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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Design María Cristina Ibarra Hernández O DESIGN POR NÃO-DESIGNERS (DND): AS RUAS DE BELO HORIZONTE COMO INSPIRAÇÃO PARA O DESIGN Belo Horizonte 2014

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Page 1: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Design

María Cristina Ibarra Hernández

O DESIGN POR NÃO-DESIGNERS (DND): AS RUAS DE BELO HORIZONTE COMO INSPIRAÇÃO PARA O DESIGN

Belo Horizonte

2014

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María Cristina Ibarra Hernández

O DESIGN POR NÃO-DESIGNERS (DND): AS RUAS DE BELO HORIZONTE COMO INSPIRAÇÃO PARA O DESIGN

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Estadual de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.

Orientadora: Profa. Dra. Rita A. C. Ribeiro

Belo Horizonte

2014

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A Frank, Toñita, Hilda P. e Frank A.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço enormemente a meu pai, Frank Ibarra Scharberg, por me motivar, escutar

e contribuir com suas ideias incondicionalmente cada vez que eu precisei, por sua

visão abrangente e questionadora, por todo seu grande amor e por seu

incomensurável suporte em todos os aspectos para que eu viesse estudar ao Brasil.

A minha mãe, Antônia Hernández, e aos meus irmãos Hilda e Frank, pelo amor,

apoio, suporte e incentivo incondicional. Pensar em vocês sempre traz coisas boas.

A minha orientadora, Rita Ribeiro, por seu apoio profissional, sua confiança em mim,

sua paciência com meu português, sua dedicação, sua aceitação e seu carinho.

Sem ela, nada disto seria possível.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela

concessão da bolsa durante todo o período de realização deste mestrado.

Aos meus colegas do mestrado, especialmente à Lili, que tem sido um grande e

importante suporte durante este processo. Ao André por sua amizade e à Aline por

seu carinho e hospitalidade.

A todos os meus professores, especialmente à Regina Álvares, Marcelina Almeida e

Lia Krucken, por seus conselhos, seu carinho e suporte.

Aos funcionários da Escola de Design da UEMG, especialmente ao Rodrigo Stenner

e ao pessoal da biblioteca por sua amabilidade, disposição e colaboração neste

processo.

À Mischa, à Choy e a todos os meus amigos pelo apoio emocional e especialmente

aos meus amigos e designers da Colômbia com quem discuti o tema antes de

apresentá-lo no processo seletivo: Helen, David e Andrés.

À Marcia, minha mãe brasileira, que tive a sorte de encontrar em Belo Horizonte.

Obrigada por seu carinho e apoio sempre.

À Clarice Batista, minha professora de português, pela correção e revisão do texto, e

por seus valiosos ensinamentos.

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A todos e a cada uma das pessoas que fizeram uma contribuição para que este

projeto fosse realizado com sucesso. Se estiver esquecendo alguns, peço mil

desculpas.

E principalmente a Deus, o grande designer do universo, por me dar vida, saúde e

tantas coisas mais que não caberiam nesta folha...

¡Mil gracias! ¡Siempre agradecida!

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Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso. (ADICHIE, 2013).

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RESUMO

A partir da reflexão em torno de novos cenários onde o design pode (e deve)

atuar, este projeto pretende analisar o uso de artefatos, que são feitos por pessoas

que não tem formação acadêmica em design e são encontrados no espaço urbano

de Belo Horizonte. Essa prática é chamada nesta pesquisa de DND (Design por

Não-Designers). Tudo isso com o objetivo de refletir sobre as oportunidades de ação

que tem o design a partir destes artefatos e propor maneiras de aproveitar essa

informação em seus processos e produtos. A partir destes tipos de manifestações, o

design pode aprender lições sobre formas inovadoras de resolver um problema e

estratégias para a sustentabilidade ambiental, cultural, social e econômica. Também

é possível reafirmar identidades por meio da expressão visual de elementos que

compõem estes tipos de artefatos e difundir este ‘saber fazer’ para que outras

comunidades em outras partes do mundo se beneficiem destes conhecimentos.

Palavras-chave: Design por não-designers. Artefatos populares. Cidade. Cultura

material.

Page 8: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

ABSTRACT

Based on the reflection about new scenarios where design could - and should - act,

this project aims to analyze the use of artifacts which are made by people who have

no academic background in design and are found in the urban space of Belo

Horizonte. This practice is called DND (Design by non-designers) in this research.

And all this with the goal of reflecting on the opportunities that design has from these

artifacts and suggesting ways to take this information into their processes and

products. From these kinds of manifestations, design can learn lessons about

innovative ways of solving problems and strategies for environmental, cultural, social

and economic sustainability. In addition, it can reaffirm identities through the visual

expression of elements that compose this kind or artifacts; and it can also spread this

know-how to other communities in other parts of the world so as to benefit them with

this knowledge.

Keywords: Design by non-designers. Popular Artifacts. City. Material Culture.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Linha do tempo..................................................................................... 28

Figura 2 - Arquitetura Vernacular - Minas Gerais (Image Collection of Vernacular

Design).................................................................................................................. 33

Figura 3 - Páginas do livro: Home-Made Contemporary Russian Folk Artifacts... 35

Figura 4 - Mesa - Home-Made Europe: Contemporary Folk Artifacts................... 35

Figura 5 - Armadilha para Guaxinins.................................................................... 36

Figura 6 - Ralador de queijo feito a partir de uma lata.......................................... 36

Figura 7 - Cavalete feito pelo pintor Nazaré.......................................................... 38

Figura 8 - Panacú................................................................................................. 39

Figura 9 - Carrinho de Vendedores de Café na Bahia – Exposição Design da

Periferia. ............................................................................................................... 39

Figura 10 – Suporte para guarda-sóis.................................................................. 42

Figura 11 - Cadeira com assento de fitas plásticas............................................... 44

Figura 12 – Tipografía Vernacular ....................................................................... 45

Figura 13 – Vasilhame........................................................................................... 45

Figura 14 - Embalagem de Macarrão Instantâneo usado para guardar canetas... 46

Figura 15 – Reações a novas superfícies............................................................ 48

Figura 16 – Iglu dos Inuits.................................................................................... 49

Figura 17 – Pregador usado para prender uma pauta musical............................ 50

Figura 18 – Caixote usado como prateleira. ......................................................... 51

Figura 19 - Banco com almofada........................................................................... 51

Figura 20 - Churrasqueira de espetos feita a partir de uma lata.......................... 52

Figura 21 – Carrinho de supermercado com peças incluídas.............................. 52

Page 10: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

Figura 22 - Suporte para flores artificiais.............................................................. 53

Figura 23 – Fórmula da Gambiarra. .................................................................... 54

Figura 24 - Prateleira de flores feita com caixotes............................................... 57

Figura 25 – Artefatos feitos com materiais novos e usados ................................ 59

Figura 26 – Artefatos feitos pelo próprio usuário e por uma terceira pessoa........ 59

Figura 27 – Artefatos móveis e fixos..................................................................... 60

Figura 28 – Artefato que oferece as duas possibilidades.................................... 61

Figura 29 – Artefato de produção artesanal. ........................................................ 61

Figura 30 – Artefato de produção semi-industrial ................................................. 62

Figura 31 – Artefato de uso público...................................................................... 62

Figura 32 – Artefatos de uso coletivo e individual................................................ 63

Figura 33 – Zonas de mapeamento..................................................................... 64

Figura 34 – Processo da Categorização dos artefatos do DND.......................... 65

Figura 35 – Classificação das fotografias............................................................. 66

Figura 36 – Classificação dos objetos resultantes do DND segundo as formas de

uso. ...................................................................................................................... 66

Figura 37 – Artefatos usados para fornecer produtos comestíveis...................... 68

Figura 38 – Artefatos usados para fornecer produtos não-comestíveis.............. 69

Figura 39 – Artefatos que fornecem serviços....................................................... 70

Figura 40 – Artefatos que permitem o transporte................................................. 71

Figura 41 – Rampa usada na construção............................................................. 72

Figura 42 – Acessórios para o transporte............................................................. 72

Figura 43– Artefatos como proteção e guarida..................................................... 73

Page 11: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

Figura 44 – Artefatos relacionados com a organização e a limpeza..................... 74

Figura 45 – Artefatos para descansar.................................................................. 75

Figura 46 – Artefatos para fazer publicidade....................................................... 76

Figura 47 – Artefatos que encaixam em mais de uma categoria.......................... 77

Figura 48 - Lavador de arroz e sua criadora....................................................... 79

Figura 49 – Hippo Water Roller............................................................................ 80

Figura 50 – Artefato de 1973 em Cabo Frio (RJ) ................................................. 80

Figura 51 – Lâmpada de Moser........................................................................... 81

Figura 52 – Cadeiras feitas para colocar roupa.................................................... 83

Figura 53 – Exemplos de Repropósito Planejado................................................. 84

Figura 54 – Exemplo de repropósito guiado......................................................... 84

Figura 55 – Exemplo de repropósito ilimitado...................................................... 85

Figura 56 - Reuso de uma lata de óleo e um caixote................................. ........ 86

Figura 57 – Artefato para transportar e exibir flores artificiais............................... 87

Figura 58 – Fonte Rumbo, Aldofo Alvarez.. ......................................................... 90

Figura 59 – Fonte Brasileiro, Crystian Cruz (2000). .............................................. 90

Figura 60 – Fonte Seu Juca, Priscila Farias (2001) ............................................. 91

Figura 61 - Fonte Armoribat 2, Buggy e Matheus Barbosa, 2010......................... 91

Figura 62 – Sra. Stencil, Sergio Ramirez (2010) ................................................. 92

Figura 63 – Cadeira Janette................................................................................. 94

Figura 64 – Inspiração do Bracelete da Coleção Mosaico.................................... 94

Figura 65 – Mesa Tattoo. ................................................................................... 94

Figura 66 – Coleção Papel (1993)........................................................................ 95

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Figura 67 - Captura de tela do Site do Instructables........................................... 96

Figura 68 – Instructable Restaurant...................................................................... 97

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1. O DESIGN E O REDESCOBRIMENTO DO PASSADO

1.1 O design pós-moderno e a valorização de novas estéticas..................... 21

1.1.1 Crises do design moderno........................................................................ 21

1.1.2 Design Pós-moderno................................................................................. 23

1.1.3 Hipermodernidade, design e o redescobrimento do passado.............. 26

1.1.4 O design e a valorização do vernacular ou de práticas realizadas por

não-designers...................................................................................................... 28

CAPÍTULO 2. IDEIAS SOBRE O DND

2.1 Significado do termo..................................................................................... 40

2.2 Outras aproximações com o conceito de DND.......................................... 44

2.3 A Prática do DND .......................................................................................... 50

2.3.1 Tipos de Intervenção. ............................................................................... 50

2.3.2 Como se faz................................................................................................ 53

2.3.3 Por que se faz........................................................................................... 55

2.3.3.1 O DND dos vendedores ambulantes. .................................................... 55

2.3.3.2 O DND a partir das múltiplas funções de um objeto. .......................... 56

CAPÍTULO 3. DND em Belo Horizonte

3.1 Perfil dos artefatos encontrados.................................................................. 58

3.2 Classificação ................................................................................................. 64

3.2.1 Fornecimento de produtos e serviços...................................................... 67

3.2.1.1 Produtos.................................................................................................. 67

3.2.1.2 Serviços................................................................................................... 70

3.2.2. Transporte................................................................................................. 71

3.2.3. Proteção e refúgio..................................................................................... 73

3.2.4. Organização e limpeza.............................................................................. 74

3.2.5. Descanso ............................................................................................... 75

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3.2.6. Publicidade ............................................................................................ 76

CAPÍTULO 4. OPORTUNIDADES DE AÇAO PARA O DESIGN A PARTIR DO DND

4.1 Lições do DND ............................................................................................. 79

4.1.1 Formas inovadoras para resolver um problema..................................... 79

4.1.2 Pós-uso de objetos industriais................................................................. 82

4.1.3 Estratégias para a sustentabilidade. ....................................................... 86

4.2 Reafirmação de identidades por meio do design e da expressão de

elementos encontrados no DND. ...................................................................... 88

4.3 Difusão do DND.......................................................................................... 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 99

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 102

APÊNDICE............................................................................................................ 108

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15

INTRODUÇÃO

Na década de 60, como afirma Rafael Cardoso (2005) houve uma ruptura

que deu lugar a uma consciência do design como conceito e ideologia, como

também a um novo paradigma de ensino e de exercício da atividade, causada pela

inauguração de várias escolas de design no território nacional. O autor aponta que

haveria certa dose de anacronismo em chamar de “designer” alguém que

provavelmente não reconhecia o sentido da palavra, porém é claro que durante os

cem a cinquenta anos anteriores à década de 60:

Eram exercidas entre nós atividades projetais com alto grau de complexidade conceitual, sofisticação tecnológica e enorme valor econômico, aplicadas à fabricação, à distribuição e ao consumo de produtos industriais. Isso é verdade tanto para a área tradicionalmente chamada de “design de produto” quanto para a área gráfica. (DENIS, 2005, p. 8)

Isso a que se refere o autor, é a prática do design pelos “não-designers”, no

sentido da falta de consciência do termo, mas o que não significa que o design não

estivesse se exercendo no Brasil antes da importação de modelos ou matrizes

europeias como a Bauhaus, a Ulm, o construtivismo, o neoplasticismo, etc.

O seguinte projeto tem como objetivo geral analisar o uso de artefatos1 que

são feitos por pessoas que não tem formação acadêmica em design e são

encontrados no espaço urbano de Belo Horizonte para propor maneiras de

aproveitar essa informação em processos e produtos de design. Diferentemente das

manifestações que Cardoso aborda, estes artefatos surgem paralelos à atividade do

design como se conhece hoje, resolvendo problemas cotidianos em contextos

urbanos contemporâneos e afirmando a diversidade e a riqueza do repertório

material das ruas. Esta prática foi chamada nesta pesquisa de DND (Design por

Não-Designers), termo que será explicado minuciosamente mais adiante.

Como objetivos específicos, a pesquisa se propõe a mapear e registrar através de

fotografias os artefatos a partir de um trabalho de campo em seus lugares de uso;

1O termo “artefato” é empregado com a seguinte acepção: “Forma individual de cultura material ou produto deliberado da mão-de-obra humana” HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. Ed. Objetiva. 2001

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gerar um perfil dos artefatos encontrados; analisar os artefatos a partir das suas

formas de uso e propor maneiras de aproveitar a informação encontrada nesses

artefatos em processos e produtos de design.

Muitos pesquisadores têm estudado estas manifestações procurando que o

design abranja áreas mais teóricas que vão além da geração de produtos. Segundo

Aloísio Magalhães (1977), em países como o Brasil é fundamental que o design abra

seus horizontes e deixe de produzir apenas bens de consumo. Igualmente, para Uta

Brandes (2009), professora da Koeln International School of Design na Alemanha, e

pesquisadora do tema:

O que é necessário agora é o estabelecimento de uma compreensão ampliada do design: a expansão da disciplina em uma que inclua estudos teóricos e pesquisas empíricas, e competências organizacionais e comunicativas, tão implicitamente como inclui a geração de produtos de design. O design pode, e deve, adquirir uma posição que lhe possibilite atuar de uma maneira multidisciplinar e lhe proveja novos impulsos para a análise e o estudo da cultura do dia-a-dia a partir da perspectiva do uso (BRANDES; STICH; WENDER; 2009, p. 9, tradução nossa). 2

Por outro lado, o estudo destas manifestações contribui para a determinação

da cultura material e imaterial de um lugar. O designer e antropólogo mexicano

Martín Juez (2002) ressalta que embora o material seja aquilo que coisificamos, o

oposto ao espiritual, ao mental, ao que vem da alma, necessita da mente e dos

sentimentos humanos (elementos imateriais) para adquirir significado, pois eles

podem modificar radicalmente os possíveis modos de pensar e materializar o

mundo. Portanto, os artefatos resultantes da criatividade de pessoas comuns nas

ruas das cidades falam dos modos de coisificar ideias e sentimentos dessa

comunidade e também exemplificam o repertório objetal que pode ser encontrado

nesse contexto.

Se olharmos os livros de história do design, podemos ver que, em sua

maioria, a história do design está escrita através de objetos feitos por designers,

esquecendo que o design vai além dos nomes. Igualmente, Papanek (1995) falando

2 What is needed now is the establishment of an extended understanding of design: the broadening of the discipline into one that comprises theoretical studies and empirical research, and organizational and communicative competencies as implicitly as it includes the generation of design products. Design can, and must, acquire a position which enables it to act in a multi-disciplinary way and to provide fresh impulses for the analysis and study of everyday culture from the perspective of use.

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da arquitetura, ressalta que sua história está bem documentada através de edifícios

das classes predominantes, como palácios, castelos, catedrais ou casas de

comerciantes e que as construções modestas ou simples são difíceis de encontrar.

(MARTÍN JUEZ, 2002). O presente trabalho pretende contribuir com a

documentação dos objetos resultantes do DND, que compõem o repertório material

e imaterial de Belo Horizonte, e que como todo tipo de objetos, são a expressão

legítima de um modo de viver e ver o mundo.

Paul Polak, o CEO da Windhorse International, observa que a maioria dos

designers em nível mundial foca os seus esforços no desenvolvimento de produtos e

serviços exclusivamente para os 10% mais ricos dos consumidores mundiais.

(POLAK, 2013, apud UNESCO, 2013) Onde está o design focado nos outros 90%?

Como dito anteriormente, este projeto se propõe a estudar as ruas de Belo

Horizonte a partir do design praticado por não designers, que em sua maioria são

pessoas de renda muito baixa. Referindo-se a isto, Maria Cecília Loschiavo (2013)

assinala que: “É significativo compreender o aspecto estético da criatividade dos

despossuídos, porque há um pensamento estereotipado que insiste em revelar

apenas o lado sombrio, feio e marginal dessas populações.” (SANTOS, 2013, p. 83)

Igualmente a escritora nigeriana Chimamanda Adichie aponta na sua

palestra “O perigo de uma única história” para o TED (Technology, Entertainment,

Design): “A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é

que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história

tornar-se a única história.” Portanto, através do estudo destas manifestações pode-

se conhecer outro lado das comunidades de baixa renda associado à criatividade,

tentando não impor métodos, nem processos, mas observando e aprendendo o que

elas têm para nos ensinar.

É o momento para o design dar lugar a outros fenômenos, é momento de

colocar os olhos nas ruas, pois como aponta Maria Cecilia Loschiavo, como

designers temos muito que aprender sobre estes tipos de manifestações, já que são

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18

um “laboratório vivente de criatividade” (SANTOS, 2000, tradução nossa) 3 .

Estudando-as podemos adquirir um grande repertório de possibilidades no que diz

respeito ao reuso de materiais e às transformações de objetos produzidos em série,

podemos aprender como expressam identidade, como o design se relaciona com as

ruas, e teremos a oportunidade de repensar sobre a cultura do desperdício da nossa

sociedade.

Priscila Farias (2011) no artigo “Aprendendo com as ruas: a tipografia e o

vernacular”, traz exemplos focados na apropriação por parte do design das formas

vernaculares, e assinala que esse tipo de atitude pode contribuir para a configuração

de identidades por meio da expressão visual de elementos locais, que é dos

aspectos mais importantes do papel social do design gráfico (FARIAS, 2011), algo

que pode se aplicar com certeza às outras vertentes do design. Ademais, quando as

formas são a expressão de uma cultura predeterminada, sintonizam então com seu

círculo cultural, o que não se pode dizer das formas importadas. (BURDEK, 1994).

Essas características ou valores intangíveis (como as encontradas nas

manifestações do DND) atingem uma harmonia entre o local e o global, impedindo

uma unificação, compreendendo e experimentando o avanço em direção à unidade

na diversidade (LOPEZ, 2011). Danielle Perra (2010) aponta, referindo-se ao Low

Cost Design, projeto focado no registro fotográfico da criatividade espontânea, que

com ele contribui-se para a difusão das tradições, dos recursos locais e memórias

de uso, que fazem parte de uma herança incomensurável, mas também frágil pela

produção estandardizada do mercado.

Quando analisa-se os diferentes usos que as pessoas dão aos bens de

consumo, o que criam a partir deles, e em geral, a criação de artefatos na rua,

propicia-se a diversidade em um mundo cada vez mais globalizado. Sobre a

diversidade cultural, Nicolau-Coll (2002) observa que esta:

É expressão real da criatividade humana mais profunda [...], é a expressão da vontade de ser, a configuração da realização de uma vida plena e em comunhão com toda a realidade [...] Sua defesa significa mais um profundo respeito [...] à complexidade humana, que não admite visões uniformes nem

3 Living laboratory of creativity.

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imposições redutoras, a cujas restrições a vida jamais se submete. (NICOLAU-COLL, 2002, pág. 40)

Uta Brandes (2009), a respeito deste tema, menciona que analisar o uso dos

produtos de design é muito importante porque os mesmos produtos podem estar

sujeitos à globalização, mas a variedade de usos que as pessoas lhes dão, criam

diferenças.

Desta forma, podemos dizer que o estudo e registro das manifestações do

DND, contribui para o conhecimento da cidade, seus habitantes, suas formas de

atuar e criar, e estimula a apreciação da diversidade cultural, pois os múltiplos usos

(ou pós-usos) que podem ser dados aos bens de consumo em cada país ou território

e as diversas maneiras de materializar a solução de um problema, estabelecem

diferenças e marcam identidades.

A pesquisa está dividida em quatro capítulos: O primeiro capítulo apresenta

como o design vem se aproximando destas formas de produção de artefatos fora da

academia como uma maneira de tornar esta atividade mais humana, pois através

destes aspectos pode-se ler, entender e aprender as necessidades, as formas de

comportamento e os desejos de uma comunidade. Também, nele falamos da

nostalgia pós-industrial pelos elementos e formas de fazer pré-industriais que têm

surgido nestes tempos hipermodernos, e que teve suas raízes na época do auge da

industrialização, com o afã de preservação dos edifícios e artefatos vernáculos por

parte de certos designers e arquitetos.

O segundo capítulo aborda o Design por não-designers em si, definições e

características de alguns conceitos relacionados a ele, e questões concernentes a

como e por que se leva a cabo a atividade.

O terceiro capítulo mostra o resultado do mapeamento do DND nas ruas de

Belo Horizonte, apresentando um perfil traçado a partir da análise do discurso de

outros autores, das fotografias dos artefatos encontrados na cidade e de uma

categorização feita através do método Cardsorting que privilegia formas de uso

levando em conta cinco aspectos considerados principais: Materiais, autor,

possibilidade de deslocamento, formas de produção e uso.

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20

O quarto capítulo trata de questões sobre como o design pode e tem

aproveitado a informação extraída da análise da prática do DND, sugerindo

possibilidades de ação relacionadas à prática do DND nas ruas de Belo Horizonte.

É importante que o design tenha a sensibilidade de olhar para a essência da

humanidade presente nestes tipos de manifestações, na sua ampla diversidade e na

distância que ainda hoje persiste, como disse Magalhães (1977), entre a pedra

lascada e o computador (SANTOS, 2013), como nos países da América Latina. Elas

são formas muito presentes nas paisagens cotidianas, seja por nossas condições

socioeconômicas, ou por nossa maneira de enfrentar a adversidade. Valorizá-las é

uma maneira de alargar o horizonte do design, saindo da visão imediatista e

consumista de produzir novos bens de consumo (MAGALHÃES, 1977) que tanto

vêm se reformulando nestes tempos.

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21

CAPÍTULO 1. O DESIGN E O REDESCOBRIMENTO DO PASSADO

1.1 O design pós-moderno e a valorização de novas estéticas

1.1.1 Crises do design moderno.

Desde que Adolf Loos, arquiteto e designer vienense, expressou no início do

século XX que o ornamento devia equiparar-se com o delito, começou na Europa um

movimento totalmente racionalista que se relaciona com o design moderno

(SPARKE, 2011). Em relação a isso, Burdek (1994) observa: “O desenvolvimento do

design objetivo começou na Europa com Adolf Loos (Ornamento e delito, 1908), e

em essência foi impulsionado pelas formas de produção que iam se estendendo

rapidamente” (BURDEK, pág. 56, 1994). Essa visão deu origem a uma filosofia

baseada no uso de ângulos retos, linhas retas, formas geométricas e uso restrito de

cores, resumida à máxima: “A forma segue a função”, e adotada pelos professores

da Bauhaus, a famosa escola de design, artes plásticas e arquitetura que funcionou

entre 1919 e 1933, na Alemanha.

Em 1955, o crítico de design inglês Reyner Banham, observou no ensaio A

Throw-away Aesthetic que não existia um vínculo intrínseco entre a simplicidade

geométrica e a função. O seu discurso foi dos primeiros a reconhecer a grande

divisão entre os ideais do movimento moderno e a realidade do design como

funcionava no mundo comercial. Junto a ele, vários designers e arquitetos

(chamados de Grupo Independiente) expressaram que o movimento moderno devia

ser reconsiderado levando em conta as ideias e os valores que tinham surgido com

a influência dos avanços tecnológicos e a cultura popular. Dentro dos objetivos do

grupo, estavam criar uma base intelectual para entender o design nos anos

posteriores à II Guerra Mundial e estudar como as ideias do efêmero, a atração

popular e o desejo tinham redefinido o significado dos objetos de design. (SPARKE,

2011).

Enquanto o funcionalismo vivia seu auge na Alemanha depois da Segunda

Guerra Mundial devido ao favorecimento da racionalização e estandardização na

produção em série, e à expansão das suas teorias nas escolas de design,

principalmente na Escola Superior de Design de Ulm nos anos 60 até os anos 80

(BURDEK, 1994), nos Estados Unidos os objetos se redefiniam como imagens numa

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sociedade cada vez mais definida pelo processo do consumo de massas,

evidenciando que à medida em que avançava o tempo, mais se consumava a crise

dos fundamentos teóricos do movimento moderno (SPARKE, 2011).

Segundo Torrent e Marín (2005), a partir dos anos 60, uma vez que a

economia tinha se recuperado da Segunda Guerra Mundial, começa-se a notar

importantes alterações nas sociedades capitalistas. A modificação mais importante

foi a passagem de uma sociedade baseada no trabalho e na poupança, a uma

sociedade baseada na produção e no consumo. Estas dinâmicas se viam refletidas

nas prioridades e nos costumes da sociedade, e foram deslocando valores como a

severidade, o esforço e o trabalho herdados da tradição protestante do capitalismo,

por valores como a distensão, o humor, o jogo e o ócio. Conforme esses autores,

esta mudança de sensibilidade propiciou o abandono do estilo funcionalista em favor

de formas mais complexas e exuberantes. Outra modificação significativa foi o

aumento da diversidade cultural, que favoreceu o ecletismo cultural e potencializou o

desejo por produtos que simbolizassem uma identificação pessoal.

A influência da cultura dos Estados Unidos no Reino Unido e na Europa

Ocidental, visível em diversas formas culturais como a comida, a música, a literatura

e a publicidade, causou a diminuição da força do discurso do movimento moderno.

Nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, houve uma enorme expansão da

influência estadunidense em termos de ajuda econômica, concessões de negócios,

influência política e volume de pessoal, inclusive na cultura material da Europa do

pós-guerra. E embora a resistência contra essa influência se prolongasse

temporalmente, apareceu uma nova geração britânica buscando novos valores para

seus produtos materiais. Foi assim que surgiu o movimento pop, uma explosão

espontânea de formas e materiais descartáveis, cores brilhantes e decoração

provocativa, centrado principalmente no público jovem, e cujos ideais eram

representar os valores de uma sociedade que não conheceu a austeridade dos

tempos de guerra e que tinha uma renda disponível para ser gastada em roupas,

música e outros complementos de moda. (SPARKE, 2011)

Muitos artistas que usavam a linguagem pop elegiam o plástico como

material de trabalho e se inspiravam em uma grande quantidade de fontes também

recebendo o estímulo do auge dos meios de comunicação globais, como a televisão.

Page 23: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

23

Dado que os produtos eram dirigidos a um mercado jovem deviam ser baratos e,

amiúde, de pouca qualidade, representando a antítese da atemporalidade dos

clássicos modernos. (FIELL; FIELL, 2000).

O pop rompeu com os conceitos inseparáveis de forma e função do

movimento moderno e planteou a possibilidade de que forma e expressão podiam se

relacionar mais estreitamente com o contexto de consumo (SPARKE, 2011). Com

suas associações antidesign, o pop contra arrestou o sóbrio ditado “menos é mais”

do movimento moderno e conduziu diretamente ao design radical dos anos 70.

(FIELL; FIELL, 2000).

O design radical surgiu na Itália como reação ao bom design e pretendia

alterar a percepção geral da modernidade através de propostas utópicas. (FIELL;

FIELL, 2000). Os grupos italianos Archizoom, Superstudio, Gruppo Strum e outros

saíram das margens do mercado com o objetivo de demonstrar que o design podia

ser seu próprio crítico e se podia juntar com os pensamentos políticos da época que

buscavam desmontar a ética consumista da burguesia (SPARKE, 2011). Burdek

aponta que:

A criação do primeiro grupo na Itália coincidiu com o movimento Hippie nos EUA em meados dos anos 60. O fastio desenvolvido como a civilização era articulado em círculos de artistas e designers que se influenciavam diretamente com os escritos de Sigmund Freud e Herbert Marcuse conclamando menos repressão e comunidades abertas e procurava traduzi-los para a vida – isso tudo de uma só vez- por meio de movimentos de protestos estudantis em cidades como Berlim, Frankfurt, Milão, ou Paris, que migraram rapidamente de questões políticas estudantis para questões da sociedade como um todo. (Burdek, 1994, p. 131).

O movimento moderno foi questionado culturalmente por uma erosão dos

seus valores derivada da realidade do design tal e como funcionava no mercado. Em

resposta a esta realidade do mercado e aos novos valores associados à cultura

material, nas décadas de setenta e oitenta, críticos e designers adotaram novas

ideias que responderam à condição de pós-modernidade. (SPARKE, 2011)

1.1.2 Design Pós-moderno

A pós-modernidade, segundo Lipovetsky (2004), representa o momento

histórico onde houve a derrubada de todos os freios institucionais contrários à

emancipação individual que deu lugar à manifestação dos desejos subjetivos, da

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24

realização individual, do amor próprio. Segundo o autor, a mutação entre

modernidade e pós-modernidade, que data da segunda metade do século XX,

aconteceu devido ao consumo de massa e aos valores que ele veicula (cultura

hedonista e psicologista).

De 1880 até 1950, ocorrem certos fatos que depois explicarão o surgimento

da pós-modernidade: o aumento da produção industrial, o progresso dos transportes

e a comunicação, e posteriormente, os métodos comerciais que caracterizam o

capitalismo moderno como são o marketing, as grandes lojas, as marcas e a

publicidade. Nesta primeira fase do capitalismo moderno o consumo era limitado à

classe burguesa, algo que não ocorreu na segunda fase que começou nos anos 50

do século XX. Nessa etapa “o individualismo se liberta das normas tradicionais, [...]

emerge uma sociedade cada vez mais voltada para o presente e as novidades que

ele traz, cada vez mais tomada por uma lógica da sedução, está concebida na forma

de uma hedonização da vida que seria acessível ao conjunto das camadas sociais”

(LIPOVETSKY, 2004, p. 24).

Ao acabar-se a grande fase do modernismo, mais ninguém defende a

ordem, e o prazer e o estímulo dos sentidos, se convertem nos valores dominantes

na vida comum. (LIPOVETSKY, 1993) O discurso da pós-modernidade se torna

polissêmico e inclusive contraditório, como afirma Lipovetsky no livro A era do vazio:

A cultura pós-moderna é descentrada e heteróclita, materialista e psi, pornô e discreta, renovadora e retrô, consumista e ecologista, sofisticada e espontânea, espetacular e criativa; o futuro não terá que escolher entre uma destas tendências, se não que pelo contrário desenvolverá lógicas duais, a correspondência flexível das antinomias (Lipovetsky apud Torrent e Marín, p. 354, 2005).

A sociedade pós-moderna consistia numa sociedade hedonista na qual o

prazer sem culpa se tornou uma aspiração legítima, onde se preferia o light, e onde

os ciclos dos gostos se aceleraram, traindo como consequência a coexistência e

superposição de estilos cada vez mais efêmeros. (TORRENT E MARÍN, 2005).

Por outra parte, o movimento pós-moderno tinha o potencial de abarcar uma

grande diversidade cultural e de fazer que o consumo de bens culturais chegasse a

certos grupos que anteriormente tinham sido excluídos. Nele apareceu uma cultura

pluralista, que não reconhecia verdades absolutas, mas pretendia adotar um

conjunto de verdades: o rechaço do movimento moderno conveio para valorizar “o

Page 25: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

25

outro” que no mundo da cultura material estava representado pelo luxo, o gosto

feminizado, as artes decorativas e a fabricação artesanal, e também permitiu a

entrada de paradigmas estéticos que permitiam o ornamento, a ironia, o

historicismo, o ecletismo, e o pluralismo. (SPARKE, 2011)

Esse pluralismo cultural da sociedade global contemporânea se evidenciava

no uso de uma linguagem de “simbolismo compartido” nos objetos, utilizada para

ultrapassar fronteiras. A inspiração para a criação de formas não vinha só de estilos

decorativos do passado, mas também faziam referência ao surrealismo, ao Kitsch, e

à informática. (FIELL; FIELL, 2000). Segundo Torrent e Marín (2005), a pluralidade

de estilos e a polifonia das mensagens foram tais que ocorreu confusão. Tentando

combater a monotonia e o aborrecimento, se introduziram importantes variantes

criativas, mas também se abusou da estridência, causando uma saturação visual

que se traduzirá em austeridade formal de produtos na década seguinte.

Rafael Cardoso (2008) observa acerca dessa pluralidade:

A marca registrada da pós-modernidade é o pluralismo, ou seja, a abertura para posturas novas e a tolerância para posições divergentes. Na época pós-moderna, já não existe mais a pretensão de encontrar uma única forma correta de fazer as coisas, uma única solução que resolva todos os problemas, uma única narrativa que amarre todas as pontas. Talvez pela primeira vez desde o início do processo de industrialização, a sociedade ocidental esteja se dispondo a conviver com a complexidade em vez de combatê-la, o que não deixa de ser (quase que por ironia) um progresso. (CARDOSO, 2008, p. 205).

Embora os objetivos das empresas pós-modernas tivessem sido eliminar o

conceito de valor hierárquico dos produtos e de gerar um autêntico pluralismo que

valorizasse a todos os objetos por igual, como era o caso da empresa italiana Alessi,

aconteceu o contrário (SPARKE, 2011). Nesses anos, múltiplas empresas pediram

para vários designers e arquitetos reconhecidos projetar objetos com a ideia de que

o status cultural desses produtos se estendesse para os produtos sem assinatura de

designer, mas os resultados foram outros, esses produtos viraram um assunto de

uma elite que representou o triunfo do capitalismo sobre a ideologia social, a base

do movimento moderno. (FIELL; FIELL, 2000).

Page 26: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

26

1.1.3 Hipermodernidade, design e o redescobrimento do passado.

Depois dessa segunda fase do consumo, segundo Lipovetsky (2004), nos

anos 80, o autor aponta que entramos na era do hiper, que se caracteriza pelo

hiperconsumo, pelo hipernarcisismo, é a terceira fase da modernidade: a

hipermodernidade “uma sociedade liberal caracterizada pelo movimento, pela

fluidez, pela flexibilidade, indiferente como nunca foi aos princípios estruturantes da

modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno para não

desaparecer”. (LIPOVETSKY, 2004, pág. 26)

Esta era hipermoderna, longe de limitar-se ao presente focado em si

mesmo, se caracteriza pelo reflorescimento do passado. Lipovetsky (2004) diz que

nossa época “é palco tanto de um frenesi histórico-patrimonial e comemorativo

quanto de uma investida das identidades nacionais e regionais, étnicas e religiosas”

(LIPOVETSKY, 2004, p. 85) e nela se celebra até o menor objeto do passado, se

invocam as obrigações da memória, se remobilizam as tradições religiosas, é uma

era não estruturada por um presente absoluto, se não por um presente paradoxal,

como assinala o autor, “um presente que não para de exumar e “redescobrir” o

passado”. (LIPOVETSKY, 2004, p. 85)

Justin McGuirk (2013), na sua coluna de design do Jornal The Guardian de

Londres, escreve no artigo The art of craft: the rise of the designer-maker, publicado

em agosto de 2011, que a divisão criada no mundo do fordismo onde o designer

fazia padrões e o fabricante os replicava, está sendo reavaliada porque os designers

acham que é importante fazer as coisas com suas próprias mãos, já que como diz

Emmanuel Kant: “A mão é a janela da mente”, pois fazendo coisas, provando,

errando e repetindo, é como se aprende. O que temos aqui, diz o colunista, é uma

nostalgia pós-industrial pelo pré-industrial, numa cultura com excesso de marcas e

bens produzidos industrialmente que romantiza o feito à mão porque se almeja

qualidade, não quantidade. (MCGUIRK, 2013)

O que temos aqui é uma mostra de como o design atualmente está

revalorizando e redescobrindo o passado, ou seja, está refletindo os valores desta

era hipermoderna. De acordo com isso, Sudjic observa: “O design é a linguagem

que uma sociedade usa para criar objetos que reflitam seus objetivos e seus valores.

Pode ser usado de formas manipuladoras e mal-intencionadas, ou criativas e

Page 27: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

27

ponderadas. O design é a linguagem que ajuda a definir, ou talvez a sinalizar, valor.”

(SUDJIC, 2010, p. 49)

Nas páginas seguintes, falaremos de como o design vem se aproximando

dessas formas pré-industriais de produção, seja valorizando as manifestações

vernaculares, ou estudando os novos usos que são dados aos objetos já projetados,

não referindo-nos às manifestações desenvolvidas antes da divisão técnica do

trabalho, mas às manifestações que ocorrem paralelas a ela nestes tempos

hipermodernos.

Page 28: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

28

1.1.4. O design e a valorização do vernacular ou de práticas realizadas por não-

designers.

No design, em termos gerais, pode-se ver nos últimos anos um

ressurgimento do interesse pelas manifestações vernaculares, pelos objetos que

nascem na rua, que são utilizados como meio de vida, feitos por vendedores

ambulantes, por moradores de rua, ou por qualquer outra pessoa a partir da

espontaneidade. Estes objetos têm sido (e estão sendo) estudados como

expressões de uma região e da sua cultura material, desde sua produção através do

reuso de elementos que contribuem à sustentabilidade, e em geral, qual tem sido

sua contribuição ao design como disciplina. (FIG.1)

Figura 1 - Linha do tempo

Fonte: Criado pela autora a partir de diferentes referências

Page 29: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

29

Nesta seção mostraremos como e desde quando vem acontecendo esta

aproximação começando pela arquitetura vernacular, já que conforme Priscila Farias

(2011), foi no campo da arquitetura que grande parte dos primeiros estudos sobre o

design vernacular, ou o design praticado por não-designers, foi realizada.

Segundo o dicionário Houaiss (2007), o termo vernacular é um adjetivo que

qualifica algo como próprio de uma nação, região ou país, também se diz de uma

linguagem sem estrangeirismos na pronúncia, vocabulário ou construções sintáticas,

castiço. Segundo o filólogo Chester Star Jr (1942), o termo ‘vernáculo’ tem origem

na expressão latina verna ou vernaculus que originalmente foi usada para designar

algo nativo, um nativo da cidade de Roma ou mais especificamente, um escravo

nascido em casa romana (STAR, 1942 apud FARIAS, 2011). Darron Dean (1994)

escreve que o termo vernacular se deriva da palavra latina ‘vernáculas’ que significa

nativo ou indígena, e que foi associada ao design pela primeira vez por George

Gilbert Scott em 1857 e desde esse momento tem se desenvolvido uma grande

literatura a seu respeito. (DEAN, 1994, p.153)

Segundo Kingston Wm. Heath (2003), na literatura, vernacular se refere à

linguagem usada, reconhecida e compreendida por uma região específica, em

contraste à linguagem formal de uma elite que tem um nível diferente de cultura. A

arquitetura vernacular, como o autor usa o termo, está composta por formas comuns

e cotidianas que são familiares para certa população e que são geradas com

materiais disponíveis geralmente com uma aplicação funcional. Para ele, o

vernacular é produzido por um indivíduo para seu próprio uso, ou por construtores

anônimos e locais que respondem a fórmulas localmente adaptadas.

No seu livro Vanguardia y Tradición, Vicky Richardson (2001), diretora de

arquitetura, design e moda do British Council, faz uma recapitulação sobre a

inclinação dos arquitetos ao vernacular. A autora utiliza o termo vernacular como

um atalho para se referir a obras que adotam o espírito do vernáculo, mas não suas

formas reais. Ela assinala que durante o século XX, o interesse pelos edifícios como

manufatura artesã não desapareceu absolutamente e que nos últimos anos tem tido

um ressurgimento do vernáculo que lembra o movimento inglês Arts & Crafts.

O nome do movimento Arts and Crafts foi cunhado devido à exposição Arts

and Crafts Exhibition Society realizada em Novembro de 1888 na New Gallery em

Page 30: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

30

Londres, que considerava que “o declive da arte e do design se devia a uma ênfase

excessiva na aprendizagem acadêmica, à separação entre design e produção, e se

originava por artesãos ou artistas impessoais que produziam sua obra para um

público impessoal”. (RICHARDSON, pág. 7, 2001, tradução nossa)4 Os arquitetos

envolvidos neste movimento, segundo a autora, não seguiam uma única linha,

senão que pegavam diferentes aspectos do vernáculo, como por exemplo, o uso de

materiais locais, de estruturas materiais simples, o trabalho com harmonia com a

paisagem, etc., e nunca se referiram a suas obras como resultado da valorização do

vernáculo, senão que falavam de “sistemas locais”. Suas obras eram um reflexo do

medo de que a tradição local desaparecesse por causa da estandardização e

colocavam seus esforços na documentação de edifícios rurais como pousadas,

granjas, e construções tradicionais campesinas.

Prévio ao movimento Arts and Crafts, em 1877, William Morris, que depois

foi um dos principais exponentes do movimento, criou a Sociedade pela

Conservação de Edifícios Antigos (SPAB por suas siglas em inglês), que defendeu

os edifícios campesinos do mesmo modo que as catedrais e as igrejas. A sociedade

converteu-se numa escola de construção de edifício tradicionais.

Um predecessor das ideias de Morris foi Pugin (1812-1852), que em 1840

promulgava o gótico como um estilo próprio da Inglaterra e chamava o renascimento

de técnicas construtivas tradicionais como a incorporação da forja, as vidreiras, e a

cerâmica. John Ruskin (1819-1900), o crítico de arquitetura inglês, também

concordava com a adoção do gótico e do vernáculo, pois acreditava que a

arquitetura clássica era produzida por homens-máquina, pelas suas linhas precisas

e leis definidas, dando-lhe um valor humano à imperfeição do trabalho artesanal.

Na Europa Continental, o arquiteto francês Violet-le-Duc defendia um retorno

às tradições construtivas regionais, com a criação de um movimento anti-

internacional, que influenciou as ideias de importantes arquitetos como o espanhol

Antônio Gaudí (1852-1926), o belga Victor Horta (1861-1947), ou o holandês

Hendrik Petrus Berlage, que promoveram formas de arquitetura nacional.

4 Consideraba que el declive del arte y del diseño era resultado de un énfasis excesivo en el aprendizaje académico, de la separación entre diseño y producción, y se originaba por artesanos y artistas impersonales que producían su obra para un público impersonal.

Page 31: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

31

Em 1930, a obra de Alvar Aalto, considerada como o “novo regionalismo”,

mostrava que a arquitetura pode adotar o espírito do vernáculo sem recorrer ao

mimetismo das suas formas. Richardson (2001) assinala que os edifícios de Alto se

caracterizavam não só pela inspiração nos contornos curvos dos lagos finlandeses e

pela utilização de materiais locais, mas também pela estandardização e a

sensibilidade moderna internacional.

Nos anos 60, no Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque,

especificamente no ano de 1964, se apresentou a exposição “Arquitetura sem

arquitetos” a cargo do antropólogo Bernhard Rudofsky, onde pela primeira vez os

habitáculos construídos por seus próprios moradores, especialmente os do terceiro

mundo, foram mostrados como “obras de arquitetura” belas e funcionais

(RUDOFSKY, 1964). Victor Papanek (1995) no livro Arquitetura e Design. Ecologia e

ética observa que:

Desde meados do século XX que arquitetos, antropólogos e historiadores de arte se mostram cada vez mais interessados na arquitetura vernácula, tanto nos ambientes urbanos como nos rurais. Muitos edifícios, tipos de construções e urbanizações, nunca antes estudados a sério, têm sido documentados através de fotografias e descrições escritas. Esta tendência recebeu forte apoio como a exposição “Arquitetura sem Arquitetos”, organizada por Bernard Rudofsky no Museu de Arte de Moderna, em Nova Iorque, em 1963, bem como nos seus dois livros subsequentes. (PAPANEK, 1995, Pág. 127)

Nos anos 70 na Grã-Bretanha, houve uma mudança de atitude que deslocou

a construção de novas edificações favorecendo a reabilitação de edificações

antigas. Em 1975, iniciou-se um movimento conservacionista com a criação do Save

Britain’s Heritage (Salve a Herança Britânica) para proteger as antigas casas

inglesas, e em 1979 se traduz para o inglês o livro do arquiteto alemão e crítico do

Art Noveau, Hermann Muthesius, Das Englische Haus, que havia transportado as

ideias do Art & Crafts ao norte de Europa. (RICHARDSON, 2001)

Muito depois, em 1995, Victor Papanek assinala que a história da arquitetura

está bem documentada através de edificações das classes mais altas como

palácios, castelos, catedrais e casas de comerciantes, e que muitas delas ainda

sobrevivem, outras já foram reconstruídas, de outras se conservam seus planos e

desenhos, no entanto, das moradas mais modestas é difícil de achar registros.

Também para abordar de maneira mais profunda, o tema expõe seis falácias acerca

Page 32: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

32

da arquitetura vernacular: A falácia histórica, a exótica, a romântica, a falácia da

cultura popular, da tradição atual, e a sagrada.

-Falácia histórica: Muitas edificações não servem como exemplos vernáculos

apenas em função de sua idade, mas porque constituem padrões de construção

tradicional.

-Falácia exótica: As construções como os iglus dos esquimós ou as aldeias dos

Batak na ilha de Sumatra na Indonésia, podem ter atribuída a elas uma importância

ilusória em relação ao vernacular devido a seu caráter exótico.

-Falácia romântica: Na escrita sobre o vernáculo, é difícil encontrar uma discussão

inteligente sobre estruturas de aldeias ou esquemas primitivos, pois os sistemas de

construção exóticos que foram transportados para a arquitetura requintada são

evitados pelos críticos romântico-sentimentais.

-Falácia da cultura popular: Não é qualquer estrutura que seja repetida com poucas

variações, que pode ser chamada de vernácula. As redes de fastfood como Mc

Donalds ou Wendy, não podem ser chamadas de estruturas vernaculares

americanas dos finais do século XX. Elas são estruturas que identificam marcas de

fábrica e a razão de sua existência é a venda, bem diferente das verdadeiras

construções vernáculas ou nativas.

-Falácia da tradição atual: Não se pode dizer que as construções com características

parecidas onde mora uma grande quantidade de pessoas numa região constitui uma

expressão do vernáculo, pois estas habitações podem ser resultado de uma

produção centralizada e processos de design.

-Falácia Sagrada: Existem aspectos vernáculos nos edifícios arraigados nas crenças

religiosas de um povo, mas esses aspectos podem ser acrescentados pelo seu

sentido sagrado e não pela sua representação de processos vernáculos.

Finalmente, o autor também aborda o tema a partir dos processos,

assinalando que a arquitetura vernacular está baseada em conhecimentos sobre

práticas e técnicas tradicionais, é usualmente autoconstruída, e respeita a qualidade

e as habilidades. (PAPANEK, 1995)

Em 1997, foi lançada The Enciclopedia of Vernacular Arquitecture, o

primeiro estudo internacional sobre edifícios vernáculos, editada por Paul Oliver que

incluía a obra de 250 investigadores de 80 países, cujo objetivo era a sobrevivência

Page 33: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

dos edifícios nativos indígenas frente à inexorável m

2001).

Em maio de 2010, a Escola de Arquitetura, Design e Plane

Universidade de Kansas, nos Estados Unidos,

de Arquitetura Vernacular de Amos Rapoport

digitais, publicamente ace

abrange mais de 30.000 imagens tiradas pelo professor Rapoport em mais de 70

países, e representa mais de meio século de viagens a muitas partes do mundo,

desde grandes cidades, até pequenas vilas (FIG

Figura 2 - Arquitetura Vernacular

O design como disciplina

não-designers, relativamente há pouco tempo. Em 1972

Silver propuseram o conceito “Adhocism”, que faz referência à improvisação através

do uso de objeto aleatórios com o objetivo de satisfazer uma necessidade

momentânea. (BRANDES

Em 1992, Philp Pacey, escreveu

Professional Designers and the History of Design

de design feitos por não profissionais.

Ken Garland (2004), na sua palestra oferecida em 1995 na Escola de Arte

da Universidade de Michigan

que são as coisas mais simples

dos edifícios nativos indígenas frente à inexorável modernização (RICHARDSON,

Em maio de 2010, a Escola de Arquitetura, Design e Plane

Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, tornou pública a coleção de imagens

Arquitetura Vernacular de Amos Rapoport, que é a maior coleção de i

cessível focada em Design Vernacular no mundo. A coleção

mais de 30.000 imagens tiradas pelo professor Rapoport em mais de 70

países, e representa mais de meio século de viagens a muitas partes do mundo,

desde grandes cidades, até pequenas vilas (FIG. 2).

Arquitetura Vernacular - Minas Gerais (Image Collection of

Vernacular Design)

Fonte: RAPOPORT, 2010

O design como disciplina começou a se interessar pelos artefatos feitos por

designers, relativamente há pouco tempo. Em 1972, Charles Jencks e Nathan

Silver propuseram o conceito “Adhocism”, que faz referência à improvisação através

do uso de objeto aleatórios com o objetivo de satisfazer uma necessidade

momentânea. (BRANDES; STICH; WENDER, 2009)

Em 1992, Philp Pacey, escreveu o artigo Anyone designing Anything? Non

Professional Designers and the History of Design, em que mostra diferentes casos

de design feitos por não profissionais.

Ken Garland (2004), na sua palestra oferecida em 1995 na Escola de Arte

Michigan, titulada Design and The Spirit of the Place,

que são as coisas mais simples que fazem com que um lugar seja esse lugar, e

33

odernização (RICHARDSON,

Em maio de 2010, a Escola de Arquitetura, Design e Planejamento, da

pública a coleção de imagens

que é a maior coleção de imagens

ssível focada em Design Vernacular no mundo. A coleção

mais de 30.000 imagens tiradas pelo professor Rapoport em mais de 70

países, e representa mais de meio século de viagens a muitas partes do mundo,

Image Collection of

pelos artefatos feitos por

Charles Jencks e Nathan

Silver propuseram o conceito “Adhocism”, que faz referência à improvisação através

do uso de objeto aleatórios com o objetivo de satisfazer uma necessidade

Anyone designing Anything? Non-

mostra diferentes casos

Ken Garland (2004), na sua palestra oferecida em 1995 na Escola de Arte

Design and The Spirit of the Place, observa

que um lugar seja esse lugar, e

Page 34: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

34

coloca dois exemplos: o primeiro são as etiquetas das frutas e verduras de um

mercado local, que qualifica como expressivas, inventivas e vigorosas, e que sua

maneira despretensiosa de ser fala mais das ruas, do que os avisos das grandes

lojas. O segundo exemplo consiste nos riquixás em Bangladesh que são decorados

por artesãos criativos e habilidosos e dos quais podemos aprender duas grandes

lições: a primeira é que sua arte é totalmente espontânea e não se relaciona com

motivos comerciais, e a segunda é que não têm patrocínio do governo. O autor

assegura que o espírito do lugar se encontra nesses exemplos mais espontâneos e

que não é simples para o design descobrir respostas que nos ajudem a invocá-lo,

mas que poderia ser algo muito gratificante.

Por outro lado, do ponto de vista do uso como design, no ano 2005, Jane

Fulton Suri, diretora do departamento de Fatores Humanos da IDEO, fez uma

compilação de fotografias que mostram maneiras intuitivas de adaptar, explorar e

reagir diante de situações em nosso ambiente, prática que chamou de Intuitive

Design ou Design Intuitivo.

No ano 2006, Uta Brandes e Michael Erlhoff, escrevem o livro Non-

intentional Design, um termo criado por eles, que define o “re-design cotidiano do

projetado” ou seja, as diferentes funções que podem ser atribuídas a um objeto por

seus usuários.

Nesse mesmo ano, é lançado o livro Home-Made Contemporary Russian

Folk Artifacts (FIG.3), cujo autor é o artista russo Vladimir Arkhipov e contém

fotografias de objetos únicos criados por pessoas comuns e inspirados na falta de

acesso a bens fabricados, durante o colapso da União Soviética. Cada fotografia

está acompanhada de uma imagem do criador e um texto que relata a história do

objeto, porque nasceu, qual é sua função, e os materiais usados para sua criação.

No ano 2012, a mesa editorial lança a versão europeia do livro: Home-Made Europe:

Contemporary Folk Artifacts (FIG. 4), também com fotografias de Arkhipov. Para o

jornal The Guardian, de Londres, o autor assinalou: “Se de repente não houvesse

mais designers profissionais, ou não ficaram mais produtores de objetos, o processo

de criar novos projetos, novas formas, não diminuiria” (MCGUIRK, 2013)

Page 35: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

35

Figura 3 - Páginas do livro: Home-Made Contemporary Russian Folk Artifacts

Fonte: MCGUIRK, 2012

Figura 4 - Mesa - Home-Made Europe: Contemporary Folk Artifacts

Fonte: MCGUIRK, 2012

Em março de 2010, a revista virtual de design Core 77, publica um artigo

sobre o trabalho do designer estadunidense Gabriel Hargrove acerca das suas

séries chamadas Objects of Rural Vernacular, onde recria objetos, costumes e

tradições dos ambientes rurais de América do Norte. Um dos exemplos colocados

no site da revista é uma armadilha para guaxinins que ajuda a impedir as pragas

destes animais, cuja construção é sugerida a partir de um livro chamado American

Handy Book for Boys de Daniel Beard, e de elementos que podem se encontrar na

cidade, como um reprodutor de VHS antigo. (FIG. 5)

Page 36: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

36

Figura 5 - Armadilha para Guaxinins

Fonte: THE RURAL..., 2010

Nesse mesmo ano, o designer italiano Daniele Pario Perra, apresenta a

primeira parte do livro Low Cost Design, que é resultado de uma pesquisa realizada

entre o norte da Europa e o Mediterrâneo sul, onde documenta milhares de

exemplos de criatividade espontânea, produzindo um dicionário visual de criações

feitas por autores anônimos, que são classificadas em categorias, e que estimulam a

reflexão da recuperação e o reuso de materiais (FIG.6). A segunda parte do livro foi

lançada no ano 2011.

Figura 6 - Ralador de queijo feito a partir de uma lata

Fonte: PERRA, 2010

Podemos ver o interesse do design pelas práticas realizadas por não-

designers, seja valorizando o pré-industrial, as coisas feitas à mão, ou registrando os

novos usos e formas que ganham, no dia-a-dia, objetos já projetados. No Brasil, a

valorização dos artefatos nativos de um lugar pelo design começou em 1958, com a

Page 37: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

37

arquiteta italiana Lina Bo Bardi, que viveu no nordeste entre 1958 e 1964, tempo no

qual pesquisou sobre cultura material nativa desta região e organizou uma

exposição chamada Nordeste em 1963 no Museu de Arte Popular, no Solar do

Unhão, em Salvador, mostrando um grande inventário de objetos populares. Ela

observa no catálogo da exposição:

Esta exposição procura apresentar uma civilização pensada em todos os detalhes, estudada tecnicamente, desde a iluminação até as colheres de cozinha, as colchas, as roupas, bules, brinquedos, móveis, armas. É a procura desesperada e raivosamente positiva de homens que não querem ser “demitidos”, que reclamam seu direito à vida. Uma luta de cada instante para não afundar no desespero, uma afirmação da beleza conseguida com o rigor que somente a presença constante duma realidade pode dar. Matéria-prima: O lixo. Lâmpadas queimadas, recortes de tecidos, latas de lubrificantes, caixas velhas e jornais. (LINA, 2009, pág. 116)

Tempos depois, a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), em 1977,

em comemoração a seus quinze anos de existência, promoveu um debate durante o

qual Aloísio Magalhães, um dos fundadores da Escola, proferiu uma palestra falando

sobre o design industrial nos países do terceiro mundo, onde apontou que a

atividade deve abandonar o conceito de forma e função do produto como tarefa

prioritária e a visão consumista de produzir só novos bens de consumo, pois neste

contexto se transita num espectro amplo de possibilidades, onde estão presentes

situações, formas de fazer e usar basicamente primitivas e pré-industriais até

tecnologias consideradas de ponta (MAGALHÃES, 1977). Magalhães estava dando

espaço a essas formas de fazer pré-industriais que não pertencem ao mainstream.

Na década de 2000 a 2010, vários pesquisadores centraram seus estudos

nestas formas não convencionais de fazer design. Maria Cecilia Loschiavo, no ano

de 2000, expõe numa palestra no Politécnico de Milão o que ela chamou de

Spontaneous Design, uma prática criativa exercida por moradores de rua que

consiste em encontrar soluções aplicáveis a problemas concretos. (SANTOS, 2000)

Depois disso, a pesquisadora Gabriela de Gusmão Pereira, lançou no ano

2002, o livro a “Rua dos Inventos”, uma coleção de fotografias que começou a

realizar desde 1998 acerca das manifestações efêmeras que se criam e se perdem

no dia-a-dia nas ruas, objetos ou arranjos de objetos que desenham a realidade de

todos os dias dos moradores de rua, de pequenos prestadores de serviços, ou

Page 38: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

38

vendedores ambulantes. Pereira (2002) assinala que esses objetos expressam o

desenho vernacular brasileiro, pois são uma expressão original do povo e refletem

de uma maneira muito própria a realidade da região em que se encontram. (FIG. 7)

Figura 7 - Cavalete feito pelo pintor Nazaré.

Fonte: PEREIRA, 2002, p. 28

Múltiplos designers nacionais já estudaram o tema a partir de óticas

diferentes. Rodrigo Boufleur sob o ponto de vista do reuso de objetos já projetados

na criação de novos objetos, no ano de 2006 estudou a gambiarra como uma forma

de design vernacular. Em 2007, Adriana Valese pesquisa sobre o “Design

Vernacular Urbano” nas ruas de São Paulo como estratégia de inserção social. E em

2009, Naotake Fukushima analisa o design vernacular da população de baixa renda

em Curitiba a partir da sustentabilidade.

De 2010 até agora, podemos citar três projetos: A exposição ‘Atlas

Ambulantes’, gerada a partir do livro do mesmo nome organizado pelos arquitetos

Renata Márquez e Wellington Cançado, onde apresentam a experiência de seis

vendedores ambulantes de Belo Horizonte, suas cartografias singulares da cidade,

itinerários, fotografias tiradas por eles, os equipamentos que utilizam para realizar

seu trabalho, uma coleção em escala real de todos os produtos que oferecem,

partituras das músicas que utilizam para identificar-se, e uma série de cinco filmes

com seus depoimentos. O segundo projeto é o livro Objetos da Floresta (2012) uma

recopilação de objetos achados nas comunidades da Amazônia analisados pela

designer Andrea Bandoni de Oliveira. (FIG.8)

Page 39: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

39

Figura 8 - Panacú

Fonte: BANDONI, 2012, p. 34

E o terceiro é a exposição “Design da Periferia” (FIG.9), feita pela Secretaria

Municipal de Cultura de São Paulo com curadoria de Adélia Borges, que apresenta

artefatos feitos pelo povo para serem usados na vida cotidiana. Ela assinalou no site

da Prefeitura da cidade:

O conceito de periferia é sempre relativo, ele depende de um centro, que pode ser geográfico – um país periférico aos que têm mais voz no mundo, ou a parte de uma cidade que está distante do seu centro, por exemplo – ou pode ser metafórico, no sentido de não pertencer ao mainstream. É com esse sentido que estamos trabalhando. (PREFEITURA, 2013)

Figura 9 - Carrinho de Vendedores de Café na Bahia - Exposição

Design da Periferia.

Fonte: Foto de Francesco Mazzarella

Page 40: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

40

CAPÍTULO 2. IDEIAS SOBRE O DND

O seguinte capítulo aborda o significado do termo ‘Design por não-designers’,

definições de alguns conceitos relacionados a ele, e questões referentes a como e

porque se leva a cabo a atividade.

2.2 Significado do termo.

Todos os homens são designers. Tudo o que fazemos, quase todo o tempo, é design, pois design é condição básica para toda a atividade humana. O planejamento e estruturação de qualquer ato em busca de um objetivo desejado e previsível constitui o processo de design. O Design é a origem primária e subjacente da vida. (PAPANEK, pág. 19, 1977, tradução nossa)5

A origem da palavra ‘design’, segundo o pesquisador Rafael Cardoso

(2000), está na língua inglesa, e faz referência à ideia de plano, desígnio, intenção,

quanto à configuração, arranjo, estrutura. Segundo Lobach (1981), o design é um

processo de adaptação do entorno artificial às necessidades físicas e psíquicas dos

homens na sociedade. Em termos gerais, o design analisa as necessidades

humanas e as satisfaz através de objetos, processos, serviços ou sistemas.

A partir de tais definições, podemos estabelecer que esse processo de

design, criação e produção não é só tarefa dos designers. Pessoas comuns e sem

formação em design encontram na criatividade e empenho, soluções materiais para

problemas cotidianos. Pessoas que têm a capacidade e a necessidade de fazer

antes de perguntar e consumir. Segundo Jane Fulton Suri (2005), todos somos

seres ativos em organizar e adaptar as coisas, todo mundo é um “especialista no

design da eficiência e da comodidade em seu próprio mundo”. (FULTON SURI, pág.

175, 2005, tradução nossa)6

Nas ruas das cidades da América Latina, e em muitas outras cidades,

múltiplas pessoas criam artefatos para satisfazer necessidades do dia a dia com

5 Todos los hombres son diseñadores. Todo lo que hacemos es casi siempre diseñar, pues el diseño es la base de toda actividad humana. La planificación y normativa de todo acto dirigido a una meta deseada y previsible constituye un proceso de diseño. Todo intento dirigido a aislar el diseño, a convertirlo en una entidad por sí misma, va en contra del valor intrínseco del diseño en cuanto a matriz primaria subyacente de la vida. 6 Everyone is an expert in the design of efficiency and convenience in their own world.

Page 41: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

41

materiais que estejam à mão, com elementos disponíveis. São designers em seu

próprio mundo.

Vários pesquisadores da área têm se referido a este tema como “Design

vernacular”, “Design espontâneo”, “Design pelo outro 90%”, “Desenho vernacular”,

“Design alternativo”, “Non-professional design”, “Low Cost design”, “Design da

Periferia”, “Non Intencional Design”, “Adhocismo”, “Intuitive Design” (FINÍZOLA,

2010; PELLEGRINI FILHO, 2009; MARTINS 2005; CARDOSO, 2003; SANTOS,

2003; BORGES, 2011; BOUFLEUR, 2006; PEREIRA, 2004; DONES, 2004;

VALESE, 2007, FUKUSHIMA, 2009, PERRA, 2010, PACEY, 1992, BRANDES E

ERLHOFF, 2006, JENCKS E SILVER 1972; FULTON, 2005) e o têm abordado

principalmente a partir de 5 pontos de vistas diferentes: Como estes objetos

representam culturalmente um lugar específico, como a carência e a falta de

recursos incentivam a criatividade e a invenção, como estes objetos podem

contribuir para a sustentabilidade, como os novos usos que os usuários dão aos

artefatos industriais se transformam em design, e como estes objetos podem

contribuir para design chamado ‘acadêmico’. Este último enfoque é o abordado

nesta pesquisa, apontando que a temos delimitada ao contexto rua.

“Design por não-designers” (DND) é o termo que adotamos para denominar

o objeto de estudo desta pesquisa e faz referência, como dissemos antes, às

soluções materiais que não têm relação com a academia, ou seja, artefatos que são

produzidos e pensados por pessoas que não têm conhecimentos formais na área de

design.

Os objetos resultantes deste tipo de design fazem parte importante da

paisagem cotidiana da cidade, da cultura material brasileira e falam do povo que os

faz, não porque seja uma prática própria do país, pois encontramos exemplos em

outros lugares do mundo, mas porque as funções que cumprem estão associadas a

necessidades, costumes, práticas, e crenças específicas, de pessoas específicas,

que pertencem a um território específico.

Eles nascem a partir de uma necessidade. Necessidade, segundo Martín

Juez (2002) “é aquilo que nos parece imprescindível ou nos leva a agir de maneira

Page 42: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

42

peculiar segundo exigem as circunstâncias”. (MARTÍN JUEZ, 2002, pág. 45,

tradução nossa)7 . Para Lobach (1976):

As necessidades se tomam reconhecíveis mediante os estados de tensão que governam a conduta do ser humano; são o resultado da sensação de uma deficiência que se tenta sarar (...). As necessidades têm origem em alguma carência e ditam o comportamento humano visando à eliminação dos estados não desejados. (LOBACH, p. 26,1976)

Mas nem sempre é assim. Referindo-se à criatividade espontânea na Europa,

Daniele Perra (2010) aponta que no sul é mais visível pelas deficiências do governo

local. Mas, no norte da França e da Itália, na Suíça, Alemanha e Holanda, o principal

motivo da espontaneidade criativa é o lazer. Muitos jardins são a acumulação de

pequenas invenções. Este fato questiona o fato de que só a necessidade favorece a

criatividade.

Na prática do DND na rua, geralmente, se usam elementos que se encontram

fácil, que estão à mão, no meio, é por isso que esta prática está associada ao reuso

de produtos industriais, muitos deles são uma soma de elementos usados. Este

fenômeno é citado por Boufleur (2006) como pós-uso e por Fukushima (2009) como

a transformação ou reconfiguração de outros artefatos industriais preexistentes. É o

caso do suporte para guarda-sóis feito com um aro, vergalhão, e tubo de aço. (FIG.

10)

Figura 10 – Suporte para guarda-sóis

Fonte: Fotos da Autora 7 La necesidad es aquello que nos parece imprescindible o nos lleva a actuar de manera peculiar egún exigen las circunstancias.

Page 43: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

43

Valese (2007) também aponta que muitos dos carrinhos dos vendedores

ambulantes são feitos a partir de materiais diversos, dependendo do tipo de

mercadoria e da localização do artefato. Ela coloca como exemplo carrinhos feitos

em madeira, com acabamentos de pintura de cor única e aço inoxidável. O que

mostra que nem sempre estes tipos de artefatos nascem a partir da transformação

de artefatos industriais ou do pós-uso.

Por outro lado, o autor do DND pode ser o próprio usuário ou um produtor.

Quando o artefato é feito pelo próprio usuário, a relação objeto/usuário se faz mais

próxima. Ele pode colocar características próprias ao produto do seu trabalho. Com

relação a isto e se referindo aos objetos artesanais da primeira metade do século

XIX, Lobach (1976) aponta que: “O artesão fabricava o objeto por completo e

mantinha todo o processo sob controle. Daí resulta uma relação personalista em

relação ao objeto” (LOBACH, 1976, pág. 37). A respeito do design vernacular urbano

de São Paulo, Valese (2007) assinala que:

“Muitos copiaram ou aprenderam, com os pais e parentes, o ofício de construir artefatos populares, buscando adaptar às necessidades pessoais e ao contexto onde vivem e trabalham. Outros procuram terceiros que se dedicam à produção em série, em cuja manufatura podem utilizar técnicas artesanais ou semi-industriais”. (VALESE, 2007, p. 86)

Quando é feito por um produtor, ou por um terceiro, o artefato é comprado de

uma pessoa que tem como ofício a produção deste tipo de objeto, de alguém que

não precisa mais dele e o coloca à venda ou de uma pessoa que o faz para que

simplesmente outra pessoa o utilize sem intenção de lucro. Segundo Valese (2007),

por causa da proliferação nos grandes centros urbanos têm surgido pequenas e

médias empresas que se especializam na industrialização e comercialização de

carrinhos e aparatos para o comércio formal.

A respeito do deslocamento dos artefatos do DND, e lembrando que nosso

contexto de estudo é a rua, podem se encontrar 2 tipos de artefatos, segundo

Valese (2007), artefatos fixos e móveis. Os artefatos fixos “são aqueles cuja função

não requer o movimento constante do artefato para a venda dos produtos”. Como

por exemplo, barracas expositoras, bandejas fixas e expositores no chão (VALESE,

2007, pág. 24). E os artefatos móveis são aqueles “confeccionados para uso em

movimento, com o objetivo de oferecer serviços e produtos aos

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44

clientes/consumidores”, como por exemplo: as carroças do catadores, o carrinho de

café, de amolar facas, a lata para vender amendoim, etc. (VALESE, 2007, pág. 30)

Com relação à forma de produção, os objetos do DND se fazem

principalmente com as mãos (produção artesanal), ou com a ajuda de instrumentos

e máquinas que facilitam sua realização (produção semi-industrial) e permitem a

manipulação e a transformação dos materiais. Valese (2007) denota que os

artefatos semi-industriais são criados a partir de um ferramental apropriado e

adequado aos materiais com técnicas de solda e rebite, por exemplo. (VALESE,

2007). Cabe anotar que alguns artefatos resultantes do DND são feitos juntando

várias técnicas de produção, ou seja, apesar de serem elaborados com ajuda de

máquinas, se presencia um trabalho manual forte. É o caso da cadeira feita a partir

de um suporte de vergalhão e um assento tecido com fitas plásticas (FIG. 11). Para

fazer o suporte, é necessário contar com arco elétrico para a soldagem e para a

elaboração do tecido, o principal instrumento são as mãos.

Figura 11 - Cadeira com assento de fitas plásticas

Fonte: Foto da Autora

2.2 Outras aproximações com o conceito de DND

A continuação segue com uma exploração das definições de algumas

abordagens relacionadas com o DND. Vários autores, como dissemos

anteriormente, têm estudado o tema, porém, para fazer esta resenha optamos pelas

abordagens mais pertinentes: Design Vernacular, Non-professional Design, Non-

Intentional Design, Design Intuitivo e Design Espontâneo.

Page 45: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

45

A grande maioria dos pesquisadores que estudam o design praticado por

não-designers aqui no Brasil utilizam o termo ‘design vernacular’. Segundo Fátima

Finízola, na comunicação gráfica a utilização do termo vernacular “corresponde às

soluções gráficas, publicações e sinalizações ligadas aos costumes locais,

produzidos fora do discurso oficial” (FINÍZOLA, 2010) (FIG.12)

Figura 12 – Tipografía Vernacular

Fonte: Foto da Autora

Segundo Naotake Fukushima (2009), o design vernacular é usado para

definir dois tipos de manifestações distintas. A primeira se refere aos artefatos

típicos de uma região, que não têm influências estrangeiras. Como exemplo disso,

podemos citar vários dos artefatos nordestinos que Lina Bo Bardi registrou ao longo

do seu trabalho (FIG. 13). A segunda se refere às práticas que se apropriam de

características de elementos locais para criar um artefato novo que as reflete.

(FUKUSHIMA, 2009). Da mesma maneira, Vicky Richardson, dentro da arquitetura,

utiliza o termo vernacular como um atalho para se referir a obras que adotam o

espírito do vernáculo, mas não suas formas reais. (RICHARDSON, 2008)

Figura 13 - Vasilhame

Fonte: Exposição de Lina Bo Bardi sobre o design nordestino

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46

Tendo em vista as divergências sobre o termo, e que nem sempre faz

referência ao design praticado por não-designers, para não cair na confusão se o

design vernacular alude propriamente a artefatos vernáculos ou às obras que

adotam e incorporam elementos vernaculares, optamos nesta pesquisa pelo uso do

termo ‘Design por Não-Designers’ (DND)

Igualmente, o termo “vernacular” também lembra algumas vezes práticas

tradicionais. De acordo com Walker (2002), o design vernacular “refere-se à

produção de artefatos por culturas tradicionais, o qual é caracterizado pela

criatividade, o uso de recursos limitados disponíveis em seu ambiente e com um

valor simbólico forte frequentemente embutido nos objetos, cujos valores excedem

os benefícios funcionais.” (WALKER, 2002, apud RIUL, 2013 tradução nossa)8 .

Estes valores tradicionais nem sempre estão presentes no DND. Muitas das

soluções materiais do DND nascem da espontaneidade, como são os refúgios dos

moradores de rua que não tem muito a ver com a tradição, e sim com a

recursividade.

Outra abordagem que encontramos na revisão bibliográfica foi o Non-

Intentional Design (Design Não Intencional, NID em seu acrônimo inglês) (FIG. 14),

termo cunhado por Uta Brandes e Michael Erlhoff (2006) e que define o re-design

cotidiano do projetado, ou seja, a cadeira que é usada (também) como guarda-

roupa, a geladeira que se transforma num quadro de anúncios, as escadas que

servem para sentar-se, frascos de geleias que guardam canetas, etc.

Figura 14 - Embalagem de Macarrão Instantâneo usado para guardar canetas.

Fonte: Foto da Autora

8 Vernacular design refers to the production of artifacts by traditional cultures which is characterized by creativity, the use of limited resources available in their environment and with a strong symbolic value often embedded in the objects, and whose values exceed the functional benefits.

Page 47: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

47

Segundo eles o NID desafia todas as normas. Este fenômeno só pode existir

nas áreas onde se rompe com as intenções predeterminadas, pois implica uma

transformação dos objetos em combinação com novas funções. As suas

manifestações desmentem, por exemplo, a expressão “a forma segue a função”, já

que podemos observar que formas similares são usadas para o mesmo propósito,

mesmo que elas não tenham sido criadas para cumprir a mesma função. O Non-

intentional Design se origina, segundo os autores, devido a situações temporárias

déficit, por conveniência, por brincadeira, devido a que no mercado não se

encontram soluções para algo determinado, por serem alternativas econômicas,

soluções de emergência, por motivos ecológicos, por redução de esforços, pela

otimização da função. (BRANDES, URLOFF, 2006)

Embora muitas das manifestações do NID caibam dentro do conceito do

DND, muitas das manifestações do DND não concordam com a definição do NID. É

o caso dos objetos que empregam novas matérias primas para sua produção. O

Non-Intentional Design nasce do reuso, assim como o Design Espontâneo que

explicaremos na continuação.

O Design Espontâneo, termo cunhado por Maria Cecília Loschiavo, é uma

prática criativa exercida por moradores de rua, pessoas carentes, que consiste em

encontrar soluções aplicáveis a problemas concretos, num contexto de severa falta

de recursos. É um tipo de design estritamente relacionado com a sobrevivência e

que está presente e visível nas ruas dos grandes centros ao redor do mundo

deixando sua marca na topografia visual da paisagem urbana. (SANTOS, 2000).

Já o Design Intuitivo aborda as “maneiras intuitivas em que nos adaptamos,

exploramos, e reagimos a coisas em nosso ambiente; coisas que fazemos sem

pensar realmente” (FULTON SURI, 2005 apud BRANDES 2009, tradução nossa)9 .

Esta abordagem foi proposta por Jane Fulton Suri, diretora de “Fatores Humanos” na

IDEO, uma das maiores consultoras de design do mundo. O seu propósito consiste

em encontrar inspiração na vida cotidiana para achar novas ideias e soluções para a

companhia a partir do entendimento dos comportamentos habituais das pessoas que

não necessariamente tem a ver com a criação de novos objetos, mas com a maneira

9 Those intuitive ways we adapt, exploit, and react to things in our environment; things we do without really

thinking.

Page 48: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

48

como elas interagem com o ambiente em que se movimentam. É uma abordagem

mais focada nos fatores humanos. (FIG. 15)

Figura 15 – Reações a novas superfícies

Fonte: FULTON SURI, 2005, p. 12

Todas estas práticas estão dentro do conceito de ‘Design por não

designers’, mas cada qual aborda pontos de vista diferentes. A que mais tem

abrangência e a que mais se aproxima do conceito que estamos utilizando é a

abordagem exposta por Philp Pacey (1992).

No artigo “Anyone designing Anything? Non-Professional Designers and the

History of Design”, o autor diz que o design pode redefinir seu papel se reconhecer

que todos somos designers, a fim de aumentar o enriquecimento dos que estão

envolvidos na atividade, e ao mesmo tempo, a história do design encontrar uma

maneira de mostrar que o design não é uma atividade exclusivamente dos países

industrializados.

Pacey (1992) cita vários casos de design feito por não profissionais. No

primeiro caso fala do design nas sociedades pré-industriais, e coloca como exemplo,

os Inuit, que é o nome dado aos distintos povos esquimós que habitam a zona ártica

da América e Groenlândia, e são considerados por Victor Papanek como os

melhores designers do mundo (FIG. 16). Jack Anawak, membro dessa comunidade,

escreveu: “Em um ambiente rigoroso... é necessário passar de geração em geração

o conhecimento e as habilidades para assegurar a sobrevivência. Aprender estas

habilidades não é opcional”. (PACEY, 1992, apud ANAWACK, 1989, pág. 218,

Page 49: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

49

tradução nossa) 10 . Os artefatos feitos nestes ambientes nascem da completa

necessidade e geralmente não podem ser atribuídos a um criador só, pois surgem a

partir de processos de experimentação realizados por vários indivíduos, em

diferentes épocas. Papanek (1995) no seu livro “The Green Imperative” observa que:

Quem são os melhores designers do mundo? [...] Desde o ponto de vista do designer trabalhador, que lida com novos materiais e muda tecnologias, assim como a influência nas forças do mercado, a pergunta é tão simples até o ponto de chegar a ser absurda. Se definirmos o design como o encontro de soluções de trabalho que são imediatamente aplicadas a problemas no mundo real – a resposta –ou minha resposta ao menos- é imediatamente óbvia: Os Unit são os melhores designers. (PAPANEK, 1995, p. 223).

Figura 16 – Iglu dos Inuits

Fonte: THE HISTORY...,2014

Pacey (1992) também fala das criações das donas de casa, de movimentos

sociais de pessoas que acham que os produtos existentes podem ser melhores do

que eles são como, por exemplo, os Nader’s Raider, o grupo japonês Chifuren11, e a

iniciativa Lucas Aerospace nos anos 60 12 , também da habilidade criativa das

crianças, que podem converter uma mesa em uma casa, e do potencial que existe

no design não ocidental. O autor cita uma frase do livro You are designer publicado

10 'In a harsh environment ... it is necessary to hand down from generation to generation the knowledge and skills to ensure survival. Learning these skills is not optional. 11 Ralph Nader, ativista e advogado estadunidense, e seu grupo os Nader's Raiders nos anos 60, identificaram falhas em certos automóveis, inspirando a formação de grupos, entre eles um grupo de mulheres no Japão chamado Chifuren, que em 1968 começaram a fazer seus próprios produtos para demonstrar as deficiências dos que são feitos por grandes companhias. (Pacey, 1992) 12 Lucas Aerospace na Grã-Bretanha é uma grande corporação dedicada à fabricação de componentes aeroespaciais. Nos anos 70, seus trabalhadores criaram uma Comissão de Delegados Sindicais de Lucas Aerospace com a finalidade de proteger seus empregos e com a ideia de mudar a produção para produtos socialmente mais úteis tais como veículos rodoviários ao invés de componentes para aviões militares. (MARTIN, 1990)

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50

em Londres em 1974 pelo Schools Council Design and Craft Education Project

“Todos somos designers. Projetamos coisas para usar, coisas para comer e coisas

para fazer. Quando você trabalha em como fazer um canil para seu cachorro, ou na

melhor maneira de redecorar seu quarto, você está projetando”. (PACEY, 1992, Pág.

222, tradução nossa)13.

A diferença da abordagem de Pacey (1992) é que o DND neste projeto se

concentra nos artefatos criados nesta época, que são encontrados na rua, e que

nascem paralelamente á prática da disciplina do design como se conhece hoje.

2.3 A Prática do DND

2.3.1 Tipos de Intervenção.

A maioria das manifestações do DND se produz através do reuso,

excetuando aqueles casos quando a composição de um objeto surge a partir de

novos materiais. Por isso, queremos expor os diferentes tipos de intervenção que

Boufleur (2006) propõe falando sobre a “gambiarra” partindo da forma e função dos

artefatos. Elas são:

a. Uso incomum sem mudança de função ou forma. Neste caso o objeto

permanece, sem intervenções físicas, mas com mudanças no seu

significado.

Figura 17 – Pregador usado para prender uma pauta musical

Fonte: Foto de Pit Thompson

13 We are all designers. We design things to use, things to eat and things to do. When you are working out how to make a kennel for your dog, or the best way to redecorate your room, you are designing.

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51

b. Simples mudanças de função sem alterar forma. Não há alterações

físicas no objeto, mas se lhe atribuem funções diferentes.

Figura 18 – Caixote usado como prateleira

Fonte: Foto da Autora

c. Inclusão/exclusão de peças ou componentes, mantendo a mesma

função. São intervenções que muitas vezes dão ao artefato uma segunda

vida, às vezes com resultados esteticamente desagradáveis, ou com

resultados curiosos que tornam o artefato em algo único. (BOUFLEUR,

2006)

Figura 19 - Banco com almofada

Fonte: Foto da Autora

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52

d. Mudança da forma para mudar a função. Com algumas mudanças na

forma do objeto com furos ou recortes, muda-se a função dele para suprir

uma nova necessidade.

Figura 20 - Churrasqueira de espetos feita a partir de uma lata

Fonte: Foto da Autora

e. Inclusão/exclusão de partes, peças ou componentes para mudar a

função. Com a inclusão de algumas peças que não pertenciam ao

artefato se muda a função.

Figura 21 – Carrinho de supermercado com peças incluídas

Fonte: Foto da Autora

Page 53: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

f. Composição de um novo artefato a partir do aproveitamento de

outros. Através de combinações de outros artefatos se obtém um novo.

2.3.2 Como se faz

Está claro que o DND encontrado nas ruas nasce

uma necessidade. Vários autores o confirmam e se observarmos cada um dos casos

detalhadamente, o denominador comum a todos é que prima a funcionalidade.

Boufleur (2006), no projeto

três elementos fundamentais para que seja feita uma gambiarra (FIG. 23). Esta

prática vista como um tipo de design realizado por não

que é chamado nesta pesquis

1. Existência de uma Necessidade:

quê?

2. Recursos Materiais Disponíveis:

3. Definição de uma ideia:

Composição de um novo artefato a partir do aproveitamento de

Através de combinações de outros artefatos se obtém um novo.

Figura 22 - Suporte para flores artificiais.

Fonte: Foto da Autora

Está claro que o DND encontrado nas ruas nasce maiormente

uma necessidade. Vários autores o confirmam e se observarmos cada um dos casos

o denominador comum a todos é que prima a funcionalidade.

(2006), no projeto A questão da Gambiarra, aponta que são necessários

três elementos fundamentais para que seja feita uma gambiarra (FIG. 23). Esta

prática vista como um tipo de design realizado por não-designers cabe dentro do

que é chamado nesta pesquisa de DND. Eles são:

Existência de uma Necessidade: O que você precisa? Por quê? Para

Recursos Materiais Disponíveis: Que peças, objetos serão usados?

Definição de uma ideia: Como? De que maneira vou proceder?

53

Composição de um novo artefato a partir do aproveitamento de

Através de combinações de outros artefatos se obtém um novo.

Suporte para flores artificiais.

maiormente para atender

uma necessidade. Vários autores o confirmam e se observarmos cada um dos casos

o denominador comum a todos é que prima a funcionalidade.

, aponta que são necessários

três elementos fundamentais para que seja feita uma gambiarra (FIG. 23). Esta

designers cabe dentro do

O que você precisa? Por quê? Para

Que peças, objetos serão usados?

Como? De que maneira vou proceder?

Page 54: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

54

Figura 23 – Fórmula da Gambiarra

Fonte: BOUFLEUR, 2006, p. 49

Segundo Pereira (2004) as peças resultantes do design feito por não-

designers são “desenvolvidas para satisfazer a uma demanda e em que, a cada

situação, se emprega uma instrumentação própria conforme os meios disponíveis

para que se tenha como resultado final um produto capaz de atender a

determinadas necessidades”. (PEREIRA, 2004, p. 26)

Ambos autores, Boufler (2006) e Pereira (2004), concordam que o processo

começa partindo de uma necessidade e de se ter materiais disponíveis para levar a

cabo a prática. Entenda-se que a disponibilidade de materiais se refere tanto à

possibilidade de adquiri-los, seja comprando-os ou procurando-os no lixo, ou à

possibilidade de tê-los à mão e reusá-los.

Do mesmo modo, Valese (2009) afirma que de modo geral o design

vernacular urbano (como ela denomina) nasce a partir da criatividade, da

observação e da prática. A criatividade se apresenta tanto na escolha e nos arranjos

dos materiais, como nos modos de produção cada vez mais híbridos, é indiscutível

que estes artefatos são “manifestações inequívocas de sabedoria criativa” (Borges,

2013). E da observação e a prática, quando se imitam ou reproduzem os processos,

sem chegar a replicar o objeto. Para Martín Juez (2002):

Page 55: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

55

O designer não profissional é capaz de reproduzir, com a técnica de que dispõe, soluções conhecidas e úteis para a maioria das pessoas. Ainda que sua visão se limite aos componentes óbvios do problema, e sua solução à tecnologia que tem mais à mão, é capaz de confrontar a demanda diária de soluções mediatas com certa eficiência (MARTIN JUEZ, p. 31, 2002, tradução nossa)14

Gabriela Gusmão Pereira (2004) no livro “A rua dos inventos” cita as palavras

de um vendedor ambulante de amendoim: “Eu não sabia fazer essa lata, não. Eu vi

uma pessoa fazer. Aliás, não vi fazer. Vi pronta e aprendi. Olhei a dele e falei: Vou

fazer igual” (PEREIRA, 2004).

2.3.3 Por que se faz

2.3.3.1 O DND dos vendedores ambulantes.

A grande maioria dos artefatos resultantes do DND gira em torno do

comércio informal como meio de sobrevivência. De acordo com Pereira (2004), as

criações expostas no seu livro a Rua dos Inventos “resultam da necessidade do

homem da rua. A luta árdua no dia-a-dia da própria sobrevivência na cidade conduz

a um modo peculiar de produção de artefatos” (PEREIRA, 2004, p. 31). Esse modo,

como já dissemos anteriormente, está associado aos baixos custos, ao reuso de

elementos ou partes que geralmente foram de outro objeto, a materiais relacionados

com processos de produção artesanais ou semi-industriais, etc.

No caso do DND, quais são as circunstâncias que obrigam seus atores a

agir dessa maneira? Quais são os estados de tensão, as deficiências, as carências

que ditam esse comportamento?

A grande maioria dos artefatos do DND tem relação com os camelôs15 ou

com o setor informal. Segundo Valese (2009), “A crescente proliferação do design

vernacular urbano na cidade de São Paulo está associada aos processos

migratórios, às taxas de desemprego e ou aumento de pessoas que ingressam no

setor informal” (VALESE, 2009, p. 22). Comecemos por explicar por que existe este

tipo de comércio em países como Brasil. A respeito dele Tomazini ressalta que:

14 El diseñador no profesional es capaz de reproducir, con la técnica y materiales de que dispone, soluciones conocidas y útiles para la mayoría de la gente. Aunque su visión se limite a los componentes obvios del problema, y su solución a la tecnología que tiene más a mano, es capaz de encarar la demanda diaria de soluciones mediatas con cierta eficiencia. 15

Camelô: Vendedor ambulante

Page 56: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

56

É o mecanismo através do qual procuram sobreviver os migrantes que não encontram emprego na área organizada do mercado de trabalho. É o excedente estrutural de mão-de-obra que cria o setor informal urbano, segundo sua própria lógica: gerar circuitos de sobrevivência, através de um amplo segmento de atividades econômicas, onde seus integrantes se auto-empregam na produção de bens e serviços em pequena escala e com baixos níveis de produtividade, com os quais obtêm uma pequena renda, a renda informal. (TOMAZINI 1995, apud JESUS, p. 114, 2011)

De acordo com Jesus (2011), na realidade brasileira a informalidade tende a

permanecer devido às chances do mercado formal serem historicamente restritas ou

porque os trabalhadores encontram na informalidade melhores condições de renda e

trabalho que no setor formal. Igualmente Veleda da Silva (2003) observa que no

Brasil muitos trabalhadores do setor informal, principalmente aqueles que são donos

de postos no comércio, tem uma renda superior ao salário mínimo, e assinala que

no momento da sua pesquisa a cifra dos trabalhadores informais era de 43 milhões

em todo o país. (Valeda Da Silva, 2003). Segundo Rosenbluth (1994 apud VALEDA

DA SILVA, 2003), as causas que explicam a magnitude da informalidade em países

como o Brasil são três: 1) A incapacidade do setor formal de empregar totalmente a

oferta de mão de obra; 2) A instabilidade ocupacional de algumas atividades; 3) A

existência de espaços econômicos não cobertos pela modernização que propiciam

as atividades por conta própria.

Por conseguinte, se poderia dizer que os artefatos utilizados como meio de

exibição, transporte, descanso, elaboração de alimentos, oferta de serviços, etc.,

resultantes do DND nascem porque a maioria pertence a um sistema fundamental

de objetos que permitem levar a cabo atividades dentro do trabalho informal que se

usa como meio de sobrevivência. Por sua vez essa informalidade se faz possível,

segundo vários autores, devido às poucas oportunidades de trabalho e baixos

salários no setor formal, à desproporção entre oferta e demanda de mão de obra, a

certos espaços na economia local que propiciam este tipo de atividade e à falta de

estabilidade que oferecem algumas ocupações.

2.3.3.2 O DND a partir das múltiplas funções de um objeto.

Por outro lado e do ponto de vista da percepção do objeto, Kasper (2007) no

artigo O uso como invenção, fala das diferentes possibilidades de uso que tem um

caixote além da função para que foi feito que é transportar frutas, verduras e

legumes. Nele relaciona o conceito de affordance criado por James Gibson como

Page 57: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

57

parte da sua teoria de percepção a partir do verbo to afford que significa propiciar,

oferecer, suprir, com as possíveis ações e usos que esses caixotes propiciam.

O autor assinala que segundo Gibson, “o que percebemos das coisas não

são as qualidades, como o defende a psicologia clássica, mas as possibilidades de

ação que elas oferecem, isto é, suas affordances” (KASPER, pág. 5, 2007). No caso

dos caixotes, certas affordances não têm relação com a função para a qual ele foi

fabricado, pelo contrário, são modos de usar radicalmente imprevisíveis.

Segundo Broch (2010) “uma affordance é produto da relação entre as

estruturas físicas do ambiente e o intelecto dos seres vivos” (BROCH, pág. 26, 2010)

e a ação que decorre dessa relação está comprometida com a escala e as

capacidades físicas do agente, a sua capacidade de percepção e abstração, mas

isso não quer dizer que uma affordance depende do agente, elas existem mesmo

que o agente não as utilize, o autor coloca um exemplo, a função principal de uma

faca é cortar alimentos, mas pode servir como arma, mesmo que a pessoa seja

pacífica.

Ao relacionar o conceito de affordance com o DND, pode-se dizer que os

criadores deste tipo de artefatos nas ruas aproveitam as affordances de um objeto

para construir novas formas e, portanto, novos usos. Os objetos do DND que

nascem do “pós-uso” são possíveis porque como seres humanos além de ter a

capacidade de exercer uma influência em nosso entorno através de nossa atuação

(LOBACH, 1978), temos a capacidade de perceber e relacionar as formas dos

objetos, não só com a função principal para a qual foram projetadas, mas também

com outras possibilidades.

Figura 24 - Prateleira de flores feita com caixotes

Feira das Flores

Fonte: Foto da Autora

Page 58: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

58

CAPÍTULO 3. DND EM BELO HORIZONTE

Este capítulo apresenta o perfil dos artefatos resultantes do Design por não-

designers (DND) encontrados em Belo Horizonte. Belo Horizonte é a capital do

estado de Minas Gerais, localizada no sudeste do Brasil, com uma população de

2.479.165, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Através

da descrição das suas caraterísticas principais, estipuladas a partir da análise do

discurso de outros autores, e das fotografias tiradas em seus lugares de uso,

criamos uma categorização levando em conta cinco aspectos que consideramos

principais, e exemplificamos com casos encontrados na cidade. Desta maneira,

pretendemos contribuir com a documentação dos artefatos do DND na cidade, que

retratam os modos de viver e ver o mundo das pessoas que continuamente têm

contato com rua, e com as quais o design pode aprender lições.

3.1 Perfil dos artefatos encontrados.

Com a finalidade de estabelecer de maneira detalhada as principais

caraterísticas do DND em Belo Horizonte, na continuação se construirá o perfil dos

artefatos encontrados na ruas da cidade a partir das caraterísticas gerais que

mencionaram outros autores e que foram descritas no capítulo 2.

Dividimos o perfil em 5 pontos principais: Materiais, autor, possibilidade de

deslocamento, formas de produção e uso. Referindo-nos aos materiais, de acordo

com outros autores, muitos dos artefatos encontrados nas ruas feitos por pessoas

que não tem conhecimentos formais em design, são uma suma de elementos

usados. Nas ruas de Belo Horizonte encontramos artefatos que cumprem este

enunciado, como é, entre outros, o caso deste banco feito a partir de um tubo de

PVC e papelão (FIG. 25-A). Mas, também encontramos artefatos feitos com

materiais novos, como por exemplo, o material usado nos carrinhos para vender

churros, que pode ser chapa branca galvanizada pré-pintada ou aço inox (FIG. 25-

B).

Page 59: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

59

Figura 25 – Artefatos feitos com materiais novos e usados

A. Banco feito com um tubo de PVC e papelão na rua Espírito Santo

B. Carrinho para vender Churros na Av. Brasil Fonte: Fotos da Autora

Os artefatos do DND podem ser feitos por um produtor ou pelo próprio

usuário. Em Belo Horizonte, encontramos os dois casos. Latas para vender

amendoim nas ruas feitas pelo próprio vendedor ou por uma terceira pessoa. O

primeiro caso é do Senhor Daniel (FIG.26-A), que faz suas próprias latas há muitos

anos, e o segundo é da Senhora Eva que recebe as latas feitas por um sobrinho,

mas é ela quem torra o produto, faz os cartuchos e o embala. (FIG. 26-B)

Figura 26 – Artefatos feitos pelo próprio usuário e por uma terceira pessoa

Fonte: Fotos do Autora

A B

A B

Page 60: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

60

A respeito do deslocamento dos artefatos do DND, como apontamos no

capítulo 2, segundo Valese (2007), existem artefatos fixos e móveis. Encontramos

em Belo Horizonte, como exemplo dos artefatos fixos, esta poltrona que usam os

engraxates localizados na Praça Sete de Setembro (FIG.27-A), ponto fixo há muitos

anos e que facilita a fidelidade dos seus clientes.

Por outro lado, como artefatos móveis, podemos citar como exemplo o

vendedor de algodão doce (FIG. 27-B) que utiliza uma piteira feita a partir de um

tronco de pita (Furcraea foetida), (LAMAS; MARQUEZ; CANÇADO; 2011) onde

coloca o produto para ser vendido pelas ruas.

Figura 27 – Artefatos móveis e fixos

A. Cadeira de engraxate na Praça Sete de Setembro

B. Vendedor de Algodão Doce na Av. Cristóvão Colombo Fonte: Fotos da Autora

Também existem vários artefatos que oferecem as duas possibilidades: podem

se deslocar ou podem ficar fixos num lugar. É o caso deste carrinho (FIG. 28) feito

com ferro, solda e metalão, que permite o deslocamento para encontrar mais

clientes, mas que o vendedor, o senhor Tarcísio, por sua deficiência visual,

permanece certas jornadas em um lugar só. Dentro de nossa pesquisa descobrimos

que este vendedor ambulante, tem vários pontos fixos na cidade: Rua da Bahia, Av.

Afonso Pena, Av. Amazonas, Rua São Paulo, Rua Carijós e Rua Tupinambás.

A B

Page 61: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

Figura 28 –

A respeito da forma de produção

existem duas formas: a produção artesanal e a produção semi

de Belo Horizonte encontramos artefatos feitos principalmente com as mãos, como

por exemplo, o banquinho feito por um consertador de guarda

partir de elementos próximos como um caixote para transportar bananas e o tecido

impermeável que leva o guarda

extremos para se ajustar ao tamanho do caixote. Os processos e os materiais

empregados são totalmente artesanais. Também

com materiais e processos semi

comum na fábrica, como exemplo, este fogão portátil feito a partir de perfis de ferro e

solda. (FIG. 30)

Figura 29

– Artefato que oferece as duas possibilidades

Rua Goitacazes e Rua da Bahia Fonte: Fotos da Autora

forma de produção dos artefatos do DND, podemos dizer que

existem duas formas: a produção artesanal e a produção semi-

de Belo Horizonte encontramos artefatos feitos principalmente com as mãos, como

por exemplo, o banquinho feito por um consertador de guarda-

partir de elementos próximos como um caixote para transportar bananas e o tecido

impermeável que leva o guarda-chuva na parte superior amarrado com fios nos

extremos para se ajustar ao tamanho do caixote. Os processos e os materiais

mente artesanais. Também encontramos artefatos produzidos

com materiais e processos semi-industriais que exigem ferramentas que são de uso

comum na fábrica, como exemplo, este fogão portátil feito a partir de perfis de ferro e

Figura 29 – Artefato de produção artesanal

Fonte: Fotos da Autora

61

oferece as duas possibilidades

podemos dizer que

-industrial. Nas ruas

de Belo Horizonte encontramos artefatos feitos principalmente com as mãos, como

-chuvas (FIG. 29) a

partir de elementos próximos como um caixote para transportar bananas e o tecido

chuva na parte superior amarrado com fios nos

extremos para se ajustar ao tamanho do caixote. Os processos e os materiais

encontramos artefatos produzidos

industriais que exigem ferramentas que são de uso

comum na fábrica, como exemplo, este fogão portátil feito a partir de perfis de ferro e

Artefato de produção artesanal

Page 62: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

62

Figura 30 – Artefato de produção semi-industrial

Feira Hippie – Av. Afonso Pena

Fonte: Foto da autora

Por último, com relação ao uso, aspecto que não foi mencionado antes, podemos

dizer que encontramos artefatos que são de uso público, privado, individual e

coletivo. De uso público, ou seja, que está disponível para todas as pessoas, sem

distinção, podemos colocar como exemplo este cinzeiro feito a partir de um

recipiente de plástico e cimento encontrado em uma praça da cidade. (FIG. 31)

Figura 31 – Artefato de uso público

Praça da Savassi

Fonte: Foto da autora

Page 63: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

63

De uso privado, é possível citar muitos exemplos. A maioria dos artefatos

encontrados não estão disponíveis para serem usados livremente por outras

pessoas. É o caso dos artefatos feitos por moradores de rua ou por vendedores

ambulantes.

Com relação aos artefatos que são usados por muitas pessoas, ou que tem um uso

coletivo, encontramos objetos como lixeiras, caixas de papelão que viraram tapetes

em época de chuva, cinzeiros, carros de venda de cachorro quente, mesas para

jogar damas, etc. (FIG. 32-A). Porém, a maioria é de uso individual, como os

carrinhos dos catadores, dos vendedores de sorvetes, bebidas, plantas, brincos,

etc., banquinhos, baldes, rampas, etc. (FIG. 32-B)

Figura 32 – Artefatos de uso coletivo e individual

A. Tapete feito a partir de uma caixa de papelão na Av. Augusto de Lima B. Banquinho na Rua Piauí

Fonte: Fotos da autora

Como conclusão, podemos dizer que o perfil dos artefatos encontrados em

outras cidades do Brasil e do mundo, é muito parecido com o perfil dos artefatos

encontrados em Belo Horizonte. Os artefatos resultantes do DND são feitos a partir

de materiais novos e usados, alguns são feitos pelo próprio usuário, e outros são

feitos por um terceiro, seja com intenção de lucro ou não. Encontramos alguns com

possibilidade de deslocamento, ou seja, móveis, e outros que não proporcionam

essa possibilidade, ou seja, fixos. E em relação ao uso, encontramos artefatos para

serem usados individualmente, coletivamente, de forma privada e de forma pública.

A B

Page 64: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

64

3.2 Classificação

O objeto de estudo desta pesquisa são os objetos resultantes do DND que

são feitos para serem usados na rua. Estes tipos de artefatos foram mapeados

principalmente na área central de Belo Horizonte, dividida por nós em 3 zonas: (1)

Zona do Mercado Central, (2) Zona hospitalar e (3) Zona da Savassi (FIG.33). Nossa

escolha do centro de Belo Horizonte deve-se a esta área caracterizar-se por ter uma

grande atividade comercial durante o dia e à noite, somado à variedade de feiras

que acontecem durante a semana e ao grande fluxo de pessoas que percorrem suas

ruas.

Figura 33 – Zonas de mapeamento

Fonte: Mapa tomado do Google Maps com modificações da autora

Após o mapeamento dos casos e do seu registro, fez-se uma seleção das

melhores fotografias e os casos mais significativos, permitindo a sua classificação de

acordo com o uso dado a esses artefatos. Esta classificação, feita através do

método Card Sorting, dará uma base para o capítulo seguinte que expõe como o

design pode aproveitar esta informação, em termos gerais, em seus processos e

produtos. (FIG. 34)

Page 65: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

65

Figura 34 – Processo da Categorização dos artefatos do DND

Fonte: Criado pela autora

É importante assinalar que o Card Sorting é um método amplamente usado

por designers, entre eles a empresa consultora IDEO. Segundo Rocha (2008) “O

funcionamento básico deste método consiste em levantar as informações essenciais

[...] distribuir essas informações em cartões e propor para os usuários que

organizem esses dados conforme seu entendimento” (Finízola, 2008 apud Rocha,

2008).

Especificamente, neste projeto, utilizou-se o método a partir da impressão das

fotografias dos artefatos encontrados e a organização de grupos com base nas suas

características semelhantes em relação às suas formas de uso. (FIG. 35).

Page 66: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

66

Figura 35 – Classificação das fotografias

Fonte: Foto da Autora

Estas foram as categorias resultantes:

Figura 36 – Classificação dos objetos resultantes

do DND segundo as formas de uso

Fonte: Criado pela autora

Page 67: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

Falaremos em seguida sobre cada uma delas:

3.2.1 Fornecimento de produtos e serviços.

A maioria dos artefatos desta categoria pertence ao setor do comércio

informal. Eles nascem para apoiar a atividade que proporciona os meios para que

seu usuário tenha uma renda diária. Valese (2007) aponta, falando dos carrinhos

utilizados para vender caf

acordo com cada situação, se emprega materiais e recursos disponíveis para se ter

como resultado final um produto capaz de atender as necessidades de trabalho e

subsistência”. (VALESE, p

Rua dos Inventos: “Não se pode desprezar, em tais artefatos, seu aspecto social,

visto que são destinados a facilitar a vida dos indivíduos, representando atuações

pessoais de luta pela sobrevivência em condiçõe

(PEREIRA, 2004, p. 33).

3.2.1.1 Produtos.

Nesta categoria podem

comercializados:

-Produtos comestíveis

Como balas, chips, picolé, cachorro quente, garrafas de água,

pirulitos, chicletes, algo

-Produtos não comestíveis

Como bijuterias, plantas, flores artificiais, produtos para pequenos c

em casa, etc. (FIG. 38

Falaremos em seguida sobre cada uma delas:

3.2.1 Fornecimento de produtos e serviços.

A maioria dos artefatos desta categoria pertence ao setor do comércio

informal. Eles nascem para apoiar a atividade que proporciona os meios para que

seu usuário tenha uma renda diária. Valese (2007) aponta, falando dos carrinhos

utilizados para vender café que estes “são criados para atender uma demanda, e, de

acordo com cada situação, se emprega materiais e recursos disponíveis para se ter

como resultado final um produto capaz de atender as necessidades de trabalho e

ubsistência”. (VALESE, p. 34, 2007). Pereira (2004) do mesmo modo afirma no livro

Rua dos Inventos: “Não se pode desprezar, em tais artefatos, seu aspecto social,

visto que são destinados a facilitar a vida dos indivíduos, representando atuações

pessoais de luta pela sobrevivência em condições reais, em meio à sociedade”

.

3.2.1.1 Produtos.

Nesta categoria podem-se encontrar dois tipos de produtos a serem

Produtos comestíveis:

Como balas, chips, picolé, cachorro quente, garrafas de água,

pirulitos, chicletes, algodão doce, amendoim, etc. (FIG.37)

Produtos não comestíveis:

Como bijuterias, plantas, flores artificiais, produtos para pequenos c

em casa, etc. (FIG. 38)

67

A maioria dos artefatos desta categoria pertence ao setor do comércio

informal. Eles nascem para apoiar a atividade que proporciona os meios para que

seu usuário tenha uma renda diária. Valese (2007) aponta, falando dos carrinhos

é que estes “são criados para atender uma demanda, e, de

acordo com cada situação, se emprega materiais e recursos disponíveis para se ter

como resultado final um produto capaz de atender as necessidades de trabalho e

Pereira (2004) do mesmo modo afirma no livro

Rua dos Inventos: “Não se pode desprezar, em tais artefatos, seu aspecto social,

visto que são destinados a facilitar a vida dos indivíduos, representando atuações

s reais, em meio à sociedade”

se encontrar dois tipos de produtos a serem

Como balas, chips, picolé, cachorro quente, garrafas de água, refrigerantes,

)

Como bijuterias, plantas, flores artificiais, produtos para pequenos consertos

Page 68: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

68

Figura 37– Artefatos usados para fornecer produtos comestíveis

A. Cesta para venda de balas. B. Lata de Amendoim. C. Carrinho para venda de bebidas D. Caixa para venda de balas E. Carrinho para venda de picolés. F. Descascador de laranjas. G. Veículo para

venda de cachorro quente. Fonte: Fotos da Autora

Page 69: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

69

Figura 38 – Artefatos usados para fornecer produtos não-comestíveis

A. Suporte para venda de flores artificiais B. Caixotes para plantas C. Carrinho para venda de

produtos para pequenos consertos em casa. D- E - F. Suporte para venda de brincos. Fonte: Fotos da Autora

Page 70: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

3.2.1.2 Serviços

Encontramos nas ruas de Belo Horizonte

serviços (FIG.39). A prestação

têm exclusividade do bem adquirido. Este bem pode ser tangível ou intangível.

Incluímos nesta categoria as mesas localizadas na Praça Sete, que são alugadas

pelos clientes por horas para jogar damas, guichês de relojoeiros, carrinhos com

caixas de som que anunciam publicidade, po

carrinhos que oferecem o serviço de transporte de mercadorias. Muitas vezes

tipo de artefato contém cartazes anunciando os serviços a serem fornecidos,

números de telefones e informações gerais de contato.

Figura 39

A. Posto de um consertador de relógios. elementos diversos. D. Engraxate

Encontramos nas ruas de Belo Horizonte objetos criados para fornecer

). A prestação de serviços é uma atividade em que

têm exclusividade do bem adquirido. Este bem pode ser tangível ou intangível.

Incluímos nesta categoria as mesas localizadas na Praça Sete, que são alugadas

pelos clientes por horas para jogar damas, guichês de relojoeiros, carrinhos com

aixas de som que anunciam publicidade, postos de trabalho dos engraxates

carrinhos que oferecem o serviço de transporte de mercadorias. Muitas vezes

contém cartazes anunciando os serviços a serem fornecidos,

informações gerais de contato.

Figura 39 – Artefatos que fornecem serviços

. Posto de um consertador de relógios. B. Poltrona de um engraxate C. Carrinho para transporte de . Engraxate E. Cadeiras e mesas para jogar damas

transporte de elementos diversos.

Fonte: Fotos da Autora

70

objetos criados para fornecer

de serviços é uma atividade em que os clientes não

têm exclusividade do bem adquirido. Este bem pode ser tangível ou intangível.

Incluímos nesta categoria as mesas localizadas na Praça Sete, que são alugadas

pelos clientes por horas para jogar damas, guichês de relojoeiros, carrinhos com

stos de trabalho dos engraxates e

carrinhos que oferecem o serviço de transporte de mercadorias. Muitas vezes, esse

contém cartazes anunciando os serviços a serem fornecidos,

Artefatos que fornecem serviços

. Carrinho para transporte de Cadeiras e mesas para jogar damas - F. Carrinho para

Page 71: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

71

3.2.2. Transporte

Esta categoria compreende os artefatos que são usados dentro do processo

de levar objetos de um lugar para outro. Podemos encontrar 3 tipos de artefatos

nesta categoria: Primeiro, os meios de transporte, que são os veículos nos quais

se leva a cabo a ação, incluímos as carroças dos catadores que possibilitam o

traslado de lixo até cooperativas e/ou empresas que o compram. Estas são

geralmente feitas de aço e madeira, utilizando rodas de bicicletas ou automóveis.

(FIG. 40)

Figura 40 – Artefatos que permitem o transporte

A - B Carrinho de ferro para catar lixo feito C - D Carrinho de madeira para catar lixo. Fonte: Fotos da Autora

Page 72: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

Segundo, as infraestruturas

o tráfego de objetos, como

Figura

E terceiro são os

para locomoção, e também não são infrae

suporte. Nesta categoria incluímos os baldes utilizados na construção para facilitar o

deslocamentos de materiais ou lixo (FIG.42

nas Kombis para permitir o transporte de objetos maiores e ampliar

de novos serviços. (FIG. 42

Figura 42

A. Balde usado para transportar materiais.

infraestruturas, que são as plataformas dispostas para suportar

o tráfego de objetos, como por exemplo, escadas ou rampas. (FIG. 41

Figura 41 – Rampa usada na construção

Rua Gonçalves Dias Fonte: Foto da Autora

E terceiro são os acessórios, que não são veículos, pois não

, e também não são infraestruturas, pois não são usado

suporte. Nesta categoria incluímos os baldes utilizados na construção para facilitar o

tos de materiais ou lixo (FIG.42-A), e as plataformas que são colocadas

nas Kombis para permitir o transporte de objetos maiores e ampliar

os. (FIG. 42-B)

Figura 42 – Acessórios para o transporte

Balde usado para transportar materiais. B. Plataforma instalada em uma KombiFonte: Fotos da Autora

A

72

, que são as plataformas dispostas para suportar

s. (FIG. 41)

, que não são veículos, pois não são usados

não são usados como

suporte. Nesta categoria incluímos os baldes utilizados na construção para facilitar o

A), e as plataformas que são colocadas

nas Kombis para permitir o transporte de objetos maiores e ampliar as possibilidades

Plataforma instalada em uma Kombi

B

Page 73: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

73

3.2.3. Proteção e refúgio

O DND nasce na maioria das vezes movido pela necessidade, pela falta de

recursos econômicos, pelo estado de pobreza. Nesta categoria encontramos objetos

usados como guarida e objetos para proteger-se da chuva, do frio, dos ventos, até

de outras pessoas, etc., como refúgios feitos de papelão e fogões ou lareiras feitas

de latas de amendoim ou tinta (FIG. 43). Estas manifestações geralmente são

produzidas por moradores de rua.

Maria Cecilia Loschiavo (2003), falando sobre o Design Espontâneo aponta:

A sobrevivência impõe a sua própria linguagem e um mix racial e cultural. Esse processo de imaginação rica somado à estratégia de sobrevivência está presente na criação do habitat informal do morador em situação de rua, que levanta algumas perspectivas relativas à lógica do ‘faça você mesmo’ (Do It Yourself - DIY), possibilitando também uma análise sobre o ciclo do uso-abandono-descarte e a necessidade de reciclagem e reutilização do produto industrial. (SANTOS, 2013, p.83)

Figura 43– Artefatos como proteção e guarida

A. Lareira feita com uma lata e um caixote B. Refúgio de um morador de rua

Fonte: Fotos da Autora

Page 74: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

74

3.2.4. Organização e limpeza

Esta categoria está composta por artefatos que são usados para contribuir

com a disposição de forma ordenada dos objetos que compõem a rua ou que

facilitam a retirada de lixo. Encontramos cinzeiros, lixeiras, sistemas para as plantas

ficarem retas, objetos que moderam o movimento dos carrinhos dos vendedores

ambulantes, etc. (FIG. 44)

Figura 44 – Artefatos relacionados com a organização e a limpeza

A. Suporte para árvores. B. Cinzeiro C.- D. Lixeira Baldes E. Tapete F. Freio para carrinho de pipocas.

Fonte: Fotos da Autora

Page 75: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

3.2.5. Descanso

Esta categoria compreende artefatos

de Belo Horizonte são encontradas, principalmente, cadeiras feitas de madeira, aço,

retalhos de tijolos, etc. ou a partir do reuso de caixotes ou tubos de PVC. Também

se podem encontrar assentos consertados com peças de out

provenientes do lixo. (FIG. 45

A. Caixote usado como cadeira e papelão E – F Banco feito com um caixote e tecido de sombrinha

Esta categoria compreende artefatos usados para repousar o corpo. Nas ruas

de Belo Horizonte são encontradas, principalmente, cadeiras feitas de madeira, aço,

retalhos de tijolos, etc. ou a partir do reuso de caixotes ou tubos de PVC. Também

se podem encontrar assentos consertados com peças de out

provenientes do lixo. (FIG. 45)

Figura 45 – Artefatos para descansar

. Caixote usado como cadeira B. Banco consertado C. Cadeira D. Banco feito de um tubo de PVC Banco feito com um caixote e tecido de sombrinha - G. Banco feito de cimento.

Banco feito de retalhos de madeira. Fonte: Fotos da Autora

75

para repousar o corpo. Nas ruas

de Belo Horizonte são encontradas, principalmente, cadeiras feitas de madeira, aço,

retalhos de tijolos, etc. ou a partir do reuso de caixotes ou tubos de PVC. Também

se podem encontrar assentos consertados com peças de outros assentos ou

Artefatos para descansar

. Banco feito de um tubo de PVC Banco feito de cimento. H.

Page 76: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

76

3.2.6. Publicidade

Constituem esta categoria os artefatos usados para anunciar produtos ou

serviços. Encontramos nas ruas de Belo Horizonte principalmente artefatos feitos a

partir de outros artefatos como cones de tráfego ou pedaços de madeira. (FIG. 46)

Normalmente estes objetos estão localizados nas calçadas para chamar a

atenção do pedestre, podendo ser à altura dos olhos ou mais abaixo. São fáceis de

tirar e colocar e utilizam setas para indicar a localização da loja que anunciam.

Figura 46 – Artefatos para fazer publicidade

A. Faixa mostrando o cardápio do dia de um restaurante B. Peça de um bando de revistas C. Carrinho para publicidade oral D. Tabuleiro E – F - G. Suportes para anúncios.

Fonte: Fotos da Autora

Page 77: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

É importante anotar

categoria. Há artefatos que além de fornecer um serviço, são usados em processos

de limpeza e organização. Com

rua Goiás, atrás da Prefeitura, que são

transportar água e utensílios de limpeza. Também encontramos este carrinho que

cobra por colocar anúncios p

localizado em diferentes categorias. (FIG. 47

Figura 47 – Artefatos que

A. Elementos para limpar carros

e anotar que alguns artefatos podem se localizar em mais de uma

categoria. Há artefatos que além de fornecer um serviço, são usados em processos

de limpeza e organização. Como é o caso destes baldes (FIG.47

trás da Prefeitura, que são usados por lavadores de carro para

gua e utensílios de limpeza. Também encontramos este carrinho que

cobra por colocar anúncios publicitários na rua, o que faz com

diferentes categorias. (FIG. 47-B)

tefatos que se encaixam em mais de uma categoria

Elementos para limpar carros B. Artefato para publicidade oral

Fonte: Fotos da Autora

A

77

que alguns artefatos podem se localizar em mais de uma

categoria. Há artefatos que além de fornecer um serviço, são usados em processos

o é o caso destes baldes (FIG.47-A) encontrados na

usados por lavadores de carro para

gua e utensílios de limpeza. Também encontramos este carrinho que

ublicitários na rua, o que faz com que possa ser

encaixam em mais de uma categoria

Artefato para publicidade oral

B

Page 78: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

78

CAPÍTULO 4. OPORTUNIDADES DE AÇÃO PARA O DESIGN A PARTIR DO DND

Este capítulo abordará questões sobre como o design pode e tem aproveitado

a informação extraída da análise da prática do DND, sugerindo possibilidades de

ação relacionadas com a prática do DND nas ruas de Belo Horizonte.

Priscila Farias (2011) no artigo Aprendendo com as ruas: a tipografia e o

vernacular, cita Amos Rapoport (1999), apontando que há quatro atitudes que o

design pode tomar com respeito a estes tipos de manifestações. A primeira é ignorá-

las, a segunda é admitir a sua existência, mas negar a possibilidade de que possam

dar lições úteis, a terceira é copiar suas formas e detalhes e a quarta é procurar

extrair delas princípios mais ou menos gerais que possam ser aplicados ao design

de forma ampla. (RAPOPORT 1999 apud FARIAS 2011).

Focaremos na terceira e quarta atitudes, onde o design está disposto a

aprender lições. Iván Cortés (2013), editor da revista colombiana Proyecto Diseño,

apontou no artigo “Diez reflexiones post debate”: “O design vernacular pode superar

o design profissional”. (CORTÉS, 2013) Em alguns casos as soluções que propõe o

DND são melhores do que um designer poderia propor, pois, em alguns casos os

mesmos usuários conhecem melhor seus problemas ou necessidades, os materiais

com os quais conta, os seus gostos, etc.

Assim, neste capítulo discorreremos sobre 03 oportunidades de ação para o

design a partir do DND: A primeira é sobre como o design pode aprender com a

análise do DND. A segunda, sobre como pode apropriar-se de elementos locais para

afirmar identidades. E a terceira, uma atitude que não é tocada por Rapoport

(1999), é sobre como o design pode difundir este ‘saber fazer’ para que outras

pessoas possam se beneficiar destes conhecimentos.

Page 79: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

79

4.1 Lições do DND

O design profissional, ao longo dos anos, vem aprendendo lições a partir da

prática do Design por Não-Designers (DND). Privilegiaremos 03 aspectos para

nosso estudo de caso: Formas inovadoras para resolver um problema, o pós-uso

dos objetos industriais e estratégias para a sustentabilidade.

4.1.1 Formas inovadoras para resolver um problema.

Com respeito a este tema, mostraremos três casos em que um artefato feito

por um não-designer foi tão bem sucedido que foi levado à indústria ou foi

rapidamente espalhado para outros países. O primeiro é o caso do lavador de arroz

(FIG. 48) proposto por Therezinha Zorovich em São Paulo em 1958. Com problemas

de desperdício de grãos na hora de lavar o arroz, a dentista e dona de casa criou um pote

em formato de V que diminuía a quantidade arroz que ia parar na pia. Fez o primeiro

protótipo com papel laminado, patenteou a ideia e mostrou para que várias empresas o

produzissem. Em 1961, a indústria Trol aceitou, fechou um contrato com ela por 5 anos e

Therezinha passou a receber 2,5% sobre as vendas para as lojas. (A DENTISTA, 2014)

Figura 48 - Lavador de arroz e sua criadora

Fonte: A DENTISTA..., 2014

O segundo é o caso do Hippo Water Roller (FIG. 49), um artefato que facilita o

transporte de água para comunidades na África, onde milhões de mulheres e crianças

são forçados a carregar todos os dias vasilhames pesados em distâncias que variam

entre 2 a 10 quilômetros (HIPPOROLLER, 2014). Fazendo a revisão da bibliografia,

encontramos um artigo publicado na Revista Arcos (1977), do designer Aloísio Magalhaes

Page 80: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

com uma fotografia tirada por

mostrado um artefato similar ao Hippo Water Roller. Segundo o site do projeto, o objeto

foi inventado por dois sul-

certeza da relação dos doi

conheciam ou não o invento brasileiro, podemos ver

artefato resultante do DND, tem sol

confirmando que as ideias

muito mais efetivas.

Figura 50

com uma fotografia tirada por Beto Felício em Cabo Frio em 1973. (FIG

mostrado um artefato similar ao Hippo Water Roller. Segundo o site do projeto, o objeto

-africanos: Pettie Petzer e Johan Jonker,

certeza da relação dos dois artefatos, mas independentemente, se os criadores oficiais

invento brasileiro, podemos ver que uma solução parecida

artefato resultante do DND, tem solucionado um problema que afeta

confirmando que as ideias que nascem dos mesmos usuários, em muitos casos, são

Figura 49 – Hippo Water Roller

Fonte: HIPPOROLLER, 2014

Figura 50 – Artefato de 1973 em Cabo Frio (RJ)

Fonte: MAGALHÃES, 1977, p. 8

80

Beto Felício em Cabo Frio em 1973. (FIG. 50) na qual é

mostrado um artefato similar ao Hippo Water Roller. Segundo o site do projeto, o objeto

Pettie Petzer e Johan Jonker, em 1991. Não temos

s artefatos, mas independentemente, se os criadores oficiais

que uma solução parecida com um

ucionado um problema que afeta milhões de pessoas,

que nascem dos mesmos usuários, em muitos casos, são

Artefato de 1973 em Cabo Frio (RJ)

Page 81: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

81

O terceiro caso é outro invento brasileiro, uma lâmpada feita com uma garrafa de

plástico, água e água sanitária, incrustada em uma telha, e que funciona através da

refração da luz do sol. (FIG. 51). O criador foi Alfredo Moser, um mecânico de Uberaba,

cidade de Minas Gerais, que em 2002 teve problemas de energia. Seguindo o método

de Moser, a fundação MyShelter nas Filipinas começou a treinar pessoas para elas

aprenderem a fazer as lâmpadas e instalá-las, e assim, ganhar um pouco de dinheiro.

Segundo a BBC News (2013), a ideia se espalhou em outros 15 países como a Índia,

Bangladesh e Tasmânia a Tanzânia, Argentina e Fiji. (ALFREDO, 2014)

Figura 51 – Lâmpada de Moser

Fonte: ALFREDO, 2014

Os três casos evidenciam que muitas vezes o DND pode superar o design profissional,

que é importante observar e aprender com ele conceitos que podem ser levados a outras

áreas e a outros problemas e necessidades, sem violar direitos de autor. Com referência

a isto, e falando sobre a gambiarra, Boufleur (2006) aponta que:

“Aparentemente, a prática da gambiarra possibilita a otimização de um ciclo de produção, consumo, uso e descarte frente a prática do design industrial. Isso porque ele condiciona o indivíduo a encontrar uma solução melhor direcionada à sua real necessidade, sem interferência de outros objetivos, o que resulta na economia de energia, redução da necessidade de insumos, eliminação de diversas etapas e de processos, além da melhor relação entre disponibilidade e demanda.” (BOUFLEUR, 2006, Pág.126).

Page 82: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

82

Desta maneira vemos que nem sempre o design profissional tem a última palavra, pois

muitas vezes os mesmos usuários conhecem mais seus problemas, necessidades,

oportunidades e os materiais que estão no meio, atingindo uma solução mais acertada.

4.1.2 Pós-uso de objetos industriais

Como pudemos observar ao longo do projeto, muitos artefatos resultantes do

DND, nascem a partir do pós-uso de objetos industriais, este é o segundo ponto.

Observar e aprender sobre o que fazem os consumidores com os objetos antes de

jogá-los no lixo pode criar novas possibilidades para os processos de criação do

design que ajudem a melhorar a relação objeto/usuário, e também sugerir opções

para prolongar a vida útil do produto.

Segundo os autores do livro Design by Use:

“A consideração do Non-Intentional Design durante os processos de design está ligada a incrementar consciência dos aspetos empíricos do dia-a-dia. Esta consciência esperamos que possa levar a uma (auto) reflexão de algum tipo a qual é uma pré-condição para a conceptualização e implementação de uma abordagem aberta em design. NID como um método muda a perspectiva de onde vemos e avaliamos o mundo dos objetos e deste modo representa um enriquecimento de nossa percepção”. (BRANDES; STICH; WENDER, 2009, pág. 185, tradução nossa)16

Ou seja, observando as soluções criativas do dia-a-dia, o design poderia ter uma

abordagem mais aberta na hora de projetar. Estar atento a estas manifestações

muda a maneira de percebermos o mundo material, e isso cria novas oportunidades

para o design. Como exemplo disso, podemos citar estas cadeiras feitas só para

colocar roupa, uma projetada pelo designer mexicano Alberto Villareal (FIG. 52-A) e

a outra pelos designers suíços Fries & Zumbühl (FIG.52-B) onde é evidente a

consideração de uma ação do dia-a-dia (neste caso do uso) para projetar o artefato.

Além de serem propostas inovadoras, criam laços emocionais entre o usuário e o

objeto.

16 A consideration of NID during the design process is bound to raise awareness for the empirical aspects of everyday life. This awareness will hopefully lead to a self-reflection of some kind which is a precondition for the conceptualising and implementation of an open approach in design. NID as a method changes the perspective from which we view and evaluate the world of objects and thus represents and enrichment of our perception.

Page 83: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

83

Figura 52 – Cadeiras feitas para colocar roupa

Fonte: ESSA…2014 e ERROR…, 2014

Com relação ao prolongamento da vida útil de um objeto a partir da análise do

seu pós-uso, podemos dizer que o design pode ter um papel muito importante na

hora de projetar o objeto, pois podem-se propor soluções para alongar a vida útil

deste desde as primeiras fases do projeto.

Sabendo destas oportunidades de ação para o design, surgiu o termo Design

para o repropósito (tradução de Design for repurposing). Uma estratégia de design

que diz que é possível projetar um produto com qualidades, caraterísticas e detalhes

que facilitem o repropósito. É dizer que os mesmos objetos incentivem o usuário a

lhes dar uma segunda vida. Darinka Aguirre, a autora, aponta que há três maneiras

de abordar o Design for repurporsing. A primeira é o repropósito planejado, quando

o designer pensa de antemão a segunda vida do artefato. É o caso desta

embalagem de Nutella que mostra que foi projetado para ser reutilizado, neste caso

como um copo. (FIG. 53-A). Os frascos de requeijão ou geleias são também um

exemplo disto (FIG. 53-B), e esta garrafa de uma bebida energética também. (FIG.

53-C) (AGUIRRE, 2014).

A B

Page 84: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

84

Figura 53 – Exemplos de Repropósito Planejado

Fonte: A- AGUIRRE, 2012; B- Foto da Autora; C- THIS...,2014

A segunda é o repropósito guiado, quando o designer faz sugestões aos

usuários sobre como podem ser reutilizados os objetos através de etiquetas e/ ou

desenhos (AGUIRRE, 2014). Como exemplo desta categoria citamos o Projeto

Reuse na Costa Rica, impulsado pela agência de publicidade McCann Erickson e a

Universidade Veritas. O projeto tem como objetivo promover a reutilização de

resíduos de produtos de consumo massivo sugerindo aos consumidores novas

formas de uso. As empresas que querem participar do projeto, escolhem 10

embalagens e levam uma amostra destes para os estudantes de design fazerem

experimentos sobre possíveis formas uso. Os resultados são colocados no site

www.quehagoconesto.org (que significa ‘o que faço com isto’) junto com fotografias

que explicam o processo passo a passo e nas embalagens é colada uma etiqueta

que sugere formas para seu reuso. Por exemplo, um recipiente de gel para o cabelo

tem ícones sugerindo a reutilização como um aquário, como um organizador de

guardanapos, como conjunto de halteres ou um vaso para plantas. (HATTAM, 2014)

(FIG. 54)

Figura 54 – Exemplo de repropósito guiado

Fonte: QUEHAGOCONESTO, 2014

A B C

Page 85: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

85

E a terceira é o repropósito ilimitado (FIG.55), quando o designer reconhece

que o objeto pode ter infinitas maneiras de ser reutilizado e só detalha como poderia

ser o repropósito, mas deixa a possibilidade para o usuário escolher o que fazer.

(AGUIRRE, 2014) É o caso destes cartazes onde o designer colocou marcas

mostrando como se poderiam reutilizar como tecidos para criar uma mochila.

Figura 55 – Exemplo de repropósito ilimitado

Fonte: AGUIRRE, 2014

Encontramos nas ruas de Belo Horizonte dois artefatos que por sua

simplicidade formal e sua disponibilidade permitem o reuso de múltiplas formas. Eles

são as latas de óleo ou de tinta e os caixotes (FIG. 56). Isto gera oportunidades para

os designers contribuírem com o prolongamento da vida útil do objeto desde as

primeiras fases de planejamento, no caso das latas de tinta e óleo. Estas, por

exemplo, são usadas para transportar e guardar elementos, para descansar, para

plantar, também são usadas para gerar churrasqueiras ou aquecedores na época do

inverno. Que novas propostas podem sugerir os designers envolvidos na indústria

das tintas ou dos óleos (ou de garrafas PET) que contribuam com o alargamento da

vida útil do objeto e que ao mesmo tempo possam satisfazer necessidades dos seus

usuários ou outras pessoas?

Page 86: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

86

Figura 56 - Reuso de uma lata de óleo e um caixote

Rua dos Caetés

Fonte: Foto da autora

4.1.3 Estratégias para a sustentabilidade.

Em um mundo com níveis tão altos de poluição, pobreza e desigualdade, é

impossível não pensar qual é o papel do design frente a estes problemas e quais

são as suas oportunidades de ação.

Desenvolvimento sustentável, segundo o reporte da World Commission on

Environment and Development (WCED) (1987) é aquele que “satisfaz as

necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de

satisfazer suas próprias necessidades.” (BRUNTLAND, 1987, p. 41, tradução

nossa)17 . Algumas vezes, atribui-se ao desenvolvimento sustentável só a parte

ambiental, mas é importante apontar que há que se levar em conta outros aspectos.

Sachs (2002) diz que o conceito de sustentabilidade tem outras dimensões:

Sustentabilidade social, cultural, econômica, política, e ambiental.

Do ponto de vista ambiental, o DND pode nos ensinar sobre o consumo

reduzido de energia e sobre o alargamento da vida útil dos artefatos, como abordado

anteriormente. Os artefatos do DND têm um consumo reduzido de energia por dois

fatores. Primeiro porque como dissemos anteriormente, seus modos de produção

17 Sustainable development is development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs

Page 87: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

87

são artesanais e semi-industriais, ou seja, são sobretudo as mãos e não máquinas

as que intervêm nos processos.

E, segundo, porque não se desvincula o objeto do lugar de produção, o que

faz com que não se necessite transporte, porque em alguns casos não há

distribuição.

Com relação ao prolongamento da vida útil, os artefatos resultantes do DND

contribuem com a redução do lixo, pois, muitas vezes são feitos a partir do reuso, e

com a fácil substituição das suas peças, porque alguns são uma somatória de

elementos.

Em relação à redução do lixo, Danielle Perra (2010) diz que o reuso criativo

de artefatos na nossa vida diária faz uma excelente contribuição e que cada objeto

reusado é uma espécie de manifesto por uma nova ecologia urbana, gerada pelo

uso extensivo de recursos existentes. (PERRA, 2010). E ainda, a respeito da

substituição de componentes e sua relação com a sustentabilidade, Kindlein e

Alves (2009) dizem que “É de primordial importância que exista a possibilidade de

compra e substituição dos componentes [...] Assim, pretende-se aumentar seu ciclo

de vida útil, reduzindo o descarte final e consequentemente, refletindo na redução do

impacto ambiental” (KINDLEIN; ALVES, 2009, pág. 90). A possibilidade de

substituição de componentes como no caso deste artefato feito de peças de PVC e

cordas, facilita a sua manutenção e alonga sua vida útil (FIG.57). Quando umas das

peças não funciona mais, é só substituí-la por outra, sem necessidade de jogar o

objeto inteiro fora.

Figura 57 – Artefato para transportar e exibir flores artificiais.

Fonte: Foto da Autora

Page 88: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

88

Do ponto de vista social, podemos dizer que o DND nos ensina sobre a

valorização do saber fazer local de comunidades que têm constante contato com a

rua. Nos mostra outra cara das comunidades de baixa renda, rompendo um pouco

com o estereótipo da pobreza. E sob o aspecto cultural, o DND é um claro exemplo

dos modos de materializar soluções, resolver problemas ou coisificar ideias dos

brasileiros. É uma prática autêntica do país, ligada à sua cultura e valorizando-a,

valoriza-se também a diversidade cultural. Por último, do ponto de vista econômico,

podemos dizer que através dos artefatos do DND para muitas pessoas se gera uma

renda diária com uma inversão baixa em materiais e processos.

A partir desta análise do DND das ruas de Belo Horizonte focada na

sustentabilidade, o design poderia aprender lições e encontrar novas áreas de ação

relacionadas com o baixo consumo de energia e transporte, redução de geração de

lixo e o prolongamento da vida útil do objeto. Também sobre a possibilidade de

valorizar o saber fazer local, de mostrar outra faceta das comunidades de baixa

renda, de apreciar a diversidade cultural e de contribuir à geração de rendas diárias

com baixas inversões em materiais e processos.

4.2 Reafirmação de identidades por meio do design e da expressão de

elementos encontrados no DND.

A terceira atitude estabelecida por Rapoport (1999) que o design pode tomar,

com respeito às manifestações vernaculares, é copiar suas formas e detalhes. Esta

é utilizada no design para criar novos produtos partindo de elementos locais. Vários

designers contemporâneos refletem no seu trabalho a estética da cultura local, pois,

segundo De Moraes (2010), atualmente, o desafio para eles está na área dos

atributos intangíveis dos bens de produção industrial, o âmbito tecnicista e linear é

um aspecto que, praticamente, está atingido. Ele escreve:

Nesse sentido, torna-se imperativa a capacidade que produtores, designers e mesmo o país tem de interpretar o estilo de vida local (local culture e local life style) para que ele seja inserido como componente diferencial dos produtos que competem hoje em nível global. (DE MORAES, 2010, p.14)

Page 89: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

89

Fazendo referência ao design de superfície aplicado à estamparia, Fernanda

Camargo (2007) enfatiza que muitos designers e estilistas trabalham na criação de

produtos que expressam conceitos que dialogam com a identidade dos

consumidores. Alguns deles como Ronaldo Fraga, Lino Villaventura e Alexandre

Herchcovitch desenvolvem coleções temáticas ligadas a questões culturais

podendo ser considerados como “estilistas que se destacam pela busca de

identidade em contextos legítimos da sua cultura, na contramão das tendências hoje

globalizadas” (CAMARGO, 2007, p.113)

A seguir, apresentaremos casos desde o design gráfico e de produto, onde os

designers reafirmam identidades no contexto contemporâneo através da apropriação

da estética popular, implementando-as em seus produtos de design com o objetivo

de criar uma relação entre eles e o entorno ou resgatar formas marginalizadas que

comunicam certa autenticidade.

Desde o design gráfico, Priscila Farias (2011) observa que famílias

tipográficas inspiradas por artefatos vernaculares e/ou artesanais vêm sendo

produzidas na América Latina, pelo menos no final da década de 1990. No

levantamento que ela realizou com Fátima Finízola e Solange Coutinho em 2010,

foram identificadas 71 famílias tipográficas deste tipo criadas entre 1997 e 2009, das

quais, 42 foram produzidas no Brasil, 18 no Chile, 6 no México, 3 na Argentina e 2

na Colômbia. (FARIAS, 2011)

Fátima Finízola (2010) ressalta que a era digital e as novas tecnologias, por

exemplo, no campo do design gráfico, estimularam o desenvolvimento de projetos

baseados em algo que ela chama de transposições estéticas, ou seja, do passado

para o presente, do meio analógico para o virtual e escreve:

“Linguagens visuais de movimentos das artes gráficas que marcaram época no passado ou linguagens espontâneas encontradas nas ruas são mescladas às linguagens gráficas do presente, sendo utilizadas e reutilizadas, reconstruídas pelos atuais processos criativos digitais [...] O rico universo popular brasileiro passa por um processo de deslocamento e tradução para os meios digitais em que observamos uma tendência ao desenvolvimento de projetos tipográficos como inspiração na linguagem gráfica vernacular.” (FINIZOLA, 2010, p.7)

Page 90: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

90

Farias (2011) identifica cinco estratégias de incorporação de elementos

vernaculares no design de tipos: fontes baseadas em artefatos produzidos por

especialistas, em artefatos produzidos por não especialistas, em artefatos

idiossincráticos, em artefatos rústicos e fontes baseadas em artefatos urbanos.

Os modelos que inspiram as fontes baseadas em artefatos produzidos por

especialistas, segundo a autora, são gerados por pintores, letristas ou gravadores

profissionais, respeitam regras ortográficas e são feitos geralmente sob encomenda

(FIG. 58).

Figura 58 – Fonte Rumbo, Aldofo Alvarez

Fonte: VERNACULAR..., 2014

As fontes baseadas em artefatos produzidos por não especialistas se caracterizam

por inspirarem-se em artefatos que apresentam erros na construção e serem pouco

sofisticadas. (FIG. 59)

Figura 59 – Fonte Brasileiro, Crystian Cruz (2000)

Fonte: VERNACULAR..., 2014

Page 91: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

91

As famílias tipográficas baseadas em artefatos vernaculares idiossincráticos se

inspiram em elementos produzidos por raros autores. Os designers que as projetam

geralmente lhe dão o nome do autor original. A família tipográfica Seu Juca de

Priscila Farias (FIG. 60) é uma homenagem a Joao Juvêncio Filho, pintor de placas

que morava em Recife.

Figura 60 – Fonte Seu Juca, Priscila Farias (2001)

Fonte: VERNACULAR..., 2014

A tradição popular, o folclore ou fenômenos culturais típicos de regiões não urbanas

são a inspiração das famílias tipográficas baseadas em artefatos vernaculares

rústicos. A fonte “Armoribat 2” foi desenvolvida com base no movimento Armorial

promovido pelo escritor Ariano Suassuna lançado em outubro de 1970, que

procurava revitalizar as tradições populares do nordeste brasileiro marginalizadas

pela Era Industrial. (FIG. 61)

Figura 61 - Fonte Armoribat 2, Buggy e Matheus Barbosa, 2010

Fonte: FINÍZOLA, 2010, p. 2

Page 92: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

92

E por último, as famílias tipográficas baseadas em artefatos vernaculares urbanos

são inspiradas em contextos mais citadinos modernos. (FIG. 62)

Figura 62 – Sra. Stencil, Sergio Ramirez (2010)

Fonte: VERNACULAR…, 2014

Podemos concluir desta parte que ao utilizar estratégias de incorporação de

elementos locais e/ou vernaculares ao design, estão se criando laços entre o

usuário, o contexto, e as formas de comunicação gráfica que as utilizam, atingindo

uma coerência com círculo cultural onde estão inseridas e fazendo um design mais

humano, mais aberto à diversidade, menos globalizado.

Por outro lado, desde o ponto de vista do design de produto, encontramos o

trabalho dos irmãos Campana. Eles, ao longo da sua carreira, têm utilizado não só

elementos da cultura material brasileira, como objetos encontrados nas ruas e o

artesanato para basear suas criações, mas também elementos imateriais como os

modos que as pessoas das favelas, ou das ruas, utilizam para construir novos

artefatos. Ou seja, a partir do que “tem à mão, trazendo da matéria prima mais

banal, esquecida, uma nova função, sem precisar esconder a origem.”. (CAMPANA,

H; CAMPANA F, 2009)

Ao longo de nosso trabalho podemos ver que essa é a maneira de criar a

maioria dos artefatos do DND. O que os irmãos Campana aprendem lições sobre os

modos de fazer das pessoas comuns. Cathy Lang Ho (2010) diz a respeito num

artigo que faz parte do livro Campana Brothers Complete Works (so far):

Page 93: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

93

“Eles se maravilham com como [...] uma lata de azeite de oliva tamanho jumbo pode ser convertida em um torrador de amendoim de um vendedor da rua. “Você aprende que as soluções inteligentes, poéticas podem ser desenvolvidas sem tecnologia, dinheiro ou habilidades” continua Fernando. Os brasileiros ainda tem uma palavra para descrever esta maneira particular de resolver problemas: Gambiarra. O termo [...] é agora popularmente usado para definir uma solução improvisada ou temporal a um problema. De acordo com Humberto “A gambiarra [...] é ‘design’ espontâneo produzido com muita agilidade mental e adaptado a mudanças rápidas [...].”.”( LANG HO, 2010, p. 28 Tradução nossa) 18

Desta maneira, vemos como a gambiarra é um dos elementos de inspiração

do trabalho dos Campana, uma prática que está em todos os rincões da vida diária

do Brasil. Assim, o design se conecta com a realidade do país, com a cultura, os

modos de fazer, e os objetos mais comuns.

Igualmente, o trabalho destes designers rompeu com a linha modernista que

veio da Europa com as escolas de design, e propôs uma nova maneira de projetar,

colocando um selo mais local, mais autêntico. Eles dizem que:

“É muito importante estabelecer vínculos com a cultura brasileira; não é pensar só nos mecanismos produtivos e na industrialização, como pregam aqueles que se restringem aos ditados do Modernismo e da Bauhaus, e sim pensar o projeto de uma forma local, absorver e transformar a cultura que nos é própria. Muitos criadores brasileiros pararam no Modernismo, não evoluíram a partir daí, e essa é uma postura acomodada.” (CAMPANA, H; CAMPANA F, 2009, p. 98)

Entre suas criações inspiradas em elementos locais vamos citar quatro: A

cadeira Janette, o bracelete da Coleção Mosaico, a Mesa Tattoo e a Coleção Papel.

A Cadeira Janette foi inspirada nas tradicionais vassouras brasileiras de palha

(PERRONE, 2012). Podemos ver que há uma analogia formal com essas vassouras,

uma releitura de algo que é comum para todos nós, uma transposição de elementos

formais que rapidamente lembram o objeto original. (FIG. 63)

18 They marvel at […] a jumbo size olive-oil can converted into a Street vendor’s peanut roaster. “You learn that smart, poetic solutions cam be developed without technology, money or skils,” continues Fernando. Brazilians even have a word to describe this homespun form of problem-solving: Gambiarra. The term […] is now popularly used to define an improvised or temporal solution to a problem. According to Humberto, “Gambiarra […] is spontaneous ‘design,’ produced with a lot of mental agility and adapted to fast changes […]”

Page 94: O design por não-designers (dnd): as ruas de Belo Horizonte como

94

Figura 63 – Cadeira Janette

Fonte: PERRONE, 2012, pág. 79

O bracelete da Coleção Mosaico (FIG. 64) e Mesa Tattoo (FIG. 65) foram

inspirados nas tampas plásticas de drenagem que podem ser encontradas nas ruas

de todo o país. (HAMEL, 2010)

Figura 64 – Inspiração do Bracelete da Coleção Mosaico.

Fonte: HAMEL, 2010, p.24

Figura 65 – Mesa Tattoo

Fonte: CAMPANA, 2010, p. 135

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E por último, a coleção papel (1993) (FIG.66), conformada por lâmpadas,

sofás, cadeiras, mesas, bimbos, inspirada nas torres de papel formadas pelos

catadores de lixo nos seus carrinhos e também nos refúgios que os irmãos viam

perto do seu estúdio em São Paulo. (ALFRED, 2010)

Figura 66 – Coleção Papel (1993)

Fonte: ALFRED, 2010, p.88-90

Nesse sentido, com o trabalho dos irmãos Campana vemos como o design

pode utilizar elementos do dia-a-dia para reafirmar identidades, experimentar novas

formas e maneiras de fazer, criar um vínculo com as ruas, ir além das propostas do

modernismo, fazer uso da sabedoria comum, explorar materiais diferentes, criar

estéticas ligadas ao reuso e mostrar estas novas formas a outros países do mundo.

É importante assinalar que o trabalho dos Campana, diferente das tipografias

inspiradas no vernacular, está dirigido a um público que tem alto poder de consumo.

Lastimosamente, a maioria do seu trabalho dialoga com esses 10% mais ricos dos

consumidores, e não com o público de onde eles tomam a inspiração.

Concluímos que o design pode reafirmar identidades locais através do seus

projetos. Assim, segundo Valese (2007), possibilita-se a descoberta de novos

territórios e espaços simbólicos. E também, se criam, segundo Dones (2004), novas

relações dos designers com seu entorno, mostrando-se sensíveis aos idiomas,

ritmos e artefatos associados ao urbano e ao vernacular; questiona-se a

simplificação do modernismo; relacionam-se os objetos e as pessoas num sentido

amplo e recuperam-se linguagens marginalizadas ou esquecidas do passado.

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4.3 Difusão do DND

Outra oportunidade de ação para o design a partir da prática do DND é a de

difundir estas formas de fazer com o objetivo de unir pessoas que possuem

conhecimentos com pessoas que não possuem. Várias iniciativas relacionadas com

a criação de artefatos têm se formulado com esta finalidade: Livros, websites,

aplicativos para smartphones, blogs, programas de televisão, etc.

Citamos uma iniciativa que tem como foco a difusão de projetos de do-it-

yourself (DIY), ou “faça você mesmo”, prática que incentiva a criação de artefatos

em casa, em vez da compra de produtos prontos e que não exige “a participação de

nenhum profissional ou especialista de qualquer área em tais situações”.

(BOUFLEUR, 2006, pág. 108)

A primeira é Instructables (http://www.instructables.com), uma plataforma

online que permite o intercâmbio de projetos de DIY (do-it-yourself), fundada em

2005 por membros do MIT Media Lab (FIG.67). Seus usuários têm a possibilidade

de compartilhar seus projetos passo a passo para que outros usuários possam

aprender seguindo as instruções, estes podem pontuá-los, fazer comentários e

descarregar as instruções em formato PDF (isto para membros PRO). Há instruções

para fazer todo tipo de coisas: comidas, brinquedos, tecnologia, roupas, objetos para

a casa, joalheria, etc. (INSTRUCTABLES, 2014)

Figura 67 - Captura de tela do Site do Instructables

Fonte: Foto da Autora

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97

Atualmente a plataforma permite o intercâmbio de materiais para aulas entre

professores ou qualquer pessoa relacionada com o ensino, e organiza concursos

periodicamente. Os concursos consistem em criar e fazer upload de uma proposta

de instruções passo por passo relacionada com o tema do concurso: se cumprir com

todos os quesitos é aceita por um comitê do site. Assim, a proposta fica disponível

para que outros membros possam votar por ela, as finalistas são qualificadas pela

equipe do site e membros da comunidade e os ganhadores são aqueles que tiveram

uma melhor pontuação. (INSTRUCTABLES, 2014)

Como resultado deste projeto, surgiu o Instructables Restaurant (FIG.68), um

restaurante único em seu tipo, onde tudo o que é feito nele foi primeiro

compartilhado por algum dos 3,5 milhões de membros do Instructables: A comida, o

mobiliário, a iluminação e a decoração. Todos os pratos e os móveis têm instruções

de como fazê-lo dando os créditos para as pessoas que fizeram o upload no site.

Incluso, pode-se encontrar no site do Instructables as instruções de como fazer um

Instructables Restaurant. (HENDRIKS, 2014).

Figura 68 – Instructable Restaurant

Fonte: HENDRIKS, 2014

O fator inovador do projeto Instructables foi possibilitar a interação e o

intercâmbio de saberes entre pessoas de qualquer parte do mundo através de uma

plataforma online. Isto foi possível devido a competências do design como a visão

sistêmica, à determinação de relações transversais com outras áreas, a criação de

uma marca para identificação do projeto, a facilitação da experiência de interação

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dos usuários com as plataformas online (site e aplicativos) e também a tradução das

necessidades dos seus membros em propostas concretas através da observação,

de análise crítica, de visualização de soluções e materialização de conceitos.

Como iniciativas parecidas a Instructables podemos encontrar WikiHow

(http://www.wikihow.com), EHow (http://www.ehow.com), DIY Network

(http://www.diynetwork.com) VideoJug (http://www.videojug.com), etc. No Brasil,

temos o portal Invente Aqui (http://www.inventeaqui.com.br), criado pelo engenheiro

Luiz Rocha em 2009 (LARA, 2014) .

Desta maneira vemos como a partir de competências e ferramentas do design

podem-se criar espaços (físicos ou virtuais) que permitam o compartilhamento e

divulgação de ideias criativas. Assim como um artefato do DND pode suprir

necessidades de uma pessoa em Belo Horizonte, também pode solucionar

problemas de outras pessoas em outros lugares do mundo. Portanto, o design tem

muitas oportunidades de ação para ajudar a difundir estas ideias contribuindo com a

melhoria da qualidade de vida de várias comunidades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudando o DND, pudemos aproximar o design das ruas, e nos determos a

observar este espaço pelo qual nos movimentamos todos os dias, e do qual,

paradoxalmente, estamos cada vez mais longe. Esta aproximação nos fez, em

primeira parte, enxergar a realidade com outros olhos e refletir sobre o papel e a

responsabilidade que tem o design com as comunidades menos favorecidas. E em

segunda parte, conhecer a cidade a partir de vários aspectos através dos artefatos

que se encontram nesses contextos.

Sabendo que o design foca seu trabalho só em 10% da população mundial, o

compromisso com os outros 90% se faz maior. Esta pesquisa nos fez afirmar nossa

atenção nas comunidades que vivem em plena situação de pobreza, não só no

grupo de pessoas que moram na rua, mas em geral aquelas que ainda não têm

acesso aos recursos que satisfazem suas necessidades básicas humanas, e que em

países como o Brasil é grande parte da população.

É importante lembrar que há grupos de pessoas necessitando urgentemente

de ajuda. O consumismo e seus espaços fazem-nos esquecer que lá fora existe uma

comunidade despossuída, sem alcance a recursos básicos. Cortés (2008) assinala,

falando do shopping que:

“Ele é como um grande televisor tridimensional [...] no qual se encena o espetáculo em que se está convertendo a experiência cotidiana. Com tudo isso, o que se pretende é criar a sensação de que se pode viver em uma espécie de sonho no qual todo mundo pode consumir, brincar e se divertir sem perigo algum, esquecido dos conflitos sociais, culturais ou étnicos que o ameaçam do lado de fora. Pois ali, no exterior, estão os “outros” (os pobres, os imigrantes, as pessoas sem casa, etc.) indivíduos que parecem estar se apoderando da rua e que a ocupam com seus utensílios e vivencias” (CORTÊS, 2008, p.89).

Sair às ruas e observar a partir do design seus comportamentos e artefatos,

possibilita uma visão mais vinculada à realidade e menos consumista, que é na área

onde normalmente o design se desenvolve.

Por outro lado, o estudo das ruas e seus artefatos nos ajudam a conhecer

melhor a cidade, à qual estamos cada vez menos conectados devido à velocidade

do mundo contemporâneo. O sociólogo Richard Sennett aponta:

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100

“Hoje em dia, viaja-se com uma rapidez que nossos ancestrais sequer poderiam conceber. [...] O espaço tornou-se um lugar de passagem, medido pela facilidade com que dirigimos por ele ou nos afastamos dele. [...] Em alta velocidade, é difícil prestar atenção na paisagem. [...] Navegar pela geografia da sociedade moderna requer muito e, por isso, quase nenhuma vinculação com o que está ao redor.” (SENNETT, 2008, p. 17)

A observação da prática do DND nas ruas de Belo Horizonte nos permitiu

vincular-nos mais estreitamente com a cidade, para desta maneira conhecê-la

melhor a partir de diferentes aspetos. Do ponto de vista político e econômico,

podemos ver que, à diferença de muitas cidades colombianas, por exemplo, Belo

Horizonte tem leis que organizam o fluxo e a quantidade de vendedores ambulantes

nas ruas, e no caso dos vendedores de alimentos, exigem certas medidas de

salubridade em seus processos. Porém, muitos deles laboram de forma ilegal, o que

significa que há que seguir trabalhando na formalização deste tipo de ofício e na

criação de oportunidades para que este grupo de pessoas melhore sua qualidade de

vida.

Do ponto de vista cultural, observamos que todavia a atividade de criar

soluções materiais a partir de elementos que temos à mão seja encontrada em

outros países do mundo, no Brasil é usualmente praticada e existe uma palavra

estipulada para ela, reconhecida e muito usada: ‘Gambiarra’. Isso mostra que é uma

atividade comum para todos e que os objetos que nascem a partir dela e a sua

estética fazem parte do dia-a-dia dos brasileiros.

Se analisarmos particularmente cada um dos artefatos resultantes do DND

das ruas de Belo Horizonte, podemos ver que muitos falam de costumes específicos

da cidade. Por exemplo, alugar mesas para jogar damas e pagar para engraxar os

sapatos na Praça Sete ou consumir alimentos nas calçadas como pipocas, churros,

picolés de frutas em épocas de calor, algodão doce, amendoim quente, cachorro

quente, etc.

Também falam de certa preocupação com o cuidado da cidade ao haver

vários objetos que contribuem para a limpeza. Assim mesmo, vemos que existe um

público que ainda manda consertar seus relógios ou compram peças para fazer

pequenos consertos em casa. Vemos também através destes artefatos que a rua é

um espaço muito importante dentro da vida comercial da cidade, não só pelos

vendedores ambulantes, mas também pela grande quantidade de feiras que

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encontramos na sua agenda. Segundo Fulton Sari (2005), observar estes padrões

culturais, e ser conscientes deles, ajuda ao design a criar interações familiares

(FULTON SURI, 2005) ou seja, produtos mais conectados com a gente, mais

humanos.

A prática do DND nas ruas de Belo Horizonte nos permite ver uma parte da

sua cultura material. O DND, seja feito com materiais novos ou através do reuso, é

uma prática que fala da maneira local de resolver problemas e suprir necessidades.

Vemos os belo-horizontinos como um povo criativo; que aproveita os elementos com

que conta; que faz com poucas coisas, muito; que usa suas capacidades criativas e

suas habilidades com as mãos para criar parte do seu repertório material. Muitas

vezes, esta prática e seus objetos não são algo para nos sentir orgulhosos, mas o

seu estudo nos ajuda a nos conhecer melhor, a ser conscientes de nossas fortalezas

e debilidades, a aceitarmos como somos, a afirmarmos.

Por último, vemos também que esta pesquisa é um claro exemplo de que o

design pode aprender a partir do mais simples. Neste mundo contemporâneo e

hipermoderno nem tudo é high tech. Muitas das suas manifestações continuam

sendo práticas básicas, que nos lembram que somos seres humanos, e que são

uma grande fonte de informações das quais podemos aprender lições infinitas, e das

quais o design vem se aproximando cada vez mais nos últimos anos.

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VERNACULAR, Type. Flickr. 7 jun. 2010. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/vernaculartype/> Acesso em: 20 mar. 2014.

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APÉNDICE A - QUESTIONÁRIO DE PERGUNTAS PARA PESQUISA DE CAMPO

Objetivo: Compilar informação relacionada com a criação, uso, produção, função,

comercialização, manutenção e descarte dos objetos resultantes do Design por não-

designers de Belo Horizonte, assim como de seus atores, seus motivos, e métodos.

A - Fez?

Como você se chama?

Há quanto tempo vem desenvolvendo este ofício?

De onde é?

Como você chama este objeto? Por exemplo: Lata de Amendoim?

Função:

1. Para que você fez este objeto?

2. Como funciona?

Criação:

3. Como surgiu a ideia? Você fez algum desenho antes de fazê-lo?

4. Alguém te ensinou a fazê-lo? Quem? Quando? Como?

5. Você tem visto uma ideia parecida em outro lugar?

Produção:

6. Que tipo de materiais ou elementos usou? De onde os tirou? Foram

novos ou usados? Os comprou ou tirou do lixo?

7. Além das mãos utilizou outras ferramentas? Moldes? Máquinas?

8. Outras pessoas participaram do processo de produção?

9. Quantos artefatos como esse você já fez na sua vida? Este é o

primeiro?

Uso:

10. Qual é o tempo de duração do artefato? É pouco? Muito? Descartável?

11. Você empresta este artefato para outras pessoas?

12. Você tem feito alguma melhora ao objeto? Qual?

13. Agregou elementos de decoração? Para quê?

14. Para vendedores ambulantes: Qual é sua rotina diária? Como é seu

percurso pela cidade?

Motivos:

15. Por que você fez este artefato?

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-É mais barato que comprá-lo?

-Não vendem artefatos iguais?

-Você gosta de “inventar” e fazer coisas?

Manutenção:

16. O que você faz quando o objeto quebra? Você conserta? Manda

consertar? Joga fora?

Descarte:

17. O que você faz quando o objeto não funciona mais? Joga fora?

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B - Comprou?

Como você se chama?

Há quanto tempo vem desenvolvendo este ofício?

De onde é?

Como você chama este objeto? Por exemplo: Lata de Amendoim?

Função:

1. Para que você comprou este objeto?

2. Como funciona?

Produção:

3. De que material é feito?

4. Você conhece a pessoa que fez o objeto? Como se chama? Qual é a

sua relação com ela? Família? Vizinhos?

Comercialização

5. Esta pessoa se dedica a fazer este tipo de objetos? Tem uma oficina? A

loja é grande ou pequena? Onde fica?

6. Quanto custou o objeto? Quando o comprou? Onde?

Uso:

7. Qual é o tempo de duração do artefato? É pouco? Muito? Descartável?

8. Você empresta este artefato para outras pessoas?

9. Você tem feito alguma melhora ao objeto? Qual?

-Não? Faria alguma? É cômodo? Pesado? É fácil transportá-lo?

10. Agregou elementos de decoração? Para quê?

11. Para vendedores ambulantes: Qual é sua rotina diária? Como é seu

percurso pela cidade?

Manutenção:

12. O que você faz quando o objeto quebra? Você conserta? Manda

consertar? Joga fora?

Descarte:

13. O que você faz quando o objeto não funciona mais? Joga fora?

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C- Ganhou?

Como você se chama?

Há quanto tempo vem desenvolvendo este ofício?

De onde é?

Como você chama este objeto? Por exemplo: Lata de Amendoim?

Função:

1. Para que você ganhou este objeto?

2. Como funciona?

Produção:

3. De que material é feito?

4. Você conhece a pessoa que fez o objeto? Como se chama? Qual é a

sua relação com ela? Família? Vizinhos? Nada?

5. Esta pessoa se dedica a fazer este tipo de objetos? Tem uma oficina? A

loja é grande ou pequena? Onde fica?

6. Como ganhou o objeto? Teve que fazer alguma petição (Governo)?

Quando? Onde?

Uso:

7. Qual é o tempo de duração do artefato? É pouco? Muito? Descartável?

8. Você empresta este artefato para outras pessoas?

9. Você tem feito alguma melhora ao objeto? Qual?

-Não? Faria alguma? É cômodo? Pesado? É fácil transportá-lo?

10. Agregou elementos de decoração? Para quê?

11. Para vendedores ambulantes: Qual é sua rotina diária? Como é seu

percurso pela cidade?

Manutenção:

12. O que você faz quando o objeto quebra? Você conserta? Manda

consertar? Joga fora?

Descarte:

13. O que você faz quando o objeto não funciona mais? Joga fora?