que ele sempre opõe resistência às ideias das pessoas que estão
trabalhando com ele. A resistência é forte e por isso propicia um
bom exercício. (Ripper, 1995)
O Design Social veio trazer ao exercício de projeto acontecimentos ligado a uma
realidade não controlável por professores e alunos: processos onde alunos, professores
e usuários participavam ativamente. Costumo dizer que veio trazer a chuva, o sol, o
cheiro a um ambiente anterior de ar condicionado. Antes se tinha um controle ou se
estava submetido a um controle onde nada se alterava sem a permissão de uma pessoa
(aluno ou professor). No novo ambiente o acaso faz parte do processo de projeto,
sendo por isso, muito mais apropriado a um exercício em que se pretende trabalhar
com o mundo que nos cerca. Esse mundo é a realidade dada por aquilo que vemos e
ouvimos e tocamos, onde, então, temos principalmente um retomo que independe de
nossa vontade: o momento da vontade do outro. Na nossa fantasia tudo acontece
conforme nosso controle; quando lidamos com o mundo, muito mais elementos, dados,
acontecimentos se apresentam. Um trabalho de educação que não inclui o mundo fica
sem opções, sem o jogo de cintura. Por outro lado, quando inclui o plano físico, a
realidade, exercitamos a compreensão de que, embora tudo possa se parecer, o que nos
chega é sempre novo. O que tínhamos aprendido só nos que estávamos vivos e tudo
que ainda vamos aprender não existe. O que está acontecendo de fato é que é possível.
Como ensina Bergson (1990): o possível vem do real. Diante de passos concretos
podemos falar do andar. Antes disto, andar é só uma ideia, uma vontade. Rubem Alves
também compartilha desse pensamento de Bergson:
...sabe-se que é dele (do real) que temos que retirar os materiais
para construir o possível. O possível? Onde está? Não existe
ainda. Não nasceu. Virá a ser como resultado do amor e da ação
criadora. (Alves, 1993:68)
No início, trabalhar "ao ar livre” requereu esforços extras:
Nos primeiros tempos, como eu e a Ana estávamos
empenhados nisto, foi exigido um trabalho da gente bem maior
do que do professor que trabalhava com a simulação.
Tudo era inicial. Hoje você chega para um aluno e diz: vai ara
um meio uma ABBR, um lugar que não seja aqui na PUC-Rio,
você já tem uma tradição de que aquilo é possível. Para simular
você não precisa de coragem, porque você simula uma situação
confortável, onde tudo vai dar certo e os mocinhos vão acabar
ganhando dos bandidos. Mas na realidade nem sempre é assim.
Na realidade você nunca vai saber o que vai dar no final do
semestre. É imprevisível. Até hoje a gente vê reclamação dos
alunos: ”Ah, o cara não estava l{ na hora, eu fui naquele lugar e
agora fechou, faliu." Mas de qualquer maneira o aluno, no
fundo, está sabendo que já teve projetos realizados assim. Você
já imaginou isso quando não tinha nada? Nunca tinha sido feito
trabalho fora da escola. Então é aquela situação do homem que
vivia num lugar e alguém lhe diz: "Por que você não vai além
daqueles morros?" O homem não sabia que podia ir. Nós
tínhamos essa segurança e passávarnos para os alunos. Mas os
primeiros projetos realmente tinham este problema. (Ripper,
1995)
Trabalhando assim, em contato com acontecimentos, ações, pensamentos que
vinham de fora, o aluno começou a desenvolver projetos ligados a uma situação onde
os objetos surgiam com características apropriadas a responder ao desejo de um grupo
determinado, num certo tempo, num certo local. Ou seja, as elaborações dos objetos
tinham um princípio de interesse e diferença por estarem ligadas a grupos
determinados. No caso da produção seriada, por exemplo, o desenvolvimento da
metodologia de Design Social incorpora este princípio de interesse e diferença, fazendo
com que a reprodutibilidade não seja fruto do investimento mecânico e indiferenciado
da divisão do trabalho. A oposição entre particularidade e universalidade é
ultrapassada pelo caráter singular do desenvolvimento do projeto. Lembramos que o
termo singular está sendo considerado não na acepção de algo único, mas como algo
que se repete por força das condições que o sustentam. Nesse sentido, por exemplo,
um pôr-do-sol é singular porque pode se reproduzir com outros astros em outras
galáxias de modo diferente. São os processos e os procedimentos que determinam o
pôr-do-sol e não os corpos particulares e individuais envolvidos no fenômeno. O
Design lida, a partir dessa concepção, com acontecimentos e não com coisas,
viabilizando mundos para coletividades habitarem. O Design Social procura casar
pensamento e prática para viabilizar a constituição de um estilo de viver e a
constituição de uma sensibilidade capaz de se fazer e sustentar esse estilo7.
E, assim, este pensamento veio ligar o mundo universitário ao mundo físico-
social, fora dos muros da universidade, através de trabalhos práticos de alunos. Veio
também concretizar, em suas ações, o estudo e a mostra do que é o Design para o
mercado de trabalho e também como pode ser explorado. Nisto podemos ver como é
ilimitado o campo de atuação. Nesta prática - onde o papel do interlocutor é
fundamental, com os diversos tipos de assuntos que traz, fazendo das pessoas co-
autoras do trabalho - a combinação de possibilidades de atuação nunca se esgota.
Ripper (1994), entretanto, nos lembra que ainda existe, no meio acadêmico, uma
preocupação em definir, limitar, delimitar áreas, o que se mostra contraproducente
para um mundo onde estes limites se esvanecem, a cada dia que passa, principalmente
com o avanço tecnológico. Podemos tomar como exemplo o avanço da consciência
ecológica, pois, para a ecologia, a biodiversidade é sinônimo de riqueza.
Há uma grande preocupação em limitar as atividades
práticas porque há uma preocupação corporativista.
Pessoas querem cercar seu campo de trabalho, mas isso
não tem demonstrado grande importância e eficiência.
Serve mais para evitar, atritar, diminuir o campo das
atividades humanas. Não prego que as coisas
deveriam se misturar tudo numa escola, nem sei como
isso poderia ser feito, mas de qualquer maneira
poderia diminuir um pouco esta preocupação de
invasão da área do outro. É contraproducente. 7 Quando falamos de estilo não estamos designando uma série de características formais capazes de serem produzidas. Falamos de
procedimentos rigorosos que respondem às inquietações de existências e sustentam suas práticas centro formadoras.
Nesse momento, Design é uma coisa que a gente não
consegue perceber; depois vai ser uma outra porque os
campos de atividade estão se expandindo também.
Eles não se expandem mais porque há realmente essa
grande preocupação de delimitar os campos, e assim
cada um fica no seu. Essa delimitação deveria ser uma coisa bem suave, como se
fosse uma película, com trocas permanentes entre pessoas de
outras áreas que ora entrassem na sua e vice-versa, sem
muita preocupação de rótulo. Mas vemos que não é assim
que estão sendo constituídas as relações de trabalho, tanto na
escola como fora. Estão ligadas às corporações, aos limites.
Você entra no consultório de um médico e vê tudo igual.
Tudo padronizado.
Fazer pão. Essa atividade é um exemplo das
possibilidades que uma pessoa que tem a formação de
designer pode fazer. E o pão passa a ser Design. Por
quê? Porque o cara é designer e faz pão. Não precisa o
objeto da coisa ser Design. É a atitude que interessa.
(Ripper,1995)
Ora, o que justifica esta atitude projetual é, segundo o professor Henrique
Antoun8, a exemplaridade de condições e resultados obtidos por ela.
Nesse sentido, tanto a fábrica quanto o produto deveriam ser
ideais para, com seu exemplo, exercerem pressão sobre as
condições do real, modificando-as. Esse método, inicialmente
desenvolvido pela Bauhaus, retirava seu amparo da crença na
universalidade racional como fundamento da produção e do
produto. Pois, na medida da verdade dessa concepção, tanto a
produção, quanto seu produto seriam exemplos que
influenciariam, com sua presença, a produção e os produtos da
realidade. Entretanto, o que podemos depreender desse
depoimento é a degeneração de propósitos do método que se
punha a serviço de acomodações dos embaraços projetuais ao
invés de realizar uma crítica viva das condições do real.
(Antoun, 1995)
Eram os primeiros passos para um exercício onde o processo de projeto pudesse
utilizar elementos concretos para definir os rumos de trabalho.
Outra modificação relevante extraída da realidade da nova prática projetual foi
a transformação da população-alvo em população envolvida. Essa transformação
implicava a participação direta das pessoas ligadas ao projeto em todas as etapas do
seu processo de desenvolvimento. Questões tradicionais do desenvolvimento projetual
8 Henrique Antoun é designer, mestre em Filosofia, doutor em Comunicação e professor do curso de pós-graduação do
Departamento de Artes da PUC-Rio.
– fatores econômicos, físicos, sociais, climáticos, psicológicos etc. – eram confrontados
com o prisma do usuário, que trazia sua perspectiva de forma direta para a elaboração
do projeto. Dessa forma, a dicotomia envolvendo a oposição entre objeto geral e
usuário individual era modificada profundamente com a transformação desse último
em usuário coletivo. Por isso, o nome Design Social, onde a prioridade era dada pela
lógica do usuário coletivo e não pela lógica dos meios de produção.
1.1.1 A PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO
Muitos acreditavam que o produto desenvolvido especificamente para uma
comunidade perderia suas características de serialidade e reprodutibilidade. Esta
crença revelou-se errônea, pois características construtivas do processo projetual
garantiam sua plena incorporação não apenas pela comunidade a que era destinado,
mas por outras comunidades vinculadas à mesma questão, bastando apenas haver o
interesse para isso.
Conta Ripper:
No Design Social, na maioria das vezes, não se inicia o trabalho
cogitando as possibilidades técnicas de produzi-lo
industrialmente. Isto não significa, entretanto, que o objeto não
possa vir a ser "preparado" para que esta produção possa
ocorrer. A dificuldade não reside nas possibilidades técnicas da
indústria ou do próprio objeto, mas na identificação de um
produtor que tenha interesse em produzi-lo. (Ripper in Couto,
1994)
O objeto resultante da prática do Design Social é bastante interessante, pois
significa uma nova maneira de viabilizar um produto a partir de um novo modo de
trabalhar o exercício projetual. O projeto é coletivo e o designer é um instrumento de
viabilização do investimento comunitário. Não se trata de um retorno ao artesanato
porque a forma não é dada previamente pela comunidade, mas construída a partir dos
investimentos de desejos elaborados coletivamente.
A coletividade traz a importância do papel do interlocutor no desenvolvimento
do projeto. Quando o DS surgiu, duas frentes de ação se fizeram presentes: o incentivo
aos alunos procurarem um ambiente real de atuação e o encontro, neste ambiente, de
pessoas que seriam seus pares. Não bastava existir um local de trabalho em plena
atividade que reconhecesse um trabalho voluntário. Era preciso que alguém neste
espaço fosse o interlocutor deste projeto.
O interlocutor é o outro. E o que basicamente caracteriza o Design Social é
exatamente isso: o trabalho vivenciado e desenvolvido com o outro. Cabe, na prática
do DS, ver de que maneira se dá este encontro. Uma possibilidade é, por exemplo,
encontrar, numa aula de futebol de uma escola de 1° grau, um professor que trabalha o
sentimento de equipe com as crianças. Os alunos de Projeto da PUC-Rio podem
desenvolver um trabalho junto a este professor a partir deste objetivo. O professor será
o interlocutor que terá seu objetivo alcançado junto às crianças através da parceria com
os alunos da PUC, além de ser, também, co-autor deste projeto.
Neste ponto, devemos assinalar o surgimento de uma bifurcação no
desenvolvimento do aprendizado do DS, pois a introdução do interlocutor no processo
projetual faz com que a determinação do projeto, através da apreensão de problemas
detectados no ambiente real, não seja a única forma de viabilizar a prática do projeto.
A inserção do interlocutor na prática projetual faz com que elementos presentes
nessa prática, até então desconsiderados, possam ganhar relevo. Faz também com que
se tornem significativos limites e constrangimentos pertencentes à forma tradicional do
ambiente de aprendizado – a sala de aula -, tornando imperiosa a necessidade de se
repensar esse espaço em função da absorção e da exploração desses novos elementos
para o aprendizado.
Através do contato com o interlocutor tornou-se evidente para alguns a
importância das intuições e dos afetos como elementos significativos no
desenvolvimento do projeto, não apenas em termos de soluções encontradas, mas
também em termos do tipo de produto capaz de se objetivar e do ritmo com que a
solução vai se desenvolvendo9.
Na experiência de desenvolvimento de projeto com o interlocutor vão surgir
casos em que o ritmo e a eficácia da solução encontrada pareciam estar em relação
9 Entendemos afeto aqui como a capacidade de afetar e ser afetado que vai além da relação pessoal podendo incorporar as pessoas, o
vento, as árvores, os planetas etc.
direta com o sentimento de equipe gerado na prática projetual e o consequente
engajamento do projetista e da comunidade envolvida na geração destas soluções.
Outra relação importante estabelecida passa a ser a da importância de se
explorar as diretrizes da comunidade envolvida, procurando amplificá-las de modo a
que até possam atingir suas áreas ainda inertes e estagnadas. É o momento em que o
DS passa a trabalhar com a demanda da coletividade baseada nos movimentos que ela
já tem em relação a desejos, fazeres etc. É quando, na circunscrição de um espaço de
trabalho, a motivação da situação a ser trabalhada é dada, não por uma escolha
predeterminada, mas por um encontro onde o interlocutor e o designer trabalham
juntos considerando as intuições, os afetos, aquilo que os atraiu. O desenvolvimento do
projeto não será mais baseado na apreensão de "problemas" detectados, mas na
apreensão de "alegrias" detectadas.
Ora, estas relações apontam na direção da importância de elementos da
subjetividade, como o afeto e a intuição, que não encontravam amparo nos métodos
usualmente utilizados para ensino nas disciplinas de Projeto, nem nos instrumentos
desenvolvidos por elas - desenho técnico, ergonomia, mockup, layout etc. Ou seja, se
compararmos os projetos já realizados em suas soluções, não poderemos detectar
através dos elementos de sua formalização a importância dos afetos e das intuições,
tanto no desenvolvimento do projeto quanto na geração da solução. Seu papel
determinante na condução do processo projetual e na diretriz intuitiva da solução
encontrada permanece oculto na formalização final.
Por outro lado, esta indiferença na comparação entre os objetos resultantes
torna-se uma diferença gritante quando se examina, para além do objeto, seu uso e sua
participação nas coletividades que o absorvem.
O objeto gerado sem a presença do interlocutor e sem o desenvolvimento do
afeto como formador do coletivo tem uma participação aleatória e indiferente nos
coletivos que dele lançam mão, sendo apenas um fenômeno de consumo nestas
comunidades. Enquanto que o objeto desenvolvido com a participação ativa do
interlocutor e com a presença desse afeto na comunidade envolvida transforma esta
última num coletivo sujeito, participando de modo significativo e fundamental dos
acontecimentos desta comunidade.
Os elementos subjetivos do desenvolvimento de projeto tornam muito mais
relevantes os acontecimentos presentes em uma coletividade do que o objeto isolado
destes acontecimentos.
Através desta experiência detectada pela prática do DS com o interlocutor e a
comunidade envolvida fica evidente que há um Design que projeta acontecimentos e
produz coletivos sujeitos, e não comunidades e objetos de consumo.
O problema que emergia a partir desta constatação era como desenvolver os
elementos subjetivos como meios integrantes da prática projetual. Não tendo estes
elementos até então participado - a não ser marginalmente - do pensamento projetual,
tornava-se necessário empreender um trabalho, ao mesmo tempo, de pesquisa e
aprendizado da utilização desses elementos nessa prática. É a partir destas
considerações anteriormente desenvolvidas que a professora Ana Branco vai gerar a
Barraca como um laboratório de experimentações das importâncias das formas de
intuição e de afeto para o aprendizado da prática projetual.
1.2 EMBASAMENTO TEÓRICO DO DESIGN SOCIAL
No início dos anos 80, Ripper e Ana Branco, formuladores da prática e do
ensino do Design Social na PUC-Rio, vinham de extensas discussões e críticas sobre o
ensino de Design. Inúmeras questões pertinentes à relação entre a eficiência das
metodologias de projeto tradicionais e sua utilização na formação do profissional
através do ensino eram discutidas através do questionamento do lugar ocupado pela
figura do mercado de trabalho no ensino da prática projetual. Na opinião destes
professores, iniciou-se uma nova maneira de se projetar na universidade. Nessa nova
forma de exercício e aprendizado da prática projetual, os alunos eram levados a se
confrontar com situações reais promovidas pelos professores das cadeiras de Projeto
daquela época.
Na época em que estas discussões tomaram lugar, eram debatidas muitas
questões sobre as críticas que se fazia da prática projetual e seu ensino. Baudrillard
(1975) alertava em seu livro Para uma Crítica da Economia Política do Signo para o papel
conservador a que a escola estava se propondo, na medida em que ao invés de ser
produtora de conhecimento estava sendo reprodutora acrítica de um mercado de
trabalho e de uma estrutura social específica. O papel de propor novas práticas que
ultrapassassem os limites do mercado e de explorar largamente sua função de pesquisa
e produção de conhecimento não era trabalhado na escola. Esta não agia, portanto,
como instituição que descobre o que não está no mundo que inventa o que não se sabe,
gerando projetos que o mercado não poderia fazer A escola, incentivando a cópia,
deixava de explorar esse espaço especial que poderia desenvolver, esvaziando sua
possibilidade de criação.
A questão do Desenho Criativo10, aquele que traz para o conceito do desenho as
questões vinculadas às condições concretas de produção, também veio juntar se ao
questionamento a esta prática pouco crítica da escola e à questão da cópia.
A contribuição de Gui Bonsiepe (1975), no tocante à questão da diferença entre
o Primeiro e o Terceiro Mundos, acentua a análise crítica social. Comentando sobre a
cópia de produtos estrangeiros em seu livro Diseño Industrial - Artefacto y Proyecto, ele
nos fala da possibilidade de inventar como modo de ultrapassar a ficção da cópia, pois
esta baseia-se em suposições falsas, universalizando problemas culturais de outros
mundos que inviabilizam a validade do projeto.
Primeiro, confunde fatíbilidade econômica com fatibilidade
tecnológica; segundo, glorifica acriticamente os desenhos
estrangeiros como se eles representassem o non plus ultra
tecnológica e correspondessem imediatamente às necessidades
do país. (Bonsiepe, 1975:149)
Bonsiepe prossegue sua crítica demonstrando que o produto estrangeiro foi
criado em seu próprio contexto, inclusive com recursos tecnológicos característicos de
10
Três aspectos serão enfocados em diversos momentos deste trabalho: Desenho Criativo, Desenho Nacional e Desenho Universal.
São termos utilizados pelas pessoas envolvidas nas questões do ensino de Projeto na PUC-Rio, que encontram correspondentes em
teorias que servirão de base para a fundamentação do Design Social. Os conceitos de Desenho Criativo e Nacional se confundem, pois estão vinculados às condições concretas de criação e produção. Opõe-se ao desenho importado, ou seja, à cópia. O Desenho Universal tratado aqui nos fala do trabalho desenvolvido atualmente
pelo professor José Luiz Ripper, no qual o projeto incorpora o maior número de variáveis possíveis num objeto que inclui o criativo
e se opõe ao padronizado.
seu ambiente (materiais, máquinas, mão-de-obra especializada etc.). Produto
apropriado, portanto, para o mundo que foi criado. A cópia traz enganos e reforça a
condição de dependência do país importador para com países estrangeiros
dominantes.
Os produtos estrangeiros são desenvolvidos para um contexto
específico, que não é necessariamente o mesmo do país
importador. No mais, a diferença do nível tecnológico
(materiais disponíveis, máquinas instaladas, mão-de-obra
especializada, qualidade de execução, volume de produção etc.)
impede simplesmente a cópia dos desenhos. (Bonsiepe,
1975:149)
Uma atitude inteligente, no entanto, para ele seria o exercício da adaptação.
Adaptam-se primeiro os produtos estrangeiros às condições tecnológicas do país, para
depois adaptar os produtos estrangeiros às exigências de uso que emanam do contexto
específico do país adaptador. Assim, o produto importado serviria como ponto de
partida e não como ponto final, desenvolvendo uma postura de aprendizado que sabe
aproveitar boas ideias, sem que se fique escravizado a elas.
Mas não podemos dizer que todas as ideias de Bonsiepe foram absorvidas pelo
desejo de se construir um ensino mais eficaz. Sua metodologia de desenvolvimento de
projetos, maximizando a função e minimizando a questão formal, estava distante do
real coletivo que o Design Social foi aos poucos valorizando. Numa situação real de
exercício projetual cabe o interesse pela função como também pela forma nas suas
investidas comerciais.
O pensamento do que seria o Desenho Nacional para os que elaboravam esta
questão no Departamento de Artes da PUC-Rio passava pelas indagações trazidas por
Bonsiepe, mas não se limitavam às suas posições. No mercado de trabalho da época,
início dos anos 80, vigoravam claramente as formas importadas nos objetos
desenvolvidos. A própria prática projetual não se iniciava pelo questionamento da
forma, mas desenvolvia, de modo nada rigoroso, objetos demandados pelo mercado. O
desenho do Terceiro Mundo era um arremedo, uma ficção. Ana Branco (1994) nos fala
da necessidade que se entrevia, então, de fortalecer as pessoas responsáveis pelo
Desenho Criativo (Nacional). A atitude de cópia era fragilizante para a elaboração de
conhecimento no ensino e contornar esta situação fazia-se necessário, na medida em
que não seria o caso de enfrentá-la.
Branco (1995) diz ainda que da tensão entre a negação da prática projetual como
reprodução de coisas existentes e a necessidade de ensinar a projetar no curso surgiu a
ideia de exercitar o projeto onde se pudesse interagir verdadeiramente com o ambiente.
Em pequenas comunidades fortalecer-se-ia o que seria a ALMA do designer. Não como
um serviço indiferente da indústria, mas como um criador de possibilidades
existenciais e mundos potenciais - a realidade das comunidades e seu desejo dariam a
força necessária para desenvolver o projeto. O desenho surgiria da relação do corpo
vivo com o meio ambiente, transformando os envolvidos de usuários passivos em
autores de seu mundo e sua prática. Precisava-se aprender como projetar assim. Quais
lugares possibilitariam esta prática? Aqueles desprezados pela indústria com seus
modelos prontos para a normalidade. Velhos, crianças, cegos, surdos, espaços
alternativos gerando campos de verdade onde o exercício do projeto seria mais
proveitoso para o aluno, fazendo-o confrontar-se com situações reais e não apenas com
questões abstratas. O Design Social ligou-se às minorias para contornar os limites
comerciais que a indústria impunha ao exercício do projeto.
Vale frisar que a discussão do Desenho Criativo fazia sentido na época, quando
não se experimentavam as questões trazidas pela transnacionalidade de hoje em dia,
graças às tecnologias da comunicação. Hoje, na era da informática e da virtualidade,
vários conceitos ligados àquela época estão em xeque. Qual o sentido de um Desenho
Nacional num mundo que já fala de uma economia e uma comunicação universal? O
que seria "nacional", se não apenas um ultrapassado conceito político? Mas o que esta
discussão nos traz, atualmente, só tem sentido se entendermos como Desenho Nacional
aquele que é singular de um lugar, de uma realidade concreta, aquele que traz a
essência de uma realidade. O encontro com aquilo que é próprio é um exercício ao
mesmo tempo singular e universal, pois o universal engloba todas as singularidades.
Por isso, o ensino de Projeto elaborado à luz do Design Social nos leva a pensar
também o Desenho Universal, cada vez mais desenvolvido em todo mundo.
Recentemente em São Paulo, no Congresso Panamericana 96 Graphic Design, vários
designers gráficos, nacionais e estrangeiros debateram o tema: "Design Regional,
Design Global". David Carson, designer considerado o criador do Design da Nova Era,
chamou a atenção dos trabalhos dos designers brasileiros em relação a um padrão
nacional: "...acho que os designers brasileiros ainda estão muito concentrados em
copiar ou pelo menos dar um caráter internacional ao Design. Eles deveria usar mais
uma linguagem daqui. Bem feito, ficaria universal." (Ramalho, O Globo, 1996).
O Desenho Universal, em minha opinião, vem dos mesmos princípios do
Design Social e caminham sob os mesmos princípios, pois trabalhando os casos
específicos reconhece-se as diferentes nuances que cada objeto pode ter de acordo com
seu uso, sua subjetividade, seu meio ambiente.
O Desenho Universal não é a média formal de diferentes desejos, padronizando
uma demanda. Na verdade, Design Social e Desenho Universal se opõem à
padronização, pois vinculam-se de forma direta a uma identificação com o real. O
objeto universal atinge uma maioria. Por conhecer a singularidade geradora e por
saber das diferenças, não tem a ilusão de que tirar uma média matemática e calcular
friamente um procedimento fazem a qualidade de um projeto.
Segundo Branco (1994), o Design Social surgiu da ideia de trazer maior
consciência ao projeto na medida em que, sendo desenvolvido numa universidade,
onde se exige a valorização do pensamento na transmissão da prática profissional, a
criatividade, o ciclo ação-pensamento-ação estaria aberto à experimentação
responsável, afetando diretamente a realidade. A ideia era percorrer um processo real
de trabalho, onde verdadeiras resistências e obstáculos se manifestassem, vindos de
fora e não da imaginação do professor. Seriam desafios do mundo, da realidade social.
Um campo de trabalho determinado, limitado em seu espaço, porém com uma
possibilidade de ação sem limites por parte do aprendizado dos alunos. Papanek
reforça esta ideia quando diz:
Na era industrial e tecnológica, é fundamental analisar o
compromisso social do designer, porque o usuário não pode ser
visto como autônomo na engrenagem industrial. O usuário é
um ser humano. (Papanek,1977:36)
O que Papanek não considera, e que é a marca do DS, é que para ele o usuário
não é o interlocutor. É alguém para quem um projeto é feito. Como uma relação
paternal. O Design Social, na verdade, tem uma relação de trabalho onde o designer
trabalha com e não para alguém.
Uma atitude como esta, da participação do usuário como interlocutor, não
caduca no tempo. Ecoam com outras de diferentes áreas, como a geografia, onde o
brasileiro Milton dos Santos (Santos, 1994), agraciado na França em 1994 com o prêmio
"Vautrin Lud", nos diz: "Valores locais produzem cidadania. A força do consumo em
moldes globais é o que leva ao abuso da palavra 'usuário' como substituta de E da
palavra 'cidadão' como 'consumidor' no discurso político". O que se resgata
trabalhando com um grupo específico é o papel do cidadão que não fica passivo no
lugar de consumidor, mas que é ativo na co-autoria de um projeto desenvolvido com
ele, e não para ele. A valorização do ser humano como alguém atuante no projeto vem
trazer ao aluno projetista força e determinação para realizar um trabalho independente
de comprometimentos alheios aos interesses da coletividade social onde o projeto se
desenvolveu.
Quando o outro se transforma em uma convivência, a reação
obriga a que o pesquisador participe de sua vida, de sua
cultura. Quando o outro me transforma em um compromisso, a
relação obriga a que o pesquisador participe de sua história.
(Brandão, 1984:12)
Atualmente podemos ver este tipo de procedimento na ergonomia francesa que
se assemelha muito ao Design Social principalmente por projetar incluindo o usuário
como principal contribuinte para o desenvolvimento de um projeto. Podemos ver isto
na própria metodologia aplicada na análise ergonômica do trabalho: a interação com os
usuários e as chamadas verbalizações (conversas onde após observações de um
comportamento, o ergonomista obtém do usuário informações que numa entrevista
predeterminada não conseguiria) são atitudes típicas desta ciência que tem, hoje, sua
face mais humana no pensamento desenvolvido pelos franceses.
A ergonomia estuda a atividade de trabalho a fim de contribuir
para a concepção de meios de trabalho adaptados às
características fisiológicas e psicológicas dos seres humanos,
com critérios de saúde e de eficácia econômica. (Guerin et al,
1991)
Outro autor que influenciou muito a geração do pensamento do Design Social
no Departamento de Artes da PUC-Rio foi o arquiteto C. Alexander (1976). Segundo
este autor, a Universidade de Oregón havia sofrido um crescimento rapidíssimo e
estava imobilizada pelas invasões tecnocráticas. Necessitava de uma reforma geral em
sua arquitetura. Precisava criar um novo procedimento para sua nova situação.
Alexander abriu, então, o exercício de projeto, feito com a comunidade interessada, que
ficou completamente envolvida.
As pessoas implicadas neste processo se sentiram plenamente
identificadas com seu trabalho e conseguiram estes resultados
unicamente graças a seu conhecimento das atividades
cotidianas e dos problemas da escola. (Alexander, 1975:41)
O princípio de participação mereceu o desenvolvimento de regras que foram
cumpridas com determinação. Havia leis como: "Em cada edifício novo que se deva
projetar haverá uma equipe de desenho formada por usu{rios” ou então: "Qualquer
tipo de usuário poderá iniciar um projeto e somente estes (projetos) poderão ser
financiados”. Ou ainda: "O tempo que necessite o grupo de usu{rios para desenhar h{
de considerar-se como algo legítimo e essencial de seu trabalho di{rio”. (Alexander,
1976:45)
Assim, Alexander e sua equipe desenvolveram um trabalho exemplar, gerando
com sua prática um documento importantíssimo materializado no livro Urbanismo y
Participación, que traz toda a história com detalhes essenciais sobre o procedimento do
projetista ou sua relação com a população envolvida. Essa nova concepção de projeto
inspirou a prática do Design Social. Atualmente muitos acreditam que esta prática está
ameaçada pela eficiência cada vez maior dos meios de comunicação eletrônicos. A
informática vem criando um mundo de sensação e aperfeiçoando a linguagem digital,
produzindo informações que são lidas cada vez mais através de máquinas e
aproximando eletronicamente as pessoas.
Quando a Pedra Roseta foi encontrada, com os escritos dos egípcios, os
antropólogos franceses se debruçaram sobre aqueles códigos e através de muitos
estudos e pesquisas decifraram o documento. Havia um material possível para ser
estudado por mãos e olhos humanos. Hoje, em face de um disco laser CD-Rom, com
uma enciclopédia inteira arquivada em sua memória virtual, sua leitura só poderá ser
feita através de uma máquina. O homem só verá, com seu "equipamento natural", um
disco prateado. Talvez mais nada. Baudrillard que se preocupava com o anonimato das
máquinas, ressaltando que o motor a manivela ainda precisava do papel do homem
para acionar seu funcionamento, já via que as máquinas excluíam cada vez mais a
presença humana.
A apreensão dos objetos que atingia todo o corpo é substituída
pelo contato (mão ou pé) e pelo controle (olhar, às vezes
audição). Enfim, as únicas "extremidades" do homem
participam ativamente do meio ambiente funcional.
(Baudrillard, 1989:55)
Baudrillard talvez mal pudesse imaginar, na época, que algo ainda mais excluidor da
presença humana viria preencher o universo humano. A informática, com sua
linguagem digital e a comunicação à distância, a cada dia mais eficaz, prescinde da
presença humana nas comunicações.
O Design Social foi uma inovação no ensino de Projeto e, segundo Parlett e Hamilton
(1972), a inovação é uma espécie de prioridade educacional e a pesquisa sobre a
inovação mostra-se enriquecedora, tanto para o inovador quanto para a comunidade
acadêmica, desvendando os processos educacionais, os meios de aprendizagem,
ajudando o inovador e outros interessados a identificarem os procedimentos e
elementos curiosos do trabalho pedagógico.
1.3 O ENSINO DE DESIGN SOCIAL NA PUC-RIO
1.3.1 A ESTRUTURA ATUAL DO CURSO DE DESIGN
O ensino de graduação de Desenho Industrial na PUC-Rio tem nas disciplinas
de Projeto a espinha dorsal do curso. São as disciplinas chamadas PPD - Planejamento,
Projeto e Desenvolvimento, que se desenvolvem em seis módulos, cada qual com a
duração de um semestre letivo.
Os dois primeiros módulos da disciplina Projeto são comuns às
duas habilitações (Comunicação Visual e Projeto de Produto) e
têm como característica básica a identificação, pelo aluno, de
situações de projeto em um contexto real junto a um grupo
social com o qual ele desenvolve o trabalho, chegando até a
construção de protótipos que podem ser experimentados e
utilizados...
A partir do terceiro módulo o aluno assa a desenvolver projetos
direcionados à habilitação específica...
Os módulos três e quatro não trabalham necessariamente com
um grupo social real...
O quinto módulo da disciplina de Projeto representa a síntese
do trabalho desenvolvido ao longo dos quatro módulos
anteriores...
O sexto e último módulo dessa disciplina, denominado Projeto
Conclusão, direciona seu trabalho em função de sua futura
atuação profissional. (Catálogo do Departamento de Artes,
1993/ 94:8)
Como vemos, o curso está estruturado de maneira a levar o aluno, já no
princípio de suas atividades acadêmicas, à prática do método do Design Social. Além
dos dois primeiros módulos, existe a possibilidade de se utilizar este enfoque
metodológico também no sexto módulo - porém, neste último, depende do professor
orientador, que pode ou não orientar desta forma. O DS também está presente na
filosofia de trabalho de projetos de pesquisa desenvolvidos pelos professores Ana
Branco e José Luiz Ripper, que são a Bio Oficina sem Vestígios e o LOTDP (Laboratório
Oficina de Treinamento e Desenvolvimento de Protótipos), projetos estes que
comentarei no segundo capítulo desta dissertação.
1.3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS MATÉRIAS DE PROJETO
ORIENTADAS PELO DESIGN SOCIAL NA PUC-RIO
A utilização do Design Social na PUC-Rio nestes 14 anos, teve seu marco inicial
na introdução de disciplinas de Projeto no primeiro semestre do curso. A crença de que
o aluno já chega na universidade com capacidade para projetar suplantou a ideia de
que ele só estaria preparado para desenvolver um projeto no último semestre do curso,
como era praticado na orientação anterior de ensino de disciplina de Projeto do curso
de Desenho Industrial da PUC-Rio.
A ideia era de que o aluno j{ estava preparado para "aprender fazendo”, não
sendo caso de esperar mais nada. No fazer, na ação, estava o princípio de tudo: "No
princípio era o Verbo" (Jo 1,1), já dizia São João.
Esta postura educacional, inclusive, resgatava a força de ensino que a Bauhaus
tinha com seu método de abordagem, desenvolvido em confronto com o mecanicismo
acadêmico de sua época. O "Método Bauhaus” pregava justamente que se aprendesse
fazendo, através do ofício manual, em vez de aprender lendo ou ouvindo aulas.
Além das disciplinas iniciais de Projeto (Projeto Básico I), por volta de 1984 foi
realizada uma experiência chamada Projeto Rodízio, onde três professores revezavam-
se na orientação de três turmas diferentes. Era uma tentativa de dar ao aluno a
oportunidade de ver diversos enfoques para seu projeto e enriquecê-lo. Esta
experiência foi suspensa, tendo sido retomada atualmente no segundo módulo do
curso de Desenho Industrial: o Projeto Básico II.
Depois da primeira fase do Projeto Rodízio, esta metodologia se fez presente no
Projeto Integrado, onde numa só turma, eram matriculados alunos de períodos
diferentes, ampliando o nível das discussões em sala. Esta política, por outro lado,
também permitia ao aluno maiores opções de orientadores de projeto. Isto era
interessante, pois podia-se desenvolver projetos diferentes orientados por professores
diferentes, como projetos diferentes orientados pelo mesmo professor, dando assim
uma continuidade, não no produto desenvolvido mas no tipo de orientação para os
projetos que o aluno escolhia para fazer.
E aí estava a marca que permeava todos os meus projetos. A
marca dos contrários: aprender-ensinar, esquerdo-direito, bom-
ruim. Pontos opostos de uma mesma pessoa. Sinto pena
quando vejo hoje que a possibilidade de fazer todos estes
projetos desta maneira não exista mais. Com as divisões todas
que o curso tem agora, o Projeto Básico só consegue fazer um
trailler do filme. Quando se tinha liberdade de escolher o
orientador, podia-se trilhar um caminho próprio e se ter um
aprendizado mais consistente, a meu ver. (Pacheco, 1995:67)
A prática do Design Social na PUC-Rio já foi objeto de iniciativa de documentação e
sistematização, como o já citado projeto de tese de mestrado da professora Rita Couto,
do Departamento de Artes desta universidade. Neste trabalho, ela conclui:
. . . julgo que a utilização desta prática (Design Social), para
veicular o ensino de Projeto, oferece ao professor a
oportunidade de desenvolver, no aluno, o gosto pela
participação e pelo trabalho multidisciplinar, o respeito pelas
necessidades do futuro usuário do objeto que será projetado.
Levando em conta este potencial, considero conveniente que se
aprofunde o estudo das várias facetas da aplicação do Design
Social no meio acadêmico, para que ele possa ser aproveitado
em toda a sua plenitude. (Couto, 1991:69)
1.4 A MINHA EXPERIÊNCIA COM A PRÁTICA DO DESIGN SOCIAL
Venho lecionando a matéria de Projeto Básico I, sob o enfoque metodológico do Design
Social, há cerca de sete anos. Neste período pude acompanhar seu desenvolvimento e
participei de seu amadurecimento através de observações, ações e muitos projetos
orientados e acompanhados. Vejo que a experiência por mim acumulada ilustra com
bastante fidelidade a prática deste método e, como se caracteriza a dinâmica de aula,
para que possamos ver a alma deste enfoque metodológico e com o que ele se associa
na busca de melhor ser entendido e vivido.
PAVÃO: UM PROJETO
Em julho de 1990 entra pela PUC-Rio adentro um carro de bombeiros enorme.
Foi direto para a Barraca, sala de aula do Departamento de Artes que no final da
universidade, perto do campo de futebol. Nós, que já estávamos na Barraca em plena
apresentação final de Projeto Básico I, apenas vimos quando os bombeiros chegaram
com "toda a tropa” para a demonstração do objeto que os alunos José Francisco e
Gustavo fizeram junto com os bombeiros de um quartel do Centro da cidade. Logo
chegaram os curiosos, e a demonstração foi no campo de futebol.
O objeto era um suporte que recebia uma mangueira, de tal maneira que esta
jorrava água de um jeito que batendo neste suporte produzia uma cortina de água em
forma de leque. A agua neste suporte e a cortina de agua unha o efeito de proteger o
bombeiro do calor produzido pelas chamas num incêndio bem forte. O bombeiro, ao
correr em direção ao fogo, deveria levar este suporte e duas mangueiras: a sua e a que
ficaria ligada ao que os alunos chamaram de pavão, pela semelhança com a ave.
Durante a etapa de criação os alunos viram que deveria ser um objeto bem simples e
leve, que tivesse as dimensões e o peso necessários para produzir o efeito desejado e
sabiam que a forma seguiria regras que a moldaria. Os estudos para determinar
exatamente como deveria ser o objeto foram feitos com o Departamento de Física da
PUC. Os alunos procuraram o professor Erasmo Ferreira Madureira daquele
departamento, que os orientou quanto à forma, material etc.
Lembrei que os alunos não estavam entendendo bem, no início do semestre, o
que era para fazer. Estavam num ritmo muito lento e com um agravante: o sistema de
turnos dos bombeiros. Eles precisavam trabalhar com pessoas determinadas, não
conseguiam dar continuidade ao trabalho, estando apenas algumas vezes com cada
pessoa. Vi, por volta de maio daquele ano, que aquele processo não levaria a lugar
algum. Para se fazer um projeto onde se pretende reconhecer o ambiente que se
trabalha, no tempo que se tinha - quatro meses -, era preciso que, no mínimo, eles
diminuíssem as variáveis. As pessoas de contato, os interlocutores, deveriam ser os
mesmos. O assunto também. Conversei com os alunos dizendo que se não se
adaptassem aos horários dos bombeiros jamais conseguiriam fazer nada com eles. Seria
melhor trancar a matéria e retomar quando escolhessem ou um lugar que pudessem ter
horários compatíveis ou um momento em que pudessem dar prioridade ao trabalho.
Só se conhece em profundidade alguma coisa da vida da
sociedade ou da cultura, quando através de um envolvimento -
em alguns casos, um comprometimento - pessoal entre o
pesquisador e aquilo ou aquele que ele investiga. (Brandão,
1984:8)
Acabei dando-lhes um grande susto. Vi que, neste momento, sentiram que o
negócio era pra valer. O gosto dos alunos por bombeiros era genuíno, verdadeiro:
optaram pela prioridade ao trabalho. Passaram a ir ao local onde o trabalho seria
desenvolvido seguindo os turnos das pessoas que os receberam.
Sempre, nos locais onde os projetos são desenvolvidos, há pessoas que são mais
receptivas que outras. E "a gente só deve trabalhar com quem quer trabalhar com a
gente." Esta regra é fundamental em Projeto. E estes alunos encontraram um soldado
com uma questão pertinente, apoiado pelo comando do quartel: ele procurava uma
maneira de aliviar o perigo de queimaduras de quando o bombeiro estivesse apagando
o fogo em um ambiente muito quente. Daí surgiu o pavão, baseado numa ideia que já
existia e com a qual este soldado estava lidando.
Também neste projeto pude experimentar ir ao local de trabalho escolhido
pelos alunos. Foi muito proveitoso ver de perto o que estava acontecendo. Quando os
alunos contam em sala sobre o projeto falam uma coisa. Mas os fatos falam também. E
nem sempre é a mesma coisa. É importante saber analisar os fatos e as falas. Quando se
vai ao local do projeto pode-se ver mais coisas ainda. Por exemplo: os alunos dizem
que estão se envolvendo com as pessoas e participando das atividades do grupo.
Acontece uma mudança de uma atividade e os alunos não são avisados. O fato pode
demonstrar que este envolvimento não é o suficiente para corresponder às expectativas
da matéria. Muitas vezes os alunos não sabem exatamente como deve ser este
envolvimento e são capazes de dizer que estão por dentro de tudo, quando na verdade
não estão. A visão deles mais os fatos ajudam a formar uma ideia de como realmente
está acontecendo o desenvolvimento do projeto, podendo-se orientá-los. No entanto,
também a realidade pode trazer novos dados. Quando fui ao quartel vi que os alunos
não tinham escolhido o grupo ou a pessoa com qual iriam trabalhar. Estavam ainda
perdidos, pois eram bem tratados e todos pareciam atenciosos. Só mais tarde
conseguiram descobrir o "parceiro" ideal. Estas idas aos locais de trabalho dos projetos
sempre foram muito importante para mim, como orientadora, porque pude ver de
perto quais eram as atitudes que os alunos tinham e também ver como se podia
conversar com os interlocutores para que eles entendessem o que se passava.
A TURMA DO IN: UM ACONTECIMENTO
No semestre iniciado em agosto de 1989, anterior ao relatado acima, havia
deixado quase toda a minha turma em grau IN (grau incompleto). Isto significava que
quase todos os trabalhos estavam incompletos. Foi uma frustração geral. Mas
realmente não havia nenhum trabalho completo. Passei o semestre falando coisas e
ouvindo outras e pensando que só com isso saberia o que se passava. Quando os
alunos balançavam a cabeça dizendo que haviam entendido o que eu estava dizendo,
na verdade não estavam e não consegui perceber. Era preciso que a orientação fosse
mais eficiente no momento de obter dos alunos suas ações. Apenas palavras não era
suficiente e os alunos podiam estar dizendo coisas que não estivam realmente
acontecendo. As saídas para este tipo de impasse foram, no semestre seguinte, passar a
usar desenhos para ajudar a me comunicar com os alunos, além de me utilizar da
Barraca, sala de aula já citada, idealizada e construída para lecionar as matérias de
Projeto.
DESENHOS: UM MEIO
O Design Social não é uma metodologia pronta, fechada e por isso rígida: é um
desenho vivo que vem se desenvolvendo ao longo de seus 14 anos. E uma de suas
grandes evoluções é o uso de desenhos durante as aulas, iniciado com as aulas na
Barraca. Esta maneira de comunicação é um procedimento que contribui para que os
alunos contem seus projetos, que professores possam usar a própria fala do aluno e sua
visão estampada nos desenhos para melhor orientar e também para que o aluno já
comece, com os desenhos, a projetar aquilo que deseja. Entende-se desenho, neste
processo, como desígnio. O aluno designando o que deseja. A elaboração de desenhos
permeia todo o semestre, sendo impulsão para encontros com pessoas interessantes,
quebra de obstáculos e projeção de resultados harmônicos com o ambiente.
O desenho foi também um recurso inspirado pelo espaço.
Quando ampliamos com desenho a nossa comunicação em sala
de aula, percebemos que o processo de autoconstrução caminha
paralelo à construção do objeto na convivência com o outro.
(Branco, 1993)
Um exemplo concreto:
O aluno Bruno e seu grupo escolheram desenvolver um projeto no Jardim
Botânico do Rio de Janeiro. Trabalhavam com um grupo de quatro professoras que
coordenavam as visitas, trabalhando diretamente com professoras e alunos que
visitavam o parque. Bruno começou a desenhar. Pedi, então, que desenhasse o
ambiente onde o projeto se desenvolvia, as crianças, as professoras que visitavam o
local, as coordenadoras, ele mesmo e seu grupo etc. Ele sempre desenhava as crianças
separadas dos adultos; desenhava o contexto, mas não incluía as colegas de grupo,
nem a professora, nem ele mesmo. Vi aí algo muito comum em início de projeto: o
sentimento de alguém que ainda não se vê envolvido. Com o desenvolver do projeto,
Bruno passou então a desenhar só a si mesmo e ao restante do grupo, mas sem as
crianças. Pedi que desenhasse de novo. Era importante que sendo um trabalho que se
valorizava o grupo trabalhando junto, ou seja, alunos da PUC-Rio e o pessoal do
Jardim Botânico, que este encontro já estivesse acontecendo no desenho. É
impressionante como não se consegue desenhar o que não se consegue fazer. Treinar
isso é muito mais fácil se começamos pelo desenho, do que se quisermos realizar
inicialmente ao vivo. O desenho serve para ajudar a quebrar barreiras de vergonha,
inexperiência, dúvidas, medos.
Insisti e ele começou a desenhar todo mundo junto. Por conta própria, começou
a desenhar situações impossíveis acontecendo. Isto porque o projeto estava emperrado.
Não se estava conseguindo trabalhar com as professoras do Jardim Botânico
envolvidas, na medida em que elas não tinham ações concretas onde o grupo pudesse
se basear para trabalhar. Como este tipo de projeto as pessoas não levam a base do
trabalho para poderem desenvolver no local escolhido, é preciso encontrar esta base lá
mesmo. A vantagem disto é que se garante aí a autenticidade do interesse do grupo
envolvido nas ações que se seguirão. As professoras do Jardim Botânico tinham ideias,
mas não tinham movimentos seus em direção a elas. É tentador para o aluno imaginar-
se portador de boas ideias e levar para um grupo uma ideia salvadora, vindo de sua
dedicação e interesse pelo trabalho. Mas temos visto que quando o aluno, em vez de
levar uma salvação, procura um encontro de ideias concretizadas por ações e
movimentos, o resultado naturalmente se compromete com o uso, a manutenção, o
desenvolvimento do projeto. Quando Bruno viu que o projeto estava emperrado - e
não sabia ainda por que -, quis sair da inércia, começando a desenhar situações que
pareciam impossíveis, num significado de projetar uma saída para o projeto.
Desenhou, por exemplo, crianças brincando, no Jardim Botânico, num lugar proibido
para elas. Vendo como ia o projeto, através dos fatos e dos desenhos, vimos que já
sabíamos demais sobre o assunto e que alternativas ligadas a ele seriam possíveis.
Através da quebra de regras, feita pelo desenho, os alunos naturalmente chegaram a
outro caminho, quebrando os bloqueios existentes.
Com a experiência que tinham e com os contatos feitos durante o tempo do
Jardim Botânico, acabaram por passar a trabalhar num colégio que era ligado ao
parque e que sempre fazia visitas. Quando não as fazia, não deixava de ter aquele
lugar como ponto de referência para seus estudos. Neste novo ambiente, os alunos da
PUC puderam delimitar mais o campo de ação, tendo crianças com idades definidas,
professoras com funções claras e objetivos que puderam ser combinados com eles.
Sempre é importante, em Projeto, que se limite o espaço de ação, mas nunca a ação no
espaço. Antes da mudança os alunos desenharam o novo local de trabalho, a maneira
como gostariam de ser recebidos e prepararam o ambiente para sua chegada. É muito
comum vermos alunos desenharem locais e pessoas que ainda não conhecem e,
quando as veem pela primeira vez, se espantam com as semelhanças com os desenhos.
O projeto foi, então, desenvolvido nesta escola e estava ligado à alfabetização, sendo
que os elementos usados tinham a ver com o Jardim Botânico, porque ele mesmo já
fazia parte da cultura daquela escola. Foi criado um jogo, em cujo tabuleiro havia um
caminho que deveria ser percorrido por peões com a utilização de um dado, para que
os alunos usassem da sorte para caírem em casas com sílabas a serem relacionadas com
os objetos que ficavam ao longo do caminho do jogo. Estes objetos eram relacionados
com o Jardim Botânico. Por exemplo: uma árvore "abricó de macaco" ficava ao lado de
uma determinada casa. Se o aluno jogasse o dado e caísse numa casa anterior à da
árvore e fosse uma casa com a sílaba "có" ele tinha a chance de falar uma palavra que o
levasse para mais adiante no jogo, podendo chegar logo ao final do caminho. No caso,
a palavra seria "abricó". Todas as sílabas estavam ligadas à realidade dos alunos,
representada pelos elementos do Jardim Botânico. A alfabetização se dava
naturalmente, tendo o jogo atingido seu objetivo.
ALEGRIA: UM APRENDIZADO
Outro episódio da minha experiência na orientação de projetos desenvolvidos
sob o enfoque metodológico do Design Social e que considero marcante na história que
este método vivo escreve na PUC-Rio é o momento em que deixamos de trabalhar com
os problemas e passamos a trabalhar com a alegria.
Trabalhar com a alegria é uma contribuição do meio Barraca ao
DS. Foi trabalhando com as jaqueiras que descobrimos que
iniciar um trabalho com "enthousiasmo" (entusiasmo=Deus
dentro), com encantamento, com o que nos afeta, é o primeiro
sinal de que estamos no caminho certo. (Branco, 1994)
Isto aconteceu em meados de 1989 e foi mais um passo coerente com o compromisso de
educar e trabalhar o aprendizado de Design da melhor maneira possível numa
universidade. A professora Ana Branco estava já trabalhando com seus alunos nesta
postura, na Barraca, quando comecei a fazer parte deste trabalho que vem se
aperfeiçoando ao longo dos anos.
Até então trabalhávamos com a palavra problema. Isto significava que a orientação
dada era a de que os alunos procurassem nos locais de trabalho escolhidos, num
problema que eles pudessem resolver, junto com as pessoas do local. Minha turma
tinha um grupo trabalhando num restaurante, onde os alunos haviam percebido um
problema relativo ao calor; outro que trabalhava num barco com mergulhadores e já
haviam detectado vários problemas; e outros trabalhando numa livraria, num colégio
etc, também voltados para o que não funcionava bem. E todos os grupos tinham em
comum outro problema: estavam emperrados com seus projetos.
Educação é isso: o processo pelo qual os nossos corpos vão
ficando iguais às palavras que nos ensinam. (Alves, 1994:34)
Mas também estavam acreditando, orientados pelo curso, de que poderiam
solucionar e resolver problemas, contanto que tivessem uma determinada postura. Ou
seja, o curso estava dizendo aos alunos que eles eram resolvedores de problemas e
ensinava como agir assim. Os alunos descobriam um problema num determinado local
de trabalho que ninguém de lá ainda havia resolvido. Com sua ajuda, tudo estaria
solucionado. O exercício tinha uma lógica que alimentava o ego dos alunos num
momento em que justamente precisa-se aprender humildade, paciência, atenção etc. O
perigo de trabalhar da maneira "problema" era valorizar que, na vida, o importante é o
problema e a respectiva solução, e não o que é saudável, perdendo a oportunidade de
trabalhar a educação.
É um assunto delicado este. Um jogo de palavras pode confundi-lo. Quando se
está muito ligado ao raciocínio das propagandas de cigarro, por exemplo, onde o
melhor, o mais bonito é o valorizado, enfocando uma visão de mundo melhor ou pior -
em vez de falar de outros valores - talvez não se entenda direito. Ou então aqueles
anúncios do tipo: ”Violência, não!”, onde o que se enfoca é o problema e não a solução.
Uma propaganda falando "Saúde, sim” fala daquilo que realmente se deseja e mostra o
caminho da cura e não do que faz mal. Quando se fala de saúde, pensa-se logo em
alimentação saudável, práticas saudáveis, momentos de lazer, felicidade. É um
discurso que aponta diretamente para as coisas boas. Quando se fala de violência, se
fala de morte, injustiça. É um discurso que enfoca diretamente a coisa ruim. E é este o
discurso que comumente se vê em todo o lugar. Ou é este ou é o da propaganda de
cigarro que mencionei antes, onde há um melhor a ser atingido, existindo, com isso,
alguém em pior situação que você. É como aqueles convites para se inscrever numa
destas TVs a cabo, cujo texto diz que você precisa se inscrever porque o seu vizinho
está vendo coisas muito legais e por isso você deve estar morrendo de inveja dele. Para
uma sociedade onde a competição é incentivada, esta propaganda tem muito sentido.
Para uma sociedade onde a cooperação é incentivada, perde a graça (para quem não
gosta de televisão também).
Quando temos um lugar de ensino a oportunidade de questionar posturas e não
fazemos isso, alimentamos o mundo que nos cerca. Se estamos satisfeitos com ele,
ótimo; se queremos conhecer outras coisas - e pesquisadores e alunos são naturalmente
curiosos - evidentemente não é bom repetir o já conhecido. Quando constatamos
situações positivas e queremos que sejam mais presentes, aí temos a oportunidade de
fazer um movimento neste sentido. E falar não adianta nada. Por isso o Design Social
torna-se tão importante: ele age. Em sua “filosofia de vida” promove a Educação, com
e maiúsculo.
Como na área de Design a concretização é uma realidade, na área de ensino de
Design é imprescindível que se trabalhe com coisas concretas. O DS trouxe a uma
prática de ensino a oportunidade de exercitar os alunos em situações reais de trabalho,
e esta nova postura traz para uma realidade prática a possibilidade de encontrar o
ponto, o assunto, aquilo que num ambiente de trabalho demonstre potencial para
promover a realização de algo que se deseje. E esta prática dos alunos esta diretamente
ligada aos seus interesses. Com isso, procura-se promover a oportunidade do aluno
ligar seu projeto à sua vida. Não teria sentido incentivar outra forma de aprendizado.
Como diz Rubem Alves (1994) “o corpo não suporta carregar o peso de um
conhecimento morto que ele não conseguiu integrar com a sua vida”.
E isto é muito diferente de procurar um problema e propor e propor o que se
chama de solução.
Todo semestre tenho exemplos concretos desta prática. Se parecem com casos
como o da aluna Fernanda que, chegando numa escola e procurando ver quem e com o
que trabalhar, identificou logo a professora que estava gostando do seu próprio
trabalho. Pedimos sempre que os alunos procure quem tem olhos brilhando. A cada
semestre, ou a cada ano, mudamos as palavras para dizer isto, porque o os alunos têm
sua própria língua. Num ano, a palavra de ordem era amarradão: "Procure quem está
amarradão! "; num outro semestre, foi poderosa: "Quem é a poderosa aqui?". Já teve
época, também, que pedíamos que eles procurassem um desejo de alguém. Quando se
trabalha com alegria, encontra-se pessoas, independente do que são ou fazem, que
serão os "parceiros" deste projeto. A parceria não será uma escolha do aluno. Ela se
dará por um encontro. Um acontecimento onde num espaço circunscrito pelo interesse
do aluno haverá pessoas trabalhando num interesse comum. É quando o desenho se
toma coletivo. É quando o Design Social se vê Desenho Coletivo. No DS bastava que o
aluno encontrasse um grupo de seu interesse, como deficientes ou velhos ou crianças, e
com estas pessoas desenvolvesse um projeto. No D5 cabe trabalhar com problemas que
estas pessoas tenham. No Desenho Coletivo, que vem do Design Social, cabe chegar
num espaço que pode ter deficientes, velhos, crianças, mas a determinação do que vai
se trabalhar é dada por quem estiver fazendo um trabalho com alegria, com iniciativas,
com movimento, com brilho nos olhos. Se esta pessoa é deficiente, velha, criança, se é a
faxineira, se é o pai de alguém, isso só poderá ser visto com a convivência, com o
trabalho realizado, juntando os movimentos dos desejos destas pessoas que "brilham"
com os movimentos dos alunos.
A ideia é, sempre, buscar a essência daquele espaço, do trabalho daquelas
pessoas, através de seus desejos e ações.
A essência do homem, em oposição ao que Descartes mantinha,
consiste em desejo e não em pensamento. (Alves, 1993:70)
Mas sempre suas "antenas" ficam atentas para saber quem "brilha", quem tem
ações, interesses e por isso potencial para um trabalho. É gratificante ver nas
apresentações de Projeto aqueles alunos tranquilos, dizendo com a maior seriedade do
mundo que fulano não brilhava e por isso mudei de sala e encontrei cicrana que tinha
os olhos brilhando e aí fiquei trabalhando com ela.
A Fernanda logo percebeu que a professora o interesse, que se em suas ações,
de trabalhar a comunicação com aquelas crianças. E viu também uma televisão de
papelão que estava encostada, sem uso. Logo teve a ideia de ressuscitá-la. Eu lhe disse:
“Se est{ encostada, deve ter algum motivo. Procure o que est{ dando certo, o que a
professora já faz e consegue resultado. São em cima destas ações, desta maneira que a
professora consegue seus resultados que vamos trabalhar”.
Esta é uma postura que poderia se chamar de positivista, mas prefiro chamar de
linguagem do fogo, que tem a ver com atitude que devemos ter para acender uma
fogueira:
Quando a gente começa a acender uma fogueira, o que que se
faz? Juntam-se gravetos secos, um pouco de papel, pega-se uma
lenha grossa pra manter o fogo e se começa o ritual. O fósforo
aceso pega no papel que se junta aos gravetos e começa uma
conversa, daquelas de início de namoro. A gente fica
administrando esta história ajeitando aqui, soprando ali e tal.
Não se pode descuidar porque o fogo não está pra brincadeira.
Ou se trata dele seriamente ou ele nem liga e nos abandona.
Bom, então não adianta ficar olhando para o lado, vendo as
cinzas da última fogueira (grifo nosso), vendo o que está
apagado. Pra acender é preciso Ver o foguinho que se tem e
incrementá-lo. Só assim, e com atenção, dedicação, pega fogo
em tudo. . .
E assim é que a gente aprendeu a fazer projeto, e a se comportar
no mundo e a ficar fazendo esse negócio que chamam de viver.
É a linguagem que o fogo entende. (Pacheco, 1995:30)
A televisão era a cinza e o fogo o que a professora estaria fazendo "amarradona"
fazendo. Acabou que ela fez um trabalho em cima do momento em que a professora
contava histórias e construiu um suporte de papelão com três faces, onde histórias
poderiam ser contadas através de desenhos. Tinha a ver com o método da professora,
que precisava que seus alunos vissem o processo da história. O produto, feito com a
professora, com seus movimentos e seus interesses, teve um sentido, uma identidade
com seu trabalho.
Esta procura do interesse das pessoas, do que elas estão debruçadas no
momento em que as encontramos, pode-se chamar de demanda.
Foi neste ponto que ocorreu uma inovação em termos de ensinar e aprender
Projeto: eliminando a palavra problema e toda a carga que ela tem de algo ruim, algo
parado, a nova postura veio convidar o aluno a procurar aquilo que estava indo bem e
não aquilo que estava emperrado. Por quê?
Porque se estivermos atentos a enxergar aquilo que anda, que funciona, que faz
feliz estaremos em sintonia direta com as soluções. Com isso, os problemas surgirão ou
não e as soluções terão outro nome: seus próprios nomes. Como diz Ana Branco
"trabalhar com os acertos, com a fartura, com o que sobra".
Bergson (1990) nas fala do falso problema a do verdadeiro problema. A falsa é
aquele mal formulado, ou seja, o que toma eterno aquilo que não está indo bem, ao
transformar algo que não sabemos ainda ultrapassar em algo cuja solução é impossível,
ao invés de procurar nas condições da experiência e nas articulações do real modos de
ultrapassar o constrangimento. O verdadeiro problema é aquele que, de tão bem
formulado, já traz consigo as condições de soluções possíveis. Esta postura de trabalhar
com aquilo que está indo bem, que está sobrando em vez de faltando, é justamente o
que Bergson chama de o verdadeiro problema. O que acontece é que optamos por usar
palavras que tratem realmente do que vamos trabalhar: dedicação, movimento, ação,
interesse. Todas estas palavras estão comprometidas com trabalhos e resultados
satisfatórios para quem trabalha.
Capítulo 2
_____________________
FRUTOS
2.1 EXPERIÊNCIAS CONCRETAS DO DESIGN SOCIAL E SEUS
FRUTOS NA PUC-RIO
O Design Social através de sua prática, onde permite que os alunos encontrem-
se consigo mesmos e com os outros num momento de construção, questionamento e
ações, é uma grande discussão prática do assunto Educação. O DS reafirma o que diz o
biólogo Humberto Maturana (1984): "Não é possível conhecer senão o que se faz". E
nisto se baseia o pensamento desta metodologia que, sendo coerente com o que ensina,
utiliza-se de muitos meios de aprendizagem, nos quais podemos reconhecer processos,
procedimentos onde a aprendizagem se apresenta.
O enfoque que Deleuze-Guatarri deram para a definição de meios em seu livro
Mille Plateaux, diz que:
Meios são espaços vibratórios, ou seja, um espaço tempo
constituído pela repetição periódica do componente. Deste
modo o vivo, tem um meio exterior que o reenvia aos materiais;
um meio interior, aos elementos componentes e substâncias
compostas; um meio anexado às fontes de energia e às
percepções-ações. Cada meio é codificado, um código se
definindo pela repetição periódica; mas cada código estando
em estado perpétuo de transcodificação ou de transdução. A
transcodificação ou transdução é a maneira pela qual um meio
serve de base para outro ou, ao contrário, se estabelece sobre o
outro, se dissipa ou se constitui dentro do outro. A noção de
meio não é unitária: não é somente o vivo que passa
frequentemente de um meio para outro, são meios que passam
um no outro, essencialmente comunicantes. (Deleuze-Guatarri,
1980:384-385)
Podemos ver que estes elementos que formam o meio são facilmente percebidos
quando falamos de lugares na PUC-Rio que lidam com a aprendizagem. Também
temos, seguindo este pensamento, a presença da membrana, que é o limite vivo de um
ser. É por onde o afeto passa, isto é, a capacidade de afetar e de ser afetado.
O Design Social é, sem dúvida, uma metodologia de ensino de projetos. Mas é
verdade também que sendo um método de ensinar projeto, um caminho que se trilha
para ensinar a alunos no que prestar atenção, em como agir etc., o DS pode ser também
uma postura de se fazer projetos. Nesta mistura de ser um caminho para ensinar a agir
e a própria ação encontramos espaços mistos de meios de aprendizagem e de ação de
pesquisadores, além dos resultados que a própria prática do DS trouxe para o
aprendizado, como o Desenho Coletivo.
Quando falamos de DS, a particularidades que se nota é que num curso onde se
trabalha com projetos concretos, a importância dos objetos, do fazer, é indispensável
para o entendimento do que se pretende ensinar. Então é muito natural encontrar, num
curso como este, um laboratório que esteja ligado à universidade como local de
pesquisa, mas também ligado a uma comunidade que o alimente de casos reais de
trabalho, como é o Laboratório Oficina de Treinamento e Desenvolvimento de
Protótipos _ LOTDP, sob a coordenação do professor José Luis Ripper. Ou então um
projeto de pesquisa que intrigue o mundo computadorizado, trazendo para a
universidade práticas milenares do fazer com as mãos, como é a Bio Oficina sem
Vestígios, o projeto de pesquisa da professora Ana Branco. Ou mesmo uma sala de
aula que seja também um projeto, como é a Barraca, construída para lecionar as
matérias de Projeto. Todos estes espaços estão no campus da PUC-Rio, fazendo parte
do Departamento de Artes em plena atividade de Educação em Design. São os frutos
do DS que, de uma metodologia de ensino, passa a exercer uma postura filosófica nas
ações, principalmente, dos professores que implementaram este método nesta
universidade. É uma continuação natural do trabalho iniciado.
O LOTDP, por exemplo, surgiu do Design Social na medida em que desde 1982
vinha se desenvolvendo, através dos projetos orientados e desenvolvidos pelos alunos,
trabalhos de forte impacto social junto a setores que a produção industrial e comercial
não atingia. Era o DS que, levando os alunos a trabalharem com o meio físico-social
fora dos muros da universidade, acabou por trazer esta realidade para dentro da
universidade. Com a experiência adquirida junto a esta demanda social organizou-se o
LOTDP, cuja arquitetura foi planejada para facilitar a interdisciplinaridade nas
atividades de pesquisa. Aliás, os meios de atuação do Design Social vêm trazendo
sempre consigo uma inovação arquitetônica, pois tendo como proposta de ensino algo
que se adapte a realidades, a funções, dificilmente um ambiente que trate deste assunto
teria um espaço sem identidade, igual a qualquer outro.
O espaço da arquitetura, submetido às leis da geometria e da
física, revela-se agora em sua dimensão mítica. O espaço
primitivo, que através dele se expressa, vai também dar
significação ao espaço interno. Diversos autores, citados por
Bachelard em sua Poética do Espaço, hipotetizam uma
correspondência entre arquitetura e anatomia. Um deles sugere
pesquisar se "as formas que o pássaro dá ao seu ninho não
teriam alguma analogia com sua constituição interna." Tal
fantasia conduz ao exame do corpo como espaço vivido.
(Augras, 1994: 42)
Como o LOTDP é baseado numa demanda de usuários, permite aplicação direta e
imediata da pesquisa no meio físico e social a que se destina. Com um convênio
firmado, por exemplo, com o C.V.I. _ Centro de Vida Independente, que fica ao seu
lado na própria PUC-Rio, o LOTDP tem hoje, ao seu redor, uma comunidade que
atende diretamente aos deficientes físicos através de muitos projetos desenvolvidos. É
um trabalho feito com os pesquisadores do LOTDP: professores, alunos e ex-alunos
com bolsas de pesquisa de órgãos como CNPq e CAPES e com a participação do
próprio usuário.
A equipe (do LOTDP) obteve sucesso em diversos casos, como
o de uma jovem que não se adaptava com andadores
disponíveis no mercado, mas conseguia locomover-se bem
empurrando carrinho de supermercado. A partir desta
constatação, da própria usuária, o laboratório desenvolveu e
produziu um andador com estrutura de bambu, que deu
excelentes resultados. (Menandro, Revista Ciência Hoje-
Suplemento Technologia, 1996:2)
Na Bio Oficina sem Vestígios temos um exemplo da atuação do Design Social já
como Desenho Coletivo. Nesta pesquisa, temos uma experiência projetual incentivada
por uma prática organizada. Na palestra proferida pela professora Ana Branco no
Departamento de Artes, em novembro de 1995, vemos suas questões projetuais.
Olhando à nossa volta identificamos objetos de todos os tipos.
Esse objeto que nosso olhar fixou por mais tempo tem uma
forma, uma matéria, uma tecnologia, afetos e uma ou mais
funções etc. Se esse objeto foi produzido em série, ele tem uma
fôrma, isto é, um modelo, um gabarito que garante a
reprodutibilidade dessa forma...
E as fôrmas? Que para permitir a produção... São construídas
com materiais altamente resistentes, tão resistentes que quando
cessa a demanda viram "elefantes brancos", que algumas vezes
são exportados para produzir aqueles objetos em outros
contextos, outras culturas, carregando consigo as determinantes
formais, os desígnios do grupo que já não consome aquela
forma.
Pensar a fôrma experimentando, modelando, expandindo,
aquecendo, desenformando, voltando à origem são os temas
básicos desse Grupo Aberto de Estudos - a Bio Oficina sem
Vestígios. (Branco, 1995)
Este pensamento tem sido concretizado no exercício onde um grupo faz fôrmas
com argila: um oco que recebe massa que se expande. Este grupo é formado por
pessoas diversas. Não necessariamente alunos ou professores, mas quem se interessar e
tiver uma questão a ser trabalhada. Ou seja, quem "brilhou" para esta atividade. Um
meio se forma com estas pessoas que se tomam companheiras. Com- panis = fazer pão
juntas. E daí uma ideia que mistura cereais e leveduras e espera que a massa cresça
para ser amassada novamente pelo grupo. No final de três dias, assa-se, em forno a
lenha, numa temperatura inferior à que transforma argila em cerâmica e insuficiente
para cozer os cereais expandidos. No final de tudo, as fôrmas são devolvidas à água e
voltam a ser argila novamente.
Esta questão circular não poderia deixar de estar numa experiência projetual,
que é a atenção para, uma vez cessado o uso, ver qual o destino do objeto. Uma
responsabilidade de trabalhar com fôrmas, formas e materiais que possam ser
pensados do início ao final de seu uso. Esta responsabilidade com a realidade é típica
do Desenho Coletivo que, nesta pesquisa traz, para o seu contexto elementos como
argila, cereais, fogo, forma, oco, levedura etc.
Tive a oportunidade de levar esta pesquisa da professora Ana Branco ao
Congresso IDEM 6=7 (International Design Education Meeting), realizado na Bélgica em
setembro de 1995, onde a educação em Design foi debatida por professores e alunos de
vários países do mundo. Nesta oportunidade pude ver através das palestras e
workshops vividos o quanto o processo do fazer é valorizado e o quanto esta pesquisa
estava coerente com uma atenção mundial à prática projetual, a importância do
processo na elaboração de um objeto, da importância da ALMA nos objetos projetados
e a atenção a sua duração. Via-se que a um objeto estava num fazer atento, numa
ocupação conscienciosa, numa responsabilidade do designer em relação ao contexto
onde o objeto é gerado e inserido.
No LOTDP, vemos uma atuação profissional, por meio de pesquisadores, no
mundo real de trabalho. Na Bio Oficina sem Vestígios, uma experiência projetual onde
se pode exercitar as questões que o DS traz através do Desenho Coletivo, com o
desenvolvimento de projetos, num exercício proposto. São exemplos do
desenvolvimento desta metodologia de ensino de projeto que se abriu para ser uma
metodologia de prática projetual.
Porém o Design Social, como metodologia de aprendizado do desenvolvimento
de projetos, vai ganhar um meio privilegiado de estudo e experimentação nessa área
com a criação da Barraca. Desenvolvida como uma sala de aula especialmente
construída para o aprendizado do desenvolvimento de projetos a partir do enfoque do
DS faz o compromisso com a Educação tornar-se tão presente que passamos da
experiência do ensino - postura unilateral de conhecimentos detidos, para uma
experiência de aprendizagem, postura que repete os procedimentos do Design Social,
trazendo as atitudes projetuais desenvolvidas por ele para o processo da Educação.
Pensada para ser um laboratório de pesquisa de métodos de aprendizado do
desenvolvimento projetual, que expandisse as formas de intuição e de afeto como
instrumentos da prática projetual, a Barraca se constitui como um meio vivo de
formação do designer, com seus componentes internos, externos, sua membrana e
meio anexado. Em suma, um espaço em constante vibração.
Veremos, mais detalhadamente, de que modo a Barraca deve ser considerada
um meio privilegiado do aprendizado a da amplificação do Design Social. Os
componentes externos podem ser vistos, por exemplo, nos materiais que a alimentam:
as folhas e os sacos de plástico, ao mesmo tempo formando componentes internos
através das almofadas de folhas. O meio anexado, a energia que a alimenta, é a própria
universidade, com seus alunos, currículo escolar etc. A "parede" transparente de treliça
é a membrana, servindo para a comunicação do interno com o externo.
Por tudo isso, considero a Barraca como a concretização mais amplamente
efetivada do método do Design Social que, como desenho vivo, chega a Desenho
Coletivo, conseguindo lidar com a realidade que inclui a intuição e os afetos,
desenvolvimento de projetos ligados a coletivos sujeitos e todas as outras
características que amplificam o método do DS. A Barraca é um objeto inevitável nesta
história que o DS escreve na PUC-Rio. Ela amplia sua significação ao transformá-lo
numa metodologia de ensino onde se valoriza o entorno, o saber e o fazer, os sentidos,
a intuição e a razão, a pesquisa, o envolvimento, fazendo-o concretizar-se na sala de
aula que o abriga. É curioso notar como a coerência faz parte deste método, que sai de
uma orientação oral ou formal vinculada às formas de ensino tradicionais e cria sua
própria sala de aula, encarnando nas relações que possibilita, enquanto meio vivo, o
aprendizado e o método agora chamado Desenho Coletivo.
Veremos adiante, através de uma descrição mais detalhada da Barraca, de que
forma este meio serve à ligação de indivíduo e coletividade via aprendizado e como,
apesar de incorporar o DS, o Desenho Coletivo se distingue dele.
2.2 A BARRACA
Este abrigo/objeto é uma sala de aula atípica. É um
meio de aprendizagem construído no campus da PUC-Rio,
há mais ou menos oito anos, pela professora Ana Branco e
colaboradores: professores e alunos para lecionar a matéria
Projeto, do Departamento de Artes. Antigamente todas as
aulas de Projeto eram dadas em sala de aula tradicional:
quatro paredes brancas, carteiras, quadro-negro, janelas, luz
branca, ventiladores. No IAG, onde acontecem muitas aulas do Departamento de
Artes, tinha-se ainda, em algumas salas, um contato com o verde da universidade, o
que era muito bem-vindo.
Como a função não é auto-evidente, a Barraca, como é chamada, nasceu de um
espaço, "de um experimento, de uma vontade, onde acolhe uma ideia, proporciona um
fazer, propicia a experiência no mundo físico de ações e reflexões permeáveis ao
entorno". (Branco, 1994)
OS ILIMITADOS RISCOS DA BARRACA
Construída em março de 1988, ganhou um novo desenho em 1989, outro em
1991 e o último em 1993. Em todas essas vezes teve a colaboração de alunos,
professores, amigos e voluntários que deixaram sua marca de alguma maneira nesta
pesquisa.
Logo que estava sendo montada pela primeira vez, por exemplo, havia um
mastro no centro segurando uma lona doada ao Departamento pela empresa Vulcan,
que estava sendo presa a uma estrutura pantográfica que havia sido construída para
outra função, mas que ali estava sendo armada pelos alunos circundando o mastro.
Formavam a "parede" daquele espaço. Os alunos seguravam, literalmente, as paredes
de sua sala de aula. Nunca vi tamanha vontade de estudar!
De outra vez, um aluno "surfava" em cima de um vergalhão para moldá-lo
circularmente na tentativa de prepara-lo para estruturar a treliça pantográfica na sua
parte superior.
Quando do último desenho, outro mutirão se formou, nas férias, para fazer
nova treliça, nova cobertura, nova porta para esta sala de aula que veremos suas
características mais detalhadamente no próximo item. Mas o que gostaria de marcar já
é que nos 1.810 furos nas madeiras onde 915 cordinhas de nylon as amarravam,
formando a estrutura pantográfica, muitas mãos se revezavam neste trabalho. E dentre
outras coisas, assentou-se o terreno que estava desnivelado: 815 carrinhos de terra, 593
pedras e um grupo de capoeira dançando em cima do novo chão, deu-se por finalizada
esta etapa. Mãos, pés, corpos desenhando o espaço. Para montar a estrutura
pantográfica na posição circular, dois times de futebol ajudaram a equipe: aos poucos,
abria-se a treliça e a puxava para dar a forma desejada. Eles gritavam: "Dá linha! Dá
linha!" e iam ajeitando as paredes desta sala de aula que com tantas mãos, pés, corpos e
desejo a construindo, a Barraca agradeceu também às plantas que seguram a encosta,
às jaqueiras que a sustentam, ao corpo de bombeiros que colocou a corda para prendê-
la pelo alto, como um varal etc. Pelo menos 40 pessoas se revezaram neste trabalho
todo.
Falo, tão despreocupadamente que a Barraca agradeceu, porque com tanta
ligação com pessoas e ações e natureza ela parece viva. Como se pudesse falar, sentir e,
até mesmo, agradecer.
Por causa da Barraca é que o Design Social começou a ser chamado, também, de
Desenho Coletivo. Exercitou-se muito bem, em sua construção, o desenhar junto: a
ação em conjunto que propicia o exercício da matéria de Projeto.
Ela nasceu como filha do afeto que irmanava os mais diversos tipos de gente
que desejavam o surgimento de um novo meio de aprendizado.
Quando dois ou mais estiverem reunidos em Meu nome Eu
estarei no meio deles. (Mt 18,20)
Por isso, quando olhamos a Barraca vemos mais do que um curioso objeto
arquitetônico pousado em pleno campus universitário. Vemos a realização de uma
universidade onde o aprendizado se junta com a alegria, transformando o
conhecimento num fogo que se sopra, cresce e se alastra, contagiando todo mundo.
Nela acontece uma escola onde a cola é obrigatória, o aluno traz a matéria, o professor
é um eterno aprendiz e olhar para a parede é sinal de recompensa: quem sabe, a visão
de um esquilo! A Barraca, antes de ser coisa ou objeto, é um acontecimento feliz de
uma universidade.
Em Projeto não se trabalha com o desejo do ego, com o desejo de um, e sim com
a soma dos desejos de duas ou mais pessoas, desejos coletivos: o que se procura é
exercitar a prática projetual com a inclusão da coletividade. Caso contrário, seria um
exercício excluidor do outro, o que contrariaria a proposta do DS.
A partir da construção em conjunto da Barraca, começou-se a trabalhar em sala
com muito mais força esta postura de convivência com as pessoas, com o coletivo, para
que um projeto pudesse ser desenvolvido. Um trabalho feito com um grupo, e não para
um grupo. E os desenhos feitos com papéis e lápis de cera, foram os primeiros passos
para movimentos concretos dos alunos em relação ao seu projeto. A partir dos
desenhos, a concretização dos passos a serem dados foi começando a se formar.
Figura 2: os quatro desenhos da Barraca.
1988
1989
1991
1993
COM QUANTOS AFETOS SE POUSA UM APRENDIZADO ERRANTE?
A forma desta sala de aula foi baseada nos yourtes, habitações nômades da Ásia,
do Mar do Norte e da Mongólia. Na busca por melhores pastagens, suas habitações são
transportadas por animais, caracterizando-se, assim, pela leveza e facilidade de serem
carregadas e montadas.
A montagem do yourte ocupa duas ou três pessoas durante uma
hora, urna hora e meia. A princípio uma ou duas mulheres
varrem e desobstruem o lugar onde se deseja erguer o yourte.
(Couchaux, 1980:86)11
Nos yourtes dos desertos, a estrutura de sustentação é pantográfica, com tiras de
madeira formando o teto em cone, revestidas por feltro e cobertas com pele de animais,
amarradas por cordas para se protegerem dos ventos noturnos e das tempestades de
areia dos climas áridos.
Graças à sua forma cilíndrica e a sua estrutura
flexível e tensionada, o yourte pode resistir às
mais violentas tempestades. Suas paredes em
treliça e seu teto de varas leves não exigem largas
estepes. Quanto a seus revestimentos de feltro,
empregados normalmente em múltiplas
espessuras, constituem um excelente isolante
contra frio e chuva. (Couchaux, 1980:83)12
Figura 3: Os yourtes e sua construção.
A Barraca é circular e também acompanha o raciocínio dos nômades na
disposição interna, onde se tem, no centro, o lugar do fogo - é para onde a atenção
naturalmente se converge.
11 Le mantage de la yourte occupe duex ou trois persones pendant une demi-heure ou une heure. D’abord une ou deux femmes
balaient et deblayent l’emplacent ou lón souheite monter le yourte. (Couchaux, 1980:86)
12 Grace a sa forme cylindrique et à son armature souple et precontrainte, la youte peut resister aux plus violentes tempêtes. Ses
murs en treillis et son toit de perches légères Nexigent pas de grosses steppes. Quant a son revêtement de feutre, employé parfois en
multiples épaisseurs, il constitue une escellente isolation contre le froid et la pluie. (Couchaux, 1980:83)
O lugar do fogo é sagrado. Os Bouriates não deixam
jamais o fogo se apagar, pois sob sua proteção, para eles,
os deuses domésticos protegem a tenda e a família.
(Couchaux, 1980:89).13
Figura 4: A estrutura do yourte e o fogo.
Como diz Ana Branco (1994), esta forma se propõe a "escutar" os desejos do
entono que, segundo Guatarri, só acontece quando escutamos nossos próprios desejos.
Escuta-se o caminho do sol durante todo o dia. Escuta-se a chuva, a oficina mecânica, o
vento, o frio. Escuta-se o jogo de futebol, a água descendo nas pedras do Rio Rainha, o
recreio dos Tenesianos, os micos salvando filhotes que caem do ninho, os esquilos
roendo caroços de jaca, as garças, as borboletas azuis, amarelas...
Com isso, os exemplos são experimentados a partir de situações vividas no
presente.
O mundo está todo à nossa volta. No espaço circular que se
estabelece no seu interior gira um movimento que propicia a
reorganização/concentração interna da aula. Todas as pessoas
estão igualmente visíveis e escutáveis nessa distribuição,
facilitando a percepção das mais tímidas manifestações.
(Branco, 1994)
Suas "paredes" são transparentes e remanejáveis, isto é, formadas por treliça de
ipê pantográfica com 815 nós de cordinha de nylon. Esta treliça com seus losangos que
formam uma diagonal (um plano que não está determinado de antemão) é o plano de
construção espiritual para os projetos ali orientados. O que se propõe na Barraca
começa como os quadros do artista plástico Fernando Diniz: pela cintura, indo depois
para a cabeça e o pé. E esta cintura tem um jogo muito bom, pois "fixada" pelas
cordinhas de nylon que prendem, mas que dão flexibilidade para a estrutura se ajeitar,
sem quebrar, também desenha uma parábola pelo lado externo da estrutura. É uma
grande rede.
No espaço da coexistência, os homens tecem redes que os
aproximam e os afastam, organizando o mundo de maneira a
13
Le foyer est sacré. Les Bouriates ne laissent jamais le feu séteindre, car al abrite, pour eux, les dieux domestiques protégeant le
tente et la famille. (Couchaux, 1980:39)
assegurar áreas recíprocas de movimentação. Em termos de
vivência, o espaço tridimensional revela-se como intuição
fundamental, construída a partir da movimentação do corpo,
sentido como centro. Em cima e embaixo, esquerda e direita,
perto ou longe, à frente ou atrás, definem as características da
tridimensionalidade. (Augras, 1994:39)
Sua transparência permite o sentir-se dentro e fora, ao mesmo tempo nos
transportando também para uma caminhada pelo tempo. Alunos comentam:
- um lugar pra você concordar com você mesmo, no seu tempo,
do seu tamanho...
- penso na infância...
- me hace sentir dentro y fuera de la Facultad al mismo tiempo.
(Depoimento de Alunos. Anexo I).
Figura 5. A transparência. Um
aluno um esquilo que está ao
lado da árvore exatamente na
"moldura" do losango formado
pela treliça.
É através destas paredes transparentes que o interno comunica-se com o
externo: é o vento, a luz, o calor, o barulho. Por ela o afeto passa e o meio respira. Isso
significa que esta membrana toma o meio mais permeável, o que o deixa em estado
constante de transcodificação e transdução, fazendo deste espaço algo que se renova e
que jamais fica em degradação.
É sentir que somos parte de um todo entrelaçado por uma teia,
que pode ser física, espiritual, emocional... É também, mais do
que isso, descobrir como é interessante e bom conviver com
pessoas diferentes. E como isso é necessário para que não se
caia na armadilha de viajar em torno do próprio umbigo.
Conviver com o diferente (e descobrir as semelhanças qua há
nele) faz o movimento da vida apontar para fora, para os
caminhos em torno. O caminho para dentro de nós é necessário,
mas deve ser feito com um pé lá, outro cá. A troca é importante,
porque é necessária. (Depoimento de Alunos. Anexo I).
E a Barraca, com suas "paredes" transparentes, permite esta troca.
A prática de estimular a ação no mundo físico, onde é
desenvolvido o objeto que o Design Social propõe, traz para a
sala de aula tanta novidade que os alunos querem mostrar,
contar, falar ao mesmo tempo. (Branco, 1994)
E essa situação de deslumbramento com as descobertas é desejada e deve ser
manifestada. Os alunos contam de seus projetos, dos lugares onde trabalham, das
pessoas que conheceram, do que elas estão fazendo, contam de um mundo fora da
PUC e quase sempre novo para eles.
Assim, o espaço onde isso acontece deve ser receptivo, favorecendo e variem de
acordo com os pontos de emissão verbal. Nas salas de aula tradicionais isto não
acontece, pois o som reverbera nas paredes e o barulho passa a incomodar.
Teve um dia que eu falei para um aluno calar a boca. A sala do
IAG estava muito cheia, todos falavam ao mesmo tempo e o
barulho estava insuportável... Fiquei muito assustada com
minha atitude, pois o que mais desejava era que os alunos
falassem, que se manifestassem. Uma atitude precisava ser
tomada. (Branco, 1994)
Figura 6. Aula. Dia de aula,
onde, por acaso, com dois
professores orientam alunos ao
mesmo tempo. As conversas
paralelas não atrapalham. Observa-se a luminosidade ao
meiodia. As pessoas sob o da
cor laranja do teto.
Quatro plataformas de madeira com sete metros quadrados cada uma, a 45 cm
do chão, são dispostas acompanhando o perímetro circular da planta. Formam os
componentes internos deste meio. São os praticáveis - suportes de apoio para que as
pessoas possam sentar, deitar, convidando-as a assumir ao longo das aulas, diferentes
posturas. Seus corpos passam pelo sentado com os pés no chão, recostado apoiando em
outro corpo ou nas treliças laterais, chegando até a esticar completamente a coluna.
Geralmente isso acontece quando o assunto prolonga-se após o horário de aula. O
discurso e a atenção são variáveis que as diferentes posturas do corpo evidenciam. Esse
ambiente físico não induz a situações relacionais predeterminadas, isto é, o espaço
reforça cada situação que surge espontaneamente, facilitando expressões corporais que
se desenvolvem em vários planos não limitados por mobiliário especializado,
proporcionando o relaxamento.
As diferentes posturas que um aluno poderá exercitar em seus projetos são
literalmente ensaiadas com seu próprio corpo na estrutura que a Barraca proporciona,
através de seus praticáveis. Os estrados comumente são usados em salas de aula
tradicionais como local do professor que, ficando em pé e estando mais alto que os
alunos, também passa a ideia de que é aquele que detém as informações. Na Barraca,
os praticáveis servem para anular hierarquias acadêmicas. O professor, que também
aprende, está no mesmo nível que o aluno, que está lá para aprender, mas que também
ensina. Pode-se sentar de diversas maneiras e até deitar-se nas "almofolhas de fadas”
assim batizadas por Sidnei Paciornik, físico da PUC-Rio. Elas são feitas de saco de
laranja com folhas de eucaliptos - tanto o saco como as folhas são materiais que fazem
parte dos componentes externos deste meio; dentro da Barraca, já são outra coisa:
almofadas, formando aí elementos compostos que dão corpo ao meio.
Nas apresentações de Projeto, os praticáveis muitas vezes viram palco para
quem se sentir à vontade para isso. Eles são varridos toda manhã com uma escovinha
própria. Atualmente estão envernizados para proteção dos respingos da chuva.
A cobertura do teto é feita por uma lona sintética, como a de um caminhão, e
estruturada com fios de poliéster. Foi costurada como se faz com balões, pois a Barraca
foi baseada nos yourtes a partir da leitura de um balão. Cortada em gomos, contém a
metade da forma de um balão. De cor laranja, é sustentada por uma corda que, ligada a
duas jaqueiras, faz um grande varal, onde no centro está pendurada a Barraca. Elas
participam das aulas equilibrando a temperatura ambiente, deixando vazar por entre
os galhos e folhas a quantidade necessária /interessante de luz e vento.
Figura 7. Jaqueira. Detalhe de uma das jaqueiras que sustentam a Barraca.
Na realidade, ela está "pousada" no chão. Mesmo por que não tem nada que a
fixe a ele. Sua ligação é direta com o céu. De chão, tem o próprio chão, que é, segundo
um aluno, "chão natural”. É de terra. Terra de verdade.
No centro da lona, lá em cima, tem um buraco por onde sai a fumaça do fogo,
quando aceso.
O calor que sobe desse fogo central encontra nas paredes do
balão a indicação de retorno. Correntes ascendentes centrais e
descendentes pelas laterais. Enquanto nosso olhar se esvazia
diante do fogo, nossos pensamentos recuperam nossa morada
interna primitiva. (Branco, 1994)
Com o fogo, tudo muda. Quando se deseja que tudo mude, se
invoca o fogo... é necessário aumentá-lo ou diminui-lo; é preciso
localizar o ponto em que o fogo assinala (marca) uma
substância, assim como o instante que o amor marca uma
existência. (Bachelard, 1973)14
14
Com el fuego, todo cambia. Cuando se desea que todo cambie, se invoca al fuego... es necesario activarlo o disminuirlo; es
preciso ubicar el punto que el fuego señala en una sustancia, asi como el instante que el amor marca en una existencia.” (Bechelard,
1973)
Figura 8. O fogo. À noite, o fogo aceso ilumina a aula.
A ideia de varal se repete no interior da Barraca, quando vemos cordas que vão
de um lado a outro, fazendo um suporte para cartazes e o que se queira pendurar. Isto
segue o pensamento do professor Ripper: "na construção de um objeto deve-se preferir
pendurar no lugar de apoiar, amarrar no lugar de aparafusar ou pregar” e também
"fazer no lugar de mandar fazer”, que tem inspirado todo o trabalho de manutenção
física da Barraca. A Barraca foi construída, também, de uma maneira que sua
manutenção pudesse ser feita por uma pessoa, somente. Nada exige muita força física,
muita gente ou custos inadmissíveis.
Os pregadores de roupa são um grande ajudante desta ideia. Estão em toda
parte. Alinhados no varal, parecem passarinhos num fio de luz. Obedientes e
prestativos, ficam também nos fios dos nós da estrutura pantográfica, deixando avisos
aos alunos no lado de fora. Os alunos já usaram estes pregadores para prenderem
desenho nas pranchetas de eucatex, que normalmente servem de mesa para escrever e
desenhar. Em apresentações, elas viram um ponto de apoio para algumas amostras,
com o pregador ajudando neste momento. Mas também, durante as aulas, algumas
delas ficam exatamente no local do fogo, quando ele não está aceso, servindo como um
espaço central de evidenciação. É como uma mesa, onde o que se quer mostrar ou dizer
fica exposto ali.
Figura 9. Espaço de evidenciação.
Apresentação final de projeto com
a presença da interlocutora, que
aponta para o centro, onde os
objetos construídos pelos alunos
da PUC com ela estão expostos no
lugar do fogo, natural espaço de
evidenciação da Barraca. Era
meio-dia e o sol iluminava o
trabalho.
Nas pranchetas os alunos desenham tudo que está acontecendo no projeto ou o
que eles gostariam que acontecesse. Os desenhos têm também uma função de desígnio.
Traçar aquilo que pretendem que aconteça: que os obstáculos se dissolvam, que sejam
bem recebidos etc. É como desenhar o futuro. O processo de desenho se desencadeia a
partir da nossa atenção para os pequenos estímulos que sempre conviveram à nossa
volta e que podem estar escondidos dentro de nossas indagações, curiosidades,
surpresas, diante de um ambiente ou situação apresentada.
O modo de desenhar e projetar na Barraca é batizado de Desenho Coletivo,
sendo considerado, pelos que nela trabalham, como uma prática projetual que
incorpora o Design Social e o amplia através de três pontos básicos:
1. Valorização de intuições e afetos como instrumentos no desenvolvimento
projetual, ou seja, não se pergunta mais que objeto falta para uma determinada
comunidade; antes, procura-se detectar que afetos e acontecimentos movimentam os
coletivos.
2. Exploração das diretrizes dadas pela comunidade envolvida, visando sua
amplificação como norma de procedimento projetual, ou seja, são dos afetos e dos
acontecimentos que movimentam a coletividade que os projetos devem nascer e se
desenvolver.
3. Projetar acontecimentos capazes de gerar coletivos sujeitos, ou seja, são os
modos de existir e os estilos de vida os verdadeiros objetos do Desenho Coletivo.
Quando manifestamos no plano físico nossa singularidade, essa
manifestação inicial se fortalece quando encontramos o
interlocutor, o outro, alguém que compartilha das nossas
curiosidades, surpresas, encantamentos, experimentos etc.
Nesse momento, o processo de desenho, antes autoral, passa a
ser coletivo. (Branco, 1994)
No momento em que os alunos encontram-se com o interlocutor, passam a
desenhar em conjunto com ele, isto é, a projetar incluindo toda a realidade, sua forma
de ser e de se realizar. Trabalham não com o seu desejo e nem somente com o desejo do
outro, mas com a interação dos desejos de todos.
Para guardar os desenhos dos alunos, como também lápis de cera, papéis de
desenho, lâmpadas para a noite etc., um dos praticáveis da Barraca foi preparado para
ser um alçapão. Para abri-lo basta levantar uma das partes do acento e prendê-la.
Estando assim camuflado, não ocupa lugar e fica fora das vistas da curiosidade de
pessoas que passam por ali em horários em que a Barraca está fechada.
Figura 10. O alçapão. Nos primeiros desenhos
da Barraca já existiu um armário de ferro que
ficava em cima de um dos praticáveis.
Ocupava lugar e atraía a atenção dos passantes
para o seu interior. Com a solução do alçapão,
só sabe de sua existência quem precisa dele.
Quem não precisa, não sabe.
Como já disse, sua localização é perto do campo de futebol e distante dos
prédios tradicionais de aula da PUC. É vizinha de um laboratório de química, mas fica
entre árvores, duas jaqueiras, e ao lado do Rio Rainha, que corta toda a universidade.
A chegada à Barraca pelo lado do laboratório d{ um ar de “cidade” | sua
localização na PUC - há sempre carros estacionados por perto. Quem vem do lado do
campo de futebol, estando mais do seu lado esquerdo, vê outra Barraca: chega a ficar
totalmente no meio do mato.
Os que jogam futebol conhecem uma Barraca; os passantes, outra; os alunos,
outra, os professores que a construíram, outra. Provavelmente todos são capazes de
discutir que as suas próprias barracas é que correspondem à realidade. "Que
realidade?”, podemos perguntar.
Figura 11. Vista da Barraca pelo lado do campo de futebol
A Barraca tem uma luminosidade muito interessante. De manhã é mais fria: o
sol bate do seu lado direito, esbarrando no laboratório de química e em algumas
árvores, impedindo uma incidência direta.
Isto traz um ambiente mais fresco no verão e mais frio no inverno. Com as
cortinas levantadas (cortinas de plástico transparente feitas para proteção de chuva
lateral) é possível ter-se uma corrente de ar que ventila e refresca no verão. Ela também
traz os odores que indicam época de chuva, de jaca etc. Na verdade, a Barraca é muito
sensível aos odores que chegam porque sua ventilação natural não encontra
obstáculos.
Com o vento as ideias vêm e vão. A Barraca, sujeita aos ventos e sendo capaz de
acompanhar os movimentos cíclicos do dia, não é um espaço que acolhe pensamentos
conservadores. Nada fica muito tempo lá, somente o que está ligado às origens. Os
pensamentos originais sim, pois se está em contato permanente com os elementos
originais. A beleza permite a contemplação. Lá ninguém acha nada. Numa sala de aula
fechada, acha-se que os macaquinhos estão nas árvores. Na Barraca vê-se os
macaquinhos nas árvores, no chão, correndo por dentro da Barraca e vê-se também
esquilos e garças e... E aí não se trabalha com conceitos estereotipados, mas com o que
se apresenta realmente para que se possa falar e agir.
O vento gosta de cantar: quem faz uma letra para a canção do
vento? (Quintana, 1987:31)
Na natural contemplação da manhã, do meio-dia, da tarde, da noite, a
compreensão do mundo físico toma-se natural também. Em duas horas já se nota o
movimento do sol e esta informação não verbal faz parte da aula.
Na Barraca, a partir do meio-dia o sol entra pela abertura que existe no teto. Sua
incidência é direto no teto e as pessoas que lá estão refletem a cor laranja, ficando com
“cara de saúde”.
O “clima” | tarde é de muita luz, mais espiritual. Mario Quintana (1987) diz
que cafezinho é intelectual e que chá é mais espiritual. Diria que de manhã a Barraca
toma café; e à tarde, chá.
Este espírito é aquilo que liga o objeto Barraca ao seu meio ambiente através da
prática que se tem ali – pessoas que participam da vida daquele lugar, questionando,
propondo, descansando, desenhando, passando, ensinando, aprendendo. Não é
nenhum espírito de outro mundo, porque é este mundo que cria. Os alunos falam de
um “clima” que a Barraca tem. Este clima é aberto, ou seja, é sujeito ao dia, ao jogo de
futebol que acontece ao lado, aos macaquinhos que moram nas árvores vizinhas, à
chuva, ao calor, ao vento, às formigas, ao cheiro de jaca que é forte no final do ano. E
mais: este espírito é que faz disto tudo a subjetividade que dá cara a esta relação
coletivo – meio – acontecimento.
Figura 12: Alunas apresentam seu produto final.
Quando a Barraca está em conserto parece um navio no estaleiro. Com a lona
desmontada, vê-se bem como é seu esqueleto. Vê-se um pouco de sua estrutura: a
porta presa numa armação de madeira, o apoio dado pelas duas jaqueiras através do
cabo que atravessa a sua parte superior e também o papel do vergalhão na parte
superior da estrutura pantográfica. A lona fica com as cores da floresta, podendo ser
lavada facilmente, quando aparecendo sua cor laranja original.
Figura 13: A Barraca em
manutenção. A lona havia
sido desconectada da
estrutura para ser submetida
a um pequeno conserto. Ficou
pendurada pelo cabo que a
sustenta. De um lado e de
outro estão as jaqueiras onde
este cabo está preso.
A Barraca já está na sua quarta versão e sofre constantes modificações,
promovidas pela experimentação que atravessa: desde que foi construída para ser sala
de aula das matérias de Projeto está em permanente devir. Com o uso, foram
aparecendo motivos ara ter porta, armário, lixo, cortinas, chão plano, pranchetas,
almofadas, lumin{ria, l{pis de cera, vergalhão estruturando a “parede” pantogr{fica,
cabo de aço como o varal que a sustenta, sistema de puxar a lona do teto de maneira
ajustá-la quando cedesse e que não exigisse muita força física, proteção para os
praticáveis etc.
No centro da Barraca está o lugar do fogo. Na verdade, ela é um balão ao
contrário: a boca está no alto e o fogo está no lado de dentro. Um balão que pode cair
em qualquer lugar: numa escola, numa praça, num hospital, num manguezal, num
bambual, num carnaval.
Um balão incendiário que no seu fogo enxuga as ideias e mostra o caminho da
luz aos alunos, fazendo com que eles, à procura do brilho conhecido, espalhem por este
Rio de Janeiro a ação do FAZER - maneira mais agradável de lidar com o
conhecimento. Este é o incêndio provocado por este "balão", que tem em cada aluno
que sai de lá uma chama e um compromisso com a procura de outra chama e de outro
compromisso igual.
É um meio de aprendizagem porque abriga procedimentos, processos que, com
cara, cheiro, cor, estão ligados diretamente a um coletivo (professores e alunos), a um
acontecimento (ensinar/ aprender) e a um movimento (a aula). É um trabalho que
propicia a concretização da metodologia de desenvolvimento de projetos do Desenho
Coletivo, misturando intuição e razão, pensamento e ação, fantasia e realidade.
Na verdade, em sua busca voluntária pela simplicidade acaba por levar a não
mais apontar os caminhos, mas a ser o caminho, como diria Hazel Handerson,
economista norte-americana (1978). Está na sua essência a ligação da singularidade
com a universidade. Aquilo que está coerente consigo está em sintonia com o universo.
O único e o universal se tocam. Produzem o mesmo brilho. Vêm do mesmo brilho!
Figura 14. O brilho
2.3 A ESTRUTURA DO DESENHO COLETIVO E A BARRACA
Já está no quinto número a apostila formulada pela professora Ana Branco e
por mim, a qual esclarece aos alunos todas as fases de Projeto, passo a passo. São
quatro fases com dez etapas ao todo. Com este documento, os alunos têm ideia de
todos os exercícios que o método do Desenho Coletivo proporciona e podem, também,
utilizá-lo para esclarecer às pessoas, nos locais onde estão desenvolvendo seus projetos,
porque estão ali. Esta apostila é entregue aos alunos, na Barraca, quando começam a ir
a seus lugares de trabalho. Com a experiência, observou-se que entrega-la no primeiro
dia de aula não tinha efeito algum. Passava a ser mais um papel que recebiam. A partir
dos passos concretos dos alunos, um desejo de entender melhor o que significa esta
matéria faz com que a apostila seja adquirida por um desejo e não por uma imposição.
Aí tem funcionado.
Transcreverei os passos de desenvolvimento dos projetos e comentarei a
respeito da metodologia e de como a Barraca fala de tudo isto.
A apostila começa com uma mensagem clara: "a ideia é os alunos saírem do seu
espaço e entrarem em interação com outras pessoas em outro lugar, com o desejo de
desenvolver um projeto com elas".
O Desenho Coletivo propõe-se a trabalhar com a realidade, com o mundo. A
Barraca, como já vimos, é um espaço que, por não estar confinado entre quatro
paredes, já induz, na sua forma, a olhar-se ao redor, ver-se o entorno. É um dos papéis
da estrutura da treliça que, por deixar passar vento, calor, luz, nos deixa, também
participar do dia, da tarde, da noite, percebemos os ciclos da natureza.
A presença dos elementos da natureza no lugar de trabalho me
possibilitou a realização de um projeto onde tais elementos
foram levados em consideração o tempo todo, e não excluídos
como muitas vezes acontece quando estamos limitados a quatro
paredes. É impossível ignorar a presença do sol, do ar ou da
terra no chão; e sinto que esse contato me fez pensar no mundo
não material, no mundo vivo ao longo do desenvolvimento do
meu projeto. Mesmo que de maneira inconsciente, tentei várias
vezes representar esse mundo no meu trabalho e acho que
consegui devido às experiências que vivi na Barraca.
(Depoimento de Alunos. Anexo I).
A Barraca desenvolve nossa percepção para situações não racionais, para a
intuição.
1° Passo: Buscar um grupo deve ser a busca de um encontro. Aí
começa o EXERCÍCIO DA INTUIÇÃO. Não deve ser uma ação
de seleção racional. Você busca uma coisa que está lhe
querendo. É difícil quando se está muito ligado a um mundo
objetivo de liga - desliga, é isto ou aquilo. Será o início do
EXERCÍCIO DA ATENÇÃO E DA PLEXIBILIDADE.
O local de trabalho a ser escolhido deverá estar em plena
atividade. Devem aceitar trabalho voluntário, que é uma
observação participativa onde o aluno exercita o olhar de
aprendiz ao se envolver com o grupo. As pessoas do local
devem estar adaptadas. Num lugar em desarmonia não sai
projeto. (Anexo II)
Na Barraca é muito fácil falar de intuição. É a intuição que Bergson define como
algo que tem regras distintas. Em Bergson (1990), a intuição é como um ato simples e
imediato que, para ser compreendido e utilizado como método, precisa ser visto nas
cinco regras que a constituem. Com a transformação que Bergson faz da intuição em
método, ela deixa de ser mera capacidade de distinguir indivíduos para tornar-se um
poder de distinguir individuações.
A individuação considera um meio como fazendo parte do indivíduo. Meio não
é mais entendido como contexto, e sim como algo que permite pensar o indivíduo e seu
desenvolvimento, fazendo parte de uma mesma individuação.
A intuição é o que vai me permitir fazer parte do meio de alguém. A
informação é o que me proporciona o entendimento de um meio diverso do meu. Com
a disposição circular, a Barraca permite que as pessoas se entreolhem e não vejam as
costas do colega, como numa sala de aula tradicional, e isso acelera a intimidade,
reconhecendo de imediato o meio em que se inserem.
Lá não se trabalha com interesses, somente, porque o interesse "arranca" a alma
do objeto e o reduz a apenas um elemento. Quando olhamos para algo tendo como
foco apenas o universo do nosso interesse, deixamos na sombra todas as outras
informações. A intuição é o que permite ampliar o interesse, a visão do objeto.
E essa amplitude está no ar da Barraca, proporcionado por sua estrutura, por
seus componentes internos: praticáveis, almofadas etc., por sua membrana (treliça) que
faz a comunicação do interno com o externo etc.
Quando se diz ao aluno para procurar se "envolver com um grupo social" e que
isto é bom, e se está dizendo num lugar onde o professor está numa posição que
também sugere isto, existe uma coerência entre o que se diz e o que se faz. Através de
seus praticáveis, a Barraca acolhe professores e alunos sentados, sem que haja, na
concepção da sala, uma hierarquia que impeça o envolvimento. Estes mesmos
praticáveis são usados em salas de aulas tradicionais onde os professores ficam em pé.
Num lugar que se aprende encontrar o outro, os praticáveis ficam com uma função
definida por seu uso consciente: todos sentados, inclusive da maneira que quiserem,
pois eles permitem várias posições do corpo e todos têm a mesma possibilidade de
ficarem iguais (exercício da flexibilidade sendo trabalhado de uma maneira discreta,
sem percepção racional).
A Barraca proporciona envolvimento dos alunos com o professor, com os
colegas e com os seus vizinhos, pois suas "paredes" permitem que se veja o entorno.
Através deste envolvimento fica mais fácil viver o envolvimento desejado no
local onde o trabalho será desenvolvido, com as pessoas que os alunos irão encontrar.
O 2° passo é IDENTIFICAR AS INICIATIVAS ANTERIORES. O
aluno descobre que não é um salvador da pátria, que não é
melhor do que ninguém e, se por acaso, achar-se pior, com a
convivência que é necessária para o desenvolvimento do
projeto, acabará por descobrisse igual...
Identificar o que já foi feito é saber quem trabalha com
felicidade naquele lugar ou pelo menos já trabalhou por
justamente ter proposto coisas, tomando INICIATIVA.
INICIATIVAS são movimentos, ações que esclarecem uma
intenção.
Descobrir as pessoas que agem é essencial para trabalhar com
algo que venha de dentro do lugar e não trazido de fora e
imposto como numa "colonização”. Com esta identificação do
contexto podemos identificar uma situação a ser trabalhada.
(Anexo II)
O segundo passo é o momento em que os alunos são orientados a procurarem
um lugar onde as pessoas estejam realizando algum trabalho, que eles desenvolvam
seu projeto com quem tem iniciativas e que estas pessoas tenham "olhos brilhando".
Em pessoas que acreditam no que fazem. É a identificação da demanda, o ponto que é
motivo de dedicação destas pessoas e que será também o do aluno.
As iniciativas esclarecem uma intenção, sendo que a intenção da Barraca é
percebida, aos poucos, pelos alunos.
O primeiro dia de aula foi um susto. Eu ficava tentando
entender o porquê de ter aula "no meio do mato". Com o passar
do tempo, fui entendendo melhor a proposta da Barraca e acho
que é um projeto muito interessante. As paredes de uma sala de
aula muitas vezes reprimem nossas ideias e na Barraca a
imaginação corre solta. Tem tudo a ver com a matéria.
(Depoimento de Aluno. Anexo I).
Na Barraca, sala de aula feita para o objetivo, de ser um meio próprio para o
aprendizado de desenvolvimento de projetos, tem-se, um exemplo concreto do FAZER,
marca que, mesmo inconsciente, os alunos devem conhecer para poderem procurar.
Falar do FAZER sem este FAZER estar presente é muito difícil.
Pede-se que os alunos procurem trabalhar nos lugares buscando compreender
com clareza seus desejos, para não se iludirem com palavras sem ações. A Barraca tem
em sua singularidade pelo menos uma mensagem muito clara: "sou diferente de tudo
que vocês conhecem como sala de aula". Esta diferença já prepara o aluno para um
novo tipo de ensino, como diz Rubem Alves (1993): “seu destino não é o passado
cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio”.
No 3° passo uma atitude do mundo acadêmico torna-se
necessária: ORGANIZAM-SE E CLASSIFICAM-SE as
iniciativas percebidas. Esta consciência é importante para
determinar os rumos do projeto na medida em que
evidenciando, fortalecendo, sublinhando as iniciativas
existentes, podemos ESCLARECÊ-LAS.
E aí se nivela as informações pela fonte e a VERDADEIRA
INTENÇÃO fica clara.
O 4° passo é decisivo: MOSTRA-SE Ao GRUPO de trabalho o que nós
pensamos sobre o que eles fazem. Isto já causou várias reações. Teve
grupo que ficou contente por ver suas iniciativas sublinhadas e
puderam até retomar algumas delas. Teve grupo que, vendo como
conduziam as coisas, puderam mudar o rumo.
Neste momento, com o grupo, podemos definir o objetivo do nosso
projeto. (Anexo II)
Como visto, nos terceiro e quarto passos organiza-se e classifica-se as iniciativas
percebidas através das ações das pessoas. Com isto, obtém-se uma compreensão clara
dos desejos investidos, conseguindo, então, definir qual é o objetivo do projeto. É
quando, através de uma análise de sua história e entendimento das possibilidades
existentes, acontece uma natural hierarquização da situação a ser trabalhada. Acontece
uma delimitação do campo de estudo, percebem-se novas ideias, verifica-se a
possibilidade de pontos de vista de diferentes ângulos e o aparecimento de novas
informações.
A Barraca é bem clara em sua configuração. Sua forma circular guia os olhos de
todas as pessoas que nela se encontram para o centro, onde está o lugar do fogo. O
fogo, como diz Ana Branco, "ajuda a enxugar as ideias". O centro, o ponto para onde os
olhos convergem, é o objetivo. Aquilo que todos vêem. É esta clareza que o aluno deve
buscar no local de trabalho.
...não esquecendo que além de favorecer os alunos, a Barraca
favorece o trabalho dos professores que nela dão aula. A
Barraca é um ambiente que ajuda na chegada aos objetivos
comuns entre alunos e professores. (Depoimento de Alunos.
Anexo I)
O desenho sempre ajuda a identificar os objetivos de um determinado grupo. A
Barraca está estruturada para que lá se desenhe. Entre os guardados em seu alçapão
estão papéis de rascunho, lápis de cera e pranchetas. São os componentes internos
deste meio de aprendizagem que, no momento de definir o objetivo do grupo, auxiliam
no esclarecimento, para os alunos, professores e pessoas com quem estão trabalhando,
dos desejos percebidos, que são sempre desenhados.
O 5° passo é quando os alunos acrescentam às iniciativas existentes as suas iniciativas,
que nasceram das observações e discussões tidas com o interlocutor.
Mas o 5° passo é, organizadas as iniciativas dos interlocutores,
ACRESCENTA-SE INICIATIVAS com a mesma forma e linguagem
deles. Isto significa que a esta altura os dois grupos já podem falar a
mesma língua. São as primeiras hipóteses de abordagem da situação.
Aí exercita-se as hipóteses baseadas em situações análogas, são as
hipóteses fantasmas. E, aberto este caminho de comunicação, A
HUMILDADE E O RESPEITO serão novamente exercitados para que
VÁRIOS EXPERIMENTOS possam ser feitos. Não há compromisso
com o sucesso. A atitude é de aprendiz. Respeito é a palavra de ordem!
É interessante observarmos como esta atitude experimental contagia e
é disseminada no ambiente de trabalho. (Anexo II)
Numa sala de aula onde não se hierarquiza as pessoas, o respeito e a humildade
são conquistados pela convivência e o trabalho. Com seus praticáveis servindo de
assento e não de distinção entre professores e alunos, a Barraca naturalmente promove
a comunicação em bases coerentes com o que se aprende lá.
- um ambiente mais descontraído, sem os padrões tradicionais
de uma sala de aula. Um lugar onde professor e alunos
encontram-se mais abertamente.
- um "refúgio" dentro da PUC. Um espaço antes de tudo
circular, que permite que as experiências de cada um deem um
resultado em cadeia. (Depoimento de Alunos. Anexo I)
Com a interação de professores e alunos a comunicação acontece mais
facilmente porque a linguagem é a mesma. Este passo deve ser o momento em que se
checa em que pontos os dois grupos, no caso da PUC e do local onde o projeto
acontece, se acertam. Como na Barraca, este ponto deve ser encontrado através de
situações descontraídas. Não é uma regra, mas uma sugestão que tem se constatado
pela prática. E isto só acontece com envolvimentos, idas frequentes ao local etc. Este
ambiente "aberto" da Barraca deve ser o procurado com as pessoas envolvidas.
No 6° passo ANALISA-SE o DIMENSIONAMENTO DESTA
INICIATIVA em relação aos interesses do grupo. Isto torna-se
natural quando começam e aparecer coisas concretas que são as
iniciativas dos alunos. Neste momento vê-se o interesse das
pessoas do espaço escolhido pelo projeto. Isto determina o
caminho a ser seguido, o partido adotado para a geração de
várias alternativas de abordagem.
O EXERCÍCIO DO LIMITE é o que acontece quando se trabalha
com a realidade. O tipo de material e a forma, por exemplo, do
produto resultante serão determinados pelo entorno, pelo
interesse, pelo tempo que aquela iniciativa deverá permanecer
naquele Convívio. (Anexo II)
Neste passo, a Barraca atua também como se fosse uma oficina. Por estar
equipada com papéis, lápis de cor, tesoura, cola, fósforo, argila, gravetos, folhas,
pedras, presta-se a que os alunos comecem, já em sala, a montar ideias com os
materiais que tem. Assim, podem discutir com os colegas e com o professor formas,
mecanismos etc.
Também por ser um local sujeito a ter, por exemplo, temperatura ambiente
determinada pelo clima, pelas árvores, pelo horário de aula, estando a temperatura
fora do controle das pessoas, é um bom exemplo de situação que lida com a realidade
não controlável. Estar num lugar assim facilita aprender a lidar com os limites que a
situação real apresenta, pois não se pode controlar o frio, o calor, a chuva, o dia, a
noite. Assim, neste exemplo, podemos nos reportar ao desejo da proposta que
justamente pede que os alunos trabalhem com a realidade encontrada no local de
trabalho do projeto, e não em cima de desejos dos alunos ou do professor. Ou seja,
num lugar (Barraca) onde se tem a oportunidade de ter limites determinados por
circunstâncias é mais fácil aprender a lidar com o que se apresenta na realidade.
Este exercício é esperado no local de trabalho quando se precisa definir o
chamado partido adotado, que é o caminho que o projeto tomará e que deve ser
escolhido com o interlocutor, o usuário.
O 7° passo é o DESENVOLVIMENTO DA IDEIA que será
utilizada no atendimento do objetivo a partir de modelos
realizados com diferentes materiais e técnicas disponíveis. É a
geração de alternativas. Deve-se pesquisar, também, como os
laboratórios da PUC podem, junto com professores de diversas
áreas, contribuir para a concretização dos experimentos.
O 8° passo são as PRIMEIRAS CONSTRUÇÕES da alternativa
adotada, que é a mais viável naquele momento, naquele espaço,
com aquelas pessoas, com aqueles recursos. Começa-se com um
modelo reduzido (projeto de produto) ou um ROUGH (esboço -
comunicação visual), onde já se pode ver e estudar a forma do
produto, o comportamento da estrutura, estudos de cores etc; e
materiais: qual o tipo mais adequado em relação à função, qual
o mais identificado com a realidade social e econômica do
grupo etc.
Depois passa-se ao modelo em tamanho real, o MOCK UP
(projeto de produto) ou o LAYOUT (comunicação visual) para
acompanhar o uso do objeto, as relações com o usuário, as
funções, o gestual necessário, as influências em relação ao
objetivo etc.
O usuário participa ativamente do processo opinando,
orientando, analisando, avaliando tudo que está sendo
produzido; ele é o interlocutor deste trabalho. (Anexo II)
Através dos desenhos, atitude inspirada pela própria estrutura da Barraca por
lidar com a ampliação da comunicação, os alunos geram alternativas que se
concretizarão nestas primeiras construções. É quando seus trabalhos começam a tomar
forma. Nestes passos, o estudo de viabilidade, de materiais e de técnicas utilizadas
serão vistos pelos dos alunos.
Serão pesquisadas alternativas que deverão contribuir para a concretização do
objeto desenvolvido e serão feitas as primeiras construções. Quem repara a Barraca vê
logo que muitas técnicas e materias diferentes foram utilizados em sua construção.
Para sua cobertura, material específico foi pesquisado, pois a lona é comum. Seu corte e
costura representam uma técnica específica. As "paredes" são de uma estrutura
pantográfica de madeira com furos e nós feitos em cordinhas de nylon - outro material
e outra técnica. A porta, de madeira de lei, está presa numa moldura de madeira feita
pela carpintaria da PUC - outra história. O lugar do fogo é preparado especialmente
para que, quando chova, as pedras drenem a água e o local não fique úmido para lenha
seca - também esta técnica não se assemelha a outras. Ou seja, ao redor de todos,
muitas linguagens diferentes estão sendo faladas, muitas alternativas estão sendo
indicadas.
Quando se faz um objeto de acordo com a realidade social e econômica de um
grupo, faz-se algo como a Barraca, construída também com a clareza de quem seriam
as pessoas que além de usá-la, iriam também mantê-la. Seu serviço de manutenção, por
exemplo, foi pensado para ser feito por apenas uma pessoa. O caso da catraca é um
exemplo que ilustra bem este assunto. A Barraca necessitou de um dispositivo que a
levantasse sempre que sua lona cedesse. Isto tornou-se necessário por causa das chuvas
que faziam bolsas de água no teto, forçando a costura da lona presa na estrutura
pantográfica. Então, o cabo de aço que sustenta a Barraca passou a ser controlado do
chão, por um sistema de catraca onde uma pessoa que não precisa ser forte, seja
homem ou mulher, tenha capacidade de, com uma haste de ferro, rodara catraca e
ajustar a lona. A Barraca, por ser também um objeto de pesquisa, não tem seus
cuidados delegados ao sistema de manutenção da PUC e sim à pesquisa que a gerou.
Portanto, sua forma segue um raciocínio que a faça viável para a realidade na qual se
encontra.
O 9° passo é a CONSTRUÇÃO FINAL. É a construção do
protótipo, o resultado do um processo experimental. Neste
momento as técnicas e os materiais já deverão estar definidos
pelas pesquisas anteriores, mas o acaso pode fazer parte deste
momento como um elemento previsto. Na construção final
ainda há espaço para pequenos ajustes na forma. O registro
deste momento é importante, seja por desenhos ou fotos, e
sempre com texto relatando todos os passos. O objeto estará
pronto para ser usado. (Anexo II)
A atitude experimental, por sua vez, não poderia estar mais presente do que na
Barraca, que é, ao mesmo tempo, uma sala de aula e um protótipo em experimentação.
Seu objetivo, como temos visto, é ser um espaço onde a aprendizagem de
desenvolvimento de projetos, sob o enfoque do Desenho Coletivo, possa se realizar. A
experimentação está no "sangue" da Barraca, pois seu uso tem sido motivo para vários
desenhos. Ela sempre estará aberta a novas possibilidades, enquanto acolher as
pessoas, o fogo, os desenhos, as ações: esta vida que a alimenta e a faz ser sujeita a
mudanças. Tenho feito documentação de sua história ao longo destes oito anos de
existência, e quando se fala de registro, documentação em sala de aula, uma boa opção
é mostrar o registro da própria Barraca, representado principalmente por fotos.
No 10° passo temos o TESTE DA ALTERNATIVA ADOTADA,
que é e EXPERIMENTAÇÃO. Requer análise e visão crítica dos
alunos e do grupo envolvido. Pontos para reformulação
deverão ser anotados e este momento deverá ser registrado por
fotos, desenhos e texto. Deve-se evitar o uso de adjetivos, tais
como: bom, mau, melhor, pior, bonito, feio. Quando se usa
adjetivos trabalha-se com conceitos pessoais e discutíveis. A
ideia é acompanhar o uso do objeto, identificando sua função e
a sua relação com o entorno. Então, cada vez que se perceber
julgando, o aluno deverá perguntar sempre: POR QUÊ? Por que
está melhor? Por que está pior?... e o que vier como resposta
(substantivos, com certeza) irá ampliar no aluno o
conhecimento da experimentação. É O EXERCÍCIO DA
CONSCIÊNCIA. (Anexo II)
Num local onde o fazer é valorizado, é muito natural que os verbos e os
substantivos deem conta de sua descrição. E a Barraca está ligada a fazeres, intenções,
pois são eles que ampliam sua extensão e falam de sua realidade. A repetição disto no
projeto vem naturalmente.
O queijo é loiro. O chá... é cor de chá. Há momentos em que as
coisas são intensamente o que são e dispensam os adjetivos.
Adeus metafisicas. O queijo tem gosto de queijo. A vida tem
gosto de vida. (Quintana, 1987:97)
Acontece é que quando se está num meio de aprendizagem onde existe
coerência entre o que se aprende com o espaço onde isto se dá, os objetos, as ações, os
elementos que compõem este meio vivem um aprendizado que passa
inconscientemente pelas pessoas. Propõe-se ver o mundo: a Barraca é transparente.
Propõe-se o envolvimento: sua disposição é circular e as pessoas entreolham-se
naturalmente. Propõe-se a comunicação: métodos como desenhos são estimulados para
ampliar o nível de conhecimento. Propõe-se concretizar: a Barraca é um exemplo
prático disto. Propõe-se experimentar: este meio está em constante experimentação e
tem se modificado com os anos.
A consciência se dá não por uma informação que se adquire e se aceite, mas por
uma experiência que traz uma formação consigo.
A Barraca costuma ser solicitada por outros departamentos da universidade
para palestras, seminários, cultos ecumênicos etc., e atualmente tem sido utilizada
temporariamente por outras matérias ligadas aos laboratórios do Departamento de
Artes. Ela realmente assemelha-se aos laboratórios e as oficinas naquilo que eles têm de
especiais: são lugares onde o que se trabalha, não poderia ser feito em outro lugar.
CONCLUSÃO
O que podemos ver com clareza é que o Design Social veio acrescentar ao
ensino das disciplinas de Projeto na PUC-Rio uma possibilidade de se trabalhar de
uma maneira que o aluno pudesse, desde cedo na universidade, exercitar-se diante de
situações já ligadas à realidade. Viu-se que simular lugares, pessoas, necessidades
estavam sendo excluidora de desafios necessários ao aprendizado da matéria de
Projeto. A inclusão do mundo físico-social fora dos muros da universidade trouxe vida
ao aprendizado dos alunos.
A trajetória do DS na PUC-Rio traz a marca desta postura de trabalho: o
envolvimento com a realidade, que se traduz em seus frutos, como laboratórios,
projetos de pesquisa e a própria sala de aula construída para lecionar as matérias de
Projeto, a Barraca.
Quando se tem uma ideia na cabeça, ela não passa de uma ideia até que se
concretize em alguma coisa. Sempre que externamos algo temos um retomo que
reafirma, questiona, nega, muda, faz alguma coisa, responde de alguma maneira a este
algo externado. No plano das ideias, nada está sujeito a mudanças, porque está
totalmente sob o controle de quem a detém. Uma ideia concretizada volta sempre com
uma novidade para quem a gerou. Não existe possibilidade de uma resposta nula.
Sempre se terá um retomo. Este aprendizado só vem com a ação, com o fazer. A
palavra que Aristóteles usava para designar o fazer era "poesis" (Illich, 1976), e gosto
de pensar que nesta ação, tão valorizada pelo DS, inevitavelmente a poesia se
apresenta.
O Design Social começou a falar de realidade, de fazeres e promoveu a ida de
alunos a lugares de verdade, suscitou trabalhos com pessoas de verdade e não apenas
com ideias, sugestões. E quanto a ele, ao DS? Seria suficiente ser um instrumento que
diz coisas, orienta, cujas ideias se concretizariam somente nos projetos desenvolvidos
pelos alunos? Seria suficiente ser um método de ensino que, de certa maneira, fazer
com que os alunos encarem de frente situações reais de trabalho e não faz isto consigo
mesmo? Vejo que uma metodologia que fala de fazeres, concretizações, mais cedo ou
mais tarde acabaria sendo concretizada de alguma forma, senão seria incoerente com o
próprio pensamento que a faz existir. E como concretizar uma metodologia de ensino?
Se ela mesma ensina a fazer isto, a resposta estaria nela mesma.
E, neste caso, o fazer se fez poesia na criação da Barraca. E a Barraca devolveu
ao seu criador - o próprio Design Social- vida, alegria, novos passos, novas cores.
A distração do aluno que fica ausente, olhando o vazio fora da
janela é atração por outro mundo. Se os professores entrassem
nos mundos que existem da distração dos seus alunos eles
ensinariam melhor. Tornar-se-iam companheiros de sonho e
invenção. (Alves, p.100)
Quando as aulas de Projeto ainda somente eram dadas em salas de aula
tradicionais, com suas paredes de alvenaria e janelas limitando o contato daquele
espaço com o exterior, o DS ensinava os alunos a trabalharem com problemas. Quando
ampliou-se o campo de ensino, para um local que promovia a comunicação das
pessoas umas com as outras, a Barraca serviu para uma comunicação mais direta com
os alunos na aproximação de seus interesses, desejos, afetos. E mais que isto, a Barraca
promoveu o diálogo com o mundo também ao seu redor. Cercado por duas jaqueiras
generosas e vizinha de muito verde, a fartura se fez presente; Não mais combinava
com este exercício a procura da falta de nada, mas da fartura, da alegria, daquilo que
flui e não do que está emperrado. É a valorização das intuições e dos afetos como
instrumentos no desenvolvimento projetual. O problema ficou para trás e a alegria
tomou conta dos projetos. Agora não mais se procura um problema para resolver, mas
pessoas felizes que façam trabalhos onde sua atuação e seu interesse verdadeiro já são
motivos suficientes para que os alunos encontrem ali um interlocutor para seus
projetos. Com este exercício, os alunos ficam atentos a identificar, sempre que
necessitem, pessoas, situações em que um trabalho desejado terá verdadeira parceria.
Assim, a Barraca contribuiu para o Design Social com uma ampliação do campo
de atuação. Agora o método de aprendizagem de desenvolvimento de projetos se
chama Desenho Coletivo, pois são dos afetos e dos acontecimentos que movimentam a
coletividade que projetos trabalham com o sentimento de equipe numa escolinha de
futebol de praia, com o desejo de dançar da menina que tem seus movimentos
limitados pela lesão na coluna e com mil situações que acolhem os olhos brilhantes de
quem as vive, agora atentas ao fogo e não mais às cinzas de algo morto. O fogo é aquilo
que ilumina, é a alegria, e por isso é que se tem um lugar para ele no centro da Barraca.
Com a concretização deste método, outro retorno se fez presente. O lugar de
ensino tornou-se um lugar de aprendizagem, pois na disposição que a Barraca foi
tomando pelo sentimento coerente de sua construção em relação ao que se deseja
ensinar e o que se é, viu-se promovendo um meio de aprendizagem onde todos,
alunos, professores e convidados aprendiam sem distinção. Quem antes tinha o papel
de ensinar se vê aprendendo. E este aprendizado, estando na pessoa do professor, faz
de suas aulas muitas vezes uma incógnita quando ensina-se algo, como diz Rubem
Alves ao falar de Barthes: "compreende-se então que Barthes tenha dito que seguindo-
se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve-se chegar o tempo quando se ensina
o que não se sabe.” Ou como diz Ana
Branco, "quando ensina-se aquilo que precisamos aprender”.
O campo de estudo promovido pela prática do Design Social na PUC-Rio é
muito rico porque conta com uma atuação constante de seus seguidores, que trazem
sempre, através do fazer, exemplos concretos que são bases ideais de estudo. Cito,
neste trabalho, o laboratório LOTDP e a pesquisa Bio Oficina sem Vestígios, que têm
um campo vastíssimo de interesses para pesquisadores e estudiosos interessados em
ver o DS empregado de diferentes maneiras.
Porém, é a Barraca que sintetiza o espírito surgido com o Design Social como
metodologia de ensino de desenvolvimento de projetos na prática do Desenho
Coletivo. Lá, o assunto é aprender/ensinar. É a concretização deste método em todos os
elementos que compõem este meio de aprendizagem. É uma verdadeira escola, pois lá
não se ensina as respostas, mas se ensina a perguntar. As perguntas iniciais da Barraca
tento responder neste trabalho, mas como ela está viva, novas perguntas serão geradas,
despertando a curiosidade de outros pesquisadores. O tempo fará com ela o que faz
com o vinho: a velhice virá acompanhada do mistério da sedução.
_____________________
ANEXO 1
DEPOIMENTO DE ALUNOS
Ao longo dos oito anos de existência da Barraca, muitos depoimentos foram
registrados a respeito desta sala de aula junto a alunos de Projeto e alunos de
Convivências, matéria eletiva oferecida pelo Departamento de Artes PUC-Rio. Seguem
alguns dos depoimentos mais significativos destes alunos. Na primeira parte, são
descritos depoimentos colhidos no início de 1993, durante os quais não foi pedida
identificação e apenas uma pergunta foi feita: o que você acha dessa Barraca? Na segunda
parte, com depoimentos que são de 1995, foi solicitado apenas o nome do aluno. Um
texto antecedia o depoimento, como veremos na Segunda parte. Os depoimentos dos
alunos de Projeto estão em maioria, porém os relativos à Convivências ficam evidentes
no próprio texto.
Primeira parte
O que você acha dessa Barraca?
“Um ambiente agrad{vel, onde as pessoas parecem encontrar um espaço para expressarem o
que ocorre por dentro delas."
"Um 'refúgio' dentro da PUC. Um espaço antes de tudo circular que permite que as experiências
de cada um deem resultado em cadeia."
"Um ambiente mais descontraído sem os padrões tradicionais de uma sala de aula. Um lugar
onde professor e alunos encontram-se mais abertamente."
“Um lugar que aproxima mais alunos e professor Dor não haver as limitações de uma sala de
aula, como cadeira, mesas. Além disso, pode-se ficar mais à vontade, e assim, a descontração
acontece naturalmente."
“É um ambiente acolhedor, é um lugar que deu certo. Contribui para a aproximação
professor/aluno e aluno/aluno, e é interessante por fugir do padrão de sala de aula tradicional."
"É um lugar que relaxa os alunos e facilita a integração entre os mesmos e os orientadores."
“Um local descontraído e relaxante que permite maior integração, troca de ideias etc. entre os
alunos. Isolado do ambiente agitado do resto da PUC.”
"Foge do ambiente formal da sala, deixando os alunos mais próximos, descontraindo. Mais fácil
para apresentar os projetos devido à proximidade entre as pessoas. O único problema é que não
cabe todos os alunos." "Eu acho confortável e agradável. As aulas não ficam chatas."
"Primeiro de tudo é super aconchegante. É o espaço que permitiu enxergar um novo tipo de
método de escola, onde o objeto que abriga as discussões está realmente integrado no seu
contexto. Em nenhum momento este objeto se isola, e sim promove uma integração total dos
seres mais diversos que dele se aproximam."
"É um lugar que você se sente à vontade para fazer qualquer coisa: relaxar, trabalhar, conversar,
entre muitas outras coisas. O projeto é fantástico! Você realmente aprende a se comunicar com
as pessoas, vivendo e presenciando seus momentos de alegria e tristeza. O projeto te modifica,
você vira outra pessoa. Eu diria que o projeto é uma mudança na maneira em que você pensa,
seus pensamentos ampliam. É muito legal."
"É um espaço diferente, agradável, onde as pessoas vêm mais descontraídas, com disposição de
aprender, trocam experiências, o que realmente acontece aqui. A possibilidade de ter um espaço
como esse é de valor inestimável. Eu acho sensacional. "
“ Meio casa, meio escola, meio cama, meio palco, meio espelho, meio mãe. A Barraca é tudo.
Tudo que se quer que ela seja. "
"É transparência da vida. Mostrando a percepção do mundo, do dia-a-dia, nos 'encantamentos'
dela."
"Acho a Barraca muito simpática, agradável,...adorei!"
“...penso na inf}ncia..."
“Um lugar para você concordar com você mesmo, no seu tempo, do seu tempo, do seu
tamanho...”
“Nos ajuda a relaxar | medida que se afasta completamente do ambiente da sala de aula. É
interessante porque a integração do grupo é muito maior."
"Amei essa Barraca, arejada, meio laranjinha, uma iluminação bem relaxante mesmo, o círculo
de arrumação das pessoas ajudando na integração... Tudo a ver também, achei o máximo
estudar aqui."
"Um ponto de referência que lateja a informação de que a vida é movimento e nela estamos
sendo convidados a dançar a nossa dança."
“Me hace sentir dentro y fuera de la Facultad al mismo tiempo."
“As enzimas são elementos que facilitam o metabolismo no ser humano. A Barraca tem ação
enzimática."
Segunda parte
A Barraca é um objeto que está em experimentação como um espaço de ensino permeável às manifestação do entorno. Considere o seu semestre trabalhando nesse espaço.
"Convida à Atitude de Comunhão com o Cristo Universal
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Contemplar
Compaixão
A Barraca, nosso tabernáculo onde oramos e celebramos a vida com gratidão,
Leila Convivências, 1993/94- 2 mil e . . . sempre”
"Estar na Barraca é estar junto de nós mesmos e descobrir nosso lugar nesse mundo.
Na Barraca reaprendemos o olhar atento às coisas simples. O olhar das coisas simples. É
um lento aprendizado, construído a cada dia, ouvindo, conversando, vendo, ouvindo,
conversando, vendo, fazendo. É tão difícil e fácil descobrir a pólvora! Essas coisas simples que
tínhamos esquecido há tanto tempo vêm nos encontrar na Barraca.
A Barraca é um espaço vivo de exercício de vida. Exercitamos os músculos adormecidos
da visão, da cabeça, da mão. De repente o corpo inteiro vai despertando e já não é mais só olho
(ou cérebro) que percebe, que sente, que pensa.
É um aprendizado para toda a vida. Basta querer que não se esquece.
Esse espaço físico da Barraca vai se mostrando a cada dia pelas mãos da Ana, que
transborda vida pelos olhos, pelos poros. Ana transborda tanto que não é só na Barraca que
acontece tudo isto. É onde ela está trabalhando. Ver a Ana trabalhando e trabalhar junto faz a
gente voltar a ser simples, buscar a origem das coisas, a origem do que move nossos prazeres: o
amor, o desejo.
Fazer projeto na Barraca é fazer aquilo que a gente mais deseja no momento. Mesmo
que a gente não perceba, mas é o nosso corpo inteiro nos levando àquilo. E o resultado só pode
sair bom, pois somos nós, inteiros, que estamos ali. Com nossos tropeços e acertos. O
'imperfeito' toma-se perfeito pela beleza de se (vi)ver um trabalho construído, realizado, amado,
em uso.
Fazer a aula de Convivências é, através das coisas simples que nos cercam, descobrir a
ligação entre todas elas, entre todos nós. É sentir que somos parte de um todo entrelaçado por
uma teia, que pode ser física, espiritual, emocional... É também, mais do que isso, descobrir
como é interessante e bom conviver com pessoas diferentes. E como isso é necessário para que
não se caia na armadilha de viajar em tomo do próprio umbigo. Conviver com o diferente (e
descobrir as semelhanças que há nele) faz o movimento da vida apontar para fora, para os
caminhos em tomo. O caminho para dentro de nós é necessário, mas deve ser feito com um pé
lá e outro cá. A troca é importante, porque é necessária.
O que aprendi e ainda aprendo (apesar da distância física) na Barraca é para mim muito
precioso. Aprendi com as pessoas que a frequentam, com a Ana, com o espaço, com o axé do
lugar. Obrigada. Carrego comigo um pouco desse espírito que procuro manter sempre aceso,
vivo, como as fogueiras que acendemos e que nos trazem tantas respostas. Axé!”
Renata Carregal
"O primeiro dia de aula foi um susto. Eu ficava tentando entender o porquê de ter aula
'no meio do mato'. Com o passar do tempo, fui entendendo melhor a proposta da Barraca e
acho que é um projeto muito interessante. As paredes de uma sala de aula muitas vezes
reprimem nossas ideias e na Barraca a imaginação corre solta. Tem tudo a ver com a matéria. Só
não gostei da Barraca nos dias de chuva, mas fora isso acho-a muito boa.
Quanto às aulas em si, foram muito importantes para entender melhor coisas que
acontecem no dia-a-dia, que às vezes pareçam ser tão complexas. Você (Ana) é uma pessoa
incrível que nos ajudou muito. No começo foi difícil, a vontade de desistir existia, mas valeu a
pena ter continuado. A Barraca tem que continuar, é um projeto que já deu certo. "
Alexandra Gros
“Logo que cheguei | Barraca, as primeiras aula ficaram um pouco confusas, pois a
metodologia e o local de ensino são completamente diferentes do padrão. Mas ao longo do
curso você percebe que está no local mais apropriado para o estudo de um projeto. Nesse local
se vive um espírito de equipe muito grande.
Fazer um projeto é uma coisa muito complexa. Tem que haver um estudo muito sério e
uma vontade muto grande de fazer. Quando você chega na Barraca se depara com uma
excelente e muito motivada pessoa que, no meu caso, foi a grande Ana Branco. Quando se
começa em um lugar que te gratifica e uma professora que te auxilia tão bem quanto a Ana,
você só tem que fazer.
Na minha opinião a Barraca é o próprio lugar para você libertar a sua criatividade.
‘Missão louca como essa só um desenhista industrial é capaz' "
Pedro Oliveira
“A presença dos elementos da natureza no lugar de trabalho me possibilitou a
realização de um projeto onde tais elementos foram levados em consideração o tempo todo, e
não excluídos como muitas vezes acontece quando estamos limitados a quatro paredes. É
impossível ignorar a presença do sol, do ar ou da terra no chão; e sinto que esse contato me fez
pensar no mundo não material, no mundo vivo ao longo do desenvolvimento do meu projeto.
Mesmo que de maneira inconsciente, tentei várias vezes representar esse mundo no meu
trabalho e acho que consegui devido à experiência que vivi na Barraca.
É outro sentimento, como se a mesmice da aula se transformasse num encontro
superinformal e ao mesmo tempo seríssimo, com ar de piquenique no bosque, onde as pessoas
comentam sobre seu processo de trabalho. Parece que na Barraca não há limites. Lá tudo se
toma possível a partir do princípio da simplicidade e da harmonia dos elementos que compõem
o mundo. As coisas simplesmente acontecem e a gente nem sabe por quê.
O trabalho na Barraca só traz benefícios, não só para nós, por ser um lugar agradável,
mas também para o mundo, por serem os trabalhos lá realizados cheios de consciência
universal, mesmo que não percebamos de imediato. "
Vanessa Machado.
“Ana, como e f{cil trabalhar aqui na Barraca! Deus do céu!”
André Côrtes
"Produção de caráter de gente, de alma, de espaço, forma e estímulos. Aprendi a
enxergar o mundo real. Viva Deus, que é essa luz que nos possibilita fazer."
Rafael Targat
"Para a aula de Projeto Básico com a Ana não consigo pensar em local mais apropriado.
Certamente dentro de uma sala convencional as aulas não poderiam ser dadas da forma como
foram.
Questiono, inclusive, se os projetos elaborados pela turma teriam sido os mesmos se
realizados em outro ambiente. Segundo o professor de Psicologia Comportamental, Luiz
Augusto, não se pode desvincular os acontecimentos, em momento algum, do ambiente em que
ocorrem. Talvez os projetos realizados tivessem sido melhores ou piores, mas, dificilmente,
seriam os mesmos. "
Ilana Novikov
"Embora eu estivesse trabalhando na Barraca durante os dois períodos do ano, foi
somente neste semestre que realmente compreendi como trabalhar na Barraca.
Para fazer projetos é necessária uma integração entre aluno e professor (inclusive com
alunos de outros grupos), o que é muito facilitado pelo ambiente descontraído proporcionado
ela Barraca.
Durante este semestre, o que mais me estimulou foi a certeza que meu projeto seria
realmente adequado à aula da Estella (a interlocutora), uma vez que ela foi co-autora, diferente
por exemplo de projetos de faculdades de arquitetura, onde se trabalha com situações utópicas
onde o professor é um crítico de seu projeto.
Aqui na Barraca tornou-se urna equipe, onde mesmo não estando presente, a Estella fez
parte, que atingiu plenamente o objetivo proposto pela matéria. "
João
"A Barraca é um espaço de ensino novo e fundamental para o desenvolvimento de bons
projetos, pois para o desencadeamento de bons resultados nos projetos é necessário uma troca
de ideias entre todos os componentes do espaço, e a sua forma faz com que os alunos se sintam
à vontade para expor seus pensamentos e posições diante dos diversos assuntos relacionados
direta ou indiretamente ao projeto. Não esquecendo que além de favorecer os alunos, a Barraca
favorece o trabalho dos professores que nela dão aula.
A Barraca é um ambiente que ajuda na chegada aos objetivos comuns entre alunos e
professores."
Eduardo Dias
"A Barraca, podemos dizer, é uma sala de aula um tanto quanto alternativa. Porém,
desta forma, acredito que deixa mais à vontade para relatar seus projetos, já que não tem a
estrutura formal de uma sala de aula, que inibe. Na Barraca os alunos se sentem à vontade para
usar uma linguagem informal, o que acaba ajudando-os a se expressarem. Atende bem à
proposta da matéria."
Carina Carreira
"A primeira reação que tive da Barraca foi de impacto. Achei estranho que na PUC, um
lugar caracterizado por grandes prédios, corredores e salas fechadas, eu pudesse ter aula em
uma barraca no meio do mato. No começo achei tudo muito estranho: como eu poderia ter aula
deitada num banco de madeira, encostada em um travesseiro de folhas secas? Depois comecei a
reparar como aquele lugar super diferente era tão interessante, a forma como ele se sustentava,
o mecanismo para gerar energia, o esconderijo para guardar materiais
…É lógico que a Barraca ainda merece um certo tratamento, como uma forma para que
se possa ir à aula mesmo com chuva, mas isso também seria válido para a própria PUC, que fica
impraticável nos dias chuvosos. Entretanto, a Barraca se tomou um lugar muito agradável de
estar e se não houvesse perigo de roubo poderia ficar aberta para pessoas que quisessem
estudar ou apenas conversar. A Barraca é o tipo de lugar que conquista as pessoas aos poucos e
toma a arte de fazer projeto muito especial."
Juliana Souza.
"Conviver esse semestre na Barraca foi urna das experiências mais gratificantes que já
vivi numa universidade 'convencional'. Gostei do fato de poder participar estando sentada ou
até deitada no tablado, ou seja, de uma maneira confortável para o corpo.
Desta forma, tenho certeza que esse espaço (a Barraca) contribuiu e se mostrou essencial
para o perfeito entrosamento entre as pessoas, assim como para a experiência com os
materiais...
...Acredito que o aprendizado pode melhor ser alcançado através da inovação, em
conjunto com programas acadêmicos de qualidade, e que a autoridade baseada na habilidade
da investigação partilhada, em vez de estruturas rígidas, seja altamente benéficas e gratificantes
para o aluno...”
Karin Frolich
“As aulas na Barraca são muito produtivas, principalmente pelo fato de fugir dos
padrões de sala de aula (mesa, cadeira, quadro, etc.)...”
Flávia Matias
“...Assistir aulas na Barraca tira toda aquela rigidez que em alguma matérias até pode
ser considerada necessária, como geometria, desenho técnico e outras do gênero. E sendo PPD,
normalmente uma matéria onde os alunos vão por vontade própria e não por obrigação (afinal,
fazendo parte de PP é suposto que todos gostem disto), é mais um ponto ganho assistir aulas na
Barraca. "
Taíssa Inglês
"Estar alguns instantes na Barraca me proporcionou uma experiência única, onde cada
instante vivido era muito diferente... e sempre muito especial.
O fato de conversarmos olhando tudo que nos cerca nos faz refletir sobre pequenas
coisas que são fundamentais em nossa vida, porém, que de uma forma ou de outra, passam
despercebidas. Tais coisas que primeiramente parecem tão pequeninas foram, então, se
tornando cada vez maiores dentro de mim. Que bom.”
Tatiana Guimarães
"A Barraca é um grande centro de aprendizado, pois lá pode haver e há uma integração
muito grande entre a turma e o professor. Todos dão palpite, há uma comunicação mais aberta,
o que facilita nosso trabalho. Fora que o lugar, todo ventilado, ajuda você a relaxar e trabalhar
muito melhor... desde o último dia senti um progresso enorme, em termos de pensamento e
força.”
Luis Vivente Barros
"O início foi muito difícil. Acho que todos os calouros sofrem um certo impacto ao
descobrirem que têm aula na Barraca. O ambiente é muito diferente entender o que devemos
fazer e começarmos a caminhar o projeto perdemos muito tempo.
Fiquei meio perdida até conseguir começar o projeto e começar a gostar de trabalhar
nele No final do período é que vemos o quanto foi importante 'se perder' no começo.
Aprendemos que é preciso tentar de tudo para conseguir realizar o projeto e que se a aula não
fosse na Barraca talvez não tivéssemos aprendido tanto."
Fernanda Valiante
"Ter aula na Barraca foi uma experiência incrível, pois foge à regra da sala de aula. É
um espaço onde as pessoas relaxam e onde todos se olham ao mesmo tempo (inclusive a
professora, que fica na mesma posição dos alunos).
O clima dentro da Barraca é diferente do lado de fora. Por ser "aberta", pode deixar que
o vento, o sol (e a chuva) entrem.
A forma circular faz com que as atenções se direcionem para o centro (onde estão os
desenhos ou objetos) ou para as outras pessoas, o que é muito importante porque de certa
forma você participa do projeto de outros, dando sua opinião ou dando 'dicas' de onde
encontrar materiais etc."
Adriana Batalha Knackfuss
POESIAS SOBRE A BARRACA
Escrevi duas poesias sobre a Barraca com uma diferença de seis anos de uma
para outra. A primeira foi em 1988 quando ainda era aluna de Comunicação Visual na
PUC-Rio, a segunda de 1994, já professora do Departamento de Artes. Ambas falam de
aprendizado.
POEMA DA BARRACA
Aprendo com a Barraca a ser balão com o balão a ser bonita com a beleza a ser Cigana com a Cigana a acreditar nas minhas mãos com as minhas mãos a fazer brincos de papel com as brincos a ter fim com o fim a existência da eternidade com a eternidade a função do fogo com o fogo o movimento Aprendo com o movimento a ser gaivota com a gaivota a dançar com a dança a ver Valéria com Valéria a caminhar com a caminhada a ver a chuva com a chuva a ter fé com a fé a sonhar com o sonho como é ser Ana com a Ana a concretizar com o concreto que ele é flexível Aprendo com a flexibilidade o que é elegância com a elegância a ser golfinho com o golfinho a ser alegre com a alegria a ser Cristóvão com ser Critóvão a ser criança com a criança a se livre com a liberdade a ser vento com o vento a mudar tudo de lugar Aprendo com a mudança o encanto do novo com o novo que ele é velho com o velho a observar
com a observação a ser Ripper com o Ripper a fazer balão
Balão ao contrário. De cabeça pra baixo. Mas subindo muito. subindo alto e cheio de Anas, Bias,
Andrés, Cláudias e Cláudios, Flávios e Flávias, Guilhermes, Didis, Carmens, Freds, Ritas, Helinhos,
Lucianas e Lucianos, Fernandas e Femandos... ...e eu ainda não sei de nada! .
POEMA DA BARRACA II (o retorno)
Aprendo com a barraca a fazer fogo
com o fogo a ver o brilho
com o brilho a ver Deus
com a visão divina a enxergar os outros
com os outros a desenhar
com o desenho a desejar
Aprendo com o desejo que ele é ação
com a ação a fazer pão
com o pão o que realmente existe
com a existência o que é possível
com a possibilidade a ver os caminhos
Aprendo com os caminhos a andar na lama
com a lama a conhecer o mangue
com o mangue a brincar com o equilíbrio
com o equilíbrio a importância do eixo
com o eixo o que é infinito
Aprendo com infinito o que seria o fim
com o fim o que é a ilusão
com a ilusão a relativizar
com a relativização a me encontrar com os contrários
com os contrários a soprar para acender
com essa mágica a fazer fogo
com o fogo a incendiar a Barraca
Um incêndio do qual não escapa nenhum coração, nenhuma ação, nenhuma intenção dos olhos
brilhantes de quem ama. Um fogo que a Ana sabe muito bem qual é, pois foi ela que me ensinou a
aprender tudo isso...
Quando a Barraca ganhou seu último desenho, um visitante escreveu sobre ela:
Existe um lugar onde o mestre aprende com o discípulo; onde uma fogueira
de gravetos catalisa a sinergia; onde uma lona e uma treliça do deserto se
sustentam e as duas acolhem o saber que emana da rebeldia de pensar livre.
Lá não se resolvem problemas, não se luta contra inimigos e não se impõem
normas. Vai-se de encontro a anseios, constroem-se jovens verdades, cultiva-
se o heterogêneo.
Embora não se proíba o individual, os de lá optam sempre pelo coletivo; sem
condenar o conservador, pulula o progressista; e por não perseguirem nem o
bem nem o mal, reforçam a fé dos que sonham, sem angústia, com um mundo
de convivência harmônica entre os extremos.
Existe um lugar onde jaqueiras, jamelões e macaquinhos curiosos veem quatro
losangos dentro de apenas um, onde jogadores de futebol são voluntários
carregadores de pedra e de sorrisos sinceros e onde perigosos produtos
químicos assistem de perto o nascimento de um novo tempo.
Nesse abrigo, guardado por uma porta secular, convivem com os duendes um
tal Francisco de Assis, mulheres da Pedra de Guaratiba, físicos quânticos da
Califórnia, pequenos feiticeiros do cotidiano e todos aqueles que, como você,
vieram a esta vida para se lançar à lua e, se errarem o alvo, adormecer junto às
estrelas.
___________________
Fernando Pacheco
____________________
ANEXO 2
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