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O DIREITO DO TRABALHO E A REFORMA TRABALHISTA: UMA ANÁLISE
SOB A ÓTICA DA TEORIA DO GARANTISMO
Daniela Menin1
Arthur Ramos do Nascimento2
Bruno Alexandre Rumiatto3
RESUMO
O artigo objetiva, a partir das premissas expostas por Acelino Rodrigues Carvalho em
sua obra “Constituição e Jurisdição: Legitimidade e Tutela dos Direitos Coletivos”, apresentar
algumas reflexões a Teoria do Garantismo, proposta por Luigi Ferrajoli, como mecanismo de
proteção dos direitos fundamentais dentro de uma Constituição Federal que se propõe a ser um
sistema de garantia de direitos fundamentais, bem como contextualizar a sua aplicação na área
do Direito do Trabalho, segundo os preceitos de Vólia Bomfim Cassar em sua obra “Direito do
Trabalho”. Ainda que não seja o objetivo esgotar o tema, o presente trabalho também analisará
alguns aspectos da proposta de reforma trabalhista e as possíveis afrontas da mesma aos direitos
e garantias já conquistadas.
PALAVRAS-CHAVE: garantismo; direito do trabalho; direitos sociais;
flexibilização.
1. INTRODUÇÃO
1 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados (1998), Bacharel em Teologia pelo
Seminário Presbiteriano Renovado Brasil Central (2009) de Anápolis/GO, pós-graduação em Direito Público pela
Universidade Anhanguera-Uniderp (2012), Advogada nas áreas civil, trabalhista e previdenciária, Mestranda em
Fronteiras e Direitos Humanos pela Universidade Federal da Grande Dourados- UFGD. Pesquisa Direito ao Lazer
do Trabalhador e outras áreas do Direito do Trabalho. 2 Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2006) e mestrado em Direito
Agrário pela Universidade Federal de Goiás (2012). Atualmente é pesquisador e professor magistério superior
(efetivo) da Universidade Federal da Grande Dourados, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas
públicas, direitos humanos, direito do trabalho, trabalho decente, trabalho escravo e trabalho escravo
contemporâneo. Editor da Revista Videre da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD (B1).
3 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2012). Professor substituto da Universidade
Federal da Grande Dourados. Advogado nas áreas civil, trabalhista e previdenciária. Mestrando em Fronteiras e
Direitos Humanos pela Universidade Federal da Grande Dourados- UFGD.
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A Teoria do Garantismo tal qual proposta por Luigi Ferrajoli, eleva a importância do
principio da dignidade humana ao seu grau máximo, da mesma forma em que propõe a
prevalência dos direitos fundamentais e das garantias como meio de defesa àqueles elementos
constitucionalizados. Presentes em várias constituições de todo o mundo, bem como na
Constituição Federal brasileira de 1988, estes fundamentos legitimam o Estado Democrático de
Direito, sujeitando todas as demais normas jurídicas ao crivo da matriz constitucional, sob pena
de ser decretada a sua flagrante inconstitucionalidade.
Dentre o rol dos direitos fundamentais, está o Direito do Trabalho, um direito social
de segunda geração. Tal reflexão será feita à luz da proteção proposta pela teoria do garantismo,
que aponta para o constitucionalismo como um instrumento de confirmação do direito e uma
forma de promover e garantir a dignidade humana, através da efetividade das normas
constitucionais. Neste sentido, será contextualizado que os direitos fundamentais surgem como
uma limitação aos poderes do Estado, mas também prestam-se a serem parâmetros para o direito
que deve ser promovido.
Assim, a Constituição Federal veda a supressão de qualquer direito do cidadão,
revestindo-os de fundamentabilidade. Tal natureza é reflexo da confirmação dos Diretos
Humanos, declarados através de vários documentos ao longo da história. A problematização
está em torno de questionamentos que propõe reflexões à luz do Garantismo, entre eles, se a
Constituição Federal é um sistema de garantia de direitos sociais, se a Teoria Garantista pode
ser aplicada ao campo do Direito do Trabalho e se, neste sentido, se é válida para indicar em
quais aspectos ocorre a flexibilização e até supressão dos direitos trabalhistas propostos pela já
aprovada Reforma Trabalhista. Para este artigo, a metodologia adota é a pesquisa teórica,
utilizando-se do método dedutivo e da pesquisa bibliográfica como técnica.
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 COMO UM SISTEMA DE GARANTIA
DE DIREITOS SOCIAIS
Para analisar o direito ao trabalho, é preciso a compreensão do embasamento da teoria
do Garantismo. Sob a ótica de Ferrajoli (2008), garantia é “qualquer técnica normativa de tutela
de um direito subjetivo”. Assim, a Teoria do Garantismo, embora tenha aplicação original ao
direito penal, se estende “como paradigma da teoria geral do direito, a todo campo de direitos
subjetivos, sejam estes patrimoniais ou fundamentais, e a todo o conjunto de poderes, públicos
ou privados, estatais ou internacionais” (FERRAJOLI, 2008, p. 62).
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Neste sentido, Garantismo social presta-se “para designar o conjunto de garantias, em
boa medida ainda ausentes ou imperfeitas, dirigida à satisfação dos direitos sociais, como a
saúde, a educação e o trabalho e outros semelhantes” (FERRAJOLI, 2008, p. 62). Neste
contexto, encontra-se o direito ao Lazer, tão importante e necessário quanto qualquer direito
social, mas ainda sob a égide da fragilidade causada pela falta de efetividade.
Acrescenta-se às já mencionadas definições, os ensinamentos de Carvalho (2015,
p.159), que elucidou o pensamento de Garantismo de Ferrajoli em outros que três significados.
Garantismo é um modelo normativo de direito próprio do Estado
constitucional de direito, e configura um sistema de limites e vínculos a todos os
poderes, públicos e privados, estatais e internacionais; garantismo configura uma
teoria do direito, qual seja o juspositivismo crotico, em oposição ao juspositivismo
normativista e pressupõe um desnível normativo configurando, por usa vez, uma
teoria de validade; garantismo designa uma filosofia politica no sentido de que as
instituições públicas somente se justificam pelo reconhecimento e proteção dos
direitos fundamentais.
Embora não seja possível fragmentar tais conceitos, é importante compreender que
cabe ao Estado, segundo a ótica garantista, não somente preservar e garantir os direitos
fundamentais, mas também promovê-los. Ou seja, é certo que tais direitos estão revestidos de
fundamentabilidade e por isso nenhum poder é autorizado deles dispor, ao mesmo tempo que
deve o poder público empreender esforços no sentido de tornar os direitos fundamentais sempre
mais efetivos e disponíveis a todo e qualquer cidadão.
Portanto, é preciso partir da premissa de que a teoria do Garantismo assegura que o
Estado Democrático de Direito é baseado em dois pilares, sendo eles a separação dos poderes
e a tutela dos direitos e garantias fundamentais. Assim, da mesma forma como os poderes –
Executivo, Legislativo e Judiciário--não podem interferir nas esferas e competências
específicas uns do outros, devendo agir num sinergismo harmônico, também não é possível
avançar além das barreiras que impedem que os direitos dos cidadãos estejam disponíveis para
serem ou deixarem de ser aplicáveis pelo Estado. Dessa forma, o Estado não é o poder soberano,
mas é aquele que garante, assegura e promove os direitos do cidadãos, e que, pelo menos em
tese, deveria promover a efetividade dos mesmos.
Assim, há de se ressaltar que o Estado Democrático de Direito, e, consequentemente a
garantia dos direito fundamentais, apenas tornou-se possível após o fortalecimento do processo
democrático que culminou com o advento da Constituição Federal de 1988.
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Para explicar a natureza dessa constituição que nascera sob o emblema da democracia,
Carvalho (2015, p.35) apresenta que essa nova e legítima forma de poder foi erigida em bases
sólidas de uma planificação racional e da determinação escrita do direito.
A constituição passou a ser identificada como um conjunto de normas que
regula a organização e o exercício do poder estatal e as relações entre o Estado e a
sociedade, tronando-se assim, o direito produzido pelo soberano, o qual vincula os
órgãos estatais e desfruta de uma posição hierarquicamente superior, estando
consubstanciado num documento e apresentando dificuldades para sua modificação.
Aliados a estes conceitos, Carvalho segue explicando que é necessário também
compreender a Constituição Federal tanto no sentido procedimental quanto substancial. Assim,
primeiramente, deve-se entender a Carta como um conjunto de regras disciplinadoras quanto à
organização dos poderes e em um segundo aspecto, é necessário haver regras pragmáticas que
definem princípios e valores que devem se conformar à legislação infraconstitucional.
Portanto, a exigência de um documento escrito acrescenta-se a preocupação em limitar
o poder político. Tais elementos foram personificados na separação dos poderes e na garantia
dos direitos já reconhecidos e também nas limitações impostas para que os mesmos não sejam
suprimidos.
Neste sentido, é preciso compreender a Carta Magna como um a Lei Suprema do
"Estado Constitucional de Direito" que vincula governantes e governados, de forma a assegurar
uma série de série de direitos e garantias com base no Princípio da Tripartição de Poderes e no
respeito e promoção dos direitos e garantias fundamentais. Como explica Piovesan (2015; p.
88), o regime ditatorial que perdurou cerca de vinte anos, foi substituído pelo processo de
democratização do pais. Com a mobilização e articulação das sociedade civil, importantes
conquistas sociais e políticas se consagraram. O regime ditatorial foi substituído pela
consolidação de garantias e direitos fundamentais e na proteção dos setores vulneráveis da
sociedade. Assim, a adoção dos preceitos das cartas e tratados de Direitos Humanos, inclusive
a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, delineou-se na nova Constituição
brasileira através dos direitos e garantias fundamentais.
Portanto, a Carta de 1988 é considerada como um marco jurídico de transição
democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país fruto de um extenso processo
de democratização, iniciado após vinte e um anos de ditadura militar que perdurou de 1964 a
1985. Essa transição democrática, embora um tanto lenta e gradual, promoveu a formatação de
um novo código e a partir dele, um novo pacto político e social: a nova Constituição Federal.
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A consolidação desse código, institucionalizou a instauração de um regime politico
democrático no país, e foi responsável por colocar novamente o Brasil no cenário internacional,
ao lado de nações que também resguardam e promovem a defesa e garantias fundamentais ao
ser humano. Assim, a Carta Magna se relaciona com todo o arcabouço internacional de proteção
aos direitos humanos, considerando cada um deles como uma unidade indivisível,
interdependentes e inter-relacionados.
Sob o aspecto jurídico-normativo, somente pode se atribuir fundamentalidade àqueles
direitos que foram incorporados ao ordenamento constitucional do pais. Assim, não há direitos
fundamentais que não sejam decorrentes da lei, sendo a fonte primária desses direitos, a
Constituição Federal. Tal entendimento é baseado no ensinamento de Sarlet (2011, p.29) de
que tanto os “direitos humanos” quanto os direitos fundamentais são sinônimos, mas a distinção
é que o “termo ‘direitos fundamentais’ se aplica àqueles direitos do ser humano reconhecidos
e positivados na esfera do direitos constitucional positivo de determinado Estado.
Por outro lado, a expressão “direitos humanos” relaciona-se com documentos de
direito internacional, referindo-se às posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como
tal, justificado pelo caráter supranacional e de validade universal, sem a obrigação de
relacionar-se com determinada ordem constitucional. Em suma, na visão de Sarlet, direitos
humanos são internacionais e direitos fundamentais são constitucionais. E Bonavides
(2014,p.574) acrescenta que os direitos fundamentais são essenciais para “criar e manter os
pressupostos elementares de uma vida de liberdade e na dignidade humana” e ainda colabora
com a compreensão de que, no sentido normativo, “os direitos fundamentais são aqueles
direitos que o direito vigente qualifica como tais”. Aliás, o autor ensina que o lema da
Revolução Francesa imprimiu em três princípios aquele que seria todo o conteúdo possível dos
direitos fundamentais, definindo até a sequência histórica e sua gradativa institucionalização
liberdade, igualdade e fraternidade.
Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três
gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo,
o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússula uma nova universalidade: a
universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de
certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo século XVIII.
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Dessa forma, os direitos de primeira geração são aqueles direito de liberdade, “os
primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber os direitos civis e
políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural
do constitucionalismo do Ocidente”. São os direitos de liberdade, oponíveis ao Estado, que
traduzem-se como diretos de resistência ou de oposição ao Estado (BONAVIDES, 2014,p.
578).
Nesta sistemática, observa-se que a Constituição Federal adotou uma divisão onde o
termo “direitos fundamentais” é gênero dividido em espécies, quais seja, direitos individuais,
coletivos, sociais, nacionais e políticos. Assim, observa-se que as Constituições escritas estão
vinculadas às declarações de diretos fundamentais. Aliás, a própria Declaração dos Direitos
Humanos de 1948 cita como um dos motivos determinantes da Carta, o comprometimento dos
povos em zelar pelos direitos, garantias e liberdades fundamentais.
Assim, os direitos fundamentais são indispensáveis a pessoa humana, necessários para
assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. O fato é que eles são fruto de inúmeros
acontecimentos e de discussões e evoluções históricas extremamente importantes para a
população mundial. Por conta disso, inspiraram inúmeras constituições federais, inclusive as
brasileiras.
Considerando o princípio da dignidade humana, Baruffi (2010), faz a análise de que
os direitos sociais prestam-se a garantir o padrão mínimo para uma existência digna, porém, o
desequilíbrio social e econômico causa a supressão desses direitos. Um último recurso seria a
prestação jurisdicional, uma vez que os poderes Executivo e Legislativo tenham falhado neste
aspecto.
Dessa forma, seguindo o preconizado pela Declaração do Homem e do Cidadão de
1789, a Constituição Federal de 1988 inovou em vários aspectos com relação às anteriores.
Neste sentido, cumpre ressaltar que, embora todas as Constituições brasileiras tiveram
enunciados de direitos individuais, algumas diferenças são latentes.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a fixar os direitos fundamentais antes
da organização do próprio Estado, o que promoveu destaque do mesmo na nova ordem
democrática. Sem dúvida, o propósito era de ressaltar que o país não viveria dali pra frente mais
à margem do autoritarismo e cada cidadão estaria guarnecido com uma gama de direitos ditos
fundamentais. Era a chancela e marca inequívoca do fim da ditadura. Além disso, a nova
Constituição também apresenta diferenças significativas, uma vez que tutelou novas formas de
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interesses, que são os direitos coletivos e difusos. Por fim, impôs deveres ao lado dos direitos
individuais e coletivos.
Ao analisar a Constituição Federal Brasileira de 1988 é possível observar que todas
essas dimensões, gerações ou fases dos direitos descritos por Norberto Bobbio(2002),
delinearam os direitos fundamentais dos cidadãos, estando dispostos como direitos sociais e
individuais, no preâmbulo. Já os direitos e deveres individuais e coletivos, constam do Capítulo
I do Título II, direitos humanos, dispostos no art. 4º, II, direitos e liberdades fundamentais, art.
5º, XLI, direitos e liberdades constitucionais, no art. 5º, LXXI, direitos civis, art. 12, § 4º,
direitos fundamentais da pessoa humana, art.17, caput, direitos da pessoa humana, art. 34, VII,
b, direitos e garantias individuais, art. 60, § 4º, IV e direito público subjetivo, no art. 208, § 1º.
Há de se considerar que os direitos sociais são os mais relevantes para o presente
estudo, mais especificamente os direitos ao trabalho. Neste sentido, é salutar observar que a
Constituição Federal de 1988 enquadra o trabalho como um dos princípios gerais da atividade
econômica, declarando como tais a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa
(art.170) e busca do pleno emprego (artigo 170,VIII). Entre os direitos e garantias fundamentais
inclui o direito ao livre exercício do trabalho, oficio e profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer
Portanto, ainda que carente de efetivação, os direitos fundamentais do indivíduo
encontram na atual Constituição Federal, aquilo que se apresenta como o padrão mínimo para
uma existência digna (BARUFFI,2010). Assim, nota-se que há no art. 60, § 4º. Inc. IV, da
Constituição Federal, elementos que não podem ser objeto de deliberação. Ou seja, não será
jamais permitido que as propostas de emenda constitucional, causem a abolição das garantias
individuais, mas de todos aqueles considerados fundamentais. Existe, portanto, uma barreira,
um escudo que se constitui uma medida de proteção em torno dos direitos fundamentais, já que
os mesmos são elementos que vão garantir a continuidade da Constituição.
De fato, proteger direitos sociais, e, portanto, fundamentais, não é uma preocupação
recente. Noberto Bobbio (2004, p.32)já havia alertado que “uma coisa é falar de direitos do
homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos
convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva.
O que o filósofo italiano buscou fazer, é alertar para o fato de que muitos direitos ainda
são um embrião da democracia, uma vez que não romperam em completa efetividade. E para
entender o conceito de efetividade, é importante observar o conceito proposto por Barroso
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(2006, p.82, 83) que explica que a norma deve ser não somente observada mas também
aplicada, como fruto de uma conduta humana.
A efetividade significa, portanto, a realização do direito, o desempenho concreta da
sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos
legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser
normativo e o ser da realidade social.
Partindo da premissa da estatabilidade do Direito, é intuitivo que a efetividade das
normas depende, em primeiro lugar, da sua eficácia jurídica, da aptidão formal para
incidir e reger situações da vida, operando os efeitos que lhe são próprios.
Neste mesmo sentido, Baruffi (2010) ressalta que o mais importante é concentrar
esforços para garantir a efetividade desses direitos, ou seja, ultrapassar o campo das intenções,
dos bons propósitos, para o campo da concretização dos direitos, da efetividade, propósito
alcançado com a positivação desses Direitos na Constituição.
Assim, é preciso relembrar, que a adoção do Estado Democrático de Direito,
evidenciou-se no preâmbulo da Carta de 1988, onde observa-se que o mesmo é “destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos (...)”.
E a teoria do Garantismo vem pra assegurar que o Estado Democrático de Direito será
conduzido ao seu efeito máximo, mediante os seus princípios. Dessa forma, o Garantismo
assegura que as garantias dos direitos fundamentais serem protegidos e efetivados pela
legislação, da mesma forma que, se não o foram, haverá o respaldo de que tais direitos poderão
ser acionáveis em juízo, em relação aos sujeitos responsáveis por suas violações, seja por ação
ou omissão. Portanto, os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988
possuem aplicação imediata e podem ser reivindicados em juízo, diante de toda e qualquer
ameaça de lesão.
Entre esses direitos que necessitam ser tutelados, está o direito ao trabalho que embora
seja um direito fundamental social, ainda está sujeito à ameaças, como será exposto a seguir.
3. A APLICABILIDADE DA TEORIA DO GARANTISMO AO DIREITO DO
TRABALHO
Como já exposto, a Teoria do Garantismo proposta por Luigi Ferrajoli, ultrapassou os
limites do Direito Penal, e como o mesmo define, hoje pode ser entendido como um neologismo
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que se refere a técnicas de tutelas dos direitos fundamentais. Neste sentido, há também a
definição de garantismo social “para designar o conjunto de garantias, em boa medida ainda
ausentes ou imperfeitas, dirigida à satisfação dos direitos sociais, como a saúde, a educação e o
trabalho e outros semelhantes” (FERRAJOLI, 2008, p. 62). Dessa forma, a Teoria do
Garantismo alcançou também o Direito do Trabalho, uma vez que o mesmo, apesar de ser
considerado um direito humano e, assim, um direito fundamental a todo cidadão brasileiro,
ainda sofre ameaças de ter suas conquistas históricas mitigadas e até suprimidas.
É importante ressaltar que o Direito do Trabalho é uma espécie do gênero Direitos
Humanos, uma vez que é meio de instrumentalização do artigo XXIII da Declaração Universal
dos Direitos do Homem.
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual
trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,
que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a
dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção
social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção
de seus interesses.
Artigo XXIV
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das
horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Como visto, a Declaração dos Direitos Humanos em seus artigos 23 e 24, faz a previsão
expressa de que o trabalho e aspectos inerentes, devem ser objeto de atenção e proteção, bem
como o direito ao lazer, uma vez que preconiza que é direito de toda pessoa o repouso, o lazer,
a limitação razoável da jornada de trabalho e inclusive de férias periódicas remuneradas. Tais
preceitos estão dispostos não somente nos artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas mas
em leis complementares, no intuito de assegurar a dignidade humana do trabalhador.
Conforme o entendimento de Vólia Bomfim Cassar, os direitos sociais, tal como o
direito a trabalho, estão previstos no inciso IV do parágrafo 60 da Constituição Federal, “que
impede que qualquer reforma ou revisão constitucional restrinja ou suprima os direitos e
garantias individuais, formando um núcleo imodificável e protegido contra todo retrocesso
(2013, p. 82).
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Ainda segundo Cassar o direito do trabalho, para além de ser classificado como um
direito público ou privado, é um direito social, que visa amparar os ,hipossuficientes, em face
de seu caráter protetivo e social (IBIDEM, p.11).
Assim, acompanhando os ventos do constitucionalismo social do início do século XX,
o direito do trabalho, como princípio fundamental, é inserido na Constituição Federal de 1937.
A partir deste importante marco, várias leis foram promulgadas a fim de assegurar direitos aos
trabalhadores. Assim, em 1943, houve a Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Decreto-Lei
5.452 de 1º de maio de 1943, a CLT. Em seguida, várias inovações ocorreram no sentido de
fortalecer ainda mais as relações trabalhistas, inclusive com alguns constando na Constituição
Federal de 1946, mas foi com a promulgação da Carta Magna em 1988, com o apogeu do
processo de democratização do país, que houve a ampliação considerável dos direitos sociais,
particularmente, dos direitos trabalhistas.
No âmbito trabalhista brasileiro, a previsão constitucional é o sinal da evolução dos
direitos humanos de um modo geral e do reconhecimento da importância deste direito para a
vida do ser humano e para o próprio trabalhador. Assim, há no art. 60, § 4º. Inc. IV, CF,
elementos que não podem ser objeto de deliberação. Ou seja, não deveria ser jamais permitido
que as propostas de emenda constitucional, causassem a abolição das garantias individuais,
como dito anteriormente.
Também é necessário observar que a Constituição Federal de 1988 enquadra o trabalho
como um dos princípios gerais da atividade econômica, declarando como tais a valorização do
trabalho humano e da livre iniciativa (art.170) e busca do pleno emprego (artigo 170,VIII).
Entre os direitos e garantias fundamentais inclui o direito ao livre exercício do trabalho, oficio
e profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Em suma, o direito
ao trabalho e seus desdobramentos são assegurados na Declaração dos Direitos Humanos de
1948 e, mais tarde, vieram a refletir diretamente na estruturação da Consolidação das Leis do
Trabalho brasileira (BARROS,2008), passando a figurar como um direito fundamental social,
tendo seus princípios estabelecidos e observados em artigos como o 7.º e 8.º da Constituição
Federal.
Assim, a Constituição Federal de 1988 trata o trabalho como um dos princípios gerais
da atividade econômica da sociedade, declarando como tais a valorização do trabalho humano
e da livre iniciativa e a busca do pleno emprego. Entre os direitos e garantias fundamentais
estão o direito ao livre exercício do trabalho, ofício e profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer.
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Como ensina Cassar (2013, p. 205) a apatia do Estado oriunda de uma concepção
liberal dos diretos trabalhistas, foi superada a partir do reconhecimento do trabalhador como a
parte hipossuficiente da relação. Portando, tal trabalhador carecia de proteção. Assim, a
revalorização do trabalho subordinado toma contornos com alguns documentos com a
Constituição mexicana de 1917, Constituição de Weimar de 1919, criação da Organização
Internacional do Trabalho e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.
Dessa forma, seguindo todos estes paradigmas, surgem na Constituição Federal
brasileira de 1988, os Direitos Fundamentais que, no Estado Constitucional de Direito
representam os limites materiais de todo o ordenamento jurídico, têm sua gênese nos Direitos
humanos e nas chamadas Declarações de Direitos. Aliás, as constituições mexicana e de
Weimar são o embrião do direito ao Trabalho e da sua qualificação como um direito social.
É prudente observar que o Direito do Trabalho tem sim raízes constitucionais que
conferem um caráter ainda mais intenso de indisponibilidade dos direitos trabalhistas em face
da irradiação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais preconizados. Ou seja, os direitos
trabalhistas são realmente direitos fundamentais que não podem estar disponíveis, segundo as
palavras de Cassar (2013; p.205).
(...) os direitos trabalhistas são fundamentais e, como tal, se impõem aos
cidadãos em suas relações interpessoais e interprivadas, constituindo-se em limite à
autonomia da vontade de negociar. Sendo assim, não podem ser negociados,
transacionados ou renunciados, salvo quando a lei expressamente autorizar.
Não foi por outro motivo que a CLT, apesar de editada em 1943, já previa
a numildade de todo e qualquer ato que objetivasse fraudar ou burlar direitos
trabalhistas nela previstos—arts. 9.º, 444 e 468 da CLT.
Desta forma, é forçoso concluir que todos os diretos trabalhistas previstos
na lei são indisponíveis, imperativos, e só poderão ser disponibilizados quando a lei
assim autorizar.
Ora, em que pese todo o avanço já exposto para a conquista do Estado Democrático
de Direito e também referente aos direitos do trabalhador, o que já se demonstrou dos princípios
do Garantismo, a Reforma Trabalhista pode mais desagregar e flexibilizar do que promover
direitos para o trabalhador. O próximo tópico irá abordar aspectos em que pode haver violação
dos direitos fundamentais sociais, ferindo, assim, a dignidade da pessoa humana, mais
especificamente do trabalhador.
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4. REFORMA TRABALHISTA: CONQUISTAS PARA O TRABALHADOR OU
DIREITOS FUNDAMENTAIS?
Atualmente, o país está encoberto pela necessidade de defesa de um modelo de bem
estar social, mediante um projeto simbólico de rearranjo das relações intersubjetivas, calcado
não só no consenso democrático, mas também na ideia de um viver comunitário em que todos
devem arcar com lucros e prejuízos. A proposta de frentes neoliberais é a possibilidade e a
necessidade da revisão de garantias mínimas. (CASSAR, 2013, p. 23).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de
desocupação, encerrada em abril de 2017, foi estimada em 13,6% no trimestre móvel, ficando
1,0 ponto percentual acima da taxa do trimestre que terminou em janeiro (12,6%). Na
comparação com o mesmo período de 2016 (11,2%), o quadro também foi de acréscimo de 2,4
pontos percentuais. Além disso, a população desocupada que hoje é de 14,0 milhões de pessoas,
apresentou um crescimento de 8,7 % em relação ao observado entre novembro de 2016 e janeiro
de 2017, quando havia 12,9 milhões de pessoas desempregadas. Isso representa um acréscimo
de 1,1 milhão de pessoas não ocupadas na procura por um posto de trabalho. Se comparado
com igual trimestre do ano passado, esta estimativa apresentou aumento de 23,1%, um
acréscimo de cerca de 2,6 milhões de pessoas desocupadas na força de trabalho.
Sob o pretexto de reverter este quadro, ou seja, de manter e promover mais postos de
trabalho, a presidência da República propôs o projeto de Lei 6787/2016, que figurou como a
mais importante proposta de mudança da Consolidação das Leis trabalhista, desde a sua
promulgação em 1943. A proposta modificou diversos dispositivos da CLT, além de outros
pontos de outras leis especificas e tornou sem efeito algumas súmula do Tribunal Superior do
Trabalho. A justificativa de tantas alterações por parte dos seus defensores era a geração de
empregos.
Não é possível esgotar o tema neste trabalho, mas é importante apontar alguns pontos
onde há incontroversa supressão de direitos fundamentais. Entre eles, o pagamento de horas in
itinere, que é o trajeto do trabalhador de casa para o local de trabalho e vice e versa. A atual
redação do § 2º do art. 58 da CLT foi inspirada pela maciça jurisprudência que interpretava
extensivamente o art. 4º da CLT e que estava retratada nas Súmulas nºs 90 e 320 do TST. O
novo texto da CLT neste aspecto, suprime as horas in itinere porque desconsidera o tempo
gasto pelo empregado no trajeto, independente do fornecimento, pelo patrão, da condução e do
local em que se situa a empresa.
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Ora, é evidente que para o trabalhador este direito é importante conquista. O patrão
fornece a condução para proveito próprio, de forma que toda sua equipe cumpra pontualmente
a jornada de trabalho. Além disso, é preciso ponderar que desde que saída sua residência, o
trabalhador já sente o ambiente de trabalho e já se encontra à disposição da empresa (CASSAR,
2013,p.612). Dependendo do tempo do trajeto demandar, o empregado pode executar até
mesmo o equivalente à metade da sua jornada regular. Ou seja, além da sua jornada, passará
mais horas à disposição do empregador, além daquelas nas quais estará efetivamente
trabalhando.
Como dito, tal direito do trabalhador pode simplesmente desaparecer, uma vez que o
substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016 através do o art. 58, § 2º, da CLT, passa a estabelecer
que o “tempo despendido pelo empregado até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o
seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo
empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do
empregador”. Assim, é flagrante a redução do nível de proteção social daqueles que sobrevivem
com a força do seu trabalho e que muitas vezes, passam mais tempo no local de trabalho do que
em casa ou dedicado a afazeres da vida pessoal.
E ainda sobre a jornada de trabalho, destaca-se o parágrafo 6º do artigo 59 do projeto
de lei já aprovado, que dispõe sobre o acordo de compensação de jornada. Pela nova redação
da CLT, o ajuste pode ser tácito, desde que a compensação ocorra dentro do mês. Porém, essa
alteração contraria a Súmula 85 do TST, que determina que a compensação deve ser
previamente ajustada. Para Cassar (2013, p. 629), para ser válida o acordo de compensação
deve ser escrito, não se admitindo o verbal ou tácito, já que altera a regra geral de 8 horas de
trabalho por dia e 44h semanais, contida no artigo 7º, XIII da Constituição.
Em ambos os aspectos citados, há será permitido o elastecimento da jornada tornando-
o superior a oito horas diárias, contrariando o preconizado na na Carta Magna.
Além disso, a Reforma Trabalhista apresenta também o artigo 611-A da CLT, que
representa a flexibilização de vários direitos, permitindo que vários direitos sejam decididos
entre os sindicatos de trabalhadores e patronais, conferindo às decisões força igual ou superior
a Lei.
Art. 611-A A Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho tem força de lei quando
dispuser sobre:
I- Parcelamento do gozo das férias anuais em até três vezes, com pagamento
proporcional aos respectivos gozos, sendo que uma das frações do referido período
deverá corresponder pelo menos a duas semanas ininterruptas de trabalho;
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II- Pactuar a forma de cumprimento da jornada de trabalho, limitada a 220 (duzentos
e vinte) horas mensais;
III- Participação nos Lucros e Resultados da Empresa, incluindo seu parcelamento no
limite dos prazos do balanço patrimonial e/ou dos balancetes legalmente exigidos, não
inferiores a duas parcelas;
IV- Horas in itinere;
V- Intervalo intrajornada, respeitando-se o limite mínimo de trinta minutos;
VI- Dispor sobre a ultratividade da norma ou instrumento coletivo de trabalho da
categoria;
VII- Ingresso no Programa de Seguro-Emprego (PSE);
VIII - Plano de cargos e salários;
IX- Banco de horas, garantida a conversão da hora que exceder a jornada normal de
trabalho com acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento);
X- Trabalho remoto;
XI- Remuneração por produtividade; e
XII- Registro da jornada de trabalho.
Como se observa, matérias bastante importantes podem ser objeto de negociação
coletiva, sem restrições. Mas, permitir que o negociado nas normas coletivas prevaleça sobre
o legislado é permitir a iminente ameaça de redução de direitos praticada por sindicatos que de
fato não representam os interesses da categoria dos trabalhadores.
Assim, não somente no que diz respeito à jornada de trabalho, mas também a outros
temas extremamente importantes, passaria a prevalecer aquilo que foi negociado entre as partes,
em detrimento do que, historicamente, foi legislado.
Além desse aspecto, existem outros que afrontam a Constituição Federal, como o
projeto que autoriza a jornada intermitente, onde o trabalhador apenas receberia pelas horas que
efetivamente trabalhou, não havendo qualquer garantia com relação à quantidade mínima das
horas laboradas em cada mês ou até mesmo da remuneração que receberia em troca. Tal
proposta torna precária as relações de trabalho e afronta o disposto no a da 7º, IV, da
Constituição Federal, uma vez que não prevê o pagamento de remuneração mínima, causando
insegurança com relação à satisfação das necessidades vitais básicas. Ainda neste sentido, é
importante salientar que há agressão a princípios trabalhistas elementares, uma vez que permite
a contratação e a remuneração de empregados apenas em período determinado pelas
necessidades da empresa. Assim, há a transferência aos funcionários, dos riscos da atividade
econômica, em desacordo com regra básica disposta no artigo 2º da Consolidação das Leis do
Trabalho.
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Portanto, o risco para o trabalhador reside no fato de que, em um cenário de acentuada
crise econômica e com um evidente e precário modelo sindical, tais reformas se prestariam
apenas para a retirada de direitos e para a precarização das condições de trabalho, sem qualquer
ganho ao trabalhador. Assim, é evidente que o trabalhador tem sua dignidade afetada, uma vez
que, elevada à máxima potência, ocorre a precarização e até eliminação completa de direitos,
que, por forma constitucional são considerados fundamentais, e assim, ao menos em tese,
intangíveis.
Porém, como ensina Ferrajoli através de um princípio garantista, “todos os direitos
fundamentais dos trabalhadores positivados são inderrogáveis tanto pela discricionariedade
administrativa, como pela autonomia privada, individual ou coletiva” (FERRAJOLI, 2008, p. 291). Tal
princípio é apto para denunciar que a presente reforma da CLT, fere um dos elementos basilares do
Estado Democrático de Direito.
5. CONCLUSÕES
Dentro da lógica garantista a Constituição Federal prevê aqueles direitos mais
elementares para promover a dignidade da pessoa humana de qualquer cidadão. Assim,
estabelece que a Carta Magna é o parâmetro para uma resposta que se deve dar aos problemas
sociais gerais de uma forma geral, sendo que a mesma balizará e conduzirá à soluções.
Como visto, o texto constitucional é sólido no sentido de definir regras pragmáticas
aptas a definir os princípios e valores que devem nortear as leis infraconstitucionais, o que,
pelo menos em tese, deveria caracterizar a sua rigidez e personificar uma constituição
garantista. Assim, os direitos e garantias do indivíduo, preconizados em vários tratados,
declarações e até mesmo em outras Constituições do mundo, estão expressos na Constituição
Federal brasileira de 1988 como direitos fundamentais. Dessa forma, representam não somente
limites para a atuação do poder político, mas também constituem a própria razão social, direitos
que pelos quais o próprio poder político deve lutar não somente para preservar mas também
para dar a devida efetividade.
Assim, a Teoria do Garantismo, aponta que o Direito do Trabalho é uma dessas esferas
de aplicação de direitos que podem e devem ser protegidos e ampliados, uma vez que se
revestem da dita fundamentabilidade. São direitos que não somente protegem e beneficiam o
cidadão, mas, mais especificamente, ao cidadão que se entrega ao labor para prover o próprio
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sustento. São direitos que expressam lutas históricas, conquistam árduas que motivam a pautar
a promoção do trabalho como algo que dignifique o ser humano. Aliás, são direitos declarados
e propostos em muitos tratados e Declarações, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
Apesar de incluído no rol dos direitos fundamentais, autenticado pelo Estado para
propiciar uma vida mais digna ao indivíduo, estando, inclusive, inserido no rol dos direitos
fundamentais, o direito do trabalho sofre ataques diretos – tanto por forças internas quanto
externas – visando a flexibilização, o exercício da atividade laboral sem limites, sem parâmetros
de respeito à dignidade da pessoa humana e até mesmo a supressão total dos direitos
historicamente adquiridos.
A teoria garantista aponta que esses limites rígidos foram desconsiderados e quebrados
pela Reforma Trabalhista, uma vez que direitos fundamentais foram suprimidos. Portanto, a
Reforma feita acende um alerta de que são necessárias ações no sentido de proteger os direitos
já adquiridos.
Ao mesmo tempo, é um indicativo de que, mesmos os direitos efetivados estão sob
ameaça, estão gradativamente mais distantes de alcançarem a sua eficácia plena. Ou seja, tal
reforma afronta o artigo 60, parágrafo 4.º da Carta Magna que diz que “que “não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir, entre outros, "os direitos e garantias
individuais", confirma-se que nem mesmo tais alterações poderia, ser propostas e por isso
deveriam ser descartadas de plano.
Ora, a flexibilização e a supressão de direitos trabalhistas, não atinge somente o
aspecto econômico do trabalhador, mas atinge também a sua consciência do próprio valor; a
sua honra. Por isso não basta a oferta de um emprego: é necessário também manter a para
conceder dignidade ao ser humano, conforme o que se expressa no Artigo 1o, incisos III e IV.
Da Constituição Federal de 1988.
É necessária a oferta de um posto de trabalho que traga em seu bojo, as garantias dos
direitos mais elementares, a saber, os direitos fundamentais. Neste sentido, ressalta-se que o
conceito de trabalho digno está fundamentado na conjunção das normas contidas nos entre as
normas do artigo 6o, 7o, 1o (Incisos III, IV) e 170, da Constituição Federal de 1988.
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Além disso, é preciso observar o conflito existente entre a Reforma Trabalhista, os
projetos de lei que pretendem a flexibilização dos direitos trabalhistas e outros dispositivos da
Constituição Federal de 88, como o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso
III), os valores sociais do trabalho (Art.1º, inciso IV), da valorização do trabalho humano (Art.
170, caput), o primado do trabalho, no bem estar e na justiça sociais, ambos disposto no Art.
193. Ou seja, para além de toda a renúncia e flexibilização de direitos trabalhistas, está o
inequívoco caráter de inconstitucionalidade.
Para conceder um aspecto de legalidade e até mesmo para tornar a Reforma Trabalhista
algo moralmente aceitável e até mesmo desejável, os seus defensores buscaram imprimir à
mesma, uma imagem de mecanismo gerador de empregos. A dinâmica é: reduzem-se os direitos
trabalhistas, desonerando as empresas e, assim, capacitando-as para a gerar novos postos de
trabalho. Porém, tal postura, busca adotar o argumento extremamente conveniente de que, há
necessidade de sacrifício para que as engrenagens da economia voltem a girar. Assim, o referido
sacrifício consistirá não somente em flexibilizar os direitos mas também, em extirpá-los.
Mas a teoria garantista nos ilumina com o ensinamento sólido de que, além de
ineficazes, uma vez que não há elementos para garantir os direitos já conquistados além de
causar retrocesso social, as reformas propostas ferem não somente a dignidade do trabalhador,
mas a própria constituição federal.
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