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Reflexões sobre possíveis articulações entre o design e a luteria
Rodrigo Mateus Pereira1, Ronaldo de Oliveira Corrêa2
Resumen
En este texto buscamos investigar posibles relaciones entre el Diseño y la Lutheria, como las
formas de proyección y enfoque de producción, con el objetivo de considerar la Lutheria,
como una disciplina académica en construcción, en una estructura proyectual sistematizada e
instituida. Además, pretende contribuir al estudio de la historia del Diseño partiendo de otros
artefactos y procesos, concebidos fuera de la esfera formativa académica del área. Con
dirección a una concepción ligeramente distanciada de la historia hegemónica, intentamos
caracterizar el diseño a partir de investigadores como Cardoso (2011) y Forty (2007), cuando
sugieren la actividad como innata al ser humano, y que se encadena por la generación de
proyectos, esbozos y modelos y establecen una asociación del Diseño a la producción
industrial (en el ámbito del siglo XIX). En este período, aquellos autores indican que es el
momento en que el diseñador pasa a tener una función primordial en el diseño y en la
fabricación, y cuando un diseño adecuado puede significar el éxito o el fracaso de producirse
en serie.
1 Universidade Federal do Paraná -Brasil, [email protected]
2 Universidade Federal do Paraná – Brasil
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Conceptualmente consideramos que existen en estas ideas un vínculo inicial con la
articulación aquí pretendida, ya que intereses como producción en serie, formas simples de
concepción, mecanizado y utilización de insumos de fácil adquisición marcaron el comienzo
de la industrialización de guitarras eléctricas, que aún permanecen y absorben cada uno
más innovaciones productivas.
Estas observaciones indican algunas posibilidades de profundización conceptual de la
Lutheria, pues la actividad se expande en diversos presumibles elementos del análisis, pero
claramente evidencia semejanza con los fundamentos del área del Diseño.
La centralidad de este análisis se da en la creación y proyectación del objeto guitarra
eléctrica, que se materializa en el resultado obtenido en producirse considerando
especificidades del diseño. Ésta se realiza por la figura del sujeto que proyecta utilizando
elementos clave del diseño, éste cuando se enfoca la producción. El recorte está delimitado
en la empresa Fender®, estadunidense considerada una de las responsables por la
propagación comercial de la guitarra eléctrica, en el advenimiento de la invención y
lanzamiento de dos de sus primeros instrumentos musicales, a saber: el modelo Telecaster®
en 1949 y Stratocaster® en 1954 (EVANS, 1977). La utilización de Fender se justifica a partir
de su existencia como una empresa visible en una extensa bibliografía sobre su historia y
contexto productivo de su época, así como ejemplifica las pretensiones de diseño que el
creador de la marca buscaba (RAYNA y STRYUKOVA, 2011).
Este estudio no es generalizable a toda la industria de guitarras eléctricas, ya que el modo
de producción es variable, del pequeño artesano a volumétricas fábricas asiáticas. Sin
embargo, permite validación cuando se trata de un ambiente fabril que apalancó el éxito
comercial del instrumento y articula un panorama en el que es posible introducir la Lutheria
de la guitarra eléctrica en el modo de producción seriada, que abarca significativos
conceptos y métodos históricos de la actividad del Diseño.
1. Introdução
Partindo de uma conceituação ligeiramente distanciada da história hegemônica do
Design, que preconiza a formação universitária como imperativo, buscamos aqui discutir
formas de articular o Design, enquanto disciplina e método projetual, com a Luteria,
essencialmente a de guitarras elétricas, na tentativa de idealizar subsídios que
embasem a área quando inserida no contexto acadêmico e forneça outros pilares para a
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pesquisa da história do design, principalmente quando consideramos a opinião de Forty
(2007) a respeito da história do design ser também a história das sociedades, que afeta
os processos das economias modernas, ao mesmo tempo em que é afetado por elas
(Forty, 2007)
Caracterizamos o Design fundamentando a partir de pesquisadores como Cardoso
(2011) e Forty (2007), quando sugerem a atividade como inata ao ser humano, e que se
encadeia pela geração de projetos, esboços e modelos e estabelecem uma associação
do Design à produção industrial (no âmbito do século XIX). Neste período os autores
indicam acontecer o momento onde o designer passa a ter função primordial no projeto
e fabricação, e quando um Design adequado pode significar o sucesso ou o fracasso de
se produzir em série.
Conceitualmente consideramos existir nessas ideias um vínculo inicial com a articulação
aqui pretendida, visto que interesses como produção em série, formas simples de
concepção e usinagem e utilização de insumos de fácil aquisição marcaram o começo da
indústria de guitarras elétricas, que ainda permanecem e absorvem cada vez mais
inovações produtivas. Este fato gera, além das discussões sobre a forma de projetar e
fazer, um distanciamento da guitarra elétrica da forma de construção tradicional na
Luteria, que se dá em pequenos ateliês e com conhecimento transferido na relação
mestre/aprendiz.
Essas observações indicam algumas possibilidades de aprofundamento conceitual da
Luteria, pois a atividade se expande em diversos presumíveis elementos de análise, mas
claramente transparece semelhança com fundamentos da área do Design - na criação,
projetação e produção.
A centralidade dessa análise se dá na criação e projetação do objeto guitarra, que se
materializa no resultado obtido em se produzir considerando especificidades do Design.
Essa unidade de análise acontece assim na figura do sujeito que projeta considerando
elementos-chave do Design, quando enfocando a produção. O recorte espacial/temporal
é delimitado na empresa Fender®, norte-americana considerada uma das responsáveis
pela propagação da guitarra elétrica, no advento da invenção e lançamento de dois
primeiros instrumentos musicais, a saber, o modelo Telecaster® em 1949 e
Stratocaster® em 1954 (Evans, 1977). A utilização da Fender se justifica a partir de sua
existência como uma empresa visível em extensa bibliografia sobre sua história e
contexto produtivo de sua época, bem como exemplifica as pretensões de Design que o
criador da marca tinha (Rayna e Stryukova, 2011).
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Este estudo não é generalizável a toda a indústria de guitarras, visto que o modo de
produção é variável, do pequeno artesão a volumétricas fábricas asiáticas. Ainda assim,
permite validação quando trata de um ambiente fabril que alavancou o sucesso
comercial do instrumento e produção seriada, delimitado por um período que ainda
desfrutava deu um ideal produtivo, resquício da revolução industrial.
2. Luteria de guitarra e Design
Leo Fender (1909-1991) não era músico, guitarrista ou luthier. No entanto, foi um
autodidata em Design. Utilizamos essa caracterização de forma comedida, uma vez que
claramente Leo Fender não foi um designer no sentido mais comum da palavra, quando
atribuído ao profissional do Design, mas nos apoiamos em Willem (1990), Forty (2007) e
Cardoso (2011) para considerá-lo praticante (ou executor) do Design quando exerceu e
realizou, na produção de guitarras, elementos comuns de projetos desta disciplina.
Para Rayna e Striukova (2011), o corpo acústico era um detalhe que requeria um
trabalho artesanal; trocando isso por um bloco sólido de madeira, as guitarras se
encaixaram na produção em série, pois se assentavam comodamente no trabalho de
máquinas e ferramentas que produziam os instrumentos em maior quantidade e
alcançavam o consumidor com preços menores. Além do mais, a parte mais delicada do
violão (a caixa acústica), substituída por um pedaço de madeira maciça na guitarra
elétrica, aumenta sua resistência e durabilidade (Rayna e Striukova, 2011).
As bases que considero para contextualizar Design neste texto são Forty (2007) e
Cardoso (2011). Esses autores sugerem a associação do Design à produção a partir de
alguns processos no sistema de fábrica, momento no qual o designer passa a ter função
primordial no projeto e fabricação, e quando um Design adequado pode significar o
sucesso ou o fracasso de se produzir em série. Forty (2007) se utiliza do termo como a
preparação para a produção de bens manufaturados. Na história dos processos de
industrialização no ocidente, em especial na Europa, a figura do designer começa a
ganhar importância com o início da produção seriada, pois a etapa de projetação passa
a ser individualizada. Projetos e processos específicos são essenciais pa ra manufatura,
como forma de padronização no máximo nível possível (Forty, 2007).
Para Forty (2007) o grande crescimento do mercado de bens duráveis gerado pelo
processo manufatureiro de fabricação, que ainda era aquém do propósito de
padronização total, era a busca das pequenas produções ou artesãos cooperados.
Vender por catálogos, exemplo inovador no século XIX, exigia rigoroso padrão entre
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produtos. Quase no século XX, os mestres começaram gradualmente a introduzir
máquinas nas oficinas, principalmente como meio de empregar mão-de-obra menos
qualificada, e consequentemente mais barata.
Este processo de mudança também envolveu uma questão social importante para o
momento. Cardoso (2011) articula que não existe mais necessidade de se contratar
artesãos habilitados. Um designer para gerar o projeto, um gerente para supervisionar a
produção e um grande número de funcionários com pouca qualificação para executar as
etapas, de preferência como meros operadores de máquinas, seriam suficientes. Aqui os
altos salários eram direito apenas para os dois primeiros, ficando o operário em escalas
de renda menores. Forty (2007) concorda quando diz que na Revolução Industrial era
“desnecessário que os artesãos tivessem talento para o Design, uma vez que tudo que a
produção fabril exigia deles era a capacidade de executar os Designs que recebiam”.
Willem (1990) considera ser o Design a expressão de uma habilidade humana inata, uma
habilidade de mudar o ambiente, presumivelmente para melhor. O autor avalia a
imprescindibilidade da capacidade em Design na sobrevivência do homem,
desenvolvendo, desde os tempos mais remotos, roupas, ferramentas e equipamentos
para a caça. Para Willem (1990), humanos são designers e propõe uma sistematização
onde o Design “começa com a percepção de uma necessidade e, se a atividade for bem-
sucedida, conclui com o desenvolvimento de uma forma eficaz de satisfazer essa
necessidade”. Perceber e depois buscar uma forma de satisfazer o que foi percebido.
Cardoso (2005) defende, utilizando-se de uma análise de materiais gráficos brasileiros, a
obviedade da atividade Design por não designers. Do mesmo modo, Forty (2007)
concorda quando constata que, já no século XVIII, surge a figura do designer,
profissional essencial na Revolução Industrial quase cem anos antes do aparecimento do
próprio termo design.
Assim, pelo embasamento nos autores discutidos, consideramos aqui o Design como
uma atividade inerente ao ser humano, essencialmente quando tratada no âmbito da
criação, projeto e produção de artefatos e que participa ativamente do sucesso (ou
fracasso) de se fabricar em larga escala.
3. A invenção da guitarra Fender
Interesses como produção em série, formas simples de usinagem e utilização de
insumos de fácil aquisição, marcaram o início da indústria de guitarras elétricas e se
perduram até os dias atuais, absorvendo cada vez mais a tecnologia disponível –
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Donahue (2002) considera que a produção de uma fábrica asiática gera entre oito e
quinze mil unidades mensais. Uma das facetas deste processo se introduz na Luteria
pela empresa de Leo Fender. A guitarra ganhou seu espaço como um artefato industrial.
Além da projetação focada na produção e economia de material, buscava velocidade e
eficiência de distribuição. A meta da produção era reprodutibilidade e padronização, a
baixo custo. Duchossoir (1991) afirma que a intenção de Leo Fender era fazer as coisas
mais práticas e simples quanto possíveis, com objetivos direcionados para a
industrialização.
Assim, como produto, a guitarra de Fender mostrou exemplos claros do foco na
produção. Como exemplo, consideramos inicialmente suas considerações a respeito dos
braços construídos em uma única peça de madeira e parafusados ao corpo. Este aspecto
facilitava construção e o acabamento, além de aumentar a velocidade e economia de
fabricação (Duchossoir, 1991). Ainda que usasse madeiras mais resistentes, “em geral
seria menos caro para construir e substituir” (Duchossoir, 1991).
Até Leo Fender, a fabricação de instrumentos ascendentes morfologicamente
semelhantes à guitarra seguia modelos desenvolvidos pela indústria, artesanal ou não,
do violão e similares, vigente na Luteria desde o começo do segundo milênio. A escala
sobreposta ao braço do instrumento se localiza como padrão de produção desde os
alaúdes medievais, como forma de aumentar a resistência ao desgaste, numa região do
instrumento que sofre atrito constante com os dedos do músico, pela utilização de uma
madeira densa e dura. Além do fortalecimento estrutural do braço. Siminoff (2002)
considera que a escala deve ser resistente suficiente para a abrasão sofrida por unhas e
cordas, além de segurar os trastes em seu lugar e resistir à alta pressão para a colocação
destes.
A utilização de escalas confeccionadas em maples (Acer spp), espécie madeireira clara e
de menos densa que as tradicionais normalmente escolhidas, é comum em guitarras
elétricas desde sua inicial inserção por Leo Fender, se tornando um dos parâmetros para
esse instrumento. Mas Leo Fender não só aderia à utilização de maples nas escalas, mas
concebeu sua produção para gerar braços e escalas, juntos, em uma única peça de
madeira. A questão à qual aqui me atenho, que coloca Leo Fender dentro das
atribuições do Design discutidas, é: não se optou por essa madeira e modo de construir
por razões estéticas, tonais ou mesmo mecânicas. Seu objetivo era economia de tempo
e materiais, enfocada na facilidade de se produzir e no aumento da produção.
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O braço já era fabricado com maples em outros instrumentos, assim como, em alguns
casos, a escala. O que Leo Fender iniciou foi construção das duas partes em uma só
peça. Do mesmo modo, o braço parafusado foi uma alteração positiva no intuito
produtivo da guitarra. Diferente do braço colado (ao corpo) dos violões, o braço
parafusado permite ajustes fáceis e rápidos, bem como a imediata substituição em caso
de defeitos. Além disso, em uma linha de produção, o manuseio de partes separadas
torna o processo mais seguro e eficaz.
Em outra forma de diminuir custos em seus processos e conseguir fornecimento
suficiente de matéria-prima, bem como equidade na qualidade, Leo Fender trocou as
madeiras do instrumento, de acordo com suas necessidades de produção. Essa alteração
ocorreu exatamente na facilitação do acesso a insumos e padronização das guitarras. O
intento resultou, basicamente, na substituição da madeira Ash (Fraxinus americana)
(figura 7), com desenhos rajados e muito figurada, para o Alder (Alnus rubra) (figura 8),
madeira comum, encontrada nos Estados Unidos da América em larga escala e com
uniformidade na tonalidade, o que permitia emendas sem necessidade de tratamento
(Duchossoir, 1994).
O tratamento que Duchossoir (1994) sugere é o clareamento, que permite igualar várias
peças de madeiras para uma tonalidade muito semelhante, proporcionando assim a
possibilidade de uso de duas ou mais partes de madeira em um único corpo de guitarra,
quando o instrumento não receberia um acabamento sólido.
Consideramos essa mudança uma das mais expressivas realizadas por Fender, uma vez
que demonstra seu claro enfoque no Design, direcionado à produção. Essa modificação
se insere em um assunto controverso da Luteria de guitarras elétricas: a influência da
madeira no timbre final do instrumento.
Ainda, pelo ponto de vista de Rayna e Striukova (2011), a economia de escala e foco a
produção encontrada por Fender também pode ser ponderada pela simplificação visual.
Fender considerava que o que não fosse essencial seria descartável. Ao contrário de
outros instrumentos produzidos na mesma época, ricamente ornamentados, a
Telecaster ® começa a ser produzida lisa, sem detalhes de acabamento, sem
incrustações em madrepérola, revestimentos dourados e frisos nas quinas ( Rayna e
Striukova, 2011).
Importante lembrar que, considerando os textos de Cardoso (2011), “a mecanização dos
processos industriais nem sempre acarretavam uma melhoria da qualidade, mas apenas
a capacidade de produzir mais quantidade com menos operários”. Talvez aqui se
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encontre um dos motivos para o qual França (2005) sugere a atual valorização do
trabalho artesanal. Se tratando de instrumentos musicais, a padronização motivada pela
produção em série supriu a necessidade de se alcançar um amplo mercado. Por outro
lado, uma parcela dos consumidores encontra qualidades - que não são tratadas neste
texto - em instrumentos artesanais. A atual coexistência de indústrias e artesãos na
Luteria (Rayna e Striukova, 2011) comprova este evento.
Apesar das questões de industrialização da guitarra no momento de seu início comercial
nos Estados Unidos aqui discutidas, é importante sinalizar que a empresa Fender®,
considerada por nós a precursora norte-americana desta atividade (industrialização),
recebe essa qualificação por ter sido a responsável por tornar a guitarra popular,
através de uma produção, desde o princípio, em série. Entretanto, a caracterização da
Fender® como fábrica não segue exatamente as descrições concebidas pelos autores
aqui citados, essencialmente por situar-se em um momento histórico diferente da
conceituação proposta. O ambiente tecnológico de que Fender dispunha nos anos 1950
possibilitava padronização e quantidade, mas em valores muito aquém da capacidade
produtiva de uma fábrica atualmente. Millard (2004) comenta sobre a produção da
empresa em cerca de duzentos e cinquenta instrumentos por mês e o emprego de
aproximadamente vinte funcionários, que operavam máquinas pesadas e trabalhavam
artesanalmente apenas quando necessário (Millard, 2004). Assim, essa pesquisa
considera ser a guitarra resultante da indústria fabril, mas nunca desconsiderando o
contexto de sua época.
4. Considerações
O sucesso da guitarra, artefato oriundo da produção em série, em um momento que
ainda desfrutava de resquícios de objetivos de alta produtividade, caminhou
exatamente como os autores citados (Cardoso, 2011 e Forty, 2007) sugerem ter sido
trilhado pelo Design, quando pregam a respeito do início de sua importância na
revolução industrial. De forma genérica consideramos aqui ter sido o sucesso da
guitarra elétrica resultado de bem-sucedidas investidas em Design.
Utilizamos Leo Fender como exemplo pois foi, além de precursor na produção em série
da guitarra, foi o responsável pelo sucesso comercial deste instrumento, no advento de
sua invenção. Não temos a mínima pretensão de considerar Leo Fender o inventor da
guitarra elétrica, tampouco intencionamos afirmar ou especular algo sobre o possível
“pai” deste instrumento. Ao contrário, presume-se a existência de alguns inventores da
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guitarra, em muitas apropriações culturais e técnicas. Em verdade, a invenção
propriamente dita da guitarra se deu em vários locais, por vários inventores ao mesmo
tempo, de formas diferentes, mas simultâneas. O que pretendemos concluir é que o
“nascimento” comercial da guitarra elétrica, a alta produção, aconteceu em uma
fábrica, mesmo sendo um derivado do violão, tradicionalmente construído
manualmente. E, assim como artefatos industrializados, a guitarra se constituiu na
incorporação de diversos procedimentos metodológicos nos quais a projetação em
Design se baseia. Não nos esquivamos a dizer ainda que, juntamente com os objetos do
Design, carregados de representações e simbolismos, a guitarra elétrica traz em sua
essência significados que moldaram a música e forma de perceber os instrumentos
musicais.
Os aspectos simbólicos e subjetivos da guitarra elétrica tiveram suas raízes na
transformação social dos Estados Unidos da América – o êxodo rural e o conhecimento
de novas tecnologias de comunicação e transporte de massa. Segundo McGovern
(2004), quando a população migrou do campo para a cidade, a guitarra elétrica ganhou
evidência, uma vez que o universo urbano exige um relativo volume maior par a se fazer
ouvido em eventos de dança que agregavam cada vez mais pessoas (McGovern, 2004).
Além disso, se considerarmos mais profundamente a questão cultural da guitarra, entre
conceitos sociais e antropológicos, Waksman (2001) diz que a guitarra também s urge
como forma da contribuição “branca” (o termo se refere à população branca, adverso
aos afro-americanos e populações indígenas nativas nos Estados Unidos da América) e
sua tecnologia para a música afro-americana, que neste momento do século XX era
massificada, basicamente tratando dos gêneros country, blues e jazz (Waksman, 2001).
Ainda, no âmbito das representações, a imagem de progresso tecnológico associada à
guitarra se entendeu além das fronteiras norte-americanas, juntamente com a
popularização do rock n’roll. De acordo com Millard (2004) a guitarra elétrica, em seu
processo de desenvolvimento, se tornou um símbolo de norte-americano de progresso.
Suas formas e componentes elétricos evocam modernidade e alta tecnologia; mas seu
som, sua capacidade de produzir níveis de volume antes desconhecidos na natureza,
define a guitarra como um símbolo da dominância tecnológica do homem sobre o
ambiente (Millard, 2004). Importante ser reticente em relação a essa modernidade
associada à guitarra, visto que, como a considero um híbrido, ela traz consigo
“tradições” de sua ascendência do violão, gerando uma difícil relação sobre o que é
moderno e o que é tradicional, quando tem como componente principal de sua
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essência, que abrange forma e método de execução, um instrumento de mais de
duzentos anos. Esse movimento de mudança do violão para a guitarra elétrica é um dos
aspectos que convém ser pensado, pois realiza um elemento interessante na história
dos instrumentos musicais. Não só pela alteração tecnológica que a alteração
representou, mas porque colocou em evidência modificações sociais e culturais
importantes. Da mesma forma, desenvolvimentos da tecnologia da guitarra também
puderam introduzir novas mudanças na ideologia em torno deste instrumento - embora
as mais recentes variações, como o movimento de guitarra elétrica para equipamentos
virtuais, não tenha resultado em redefinições radicais de sentido do que realmente
constitui uma guitarra. Isto se dá porque as ideologias sócio-culturais que estão
inseridas nos instrumentos musicais não podem ser dissociadas dos mesmos. (Carfoot,
2006).
Por tudo aqui exposto, conclui-se que Leo Fender foi um autodidata em Design,
considerando definições atuais deste profissional, quando enfocando produção,
padronização, economia, visual, ergonomia, usabilidade, simbolismo e representações,
trilhando um caminho de inovação, não apenas com o modelo aqui mais densamente
discutido (Telecaster®), mas também com sua seguinte Stratocaster®, onde percebeu
necessidade de adequar o instrumento ao músico. Rayna e Striukova (2011) citam que,
se a Telecaster® foi pensada de forma “conveniente de se produzir”, a Stratocaster®
enfocou uma forma “conveniente de se usar”, demonstrando foco no Design no cliente.
Duchossoir (1994) comenta sobre a centralidade dos projetos da Stratocaster® no
usuário, que se derivou em um corpo anatômico, uma ponte com alavanca e regulagem
individual e três captadores, aumentando a gama timbrística do instrumento.
A conceituação que realizamos não pretende generalizar uma forma de produção
obrigatória para a construção da guitarra elétrica, mas apenas evidenciar como este
artefato foi concebido, do ponto de vista produtivo, no momento em que ganha o
grande mercado da música. Ainda que existam outros modos de produção que abarcam
a construção de guitarras, meu objetivo é apenas exemplificar o momento do
nascimento do instrumento na produção fabril.
Não nos esquecemos ainda de mencionar que, obviamente, o trabalho do artesão
também se relaciona com o Design em diversas facetas. O processo criativo, projetual e
produtivo do luthier representa a essência da Luteria, assim como do Design. Moreno
(1998) vê o artesanato como uma forma de produção onde se criam objetos
ornamentais ou funcionais, ou as duas fundidas em único artefato. Para este autor é
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utilidade unida à beleza, e ainda sempre expressa uma intenção artística. Essa descrição
se encaixa, em diversos momentos, em possíveis definições da área do Design e da
construção de instrumentos.
Nas semelhanças entre os processos das duas áreas que aqui observo, bem como nas
articulações possíveis que sugerem, não existe uma tentativa de aproximar o luthier da
profissão designer, mas analisar características compartilhadas pelas duas disciplinas.
Através do panorama estudado, de como Leo Fender criava um produto e seus métodos
de construção, é possível debater, de forma paralela, entre projeto e execução, como a
Luteria de guitarras pode se associar ao Design, mesmo que sistematizado em processos
e métodos.
Examinar as expectativas e realização projetual da guitarra possibilita um
aprofundamento conceitual da Luteria e permite classificar em qual modo produtivo
está inserida a guitarra elétrica no momento de sua invenção. Essa classificação
evidencia os métodos pelos quais o contexto da Luteria foi influenciado, quando
acompanha a trajetória dos processos produtivos, do artesanato à indústria fabril. Os
textos analisados articulam um panorama no qual é possível introduzir a Luteria da
guitarra elétrica no modo de produção seriada, que abarca significativos conceitos e
métodos da atividade do Design.
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