o discurso sobre o golpe de 1964 e o regime militar: análise da...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
O discurso sobre o golpe de 1964 e o regime militar: análise da
revista A Defesa Nacional (1990-2004)
Adelaide Cristina Brandão Baroni
2010
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O discurso sobre o golpe de 1964 e o regime militar: análise da
revista A Defesa Nacional (1990-2004)
Adelaide Cristina Brandão Baroni
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Renato Luis do Couto Neto e Lemos.
Rio de Janeiro Junho de 2010
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O discurso sobre o golpe de 1964 e o regime militar: análise da revista A Defesa
Nacional (1990-2004)
Adelaide Cristina Brandão Baroni
Orientador: Renato Luis do Couto Neto e Lemos
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em História.
Aprovada por:
______________________________ Professor (orientador) Dr. Renato Luis do Couto Neto e Lemos ______________________________ Professor Dr. Celso Corrêa Pinto de Castro ______________________________ Professor Dr. Manuel Domingos Neto
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Baroni, Adelaide Cristina Brandão
O discurso sobre o golpe de 1964 e o regime militar: análise da revista A
Defesa Nacional (1990-2004) / Adelaide Cristina Brandão Baroni. -- Rio de Janeiro: UFRJ / IFCS, 2010.
xiii, 129 f.: il.; 31 cm.
Orientador: Renato Luis do Couto Neto e Lemos
Dissertação (mestrado) – UFRJ / IFCS / PPGHIS – Programa de Pós-Graduação em História Social, 2010.
Referências bibliográficas: f. 120-129
1. Regime Militar. 2. Discurso. 3. Revista A Defesa Nacional - Tese. I. Lemos, Renato Luis do Couto Neto e. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em História Social III. Título.
v
Agradecimentos
Agradeço a todos aqueles que direta ou
indiretamente contribuíram para a
realização deste trabalho. Em especial à
minha família, aos meus amigos, ao
Igor, companheiro de todos os
momentos, e aos professores que
enriqueceram e viabilizaram esta
dissertação.
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Certamente precisamos da história, mas não como o passeante mimado no jardim do saber [...] Isto significa:
precisamos dela para a vida e para a ação, não para o abandono confortável
da vida ou da ação ou mesmo para o embelezamento da vida egoísta e da
ação covarde e ruim
Nietzsche, F. W. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2003, p. 5.
vii
RESUMO
O discurso sobre o golpe de 1964 e o regime militar: análise da revista A Defesa
Nacional (1990-2004)
Adelaide Cristina Brandão Baroni
Orientador: Renato Luis do Couto Neto e Lemos
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.
Esta dissertação busca realizar uma análise do discurso sobre o golpe de 1964 e
o regime militar, elaborado pela revista A Defesa Nacional (1990-2004), editada pela
Biblioteca do Exército Editora (BIBLIEx). A relevância deste trabalho está no fato de
evidenciar a presença de canais institucionais do Exército que expressam a legitimidade
do golpe/regime militar e seus benefícios para a sociedade atual.
Através desta análise, concluímos que o discurso contido na revista A Defesa
Nacional, representante de um segmento social de elevado grau de instrução e/ou de
comando no Exército, atua como instrumento de formação e informação no Exército e
expõe uma herança do golpe e do regime militar baseado na sua necessidade e na
função militar de salvaguarda da nação. Além de afirmar a responsabilidade militar
acerca das instituições democráticas ao longo de 1990-2004, o discurso contido na
revista A Defesa Nacional elogia o regime militar e os alicerces que foram arquitetados
para o retorno da democracia, pretendendo manter um passado honroso para a
instituição e o poder de veto sobre o espólio da ditadura que ainda não sofreu alteração.
Palavras-chave: Discurso, Revista A Defesa Nacional, Regime Militar.
viii
ABSTRACT
O discurso sobre o golpe de 1964 e o regime militar: análise da revista A Defesa
Nacional (1990-2004)
Adelaide Cristina Brandão Baroni
Orientador: Renato Luis do Couto Neto e Lemos
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.
This dissertation purpose is to present an analysis of the 1964 Brazilian Military
Coup and Military Regime discourse elaborated by the magazine A Defesa Nacional,
(1990-2004), edited by Biblioteca do Exército Editora (BIBLIEx).
Its importance is to consolidate the existence of army magazine archives phrasing the
Military Coup and Military Regime legitimacy and its benefits
to modern society.
Through this study, we conclude that the argument published in the magazine A
Defesa Nacional, established of a social segment of high level graduate and/or of high
level Army personnel, play as an implement of establishment and information at the
Army and expose a Coup and Military Regime heritage supported in its need and in the
military function to safeguard nation.
Otherwise to claim military duty about democratic institutions from 1990
through 2004, the discourse printed in the magazine A Defesa Nacional praises the
Military Regime and the principles established to democracy's return, intend to keep an
honorable past to the institution and veto authority over dictatorship remains that didn’t
suffer change yet.
Keywords: Discourse, Magazine A Defesa Nacional, Military Regime
ix
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ...........................................................................xi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................xiii
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................1
CAPÍTULO 1
Pesquisando os militares
1.1. Os estudos sobre os militares no Brasil: um balanço historiográfico .................................6
1.2. Entrevistas, discursos e literatura institucional: possibilidades para os estudos sobre
as Forças Armadas....................................................................................................................12
1.3. Organização cultural e intelectual do Exército: uma breve apresentação ........................17
CAPÍTULO 2
A revista A Defesa Nacional: uma trajetória
2.1. Revista A Defesa Nacional: uma visão geral ....................................................................26
2.2. O contexto de formulação de ideias .................................................................................27
2.2.1. O contexto Ocidental e os militares ................................................................28
2.2.2. O contexto brasileiro e os militares .................................................................31
2.3. A fundação da revista A Defesa Nacional, 1913 ...............................................................34
2.4. Os primeiros anos da revista A Defesa Nacional, 1913-1930 ..........................................41
2.5. A inserção institucional da revista A Defesa Nacional ....................................................50
2.5.1. A revista A Defesa Nacional, 1930-1960 ........................................................50
2.5.2. A revista A Defesa Nacional, 1960-1980 ........................................................58
2.5.3. A revista A Defesa Nacional, 1981-2004 ........................................................62
2.6. Considerações finais .........................................................................................................66
CAPÍTULO 3
A revista A Defesa Nacional pensa as Forças Armadas na Nova República (1990-2004)
3.1. Militares e política na Nova República: perspectivas para uma análise ...........................68
3.2. A revista A Defesa Nacional: Forças Armadas, sociedade e Estado (1990-2004) ...........72
3.2.1. O governo de Fernando Collor de Mello, 1990-1992 .....................................73
3.2.2. O governo de Itamar Franco, 1992-1994 ........................................................78
3.2.3. Os governos de Fernando Henrique Cardoso, 1995-2002 ..............................81
3.2.4. O governo de Luis Inácio da Silva, 2003-2004 ...............................................85
x
3.3. A revista A Defesa Nacional e o regime militar: um discurso para a posteridade
(1990-2004) .............................................................................................................................91
3.3.1. O Desafeto: a posse de João Goulart ...............................................................91
3.3.2. O golpe militar é justificado ............................................................................94
3.3.2.1. A desordem .........................................................................................94
3.3.2.2. O apoio civil e a união dos militares em favor do golpe de 1964......101
3.3.2.3. O golpe em defesa da democracia ....................................................104
3.3.3. O propósito do golpe justifica sua denominação: “Revolução” ....................105
3.3.4. O desenvolvimento econômico e social durante o regime militar (1964-
1985) ......................................................................................................................................107
3.3.5. A prolongada vigência do regime militar é justificada .................................107
3.3.6. A repressão ....................................................................................................109
3.3.7. A abertura política .........................................................................................110
3.3.8. A revista A Defesa Nacional e o revanchismo ..............................................112
3.4. Implicações atuais do discurso da revista A Defesa Nacional ........................................115
CONCLUSÃO ......................................................................................................................118
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................121
xi
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS:
ADN: revista A Defesa Nacional
ADP: Ação Democrática Parlamentar
AHEx: Arquivo Histórico do Exército
AHMTB: Academia de História Militar Terrestre do Brasil
AMAN: Academia Militar das Agulhas Negras
BIBLIEx: Biblioteca do Exército Editora
CCOMSEx: Centro de Comunicação Social do Exército
CGG: Comando Geral de Greve
CGT: Comando Geral dos Trabalhadores
CM: Comandos Militares de Área
Contag: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPDOC: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito
CPORs: Centros de Preparação de Oficiais da Reserva
DAC: Diretoria de Assuntos culturais
DECEx: Departamento de Educação e Cultura do Exército
DEE: Diretoria de Especialização e Extensão
DFA: Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento
DEMU: Departamento de Museus
DEPA: Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial
DOI-CODI: Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações e
Defesa Interna
DPEP: Diretoria de Pesquisa e Estudo de Pessoal
DPHCEx: Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército
ECEME: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
EMR: Escola Militar do Realengo
EsAO: Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
EsPCEx: Escola Preparatória de Cadetes do Exército
FA: Forças Armadas
IGHMB: Instituto de Geografia e História Militar do Brasil
IME: Instituto de Engenharia Militar
IPHAN: Histórico, Cultural e Artístico Nacional (IPHAN)
xii
MD: Ministério da Defesa
MHEx-FC: Museu Histórico do Exército/Forte de Copacabana
MNMSGM: Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial
OM: Organização Militar
PADECEME: Programa de Atualização dos Diplomados pela ECEME
PDN: Política de Defesa Nacional
RM: Regiões Militares
SisCEx: Sistema Cultural do Exército
xiii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES:
Figura 1– Organograma institucional da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural
do Exército (DPHCEx) ............................................................................................................20
Figura 2 – Proporção de assuntos da revista A Defesa Nacional (1990-2004) ......................64
Figura 3 – Proporção de autores da revista A Defesa Nacional (1990-2004) ........................65
Figura 4 – Proporção de patentes dos autores da revista A Defesa Nacional
(1990-2004) .............................................................................................................................65
1
Introdução
Ao longo da presente pesquisa analisamos, através de um periódico militar, a
produção discursiva marcada pela percepção de que o golpe de 1964 e o regime militar
foram necessários e geraram diversos benefícios para o Brasil de hoje. O contato com as
publicações militares começou em 20031 e neste contexto foi possível descobrir que as
Forças Armadas possuem um grande número de veículos de comunicação interna, e que
eles fornecem ao pesquisador importante material sobre a percepção dos militares a
respeito dos mais variados assuntos.
Diante do grande número de publicações do Exército, selecionamos a revista A
Defesa Nacional (ADN). Atualmente a revista ADN faz parte do grupo de publicações
do Exército brasileiro editada pela Biblioteca do Exército Editora (BIBLIEx). A escolha
do periódico está relacionada ao grupo que ele se propõe representar, os oficiais; e aos
temas que a revista pretende abordar – “revista de assuntos militares e estudo de
problemas brasileiros”. O vínculo do periódico com os oficiais está presente na
administração da revista; na autoria dos artigos publicados; e no declarado
posicionamento do periódico em expor material de interesse profissional e nacional
referentes a tal grupo.
Vale lembrar que os oficiais são os responsáveis pelo comando da corporação,
o que nos impele a pensar que o periódico possui um sentido multiplicador bastante
amplo, visto que, ao comandarem seus subordinados, os oficiais transmitem as regras da
instituição e a percepção que possuem sobre diversos assuntos.
Ao se propor explorar temas militares e nacionais, a revista ADN se distancia
dos demais periódicos publicados pela BIBLIEx: a Revista do Exército Brasileiro,
dedicada a questões técnico-profissionais; e a Revista Militar de Ciência e Tecnologia,
especializada na divulgação dos assuntos pesquisados no Instituto de Engenharia Militar
(IME), que têm, portanto, caráter mais técnico.
No campo dos estudos sobre militares, principalmente quando se propõe a
analisar a concepção de determinados grupos, cabe lembrar que: “[...] é sempre útil e
necessário relembrar que os militares não são detentores de um pensamento homogêneo
1 Realização de levantamento e coleta de fontes para auxiliar o doutorando Alexandre de Sá Avelar. A
modernização brasileira no pensamento do general Edmundo de Macedo Soares (1937-1987). Tese de doutorado em História, UFF, Niterói, 2006.
2
nem de um projeto político igualmente acatado por todos” (D`ARAUJO, CASTRO e
SOARES,1997). Desta forma, a preocupação da pesquisa aproxima-se de parcela da
literatura mais recente sobre o golpe de 1964 e o regime militar, pois se propõe a incluir
no debate acadêmico a percepção dos próprios militares2.
De maneira geral, utilizamos a análise do discurso da revista ADN como eixo
para a compreensão da percepção de segmentos militares sobre o golpe de 1964 e a
ditadura; e a problemática inicial é a veiculação, durante o período democrático, de um
discurso favorável ao golpe/regime militar. Sustentaremos a hipótese de que a
construção do discurso sobre o golpe de 1964 e regime militar através da revista ADN
pretende garantir não só um passado honroso, ou mesmo, defender a instituição dos
ataques sofridos após a ditadura, mas também a manutenção do Exército como uma
instância de poder que garante o veto sobre parte do espólio da ditadura (anistia,
documentos secretos, indenização sem incorporação, desaparecidos políticos).
Se, a definição temática de nossa pesquisa pôde ser claramente descrita, a
delimitação temporal nos impele ao impasse, visto que a definição do período
democrático, ou melhor, de um período democrático, evidencia um conhecido debate da
historiografia: quando foi estabelecida a democracia? De maneira geral, o assunto
coloca em jogo a mudança de um regime autoritário para um regime político
democrático, e, em grande medida, favoreceu o surgimento de análises que pretendem
compreender e avaliar graus de continuidade e de ruptura.
Diante da avaliação sobre a proximidade e/ou distanciamento do regime
autoritário, a literatura sobre a redemocratização – período também chamado de “Nova
República” – preocupou-se também com a proeminência da atuação militar no processo
de mudança das estruturas do regime anterior e a participação da sociedade apressando
o ritmo pretendido pela tão conhecida determinação do presidente general Ernesto
Geisel (1974-1979): lenta, gradual e segura.
O Brasil viveu um dos mais longos processos de transição do regime
autoritário para a ordem institucional democrática. Iniciado por Geisel, o movimento de
liberalização do regime prometeu, antes de tudo, conter o ritmo das mudanças dentro
dos limites tolerados pelo sistema. Porém, a historiografia nos leva a uma compreensão
de marchas e contramarchas no longo processo de reorganização democrática, marcado
pela iniciativa/controle estatal e pela pressão social.
2 Comentaremos a historiografia sobre o assunto no Capítulo 1.
3
A distensão anunciada por Geisel em 1974 deixou de fazer parte apenas das
promessas presentes nos discursos presidenciais e introduziu alterações no regime.
Porém, para manter o controle da mudança, tanto Geisel como seu sucessor, general
João Figueiredo (1979-1985), buscaram anular a ação de militares contrários à
redemocratização e, também, de grupos que pressionavam para acelerar o processo de
retorno à democracia.
Em 1974 ocorreu a revogação parcial da censura à imprensa; ainda em 1974 foi
permitido certo clima de liberdade para as eleições legislativas, com acesso dos partidos
ao rádio e à televisão, o que permitiu a frente partidária oposicionista Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) surpreender o governo com considerável avanço
eleitoral, obstado nas eleições municipais de 1976 – pela Lei Falcão3. Neste ano, após as
mortes de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, nas dependências do DOI-CODI de
São Paulo, o presidente demitiu o comandante do Exército no Estado; em 1978 ocorreu
a revogação dos atos Institucionais; e em 1979 a aprovação da anistia e o fim do
bipartidarismo. A manutenção do calendário eleitoral por Figueiredo garantiu a
realização de eleições diretas para vereadores e governadores em 1982 que, mesmo com
a manutenção da Lei Falcão causou bastante euforia, pois seria a primeira eleição direta
para postos executivos desde 1965.
Diante do ambiente de relativa liberalização política, desencadeou-se a
mobilização da população na luta pela eleição direta para presidente, prevista para
ocorrer em 1985. Após várias manifestações de grandes proporções, tornava-se nítido
que a campanha pelas “Diretas Já”4 havia se tornado unanimidade nacional para a
oposição, mas seria necessário aprová-la em outra instância: o Congresso. Na
contramão da demanda de grande parte da população, o Congresso não aprovou a
emenda que garantiria a alteração constitucional5. Este resultado pode ser compreendido
através de mecanismo empregado pelo governo no controle da mudança política:
alteração na escolha dos representantes com a criação dos senadores indiretos (1977) e o
3 A Lei Falcão vigorou de 1976 até o final do regime militar (1985), e proibia o acesso dos candidatos a cargos políticos à TV, apenas permitindo a apresentação de seus currículos e de suas fotos. (D`ARAÚJO e CASTRO, 2002). 4 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Diretas Já” de Maria Ester Lopes Moreira no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, coord. por Alzira Alves de Abreu e outros. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2001, designado ao longo do texto pelas iniciais DHBB. 5 Emenda Dante de Oliveira.
4
aumento da representação dos Estados em que o partido situacionista a Aliança
Renovadora Nacional (Arena) possuía melhor resultado eleitoral.6
De maneira geral, é possível observar a importância dos dois movimentos: o
iniciado/controlado pelo governo, com objetivo de reformular a estrutura legal
eliminando gradualmente a legislação de exceção7; e as pressões exercidas pelo
conjunto da sociedade que buscava a aceleração do processo. “[...] a estratégia
distensionista foi sendo gradualmente elaborada e redefinida em função das pressões e
resistências enfrentadas pelos governos encarregados de implementá-la” (DINIZ,1995,
p. 334).
Diante desse processo de desmonte do regime autoritário, o marco simbólico
da redemocratização brasileira foi a ascensão de um civil – José Sarney – à presidência
da República em 1985. Porém, as condições que garantiram a posse de Sarney,
reconhecidamente baseada no suporte dado pelas FA e em uma arquitetura política
precária, tornou o governo extremamente vulnerável. Assim, o processo de
desmilitarização ao longo da presidência de Sarney (1985-1990) sofreu uma limitação
de origem, acentuada pelas características do mandatário8; e pela visível interferência
militar, incoerente com a democracia, mas personificada nas ações do então ministro do
Exército, general Leônidas Pires Gonçalves.
Porém, o que nos chama a atenção é a dificuldade de incluir o governo Sarney
como pertencente ao período democrático, pois a ocorrência de muitas transformações
não pode deixar no escuro o fato de que a sua eleição foi realizada sob regras ditatoriais,
sem a participação direta da população, e que até 1988 inexistia uma constituição
democraticamente elaborada. Desta forma, o desenvolvimento da pesquisa, baseado no
recorte estabelecido por Adriano Nervo Codato (2005, p. 25), considerará que a
consolidação democrática tem seu início em 1989. Ao optarmos por uma compreensão
de democracia minimalista, caracterizada pela ocorrência de eleições livres e diretas e
pela existência de uma Constituição democrática, determinamos nossa análise a partir
do governo de Fernando Collor de Mello, iniciado em 1990, e finalizamos com o marco
dos 40 anos do regime militar, em 2004.
6 Ver Pacote de Abril de 1977 (MENDONÇA e FONTES, 2004, p. 75). 7 Utilizando, sempre que necessário, de instrumentos coercitivos para manter a liberalização sob controle. 8 Sarney fez sua vida política pelo PDS, antiga ARENA, partido pró-regime militar. Após ter ficado insatisfeito com a indicação de Paulo Maluf como candidato do PDS, Sarney buscou aproximação com o PMDB que se concretizou com sua candidatura a vice-presidente de Tancredo Neves.
5
O propósito da pesquisa ao analisar a existência de um discurso favorável ao
golpe de 1964 e ao regime militar, produzido nas fileiras do próprio Exército, está
fundamentado: (1) na demonstração de que os militares possuem uma significativa
produção de conhecimento dentro de seus próprios muros, e que não se limita a debater
temas profissionais; (2) na compreensão de que a produção interna, com significativa
presença de militares da reserva, implica na transferência de conhecimento para as
novas gerações; e (3) na constatação da relevância do discurso favorável ao
golpe/regime militar para o posicionamento de segmentos militares na atualidade. O
último fundamento relaciona-se com a construção de um passado honroso para a
corporação, com a defesa das Forças Armadas como protetora da nação e com o veto de
segmentos da corporação à proposições que visam mudanças no modelo de transição
ocorrido no Brasil (revisão da lei de anistia, reparação, divulgação de documentos
secretos).
6
CAPÍTULO 1 – Pesquisando os militares
1.1. Os estudos sobre os militares no Brasil: um balanço historiográfico
Os estudos sobre a história do Brasil durante o período republicano
dificilmente podem ignorar a presença militar, no contexto de suas pesquisas, sem
correrem o risco de suas análises se tornarem debilitadas. Tal afirmação encontra seu
fundamento na presença constante no curso da formação do Estado nacional e no peso
determinante dos militares durante os momentos políticos mais tensos da história
republicana brasileira.
Salta aos olhos a proeminência militar em diversos momentos da história
nacional. Partindo da Proclamação da República, tivemos sua primordial importância não
somente na derrubada do Império, mas também nos dois governos posteriores. Os
militares voltariam a se destacar no cenário nacional com os movimentos contestatórios
de 1922 e 1924 (tenentismo); com o reforço a Getúlio Vargas em 30, e também em 37,
durante a implantação da ditadura do Estado Novo; e, em seguida, com a destituição de
Vargas, em 1945. Em continuidade podemos citar ainda a resolução da problemática
acerca da posse de Juscelino Kubitschek; o conturbado período durante a renúncia de
Jânio Quadros; até João Goulart e a emergência de uma das crises mais profundas já
vividas pela sociedade brasileira. Sem dúvida, a mais significativa atuação dos militares
no Brasil foi a presença no poder durante as décadas de ditadura. Além de, ao seu fim,
conseguirem garantir o controle sobre a transição do regime autoritário para a
democracia.
Diversos autores propuseram estudos sobre as instituições militares, que, sem
dúvida, alteraram qualitativamente as pesquisas e os debates acerca do alcance das
análises sobre o tema. De certa forma, as propostas apresentadas a seguir, em maior ou
menor escala, auxiliaram a trilhar o caminho da presente pesquisa.
Dentre os autores que se dedicaram a propor concepções para o estudo dos
militares brasileiros, encontra-se Edmundo Campos Coelho. Na obra Em Busca de
Identidade (1976), o autor: (1) expõe introdutoriamente um balanço da literatura na
década de 1970; (2) afirma a existência de duas correntes de estudos sobre militares, a
7
instrumental e a organizacional; e (3) demonstra sua opção de abordagem pela estrutura
organizacional das FA.
De maneira geral, Campos Coelho identificou na concepção instrumental duas
premissas básicas. A primeira seria a suposição de um elevado grau de abertura do
Exército aos influxos da sociedade civil. Porém, tal postura, levada a extremos, nega a
especificidade da organização militar. A segunda, como conseqüência da premissa
anterior, seria a ausência de autonomia das Forças Armadas para formular propostas
próprias, uma demonstração de falta de interesses e objetivos distintos dos grupos e
classes. Desta forma, para Campos Coelho, a concepção instrumental associa as ações
militares aos estímulos encontrados fora dos limites da corporação:
O que as análises correntes simplesmente ignoram é todo um processo evolutivo, de transformações quantitativas e qualitativas, com o que se abstrai o Exército do seu tempo histórico particular. E estas transformações têm a ver de perto com as diferentes posições do Exército ao longo das escalas de ‘abertura’ e ‘autonomia’ em épocas distintas (COELHO,1976, p. 26).
Campos Coelho, ao questionar o valor explicativo defendido pelas premissas
da concepção instrumental, sugere três processos conexos, que marcam historicamente a
evolução do Exército e que não estariam sendo contemplados: (1) o peso crescente dos
interesses e necessidades próprias da organização como fatores de seu comportamento
político; (2) a aquisição de graus elevados de autonomia em relação ao sistema societal;
e (3) um fechamento progressivo aos influxos da sociedade civil.
Desta forma, o autor defende o enfoque organizacional, que, apesar da
variedade de orientações teóricas e metodológicas cobertas, consiste em utilizar a
organização militar como unidade de análise. O autor se propõe a considerar a
perspectiva histórica como forma de viabilizar a compreensão dos diferentes momentos
pelos quais passam as organizações militares. No entanto, sua opção pela concepção
organizacional implica, na obra mencionada, uma visão que se aproxima da
autossuficiência funcional da instituição estudada, expressa na ideia de que os militares
podem ser analisados como parte de uma totalidade.
A obra Os militares na política (1975), do brasilianista Alfred Stepan,
dedicou-se a observar a presença dos militares na política brasileira durante o período
de 1945-1968. O enfoque de análise mais abrangente do autor é considerar os militares
como um subsistema do sistema político global (STEPAN, 1975, p. 9). Diante da
delimitação feita por Stepan, a obra possui como objetivo pesquisar as condições
8
políticas e econômicas que sustentaram e/ou corroeram diferentes padrões de
relacionamento entre civis e militares no Brasil.
A pesquisa de Stepan tornou-se referência para inúmeros trabalhos ao propor
esclarecer a relação existente entre civis e militares no Brasil até 1964 e as mudanças
ocorridas no país e nas instituições militares que fizeram de 1964 uma intervenção
militar sui generis na história nacional.
Em conclusão, Stepan propõe um novo modelo para compreender o padrão das
relações entre civis e militares no Brasil: o “poder moderador”9. O autor afirma que o
padrão moderador foi mantido pelas FA brasileiras até 1964, quando os militares se
dispunham a interferir na vida política, muitas vezes acima do Executivo, sem, contudo,
assumir o poder de fato (STEPAN, 1875, p. 50). Porém, o golpe de 1964, segundo
Stepan, representou uma mudança no padrão tradicional de relacionamento entre civis e
militares no Brasil. A ruptura mais nítida com o “poder moderador” em 1964 realizou-
se na própria ocupação do poder político por militares e sua posterior continuidade.
Entretanto, Stepan relaciona a mudança no papel dos militares a alterações de ordem
nacional: a descrença de grupos políticos no regime; a crise econômica; a crescente
mobilização social; e a emergência e politização de grupos anteriormente
marginalizados (STEPAN, 1975, p. 9 e 103).
Desta forma, durante um contexto histórico extremado, os militares se
dispunham a ser não mais os moderadores, mas os dirigentes da política: “A crença
generalizada na crise iminente desempenhou um papel decisivo na erosão dos limites do
ativismo militar que até agora haviam impedido que os militares assumissem o controle
do governo” (STEPAN, 1975, p. 101).
A obra Os partidos militares no Brasil (1980), organizada por Alain Rouquié,
traz uma compilação de artigos, escritos por diferentes especialistas que, associados ao
Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais, se propunham a refletir sobre o tema
das FA como forças políticas.
O título da obra – Os partidos militares no Brasil – vislumbra, inicialmente,
uma incoerência com a própria determinação constitucional das FA brasileiras10. Mas,
9 O termo “poder moderador” possui um sentido específico para o caso brasileiro, visto que, durante a vigência da Monarquia, o imperador possuía a faculdade constitucional de intervir nos conflitos. Desta forma, o modelo descrito ao longo da obra de Stepan indica o poder militar de moderar o sistema político em momentos de crise (STEPAN, 1975, p. 52). 10 Ao militar é proibida a filiação a partidos políticos e a sindicalização. Ver Constituição de 1988, art. 142.
9
segundo Rouquié, trata-se apenas de uma metáfora na qual pretende assinalar a
perspectiva escolhida:
[...] as Forças Armadas podem ser forças políticas que desempenham, por
outros meios, as mesmas funções elementares que os partidos, e sobretudo que conhecem em seu seio – tanto quanto os partidos, mas segundo outra lógica – processos de deliberação, de tomada de decisão, e até mesmo de união e articulação sociais (ROUQUIÉ, 1980, p. 13. Grifos no original).
Além de destacar o trânsito das FA no terreno das articulações e pressões
políticas, a obra de Rouquié (1980) se propõe a se distanciar da concepção de análise
instrumental e afirma que as segmentações entre militares – “os partidos” – fazem parte
do cotidiano das FA. “Se o Exército Brasileiro mantém elevado nível de coesão
institucional, nem por isso é menos disputado nas lutas civis e, como tal, penetrado e
politicamente fracionado pelos interesses em jogo” (ROUQUIÉ, 1980, p. 17).
Os artigos que compõem a obra de Rouquié cobrem um recorte cronológico
que se estende do primeiro ano da República até o governo Geisel. Os temas também se
apresentam de forma variada, como, por exemplo, as disputas pela modernização do
Exército através da influência estrangeira e os conflitos militares desencadeados pelas
decisões políticas durante a presidência de Geisel. De maneira geral, além de
considerarem as FA como forças políticas, todos os artigos fomentam a interação da
instituição militar com as instâncias civis e os conflitos gestados dentro da própria
corporação, que, mesmo se processando no meio militar, não são necessariamente
originários dele ou estão restritos a ele.
O contexto de produção das obras comentadas acima é marcado historicamente
pelo regime militar, que acumula a censura e os limites de acesso a fontes como
principais problemáticas para a produção dos estudos históricos. Neste contexto, uma
boa parte da literatura produzida sobre os militares brasileiros estava sendo organizada
no exterior, seja por brasileiros ou estrangeiros.
Em contraposição, as obras a seguir datam dos anos posteriores à década de
1990. Neste sentido, a literatura esteve marcada pela consolidação da democracia, que
nos estudos sobre militares facilitou o acesso a fontes e a divulgação do material. Outro
fator que contribuiu para o aprofundamento dos estudos sobre as instituições militares
foi a consolidação de programas de pós-graduação e de setores de pesquisa e produção
acadêmica a partir dos anos 198011.
11 Por exemplo, o Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da UNICAMP criado em 1985.
10
Ao selecionar o livro de José Murilo de Carvalho, Forças Armadas e política
no Brasil (2005), nos deparamos com algumas dificuldades. A primeira associa-se a
variedade dos momentos de produção dos artigos compilados na obra, estes datam
desde a década de 1970 até o ano de 2004. A segunda é a multiplicidade presente na
obra referente à: temática, concepção de análise e/ou recorte cronológico. Todavia, não
optamos por destacar a variedade dos artigos compilados na obra, mas sim a relevância
que o autor aponta para os estudos sobre os militares, uma de suas maiores
contribuições.
Diante da importância e da atualidade dos estudos sobre os militares, Carvalho
indica que duas paredes precisam ser transpostas: (1) a resistência ao estudo dos
militares, seja de caráter político, social ou acadêmico; e (2) a falta de conhecimento
acerca dos militares e suas instituições. Desta forma, segundo o autor, o caminho a ser
traçado após o regime militar depende, em grande medida, de tornar a discussão militar
parte do debate democrático geral.
Atento à produção acadêmica, Carvalho comenta o crescimento dos estudos
sobre os militares e a diferença entre as primeiras pesquisas, que possuíam viés quase
exclusivamente político, para as tendências mais atuais, onde predominam abordagens
de história social e cultural. Embora o autor demonstre aceitação em relação às novas
propostas sobre os estudos dos militares brasileiros, ele afirma que a dimensão política
ainda se justifica. Pois, mesmo diante de uma nova geração de militares e de uma nova
conjuntura nacional e internacional, “[...] ainda há feridas abertas resultantes do período
dos governos militares” (CARVALHO, 2005, p. 196).
Por fim, analisaremos a obra Nova História Militar Brasileira (2004),
organizada por Celso Castro, Vitor Izecksohn e Hendrik Kraay. Sua formulação cumpre
principalmente duas propostas: (1) enfatizar o amplo papel desempenhado pelas
instituições militares na sociedade brasileira; e (2) apresentar o que se convencionou
chamar de “nova história militar”. Para garantir o alcance de suas principais propostas,
os organizadores da obra compilaram diversas pesquisas recentes sobre as Forças
Armadas.
Segundo os autores de Nova História Militar Brasileira, somente a partir da
década de 1890 emergiu um gênero identificável de história militar brasileira. Entre as
características deste gênero inicial estavam o predomínio de escritores militares, o apoio
institucional do Exército e a ênfase em aspectos românticos e patrióticos.
11
A chamada “nova história militar” se propõe a considerar a história militar
como parte da história nacional e compreende que os militares brasileiros não se
encontram isolados da sociedade, embora possuam suas especificidades e uma relativa
autonomia. “Não se pretende reduzir a compreensão da instituição militar a fenômenos
sociais de outra ordem, que a determinariam, e sim prestar grande atenção à interação
entre Forças Armadas e sociedade” (CASTRO, IZECKSOHN, KRAAY, 2004, p. 12).
A obra de Castro, Izecksohn e Kraay se propõe a expor novos campos de
reflexão acerca da história militar, principalmente novos temas, com destaque para o
cultural, o social e o cotidiano. Os artigos apresentados na obra são pesquisas destinadas
a origem social; vínculos de sociabilidade; sistemas de progressão e punição; guerras;
atuação no processo de unificação territorial; revoltas; e questões de gênero. Desta
forma, o estudo da relação entre Forças Armadas e os processos políticos não se
destaca, com exceção do artigo de Renato Lemos acerca do poder Judiciário e poder
militar entre 1964-69.
Se, a princípio, a obra Nova História Militar Brasileira destoa das obras
anteriores, veremos que não tanto quanto imaginávamos. A obra nos remete à afirmação
de Jacques Le Goff (1988) sobre a renovação histórica. Segundo Le Goff, esta
renovação se realiza através da ampliação no campo das análises históricas, seja ela de
forma temática, teórica e/ou metodológica. A obra Nova História Militar Brasileira,
no âmbito dos estudos militares, reafirma a necessidade de observação acerca da
interação das Forças Armadas com a sociedade. Embora não priorize a expressão das
Forças Armadas na dinâmica política nacional, expõe, de variados ângulos, as
possibilidades de se compreender a história militar em associação contínua com a
história nacional.
As obras comentadas acima não esgotam a temática dos estudos sobre os
militares brasileiros, nem mesmo constroem um caminho linear a ser seguido. Mas, vale
lembrar que, o estudo da expressão e da interação sócio-política do setor de organização
e difusão de conhecimento e cultura das Forças Armadas não possui uma literatura
específica. Desta forma, para o desenvolvimento de nossa pesquisa, nos reportamos ao
auxílio das obras comentadas e buscamos traçar ao longo de nossa análise algumas
concepções gerais: (1) os militares não formam um grupo homogêneo; (2) os militares
se associam ou se distanciam entre si e com civis para defenderem determinados
interesses; e (3) a instituição militar pode ser foco de análise sem que sua interação com
o nacional seja descartada.
12
Desta forma, concluímos que os militares, por sua composição e pela natureza
de sua função, estão em constante interação com as chamadas questões civis. Porém, no
caso militar, a compreensão das tensões nacionais é “refratada pelo prisma institucional
militar” (ROUQUIÉ, 1980, p. 20).
Neste sentido, os estudos dos militares devem estar em plena consonância com
a realidade do regime político vigente e com o grau de controle e/ou autonomia das
Forças Armadas. Porém, é preciso compreender que o controle civil, que atualmente
possui como seu principal veículo o Ministério da Defesa, não se resume apenas à
subordinação militar às instâncias governamentais. Portanto, algumas das tarefas acerca
das relações civis-militares hoje, em consonância com um contexto de consolidação do
regime democrático, devem ser endereçadas à forma, à função e ao desempenho dos
mecanismos da própria corporação.
A proposta desenvolvida ao longo da pesquisa está baseada na análise da
expressão política de uma parcela do Exército através do estudo de um representante do
setor editorial. O setor editorial do Exército se organiza segundo preceitos da hierarquia
militar; dos setores educacionais da força; das necessidades profissionais; e de
conhecimentos gerais. Porém, este referencial institucional, que também se propõe a
pensar a sociedade e o papel a ser desempenhado pelo Exército, possui limites
orçamentários, constitucionais e de estratégias governamentais.
1.2. Entrevistas, discursos e literatura institucional: possibilidades para os estudos
sobre as Forças Armadas
De forma complementar ao debate historiográfico anterior, analisaremos a
seguir obras que se destacaram no campo acadêmico por buscarem na própria fala ou na
escrita de militares sua fonte histórica ou seu objeto de pesquisa. Tais obras
desencadearam o surgimento de novas perspectivas analíticas para a compreensão dos
militares. Embora não exista uma unidade teórica e/ou metodológica entre elas, todas
partem de uma mesma premissa, a de que é relevante a análise da percepção dos
próprios militares sobre os mais diversos assuntos.
Na década de 1990, os trabalhos realizados no Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) por Maria Celina
13
D`Araújo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro (1994a, 1994b, 1994c, 1995 e
1997)12 estabeleceram novos parâmetros de análise sobre o golpe de 1964 e o regime
militar ao utilizarem um novo recurso: a entrevista. As obras publicadas pelos
pesquisadores do CPDOC são baseadas ou compostas por parte do amplo material
obtido através de uma série de depoimentos concedidos por militares. Os depoentes, em
sua grande maioria, não desempenharam papel de liderança nos preparativos do golpe,
mas foram fundamentais na implementação e manutenção do regime.
Analisando a publicação de uma trilogia (1994a, 1994b e 1995) sobre o golpe
de 1964 e a ditadura, observamos a preocupação dos pesquisadores do CPDOC com o
desafio de compor um projeto de memória militar, dando ênfase na percepção dos
militares sobre a atuação política de sua corporação no Brasil de 1964-1985. Desta
forma, a pesquisa destaca de maneira intencional os depoimentos dos próprios militares
como parte da explicação da ascensão e queda do poder militar.
Se isso acarreta problemas metodológicos que não podem ser desconsiderados, por outro lado tem ficado evidente, pelas publicações anteriores, que o procedimento tem tido resultados positivos e tem contribuído para novas reflexões (D`ARAUJO, CASTRO e SOARES, 1995, p.8).
A proposta inovadora de D`Araujo, Castro e Soares de entrevistar oficiais que
atuaram no período de ditadura militar produziu um enorme corpo documental acerca da
“visão militar” sobre o regime autoritário, o que possibilitou a exposição da avaliação
dos militares entrevistados sobre sua experiência na política e os principais problemas
enfrentados pela instituição nesse período. Além das já citadas contribuições, as
pesquisas desenvolvidas por D`Araujo, Castro e Soares conseguiram, pela primeira vez,
elucidar parte importante das estruturas de comando, decisão e repressão, formuladas
pelos militares durante o regime de exceção.
A preocupação com o posicionamento dos militares após o regime autoritário
também foi tema da obra do jornalista Hélio Contreiras (1998). A proposta de
entrevistar militares sobre o período em que estiveram à frente do poder político já
estava consolidada pelas pesquisas desenvolvidas no CPDOC. Porém, a obra de
Contreiras nos serve mais como demonstração de que os militares, diferentemente do
que muitos imaginavam, estão dispostos a falar. Muitos militares veem a necessidade de
se pronunciarem para que possam angariar a compreensão da sociedade, visto que as
12 A última obra citada, Ernesto Geisel (1997), é apenas de autoria de Celso Castro e Maria Celina D`Araújo.
14
Forças Armadas, e especialmente o Exército, ficaram como vilãs do período histórico de
1964-1985.
Embora o livro de Contreiras não evidencie novidades para os estudiosos do
assunto, ele expões o balanço histórico que alguns militares fizeram sobre o regime
autoritário. A organização do livro demonstra algumas deficiências, entre elas a falta de
esclarecimentos sobre a escolha dos militares e sobre a edição do material, além da
ausência das perguntas realizadas durante as entrevistas. Mesmo assim, os depoimentos
coletados por Contreiras nos indicam que os militares entrevistados possuíam críticas ao
regime militar, apontando a existência de “desvios” e “excessos” cometidos durante a
ditadura, embora não admitam participação nos mesmos, e apresentem a opinião de que
o movimento de 1964 sofreu “distorções” e se prolongou no poder.
Ainda segundo a perspectiva de construção da memória dos militares, Aline
Prado Atassio desenvolve a dissertação A batalha pela memória: os militares e o golpe
de 1964 (2007). A pesquisa de Atassio analisa a memória dos militares sobre o golpe de
1964 através da publicação Coleção História Oral do Exército. 1964: 31 de março –
O Movimento Revolucionário e sua História (2003), editada pela BIBLIEx.
Atassio afirma que esta obra tenta recompor a relação passado-presente através
da memória e é utilizada como tática de sobrevivência emocional do grupo, desgastado
com os inúmeros ataques sofridos, dado que a versão vencedora da “batalha pela
memória” seria a daquele grupo que perdeu o combate político em 1964. Outra
importante função da obra publicada pela BIBLIEx é estabelecer “homogeneidade” e
“virtudes” do movimento de 1964 para a atual geração de militares.
Em conclusão, Atassio afirma que os militares, enquanto grupo social,
procuraram, através das entrevistas, legitimar a intervenção da qual fizeram parte, além
de garantir o lugar da memória institucional sobre o evento, em resposta às versões
predominantes na literatura sobre o tema.
Saindo do campo das pesquisas sobre memória, a tese de Amanda Pinheiro
Mancuso Entre terra e mar: história e política na narrativa oficial das forças armadas
brasileiras – os casos do Exército e da Marinha (2007) se destina à análise da narrativa
histórica oficial da Marinha e do Exército. Além disso, a tese se dedica a pesquisar as
construções históricas destas corporações, expressas em suas publicações oficiais
História do Exército Brasileiro e História Naval Brasileira.
Embasada no princípio de que o discurso histórico permite compreender
aspectos da auto-imagem militar, Mancuso propõe aproximar-se de questões
15
concernentes à identidade militar. A tese de Mancuso compreende, através da
abordagem discursiva, a imagem que as instituições – Exército e Marinha – produzem
ao longo do tempo sobre si mesmas e que apresentam aos outros, tendo em vista a
forma como querem ser percebida por eles.
Desta forma, Mancuso demonstra que o estudo da história oficial constitui um
aspecto importante para a compreensão dos militares, pois permite compreender a
maneira como esses atores concebem sua inserção no contexto nacional: “[....] a
compreensão militar dos problemas nacionais está diretamente relacionada à sua forma
de pensar a história do Brasil e, através dela, sua inserção” (MANCUSO, 2007, p. 262).
A leitura da obra de Mancuso nos faz observar uma nítida aproximação com a
abordagem realizada no decorrer desta pesquisa sobre a revista A Defesa Nacional.
Propomos, através do discurso veiculado pelo periódico, compreender a concepção dos
militares sobre sua existência e sua inserção na sociedade, visto que demarcam posições
e disputam espaço com os demais grupos sociais. Desta forma, para analisar o discurso
como prática social nos reportamos, assim como Mancuso, ao instrumental analítico do
campo de conhecimento da análise de discurso.
No Brasil, o início das pesquisas sobre a análise de discurso tem sua origem no
conjunto de postulados teóricos e metodológicos desenvolvidos pelo filósofo francês
Michel Pêcheux e por seu grupo de pesquisa13. A partir de sua introdução no Brasil, a
análise de discurso foi se consolidando e se tornou progressivamente uma disciplina
bastante respeitada no universo acadêmico, com destaque para o cenário lingüístico.
Entretanto, com o aprofundamento dos estudos, a análise de discurso brasileira ficou
cada vez mais distante das inflexões epistemológicas de sua origem francesa. Assim
sendo, a partir dos anos 1980 o que se observa no cenário francês da análise de discurso
é sua progressiva gramaticalização e um significativo distanciamento em relação à
dimensão histórica do discurso. Enquanto, no Brasil, em contrapartida, existe uma
tendência a conservar a concepção histórica, especialmente política dos discursos.
Nesse contexto, a análise de discurso envolve a reflexão acerca das condições
de produção dos textos analisados, as quais se situam em um contexto histórico, no qual
a linguagem deve ser apreendida como uma atividade de prática social. Esse exercício
analítico, o discurso como prática social, só é possível devido às características que
formam este tipo de fonte, na medida em que é um meio de ação sobre o mundo, sobre
13 Para alguns estudiosos do assunto, a fundação da disciplina Análise de Discurso está associada à obra que Michel Pêcheux lança em 1969: Análise Automática do Discurso.
16
os outros, e é também um meio de representação (ORLANDI, 1996 e 2001; e
PIOVEZANI, 2008)
Portanto, o discurso é em si uma rica fonte de análise sobre a vida social e
política, mas sua importância cresce ainda mais se observarmos os efeitos e funções que
são construídos a partir dele. Neste sentido, a produção de maior relevância acerca do
discurso militar realizada no Brasil pertence a José Luiz Fiorin (1988) e a Freda
Indursky (1997).
A obra O regime de 1964: discurso e ideologia (1988), de José Luiz Fiorin,
está circunscrita à análise do discurso do marechal Castello Branco, que o autor elegeu
como representante dos que ocuparam o núcleo do poder em 1964. A proposta do
estudo é demonstrar as lacunas e os fundamentos de legitimação durante a organização
do discurso “revolucionário”, especialmente ao apontar que o discurso tenta fazer crer
que formas aparentes/parciais do real constituíam a realidade total.
Segundo Fiorin, os discursos de Castello Branco estruturam uma interpretação
dos fatos que estabelece funções sociais para os grupos envolvidos no episódio de 1964.
Entre as determinações contidas nos discursos de Castello Branco encontramos: (1) as
Forças Armadas como sujeito da ação e instrumento para alcance dos objetivos de
ordem/controle do caos; (2) o povo como destinador do poder das FA; e (3) Goulart, o
sujeito a ser combatido. Desta forma, o discurso busca fundar um “saber-verdadeiro”
(FIORIN, 1988, p. 104), a fim de que ele possa ser comunicado e aceito. O argumento
do autor é que o discurso legitimador de 1964 é construído em torno de uma imposição
discursiva, que determina papéis para os atores sociais e organiza as prioridades
nacionais baseadas nos objetivos dos que produzem o discurso.
O reforço às pesquisas sobre os militares através da análise de discurso deu-se
com a publicação da obra A fala dos quartéis e as outras vozes (1997), de Freda
Indursky. O livro de Indursky, resultado de sua tese de doutorado, detém-se na
compreensão dos discursos presidenciais de 1964-1984 e das relações que se
estabelecem em sua produção.
De maneira geral, Indursky estrutura a compreensão dos discursos dos
presidentes militares com base na conjuntura autoritária e nos objetivos a serem
alcançados através deles. Desta forma, sua análise problematiza: (1) a delimitação sobre
o que pode/não pode ser dito; (2) a naturalização das propostas em curso; e (3) a
homogeneidade imaginária do discurso autoritário.
17
Diante dos trabalhos produzidos sobre os militares a partir da análise de
discurso, podemos concluir que a mais evidente das contribuições está na percepção
desse novo objeto – o discurso – como um processo, indagando sobre as condições de
sua produção, a partir do pressuposto de que o discurso é determinado pelo tecido
histórico-social que o constitui. No sentido de procurar compreender a língua “fazendo
sentido” como trabalho social (ORLANDI, 1996).
As obras apresentadas acima, seja no campo da construção da memória seja no
campo da análise de discurso, fizeram emergir novas possibilidades para a compreensão
dos militares na história nacional. Entre seus principais avanços, os estudos comentados
trabalham fundamentalmente na consolidação da concepção dos militares diante da
realidade social e política.
Neste sentido, nos deparamos com um campo de pesquisa fundamental para a
formação militar e que se encontra estranho à maior parte dos estudos sobre as FA.
Estamos nos referindo aos instrumentos que administram, produzem e divulgam
conhecimento e cultura dentro das FA, partindo do pressuposto de que as instituições
militares não atuam apenas na direção da guerra, mas, também de maneira sistemática,
através de processos de formação militar e, principalmente, pela produção e consumo de
conhecimento a partir desses espaços de formação.
1.3. Organização cultural e intelectual do Exército: uma breve apresentação
Os pressupostos das pesquisas sobre a análise da concepção militar
estabeleceram novos paradigmas para os estudos sobre as Forças Armadas,
principalmente a compreensão de que os militares mantêm em constante atividade a
produção de conhecimento sobre si e sobre os outros. Desta forma, iniciaremos a análise
de nosso objeto de estudo – o discurso contido na revista A Defesa Nacional – através
da inserção do periódico no contexto mais amplo de produção e difusão de
conhecimento e cultura do Exército brasileiro.
Primeiramente nos detemos na exposição dos organismos que centralizam e
coordenam a administração do sistema de ensino e cultura do Exército. Em seguida,
nosso foco de análise será voltado para a Biblioteca do Exército Editora (BIBLIEx),
principal responsável pela difusão de material impresso produzido pelo Exército.
18
Os estabelecimentos do Exército destinados a questões culturais e intelectuais
possuem uma organização centralizada bastante recente. Embora o Exército, desde
1792, já contasse com uma escola formalmente organizada, a Real Academia de
Artilharia Fortificação e Desenho, somente em 1915 surge o primeiro órgão específico
para sistematizar o ensino e a produção de conhecimento na instituição. Surge então a
Inspetoria do Ensino Militar (1915), órgão que foi substituído sucessivamente pela
Inspetoria Geral de Ensino do Exército (1937), pela Diretoria de Ensino do Exército
(1943), pela Diretoria Geral de Ensino (1952) e pelo Departamento de Ensino e
Pesquisa (1970).
Criado em 2008, o Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx),
é herdeiro dos órgãos citados anteriormente. A proposta do DECEx é organizar e
administrar de maneira centralizada as atividades de ensino, pesquisa e cultura no
âmbito do Exército. Entre os encargos sob responsabilidade do DECEx14 podemos citar:
- administrar a execução das políticas de ensino e pesquisa e promover a evolução e o
aperfeiçoamento dessas;
- cooperar na formulação e no desenvolvimento da doutrina militar terrestre;
- distribuir os recursos necessários ao ensino e à pesquisa;
- homologar métodos, processos, estudos e manuais referentes à sua área de atuação;
- estabelecer e manter contatos com a comunidade nacional de ensino e pesquisa; e
- participar das ações gerais da Força Terrestre do Exército Brasileiro.
As inúmeras atribuições e a preocupação com os assuntos culturais e
intelectuais no Exército geraram outros órgãos subordinados ao DECEx, porém com
funções mais específicas. Entre eles encontramos: a Diretoria de Ensino Preparatório e
Assistencial (DEPA); a Diretoria de Especialização e Extensão (DEE); a Diretoria de
Formação e Aperfeiçoamento (DFA); a Diretoria de Pesquisa e Estudo de Pessoal
(DPEP); e a Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx).
A DEPA, criada em 1973, atualmente é responsável pelos Colégios Militares
espalhados pelo país e pela Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). Os
Colégios Militares oferecem educação básica, nos níveis do ensino fundamental e
médio, e possuem caráter preparatório para a profissão militar ou assistencial para os
que, aprovados em processo seletivo, não quiserem seguir carreira na profissão das
armas.
14 Informações retiradas de http://www.decex.ensino.eb.br/ - Consultado em 10 de março de 2010.
19
A criação da DEE, em 1970, pretendia acompanhar a evolução/modernização
das questões militares. Mantendo sua missão originária, hoje a DEE é responsável pelos
cursos de especialização e extensão para oficiais e praças e, também, pelos cursos de
formação de oficiais do quadro complementar, de aperfeiçoamento de sargentos e de
saúde15.
A DFA é o órgão responsável, principalmente, pelas escolas de formação e
aperfeiçoamento dos oficiais superiores do Exército. Encontramos sob sua
responsabilidade os Centros de Preparação de Oficiais da Reserva (CPORs); a Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME); a Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais (EsAO); e a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)16. A DFA também
está encarregada do aperfeiçoamento da doutrina de emprego das FA através do
desenvolvimento e/ou da participação em pesquisas.
Mais recentemente, foi criada a DPEP (2002); com a destinação de servir de
centro referencial em treinamento físico militar, medicina esportiva e desporto. Esta
diretoria também atua na seleção, avaliação e capacitação de pessoal.
A última das diretorias subordinadas ao DECEx é a DPHCEx. Criada em 2008,
a DPHCEX substituiu a antiga Diretoria de Assuntos Culturais (DAC), criada em 1990.
Sem grandes mudanças, a DPHCEx atua de forma técnico-normativa, sendo
responsável pelo planejamento, coordenação e fiscalização das atividades culturais e
intelectuais do Exército Brasileiro; pela preservação do patrimônio histórico e artístico
do Exército; e pela divulgação da história militar. Desta forma, a DPHCEx deve servir
como fonte de estímulo ao estudo e à pesquisa de assuntos nacionais. Abaixo,
observamos os encargos da DPHCEx e, em seguida, na Figura 1, o organograma
referente a sua estrutura institucional.
- supervisionar as atividades e eventos do Sistema Cultural do Exército (SisCEx);
- propor normas para a preservação, utilização e difusão do patrimônio histórico e
artístico cultural de interesse do Exército;
- controlar e coordenar as atividades referentes à catalogação e à difusão dos bens
materiais que compõem o acervo cultural do Exército;
15Estão sob responsabilidade da DEE as seguintes escolas: Escola de Saúde do Exército/EsSE, Escola de Material Bélico/EsMB, Escola de Instrução Especializada/ EsIE, Escola de Comunicações/ EsCOM, Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea/ EsACosAAe, Escola de Administração do Exército/EsAEx. 16Também estão sob responsabilidade da DFA a Escola de Sargentos das Armas e a Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos.
20
- cooperar com o sistema de ensino, na busca da elevação do nível técnico, profissional
e cultural dos quadros;
- elaborar e supervisionar o plano de atividades culturais;
- propor convênios e parcerias com a finalidade de melhor aproveitamento, conservação
e funcionamento dos museus, bibliotecas e sítios históricos sob jurisdição do Exército;
- ligar-se ao Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e à Academia
de História Militar Terrestre do Brasil (AHMTB);
- ligar-se com o Ministério da Cultura, por intermédio do Instituto do Patrimônio
Histórico, Cultural e Artístico Nacional (IPHAN) e do Departamento de Museus
(DEMU), e com outros órgãos públicos para tratar de assuntos culturais;
- planejar a distribuição dos recursos financeiros destinados a projetos e atividades de
interesse cultural do Exército; e
- controlar e executar simpósios ou seminários sobre assuntos culturais, com vistas ao
fortalecimento do sistema cultural do Exército.
Figura 1. Organograma institucional da DPHCEx
Conforme descrito, figura entre as atribuições da DPHCEx a supervisão do
Sistema Cultural do Exército (SisCEx). De acordo com a Diretriz Estratégica do
Sistema Cultural do Exército, Portaria nº 615, de 29 de outubro de 2002, o SisCEx se
enquadra como um subsistema do Sistema de Ensino. Esta diretriz estabelece como
21
orientação geral, atuação do SisCEx em três estágios complementares: (1) a valorização
da cultura e da história militar; (2) a preservação e a divulgação do patrimônio histórico
e educacional militar, coexistindo com um processo contínuo de desenvolvimento e
aperfeiçoamento da mentalidade coerente com a realidade social do país e com a
evolução da humanidade; e (3) a busca pela harmonia entre entidades militares e civis,
favorecendo os anseios do povo brasileiro (Diretriz Estratégica do Sistema Cultural do
Exército, 2002).
A Diretriz Estratégica do Sistema Cultural do Exército, ao criar o SisCEx
estabeleceu a sua estrutura básica, reiterando e ajustando, na verdade, um sistema que
há anos vinha funcionando de forma menos integrada. O SisCEx hoje é constituído pela
DPHCEx e suas organizações diretamente subordinadas; pelo Centro de Documentação
do Exército; pelos Comandos Militares de Área (CM)17; pelas Grandes Unidades; e
pelas Regiões Militares (RM)18. O objetivo desta nova e ampla estrutura é alcançar
melhor capacidade de difusão da cultura e do conhecimento militar em todo o país,
conforme os objetivos da Política Cultural do Exército.
Desta forma, observamos que o SisCEx possui uma dupla função no Exército.
Além de ser o depositário do patrimônio material e imaterial da Força, também tem
como função oferecer condições para a conservação e difusão deste material. O
patrimônio histórico material é caracterizado pelos objetos, construções, sítios
históricos, monumentos e bens artísticos preservados ao longo da história da Força,
enquanto o patrimônio histórico imaterial é traduzido pelos costumes e tradições, pelas
crenças e valores e pelas ações históricas e cotidianas do Exército.
Todos os comandos, em todos os níveis, integram o SisCEx, o que lhe garante
função capital para o fortalecimento da coesão dos integrantes do Exército através da
cultura e de conhecimentos gerais sobre a Força e o país. Além da reconhecida função
interna, o SisCEx também interage com órgãos civis, como o Ministério da Cultura e o
Ministério da Justiça. O principal objetivo da interação entre militares e civis através do
SisCEx é estimular o interesse da sociedade pela corporação e fazer com que a própria
sociedade valorize e reconheça que o patrimônio que o Exército possui pertence a
própria sociedade.
17 No Brasil, a atuação do Exército é organizada em Comandos Militares, conforme suas áreas de atuação. Os comandos atualmente são divididos em: Comando Militar da Amazônia; Comando Militar do Oeste; Comando Militar do Planalto; Comando Militar do Nordeste; Comando Militar do Leste; Comando Militar do Sudeste e Comando Militar do Sul. 18 As Regiões Militares (RM) fazem parte da estrutura organizacional do Exército e são subdivisões dos Comandos Militares. Subordinadas aos CM, o Brasil conta hoje com doze RM.
22
A DPHCEx, que faz parte do SisCEx, executa suas atividades através das
Organizações Militares a ela diretamente subordinadas: o Arquivo Histórico do Exército
(AHEx); o Museu Histórico do Exército/Forte de Copacabana (MHEx/FC); o Museu
Militar Conde de Linhares; o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra
Mundial (MNMSGM); e a BIBLIEx.
O Arquivo Histórico do Exército tem sua origem marcada pela criação do Real
Archivo Militar, em 1808, por D. João. O órgão criado por D. João tinha a incumbência
de conservar cartas gerais, particulares, geográficas, topográficas e marítimas do Brasil
e dos Domínios Ultramarinos. Em 8 de março de 1934, transformado em Organização
Militar, recebeu o nome de Arquivo do Exército; e, em 5 de setembro de 1986, passou
a ser Arquivo Histórico do Exército, sua atual denominação.
Ao longo do tempo, o AHEx foi incorporando riquíssimo acervo19 de
documentos oriundos das ações desenvolvidas pelo Exército, de antigos Ministérios e
de extintas OM, contando inclusive com material iconográfico. O AHEx tem sob sua
responsabilidade preservar todo o patrimônio que acumulou e, principalmente,
conservar e manter a memória institucional do Exército Brasileiro20.
A criação do Museu Histórico do Exército (MHEx-FC) nas dependências do
Forte de Copacabana, em 1987, também faz parte da proposta de preservação,
salvaguarda e disseminação da memória histórica do Exército Brasileiro, além da
atuação como um espaço cultural. O MHEx-FC atualmente é responsável pelo Museu
Militar Conde de Linhares, pelo Pantheon de Caxias e pela Casa Histórica de
Deodoro21.
Já o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, inaugurado
em 1957, associa, em homenagem aos brasileiros mortos na Segunda Guerra Mundial,
um monumento, um mausoléu e um museu. Todos destinados não só à homenagem aos
mortos, mas também à memória da participação do Brasil na guerra.
A BIBLIEx, último órgão subordinado ao DPHCEx que analisaremos, se
diferencia substancialmente dos demais. A BIBLIEx foi fundada em 1881 pelo
advogado e político Franklin Dória, também conhecido como Barão de Loreto, e então
Ministro da Guerra. O intuito de investir na formação dos militares não garantiu à
19 Podemos como parte do acervo: os Boletins do Exército; diversos periódicos, os Almanaques de Oficiais, documentos sobre a FEB, sobre a Missão Militar Francesa, sobre a Missão de Paz em Angola.... 20Informações retiradas do site do AHEx. 21 Informações retiradas de http://www.fortedecopacabana.com – Consultado em 10 de março de 2010.
23
BIBLIEx uma vida muito longa, sendo fechada 44 anos após sua fundação22. Entretanto,
em 1937, durante a gestão do ministro da Guerra General Eurico Gaspar Dutra, a
BIBLIEx foi reaberta. Seu modelo original foi alterado, já que inicialmente a sua
organização se destinava à formação de uma biblioteca de consulta e, em 1937, foi
transformada por decreto também em editora. Atualmente acumula, além dessas
ocupações23, a organização de atividades culturais ligadas a premiações, exposições,
cursos, conferências e intercâmbios.
A BIBLIEx edita hoje livros e periódicos. Suas publicações são organizadas
internamente de acordo com o objetivo de consolidar um setor de produção voltado para
o modo de pensar militar, embora não limite o acesso de civis – pelo contrário, a
BIBLIEx afirma incessantemente a pretensão de atender a este público, enfatizando que
suas publicações despertam o interesse de diversos pesquisadores. Sem dúvida, a
função central do setor editorial da BIBLIEx é consolidar valores educacionais e
utilitários, além de aprimorar a competência e o nível acadêmico de seus componentes
nos mais diferentes assuntos profissionais e de conhecimentos gerais.
A BIBLIEx publica, atualmente, três revistas quadrimestrais: a Revista do
Exército Brasileiro, fundada em 1882 (MOTTA, 2001, p. 148); a revista A Defesa
Nacional, fundada em 1913; e a Revista Militar de Ciência e Tecnologia, fundada nos
anos 1980.
O Exército Brasileiro possui uma longa tradição de publicação de periódicos.
Hoje, além das revistas publicadas pela BIBLIEx, circulam na corporação outras
publicações. Entre elas a revista Verde Oliva e o Noticiário do Exército, ambas ligadas
diretamente ao Comandante do Exército e ao Centro de Comunicação Social do
Exército (CCOMSEx).
Através das obras de Umberto Peregrino (1967) e de Francisco de Paula
Cidade (1959) é possível recuperar uma parcela da história das publicações militares.
Ambos declaram a importância dos periódicos para a formação profissional do militar.
Assim como Peregrino (1967, p. 118), constatamos a presença de abundante material de
interesse geral nas publicações militares. A referência às obras de Peregrino e Paula
Cidade nos fez atentar para uma tradição que se fortaleceu nos primeiros anos da
22 A BIBLIEx foi fechada pelo General Setembrino de Carvalho, quando ministro da Guerra (1922-1926). 23 A BIBLIEx dispõe hoje de quatro salas de consultas com um acervo de cerca de sessenta e cinco mil volumes. Distribuídos entre as bibliotecas: Franklin Dória; Neomil Portella; Lobo Vianna e Valentim Benício. O setor editorial já publicou mais de setecentas obras.
24
República e, ainda hoje, se mantêm: a existência de publicações dos centros de estudos
e das escolas militares (CIDADE, 1959, p. 276 e PEREGRINO, 1967, p. 118).
Por exemplo, em 1904 Paula Cidade cita que no Rio de Janeiro eram
publicadas a Revista Acadêmica Militar, na Escola Militar do Brasil (Praia Vermelha); a
revista Sentinela e a revista Via Lucis, ambas na Escola Preparatória e de Tática do
Realengo, e a revista Aspiração do Colégio Militar (CIDADE, 1959, p. 276-277)24.
Ainda hoje, é possível confirmar a manutenção desta tradição25, diretamente associada à
necessidade de difusão de conhecimento no Exército, através da existência de diversas
revistas. Podemos citar a revista Sangue Novo e o informativo O Alambari, ambos da
Academia Militar das Agulhas Negras; a Revista das Ciências Militares, da Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), que faz parte daquilo que a instituição
denomina Programa de Atualização dos Diplomados pela ECEME (PADECEME); e a
revista Giro do Horizonte, que pertence à Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do
Exército Brasileiro (EsAO). Percebe-se, desta forma, que a publicação de periódicos no
Exército não está restrita à BIBLIEx26.
Embora nossa pesquisa se destine apenas à análise da revista A Defesa
Nacional, os periódicos militares, independentemente de sua vinculação originária,
centros de estudos militares, BIBLIEx ou Centro de Comunicação Social do Exército,
possuem um propósito, um grupo responsável por sua administração e podem ser
considerados mecanismos de difusão de conhecimento e projetos em potencial. Neste
momento, o que nos interessa é, justamente, essa inserção ampliada dos periódicos e sua
importância para os estudos sobre os militares, especialmente sobre a concepção
apresentada por segmentos militares acerca da corporação, do Estado e da sociedade.
Os periódicos militares servem também como instrumento de intercâmbio do
Exército brasileiro com os exércitos de outras nações e com algumas entidades civis,
inclusive universidades. Podem ser facilmente encontrados nas bibliotecas militares ou
através da rede de livrarias do Exército em todo o país, inclusive divulgadas e
disponibilizadas para a compra através da Internet (ADN, jan/abr de 2003, pp. 167-
170). 24 Paula Cidade faz uma síntese dos periódicos militares brasileiros nas duas primeiras décadas do século XX (1910-1920). 25 A grande diferença entre os periódicos existentes nas escolas militares hoje e os que foram comentados por CIDADE e PEREGRINO está calcada na organização incipiente dos periódicos, visto que, em grande medida, antigamente eles eram organizados, administrados, sustentados e distribuídas pelos próprios estudantes. Hoje, as revistas que citamos da ECEME, EsAO e da AMAN são de responsabilidade da própria instituição de ensino. 26 Citamos apenas algumas das instituições militares que possuem publicações próprias.
25
As possibilidades de análise através da utilização de periódicos são muitas;
pois os periódicos possuem objetivos e um conteúdo rico em concepções doutrinárias,
estratégicas e interpretativas do plano nacional. Entre estas possibilidades podemos
citar: (1) os regulamentos e normas ao qual o periódico está subordinado; (2) o público
alvo e/ou setores de coleta de artigos; (3) as prioridades a serem exploradas; e (4) as
propostas e concepções existentes em seus artigos.
Os esclarecimentos sobre a composição e organização do Exército acerca da
produção, conservação e difusão de conhecimento e cultura, apontam para uma já
conhecida realidade, a de que a profissão militar pressupõe, antes de tudo,
conhecimento e compreensão sobre sua função, sobre a história, sobre a geografia, mas,
especialmente, sobre a realidade brasileira. “Estamos longe de nos darmos conta de que
o aparelho militar, ao contrário da sociedade civil que pouco sabe e pouco se ocupa das
questões militares, produz com constância um conhecimento renovado sobre a
sociedade” (OLIVEIRA, In: AGUIAR, 1986, p. XI).
Neste ponto, vale registrar que os estudos sobre os militares, especialmente os
que analisam as intervenções no cenário nacional, muitas vezes deixam de fora os
processos atuantes no campo onde, por excelência, se define a cultura e o pensamento
militar dominante. Vale dizer as diversas instituições de ensino, aperfeiçoamento e
pesquisa, onde efetivamente se desenvolvem as idéias que perpassam toda a
instituição27.
Nossa proposta é analisar através do material publicado pela revista ADN no
período de 1990-2004, passando pela identificação dos segmentos envolvidos, a
concepção que alguns grupos possuem da relação entre FA, sociedade e Estado, e em
especial sobre a trajetória e o legado do golpe de 1964 e da ditadura militar.
27 O artigo de João Roberto Martins Filho – “A educação dos golpistas: cultura militar, influência francesa e golpe de 1964” – é um exemplo de pesquisa que considerou os centros de formação militares. O autor propôs enfocar o processo que levou ao golpe de 1964 por um ângulo diferente, a partir da evolução da cultura militar e sua influência na unificação do campo golpista nas Forças Armadas. O autor baseou sua pesquisa na análise do conhecimento presente nas escolas de comando e estado-maior e em material de circulação interna (Mensário de Cultura Militar, Boletim de Cultura Militar, Cultura Militar
e Boletim de Informações).
26
CAPÍTULO 2 – A revista A Defesa Nacional: uma trajetória
2.1. Revista A Defesa Nacional: uma visão geral
Ao longo deste capítulo, buscamos apresentar a trajetória da revista A Defesa
Nacional, abordando sua inserção histórica em associação ao seu arcabouço
organizacional. De maneira geral, fundamentamos a construção desta trajetória na
análise de parte de suas edições (1913-2004) e de obras que abordam o assunto
(CARVALHO, 2005; MCCANN, 2009; CAPELLA, 1985; NETO, 1980, 2001 e 2004).
Por se tratar de um longo recorte cronológico, pretendemos ser breves em
esclarecimentos sobre o contexto histórico, privilegiando questões burocráticas e
temáticas recorrentes na revista.
As características burocráticas do periódico serão de grande importância para a
compreensão dos mecanismos que organizam e regulam a publicação, além de
possibilitarem a obtenção de informações quantitativas e nominais acerca dos
indivíduos envolvidos. Tais informações podem servir para análises sobre origem
social, formação profissional, patente predominante, e, desta forma, para melhor
caracterização dos atores sociais28.
A análise será baseada em uma seleção de temas nacionais e recorrentes e, em
grande medida, na exposição do posicionamento apresentado nos artigos publicados. As
restrições definidas – temática e posicionamento – tornaram-se essenciais para a
continuidade da pesquisa, visto que encontramos nas páginas de A Defesa Nacional um
número exorbitante de assuntos.
Durante a construção da trajetória, tendo em vista o longo período analisado
(1913 - 2004), utilizamos como mecanismo facilitador da compreensão histórica do
periódico a segmentação de sua análise: (1) o contexto de formulação de idéias; (2) a
fundação da revista ADN, 1913; (3) os primeiros anos da revista ADN, 1913-1930; e
(4) a inserção institucional da revista ADN, este último subdividido em três recortes
temporais (1930-1960; 1960-1980; e 1981-2004). A composição da trajetória da revista
ADN segue prioritariamente os marcos do próprio periódico, porém sua interação com a
28 Esta proposta será melhor desenvolvida durante o recorte cronológico ao qual a pesquisa se destina prioritariamente, 1990-2004.
27
realidade nacional demonstra que os acontecimentos políticos atuam significativamente
sobre a organização e dinamismo da revista29.
2.2. O contexto de formulação de ideias
A fundação da revista A Defesa Nacional está registrada em ata e ocorreu em
20 de setembro de 1913, sendo sua primeira edição datada de 10 de outubro do mesmo
ano. O grupo fundador da revista, composto principalmente por jovens tenentes do
Exército Brasileiro, revelou uma grande aproximação com os debates da época: a
existência de “sociedades avançadas”30; a subordinada e ameaçada inserção brasileira
no contexto internacional; e as expectativas promissoras de modernização. As
afirmações contidas no primeiro editorial da revista ADN demonstram alguns dos
fundamentos da publicação.
Se nos grandes povos, inteiramente construídos, a missão do Exército não sai geralmente do quadro de suas funções puramente militares, nas nacionalidades nascentes como a nossa, em que os elementos mais variados se fundem apressadamente para a formação de um povo, – o Exército – única força verdadeiramente organizada no seio de uma tumultuosa massa efervescente – vai às vezes um pouco além dos seus deveres profissionais para tornar-se, em dados momentos um fator decisivo de transformação política ou de estabilização social [...] Nós estamos profundamente convencidos que só se corrige o que se critica; de que criticar é um dever; e de que o progresso é obra de dissidentes. Esta revista foi fundada, por conseguinte, para exercer o direito, que todos temos, de julgar as coisas que nos afetam, segundo o nosso modo de ver, e de darmos a nossa opinião a respeito. Não queremos ser absolutamente, no seio de nossa classe, uma horda de insurrectos dispostos a endireitar o mundo a ferro e fogo – mas um bando de Cavaleiros da Idéia, que saiu a campo, armado, não de uma clava, mas de um argumento; não para cruzar ferros, mas para raciocinar; não para confundir, mas para convencer. Foi com estas idéias que resolvemos fundar esta revista. Nela exerceremos necessariamente o direito da crítica: – às idéias, não aos indivíduos (ADN, outubro de 1913. Editorial).
O texto acima confirma a preocupação dos fundadores do periódico em
elaborar críticas e propor modelos de organização e comportamento do Exército
Brasileiro e da própria sociedade. As propostas expostas através da revista ADN
29 Trataremos do assunto ao longo da exposição, mas para esclarecimentos prévios é possível apontar que a escolha dos ministros militares interfere na dinâmica do periódico, visto que a ação dos ministros militares pode ser de maior ou menor apoio ao periódico (financeiro, humano e propagandístico). 30 Utilizaremos tal denominação baseada na caracterização que Eric Hobsbawm (2009) desenvolve para apontar os países imperialistas e tecnologicamente desenvolvidos como: EUA, França, Inglaterra e Alemanha.
28
traduziam não só a realidade profissional desses indivíduos, mas a própria realidade
nacional e internacional existente no período.
2.2.1. O contexto Ocidental e os militares
A Europa do final do século XIX foi marcada por importantes transformações
nos métodos e objetivos da economia e da política, visíveis também através de seus
desdobramentos mundiais. Eric Hobsbawm indica que no campo tecnológico e, em sua
consequência mais direta, no crescimento da produção material, as mudanças seriam
mais evidentes. Porém, o autor ressalta a ampla e difusa aplicação que os conceitos
“avanço” e “progresso” encontraram neste período:
A maioria dos observadores dos anos 1870 teria ficado muitíssimo mais impressionada por sua linearidade. Em termos materiais, em termos de conhecimento e de capacidade de transformar a natureza, parecia tão patente que a mudança significava avanço, que a história – de todo modo a história moderna – parecia sinônimo de progresso (HOBSBAWM, 2009, p. 50).
Em fins do século XIX e início do XX o mundo descobria a indústria
siderúrgica, o motor a combustão e a eletricidade. Neste contexto, os “países de
economia mais avançada”31 demonstravam o dinâmico crescimento de suas empresas,
associado ao avanço de seu controle diante de setores inteiros do mercado mundial.
Hannah Arendt (1989) indica, em obra sobre o período de 1884-1914, a ocorrência
nacional da emancipação política da burguesia, que pressionará as instâncias do Estado
para colocarem seus mecanismos de violência a serviço de suas ambições.
Nada caracteriza melhor a política de poder da era imperialista do que a transformação de objetivos de interesse nacional, localizados, limitados e, portanto, previsíveis, em busca ilimitada de poder, que ameaça devastar e varrer o mundo inteiro sem qualquer finalidade definida, sem alvo nacional e territorialmente delimitado e, portanto, sem nenhuma direção previsível (ARENDT, 1989, p. 148).
A dinâmica da economia capitalista, apresentada nos moldes acima, demonstra
a incompatibilidade das fronteiras nacionais com o desenvolvimento econômico e
industrial alcançado. Desta forma, os objetivos nacionais tornaram-se sinônimo de
expansão imperial e, conseqüentemente, catalisadores de disputas e conflitos. Segundo
Hobsbawm (2009), o período do final do século XIX e início do XX colocou em
31 Denominação novamente utilizada por Eric Hobsbawm (2009) para apontar os países imperialistas e tecnologicamente desenvolvido.
29
evidência no cenário internacional a rivalidade entre Estados e a inserção de variadas e
complexas relações entre o “mundo desenvolvido” e o “subdesenvolvido”
(HOBSBAWM, 2009, p. 81).
Em fins do século XIX a supremacia econômica e militar das “sociedades
avançadas” se refletia na divisão de amplas regiões do globo em territórios sob governo
direto ou sob dominação política indireta de um pequeno grupo de Estados,
principalmente: Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, EUA e
Japão. “Esta repartição do mundo entre um pequeno número de Estados, que dá título
ao presente volume, foi a expressão mais espetacular da crescente divisão do planeta em
fortes e fracos, em ‘avançados’ e ‘atrasados’ que já observamos” (HOBSBAWM, 2009,
p. 101).
Para os países de “sociedade avançada” os exércitos se tornavam força
primordial para enfrentarem os conflitos e rivalidades que o futuro incerto de suas
atividades políticas e econômicas poderia oferecer. Especialistas no assunto, Samuel
Huntington (1996) e Manuel Domingos Neto (2004), destacam a origem da
modernização dos exércitos justamente na Europa ocidental do século XIX.
Huntington ao comentar os exércitos do século XVIII oferece um excelente
panorama das instituições militares do período:
O corpo de oficiais do século XVIII atendia mais às necessidades da aristocracia do que ao desempenho eficiente da função militar. A riqueza, as origens familiares e a influência pessoal e política é que ditavam a indicação e a promoção de oficiais. Crianças e incompetentes detinham, não raro, altos postos militares. Não existia um conjunto de conhecimentos profissionais. Consequentemente, não se dispunha de instituição alguma, com exceção de umas poucas escolas técnicas, para ministrar conhecimentos militares, não havendo tão pouco sistema algum para aplicar na prática esses conhecimentos. Os oficiais se comportavam como aristocratas e aristocratas acreditavam ser mais do que qualquer outra coisa [...] Em resumo, a profissão militar simplesmente inexistia (HUNTINGTON, 1996, p. 46).
Huntington defende que o início da modernização dos exércitos nacionais foi primazia
prussiana. O autor, em reforço a sua hipótese, aponta o decreto prussiano de 1808, que
garantiu igualdade de condições aos indivíduos no acesso ao oficialato, como gênese
das transformações militares ocorridas no século XIX:
O único título a dar direito a um posto de oficial será, em tempo de paz, o da educação e conhecimentos profissionais; em tempo de guerra, bravura e percepção exímias. De qualquer parte da nação, portanto, todos os indivíduos que possuam essas qualidades estão habilitados aos mais altos postos militares. Fica abolida toda a distinção de classe anteriormente existente e todo homem, independentemente de suas origens, tem iguais deveres e iguais direitos (HUNTINGTON, 1996, p. 49).
30
Nos esclarecimentos de Manuel Domingos Neto, os exércitos modernos
atuaram originalmente na Europa como “instrumento indispensável à crescente disputa
por mercados” (NETO, 2004, p. 24). A definição do caráter funcional desses exércitos –
“instrumento indispensável à crescente disputa por mercados” – está associada à
conjuntura de avanços tecnológicos, que colocou em evidência o surgimento de novas
armas, novos meios de locomoção e comunicação, que encaminharam ao Estado a
necessidade de mudanças na organização de suas forças armadas.
É importante salientar que os debates no campo teórico também foram de
fundamental importância para as transformações realizadas a partir do século XIX nas
instituições militares. As construções teóricas sobre a necessidade das forças militares
nacionais consolidaram a organização racional de um pensamento sobre a guerra e suas
funções. Entre os teóricos de maior destaque para o processo de reorganização militar
está o escritor e militar prussiano Karl von Clausewitz. Em sua mais importante obra,
denominada Da Guerra (CLAUSEWITZ, 2005), o autor afirma que a guerra é parte
integrante da existência humana, constituindo-se, portanto, em um dos instrumentos
necessários da política. A referência à política eternizou-se, tornando-se o ponto central
do pensamento clausewitziano: “guerra nada mais é que a continuação das relações
políticas mesclada com outros meios” (CLAUSEWITZ, 2005, p. 290).
Em síntese, a guerra, segundo Clausewitz, seria um instrumento racional de
política nacional: instrumento, pois deve ter em vista alcançar um objetivo; racional,
porque a deflagração deve ser sempre precedida de uma avaliação dos custos e
benefícios; e nacional, para que o objetivo seja a satisfação dos interesses de um estado
nacional.
Diante do contexto político e econômico apresentado, as nações ocidentais
iniciaram a modernização de suas Forças Armadas. Embora seguissem peculiaridades
nacionais e se realizassem em tempos distintos, os países adotaram parâmetros gerais,
tais como: exigências para o ingresso; organização de instituições de ensino superior;
adoção da promoção por merecimento e desempenho; organização de um sistema
eficiente de estado-maior; consolidação de laços de identidade profissional e senso
corporativo.
31
2.2.2. O contexto brasileiro e os militares
A conjuntura de modernização dos exércitos europeus e a deflagração da
Primeira Guerra Mundial foram apresentadas na dissertação de Leila Capella (1985),
uma das mais interessantes análises da presença e importância histórica da revista A
Defesa Nacional, como principais norteadores da organização do periódico.
Concordando com as conclusões de Capella, gostaríamos de acrescentar, com maior
veemência que a autora, as aspirações referentes à conjuntura política nacional e a
importância alcançada pelo Exército Brasileiro ao longo da República, como fatores de
grande importância para a fundação da revista ADN.
A historiografia referente à Proclamação da República no Brasil oferece uma
série de eventos relacionados à implantação do novo regime. Em grande medida, o
material produzido valoriza dois conjuntos de fatores: o primeiro, referente ao campo
das ideias, destaca o abolicionismo, o positivismo e o republicanismo; e o segundo
valoriza a seleção dos conflitos mais latentes do período, como a Questão Militar, a
Questão Religiosa e a Questão Abolicionista.
A obra de Emilia Viotti da Costa (1987) se propõe a repensar a historiografia
sobre a Proclamação da República. A autora destaca que grande parcela do material
produzido inicialmente sofreu forte influência dos posicionamentos pessoais de seus
autores; e que a produção mais atual sofre da necessidade constante de encontrar o fator
mais importante e/ou busca rotular ideias e grupos. Segundo Viotti da Costa, ambas as
tendências favorecem o risco de ocultar aspirações distintas, assim como o de
inviabilizar a compreensão dos diferentes grupos sociais que se associaram aos
movimentos em prol da República.
A preocupação com a temática da proclamação da República e os modelos
desenvolvidos pela historiografia também foram assuntos das obras de José Murilo de
Carvalho (1990) e Celso Castro (1995). A obra de José Murilo valoriza a elaboração do
imaginário como parte integrante da legitimação de qualquer regime político. Desta
forma, o autor busca compreender a batalha pelo imaginário popular republicano. No
contexto de renovação dos debates historiográficos sobre a Proclamação da República,
Carvalho elabora interessante esclarecimento sobre a ambiguidade e a diversidade do
conceito de república presente no cenário brasileiro.
32
A obra de Castro alerta que compactar os fatores que demonstram a
insatisfação com o regime derrubado simplifica o acontecimento e marca a
historiografia sobre o período, com três características. A primeira consiste na crença da
inevitabilidade histórica da mudança, desvalorizando os riscos e as incertezas do
processo. A segunda relaciona-se com a unidade presente nos setores militares. Neste
caso, a falta de reação dos militares legalistas – pró Monarquia – é apresentada, muitas
vezes, como sinal de unidade do grupo que liderou a mudança política. A última
característica insere a República como o resultado final de um longo processo histórico.
Assim, é possível perceber a nítida associação desta última característica às duas
anteriores: a inevitabilidade do golpe e a presença de uma significativa unidade militar.
As análises de Viotti da Costa, de Carvalho e de Castro se distanciam das
análises historiográficas tradicionais determinadas por estruturas generalizantes e
automáticas da sociedade, modelos que, durante muito tempo, acomodaram os
pesquisadores e dificultaram a compreensão da crise política da monarquia. Porém, no
campo dos estudos sobre militares, deixando claro não fazer parte de nosso objetivo
aprofundar o debate sobre a Proclamação da República32, é importante compreender que
esse contexto histórico, por maiores dissensões que possa apresentar, marcou a
emergência dos militares como importantes atores políticos no cenário nacional
brasileiro.
Embora seja possível encontrar críticas ao sistema político oriundas das fileiras
militares já durante o Período Regencial33, dois momentos se tornariam referência na
historiografia acerca da insatisfação militar com a política e na elaboração de um
posicionamento nacional: a Guerra do Paraguai (1864-70) e a queda da Monarquia
(1889).
A Guerra do Paraguai solicitou os esforços do Exército e da Marinha em
grandes proporções. Considerada a primeira mobilização militar significativa das Forças
Armadas brasileiras contra um inimigo externo, proporcionou maior notoriedade ao
Exército e aproximou seus integrantes da responsabilidade de sua profissão e do
sentimento de identidade com a instituição. Porém, o Exército possuía péssimas
condições de logística, de armamentos e de nível técnico, o que resultou em um número
significativo de baixas e insatisfações. O importante significado da guerra para a
32 Sugerimos consultar para melhores esclarecimentos sobre o assunto as obras de Celso Castro (1995) e José Murilo de Carvalho (1990). 33 Direcionadas principalmente à criação da Guarda Nacional, em 1831.
33
mudança na inserção do Exército no cenário nacional levou Manuel Domingos Neto a
afirmar que: “Após a guerra, os militares passaram a reclamar a condição de ‘defensores
da Pátria’ e a ocupar significativo espaço na cena política” (NETO, In: ROUQUIÉ,
1980, p. 45).
Já o fim do Império foi marcado por crises entre setores políticos e militares.
Ao comentar o que se convencionou denominar de Questão Militar, Viotti da Costa
(1987) identifica nos últimos anos do Império uma série de crises com profunda
repercussão no plano institucional militar, sendo a Proclamação da República o
resultado de uma delas.
Embora a historiografia sobre o assunto aponte a diversidade de
posicionamentos existente entre os militares na véspera da implantação do regime
republicano – influenciados por ideias positivistas, abolicionistas e republicanas –, de
uma maneira geral, eles apresentavam uma maior identidade ao sentirem-se mal
recompensados e desprestigiados pelo governo. Desta forma, as mudanças e
insatisfações supracitadas foram decisivas para a inserção do Exército Brasileiro no
jogo político nacional.
A queda do Império veio com um golpe de Estado, e não com uma revolução popular; a República foi produto de um corpo de oficiais que defendeu seus interesses particulares e se aliou a uma minoria política. Na verdade, apenas uma parcela da oficialidade envolveu-se diretamente. A motivação, para alguns oficiais, foi o temor por sua instituição e por seu bem-estar pessoal, enquanto para outros foi a ideologia republicana ou o desejo de estar atualizado com as tendências internacionais; nenhum oficial, porém, mostrou-se disposto a morrer pelo Império (MCCANN, 2009, p. 44).
A insatisfação de setores civis e militares durante o Império foi fator
fundamental para que diferentes grupos passassem a confiar seus projetos particulares,
baseados nos males e necessidades que detectavam, ao novo regime. A necessidade de
substituir um regime e implantar outro foi enfrentada de maneira diversificada, sendo a
organização do país, da nação e do próprio Exército perseguida e formulada pela
geração da Primeira República 1889-1930 (CARVALHO, 1990, p. 32).
Assim, as expectativas com o modelo político republicano passaram a ser
associadas à aproximação do Brasil com as nações avançadas e à primazia do
mérito/merecimento, suplantando os desígnios aristocráticos e o privilégio do
nascimento. Todavia, a mudança do regime e a ascensão política dos militares não
garantiram a estabilidade nacional e nem a unidade da corporação para prosseguirem
proeminentes no poder. A ausência de um projeto político que angariasse apoio entre os
34
próprios militares impediu a continuidade da administração militar, sendo o governo
posteriormente entregue aos representantes dos setores econômicos do país.
De maneira geral, os estudos acerca do Exército nos primeiros anos da
República enfatizam as deficiências e as tentativas de modernização pelas quais passou
a instituição. Vale lembrar que eram encontradas dificuldades nas mais diversas áreas:
na alimentação, nas instalações, no armamento e, principalmente, na formação da tropa.
O Exército não oferecia formação especializada para a guerra; não realizava exercícios
de manobra ou de mobilização de tropas; aplicava castigos corporais; privilegiava a
ascensão hierárquica baseada no apadrinhamento; e mantinha suas unidades dispersas
pelo território, sem uma integração eficaz entre elas.
Outro problema enfrentado era a constante presença no corpo de oficiais de
indivíduos interessados em ascensão social, através da conclusão de cursos superiores
oferecidos pelas escolas militares, e não na profissão das armas34. Em contrapartida, o
recrutamento de praças sofria com a indiferença das camadas populares e com o
alistamento de indivíduos desnutridos, analfabetos e criminosos, sem interesse ou
capacidade física para a profissão militar (NETO, In: ROUQUIÉ, 1980, p. 46).
Os esclarecimentos supracitados indicam que o advento da República não
modificou significativamente as condições profissionais do Exército. Ao observar as
instituições militares brasileiras nos primórdios do século XX, encontramos o notório
distanciamento em relação aos exércitos de nações ocidentais “avançadas”. Nestas
nações, as Guerras Napoleônicas; a Guerra Franco-Prussiana; as alterações
científicas/tecnológicas; e as ambições econômicas estabeleceram a necessidade da
valorização e da modernização de suas organizações militares.
2.3. A fundação da revista A Defesa Nacional, 1913
A fundação da revista ADN realizou-se em setembro de 1913. Entretanto, o
momento fundamental de sua concepção aconteceu em 1906, quando o Exército
brasileiro, buscando adequar-se aos novos padrões militares, resolveu selecionar grupos
de oficiais para estagiarem por dois anos no exército alemão. O último grupo de
34 Reforma Benjamin Constant de 1890.
35
estagiários, enviado em 1910, retornou em 1912 e, como plataforma para a divulgação
de seu aprendizado na Alemanha, resolveu fundar uma revista de assuntos militares.
Surge, assim, a revista A Defesa Nacional.
O grupo fundador ficou conhecido no meio militar como “jovens turcos”35 ou
“germanófilos”36. Vale ressaltar que a denominação “jovens turcos” em sua origem era
utilizada de forma pejorativa, mas com o fortalecimento do grupo o ultraje se tornou
positivo, passando a simbolizar até hoje aqueles que lutaram pela modernização do
Exército.
Em síntese, os “jovens turcos” formularam suas propostas alicerçadas pela
existência de “sociedades avançadas”; pelo conhecimento da realidade nacional; pela
crescente importância da ação dos militares no cenário político brasileiro; e pelo contato
direto com a moderna força militar alemã.
A origem dos “jovens turcos” foi marcada indelevelmente pela presença do
general Hermes da Fonseca (1906-1908) como ministro da Guerra do presidente Afonso
Pena. Apesar de o envio de oficiais para o exterior, em missão de aperfeiçoamento ou
para a aquisição de material bélico, ser constatado nos relatórios da pasta da Guerra
desde 1890, as turmas enviadas por Hermes desempenharam papel fundamental na
difusão das ideias de modernização das Forças Armadas brasileiras, destacando-se dos
demais grupos.
Além desta estratégia de aperfeiçoamento profissional, Hermes da Fonseca
buscou oferecer ao Exército nova organização e comando37. Por isso, logo foram
alteradas: as divisões regionais; a seleção de membros; a administração; as instalações;
o ensino; a aquisição de armamento; e o reaparelhamento das fábricas de destinação
bélica38.
35 A origem do nome faz referência à Turquia, ainda pertencente ao Império Otomano, que também havia enviado jovens militares para estagiarem na Alemanha. Estes, ao retornarem ao país participaram de lutas em favor da modernização e reconstrução da Turquia apoiando Mustafá Kemal (soldado e estadista). Criaram inclusive uma revista denominada A Defesa Nacional. 36 A denominação depreciativa faz referência à admiração que o grupo apresentava pela Alemanha. 37 Algumas iniciativas modernizadoras das Forças Armadas brasileiras podem ser encontradas desde o período Imperial, mas com pouca ou nula efetividade. Podemos citar: (1) a lei nº 585, de 06/09/1850 que torna condicionante para a ascensão aos postos de oficial da corporação cursar a Escola Militar (SCHULZ,1994, p. 24); (2) em 1853 a criação do Ministério da Guerra (MAGALHÃES, 2001, p. 284); (3) a legislação de 1874 que institui o alistamento obrigatório e o sorteio para preenchimento das fileiras do Exército, sem desprezar o voluntariado (MAGALHÃES, 2001, p. 300); e (4) a organização da Biblioteca do Exército em 1881 (MAGALHÃES, 2001, p. 299) e em. 38 Sugerimos consultar sobre as reformas do Marechal Hermes da Fonseca: (1) o relatório do Ministro da Guerra de 1907; (2) a Lei 1860, de 4 de janeiro de 1908; e (3) o decreto 6971, de 4 de junho do mesmo ano.
36
O envio de oficiais ao exterior durante a gestão de Hermes da Fonseca obteve o
apoio do ministro das Relações Exteriores, Barão do Rio Branco. As turmas foram
enviadas a partir de 1906 para estágio arregimentado de dois anos no exército alemão,
reconhecido como o mais bem preparado da época. Além das três turmas enviadas,
Hermes chegou a iniciar conversações sobre a possível vinda de uma missão militar
alemã ao Brasil, projeto que não se concretizou.
Ao completarem o estágio na Alemanha e retornarem ao Brasil em 1912, Parga
Rodrigues, Bertholdo Klinger e Leitão de Carvalho, integrantes da última turma de
estagiários enviada por Hermes, debateram sobre a possibilidade de adotarem
procedimentos para a transmissão dos conhecimentos adquiridos. O contato com o
melhor exército do mundo os fez pensar as condições da nação brasileira e sua defesa,
formulando propostas de combate aos males que identificavam na sociedade e,
principalmente, no Exército. Por sugestão de Leitão de Carvalho nasceria a ideia de
criar uma revista e, a partir do apoio de Klinger e Rodrigues, iniciaram-se as
articulações para tornar o projeto viável. O grupo ganhou força ao receber o apoio do
capitão Mário Clementino de Carvalho, então secretário do Clube Militar, local onde
seriam realizadas as primeiras reuniões para a criação da revista A Defesa Nacional.
Embora a literatura sobre a modernização do Exército tenha consagrado
Hermes da Fonseca e os militares que, após o estágio na Alemanha, fundaram a revista
ADN, é preciso compreender que este projeto modernizador não se restringia a eles.
Sem pretender desenvolver os elementos que indicam o envolvimento de outros
indivíduos neste projeto de mudança, gostaríamos de mencionar que, diante de uma
instituição fundamentada na hierarquia e na disciplina, seria insustentável que os
tenentes pudessem liderar sozinhos as mudanças na corporação. Desta forma,
apontamos que o projeto de modernização do Exército, encampado pelos jovens turcos,
estava alicerçado por categorias superiores, o que não diminui sua importância, mas
abre espaço para a compreensão ampliada de sua inserção histórica.
Desde os primeiros passos da Revista [A Defesa Nacional], seus diretores procuraram obter a colaboração dos oficiais superiores e generais, capazes, por seu preparo e espírito progressista, de tomar parte no movimento renovador que íamos empreender. Nesse sentido fui um dos mais ativos. Consegui levar para as páginas da Revista [A Defesa Nacional] trabalhos de autoria das figuras mais destacadas do Exército, inclusive o Chefe de Estado-Maior, General José Caetano de Faria (CARVALHO, 1961, p. 177).
O apoio, muitas vezes declarado publicamente, de altos chefes militares que a
revista ADN acumulou evidencia que a proposta modernizadora dos “jovens turcos” se
37
confirmava como anseio latente em parcela significativa da oficialidade. Em uma
análise superficial dos relatórios dos ministros da Guerra (1890-1913) é visível a
aproximação das declarações dos ministros com o programa de reformas almejado pela
revista. O bom relacionamento com os altos chefes militares rendeu inclusive indicações
para que integrantes dos “jovens turcos” ocupassem cargos de elevado prestígio na
corporação39.
A revista ADN, fundada em 20 de setembro de 1913 nas dependências do
Clube Militar, não possuía apoio oficial do Exército e instalou sua redação em espaço
cedido gratuitamente na região central do Rio de Janeiro40. A revista iniciou sua
atividade sob a direção de Bertholdo Klinger (primeiro-tenente), Leitão de Carvalho
(primeiro-tenente) e Joaquim de Souza Reis Neto (primeiro-tenente), sendo indicado
para secretário Francisco de Paula Cidade (segundo-tenente). Além dos integrantes já
citados, o grupo fundador era formado por: Mário Clementino de Carvalho (capitão),
Brasílio Taborda (primeiro-tenente), Epaminondas de Lima e Silva (capitão), César
Augusto Parga Rodrigues (capitão), Euclides de Oliveira Figueiredo (primeiro-tenente),
José Pompeu de Albuquerque Cavalcanti (primeiro-tenente), Francisco Jorge Pinheiro
(capitão) e Amaro Azambuja Villanova (primeiro-tenente). Entre os doze fundadores,
oito haviam realizado estágio no exército alemão41.
A revista A Defesa Nacional foi inspirada na então muito prestigiada revista
alemã Militaer Wochenblatt. A congênere brasileira possuía inicialmente uma média de
32 páginas42; circulação nacional; periodicidade mensal; ausência de anúncios
publicitários; e, em seus primeiros anos, a tiragem de mil a dois mil exemplares. A
proposta de difusão do pensamento dos “jovens turcos” contaria, além da publicação da
revista ADN, com a importante presença de seus representantes como instrutores da
Escola Militar do Realengo (EMR), no Rio de Janeiro, no período de 1919-1923.
A reforma no ensino militar, realizada através de mudanças nos regulamentos
da Escola Militar do Realengo em 191843 e 191944, buscou implantar o predomínio da
39 Leitão de Carvalho trabalhou no Estado-Maior e no gabinete do ministro da Guerra; e Bertholdo Klinger além de trabalhar no Estado-Maior, foi convocado para ser oficial de gabinete do chefe do Estado-Maior do Exército (CARVALHO, 1961 e KLINGER, 1946). 40 Instalada em uma sala-depósito da Papelaria Macedo, situada na Rua da Quitanda 72. 41 Os integrantes do grupo fundador que não participaram do estágio na Alemanha são: Francisco de Paula Cidade, Mario Clementino de Carvalho, Brasílio Taborda e José Pompeu Cavalcanti de Albuquerque. 42 Ao longo de sua trajetória a revista apresenta um número de páginas bastante variável: de 32 páginas até exemplares de 270 páginas. 43 Decreto n. 12.977, de 24 de abril de 1918, Acervo do Arquivo Histórico do Exército. 44 Decreto n. 13.574, de 30 de abril de 1919, Acervo do Arquivo Histórico do Exército.
38
prática de treinamentos; dos estudos militares modernos; e da obrigação e necessidade
do constante aperfeiçoamento profissional. A determinação de alterar as práticas
escolares seria evidenciada também na nova forma de seleção de instrutores e auxiliares
instituída em 191945 na EMR. A exigência imprescindível do conhecimento prático e
teórico da profissão militar aproximou os requisitos do processo seletivo ao modelo
defendido pelos “jovens turcos” há anos.
O resultado do concurso de admissão na EMR foi a ocupação, nos postos
oferecidos, de defensores do projeto dos “jovens turcos” e até mesmo de alguns
representantes originais do grupo46. A denominação “Missão Indígena” passou a fazer
referência à atuação deste grupo na EMR. Tal denominação surgiu pela composição
nacional de seus instrutores e pelo evidente debate nacional acerca da contratação de
uma missão estrangeira para instruir o Exército. A atuação da “Missão Indígena” seria
breve47, sua presença na EMR esteve condicionada ao recorte cronológico da aprovação
dos regulamentos de 1919, tendo fim progressivamente com os conflitos militares de
192248, e sua completa extinção foi observada com a chegada da Missão Militar
Francesa na EMR, em 1924.
Embora a fundação da revista A Defesa Nacional, associada à proposta de
transformar o Exército por iniciativa de alguns de seus integrantes tenha sido reforçada
por adquirir o apoio de personalidades como Hermes da Fonseca, Rio Branco e os
generais Tito Escobar e Caetano de Faria49, sua aceitação não foi unânime na
corporação. O projeto sustentado pelos “jovens turcos” e seus assemelhados se deparou
com a presença de integrantes da Força não favoráveis à implantação de suas propostas.
A percepção de divergências do grupo fundador com outros integrantes da corporação é
visível em algumas circunstâncias.
Podemos apontar como primeira demonstração da existência de opositores ao
projeto dos “jovens turcos” a própria forma escolhida para a fundação da revista A
45 Lei 3.719, de 15 de janeiro de 1919, Acervo do Arquivo Histórico do Exército. 46 Na primeira turma de instrutores nomeados figurou os nomes dos capitães Euclides de Oliveira Figueiredo e Epaminondas de Lima e Silva. 47 Acreditamos que a historiografia pouco se dedicou a atuação dos “jovens turcos” na EMR e sua influência na formação dos oficiais que agitaram o cenário nacional a partir dos movimentos da década de 1922. 48 Sugerimos consultar o artigo de Fernando da Silva Rodrigues, “Renovação e revoltas: a Escola Militar do Realengo de 1918 a 1922”. Neste artigo o autor descreve o inquérito decorrente dos acontecimentos na EMR após seu envolvimento em levantes em 5 de julho de 1922, onde além dos alunos punidos, o comandante da escola foi afastado e todos os instrutores que tivessem vínculo com a Missão Indígena também. 49 O General Caetano de Faria foi ministro da Guerra no período de 1914-18, durante o governo de Wenceslau Braz.
39
Defesa Nacional. A revista, registrada como pessoa jurídica e de direito privado,
“Cooperativa Militar Editora e de Cultura Intelectual ‘A Defesa Nacional’”, não
figurava entre as publicações oficiais do Exército. Outros dois importantes conflitos que
demonstram as dificuldades do projeto de atuação dos “jovens turcos” dentro do próprio
Exército são: o histórico enfrentamento entre “bacharéis” e “tarimbeiros”; e os limites
impostos aos redatores diante das regras de respeito à hierarquia e do teor exaltado de
suas críticas.
Presentes desde o período Imperial, os grupos denominados “tarimbeiros” e
“bacharéis” serão foco de duras críticas realizadas nas páginas de A Defesa Nacional. O
primeiro termo, de origem depreciativa, faz referência à tarimba, estrado de madeira
onde dormiam os soldados nos quartéis, e passou a designar oficiais que não haviam
frequentado a Escola Militar, alcançando postos elevados por sua trajetória de comando
de tropa. A presença deste primeiro grupo, muito numeroso durante a Monarquia, se
tornou cada vez mais escassa durante a República, período de crescimento do prestígio
da Escola Militar. O segundo termo possui como determinante uma trajetória marcada
pelo ensino superior na Escola Militar e o domínio do estudo da matemática, filosofia e
letras. Em síntese, os enfrentamentos se fizeram presentes no período republicano e se
organizavam no campo profissional pelas disputas entre os possuidores e defensores de
uma formação empírica e os de formação baseada em métodos científicos (CASTRO,
1995, p. 18).
Os artigos inflamados da revista A Defesa Nacional buscavam uma
equidistância crítica entre ambos os grupos. Os “tarimbeiros” temiam que o projeto dos
“jovens turcos”, onde a formação do oficial militar deveria passar pelo constante
aprendizado sobre tecnologia, métodos e função das guerras, colocasse em risco a
carreira e o reconhecimento de suas realizações. Já os “bacharéis”, segundo os artigos
de A Defesa Nacional, deveriam ser duramente combatidos pelo descompasso entre a
realidade de sua profissão e o teor de sua formação. Em artigo publicado na revista
lamenta-se que “o militar se embebesse de filosofias e se esquecesse de que acima de
tudo lhe cumpre o sagrado dever de cultivar as qualidades guerreiras necessárias à
segurança e tranqüilidade da Pátria e da família” (ADN, outubro de 1916, p. 2). Neste
sentido, o projeto dos “jovens turcos” se distanciava das clivagens entre “tarimbeiros” e
40
“bacharéis”50, determinando uma terceira forma de profissionalismo, baseado nos
estudos mais modernos sobre teoria e prática da profissão militar.
Durante as comemorações de 40 anos da revista A Defesa Nacional, ao tentar
demonstrar o empreendimento de grandes proporções a ser enfrentado pelos “jovens
turcos”, Brasílio Taborda, um dos fundadores da revista, afirma que naquela época “não
seria possível construir edifícios sólidos sobre alicerces carcomidos [...] Os que se
dispunham a construir tinham necessariamente que ser demolidores” (ADN, outubro de
1953, p. 15).
Originalmente, o grupo fundador do periódico, composto por doze oficiais, era
denominado “grupo mantenedor”. Tal denominação atende ao compromisso existente
entre o grupo de contribuir, quando necessário, com suas rendas particulares para o
sustento da publicação, caso as vendas de assinaturas não cobrissem os custos de
impressão e expedição. Para viabilizar a edição do primeiro número foi utilizada tal
regra e, de acordo com os dados de Capella (1985), o valor despendido por cada filiado
chegou ao equivalente de 1/8 de seu soldo.
Segundo o estatuto da revista A Defesa Nacional, além de cobrir os possíveis
gastos da publicação, o grupo mantenedor comprometia-se a utilizar 2/3 do lucro do
periódico na publicação e distribuição, gratuita aos assinantes, de suplementos
editoriais. Seus fundadores não estavam autorizados ao recebimento de qualquer quantia
referente aos lucros da revista, por isso o terço restante dos valores acumulados deveria
formar um fundo de reserva. O estatuto também determinava que a organização da
revista fosse dividida entre três diretores, que acumulariam as funções de redator,
secretário e tesoureiro. Esta forma de organização apenas deveria ser aplicada a partir da
segunda formação da diretoria51 (ADN, novembro de 1914).
Os assuntos relacionados à prestação de contas, organização e/ou a quaisquer
outros deveriam ser debatidos em sessões trimestrais ou a qualquer período através de
convocação extraordinária do grupo mantenedor. As resoluções das reuniões eram, em
grande maioria, divulgadas no corpo do periódico como informativo aos assinantes. O
grupo mantenedor da revista A Defesa Nacional fez em sua primeira edição uma
demonstração dos interesses que pautavam os envolvidos no projeto:
50 Torna-se importante ressaltar a participação de indivíduos que marcam a trajetória do bacharelismo de farda como favorecedores da modernização, como por exemplo: Hermes da Fonseca, Caetano de Faria, Cardoso de Aguiar e Tasso Fragoso (NETO, In: ROQUIÉ, 1980, p. 55). 51 A primeira diretoria, como descrito anteriormente, contou com três diretores e um secretário.
41
Como é fácil de ver, o escopo dos seus fundadores, não é outro senão colaborar, na medida de suas forças, para o soerguimento das nossas instituições militares, sobre as quais repousa a defesa do vasto patrimônio territorial que os nossos antepassados nos legaram, e da enorme soma de interesses que sobre ele se acumulam (ADN, outubro de 1913. Editorial)
O propósito de publicar um veículo de atuação exclusivamente militar
profissional, embora valorizado, não se concretizou. Os “jovens turcos” apresentaram
um amplo conhecimento e envolvimento com os aspectos políticos das questões que
desejavam, ou mesmo, supusessem apenas militares52.
De maneira geral, o envolvimento dos “jovens turcos” com questões ditas civis
pode ser compreendido através dos esclarecimentos de Manuel Domingos Neto (2004).
Atendo-se a questões referentes à modernização dos exércitos, Domingos Neto explica
que a própria natureza da atividade militar faz com que seus integrantes se preocupem
com aspectos tidos como da alçada civil. O autor utiliza a preocupação com a
composição da tropa e a formação do reservista para exemplificar o interesse e os
motivos do envolvimento militar com questões de: ensino, disciplina, condições
sanitárias e de saúde. Outro exemplo bastante significativo é o envolvimento das Forças
Armadas com o desenvolvimento científico e tecnológico, fator primordial para a
delimitação da capacidade militar, além da constante disputa referente ao orçamento,
pois este garante o sustento da tropa; as melhorias nos quartéis; e a aquisição de
armamentos.
2.4. Os primeiros anos da revista A Defesa Nacional, 1913-1930
Os primeiros anos da revista A Defesa Nacional foram marcados pela constante
propaganda de sua importância para a transformação profissional dos oficiais militares.
A atuação do grupo mantenedor, devido às responsabilidades de impressão e
distribuição, deveria ser centralizada na cidade do Rio de Janeiro, e em caso de
transferência de algum integrante do grupo, o cargo seria automaticamente ocupado por
outro indivíduo. O que não impedia a aproximação com representantes que serviam de
divulgadores do periódico, principalmente no interior do país. Em 1914 o periódico
52 Sugerimos consultar para melhores esclarecimentos sobre o teor político do projeto dos “jovens turcos” as obras de Edmundo Campos Coelho (1976), Leila Capella (1985) e José Murilo de Carvalho (2005).
42
publica os nomes de 55 divulgadores para que fossem procurados em caso de
esclarecimentos sobre assinaturas.
Outro grupo de apoio importante para o funcionamento do periódico foi o de
colaboradores que ofereciam artigos para publicação. Embora existissem três redatores
fixos, era permitida aos indivíduos que não faziam parte do grupo mantenedor a
publicação de artigos, desde que aprovados pela redação do periódico. Ainda
relacionado ao material publicado, a revista ADN também colocou em prática o projeto
de distribuição de suplementos editoriais sobre técnica profissional moderna, presente
em seu Estatuto, já nos primeiros anos de existência. Autores consagrados nos exércitos
europeus foram traduzidos e posteriormente publicados no corpo da revista ou em
fascículos gratuitos para assinantes. Em complemento a tal projeto, em abril de 1918, a
revista apresenta a iniciativa de constituir a “Biblioteca A Defesa Nacional”, no intuito
de publicar e vender obras de importante valor profissional. As iniciativas de agregar
material editorial foram favorecidas pelo aumento progressivo do número de vendas do
periódico. Em abril de 1919 a revista salda o número de 2000 exemplares, porém, não
sem lembrar os atrasos nos pagamentos das assinaturas e as dificuldades com que
atravessou esses primeiros anos:
Com o número 64 a nossa edição passou a ser de 2000 exemplares. Para aumentá-la precisamos de assinantes [...] O grupo mantenedor resolveu em sua sessão de setembro último a abertura de um ‘livro de ouro’ para seus assinantes, representantes e mais colaboradores beneméritos e de um ‘livro negro’ para os assinantes e representantes que tenham dado prejuízo a revista (ADN, abril de 1919, 261. Grifos no original).
Embora possamos identificar um amplo conjunto de assuntos enfatizados
durante este primeiro momento (1913-1930), selecionaremos os que majoritariamente
são debatidos pelo periódico: as questões materiais e as questões humanas.
Os problemas materiais encontrados no Exército, tais como precariedade dos
alojamentos, do fardamento e da aquisição de mobiliário, serão acompanhados pela
constante deficiência de equipamento bélico, essencial na formação e manutenção do
militar. Segundo os “jovens turcos”, as precárias condições materiais encontradas no
Exército refletem uma deficiência nacional mais ampla: o abastecimento de produtos
industrializados baseado na importação manteria o país dependente da disponibilidade
dos comerciantes estrangeiros e do bom relacionamento com o país fornecedor.
Os “jovens turcos” denunciavam a fragilidade de nações dependentes e
ressaltavam a importância da siderurgia e da existência e eficiência de fábricas de
armamentos, ambas de cunho nacional. “A segurança nacional reclama que se
43
desenvolva a nossa fábrica ao ponto de nos emanciparmos do estrangeiro” (ADN, maio
de 1914, p. 8). Embora o discurso dos “jovens turcos” tenha sido favorecido pelo início
da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), observava-se o descompasso entre
necessidade e realidade nacional.
Que os nossos chefes naturais tracem o verdadeiro caminho a seguir, enquanto ainda não nos envolve a tormenta, sem atenção a massa oficiosa que inconsciente a gravidade da situação criada ia numa trama de cegueira e má fé, fazendo calar nos ânimos desprevenidos ou timoratos a petulante e impatriótica opinião de que ‘Não precisamos de Exército!’. Que faríamos nós então, na hipótese cabível de uma complicação internacional? Pediríamos confusos, humilhados ao estrangeiro que viesse defender nossa honra, os nossos lares? (ADN, junho de 1917, p. 282. Grifos no original).
Segundo o apresentado na revista A Defesa Nacional a situação poderia ser
considerada alarmante. Os artigos ressaltavam que a falta de investimento nacional no
campo industrial, associada ao corte dos fornecedores europeus, poderia agravar-se para
a impossibilidade de uso do equipamento que já possuíam, devido à falta de peças de
reposição e de munição. Desta forma, o conteúdo do periódico acerca dos problemas
materiais não se limitou a descrever situações recorrentes, mas evidenciava a origem
dos problemas e apontava para possíveis soluções: a dependência de material europeu
poderia ser sanada com investimentos em eficientes empresas nacionais.
No âmbito dos recursos humanos, o debate se concentrava na problemática do
serviço militar e da instrução. Durante o Império, a seleção dos oficiais realizou-se
através da tradição européia do privilégio social, no caso brasileiro, privilégio de grupos
dominantes pela riqueza e pelo poder53. Já a memória popular referente à seleção de
membros para as Forças Armadas, herdeira das leis repletas de exceções/privilégios e da
prática violenta54, facilitou a generalizada repugnância da população em relação à
carreira das armas.
A adoção do alistamento militar obrigatório no Brasil foi iniciada legalmente
em 1874. Embora não fosse cumprida, o regime republicano não revogou a legislação,
ou mesmo buscou torná-la eficaz. Na prática, tal legislação favorecia o preenchimento
da base militar por voluntários.
Destinado a romper com o constante alistamento de analfabetos,
desempregados e criminosos, Hermes da Fonseca, então Ministro da Guerra, consegue
aprovar em 1908 uma nova lei de sorteio militar55. A Legislação de 1908 deveria
53 Sugerimos consultar para melhores esclarecimentos a obra de José Murilo de Carvalho (2005, p.16) 54 O decreto de 1835 ordenou e regulou o recrutamento forçado. (CARVALHO, 2005, p. 19). 55 Lei n. 1860, de 4 de janeiro de 1908.
44
garantir grande transformação na composição das tropas ao tornar a seleção por sorteio
obrigatória. Porém, tal legislação, mesmo durante a presidência de Hermes (1910-1914),
não se concretizou. Em 1913, Estevão Leitão de Carvalho, ao fazer referência às
principais fontes de recrutamento do Exército, afirma ser a seleção baseada em: (1)
nordestinos afugentados pelas secas; (2) desocupados das grandes cidades que
procuravam o serviço militar como emprego; (3) criminosos mandados pela polícia; e
(4) inaptos para o trabalho (ADN, novembro de 1913, p. 40-43).
Segundo os “jovens turcos”, a aplicação eficaz da legislação do serviço militar
obrigatório deveria se realizar: (1) para afastar o predomínio de voluntários
“desafortunados”56 e não aptos para a função das armas; (2) para reforçar a tropa por
temor a uma invasão estrangeira; e (3) pela crença no serviço militar como benéfico à
formação da nação brasileira.
O primeiro fator, destinado a afastar toda a espécie de “desafortunados” das
fileiras da corporação, seguia ao encontro da modernização pretendida, pois, segundo os
“jovens turcos”, com o sorteio, aleatoriamente ingressariam homens de diferentes
grupos sociais e com habilidades educacionais e culturais que se aproximavam do
modelo elitista proposto. Buscava-se diminuir o número de voluntários que ingressavam
no Exército por desemprego ou por falta de opção e/ou perspectiva, pois:
Se até certo tempo o voluntariado era mau, não se deve incriminá-lo por nos encher as fileiras; é que o Exército o aceitava, que os bons elementos não vinham, a Nação a eles abandonava a sua defesa. A má qualidade do nosso antigo voluntariado é, pois, uma velha culpa, antes que tudo, nacional (ADN, junho de 1917, p. 283).
O segundo fator, relacionado ao temor de uma possível invasão estrangeira, se
tornou mais visível com o desencadeamento da Primeira Guerra Mundial e com a
política iniciada por Argentina, Chile e Peru de modernização de suas Forças Armadas.
A obra de Leila Capella (1985), em grande parte, se detém na explicação do
papel desempenhado pelo projeto dos “jovens turcos” em relação aos benefícios do
serviço militar para a nação e para a organização social. A análise dos artigos do
periódico demonstra uma visão ampliada do Exército, por estes ditarem padrões para a
recuperação não só da instituição, como, principalmente, da nação: “sob um ponto de
vista social mais elevado, [o Exército] é uma instituição por onde deve passar a parte
masculina da população que aí aprimora a noção do dever, da disciplina e do
patriotismo” (ADN, agosto de 1915, p. 334). 56 A revista faz inúmeras críticas ao recrutamento de voluntários, considerando-os: analfabetos, indisciplinados e/ou desnutridos.
45
A campanha para colocar em prática a lei do sorteio militar obrigatório ganhou
um importante impulso com a deflagração da Primeira Guerra Mundial e,
nacionalmente, com a criação da Liga de Defesa Nacional. A guerra colocou em pauta a
preocupação emergencial com as questões militares: técnica e pessoal. Criada em
setembro de 1916 no Salão Nobre da Biblioteca Nacional, a Liga de Defesa Nacional
era uma organização composta por civis e militares que buscava reforçar a atenção para
as questões de defesa nacional, com destaque para a campanha pela implantação do
recrutamento através do sorteio obrigatório. Idealizada por Pedro Lessa e Miguel
Calmon, a Liga contou com a ilustre contribuição de Olavo Bilac. O poeta foi o
responsável pelo discurso oficial durante a cerimônia de criação da Liga. Neste
discurso, Bilac afirmou que o intuito de todos que estavam reunidos era “a fundação de
um centro de iniciativa e de encorajamento, de resistência e de conselho, de
perseverança e de continuidades para a ação dos dirigentes e para o labor tranqüilo e
assegurado dos dirigidos” (BILAC, 1965, p. 108-9).
Em síntese, os defensores do serviço militar obrigatório, em especial os
“jovens turcos”, compreendiam sua necessidade para a melhor composição da tropa e
para a organização da nação brasileira.
Se, nos grandes povos, inteiramente constituídos a missão do Exército não sai geralmente dos quadros das suas funções puramente militares, nas nacionalidades nascentes como a nossa em que os elementos mais variados se fundem apressadamente para a formação de um povo, o Exército, única força verdadeiramente organizada no seio de uma tumultuosa massa efervescente – vai às vezes um pouco além dos seus deveres profissionais para tornar-se, em dados momentos, um fator decisivo de transformação política ou estabilização social (ADN, outubro de 1913. Editorial).
Entre as principais motivações da revista A Defesa Nacional, a iniciativa de
cunho transformador/questionador, muitas vezes fazendo uso de discursos inflamados,
tornou-se sua principal característica. Porém, dois assuntos deixariam seus redatores
mais cautelosos: o posicionamento brasileiro na Primeira Guerra Mundial contra a
Alemanha e a posterior contratação de uma missão militar francesa para a modernização
do Exército brasileiro. A cautela acerca de tais assuntos foi gerada nitidamente pela
dificuldade que os “jovens turcos” encontravam para fazerem: (1) oposição a uma
decisão nacional de participação na guerra, justificada por ataques da Alemanha contra
o Brasil; (2) críticas à Alemanha e seu exército, pois estes eram a fonte inspiradora do
grupo fundador do periódico; e (3) críticas à iniciativa de contratação de uma missão de
modernização.
46
Após a deflagração da Guerra, a concepção difundida pela revista acerca da
modernização do Exército Brasileiro ganhou destaque. A revista publicou um artigo do
primeiro-tenente Amaro de Azambuja Villanova em que se considerava que, tendo em
vista os recentes acontecimentos europeus, ficara comprovado, mais uma vez, que só a
capacidade militar garantiria a integridade de uma nação (ADN, agosto de 1915, p.
334).
Embora tenha contribuído efetivamente para valorizar as Forças Armadas e
colocar em evidência a importância de seu profissionalismo, no caso do Brasil, a guerra
expôs suas deficiências. De certa forma, o conflito revelou as fraquezas nacionais e as
contrastou com a existência de exércitos organizados e bem equipados. Sergio Murilo
observa:
Assim, criou-se aqui um exacerbado clima belicista, mobilizando apaixonadamente as opiniões. As informações e análises sobre a guerra expunham as deficiências do exército, reforçando os argumentos dos militares no sentido de que o governo precisava dedicar mais atenção as Forças Armadas (PINTO, 2005).
Embora a revista A Defesa Nacional tenha explorado constantemente o conflito
europeu para legitimar seus objetivos mais importantes – modernização das Forças
Armadas, recrutamento militar e industrialização – os enfrentamentos do Brasil com a
Alemanha foram lamentados. Os artigos subsequentes à entrada do Brasil na Guerra
serão calcados na necessidade de fortalecer o Exército brasileiro, no fomento do perigo
iminente e na crítica a todos aqueles que impediam as mudanças modernizadoras. No
entanto, o discurso da revista não desqualifica nem publica críticas à nação inimiga, a
Alemanha.
A contratação de uma missão militar europeia fazia parte dos planos de Hermes
da Fonseca quando ministro da Guerra. A missão militar, constando entre as exigências
dos “jovens turcos” para a organização do Exército Brasileiro em moldes modernos,
apresentava-se para as potências europeias como fator de influência política, militar e de
abertura para acordos comerciais. De grande importância para a modernização do
Exército, a Missão Militar Francesa foi abordada em diversas obras57. Gostaríamos de
realçar, a princípio, o posicionamento apresentado pela revista A Defesa Nacional
acerca da contratação da missão militar, visto que sua preferência era a vinda de uma
missão alemã.
57 Sugerimos consultar para melhores esclarecimentos as obras de Francisco de Paula Cidade (1959), Jayme de Araujo Bastos Filho (1994), Manuel Domingos Neto (2001) e Frank McCann (2009).
47
A especial situação com o fim da Primeira Guerra Mundial estreitou os laços
entre Brasil e França, vitoriosa. Durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, o
recém-indicado ministro da Guerra Padiá Calógeras estabeleceu contato com militares
franceses para a contratação de uma missão militar modernizadora, já aprovada pela
Câmara dos Deputados58. Em grande medida, os artigos da revista A Defesa Nacional
declaram a esperança e a ansiedade em relação à chegada da missão militar, mas é
possível observar que sua chegada não foi enaltecida como as demais solicitações dos
“jovens turcos”:
Hoje, apesar dos nossos incontestáveis progressos, é tamanho o desejo de completar a nossa defesa, está tão arraigada a convicção de que precisamos de um auxílio estrangeiro para sairmos de vez das dificuldades que nos entravam, que todos confiam e se satisfazem com qualquer solução. Precisamos quem nos ensine ou nos permita realizar os meios de aprender; precisamos qualquer coisa que nos leve para a frente na estrada em que palmilhamos até agora com tantos sacrifícios. Formulemos um plano geral para a organização de nossa defesa militar e nele persistamos até sua completa execução; respeitem-no os poderes constituídos e respeitemo-lo nós, cheios de confiança nos seus resultados, pois mesmo imperfeito será melhor completamente executado do que as partes diversas dos mais perfeitos planos abandonados em meio de sua execução. Desde que a missão nos venha auxiliar nesse sentido, extirpando os erros que não podemos evitar e melhorando com a imparcialidade de técnicos, tudo o que já conseguimos produzir. Bem vinda seja! (ADN, abril de 1919. Grifos no original).
O discurso moderado em relação à missão francesa é reflexo da preferência e
admiração que os “jovens turcos” tinham pelo Exército Alemão, visíveis em um grande
número de artigos apresentados pela revista A Defesa Nacional. O trecho abaixo,
publicado durante a guerra, mas antecedendo à entrada do Brasil no conflito, foi retirado
do artigo “A Alemanha Militar”, e denota uma crença quase sobre-humana na
capacidade da nação e do Exército Alemão:
Ficaremos desde então habilitados a dizer que o povo alemão não desaparecerá, depois dessa luta de gigantes que ensanguenta o solo da velha Europa, como superficialmente se afirma. Poderá ser vencido, porém abrigando em seu peito qualidades tão invejáveis, herança de seus antepassados, surgirá de novo, forte e cheio de experiência, mais bem aparelhado ainda, para descrever a trajetória brilhante que o destino reservou-lhe a percorrer na senda do progresso humano (ADN, maio de1916, p. 286).
A contratação de militares estrangeiros para instrução não era uma novidade no
mundo e nem mesmo no Brasil. Países como Argentina e Chile já haviam realizado tal
experiência e, no caso brasileiro, em 1906 foi realizada a contratação de uma missão
58 O projeto para a contratação de uma missão militar foi provado em 23 de dezembro de 1918 (FILHO, 1994, p. 5).
48
francesa para a Força Pública de São Paulo59. As declarações acerca da necessidade de
uma missão militar estrangeira estiveram em pauta nos artigos publicados pela revista A
Defesa Nacional desde sua fundação, porém, somente foi efetivada em 1920.
A problemática que envolveu a contratação da missão militar estrangeira para o
Exército Brasileiro extrapolou os muros dos quartéis. Se para os defensores do projeto
representado pelos “jovens turcos” a vinda de uma missão estrangeira seria aproximar o
Exército Brasileiro com os exércitos mais modernos do mundo, para outros poderia ser
sinônimo de desconfiança e fragilização de nossa defesa, pois tornaria uma nação
estrangeira extremamente conhecedora de nossa força militar. Desta forma, os anos de
1917 e 1918 foram de debates intensos sobre a possibilidade de contratação de uma
missão militar e suas responsabilidades.
Embora tenha se generalizado pela historiografia que a conjuntura adversa
impediu a aproximação brasileira com a Alemanha, Francisco de Paula Cidade (1959, p.
364) afirma que além de pertencer ao lado vitorioso da guerra, a França possuía nos
meios militares brasileiros muitos admiradores. A questão comentada por Cidade será
esclarecida em artigo publicado por Manuel Domingos Neto (2001), onde se aponta que
a disputa acerca da contratação da missão militar ultrapassou o debate entre brasileiros
favoráveis e contrários a sua vinda. O autor apresenta um cenário mais amplo dos
interesses que envolveriam a contratação da missão estrangeira. Utilizando fontes de
influentes personalidades estrangeiras, o artigo de Domingos Neto apresenta o empenho
de franceses, norte-americanos, ingleses e alemães em influenciar a contração de seus
militares para instrução e/ou a efetivação de contratos comerciais para venda de material
bélico. As fontes apresentadas pelo autor também demonstram a aproximação de
estrangeiros e brasileiros para pressionar as instâncias responsáveis pela definição dos
contratos.
Acertada a vinda da Missão Francesa para 1920, criou-se um novo ambiente de
difusão das propostas reformistas, o que retirou parcela da autoridade e da originalidade
da revista ADN ao tornar as escolas de aperfeiçoamento de oficiais e a de comando e
estado-maior centros dinâmicos do modelo modernizador francês.
Os primeiros anos de publicação do periódico também foram marcados por
algumas mudanças na sua organização e edição. A partir dos anos 1920, a própria
aparência da revista seria alterada com o aparecimento de anúncios publicitários.
59 Sugerimos consultar para melhores esclarecimentos sobre o assunto a obra de Antônio Barreto do Amaral (1966).
49
Acreditamos que, em decorrência das constantes crises financeiras anunciadas pelo
periódico, a mais grave das quais ocorreu em 1926, quando a publicação foi suspensa
por quatro meses. Nesta época, os anúncios surgiam como solução para os problemas
financeiros. Para os envolvidos com a publicação, as dificuldades financeiras estavam
associadas aos atrasos nos pagamentos das assinaturas; à falta de interesse da maior
parte dos oficiais; e à baixa remuneração militar, que inibia os gastos com material de
instrução.
Se por um lado havia dificuldades inegáveis para a continuidade do projeto de
difusão de conhecimento encampado pela revista ADN, destaca-se ao longo de suas
publicações o bom relacionamento do periódico com o Clube Militar e com o Estado-
Maior do Exército. O periódico disponibilizou espaços para a divulgação de palestras e
de artigos publicados por essas instituições.
Durante o período relatado, a mudança organizacional de maior relevância no
periódico ocorreu em outubro de 1928, com a revisão dos estatutos de fundação da
revista. As alterações se realizaram majoritariamente no campo da organização de
pessoal: (1) abolição do posto de redator, tendo como motivo a ampliação do alcance
social do periódico; e (2) a reorganização do grupo mantenedor, que entre os seus 12
membros leitos poderiam ser incluídos membros da Marinha e/ou civis.
Ao longo dessa primeira abordagem da organização e da ação da revista ADN
observamos que o projeto dos “jovens turcos”, baseado, a princípio, na modernização
militar, possuía inevitavelmente como arcabouço a própria reorganização do Estado e da
sociedade. Para a revista ADN, a reorganização nacional necessariamente deveria passar
por transformações: (1) no campo material, para as questões de desenvolvimento
econômico; (2) no campo moral, para o estabelecimento de um padrão comportamental;
e (3) no campo político, para que as estruturas governamentais se dedicassem a tais
prioridades.
50
2.5. A inserção institucional da revista A Defesa Nacional
2.5.1. A revista A Defesa Nacional, 1930-1960
O turbulento contexto nacional inaugurado com a Revolução de 1930 fez
emergirem no Brasil novos grupos políticos e militares, que se mantiveram nos mais
altos cargos ao longo do período em que Getúlio Vargas esteve na presidência (1930-
1945).
Durante os meses de outubro e novembro de 1930, período mais agudo da crise
política, a publicação da revista ADN ficou suspensa. Porém, já nas edições de
dezembro de 1930 e março de 1931, é possível observar a aproximação do grupo
mantenedor do periódico com os vitoriosos da Revolução. Em dezembro de 1930, o
tenente-coronel Pedro Aurélio de Góes Monteiro, comandante militar do movimento,
passou a integrar o grupo de diretores do periódico; e em março de 1931 a revista
recebeu uma nova sede para sua redação localizada no salão do antigo arquivo do
Estado-Maior do Exército, em uma ala do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro.
Após a experiência federalista da Primeira República, marcada pela dispersão
do poder entre oligarquias regionais, a Revolução de 1930 marcou o início do processo
de nacionalização da política brasileira. No campo militar, a herança que as instituições
traziam do período anterior era a falta de uma política destinada às Forças Armadas que
realmente as tornasse profissional e nacional. Na análise de McCann (2007, p. 385),
após a Revolução de 1930, a crise na instituição militar agravou-se, inclusive na sua
estrutura de comando, dada a quantidade de novos oficiais na direção do Exército. O
período seria marcado por um projeto de reconstrução, que buscou estabelecer a coesão
e a importância nacional da instituição.
O apoio militar em 1930 para a deposição de Washington Luís esteve sob a
liderança do tenente-coronel Góes Monteiro, que com o sucesso da Revolução alcançou
notoriedade no meio militar e político. Ao assumir o comando militar em 1930, Góes
Monteiro investiu na reorganização militar, herdeira de inúmeros problemas, desde
orçamento e administração, até questões de coesão e instrução. Góes arquitetou a
reorganização e a implantação de uma concepção específica da corporação ao dinamizar
51
o pensamento militar em favor da operacionalização da intervenção na política de forma
coesa, disciplinada e com visão estratégica e profissional.
Embora Góes Monteiro tenha participado com distinção nos cursos oferecidos
pela Missão Francesa – missão apoiada pelos “jovens turcos” – não é possível apontar
categoricamente a interação existente entre os “jovens turcos” e o então líder militar
antes de 1930, quando Góes Monteiro figura entre os diretores da revista. Desta forma,
partimos da compreensão de que a experiência compartilhada na instituição militar e o
inconformismo com a situação de desordem do Exército, fizeram surgir entre os “jovens
turcos” e Góes um pensamento sobre as Forças Armadas muito parecido. Vale assinalar
que o modelo de reorganização militar iniciado por Góes Monteiro e empreendido ao
longo do governo de Getúlio Vargas foi baseado: (1) na intensa preparação técnica; (2)
no processo de constante aprendizado; (3) no respeito à hierarquia e a disciplina; e (4)
na consolidação da coesão na Força. O alcance da proposta também atingiu instâncias
políticas e sociais, visto que Góes valorizou a ação da instituição militar nos assuntos
nacionais de maior importância.
Em grande medida, os “jovens turcos” declararam através da revista ADN seu
apoio aos movimentos políticos e militares de 193060 e 1937 (golpe do Estado Novo).
Encontramos nos artigos sobre o contexto nacional muita expectativa em relação ao
governo e aos programas elaborados, o que denota grau de alinhamento com a ordem
política estabelecida.
Deflagrada a chama que incendiaria os sentimentos cívicos das populações desamparadas do sertão, e as massas conscientes mais desanimadas do litoral e dos pampas, - vimos desenhar-se a cooperação militar do grande movimento em linhas perfeitamente simétricas com a imagem do levante popular, gravitando a ação das forças do Exército em torno dos núcleos centrais de direção, a cuja frente se encontravam os leaders revolucionários dos diferentes setores, atraídas as tropas regulares pelo ima poderoso da unidade nacional. [...] O governo provisório reverte-se de todas as características de estabilidade e exercita suas funções segundo um estatuto
que dá a seus atos o cunho de perfeita legalidade, apoiados, de resto, moral e materialmente, por toda a nação (ADN, janeiro de 1931. Editorial. Grifos no original).
Vai para seis anos da instituição do Estado Novo. O Exército, que em nenhum momento falhou à sua missão histórica de assegurar o equilíbrio nacional, foi responsável direto pela transformação política operada em 10 de novembro de 1937, e sente-se hoje verdadeiramente orgulhoso quando pode constatar a oportunidade e magnitude da obra realizada (ADN, novembro de 1942. Editorial).
60 A figura mais proeminente do grupo dos jovens turcos, Bertholdo Klinger, apoiou a princípio a Revolução de 1930, chegando inclusive ao generalato em 1931. Porém, em 1932 reuniu-se com dirigentes paulistas e exerceu a chefia militar do Movimento Constitucionalista de São Paulo para depor Getúlio Vargas.
52
Outra importante liderança militar no período da presidência de Getúlio Vargas
foi o general Eurico Gaspar Dutra. Durante o período em que Dutra esteve à frente do
Ministério da Guerra61 também atuou na reorganização militar profissional e no projeto
de coesão nacional. Diante da tumultuada conjuntura militar a partir de 1930 –
expurgos de militares, rebelião em São Paulo em 1932, rebelião da Aliança Nacional
Libertadora 1935 – observamos as investidas dos chefes militares em direção ao reforço
das regras de hierarquia e disciplina, associadas à coesão da corporação. Se, por um
lado, a repressão e os expurgos garantiram o afastamento de indivíduos indesejados,
também se tornou necessário reforçar os laços daqueles que se mantinham fiéis ao
projeto defendido pelas lideranças militares que apoiaram Vargas. Desta forma,
incluímos a iniciativa de Eurico Dutra, ao reorganizar o setor intelectual do Exército –
reabertura da BIBLIEx, incentivo ao setor de produção editorial e a aproximação
sempre elogiosa com a revista ADN –, no grupo de ações que pretendiam reforçar os
pilares profissionais e de coesão militar.
O modelo de biblioteca inaugurado por Eurico Dutra incluía não só a
responsabilidade sobre o acervo e a consulta, mas também, a função de editora do
Exército. Assim, Dutra, redator da revista ADN durante o ano de 1922, organizou a
Biblioteca do Exército Editora (BIBLIEx) e valorizou a revista ADN no intuito de
estabelecer canais oficiais de divulgação de conhecimento técnico e de interesse militar.
Durante o período do Estado Novo (1937-1945) até 1950, a revista ADN
também passou por transformações em seu arcabouço organizacional, tornando mais
visível o enquadramento institucional do periódico no Exército Brasileiro. A ideia de
que a revista ADN a partir de 1930 progressivamente se institucionalizou e atuou
alinhada aos chefes militares pode ser constatada no padrão que a publicação adotou
neste período, mas não consta oficialmente nas reformulações de seu estatuto.
De 1930 até 1960 a revista reformulou seu estatuto por quatro vezes, sem que
fossem realizadas alterações em seu modelo jurídico original de sociedade civil de
direito privado. O estatuto de 1931 alterou apenas o número de diretores, passando de
um para quatro; e formalizou o convite aos oficias da Marinha para que participassem
da revista (ADN, maio de 1931). Na alteração seguinte, o estatuto criou um corpo de
redatores responsável por escrever e selecionar os artigos; e estabeleceu que os sócios
ficassem encarregados de contribuírem com valores acima das assinaturas para que as
61 Dezembro de 1936 a agosto de 1945.
53
despesas não se concentrassem no grupo mantenedor (ADN, junho de 1933). Já a
reformulação dos estatutos realizada em 1943 transformou a sociedade, organizada
originalmente sob a denominação “Cooperativa Militar Editora e de Cultura Intelectual
‘A Defesa Nacional’”, em uma espécie de sociedade limitada (Ltda). Desta forma, a
partir de 1943, para ser sócio tornou-se necessário comprar um número mínimo de
cotas, e ao final de cada ano 50% do lucro adquirido com a venda das revistas deveria
ser dividido entre seus associados. O restante do lucro seria utilizado para o pagamento
de funcionários e colaboradores; para a manutenção material; e para a formação de um
fundo de reserva. (ADN, setembro de 1943). No estatuto de 1945 a transformação em
sociedade limitada se consolida e a denominação da revista modifica-se para
“Cooperativa Militar Editora e de Cultura Intelectual ‘A Defesa Nacional’ Limitada”
(ADN, julho de 1945, p.151. Grifos nossos).
A COOPERATIVA MILITAR EDITORA E DE CULTURA INTELECTUAL ‘A DEFESA NACIONAL’ Ldta, é uma associação de classe, destinada a ‘pugnar por todas as questões que interessam aos problemas de defesa nacional, incentivar o gosto pelo estudo e debate de questões pertinentes à eficiência das Forças Armadas e à difusão de cultura geral e profissional de seus associados’. Com essa finalidade propõe-se: a) Manter a revista mensal de assuntos militares ‘A Defesa Nacional’; b) formar bibliotecas fixas ou circulantes; c) editar, por conta própria regulamentos militares ou outros trabalhos de reconhecida utilidade profissional [...] (ADN, abril de 1946, p. 8. Estatuto de 1945. Grifos no original).
Embora tenham sido realizadas diversas alterações, a cooperativa manteve as
eleições para a administração da revista – diretores, redatores e secretários – e não
incluiu em nenhum de seus estatutos o vínculo de subordinação a qualquer instituição
militar. Todavia, uma análise mais atenta demonstra que a revista recebeu em março de
1931 uma nova sede, estabelecida no Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro; recebeu
esporadicamente auxílio financeiro do Ministério da Guerra; e publicou constantemente
discursos dos ministros da guerra e dos presidentes - além dos atos oficiais do
Ministério da Guerra. O periódico também apresentou: (1) a partir dos anos de 1940 a
expressão “Redação e administração: Quartel General do Exército”; (2) nas edições dos
anos 1950 a responsabilidade da Imprensa do Exército na impressão do periódico
(ADN, março de 1957); (3) os valores referentes aos subsídios recebidos do Ministério
da Guerra e da BIBLIEx; e (4) aproximação com importantes chefes militares. Este
último pôde ser observado através das declarações elogiosas de chefes militares sobre a
existência do periódico e que foram publicadas na revista ADN:
54
À diretoria de ‘A Defesa Nacional’. Na data em que a ‘A Defesa Nacional’ comemora seu 30o aniversário, é com prazer que assinalo o quanto tem sido proveitosa sua atuação no sentido de propagar para o Brasil, até as mais longínquas guarnições o conhecimento de assuntos técnico-militares, além de informações de interesse geral, igualmente úteis a todos quantos cooperam em prol do engrandecimento nacional. É-me grato felicitar-vos nesta data, recordando-me do tempo em que fiz parte da diretoria dessa Emérita Revista. (ADN, janeiro de 1944, p. 12. Carta do General Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, enviada a diretoria da revista ADN em virtude de seu aniversário em outubro de 1943). Tendo em vista que ‘A Defesa Nacional’ vem cooperando, ininterruptamente, há 34 anos, na obra de aperfeiçoamento, ampliação e divulgação de conhecimento técnico-profissionais e de cultura geral, úteis a formação intelectual dos militares, e que suas colunas abertas à colaboração de todos devem refletir o amor ao estudo e o grau de capacidade profissional dos quadros do Exército, apraz-me recomendá-la à atenção e interesse de todos os oficias, quer intelectualmente nela colaborando, quer materialmente, fazendo-se seus assinantes. Esta sugestão deve ser transcrita nos boletins internos de todos os escalões do comando e da administração do Exército (ADN, fevereiro de 1947, p. 8. Carta do General Canrobert P. da Costa, ministro da Guerra, enviada a diretoria da revista ADN). Em consequência, este comando concita os oficiais, subtenentes e sargentos a prestigiarem a revista ‘A Defesa Nacional’, fazendo suas assinaturas, a fim de, com estas, evitarem o desaparecimento de tão importante órgão, porta-voz da cultura profissional do Exército (ADN, novembro de 1951. Trecho do boletim interno do Regimento Tiradentes, sediado em São João Del-Rei, escrito por seu comandante o coronel Olympio Mourão Filho).
Em decorrência das alterações supracitadas, a revista ADN distancia-se de
diversas temáticas anteriormente tradicionais – críticas, propostas de mudanças,
discurso de ação social e política – para a quase exclusividade de assuntos técnicos e de
alinhamento ao poder militar e político estabelecido. Os assuntos tratados pela revista
de 1930 até 1960 podem ser distribuídos da seguinte maneira: (1) técnicas de guerra e
os ensinamentos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945); (2) indústria nacional; (3)
história militar; e (4) divulgação de discursos e atos oficiais do presidente e/ou dos
ministros da Guerra.
Na revista ADN, de 1930 até 1950, predominaram os artigos relacionados às
questões de técnica, estratégia e tecnologia empregadas na guerra. Assim, o contexto da
Segunda Guerra Mundial impulsionou a preocupação com as novidades no campo de
batalha, como por exemplo, a preocupação do periódico com a necessidade do Brasil
criar uma força aérea diante da tática de combate alemã denominada blitzkrieg62.
62 Termo alemão para guerra-relâmpago. A operação consistia no ataque rápido e de surpresa, sem que as forças inimigas pudessem organizar suas defesas. O efeito desejado pela guerra-relâmpago só pode ser obtido pela utilização coordenada da infantaria, dos blindados e da aviação.
55
Em consequência dos estudos sobre a guerra, a revista ADN demonstra seu
incentivo e admiração pelas iniciativas governamentais para o aperfeiçoamento do
sistema de comunicações, para o incentivo às pesquisas sobre o petróleo nacional; e,
especialmente, para o desenvolvimento da siderurgia. A revista considerava que parte
significativa dos problemas do parque industrial brasileiro dependia da solução da
questão siderúrgica:
O desenrolar da presente conflagração européia veio pôr à prova, ainda uma vez, a poderosa influência que a organização industrial exerce sobre o curso das operações, em consequência da importância crescente do elemento material. De vez que o conceito moderno de guerra total se apóia no aproveitamento de todas as forças vivas da sociedade, a mobilização da indústria civil se apresenta como um problema elementar da organização da defesa nacional (ADN, agosto de 1940, p. 21). O ambiente que se criou em todo o país de franco e decisivo apoio à Companhia siderúrgica Nacional, deixa bem assinalado o propósito dos brasileiros de cooperar com o governo nos seus patrióticos esforços tendentes a solucionar no mais breve espaço de tempo possível, o mais importante e, sem dúvida, o maior de nossos problemas (ADN, maio de 1941, p. 240).
Nos artigos destinados a assuntos de história militar predominavam duas
tendências: retratar cenários de guerra para análise e aprendizado e divulgar o heroísmo
e a participação das Forças Armadas nacionais em diversos momentos de crise. Neste
caso, a primeira tendência se associa diretamente ao modelo predominante da revista
ADN, com a publicação de artigos sobre questões da guerra.
Já a publicação de discursos presidenciais e de atos oficiais dos ministros da
Guerra, associados a declarações elogiosas da revista sobre tais personalidades, reforça
o alinhamento do periódico com a ordem política vigente e, principalmente, com os
chefes militares a partir da década de 1930.
Por coincidência as duas figuras principais da direção do Exército foram diretores da ‘A Defesa Nacional’ – Generais EURICO GASPAR DUTRA e PEDRO AURÉLIO DE GOÍS MONTEIRO – os quais trabalharam por ela, contribuindo com seu saber e inteligência para orientar os mais jovens que viam na nossa revista um guia seguro e um auxiliar prestimoso. Contando com o integral apoio de todo o Exército, ‘A Defesa Nacional’, por intermédio de seus diretores, tudo fará para ser útil, afim de preencher in-totum, a sua finalidade – idealizada por um grupo de oficias que, no início da carreira, sonhavam com uma força de terra respeitável pela sua técnica perfeita e pela sua aparelhagem eficiente, e que, hoje, nos altos postos da hierarquia, tudo fazem para verem materializado seus sonhos da mocidade (ADN, janeiro de 1940. Grifos no original). O General Eurico Dutra é o construtor do novo Exército do Brasil. Não o construiu apenas no sentido material da palavra, equipando-o modernamente e armando-o com suficiência: construiu-o pela disciplina e modelou-o com o exemplo. Deu-lhe a sua alma, que é a de um bravo e a sua vida, que é a de um apóstolo soldado, sabe plasmar o espírito dos soldados [...] Reorganizando o Exército à margem das agitações partidárias ou dos
56
problemas políticos, Eurico Dutra prestou ao Brasil um serviço histórico: fê-lo confiar em si mesmo e repousar, na hora sombria que o mundo atravessa, à sombra de seus quartéis e à luz de suas armas (ADN, junho de 1942, p. 8).
A análise do contexto pós 1930 nos encaminha para a compreensão de que a
progressiva institucionalização da revista ADN foi estruturada através da longa jornada
dos “jovens turcos” e seus signatários, associada à ascensão nacional de chefes militares
comprometidos com projetos de transformação das FA, sendo que estes últimos
angariaram poder também nas instâncias políticas. A coincidência de interesses e, em
alguns casos, a coparticipação na revista, estabeleceu o elo fundamental entre os chefes
militares e o grupo responsável pelo periódico em reforço à reorientação e à
reestruturação do Exército, o que garantiu a institucionalização da revista de forma
oficiosa. “ ‘A DEFESA NACIONAL’ é do Exército. Trabalhar para ela é trabalhar pelo
Exército. Mandem suas colaborações”63.
Ao analisarmos a revista ADN durante a década de 1950 percebemos que, em
decorrência da conjuntura nacional e internacional, o material publicado sofreu algumas
alterações. No quadro das relações internacionais a década de 1950 foi marcada pela
reorganização do mundo nos moldes da Guerra Fria, o que pressionou os países a uma
definição por um dos campos em luta. No caso brasileiro, a conjuntura de Guerra Fria
coincidiu com o momento de grandes disputas que se materializavam nos programas de
modernização nacional. Esquematicamente, no debate sobre a modernização, o Brasil
vivenciou nos anos 1950 a divisão da sociedade em duas perspectivas conflitantes:
nacionalistas e “entreguistas” (FAUSTO, 2007).
Os nacionalistas defendiam o desenvolvimento baseado na industrialização,
enfatizando a necessidade de se criar um sistema econômico com significativa
autonomia. Isso significava dar ao Estado um papel importante como regulador
econômico e investidor em áreas estratégicas – petróleo, siderurgia, transportes,
comunicações. Sem recusar o capital estrangeiro, os nacionalistas o encaravam com
restrições, seja por razões econômicas, seja por acreditarem que o capital estrangeiro em
algumas áreas poria em risco a soberania nacional. Os – assim chamados pelos
nacionalistas – “entreguistas” defendiam uma menor intervenção do Estado na
economia; não priorizavam a industrialização e sustentavam que o desenvolvimento do
país dependia de uma abertura ao capital estrangeiro. Sustentavam também uma postura
63 ADN, fevereiro de 1937. Grifos no original. Propaganda veiculada em quase todos os exemplares nas décadas de 1930 a 1960.
57
de rígido combate à inflação, através do controle da emissão de moeda e do equilíbrio
dos gastos do governo.
Em uma dimensão institucional, os militares também participaram dos debates
e reproduziam na corporação o enfrentamento entre nacionalistas e “entreguistas”
(PEIXOTO, In: ROUQUIÉ, 1980). Acompanhando a conjuntura dos anos 1950, embora
ainda predominasse no periódico os artigos sobre técnica/tecnologia militar,
observamos na revista ADN o aumento notório da quantidade de artigos sobre
economia, sobre o papel nacional das FA e o início da divulgação de material sobre a
conjuntura de ameaça comunista.
A revista ADN demonstra preocupação com questões de política social – saúde
e educação –, mas o que nos chama a atenção é o seu envolvimento com os assuntos
econômicos, chegando a constar, nos anos 1950, uma seção exclusiva de economia e
finanças64.
A revista produzia uma avaliação crítica dos investimentos estrangeiros
encaminhando o discurso para a valorização das ações governamentais no campo do
petróleo, da siderurgia, dos transportes, das comunicações, e da mecanização da
agricultura. Porém, o periódico não menosprezou os benefícios que poderiam ser
obtidos através de negociações com o capital estrangeiro, desde que não estivesse em
risco a soberania nacional.
Os recursos naturais, a capacidade de trabalho (saúde e educação), as facilidades de fabricação (ferro e carvão para a siderurgia), e a eficiência dos transportes (petróleo e eletricidade) são os principais fatores do progresso (ADN, julho de 1951, p. 101. Grifos no original). Partimos do Postulado do Professor Quiny Wright da Universidade de Chicago: não pode haver política exterior independente sem independência econômica, e não pode haver independência econômica sem industrialização. Todas as riquezas básicas da América Latina estão dominadas pelo capital estrangeiro, que não apenas controla sua exploração mas a sua exportação (ADN, fevereiro de 1959, p. 109).
A atenção do periódico com a ameaça comunista, veiculada diante da
conjuntura de Guerra Fria, demonstrou a construção diametralmente oposta entre as
concepções de democracia e comunismo. A revista ADN produziu na década de 1950
uma interpretação bastante combativa do comunismo, considerando-o um elemento
estranho e ameaçador à natureza democrática e livre do mundo ocidental e do Brasil.
64 Durante o período de 1930 a 1950 os artigos sobre economia eram em quantidade pequena e se restringiam, em grande medida, à siderurgia. No decorrer da década de 1950 a quantidade de artigos sobre economia e industrialização aumentou e a de temas também.
58
A conclusão a tirar, portanto, das considerações apresentadas e que se baseiam em fatos e documentos incontestáveis só poderá ser a seguinte: – gerador e provocador de desordem social, o comunismo russo – ‘peste mortal’ no dizer do grande Papa Pio XI enxovalha as consciências, aniquila e destrói as manifestações do espírito livre com a instituição legalizada do servilismo no domínio das idéias; asfixia a cultura com a escravização do pensamento; e rebaixa moralmente o ser humano, constituindo um ‘sistema cheio de erros e de sofismas’, absolutamente incompatível com a dignidade natural da espécie e que merece, por tudo isso, a mais enérgica repulsa dos cidadãos conscientes de qualquer país verdadeiramente democrático (ADN, maio de 1952, p. 131).
Em complemento às características comentadas da revista ADN durante as
décadas de 1930-1950, podemos citar que o periódico: (1) apresenta um grande número
de propagandas; (2) divulga a atividade editorial da cooperativa; (3) registra uma média
de dez mil assinantes; e (4) apresenta a participação de oficiais do Exército de diversas
patentes. Através da publicação das listas de sócios, colaboradores e representantes,
observamos o predomínio de tenentes e capitães. Porém, esse predomínio não se aplica
aos cargos administrativos da revista, setores em que a maioria dos integrantes possui a
patente de coronel e/ou general. A composição profissional dos indivíduos envolvidos
na administração indica que os oficiais superiores e/ou oficiais generais dirigem os
rumos do periódico, o que altera sua formação profissional original65.
2.5.2. A revista A Defesa Nacional, 1960-1980
Durante a década de 1960 a revista ADN novamente modificou o padrão de
artigos publicados. Se, no período que antecedeu ao golpe de 1964 – contexto marcado
pelas disputas nacionais em favor da modernização brasileira, e internacionais,
consubstanciadas no enfrentamento entre capitalismo e comunismo – as temáticas
publicadas foram basicamente uma continuidade do modelo apresentado nos anos 1950
– profissionalismo, economia e nacionalismo – após o episódio de 1964, a revista, que
manteve a divulgação majoritária de artigos técnicos e profissionais, publicou
constantemente artigos sobre a intervenção militar, o comunismo, e a defesa nacional.
65 Importante ressaltar que a mudança também está associada à mobilidade profissional dos fundadores da revista. Se na década de 1910 os fundadores do periódico possuíam patentes de tenentes e/ou capitães, nas décadas seguintes alcançaram os postos de oficias generais, como por exemplo: Bertholdo Klinger, Estevão Leitão de Carvalho, Francisco de Paula Cidade e Euclides de Oliveira Figueiredo.
59
Ao longo da crise de 1964 a revista não sofreu interrupções em sua publicação,
e a primeira declaração do periódico em favor da intervenção militar ocorreu em agosto
daquele ano, através do artigo intitulado O espírito da revolução e sua contribuição
para uma renovação da mentalidade nacional:
Os acontecimentos, não é necessário que eu [major Washington Bermudez] vos descreva. Aí estão recentes. Foram suas características a idéia de agir com energia no momento preciso, com rapidez, para evitar a efusão de sangue, com a alma e o coração nas ações, tendo por testemunha Deus, Supremo Guia dos homens, e com os objetivos alevantados de conduzir este Povo, a que também pertencemos, para os caminhos da libertação, libertação do medo e da destruição. Era a última oportunidade. Provou ser a certa (ADN, jul/ago de 1964, p. 15).
Assim, observamos que ao longo de todo o regime militar a revista ADN foi
utilizada como mecanismo de propaganda da intervenção e das ações dos governos. No
contexto dos assuntos veiculados pelo periódico, encontramos de maneira recorrente
artigos sobre os benefícios e necessidades do golpe de 1964:
A Revolução não se deterá. O Brasil precisa que assim seja, para poder trabalhar, viver e progredir em paz. Os setores negativos, que investem contra a Revolução – não terão forças para neutralizar a sua obra. O Brasil verdadeiro está ao lado dela, apoiando-a, compreendendo-a. ela prosseguirá. A Revolução é irreversível! (ADN, mar/abr de 1966, p. 5)
De maneira mais específica o periódico veiculou ações de combate à desordem e ao
comunismo, como foi o caso do desmantelamento da Guerrilha do Caparaó. A guerrilha
fora organizada pelo Movimento Nacional Revolucionário (MNR) em 1966, composto
por intelectuais e militares que pretendiam, através da luta armada, derrubar o regime
militar instalado no Brasil em 1964:
Com essas quatro últimas prisões, e com os resultados das investigações já realizadas, pôde ser considerada praticamente terminada a operação e desnecessária uma ação de vasculhamento em força em toda a área, para a qual estava previsto o emprego de unidades do Exército. [...] As investigações procedidas pelas autoridades militares proporcionaram um completo levantamento da estrutura de comando e organização, no Brasil, dos elementos subversivos que tentaram criar a frustrada “Frente de Caparaó” (ADN, set/out de 1967, p. 76)
Já o comunismo que, assim como a “revolução”, foi assunto presente em
grande parte das edições da revista ADN a partir de agosto de 1964 até os anos 1980, foi
noticiado no periódico com extensos artigos. O material publicado tinha a preocupação
de transmitir a idéia de que, além de ser uma ameaça internacional, o comunismo
também estava presente no Brasil:
Face aos aspectos analisados, verificamos que há uma estratégia comunista para a conquista ideológica e política do mundo, que vem sendo rigorosamente executada. Pelas facilidades e oportunidades oferecidas, o Brasil tornou-se objeto compensador e imediato, transformando-se em palco
60
de intensas e calculadas atividades comunistas, na busca do poder, que se desenvolveram em todos os campos da atividade humana. (ADN, jul/ago de 1965, p. 57). Há anos, o nosso país e o nosso povo vêm sendo submetidos a uma guerra fria avassaladora, que procura abalar as nossas estruturas e afetar o nosso homem em suas mais puras convicções sobre civismo, fé, patriotismo, dedicação ao trabalho, respeito a toda e qualquer espécie de autoridade, etc, predispondo-o a agir como um autômato, como marionete manejada pelos cordões dos comunistas (ADN, jan/fev de 1969, p. 23).
Durante o regime militar, também encontramos na revista ADN diversos
artigos que demonstram uma grande preocupação com as mais diferentes instâncias
nacionais. Baseados em questões sociais, econômicas e políticas, os artigos indicavam a
perfeita coerência de seus debates com os propósitos da Doutrina de Segurança
Nacional. Segundo Comblin (1978, p. 17) e Borges (In: FERREIRA e DELGADO,
2003, pp. 13-42), a Doutrina de Segurança Nacional fornece intrinsecamente a estrutura
necessária à instalação e a manutenção de um governo forte, visto que sua estrutura está
baseada na concepção de guerra total. Portanto, ocorre a ampliação do campo de
perseguição ao inimigo, pois a agressão pode vir tanto do exterior quanto do interior
(inimigo interno), e consequentemente a ampliação do campo de ação militar.
Dentro do aspecto ideológico dos militares brasileiro, a Doutrina de Segurança Nacional serviu para abolir dois dos princípios fundamentais do regime democrático liberal: a subordinação dos militares ao poder civil e a não-intervenção no processo político. (BORGES, In: FERREIRA e DELGADO, 2003, p. 33).
Assim, o material publicado encaminhava, dentro de uma concepção natural e
necessária, a resolução das adversidades nacionais para a instância das Forças Armadas,
ocupante do poder político e da tarefa de vigilante nacional:
Por se constituírem no elemento-força de uma Nação, é natural que, enquanto perdurarem os movimentos internos, próprios da busca de uma evoluída estabilidade política e social, as forças armadas venham a participar ativamente desses movimentos (ADN, set/out de 1964, p. 75). A destinação constitucional das Forças Armadas do Brasil, como na generalidade das nações democráticas, é a de assegurar a defesa da Pátria e garantir os poderes constitucionais a lei e a ordem. [...] Tais relevantes missões não excluem, porém, a participação decisiva das Forças Armadas em atividades e empreendimentos de ordem econômica e social, reclamados, tanto pelo progresso, como pela segurança da nação, em cujo quadro de vida e em cujos destinos, pelo seu espírito democrático e pela sua contribuição construtiva, elas exercem especial influência realizadora (ADN, mar/abr de 1969, p. 12).
Outra característica do periódico ao longo do regime militar foi a divulgação de
resumos de monografias da ECEME; de elogios ao chefes militares; e de declarações
oficias do governo.
61
Como que pressentindo o meu [A. de Lyra Tavares] propósito de homenagear, publicamente, a memória do grande Presidente Costa e Silva, o ilustre camarada General Humberto de Mello, decidido a que também o fizesse ‘A Defesa Nacional’, sob a sua esclarecida e dinâmica direção, deferiu-me a honra de escrever o presente editorial (ADN, jan/fev de 1970. Editorial)
Assim como Costa e Silva, todos os presidentes militares tiveram suas promessas e as
realizações de seus mandatos publicados no periódico, além de receberem elogios da
revista: “Dois anos de Governo Médici mudaram o país, material e espiritualmente. A
Revolução consolidou-se, na linha de permanência e renovação” (ADN, jan/fev de
1972, p. 127).
Na conjuntura do regime militar, observamos que o periódico enfrentou uma de
suas maiores crises: a publicação de resumos de monografias da ECEME, sem
desvalorizar a importância da escola no ambiente militar, associa-se principalmente às
constantes reclamações publicadas sobre a falta de colaboração no envio de artigos para
serem publicados no periódico; e durante um balanço quantitativo no final dos anos
1960 a revista apresentou cerca de três mil assinaturas, menos de 1/3 do que se
observava no período de 1930-1940.
Neste contexto, década de 1960 e 1970, diferentemente do período do governo
Vargas, quando o periódico se tornou um pólo de investimento dos próprios ministros
da Guerra, a expansão da rede de telecomunicações ofereceu um instrumento mais
poderoso: a TV. Boris Fausto (2007, p. 484) comenta que as facilidades de crédito
pessoal permitiram a expansão do número de residências que possuíam televisão: em
1960, apenas 9,5% das residências urbanas tinham televisão; em 1970, a porcentagem
chegava a 40%. Por essa época, beneficiada pelo apoio do governo, de quem se
transformou em porta-voz, a TV Globo expandiu-se até se tornar rede nacional e
alcançar praticamente o controle do setor. A propaganda em favor do regime militar
passou a ter um canal de expressão como nunca existira na história do país. Desta
forma, a televisão tornou-se um instrumento de propaganda mais eficaz, pois estava nas
residências de civis e militares, e os esforços voltados para a telecomunicação
consequentemente fizeram diminuir o dinamismo dos investimentos editoriais e do
interesse em consumir material impresso.
O agravamento da crise enfrentada pela revista ADN – em janeiro de 1974 o
periódico divulga um total de 1263 assinaturas – tornou-se ainda mais visível com a
ocorrência de mais três alterações no padrão de manutenção do periódico. A primeira
alteração ocorreu em 1968, quando Ernesto Geisel garantiu a manutenção da revista
62
ADN através de recursos econômicos e humanos de seu gabinete66: “O Ministro Geisel
não forneceu apenas recursos econômicos; emprestou o prestígio e a eficiência de seu
próprio Gabinete Ministerial, responsável pela direção deste periódico [de 1968] até 18
Jun de 73” (ADN, nov/dez de 1973, p. 3. Grifos do original). A segunda alteração
ocorreu em 1976, quando a revista ADN esteve sob direção da ECEME (ADN, jan/mar
de 1992. Editorial). Já a terceira alteração, ocorreu em dezembro de 1981, quando a
revista deixou de ser responsabilidade da ECEME para ser transferida a outro órgão do
Exército:
A partir do dia 22 de dezembro de 1981, os destinos de A Defesa Nacional passaram a ser dirigidos por nova Diretoria, cujos membros integram a área da Diretoria de Assuntos Culturais, Educação Física e Desportos, que consubstancia a reestruturação recentemente realizada no exército e que visa a coordenar as atividades ligadas ao Desporto, à Educação Física, à Cultura e Tradições da Força Terrestre, dinamizando-as e constituindo-se em um instrumento auxiliar capaz de manter em tempo de paz, o espírito de corpo do Exército em permanente estado de motivação. (ADN, jan/fev de 1982. Editorial. Grifos no original).
2.5.3. A revista A Defesa Nacional, 1981-2004
A reorganização da revista ADN realizada em 1981 estabeleceu o modelo pelo
qual o periódico se configura ainda hoje. Ao ser criada a Diretoria de Assuntos
Culturais, Educação Física e Desportos (DACED)67, foi estabelecido que a edição da
revista se tornaria seu encargo, com redação e gerência entregues à BIBLIEx. Desta
forma, consideramos que em 1981, ao integrar a DACED, ocorreu a mais significativa
inserção da revista ADN à burocracia do Exército. Além da inserção burocrática, o
pertencimento à DACED afastou a iminência de seu desaparecimento devido ao
recrudescimento da crise financeira, pois se tornou responsabilidade do Exército prover
todas as necessidades da revista, mesmo quando as vendas não alcançassem os custos
do periódico.
Em diversas ocasiões foram anunciados os motivos que pretendiam justificar
os esforços para a manutenção da publicação da revista ADN, fosse de maneira
66 Ernesto Geisel ocupou o cargo de ministro do Superior Tribunal Militar entre 1967 e 1969. 67 Hoje Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx), órgão ao qual a BIBLIEx e a revista A Defesa Nacional se subordinam.
63
individual – declarações de chefes militares – ou através do convencimento veiculado
pela própria revista:
Na verdade, a oportunidade de veicular bimestralmente colaborações da lavra de eminentes autores – colaborações que se desdobram desde áreas abrangentes como Ciências Políticas e Sociais até áreas mais especializadas como Estratégia, Organização, Táticas e Técnicas Militares – significa para a DEFESA NACIONAL poder contribuir para o aprimoramento intelectual de seus leitores, notadamente nos seios das Forças armadas, e para o estudo e a solução de problemas da realidade nacional que se oferecem à reflexão de todos os brasileiros imbuídos de amor ao passado, confiança no presente e fé inquebrantável no futuro de nossa pátria (ADN, set/out de 1981, p. 5. Grifos no original).
No período de 1981-2004 a única alteração sofrida no modelo organizacional
ocorreu de 1992 a 1996, quando a redação da revista ADN foi novamente entregue à
responsabilidade da ECEME, porém, a editoração e a distribuição foram mantidas como
atribuição da BIBLIEx. Em 1997 a redação retornou à BIBLIEx, na qual, hoje, redação,
editoração e distribuição estão novamente concentrados.
Nos anos 1980 foram mantidas, em menor quantidade, as propagandas68; e a
revista ADN contratou, em meados da década, uma empresa particular para cuidar da
produção gráfica e da publicidade (ADN, mar/abr de 1986). Neste período os assuntos
mais abordados se concentravam nas áreas de: técnica/tecnologia militar, história
militar, economia, comunismo, “revolução”/abertura. Sem dúvida, a novidade nos
temas abordados relacionava-se com as exposições sobre as determinações e
expectativas para a mudança no regime político. Diante da iniciativa de Ernesto Geisel,
general presidente da república (1974-1979), em realizar seu projeto político em favor
da distensão, o Brasil vivenciou um período de abertura política com freqüentes
reafirmações de autoridade e controle sobre o processo em curso. Em defesa do projeto
de Geisel, a revista ADN declarou:
À guisa de conclusão, digamos apenas que, a esta altura do tempo – e ainda mais com quatro anos pela frente, o Governo Figueiredo pode, sem falso otimismo, almejar o cumprimento satisfatório de suas metas proclamadas: – aperfeiçoamento do sistema democrático [...]; descentralização adequada da sistemática de Governo [...]; saneamento e fortalecimento do setor econômico [...] (ADN, mar/abr de 1981, p. 63), A transição institucional se marca pelos conflitos de aspirações, cujos excessos carecem de administração sensata e competente. Felizmente, ao longo da história nacional, ela se tem processado regida pela lucidez dos homens que a conduzem. Nada mais que isso é o que a Nação deseja, dos condutores da atual transição (ADN, jan/fev de 1988, p. 5)
68 As propagandas foram retiradas em definitivo em meados dos anos 1990.
64
Durante o regime ditatorial, foi possível observar a manutenção do
alinhamento da revista ADN aos chefes militares e, em contrapartida, a ocorrência
constante de auxílio financeiro e humano destes líderes para garantir a existência do
periódico. Constatamos também que durante o regime militar a revista ADN enfrentou
suas maiores crises, e para evitar o seu completo desaparecimento foi transferida para a
administração de organismos oficiais do Exército.
No período que propomos abordar mais especificamente (1990-2004), os
principais assuntos veiculados pela revista ADN foram: Amazônia, economia, educação
e cultura militar, reflexões sobre o Exército, política, profissional, e temas de história e
atualidade. Segue abaixo, na Figura 2, a proporção dos temas abordados na revista ADN
ao longo de 1990-2004, cabe ressaltar que neste período foram publicadas 53 revistas
que formam um total de 653 artigos. Gostaríamos de esclarecer que: (1) uma parcela
dos artigos da revista foi retirada de outros veículos de comunicação – militares e/ou
civis, nacionais e/ou estrangeiros –; (2) existe a participação de autores militares da
reserva, em minoria; e (3) que os artigos do campo majoritário denominado “diversos”,
apresentam uma variedade muito grande de assuntos (informativos, saúde, habitação).
Proporção de assuntos da revista "A Defesa Nacional"
(1990-2004)
3%
23%
4%
2%
12%19%
22%
15%
Amazônia
Diversos
Economia
Educação e Cultura Militar
Reflexões sobre o Exército
Política
Profissional
Temas de História e atualizadadeshistóricas
Figura 2: Proporção de assuntos da revista A Defesa Nacional (1990-2004).
Outra importante informação sobre o periódico faz referência à caracterização
dos atores sociais responsáveis pela autoria dos artigos. A seguir, na Figura 3,
demonstramos a proporção relativa aos autores militares e civis; e em seguida, na
65
Figura 4 a proporção das patentes dos militares que publicaram artigos na revista ADN
no período de 1990-2004.
Proporção de autores da revista "A Defesa Nacional"
(1990-2004)
70%
27%
3%
Militares
Civis
Não informado
Figura 3: Proporção de autores da revista A Defesa Nacional (1990-2004).
Proporção de patentes dos autores da revista "A Defesa
Nacional" (1990-2004)
3%
40%
16%
14%
11%
15%
1%
Capitão
Coronel
General
Major
Militares da Marinha,
Aeronáutica e FA estrangeiras
Tenente
Tenente-Coronel
Figura 4: Proporção de patentes dos autores da revista A Defesa Nacional (1990-2004).
Diante da já esperada maioria de autores militares, observamos, na Figura 3, a
significativa participação de civis, cerca de um terço dos autores, entre os quais
66
encontramos professores, políticos, advogados e engenheiros69. Todavia, se o grupo de
civis encontra-se bastante segmentado profissionalmente, a representação institucional
dos militares pode ser melhor delimitada, visto que, majoritariamente, os militares
envolvidos com a revista ADN, como demonstra a Figura 4, fazem parte dos dois
grupos de oficiais que congregam as mais elevadas patentes do Exército Brasileiro:
oficiais superiores (major, tenente-coronel e coronel) e oficiais generais (general de
brigada, general de divisão e general de exército).
De maneira geral comentamos acima, prioritariamente as questões
organizacionais e as características dos envolvidos com a revista no período de 1990-
2004, visto que os artigos e suas temáticas serão aprofundados no próximo capítulo, e
compõem o núcleo da pesquisa. Diante da variedade de temas publicados pelo
periódico, circunscrevemos a análise a seguir (Capítulo 3) apenas às propostas da
revista ADN sobre: a relação das FA com o Estado e a sociedade; e o discurso sobre o
golpe de 1964 e seu legado para a sociedade de hoje.
2.6. Considerações finais
A análise realizada ao longo deste capítulo demonstra que o periódico
apresenta uma trajetória sui generis no campo editorial do Exército Brasileiro. Tendo
sua origem marcada por iniciativa de particulares, conviveu com crises econômicas
desde sua gênese até alcançar seu momento áureo nos anos 1930-1940. Neste período
de apogeu, o periódico contabilizou mais de dez mil assinaturas; estabeleceu-se, de
maneira oficiosa, como instrumento de comunicação e instrução dos/para os altos
oficiais do Exército; e demonstrou pleno alinhamento com o governo vigente e com os
chefes militares.
Hoje, devido ao crescente número de periódicos especializados e a própria falta
de interesse por material de cultura geral no Exército70, a revista ADN atravessa um
69 Muitos desses profissionais civis são palestrantes das escolas militares. 70 Entre os motivos que interferem no consumo de material editorial no Exército, também podemos citar: o custo – hoje a revista A Defesa Nacional custa R$ 14,00; e os mecanismos internos de progressão que estruturam uma bibliografia que não inclui os periódicos. Vale lembrar que durante muito tempo a ECEME inseria na bibliografia de seus exames de admissão o conteúdo da revista ADN.
67
ciclo estável, iniciado, após grave crise financeira, na década de 1970, quando se tornou
responsabilidade direta de órgãos oficiais do Exército.
O estudo da revista A Defesa Nacional, alicerçado pela busca constante de sua
inserção histórica, principalmente de seu posicionamento em debates nacionais,
possibilitou a percepção de que os responsáveis pelo periódico demonstram uma
orientação muito bem definida nos mais diversos assuntos. Desta forma, foi possível
avaliar que os responsáveis desfrutaram de um profundo domínio sobre assuntos
nacionais e internacionais, alicerçados pela realidade de interesses da corporação.
Em síntese, compreendemos que a revista A Defesa Nacional sofreu
significativas transformações71 ao longo de sua existência, mas conservou seu status de
instrumento de divulgação; representante de uma parcela do Exército; e destinada a
veicular artigos sobre a corporação, o Estado, a sociedade, e, especialmente, uma
proposta de interação entre eles.
71 A principal mudança ocorreu quando a revista deixou de ser instrumento de mudança, e se tornou instrumento de divulgação do status quo, ressaltando que esta transformação ocorreu devido ao alcance adquirido no Exército pelas propostas dos responsáveis pelo periódico e pela apropriação da revista por gerações subsequentes de altos oficiais do Exército.
68
CAPÍTULO 3 – A revista A Defesa Nacional pensa as Forças Armadas na Nova
República (1990-2004)
3.1. Militares e política na Nova República: perspectivas para uma análise
Ao inaugurar a Nova República, deu-se continuidade a um processo de
normalização dos procedimentos institucionais democráticos, já iniciados nos dois
últimos governos do regime militar (presidentes Ernesto Geisel e João Figueiredo). Em
decorrência do prolongado período de desmonte da estrutura autoritária vigente durante
o regime, os pesquisadores do assunto se depararam com um opulento e tenso campo de
estudos.
Analisaremos, a seguir, parcela da produção acadêmica que busca,
principalmente, examinar e compreender a recomposição das relações civis-militares e a
inserção das Forças Armadas na dinâmica da nova ordem democrática. Embora
algumas obras cheguem a conclusões contrárias sobre o mesmo assunto, sem dúvida
elas fornecem informações que proporcionam um interessante debate.
Entre as obras selecionadas prevalece o debate sobre: (1) a
manutenção/supressão de prerrogativas militares, privilégios, espaço de pressão na cena
nacional, poder de veto; e (2) o questionamento dos níveis de competência de
organismos civis para administrarem democraticamente as questões militares. Serão
comentadas as obras de: Jorge Zaverucha (1994 e 2000), Wendy Hunter (1997), Eliézer
Rizzo e Samuel Soares (2000) e Celso Castro e Maria Celina D’Araujo (CASTRO e
D`ARAUJO, In: ABREU, 2006).
A produção de Jorge Zaverucha sustenta que no Brasil ocorre a permanência de
estruturas militares fora do controle civil desde o governo de José Sarney até o governo
de Fernando Henrique Cardoso e, segundo o autor, sem grandes perspectivas de
mudança. Em sua obra Rumor de Sabres (1994) são analisados, de maneira
comparativa, os processos de transição do regime autoritário para o democrático na
Espanha, na Argentina e no Brasil. Em obra destinada somente ao caso brasileiro,
Zaverucha (2000) amplia seu recorte cronológico e aprofunda seus questionamentos.
69
De maneira geral, Zaverucha apresenta três possibilidades de relacionamento
entre civis e militares em processos de transição: (1) a democracia, situação em que os
militares obedecem repetidamente aos comandos civis; (2) à volta ao autoritarismo e;
(3) a tutela, situação na qual os militares continuam a se comportar autonomamente72.
Esta última, considerada pelo autor, a característica do caso brasileiro73.
É preciso bastante atenção ao rebater as conclusões de Zaverucha,
principalmente, pela riqueza de detalhes oferecida pelo autor. Entre os casos
comentados para a comprovação de sua hipótese – manutenção de prerrogativas
militares diante da conivência civil no caso brasileiro – encontramos: a continuidade da
configuração militar do governo de Figueiredo no período Sarney (1985); a não
reabertura do caso Riocentro após o aparecimento de novas provas (1985); o veto à
Emenda Uequed74 (1985); a ação do SNI e do órgão que o substituiu; o uso das Forças
Armadas em questões sociais; o enquadramento militar adquirido através da
Constituição e, mais recentemente, a atrofia do Ministério da Defesa. Todos os casos
citados acima são detalhadamente explicados e projetam, segundo Zaverucha, a
confirmação de sua conclusão acerca da autonomia militar em diferentes instâncias
nacionais.
Desta forma, o autor considera que as esferas deixadas intactas e os
enfrentamentos/resoluções ocorridos durante o período da presidência de Sarney até
Fernando Henrique Cardoso, impediram a administração civil democrática sobre os
assuntos militares (ZAVERUCHA, 2000, p. 27).
Em posição oposta a de Zaverucha encontra-se Wendy Hunter. O livro de
Hunter (1997) – baseado em sua tese de doutorado – coloca em xeque a interpretação de
Zaverucha. Para a autora o que ocorre no Brasil pós-1985 é a “erosão do poder de
influência militar na política”, principalmente a partir do governo de Fernando Collor de
Mello75.
72 A situação de tutela pode ser encontrada nos casos em que os civis não procuraram estabelecer o controle sobre os militares ou porque, embora tentem, os civis se revelam incapazes de impedir a autonomia dos militares. (ZAVERUCHA, 200, p. 10). 73 A definição do autor para “democracia tutelada” é de um híbrido de componentes democráticos e autoritários. 74 A Emenda propôs uma lei de anistia que beneficiaria militares punidos pelo regime militar, que poderiam ser promovidos ou reintegrados à ativa. 75 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Fernando Collor de Mello” de Renato Lemos no DHBB (2001).
70
De acordo com Hunter, o principal motivo para o enfraquecimento do poder
militar foi a garantia e a legitimidade conferida aos civis através do voto76, ou seja, do
restabelecimento das disputas eleitorais democráticas e as vantagens que este
mecanismo garante aos civis. Em destaque, Hunter também apresenta o relativo
sucesso na ampliação dos espaços civis de decisão,77 com a participação do Legislativo
e do Executivo.
Porém, o excesso de confiança nas regras democráticas impediu que a autora
considerasse, em sua análise, outras circunstâncias do contexto histórico (FERRAZ,
1999). Assim, seria fundamental complementar sua obra com a percepção sobre: as
motivações militares para a não interferência; a influência da opinião pública; a questão
profissional e a ascensão de uma nova geração de oficiais (D’ARAUJO, SOARES e
CASTRO, 1995; D’ARAUJO e CASTRO, 1997; e CONTREIRAS, 1998).
Principalmente, porque a vigência da democracia não é impedimento de golpe militar.
Além disso, é preciso ter cuidado com o excesso de otimismo apresentado por Hunter e
constatado em sua conhecida afirmação: “correndo o risco de exagero, as condições dos
anos 80 e 90 tornaram as Forças Armadas brasileiras algo como um tigre de papel”
(HUNTER, 1997, p. 23).
Outra possibilidade de compreensão das relações civis-militares após 1985
pode ser encontrada em artigo produzido por Eliézer Rizzo de Oliveira e Samuel Alves
Soares (OLIVEIRA E SOARES, In: D`ARAUJO e CASTRO, 2000, pp. 98-124). De
acordo com os autores, a mudança do regime militar autoritário para o da Nova
República é caracterizada como um processo de democratização “pelo alto” e por um
padrão bastante peculiar nas relações civis-militares. Este último, marcado
principalmente pela lenta e cautelosa adequação ao novo contexto político, que ainda se
encontra em fase de maturação78.
76 Esta explicação é aplicada pela autora para especificar e diferenciar o governo Sarney dos subsequentes, pois tal governo não havia emergido de condições democráticas – voto – logo não gozava de legitimidade suficiente para garantir o controle dos militares. 77 A autora enfatiza a importância das resoluções civis acerca dos direitos trabalhistas; da política orçamentária; e da definição de políticas para a Amazônia. 78 No sentido aplicado pelos autores ainda estaria em maturação à consolidação do controle civil objetivo na relação civis-militares. Sendo o controle civil objetivo decorre da intensificação do profissionalismo militar e do sentimento arraigado de lealdade e obediência ao poder civil. (OLIVEIRA E SOARES, In: D`ARAÚJO e CASTRO, 2000, pp. 98-124)
71
Os autores, mesmo diante das peculiaridades do governo Sarney79, defendem a
existência de importantes avanços na administração política dos civis no tratamento das
questões militares ao longo da Nova República, entre eles: a abolição do SNI; as
eleições diretas (1989); o impeachment do presidente Fernando Collor (1992); a lei dos
Desaparecidos (1995), o Plano de Defesa Nacional (1996); e a criação do Ministério da
Defesa (1999). No entanto, afirmam que, no momento de produção de suas obras, a
institucionalização do poder civil sobre as questões militares ainda está em construção,
sendo necessária a existência de uma efetiva responsabilidade civil sobre tais assuntos.
A conclusão apresentada por Oliveira e Soares expressa, na prática, um caminho para a
condução mais eficiente e democrática dos temas militares. Pois, se ainda são mantidas
prerrogativas militares80, os autores as relacionam, diretamente, à inércia e/ou
desqualificação dos civis em administrá-las.
Desta forma, os autores afirmam a necessidade da emergência de debates e da
corresponsabilidade na condução civil da política referente às Forças Armadas no
Brasil. O que deve implicar na presença dos temas de defesa/segurança em campos
diversificados como: na imprensa, que hoje evidencia assuntos pontuais e escandalosos
sobre as Forças Armadas; na sociedade, pois esta não encontra em sua realidade
importância nos assuntos de defesa, visto que não há uma ameaça iminente; no
Legislativo, que apresenta uma visível apatia em questões militares e; nos partidos
políticos. Esses últimos tendem a não valorizar a questão da defesa/segurança por não
estar na ordem de prioridades da maior parte da população, ou mesmo para não
despertarem sentimentos negativos em seus eleitores, visto que, a recente experiência do
regime militar ainda causa polêmica.
Diante dos esclarecimentos acima, foi possível observar que os autores
convergem, em maior ou menor grau, para a importância da eficácia e da competência
do regime civil democrático nos assuntos militares. No entanto, as Forças Armadas não
aguardam tal qualificação e ocupam a cena com propostas e projetos produzidos
internamente para a resolução de suas aspirações no cenário nacional e, também, do que
acreditam ser de interesse da nação. O que propomos analisar é a existência de um 79 Os autores fazem uma diferenciação entre o governo Sarney e os seguintes, principalmente pela visível proeminência militar no campo político: ministérios; manutenção do SNI; atuação do ministro Leônidas Pires; e o lobby militar durante a Constituinte. Desta forma, os autores consideram que o governo Sarney seria de incerteza acerca da democracia, por isso considerado um governo de “transição”. 80 Os autores incluem: a proeminência em aspectos da política de desenvolvimento da Amazônia; a autonomia para o ensino militar; as decisões sobre a dimensão das forças; controle de recursos; definição de locais de unidades militares; decisões sobre a política de pessoal militar; foros especiais de justiça para militares e produção de informações de inteligência de cada força sem órgãos de controle e fiscalização.
72
desses espaços de difusão de conhecimento no Exército – a revista ADN – e uma
parcela de sua produção.
De acordo com nossa proposição inicial – existência de projetos militares para
as mais variadas questões nacionais – identificamos a visão que a revista ADN
construiu dos governos de 1990 a 2004, com ênfase na temática das relações entre
Forças Armadas, sociedade e Estado. Em seguida, analisamos o tema central da
pesquisa: o discurso da revista ADN sobre o golpe de 1964 e o regime militar.
De maneira geral, ao examinar o discurso do periódico referente ao golpe de
1964 e ao regime militar, foi possível identificar a manutenção do teor salvacionista e
da fixação das Forças Armadas como fiadoras das instituições políticas. A pesquisa não
se propõe a apontar a presença iminente de um golpe militar, mas sim, a herança/legado
do regime militar que tem sido divulgada para as gerações atuais do Exército e a
implicação deste discurso para a salvaguarda de prerrogativas e vetos militares.
3.2. A revista A Defesa Nacional: Forças Armadas, sociedade e Estado (1990-2004)
Ao longo de toda a análise da revista ADN encontramos áreas em que o
periódico não abre mão de uma definição própria e áreas em que solicita a intervenção
da administração civil. De maneira geral, o periódico aponta constantemente para: (1) a
consolidação da interpretação que faz acerca da função militar, das prioridades das FA,
da administração das FA e da importância nacional das instituições militares e, (2) o
atendimento das necessidades das FA acerca de orçamentos e resoluções políticas81.
Qualquer que seja a evolução da arte da guerra, decorrente do novo quadro político delineado no limiar do século XXI, o papel universal e perene das Forças Armadas continua imutável – dissuadir agressões, defender a Pátria e garantir a lei e a ordem, interna e externamente (ADN, jul/set de 1995, p. 63).
Como o Exército pensa o seu preparo e emprego para responder à sua destinação Constitucional? Ressente-se da inexistência de uma Política de Defesa e de um Conceito Estratégico Nacional formais, detonadores de desdobramentos na área militar e capazes de proporcionar o embasamento para o planejamento estratégico da Força Terrestre (ADN, abr/jun de 1993, p. 13).
81 Solicita resoluções nacionais que possam guiar de maneira organizada a defesa e a segurança nacionais.
73
3.2.1. O governo de Fernando Collor de Mello, 1990-1992
Passados quase trinta anos da intervenção militar, os brasileiros retornavam às
urnas para escolherem o novo presidente da República. O cenário político de 1989
acompanhou a disputa final entre Luis Inácio da Silva (Lula)82 e Fernando Collor de
Mello. O primeiro identificado com o movimento de esquerda, contrário a ditadura e, o
segundo, projetado politicamente em associação com regime autoritário83. Embora
Collor não possuísse total aceitação nos meios políticos e militares84, ele surgia como
salvação nacional à ameaça esquerdista.
Com uma candidatura favorecida pela mídia e pelo medo/desconfiança de
parcela da população em relação à esquerda petista, Collor garantiu sua vitória. O
presidente eleito prometeu austeridade. Dentro de um quadro de inflação descontrolada,
anunciou o combate ao desperdício e à corrupção e, seu grande slogan de campanha, a
caça aos marajás85. Empossado em 1990, Collor colocaria em curso um projeto
neoliberal. Durante seu governo combateu leis nacionalistas e iniciou o programa de
venda de empresas estatais. Também foram alteradas tarifas alfandegárias, o que
permitiu a invasão do país por produtos estrangeiros.
Na área militar, o novo presidente apresentou um perfil diferente do governo
Sarney86. A relação entre Collor e seus ministérios militares seguia uma dinâmica de
altos e baixos, marcada por visitas e passeios nos quartéis e pela ampliação do espaço
civil de decisão. Collor aboliu o SNI87, o que alterou a atividade de informações no
Brasil e o monopólio militar da atividade ao criar a Secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE), chefiada por um civil88. O presidente também atuou na modificação da
82 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Luis Inácio da Silva” de Marcelo Badaró no DHBB (2001). 83 Collor foi indicado durante a ditadura militar como prefeito de Maceió. 84Por solicitação de Sarney, o SNI produziu um relatório ácido que definiu Collor como: “Um Al Capone moderno e discípulo aplicado de Goebbels” (ZAVERUCHA. 200, p. 59). 85Funcionários públicos privilegiados com altos salários. 86Governo que manteve a proeminência militar em assuntos políticos. 87Embora Zaverucha acredite que se tratava mais de uma vingança – em decorrência do relatório produzido sobre Collor – do que reflexo de uma iniciativa institucional de estabelecer controle democrático sobre as atividades de inteligência (ZAVERUCHA, 2000, p. 60). 88 O que não impedia a presença militar, sendo chefiado pelo almirante Mário César Flores durante o governo Itamar.
74
configuração militar nas instâncias políticas ao retirar do chefe da Casa Militar e do
Estado-Maior das Forças Armadas o status de ministro de Estado; regulamentou a ação
interna das FA89 e interferiu diretamente nos planos da Aeronáutica ao fechar a base da
Serra do Cachimbo90.
Todavia, ainda no campo militar, o que figura como principal inquietação na
revista ADN é o debate sobre a própria existência e função das FA. Salta aos olhos a
preocupação do periódico em consolidar um padrão interpretativo da função das
instituições militares e de garantir melhorias orçamentárias. A atenção se justifica,
principalmente, pelas novas condições nacionais e internacionais: (1) a obsolescência do
cenário tradicional de conflito, com o fim da Guerra Fria; (2) seu desdobramento
interno, o fim da luta contra o comunismo e; (3) a consolidação do regime democrático
brasileiro.
Os anos que vão do lançamento das bombas atômicas até o fim da União
Soviética não formam um período homogêneo, mas, apesar disso, a história desse
período foi reunida sob um padrão único: “o constante confronto das duas
superpotências que emergiram da Segunda Guerra Mundial na chamada ‘Guerra Fria’”
(Hobsbawm, 2007). Com o fim da Guerra Fria tornou-se indispensável à necessidade
mundial de reorganização e de reavaliação funcional das Forças Armadas. Pois, diante
da conjuntura de ausência do inimigo tradicional surgiram propostas que preocupavam a
revista ADN, entre elas as contidas na Carta de Paris91 e nas declarações de Robert
McNamara, ex-ministro da Defesa dos Estados Unidos. Segundo o periódico, a proposta
de diminuição dos gastos militares, presente na Carta de Paris, não condiz com a
realidade militar de diversos países e, menos ainda, com a das Forças Armadas
brasileiras:
Pode-se ignorar que a ação militar brasileira em defesa dos interesses nacionais não se fez apenas através de ações armadas? O que dizer da atuação das Forças Armadas como fator de integração nacional e de assistência sempre que isso se faz necessário? São essas algumas das razões que impõem a necessidade de Forças Armadas convenientemente organizadas, equipadas, instruídas e adestradas, possuidoras de elevado espírito profissional, prontas para cumprirem as tarefas decorrentes da Missão Constitucional (ADN, out/dez de 1991, p. 25).
89Lei Complementar no 69/91, de 23 de julho de 1991. A lei determina que a atuação das FA ocorra de acordo com as diretrizes do presidente da República depois de esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. 90 Para uma cronologia detalhada sobre o assunto ver a obra Jorge Zaverucha (2000, pp. 59-109). 91 No dia 19 de novembro de 1990, a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) reuniu-se em Paris para declarar o fim da Guerra Fria e da Europa dividida. Ao final, a Conferência divulgou a chamada "Carta para a Nova Europa", também conhecida como Carta de Paris. Entre suas propostas, consta a diminuição dos gastos militares dos países signatários.
75
Já as declarações de McNamara em encontros internacionais causaram maior
impacto, pois, segundo os artigos, ultrapassavam a proposta de diminuição dos gastos
militares e poderiam comprometer o princípio de soberania dos Estados:
O presente artigo tem por finalidade analisar duas grandes polêmicas levantadas em torno das forças armadas brasileiras. A primeira é a idéia que vem sendo trabalhada no cenário político nacional de que não existem hipóteses de guerras admissíveis para o Brasil. A segunda, frequentemente amparada em depoimentos de analistas estrangeiros, via de regra pouco familiarizados com as realidades nacionais, levanta a questão da redução dos efetivos e do redirecionamento das atividades das forças armadas (ADN, jul/set de 1992, p. 19).
[...] objetivando aparentemente um estudo de redução de orçamentos militares dos países em desenvolvimento, o Sr. McNamara desenvolveu a tese de que a paz e a segurança do mundo, após o fim da guerra fria, devem ser asseguradas pelos EUA, juntamente com os ‘grandes’ (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Japão e Canadá). (ADN, out/dez de 1992, p. 30).
De maneira geral, ADN afirma que as teorias internacionais de redução dos
gastos militares e de reorientação das FA, em decorrência do fim da Guerra Fria, não se
aplicam ao caso brasileiro. Além das funções interna/externa e dos perigos ainda
existentes – narcotráfico, contrabando, vigilância das fronteiras, comunismo – a
justificativa se baseia no histórico dos conflitos internacionais no Brasil, que não se
delinearam devido divergências ideológicas, mas sim territoriais: “Em conclusão, a não
ser que se aceite a tese de que soberania e autodeterminação nacional não são mais
valores importantes, parece difícil se arguir sobre a inutilidade e redução de nossas
Forças Armadas” (ADN, out/dez de 1992, p. 36).
No plano nacional, o periódico interpreta e exemplifica as funções
constitucionais das Forças Armadas: ações complementares de assistência e ações de
garantia da lei e a ordem. Em ambas constatamos a presença de significativa autonomia
no discurso da revista ADN em relação à determinação de projetos profissionais e
sociais, e, indicamos como sustentáculo de tal autonomia não somente a satisfação em
guiar um destino para si92, mas também a ausência e/ou ineficiência de um projeto
nacional referente ao assunto e a diversidade de interpretações proporcionada pelo texto
constitucional acerca da função das FA.
As atividades de assistência reforçam a importância do auxílio das Forças
Armadas em circunstâncias emergenciais e/ou longínquas. O que delega as instituições
92 A revista apresenta uma circulação praticamente restrita ao meio militares, assim como os artigos que são escritos majoritariamente por militares.
76
militares, segundo ADN, participação ativa no processo de desenvolvimento e
integração nacionais:
Desbravamento de regiões inóspitas, apoio em calamidades, trabalhos de infra-estrutura, educação, saúde e profissionalização de jovens, mapeamento de nosso território, demarcação de terras indígenas, pesquisa técnico-científica e ensino em diferentes níveis, são algumas das participações protagonizadas pelos homens de farda [...] (ADN, jan/mar de 1991, p. 10).
A atenção com a ordem interna, no caso de ADN, torna-se mais tensa visto que
o fim da Guerra Fria não desencadeou, nos artigos da revista, a euforia da eliminação do
inimigo comunista. São constantes os comentários sobre a manutenção, mesmo que em
menor escala, da ideologia comunista no cenário nacional. Tal conclusão se baseia,
especialmente, nas incertezas sobre o futuro da ex-URSS e na presença legalizada de
grupos nacionais identificados com o projeto comunista93. Esse último ponto, associado
à constatação de que a conjuntura brasileira apresentava graves dificuldades a serem
superadas – os anseios por justiça social e desenvolvimento – potencializou a
preocupação militar com a ocorrência de distúrbios sociais. O risco, segundo o
periódico, evidenciava-se na ingerência de grupos, apontados como “de esquerda”, que
planejavam burlar o processo democrático em favor da implantação de uma ditadura.
Nesse desafiante momento da vida nacional, as Forças Armadas devem ser vistas pelas elites e pela sociedade como uma garantia de que a lei e a ordem serão obedecidas e de que não se dará nenhuma aventura que possa retardar por gerações o nosso desenvolvimento (ADN, jul/set de 1992, p. 35).
Em artigo que comentou a realização de constantes reuniões e congressos de lideranças
de esquerda, ADN publicou:
São fatos como esse, aliados à violência das invasões de terras, as agitações urbanas, que mostram a necessidade de preparo de nossas Forças Armadas para uma eventualidade de emprego na manutenção da lei e da ordem e dos poderes constitucionais (ADN, out/dez de 1991, p. 26).
Sem dúvida, figura entre os assuntos mais debatidos nesse período não só a
expressão mais prática da função das FA, mas também, o objetivo de manter a
destinação constitucional das FA brasileiras. Os artigos da ADN, conscientes das
críticas da população94 e defensores de um modelo de inserção legal das FA, expressam
receio quanto à possível mudança constitucional/funcional das instituições militares.
Essa ameaça, segundo os artigos, é crescente, e encontra seus pilares nos grupos
93 A partir de 1985 os partidos políticos defensores de ideologias de esquerda, que atuavam na clandestinidade durante o regime militar, puderam se legalizar, tais como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), entre outros. 94 As críticas relatadas tendem a minimizar a necessidade de gastos militares devido aos graves problemas sociais e à falta de perigo externo iminente.
77
pacifistas, nos países desenvolvidos e nos que, ressentidos com o regime militar, tentam
alijar o Exército de sua posição fundamental de defensor da lei e da ordem.
As elites responsáveis e sinceramente devotadas à Nação devem ter em mente os riscos que determinadas propostas de modificação na missão e estruturação das Forças Armadas podem representar numa conjuntura difícil como a que o país atravessa, bem como analisar a importância das Forças Armadas para a estabilidade e evolução política da Nação (ADN, jul/set de 1992, p. 38). Na atual Missão Constitucional das Forças Armadas, os aspectos fundamentais e essenciais foram mantidos, o que se constitui em grande vitória contra o ‘sentimento revanchista’ por parte de alguns constituintes. Mas as forças de esquerda ainda não consideram a batalha como inteiramente perdida, tendo em vista a possibilidade da reforma constitucional decorrente do plebiscito previsto para 1993. É necessário manter-se vigilante a este respeito (ADN, out/dez de 1991, p. 22).
A conjuntura do governo Fernando Collor foi de muita expectativa – o retorno
às eleições diretas, a mobilização popular, a crença na democracia e na solução dos
problemas nacionais –, mas em pouco tempo substituída por um sentimento de
perplexidade. Além da proximidade com o regime autoritário, o que para muitos se
tornava preocupante, em 1992, em meio a adversidades econômicas, o presidente sofreu
denúncias de corrupção anunciadas por seu próprio irmão. Em seguida, com o
aparecimento de novos indícios de corrupção, Collor enfrentou a opinião pública; a
investigação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e os protestos da
população nas ruas. Nesse período, desencadeou-se no Brasil uma das mais graves
crises políticas já vividas, agravada pelas incertezas da recém instaurada democracia.
Diante de uma crise de grandes proporções, a surpresa não estava só nas
acusações, nas investigações ou na liberdade de protesto que o povo brasileiro
apresentava. Mas, no campo das relações entre civis e militares, finalmente, a crise foi
contornada sem a intervenção direta das Forças Armadas. Segundo Celso Castro e
Maria Celina D`Araújo esse episódio foi o “batismo de fogo” dos militares na nova
democracia (In: ABREU, 2006, p. 28). Em dezembro de 1992, Collor encerrava
oficialmente seu mandato com a aprovação do processo de impeachment.
O episódio de impedimento do presidente foi tema principal de dois artigos da
revista ADN (ADN jul/set de 1992, p. 50 e ADN, jan/mar 1993, p. 5). Em ambos os
casos o periódico valorizava o distanciamento dos militares das questões políticas.
Entretanto, neste contexto, diversos artigos da ADN expressaram incômodo com os
comentários publicados por outros meios de comunicação que resgatavam
negativamente o histórico de interferências militares na política brasileira. Diante das
78
acusações sobre o passado e das especulações acerca de uma possível ação das FA na
conjuntura política, o periódico deslocou o foco da crise do impeachment para a
publicação de artigos em defesa da legitimidade das intervenções que foram efetuadas
pelas FA na vida nacional:
A partir da Proclamação da República, na qual o Exército teve papel decisivo, por diversas vezes as Forças Armadas foram levadas a interferir no processo político do País. Foram interferências de intensidade variável, feitas em defesa dos poderes constituídos ou contra o que julgavam seus excessos, e sempre em conjugação com lideranças políticas, com ponderável apoio popular e com a consciência de transitoriedade de sua ação (ADN, jan/mar de 1993, p. 5).
3.2.2. O governo de Itamar Franco, 1992-1994
O desfecho da crise que assolou o país levou Itamar Franco95 à presidência.
Político de menor projeção na mídia, Itamar teve seu mandato marcado pela aplicação
do Plano Real e pela realização de uma revisão constitucional, essa última, prevista na
legislação vigente96. Outra característica de seu governo foi a recomposição da
burocracia federal, através da indicação de um número considerável de militares em
posições ministeriais e nos primeiros escalões da administração pública.
Na área econômica, o Plano Real previa o controle inflacionário e a
estabilização econômica. Para sua concretização e eficiência, o governo adotou medidas
visando conter os gastos públicos. Também foram privatizadas empresas estatais,
elevadas as taxas de juros e a baixa nos preços dos produtos foi garantida por meio da
abertura da economia a competição internacional. A mudança econômica realizada por
Itamar Franco aprofundou a política neoliberal iniciada por Collor e, em curto prazo,
ocasionou a queda da inflação e o aumento do poder aquisitivo da população97.
Durante o governo de Itamar Franco, a revista ADN manteve os principais
debates dos anos de seu antecessor. Entre eles destacamos a preocupação em manter a
95 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Itamar Augusto Cautiero Franco” de Renato Lemos no DHBB (2001). 96 O Artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), de 5 de outubro de 1988, previa a realização do processo de revisão constitucional após decorridos cinco anos da promulgação da Constituição Federal. A cláusula para rever a Constituição baseava-se na possível instabilidade do processo de mudança do regime ditatorial para o democrático e nos impactos que a promulgação da Constituição poderia causar na ordem social do país. 97Para mais detalhes sobre o Plano Real consultar a obra de Luiz Filgueiras (2003).
79
ordem constitucional referente ao uso interno/externo das Forças Armadas, assunto
incitado ainda mais em decorrência da proximidade da revisão constitucional.
[...] a Assembléia Constituinte legislou com descortino e senso de realidade ao fixar como destinação constitucional das Forças Armadas: a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, nos limites do ordenamento jurídico, da lei e da ordem (ADN, abr/jun de 1993, p. 16-17).
A conclusão dos trabalhos da revisão constitucional iniciada em 1993 não
alterou a condição legal das FA. A revisão foi completamente malograda por não ter
amparo político, visto que ocorrera relativa segurança constitucional nos últimos cinco
anos e, por ter coincidido com o escândalo da Comissão de Orçamento98. Na prática,
seu resultado foi somente de seis emendas que não promoveram alterações extensas na
Constituição de 1988.
Todavia, se, por um lado, a alteração constitucional foi contida, ao longo de
toda a década 1990 a revista ADN apresentou insatisfação sobre o comportamento da
opinião pública em relação às FA. Em seus artigos, tornou-se visível a percepção de que
a população não se identificava com as Forças Armadas, e que os militares eram não só
alijados da política, mas também vistos como um grupo estranho à sociedade. O
sentimento de desvalorização era frequentemente comentado:
De qualquer maneira o texto em epígrafe assinala o que, de uma maneira ou de outra, nós militares sentimos. Uma deliberada incompreensão pela sociedade civil da Instituição Militar, o que tantos males já causou no passado e que pode continuar a causar no futuro (ADN, jan/mar 1991, p. 13).
A evolução profissional da mídia brasileira, em particular a televisão, não tem um equivalente do ponto de vista de amadurecimento político. Em sua quase totalidade, quando se trata de Forças Armadas, ela continua explorando o filão ideológico aparentemente inesgotável da interpretação marxista da história recente da vida nacional. No entanto, não é apenas a interpretação marxista do nosso passado recente a única causa de desgastes na imagem das Forças Armadas. Existe também o oportunismo pseudoliberal, que se apressa em taxar os militares de retrógrados, nacionalistas e estatizantes (ADN, jan/mar de 1993, p. 40).
Os artigos reivindicam que a importância das funções militares seja compatível
com as condições materiais, humanas e constitucionais das FA; e também por sua
valorização pela sociedade. Porém, existe um verdadeiro consenso na revista ADN
sobre os ataques sofridos pelas instituições militares, seja por incompreensão,
desinformação ou por algum tipo de interesse. A revista ADN indica entre os
responsáveis pelos ataques: a ação da mídia; o revanchismo que a sociedade acumula
em decorrência do regime militar e o descaso de alguns grupos políticos.
98Investigação sobre a atuação de parlamentares envolvidos em fraudes na Comissão de Orçamento, também conhecida como “CPI dos anões do orçamento”.
80
Muito se tem questionado a existência das Forças Armadas brasileiras ou, como querem alguns, a presença dos militares no contexto social. Entretanto, o que se observa são contestações, na sua grande maioria levianas e totalmente destituídas de argumentação consistente, não resistindo a mais elementar das análises. Generalizações são encontradas a cada página de jornal, levando, fatalmente, a conclusões enganosas (ADN, abr/jun de 1995, p. 97-98).
O jargão sempre disponível para criticar os militares brasileiros é a ‘ditadura militar’, aí incluídos ‘golpe de 1964’, ‘repressão’ e ‘tortura’. Essa retórica tem uma enorme gama de aplicações, desde plataforma eleitoral de novas carreiras políticas, até desfibrilador de enfartadas campanhas eleitorais. É dessa fonte que aquela combinação elite-intelectual-interesse se vale para ocupar espaço na imprensa e atingir seus objetivos, sejam eles políticos, econômicos ou psicossociais e, porque não, até pessoais (ADN, jan/mar de 1993, p. 42).
Diante da insatisfação com as críticas da sociedade e com o objetivo de
inverter tal condição, a revista ADN se esforça por conciliar e enaltecer a
interdependência existente entre civis e militares. Em seus artigos encontramos um
discurso que resgata a constante e heróica presença militar na história da nação e a
existência de uma estrutura indissociável entre as Forças Armadas, o Estado e a
sociedade.
A partir daí, acreditamos que se torna mais fácil chamamos de ‘poder militar’ nada mais é do que uma pequena parcela, uma área de projeção ou, se quisermos, uma das formas de expressão de um poder utilitário e maior, denominado poder nacional (ADN, abr/jun de 1995, p. 103).
Porém, o periódico, de restrita, ou mesmo, nula circulação no meio civil,
direcionou o debate para o engrandecimento do militar e de suas instituições, em
detrimento da associação civil/militar. Sendo observado que o encaminhamento final
sempre aponta para a especificidade do profissional militar e para a sua função de
assegurar as instâncias políticas e a própria sociedade. “Em nenhuma outra é exigido o
sacrifício supremo de conduzir homens ao limite de suas resistências físicas e
psicológicas ou ao encontro da própria morte” (ADN abr/jun de 1991, p. 102-103).
81
3.2.3. Os governos de Fernando Henrique Cardoso, 1995-2002
O sucesso do Plano Real projetou nacionalmente uma imagem favorável de
Fernando Henrique Cardoso (FHC)99, então ministro da Fazenda e responsável pelo
Plano. Durante a disputa eleitoral, que trouxe novamente a candidatura de Luis Inácio
da Silva, os candidatos sucumbiram à aprovação de que FHC gozava em todos os
grupos sociais após as melhorias econômicas. Com FHC o Brasil experimentaria pela
primeira vez em sua história a experiência de dois mandatos presidenciais seguidos pela
vontade popular100.
Tendo alicerçado seu governo em uma ampla coalizão política, FHC garantiu
maioria no Congresso e, respaldou a continuidade do plano econômico e a aprovação de
inúmeras emendas constitucionais101. Outra característica de seu mandato foi a
manutenção de medidas de caráter neoliberal: privatizações, facilidades para
importações e redução dos gastos sociais.
Durante os mandatos de FHC também foram estabelecidos dois marcos nas
relações civis-militares: (1) em 1996 foi elaborada a Política de Defesa Nacional102
(PDN) e (2) em 1999 foi criado o Ministério da Defesa103 (MD). A revista ADN
manteve-se atenta aos projetos em andamento e, desde antes de sua implantação, se
empenharia na divulgação e nos debates acerca da PDN e do MD.
Através dos artigos da revista ADN, desde o governo Itamar Franco, são
encontradas solicitações acerca do necessário envolvimento das instituições políticas
com a elaboração de uma definição nacional de projeto/estratégia de defesa: “Em nosso
país, o planejamento do preparo das Forças Armadas é seriamente prejudicado pela
inexistência de uma política de defesa definida [...]” (ADN, abr/jun de 1993, p. 175).
Ainda assim, a visível anuência sobre a necessidade de serem estabelecidas orientações
estratégicas nacionais para a questão militar, não garantiu uma unidade acerca do
99 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Fernando Henrique Cardoso” de Renato Lemos no DHBB (2001). 100 A Emenda Constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997, acrescentou o § 5º ao art. 14 da Constituição da República que institui a possibilidade da reeleição no sistema eleitoral brasileiro. 101 Embora possuísse maioria no Congresso, a obtenção dos votos necessários para a aprovação de seus projetos estava condicionada a concessão de cargos, obras públicas e outros benefícios políticos. 102 A PDN marca a ação governamental na área de Defesa e de planejamento militar. Sugerimos consultar sobre o assunto a obra de Eugênio Diniz e Domício Proença(1998). 103 Sugerimos consultar sobre o assunto o livro de Eliezer Rizzo de Oliveira (2004) e a dissertação de Luís Alexandre Fuccille (2006).
82
modelo a ser colocado em prática. Pelo contrário, o governo de FHC, por atuar
significativamente na determinação de diretrizes nacionais e na organização das Forças
Armadas, suscitou os mais profundos debates da revista. Não por acaso, seria o projeto
de criação do Ministério da Defesa um dos assuntos mais comentados durante os
governos FHC nas páginas de ADN.
O Ministério da Defesa, proposto no início do primeiro mandato do presidente
FHC, foi criado por iniciativa presidencial em 1999. Ao Ministério da Defesa caberia
abrigar e coordenar os ramos diversos das Forças Armadas no plano governamental. Na
prática, a idéia era aperfeiçoar o sistema de defesa nacional, formalizar uma política de
defesa sustentável e integrar as três Forças, racionalizando as suas atividades.
No contexto mundial, eram raros os países que não reuniam suas FA sob um
único órgão de Defesa, subordinado ao chefe do Executivo: o Ministério da Defesa. Os
acontecimentos da Segunda Guerra Mundial evidenciaram a necessidade de uma efetiva
integração das Forças Armadas através das operações conjuntas e combinadas e da
racionalização dos investimentos (FUCCILLE, 2006).
O prolongado processo de maturação pelo qual passou o Ministério da
Defesa104, até sua criação, favoreceu a publicação de um número significativo de artigos
na revista ADN sobre o tema105. Os artigos relatam que a possível criação de um
Ministério da Defesa, ou mesmo, de integração das FA é antiga e, historicamente são
encontrados nos debates que antecederam a criação da(o): Constituição de 1946;
Estado-Maior das Forças Armadas (1948), antigo Estado-Maior Geral (1946);
Constituição de 1967 e Constituição de 1988 (ADN, out/dez de 1998, p. 151).
Para a melhor compreensão dos questionamentos contidos na revista ADN
acerca da criação do Ministério da Defesa, criamos três grupos que concentram os mais
importantes apontamentos do periódico sobre o tema: (1) a proposta de criação do
Ministério da Defesa atenta para a importância alcançada pelo tema da defesa no
contexto nacional; (2) a integração das FA é visivelmente um desdobramento mundial
de modernização dos sistemas de defesa, mas sua garantia somente se estabelece com
equipe adequada e capacitada e; (3) a desconfiança em relação à criação do Ministério
104 Proposto por Fernando Henrique Cardoso em 1995, só foi criado em 1999. 105 Depois de sua criação, em 1999, o número de artigos diminui e a perspectiva se concentrou na necessidade de fazê-lo capaz de executar beneficamente suas funções.
83
da Defesa expressar uma excessiva concentração de poderes nas mãos de um civil e/ou
possibilitar a implantação dos interesses revanchistas106.
O primeiro apontamento, a solicitação do presidente da República para que
fossem realizados estudos vislumbrando a criação do Ministério da Defesa107, de acordo
com a ADN, indica para a valorização tão esperada pelas FA sobre as questões de
estratégia de defesa. O periódico pressupõe que o debate sobre o MD demonstra a
consciência dos setores políticos de que é de interesse nacional solucionar os problemas
relacionados à administração, planejamento e emprego das Forças Armadas.
A revista ADN não deixou de comentar suas expectativas com a possível
ampliação dos debates sobre a defesa nos mais variados setores sociais: “No Brasil, a
sociedade civil não costuma demonstrar interesse pelos assuntos ligados à defesa
nacional. Entretanto, a criação do Ministério da Defesa poderá resultar na transformação
das relações civis-militares no País” (ADN, jan/abr de 1999).
O segundo apontamento indica que a iniciativa de FHC alçou não somente a
importância dos assuntos relativos à defesa, mas, também, a questão da modernização
almejada e da necessária eficiência daqueles que desempenham papel proeminente na
atividade.
A revista aponta que o processo de modernização das forças de defesa dos
países mais avançados coincide com programas de integração e ação combinada entre
Exército, Marinha e Aeronáutica: “[A iniciativa de integração das Forças Armadas]
Resultou, ao término da Segunda Guerra Mundial, da necessidade sentida de um órgão
militar de cúpula para coordenar e integrar as ações das Forças Armadas,
particularmente em casos de operações bélicas” (ADN, out/dez de 1998, p. 151).
Todavia, o seu desdobramento modernizador, segundo a revista, somente se realiza com
prudência para o estabelecimento de uma equipe capacitada para efetuar a missão
aglutinadora.
Os artigos sobre a criação do MD ressaltavam diversas preocupações –
promoção da conciliação entre as Forças, o necessário conhecimento das carências das
FA, o respeito às particularidades funcionais e até culturais – mas a inquietação acerca
da capacidade civil tornou-se referência constante, e causou até mesmo discordância
sobre a criação do MD:
106 Grupos hostis às instituições militares em decorrência de ressentimentos acumulados durante o regime militar. 107 Inicialmente os estudos foram coordenados pelo EMFA e em seguida por um Grupo de Trabalho Interministerial.
84
Nessas duas oportunidades [ministérios militares sob comando civil: (1) de 1919-22, Padiá Calógeras assume como ministro da Guerra e (2) de 1941-45, o senador Joaquim Pedro Salgado Filho assume como ministro da Aeronáutica,], esses civis se desincumbiram muito bem dos cargos. Cabe, porém, desde já destacar que, dada a falta generalizada de espírito público e o rasteiro nível ético de grande número dos civis contemporaneamente envolvidos na política, no nosso país, será arriscado, na minha opinião [Herick Marques Caminha], admitir, no futuro à vista, uma solução desse tipo para administrar as nossas Forças Armadas (ADN, abr/jun de 1995, p. 7).
O cargo requer autoridade, competência e equilíbrio para enfrentar desafios administrativos, diplomáticos, econômicos, estratégicos, políticos, de relações humanas e técnicos. Ademais, exige espírito de trabalho em equipe e decisão, profundo domínio do funcionamento da burocracia estatal, agravadas pelas naturais rivalidades intramuros e exteriores, para não aludir às pressões internacionais (ADN, out/dez de 1998, p. 152).
As avaliações sobre o MD se concentraram no terreno das expectativas, como
comentado acima, mas também no das desconfianças. A última, baseada em dois
fatores: (1) criação de um ministério com excessivos poderes políticos e econômicos e
(2) a possibilidade do ministério se tornar parte de um projeto revanchista de
desqualificação das FA.
O processo de integração das FA em um único ministério ocasiona, de acordo
com a revista ADN, a excessiva concentração de poderes diante das diversas funções
internas e externas que as FA desempenham e a problemática relativa ao elevado
orçamento a ser administrado diante de organizações em disputa.
Os que apontam questões de revanchismo colocam em dúvida o interesse
político, propalado pelos defensores da criação do MD, em modernizar e tornar as
instituições militares mais eficientes. De acordo com a perspectiva apresentada pela
revista ADN, o revanchismo caracteriza a ação de alguns políticos que propugnam a
desqualificação, a limitação orçamentária e a descaracterização funcional das FA, em
represália ao período em que os militares foram proeminentes na política nacional
(regime militar).
Criar o Ministério [da Defesa] por mero casuísmo revanchista ou, simplesmente, para honrar compromissos de palanque, a fim de afastar os militares do processo de tomada de decisões políticas, não faz sentido. Até porque, não será o fato de se ter um civil à frente dos negócios da caserna que inibirá as Forças Armadas a tomar a iniciativa para cumprir com a sua inarredável destinação constitucional (ADN, out/dez de 1998, p. 153).
Não faz muito tempo, autoridade governamental declarou que o Ministério da Defesa tinha a virtude de submeter as Forças Armadas ao poder civil. Declarações infelizes como esta jamais foram anuladas por outras claramente técnicas, contribuindo para que se forme, no espírito de muitos, a idéia de que se trata efetivamente de mal disfarçado revanchismo, mais do que de uma reconhecidamente necessária reestruturação do Estado (ADN, jan/abr de 2001, p. 148).
85
De maneira geral, os artigos acerca do MD não indicam consenso sobre o tema.
Embora apontem para a necessidade do órgão, segundo um enfoque operacional e
profissional, transmitem, diante de uma pragmática corporativista, significativos
questionamentos. A criação do MD, através da revista ADN, também evidencia a falta
de credibilidade e de confiança que os militares depositam na capacidade dos civis
levarem a cargo resoluções sobre amplos setores da defesa nacional.
Todavia, em 10 de junho de 1999, FHC conseguiu submeter as vozes
discordantes e o Ministério da Defesa foi oficialmente criado. Em decorrência da nova
estrutura institucional, o Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) foi extinto e os
ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, transformados em comandos
subordinados ao Ministério da Defesa e, em última instância, ao presidente da
República.
Ao final dos governos de Fernando Henrique Cardoso, a conjuntura nacional
indicava que os governos civis posteriores ao regime militar não haviam conseguido
solucionar os graves problemas sociais brasileiros. Associada à insegurança econômica
com a desvalorização do Real, conseqüência da extrema dependência brasileira do
capital estrangeiro, os brasileiros desencantavam-se e, os altos índices de desemprego,
de desigualdade social e de desleixos nos serviços públicos tornavam-se cada vez mais
escandalosos. O desgaste do governo Fernando Henrique impediu que ele fizesse seu
sucessor. Nas eleições de 2002, Luis Inácio da Silva, principal adversário de Fernando
Henrique nos dois pleitos presidenciais anteriores e identificado como o crítico mais
constante das chamadas “políticas neoliberais”, foi eficiente em apresentar-se como
uma alternativa política, sendo, posteriormente eleito presidente da república ao derrotar
José Serra, que propunha dar continuidade ao modelo de governo anterior.
3.2.4. O governo de Luis Inácio da Silva, 2003-2004
A posse de Luis Inácio da Silva (Lula) pode não ter sido uma verdadeira
surpresa, mas esteve cercada de esperança – promessas de mudança social – e de um
significado adicional: o presidente não somente era um ex-perseguido político do
regime militar como também era um representante da esquerda com aproximação com
86
alas radicais. No entanto, passados mais de quinze anos do regime militar, não só as FA
haviam passado por mudanças, como também o próprio Lula e seu partido político.108
A campanha de Luis Inácio da Silva pautou-se pela crítica moderada ao
governo de Fernando Henrique Cardoso, diferente das campanhas anteriores, além de
apresentar uma ampla aliança política (PC do B, PSB, parte do PMDB, PTB e PP)
representada, de maneira mais concreta, pela escolha do empresário José Alencar (PL)
como vice-presidente. O sucesso da estratégia eleitoral de composição de uma ampla
aliança garantiu a vitória de Lula, candidato presidencial pela quarta vez. Todavia, a
estratégia de coalizão incitou no Partido dos Trabalhadores (PT) dissidências que
marcariam o cenário nacional109. Naturalmente, as alianças políticas desdobravam-se na
entrega de cargos no governo e nas empresas estatais a pessoas nomeadas pela base
aliada.
Na área militar, o início do governo Lula foi marcado por discursos políticos
que combinavam com as aspirações das FA. Porém, mesmo que as propostas de Lula e
os discursos de seu ministro da Defesa, José Viegas, pactuassem com o pensamento dos
militares em alguns aspectos, bem como com as demandas da Defesa brasileira, não foi
alcançada uma solução eficaz. O fato é que somente o discurso não sanava as lacunas da
Política de Defesa, pois, na prática, o que existiu foi um abismo muito grande entre o
que diziam o Ministério da Defesa e o presidente Lula e o que, de fato, faziam.
A compreensão do distanciamento entre discurso e prática atravessa,
inevitavelmente, o campo da destinação orçamentária que impediu a realização da maior
parte do que foi anunciado pelo governo como prioridade para a Defesa. Entre os
exemplos que não passam pelo crivo da disponibilidade de orçamentos podemos citar: a
modernização; os necessários investimentos que as FA solicitavam para a proteção da
Amazônia e para a promoção internacional do Brasil em matéria de defesa. Enfim,
mantendo os obstáculos para a adequação dos meios necessários à concretização de uma
política de Defesa eficiente.
108 Para as FA o distanciamento se justifica pelo enfraquecimento do comunismo; pelo pesado fardo que o regime militar deixou para a corporação; e pela inserção progressiva das FA em um arcabouço democrático. Já para o PT a grande mudança foi sua estratégia de consolidação de alianças para a disputa das eleições, que se, por um lado, aumentou sua base de sustentação política, por outro trouxe insatisfação para as alas mais radicais do partido. 109 A criação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) faz parte desse contexto. A insatisfação de alguns integrantes do PT começou em 2002 durante a campanha para presidente, justamente em decorrência das alianças políticas realizadas e seus possíveis desdobramentos, tais como: a entrega de cargos e o recuo em assuntos sociais.
87
A revista ADN, nos dois primeiros anos do governo Lula, manteve artigos
sobre orçamento, defesa e função das Forças Armadas. No entanto, encontramos no
decorrer do seu primeiro mandato (2003-2006)110, um grande número de artigos sobre o
golpe de 1964/regime militar e sobre os desafios da defesa, sendo o primeiro analisado
de maneira específica e em recorte cronológico mais amplo posteriormente.
A conjuntura inicial do governo de Luis Inácio da Silva (2003-2004) estimulou
os debates no campo da Defesa ao propor a renovação da Política de Defesa Nacional
(PDN), aprovada em 1996 durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. O
ministro da Defesa do governo Lula, José Viegas, durante o biênio 2003-2004 dedicou-
se à revisão da PDN, criando inclusive um Grupo de Trabalho que se reuniu em sessões
mensais no “Ciclo de debates sobre a atualização do pensamento brasileiro em matéria
de Defesa e Segurança”, entretanto uma crise política impediu sua manutenção no
ministério (OLIVEIRA, 2005).
A revista ADN demonstra significativa inserção no debate nacional sobre a
Defesa no Brasil ao publicar diversos artigos sobre o tema, além de valorizar as
iniciativas políticas:
O atual Ministro da Defesa, um diplomata de carreira, desde a sua posse, convida a sociedade, e em particular as Forças Armadas, para discutir a atual Política de Defesa Nacional. Sabe ele que, como está, embora fiel aos postulados do texto constitucional vigente, ela não traduz aquilo que a Nação deseja. A retórica pacifista e internacionalista usada a torna vazia. A prioridade à diplomacia passiva está longe de corresponder à posição que o País deseja ter ou já tem no cenário internacional. O tratamento tímido e reticente que dá à componente militar do poder nacional, em todos os seus aspectos, torna duvidosa uma pretendida capacidade dissuasória. Não bastasse isso, nos últimos 15 anos tem sido evidente a ação política e administrativa no sentido de enfraquecer as Forças Armadas e todas as atividades afins, não só submetendo-as à insuficiência de recursos para custeio e desenvolvimento, como criando-lhes impedimentos jurídicos ou constrangimentos públicos para cumprirem sua missão (ADN, jan/abr de 2004. Editorial).
Observamos também, que durante o governo Lula, justamente no marco dos 40
anos do golpe de 1964 (2004), o Brasil viveu um polêmico embate no Executivo sobre o
legado do regime militar para a sociedade e para as FA. Embora não relatado pela
revista ADN, o acontecimento foi um importante marco nas relações entre o presidente,
o Ministério da Defesa e o Exército.
Em 17 de outubro de 2004 o Jornal Correio Braziliense, em reportagem sobre a
tortura durante o regime militar, divulgou fotos identificadas como sendo do jornalista
110 O governo de Lula, diante do recorte proposto pela dissertação, será analisado parcialmente, de 2003 a 2004.
88
Vladimir Herzog, antes de seu assassinato em uma sela do DOI-CODI paulista, em fins
de 1975. Em resposta, o Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx)
publicou uma nota:
1. Desde meados da década de 60 até início dos anos 70 ocorreu no Brasil um movimento subversivo, que atuando a mando de conhecidos centros de irradiação do movimento comunista internacional, pretendia derrubar, pela força, o governo brasileiro legalmente constituído. Na época, o Exército Brasileiro, obedecendo ao clamor popular, integrou, juntamente com as demais Forças Armadas, a Polícia Federal e as polícias militares e civis estaduais, uma força de pacificação, que logrou retomar o Brasil a normalidade. As medidas tomadas pelas forças legais foram uma legítima resposta a violência dos que recusaram o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas. [...] O movimento de 1964, fruto de clamor popular, criou, sem dúvidas, condições para a construção de um novo Brasil, em ambiente de paz e segurança. Fortaleceu a economia, promoveu fantástica expansão e integração da estrutura produtiva e fomentou mecanismos de proteção e qualificação social. Nesse novo ambiente de amadurecimento político, a estrutura criada tornou-se obsoleta e desnecessária na atual ordem vigente. Dessa forma, e dentro da política de atualização doutrinária da força terrestre, no Exército brasileiro não existe nenhuma estrutura que tenha herdado as funções daqueles órgãos. 2. Quanto às mortes que teriam ocorrido durante as operações, o Ministério da Defesa tem, insistentemente, enfatizado que não há documentos históricos que as comprovem [...] 3. Coerente com seu posicionamento, e cioso de seus deveres constitucionais, o Exército brasileiro, bem como as Forças coirmãs, vão demonstrando total identidade com o espírito da Lei da Anistia, cujo objetivo foi proporcionar ao nosso país um ambiente pacífico e ordeiro, propício para a consolidação da democracia e ao nosso desenvolvimento, livre de ressentimentos e capaz de inibir a reabertura de feridas que precisam ser, definitivamente, cicatrizadas. Por esse motivo considera os fatos como parte da História do Brasil. Mesmo sem qualquer mudança de posicionamento e de convicções em relação ao que aconteceu naquele período histórico, considera ação pequena reavivar revanchismos ou estimular discussões estéreis sobre conjunturas passadas, que a nada conduzem (O Estado de São Paulo, 4 de novembro de 2004. Grifos nossos. http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2004/not20041104p38111.htm).
Surpreendidos pela declaração, políticos e grupos civis manifestaram sua indignação e a
cúpula do governo foi obrigada a desembaraçar a crise política que se estabeleceu:
A nota oficial divulgada pelo Exército no final de semana, em resposta a notícia publicada pelo Correio Braziliense com fotos do jornalista Vladimir Herzog, ainda vivo e em situação humilhante, criou uma crise que envolve o Palácio do Planalto, o Ministério da Defesa e o Comando do Exército. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não gostou do tom da nota do Exército, considerada muito dura, elogiosa ao golpe militar de 1964, e que trata o movimento como fruto de clamor popular em resposta ao movimento subversivo que se recusava ao diálogo (O Estado de São Paulo Online, 18 de outubro de 2004. http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2004/not20041018p37960.htm).
A divulgação de uma nota do Exército classificando de revanchista a publicação, pelo ‘Correio Braziliense’ de domingo, de fotografias do
89
jornalista Wladimir Herzog preso no DOI-CODI, provocou reações imediatas. O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), advogado de ex-presos políticos, cobrou ontem, com o apoio do Palácio do Planalto, uma manifestação pública do ministro da Defesa, José Viegas, desautorizando a posição do Exército. O deputado Greenhalgh afirma que a nota faz referência saudosista à ditadura militar e compromete o governo democrático. José Genoíno, presidente do PT, declarou: “Esta nota está fora do tempo e reproduz conceitos da época do regime militar. Essa posição não reflete o momento que vivemos, as Forças Armadas já trataram desse mesmo tema com mais profissionalismo e espírito democrático (O Globo, 19 de outubro de 2004 – p. 12).
O presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, advogado João Luiz Duboc Pinaud, ameaçou ontem deixar o cargo. Há pouco mais de três meses na presidência da Comissão, Pinaud afirmou que o governo não tem oferecido apoio às investigações sobre as mortes durante o regime militar, como a do jornalista Wladimir Herzog. Um dia após a divulgação de fotos de Wladimir Herzog na prisão e da insistência do Exército de que não há mais documentos nos arquivos oficiais sobre mortos e desaparecidos, Pinaud declarou que as imagens comprovam as atrocidades cometidas na época. Pinaud criticou a nota publicada pelo Exército no último dia 17 (O Globo, 19 de outubro de 2004 – p. 13.).
Diante da insatisfação de grupos políticos e entidades civis com a divulgação
da nota do CCOMSEx, o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, foi
pressionado a fazer uma retratação pública. Em sua retratação, aprovada por Lula e
Viegas em sua terceira versão, o general Albuquerque declarou:
O Exército Brasileiro é uma Instituição que prima pela consolidação do poder da democracia brasileira. O Exército lamenta a morte do jornalista WLADIMIR HERZOG. Cumpre relembrar que, a época, este fato foi um dos motivadores do afastamento do comandante militar da área, por determinação do Presidente Geisel. Portanto, para o bem da democracia e comprometido com as leis do nosso país, o Exército não quer ficar reavivando fatos de um passado trágico que ocorreram no Brasil. Entendo que a forma pela qual esse assunto foi abordado não foi apropriada, e que somente a ausência de uma discussão interna mais profunda sobre o tema pôde fazer com que uma nota do Centro de Comunicação Social do Exército não condizente com o momento histórico atual fosse publicada. Reitero ao Senhor Presidente da República e ao Senhor Ministro da Defesa a convicção de que o Exército não foge aos seus compromissos de fortalecimento da democracia brasileira (O Estado de São Paulo Online, 19 de outubro de 2004. Grifos do original. http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2004/not20041019p37974.htm).
Ao declarar o respeito das Forças Armadas pela democracia o general
Albuquerque garantiu, ao menos com o presidente, a resolução do conflito. Porém, José
Viegas, ministro da Defesa, não tolerou o desgaste no cargo após ter sido desrespeitado
90
na hierarquia constitucional e ter visto negada a sua solicitação para que o general
Albuquerque fosse destituído do cargo, decidindo pela apresentação de sua demissão111:
[...] Após uma reflexão prolongada a respeito das ocorrências dessa semana, julgo necessária uma atribuição mais efetiva de responsabilidades com relação à nota emitida pelo Exército no último domingo [17 de outubro]. Embora a nota não tenha sido objeto de consulta ao Ministério da Defesa, e até mesmo por isso, uma vez que o Exército Brasileiro não deve emitir qualquer nota com conteúdo político sem consultar o Ministério, assumo a responsabilidade que me cabe, como dirigente superior das Forças Armadas, e apresento a minha renúncia ao cargo de Ministro da Defesa, que tive a honra de exercer sob a liderança de Vossa Excelência. [...] Foi, portanto, com surpresa e consternação, que vi publicada no domingo, dia 17, a nota escrita em nome do Exército Brasileiro que, usando linguagem totalmente inadequada, buscava justificar lamentáveis episódios do passado e dava a impressão de que o Exército, ou, mais apropriadamente, os que redigiram a nota e autorizaram a sua publicação, vivem ainda o clima dos anos setenta, que todos queremos superar. A nota divulgada no domingo 17 representa a persistência de um pensamento autoritário, ligado aos remanescentes da velha e anacrônica doutrina da segurança nacional, incompatível com a vigência plena da democracia e com o desenvolvimento do Brasil no século 21. Já é hora de que os representantes desse pensamento ultrapassado saiam de cena. É incrível que a nota original se refira, no século 21, a 'movimento subversivo' e a 'Movimento Comunista Internacional'. É inaceitável que a nota use incorretamente o nome do Ministério da Defesa em uma tentativa de negar ou justificar mortes como a de Vladimir Herzog. É também inaceitável, a meu ver, que se apresente o Exército como uma instituição que não precise efetuar 'qualquer mudança de posicionamento e de convicções em relação ao que aconteceu naquele período histórico' [...] (Folha de São Paulo, 04 de novembro de 2004.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u65514.shtml)
Sem dúvida, a retratação exigida pelo presidente Lula demonstra o alcance do
poder civil em submeter o Exército à autoridade presidencial. Porém, se levarmos em
conta que a declaração do CCOMSEx não deveria ter sido emitida sem a aprovação do
Ministério da Defesa, o assunto ganha outra dimensão. Desta forma, a solicitação do
ministro Viegas para que o general Albuquerque, comandante do Exército, fosse
destituído do cargo, se baseia menos na nota de retratação do que no ato de transgressão
do CCOMSEx. Encerrada a polêmica, o general Albuquerque se manteve no cargo e o
presidente aceitou a demissão de Viegas.
O episódio não deve ser interpretado como causador de grave crise. Porém,
indica mais uma ineficiência do controle civil nas questões militares. Se em âmbito
111 Os boatos sobre a queda do ministro da Defesa circulavam desde muito antes do episódio das notas. Os motivos alegados para a sua saída do governo relacionavam-se com sua baixa capacidade de pressão junto ao governo pelo atendimento das reivindicações militares, bem como de pressões advindas das FA que não gostaram da atuação do ministro, classificada como titubeante em alguns aspectos e de confrontação em outros – como no caso da posição claramente contrária à Doutrina de Segurança Nacional, a qual o José Viegas insistia em reformar. (Observatório Cone Sul de Defesa e Forças Armadas – Informe Brasil n. 146 a 148, de 16/10/04 a 05/11/04).
91
nacional o comandante Albuquerque precisou retificar a declaração, o mesmo não se
exige da revista ADN que, por mais de duas décadas, designa como verdade histórica
inconteste a legitimidade e os benefícios das ações militares durante o golpe e o regime
militar.
De maneira geral, a análise sobre o desenvolvimento das relações entre civis e
militares através da revista ADN, durante o período de 1990-2004, demonstra que as
instituições militares enfrentaram, neste período, a perda simultânea de poder político e
do inimigo de mais de quatro décadas, até alcançarem, na atualidade, uma autonomia
reduzida. Pois, embora as FA não possuam controle sobre boa parte da burocracia e nem
demonstrem aspirações em exercer o poder político direto, sempre que se vêem
ameaçadas nas suas prerrogativas elas tendem a “mostrar” que ainda possuem poder
suficiente para pressionar as instâncias políticas.
3.3. A revista A Defesa Nacional e o regime militar: um discurso para a posteridade
(1990-2004).
3.3.1. O Desafeto: a posse de João Goulart
Em janeiro de 1961, Jânio Quadros assumia a presidência do Brasil. Com uma
candidatura baseada em promessas eleitorais que propalavam o combate à corrupção e a
defesa da moral, Quadros atingiu perfeitamente as aspirações dos militares, da União
Democrática Nacional (UDN) e da classe média. Já sua figura popularesca garantiu o
apoio dos trabalhadores. Todavia, antes de completar sete meses de governo Quadros
surpreenderia a nação com sua renúncia.
A crise desencadeada pela renúncia repentina foi agravada pela contestação da
posse de seu vice, João Goulart. Naquela época, as candidaturas não eram vinculadas,
ou seja, havia o voto para o presidente e para o vice separadamente, sendo possível a
eleição de opositores, exatamente o que ocorreu em 1960. Assim, aqueles que haviam
apoiado Quadros passaram a fazer oposição à posse de Goulart, temerosos em relação às
mudanças que ele pudesse introduzir.
92
Para muitos, as expectativas com a eleição de Quadros transformavam-se em
perplexidade e desconfiança com a proximidade do poder ser entregue a Goulart. Os
motivos do incômodo eram muitos e iam desde a associação de Goulart a Getúlio;
passando pela relação de parentesco com Leonel Brizola, conhecido pela ligação com a
esquerda. Podemos acrescentar também, a convulsão dos anos 50, quando Goulart,
então ministro do Trabalho, propôs aumento de 100% no salário mínimo e aproximou-
se de sindicatos. Por último, durante a renúncia de Quadros, Goulart protagonizou um
acaso excessivamente simbólico, pois se encontrava em visita à China comunista, fato
que tornou a sucessão ainda mais dramática.
Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumia
provisoriamente a presidência da República, os ministros militares de Quadros,
liderados pelo general Odílio Denys, ministro da Guerra, conspiravam tentando
encontrar uma maneira de impedir Goulart de tomar posse112. Embora a Constituição
não deixasse dúvidas quanto à legitimidade da sucessão, a posse ficou em suspenso,
diante da iniciativa de setores de oposição a Goulart – principalmente os militares e a
UDN – que viam nele a encarnação da “república sindicalista” e a ascensão do projeto
comunista ao poder.
Entretanto, do Rio Grande do Sul, o comandante do III Exército – general
Machado Lopes – declarou seu apoio a Goulart e a Brizola, este último responsável pelo
início do que se convencionou chamar de batalha da legalidade. A figura emblemática
de Leonel Brizola, o governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Goulart, contribuiu
para a organização civil e militar em defesa da sucessão presidencial ao promover
grandes manifestações e direcionar recursos, chegando inclusive a distribuir armas à
população civil, para combater um eventual golpe (TOLEDO, 1982, p. 17).
O impasse estava instaurado. A qualquer momento tropas legalistas poderiam
enfrentar as forças contrárias à posse. Mas a resolução final ficou a cargo do Congresso
que adotou uma solução conciliatória ao transformar o sistema de governo de
presidencialista para parlamentarista, supondo neutralizar um presidente vinculado ao
movimento popular e esquerdista.
112 Em agosto de 1961 foi divulgado um manifesto, assinado pelos ministros militares que deixava clara a posição contrária à posse de Goulart: “No cumprimento de seu dever constitucional de responsáveis pela manutenção da ordem, da lei e das próprias instituições democráticas, as Forças Armadas do Brasil, através da palavra autorizada dos seus Ministros, manifestam a Sua Excelência o Sr. Presidente da República, como já foi amplamente divulgado, a absoluta inconveniência, na atual situação, do regresso ao país do Vice Presidente, Sr. João Goulart” (ANDRADE, 1985).
93
Os ministros militares aceitaram o compromisso parlamentar, em grande
medida, devido à não superação das divisões internas no Exército e à percepção da
crescente oposição popular à sua tentativa de veto. Desta forma, em setembro de 1961
João Goulart tomou posse com poderes diminuídos.
Durante o curto período de vigência do parlamentarismo, de setembro de 61 a
janeiro de 63, um novo contexto político, econômico e social emergia no país. As
características mais marcantes do período foram: as constantes crises político-
institucionais113; a intensa e prolongada crise econômico-financeira114; a ampla
politização e mobilização das classes populares urbanas e rurais, assim como o maior
envolvimento de setores que não tinham ligação direta com as questões políticas, como
os estudantes e grupos católicos.
No modelo parlamentarista adotado cabia ao presidente a indicação do
primeiro ministro e a formação do Gabinete ministerial, que deveria ser aprovado por
2/3 do Congresso Nacional. A atuação inicial de Goulart foi de moderação, procurando
demonstrar sua adesão aos princípios democráticos e sua repulsa ao comunismo115.
O primeiro Gabinete foi liderado por Tancredo Neves e reuniu representantes
dos principais partidos políticos, com predomínio do Partido Social Democrático
(PSD)116. Depois desse, mais dois gabinetes foram formados em meio a uma crise
política que praticamente paralisava a administração pública (TOLEDO, 1982, pp. 22-
40).
Na verdade, o primeiro gabinete representou uma nítida derrota do movimento
popular, embora Goulart, em reiteradas oportunidades, tenha se pronunciado acerca da
necessidade de reformas estruturais para a superação dos graves problemas enfrentados
pelo país. Sem o entendimento entre o presidente e o ministério de Tancredo, em junho
1962, todos os membros do gabinete pediram demissão sob a justificativa de que
pretendiam concorrer às eleições do mesmo ano.
A formação do segundo gabinete não ficaria excluída da crise política
desencadeada pela incompatibilidade de setores mais conservadores e dos grupos
reformistas identificados com o presidente. O Congresso, de maioria conservadora, 113 Decorrentes da problemática acerca da composição dos ministérios; escolha do primeiro ministro; e submissão dos partidos a aglomerados suprapartidários (crise do sistema partidário). 114 Recessão e altas taxas de inflação, herdadas principalmente da política desenvolvimentista do governo JK; da construção de Brasília; e da reforma cambial realizada por Quadros através da Instrução 204 da SUMOC. 115 Em viagem aos EUA, falou ao Congresso americano e obteve recursos para ajudar o nordeste. (FAUSTO, 2007, p. 453). 116 PSD, quatro ministros; UDN, dois ministros; e PTB, um ministro.
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materializada na aproximação entre PSD e UDN, rejeitou o petebista Francisco San
Tiago Dantas, indicado por Goulart para presidir o novo gabinete. San Tiago, que já era
político conhecido no Congresso, foi o único petebista a compor o primeiro gabinete,
como ministro das Relações Exteriores, e causou insatisfação ao reatar relações
diplomáticas do Brasil com a URSS e ao opor-se na OEA à proposta norte-americana de
impor sanções contra Cuba socialista.
O veto do Congresso a San Tiago obrigou Goulart a outra indicação. Assim, o
presidente designou Auro Soares de Moura Andrade, senador do PSD, indicação que
desagradou os grupos comprometidos com as reformas. Logo, o Comando Geral de
Greve (CGG) decretou uma greve geral, e Moura Andrade um dia antes da data
marcada para a paralisação, desistia de sua indicação a primeiro-ministro.
Um novo gabinete, presidido por Brochado da Rocha (PSD), assumia. Em seu
curto período, apenas dois meses, prometeu um programa de emergência para conter a
inflação. Todavia, o mais significativo em seu governo foi o envio de um projeto de lei
ao Congresso que previa antecipar o plebiscito sobre a volta ao presidencialismo ou a
manutenção do parlamentarismo, previsto pela Emenda Parlamentarista de 1961. A
princípio, o Congresso negou a antecipação, porém, pressionado com a decretação de
uma nova greve geral, aprovou o projeto. A data da consulta popular ficou definida para
o dia 6 de janeiro de 1963, quando foi vitoriosa a decisão de retornar ao
presidencialismo.
3.3.2. O golpe militar é justificado
3.3.2.1. A desordem
Com o retorno ao presidencialismo e o consequente aumento da margem de
ação do poder Executivo, os grupos sociais se apressaram em garantir espaço para seus
projetos. O presidente Goulart passou a ser incisivamente cobrado na definição de uma
posição sobre as mais diferentes questões, visto que a grande justificativa do presidente
para a incapacidade de sua administração fora a ineficácia política instituída com a
adoção do sistema parlamentarista. Sendo assim, após 1963, o Brasil vivenciou a
95
intensificação das reivindicações e das disputas entre os que desejavam um governo de
mudanças sociais – aumentos salariais, controle das remessas de lucro das empresas
estrangeiras, investimentos em educação e saúde, reforma agrária – e os que davam
prioridade a intensificação da política de austeridade nos gastos públicos e a
estabilização da economia.
A revista ADN identifica a conjuntura dos primeiros anos da década de 1960
como de grave ameaça às instituições democráticas e à própria nação117. A conclusão do
periódico está baseada na constatação do elevado grau de convulsões após a posse de
Goulart e, principalmente, com o retorno ao presidencialismo em 1963. Em grande
medida, os artigos apontam para três indicativos de ameaça a ordem democrática
vigente: (1) a presença de políticos que defendiam e incitavam as mobilizações sociais
de cunho esquerdista118, como Brizola119, Miguel Arraes120 e o próprio Goulart121; (2) as
ações comunistas (ligas camponesas, sindicatos, estudantes); e (3) o envolvimento de
alguns militares com grupos comunistas.
[Refere-se aos anos do governo Goulart] A crescente agitação política e social, o desgoverno e a evidência de um movimento comunista em marcha acabaram por gerar uma sensação de insegurança geral. Embora o centro de inquietação e de crescente oposição estivesse principalmente na classe média, também os trabalhadores em geral se sentiam insatisfeitos e inseguros. A desorganização geral, a inflação, o desabastecimento, a corrupção e a ameaça latente da ruptura da ordem política e social atingiam toda a sociedade (ADN, jan/abr de 2004, p. 76).
O periódico aponta com indignação a presença de Brizola e Miguel Arraes nos
quadros políticos nacionais dos anos 1960. Segundo ADN, ambos demonstravam
publicamente sua adesão ao projeto esquerdista radical e, diversas vezes, se dispuseram
a burlar a democracia e instaurar uma ditadura. Os discursos inflamados de Brizola –
critica grupos civis e militares; critica instituições políticas como o Congresso e ameaça
organizar e distribuir armas à população – associados às iniciativas de Arraes em
117 Embora seja possível encontrar artigos que relatam que a organização para o golpe data do início do governo Goulart, ainda em 1961, outros apontam que a iniciativa do golpe data de 1963 com o retorno ao presidencialismo. Todavia, não há dúvida de que o marco fundamental para a iniciativa de intervenção militar foi o governo de Goulart e a interpretação que os golpistas fizeram da conjuntura nacional, caracterizada como de desordem instituída e avanço comunista. 118 A revista ADN não apresenta diferenciação entre os grupos sociais atuantes, e, desta forma, as ligas camponesas, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), os sindicatos, e os comunistas são todos identificados com o mesmo projeto. A revista também não define ou especifica os grupos e/ou tendências políticas, utilizando os termos marxismo, comunismo, sindicalismo, e esquerdismo indiscriminadamente. 119 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Leonel Brizola” de Vilma Keller, Sônia Dias, Marcelo Costa e Américo Freire no DHBB (2001). 120 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Miguel Arrais” de Silvia Pantoja e Renato Lemos no DHBB (2001). 121 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “João Goulart” de Marieta de Morais Ferreira no DHBB (2001).
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organizar os trabalhadores da cana-de-açúcar como instrumento político de pressão,
confirmam, segundo ADN, a infiltração comunista no Estado. A projeção e o poderio
das esquerdas nas instâncias políticas ganha ainda maior dimensão quando o periódico
constata que o próprio chefe da nação não as impede, pelo contrário, se aproveita e
compactua com as perturbações esquerdistas.
Não podemos nos esquecer, como bem salienta Olavo de Carvalho (A
História Oficial de 1964, O Globo, 19.01.1999, p. 7), que, na oportunidade do desencadeamento do movimento de 1964, os comunistas se encontravam fortemente encravados em todos os setores da Administração Pública; o próprio Presidente da República apoiava ostensivamente a rebelião esquerdista em todos os setores e, particularmente, nas Forças Armadas [...] (ADN, jan/abr de 2002, p. 117. Grifos do original)122.
A segunda ameaça a instituições democráticas que a revista ADN identifica
está associada ao elevado grau de crescimento dos movimentos sociais no cenário
nacional dos anos 1960. Porém, a existência por si só de movimentos sociais não
sustenta a crítica da revista ADN relativa à instabilidade existente. Mas, sim, as novas
características dessas mobilizações: o surgimento de novos atores; a
intensificação/politização das reivindicações e a atuação não controlada desses grupos.
Desta forma, a revista define os grupos que promovem greves e mobilizações em favor
de mudanças político-sociais como subversores da lei e da democracia e adeptos da
implantação de um modelo político esquerdista e ditatorial.
Os movimentos sociais contestadores do modelo político-econômico vigente
no Brasil, na conjuntura dos anos 1960, são muitos. No campo, por exemplo, surgiam
importantes mudanças, em especial a ação das Ligas Camponesas123, sob a liderança do
advogado e político pernambucano Francisco Julião124. Os trabalhadores do campo, até
então submetidos ao domínio dos grandes proprietários e excluídos de qualquer projeto
de melhoria nas condições de vida e trabalho, passavam a se organizar em defesa do
acesso à terra125. Desta forma, a organização e politização dos trabalhadores rurais
serviram de impulso para as ações reivindicatórias que iam desde a sindicalização até
122 O autor Olavo de Carvalho pertence a um grupo de indivíduos, civis e militares, que defende a legitimidade e os benefícios do golpe de 1964 e do regime militar para a sociedade de hoje. 123 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Ligas Camponesas” de Aspásia Camargo no DHBB (2001). 124 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Francisco Julião” de Vilma Keller no DHBB (2001). 125 Em 1961 ocorre o Congresso Nacional de Camponeses, em Belo Horizonte, tendo Francisco Julião como principal figura, ainda em 1961, Julião e uma centena de líderes camponeses estiveram em Cuba para as celebrações de 1 de maio (Skidmore, 1982, p. 278-279).
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atos de invasões de propriedades na zona rural, manifestações que indicavam para ADN
a ação comunista no campo.
Outro movimento de forte atuação nos anos 1960 foi o dos estudantes, que
incutiam em seus discursos propostas de transformação política, econômica e social,
passando a intervir nacionalmente através de debates e de participação em
manifestações. O periódico apresenta preocupação em relação às universidades e as
escolas por considerá-los canais de propagação comunista.
A própria Igreja Católica demonstrava mudanças importantes em seu
comportamento. Organizaram-se grupos que se apresentavam como defensores das
camadas populares e de um modelo equitativo de distribuição de renda126, em oposição
ao tradicional conservadorismo da instituição. Até mesmo a crítica exacerbada da Igreja
ao comunismo passou a ser acompanhada pelo reconhecimento dos males que o
capitalismo ocasionava à sociedade.
O movimento operário também expressou sua força de mobilização e
reivindicação nos agitados anos 1960. Desde a revogação da exigência dos atestados
ideológicos em 1951, a natureza da liderança dos sindicatos começara a mudar. Por
intermédio e patrocínio ativo de João Goulart, ainda como vice-presidente de Juscelino
Kubitschek, os congressos e reuniões de trabalhadores aumentaram significativamente.
Tudo isso, associado a uma classe trabalhadora que havia se multiplicado e se achava
relativamente concentrada em termos regionais (Dreifuss, 1981, p. 128-129). Desta
forma, progressivamente, as exigências de mudança social se propalavam a margem dos
canais institucionais de controle que o Estado exercia sobre eles.
A criação de canais autônomos de mobilização, que remontam aos anos 50,
demonstra sua maior expressão nos anos 1960 com a ação do Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT)127, do Pacto de Unidade e Ação (PUA)128 e da Confederação
126 A Ação Católica (AC) brasileira, que abrangia movimentos diversos, emergiu, em 1935, no Rio de Janeiro, em meio à ambiência revolucionária na América Latina, decorrente das tendências socialistas e das novas correntes de pensamento. A AC propagou a conscientização política através de associações leigas, como a Juventude Católica, que se ramificava em: Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude Universitária Católica (JUC). Além da Juventude Católica, outros movimentos se fizeram atuantes no período militar como os Movimentos Educacionais de Base (MEBs), as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Algumas ramificações tiveram uma ação mais radical, como a JUC, a JEC e, posteriormente, a Ação Popular. 127 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Comando Geral dos Trabalhadores” de Mônica Kornis no DHBB (2001). 128 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Pacto de Unidade e Ação” de Mônica Kornis no DHBB (2001).
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Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)129. Tais organismos
representativos foram criados paralelamente à legislação vigente, herdada de Vargas, o
que a revista ADN identificava como ainda mais ameaçador em decorrência de sua
independência funcional/autodeterminação.
A demonstração pública mais radical dos movimentos esquerdistas e das
instâncias políticas que os apoiavam realizou-se, segundo ADN, no dia 13 de março, no
Rio de Janeiro, em frente à Central do Brasil. Conhecido como Comício da Central do
Brasil130 a manifestação reuniu lideranças dos movimentos populares, além de Brizola e
Goulart. Durante o comício o governo reforçou seu interesse na realização das reformas
de base e anunciou na ocasião dois decretos. O primeiro deles era referente à
desapropriação das refinarias de petróleo que não estivessem sob controle da Petrobrás e
o segundo fazia referência à desapropriação de terras.
Logo após o retorno ao regime presidencialista, atos do governo trouxeram agitações e greves políticas ameaçadoras visando a mostrar o poderia de certos sindicatos, além de comícios em que a exaltação de oradores mostrava que sobreestimavam o seu poder (ADN, jan/abr de 2000, p. 23).
Além da revista ADN ter identificado nas instâncias civis a difusão das idéias
comunistas, o periódico confirma que na própria instituição militar era constatada a
existência de interseções com o movimento comunista, característica que foi
resignadamente apontada como ameaça à existência das FA. A expressão desta
interseção é exemplificada pela revista através da ação da Associação de Marinheiros e
Fuzileiros Navais do Brasil e da reunião de sargentos no Automóvel Clube (ADN,
jan/abr de 2000, p. 23). Reuniões que atingiam duramente os fatores de coesão,
hierarquia e disciplina, pilares das instituições militares.
[...] [militares] alertando-os [civis e militares] para os perigos da sistemática e tendenciosa aproximação do governo João Goulart com os elementos de formação marxista, nas mais diversas representações da sociedade, nas áreas do próprio governo, da política, dos sindicatos, das associações rurais e estudantis. Na área militar, os ativistas das esquerdas tentaram criar a figura do general do povo, promover a intriga de oficiais com graduados, entre oficiais de carreira e auxiliares (ADN, jan/abr de 2004).
O incômodo acerca da indisciplina nas FA já havia deixado seu rastro no
governo de Goulart em 1963, durante a chamada Revolta dos Sargentos131. Todavia, a
129 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura” de Leonilde Servolo Medeiros no DHBB (2001). 130 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Comício das Reformas” de Heloísa Menandro no DHBB (2001). 131 Rebelião promovida por cabos, sargentos e suboficiais, sobretudo da Aeronáutica e da Marinha, em 12 de setembro de 1963, em Brasília, motivada pela decisão do Supremo Tribunal Federal de reafirmar a inelegibilidade dos sargentos para os órgãos do Poder Legislativo, conforme previa a Constituição de
99
ADN atribui a março de 1964 a coligação dos dois elementos mais temidos pelas FA
brasileiras na conjuntura dos anos 1960: comunismo e indisciplina militar. Em março de
1964 a Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais, organismo destinado a lutar por
melhores condições para seus associados, completou dois anos. Diante do veto do
ministro da Marinha, Silvio Mota, à realização da reunião comemorativa, os associados
resistiram e realizaram o encontro na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de
Janeiro.
A despeito da proibição do ministro, dois mil marinheiros e fuzileiros navais,
liderados por José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, compareceram à sede do
sindicato naquele dia. O ato contou com a presença de representantes dos sindicalistas e
líderes estudantis, além do deputado Leonel Brizola. Na abertura da solenidade, o cabo
Anselmo afirmou a disposição da associação de lutar a favor das reformas de base e de
melhorias sócio-econômicas em todas as instâncias da sociedade brasileira. Ao final, os
militares reunidos exigiram que nenhuma medida punitiva fosse tomada contra os que
ali estavam.
Entretanto, o ministro Mota emitiu ordem de prisão contra os principais
organizadores do evento e enviou um destacamento de fuzileiros navais ao local da
reunião. Apoiados pelo seu comandante, Cândido Aragão, os fuzileiros, em lugar de
prender os marinheiros, aderiram aos revoltosos, permanecendo na sede do Sindicato
dos Metalúrgicos.
A posição de Aragão, aliada à ordem emitida por Goulart proibindo as tropas
de invadirem o Sindicato dos Metalúrgicos, provocou o pedido de demissão de Mota,
imediatamente substituído pelo almirante Paulo Mário Rodrigues. No dia 26 de março,
após acordo, os marinheiros abandonaram o prédio do sindicato e foram em seguida
presos e conduzidos a um quartel. Contudo, horas depois, foram anistiados por Goulart.
Essa anistia foi duramente criticada pela alta oficialidade, agravando ainda mais a
insatisfação militar.
Já a reunião realizada no Automóvel Clube, no dia 30 de março, comemorou o
aniversário da Associação dos Suboficiais e Sargentos da Polícia Militar da Guanabara.
A participação de Goulart e seu discurso denunciando as pressões que seu governo
sofria nacional e internacionalmente, apenas reforçou o discurso da revista ADN de que
1946. Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Revolta dos Sargentos” de Sérgio Lamarão no DHBB (2001).
100
seu governo incitava a desordem e ameaçava a própria nação e suas instituições
democráticas:
Em março de 1964, se deu uma demonstração de indisciplina mais grave: em Assembléia no Sindicato dos Metalúrgicos no Rio de Janeiro, cerca de mil marinheiros exigiram a suspensão das punições aplicadas aos dirigentes da associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Presentes lá, também estavam, solidários e insufladores, dirigentes do CGT e militantes de várias organizações de esquerda. Além do mais, contaram com o apoio de dois almirantes, um dos quais, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais. O Ministro da Marinha solicitou tropas do Exército que cercaram e evacuaram o sindicato. O presidente, para contornar a crise e cedendo às pressões das esquerdas, exonerou o Ministro da Marinha e nomeou um novo titular, almirante da reserva, nacionalista, concordando ainda em anistiar os insubordinados. O último acontecimento, demonstrando a quebra da hierarquia e disciplina, se deu na noite de 30 de março de 1964 na sede do Automóvel Clube do Brasil, no Rio de Janeiro: comemoração do aniversário da Associação de Suboficiais e Sargentos da Guanabara. Se reuniram cerca de duas mil pessoas, tendo como convidado especial o próprio presidente da república. Na assistência, dois ministros militares, o Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, o líder da rebelião dos marinheiros e representantes de toda a esquerda, populistas e comunistas. Os discursos foram inflamados e revolucionários, inclusive a fala do Presidente da República. Mas, naquele momento, já estava em movimento a Revolução de 31 de março de 1964 (ADN, jan/abr de 2004, p.76. Grifos do original).
Essa motivação [para iniciar o golpe de 64] foi crescendo, até chegar às agitações promovidas pelo cabo Anselmo, em que saiu ferida profundamente a disciplina militar. Isso, por si só, justificaria o movimento militar revolucionário, tal a repulsa que teve em todos os meios civis e militares. Iria dar, porém, motivação ainda maior, com o banquete do Automóvel Club do Rio, na noite de 30 para 31 de março, em que soldados, cabos e sargentos facciosos homenagearam o Presidente da República. Ficou demonstrado que a indisciplina militar estava sendo permitida e animada pelo governo (ADN, jan/abr de 2000, p. 23).
Desta forma, foi justamente na conjuntura de contestação do início dos anos
1960 que a revista ADN identifica o marco fundamental para a mobilização que
desencadeou o golpe de 1964. Segundo o periódico, as mobilizações políticas e sociais
observadas desde a posse de Goulart – Brizola, ligas camponesas, greves, CGT –
explicam a origem e o ritmo do golpe de 1964132.
Os artigos de ADN afirmam que a inconveniência de Goulart na presidência
era conhecida – aproximação com sindicalistas e incentivador de greves e manifestações
–, porém, em contrapartida, não houve capacidade suficiente dos grupos políticos para
impedirem sua posse e, consequentemente, o fortalecimento das convulsões sociais
assentadas na proposta comunista.
132 Importante destacar que algumas das obras mais atuais sobre o golpe de 1964 apontam para a hipótese de que a crise que resultou na intervenção militar decorreu: (1) da adoção da “estratégia de confronto” pela esquerda; (2) da estratégia da esquerda de impedir a negociação das reformas no Congresso; e (3) do golpismo da esquerda. Entre os representantes desta vertente historiográfica que coincide com a perspectiva da revista ADN, podemos citar: Argelina Figueiredo (1993) e Jorge Ferreira (2003 e 2004).
101
Falhando os partidos políticos na compreensão do perigo comunista em direção ao qual o Brasil caminhava, primeiramente ao não dar crédito a conveniência do impedimento do Sr. João Goulart, em 1961, e depois ao repudiar o poder que tinham nas mãos, com o parlamentarismo, só restava, aos militares, passarem a agir (ADN, jan/abr de 2000, p. 21).
Assim a desordem, baseada na expansão do comunismo e na incapacidade dos
políticos em contê-lo, tornava-se prova cabal, segundo ADN, de ameaça à nação e da
necessidade de impedir a ocupação do país por comunistas133. Sendo tal percepção
compartilhada entre setores civis que apoiavam a necessidade de interferência militar,
posição que a revista afirma ter sido reforçada devido ao próprio governo ter deixado de
se comportar adequadamente, ferindo, desta forma, as instituições democráticas
nacionais.
Entre outras efemérides, 1994 registra o fim da Revolta da Armada, o batismo de fogo da FEB na Itália e o trigésimo aniversário da Revolução de 1964 [...] no terceiro avultou a defesa das instituições e do estilo de vida democráticos (ADN, jan/mar de 1994, p. 5).
O movimento cívico de 31 de março de 1964 interrompeu a marcha da desagregação institucional, do desmantelamento econômico e da ruptura do tecido social que ameaçavam lançar o país no abismo da Guerra Civil (ADN, mai/ago de 1999, p. 137).
3.3.2.2. O apoio civil e a união dos militares em favor do golpe de 1964
A segunda justificativa utilizada pela revista ADN para legitimar o golpe de
1964 está fundamentada no apoio civil que a intervenção militar obteve. Entre as
demonstrações favoráveis ao golpe ao longo do governo Goulart, ADN comenta o
posicionamento do Congresso, da imprensa e da população, esta última através das
manifestações públicas. Para reforçar a percepção de que o golpe de 1964 foi apoiado e
solicitado pela maioria da população, a revista ADN compara a participação popular
durante o Comício da Central, cerca de 150 mil, e a da Marcha da Família com Deus
pela Liberdade, cerca de 500 mil pessoas. Esta última organizada por setores da classe
média, desencadeou uma série de manifestações, “marchas”, com a finalidade de
133Achamos prudente fazer uso do termo comunista para identificar as ameaças que a revista enxerga no cenário nacional. Embora, a revista faça uso indiscriminado de outras denominações – comunista, marxista, esquerdista e sindicalista – isso se observa menos pelo conhecimento sobre as bases teóricas dos diferentes movimentos, do que pela influência do contexto histórico.
102
sensibilizar e alertar a opinião pública para as medidas do governo Goulart, pois
identificavam o governo como sustentáculo de uma intensa “expansão do comunista”134.
Tudo isso [greves, manifestações sindicais, desordem social] fez aumentar as resistências no Congresso e na imprensa. Elas influíram no meio do povo, de onde saíram as marchas das famílias nas ruas. A todo o momento comparavam a atitude do Governo com os prenúncios do Manifesto dos Ministros Militares de 1961, que apontou os desmandos que ocorreram, todos iguais, nos países que foram, ou estavam sendo, conduzidos ao comunismo (ADN, jan/abr de 2000, p. 23).
Às ruas vieram as famílias brasileiras. Conclamaram seus filhos representantes armados, que pusessem termo às perspectivas sombrias de uma conjuntura de instabilidade política, de crise econômica e deteriorização de valores culturais e religiosos. Que pusessem fim às tensões sociais exacerbadas, ao ambiente de desordem e insegurança nas cidades. Que afastassem os riscos de luta armada no campo, da subversão disseminada em sindicatos e entidades estudantis. Que acabassem com as sucessivas e ameaçadoras badernas ocultas por movimentos grevistas, tentativas de doutrinação ideológica, quebra da hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas. Extinguir a insensatez e estabelecer condições favoráveis para o desenvolvimento do Brasil motivaram a eclosão da Revolução Democrática de 31 de março de 1964. Mantivemo-nos ao lado da razão. Respondemos ao clamor predominante da sociedade brasileira (ADN, mai/ago de 2000, p. 125).
A solução da questão [anos 60 e 70] parece estar na compreensão da extensão da fragilidade das instituições políticas brasileiras naquela quadra, que aos militares não interessaria ultrapassar, se as mesmas atendessem às suas finalidades sociais básicas (ADN, jan/mar de 1993, p. 43).
O importante papel desempenhado pela imprensa para a deflagração do golpe
de 1964 (STEPAN, pp. 101-114), segundo ADN, está relacionado aos artigos que
anunciavam e informavam a população sobre o perigo iminente das manifestações
comunistas e da infiltração de tais movimentos nas instâncias políticas. Assim como a
imprensa, representantes do Congresso, através da organização da Ação Democrática
Parlamentar (ADP)135, e das classes produtoras, demonstravam suas insatisfações em
declarações públicas, apoio a manifestações contra Goulart e na busca por aproximação
com militares.
A imprensa começou a alertar a sociedade, veladamente, para o perigo da instalação prematura de uma República Sindicalista. As classes produtoras, apreensivas, com as tendências do governo, procuram grupos de oficiais em cada Unidade da Federação para lhes transmitir suas preocupações e lhes mostrar a tremenda responsabilidade que pesava sobre as Forças Armadas na garantia das instituições e da esperança que a Nação nelas depositava (ADN, jan/abr de 2004, p. 78).
134 Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” no DHBB (2001). 135 Bloco interpartidário surgido em 1961 e composto, principalmente, de parlamentares da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Social Democrático (PSD). O Bloco possuía como objetivo o combate a infiltração comunista na sociedade brasileira. Sugerimos consultar como referência introdutória o verbete “Ação Democrática Parlamentar” de Sérgio Lamarão no DHBB (2001).
103
Em nível institucional, ADN também destaca a importância da coesão existente
nas FA em relação ao governo Goulart para o sucesso da deflagração do golpe de 1964.
O episódio de 1961 que havia dividido o Exército no cenário nacional e possibilitado,
em grande medida, a posse de Goulart, é avaliado como inexistente no momento do
golpe136. Desta forma, segundo ADN, as instituições militares, durante o movimento de
março de 1964, expressaram a superação das dificuldades e das fragilidades
anteriormente constatadas:
Em todo o País, as Forças Armadas se manifestaram a favor do movimento revolucionário, de modo admirável e impressionante [...] Com esse admirável pronunciamento da tropa do III Exército [adesão ao movimento militar de 1964], foi anulada a triste página da incompreensão de 1961 (ADN, jan/abr de 2000, p. 32-34).
A avaliação acerca da conjuntura dos anos 1960 para a revista ADN foi da sua
fundamental importância para a aproximação dos segmentos que perceberam o perigo
do Brasil se tornar uma gigantesca Cuba (ADN, mai/ago de 2000, p. 122). A expressão
mais nítida do amplo alcance desta associação é observada na própria efetivação do
golpe de 1964:
O Brasil mostrou-se, em 31 de março de 1964, mais do que nunca, uno e indivisível, apesar de todos os esforços para dividi-lo por aqueles que se deixaram impressionar pela doutrina marxista e a supunham invencíveis, tanto mais que alguns adeptos já presidiam e dominavam o governo (ADN, jan/abr de 2000, p. 34).
Desta forma, a revista ADN afirma que o fator inconteste para a decisão em
favor do desencadeamento do golpe de 1964 foi a necessidade de interrupção da marcha
comunista, que se encontrava em avançado estágio e favorecida pela adesão de
segmentos políticos ao projeto esquerdista de ocupação do país. Neste caso, colocando
um fim à desordem do governo Goulart: “Opor-se à iminente tomada de poder pelo
radicalismo ideológico foi o fator de coesão determinante do envolvimento das Forças
Armadas no processo político deflagrador da Revolução de 31 de março de 1964”
(ADN, jan/mar de 1990).
A causa fundamental do movimento, cujo imediato efeito foi a deposição do presidente João Goulart, não estava apenas na desordem política, econômica e social que a inépcia e os projetos golpistas do primeiro mandatário produziram, levando a Nação à intranqüilidade e ao temor. Havia, também, algo mais perturbador e ameaçador: a revolução comunista ressurgente, velada, mas pressentida no tumulto dos acontecimentos. A segunda tentativa
136 Embora sejam comentadas algumas divisões internas, estas fazem referência já ao período do regime militar.
104
concreta de tomado do poder que os comunistas faziam no Brasil (ADN, jan/abr de 2004, p. 71).
Além da desordem nacional e da ampla margem de apoio propalada em favor
do golpe de 1964, comprovada, segundo a ADN, através das manifestações da imprensa
e das passeatas organizadas pela população, outra característica primordial do golpe de
1964, para a revista, é a defesa constante das instituições e dos valores democráticos
que, diante das perturbações comunistas, eram incessantemente atingidos.
3.3.2.3. O golpe em defesa da democracia
A última justificativa utilizada pela revista ADN acerca da necessidade e da
legitimidade do golpe militar de 1964 é a defesa que os grupos envolvidos fizeram das
instituições democráticas diante do avanço comunista. Em grande medida, tal
justificativa é utilizada no discurso do periódico como fator não só de legitimidade,
mas, em alguns momentos, até mesmo de legalidade do golpe. Embora a perspectiva
democrática não seja explicada/definida, sempre aparece associada aos valores
tradicionais do mundo Ocidental, do Brasil e dos que defendem a intervenção militar
diante do governo Goulart, sendo diametralmente oposta aos interesses dos comunistas
– Brizola, Arraes, ligas camponesas, sindicatos – e, em especial, do presidente em
exercício.
Desta forma, a avaliação do periódico sobre o golpe de 1964 indica que a ação
foi efetuada em defesa da democracia e contrária aos excessos do Executivo que havia
se conjugado com lideranças políticas e grupos de esquerda: “É, no mínimo, uma
imprudência acreditar que se não houvesse o Movimento de 31 de março de 1964 o
Brasil teria continuado, sem graves convulsões, sua evolução como sociedade livre,
pluralista e democrática” (ADN, jan/mar de 1993, p. 42).
Já a compreensão da revista acerca de uma dimensão de legalidade do golpe de
1964 ultrapassa sua associação com a população e com a defesa da democracia.
Segundo a ADN, é preciso compreender a função constitucional das Forças Armadas
durante o período, no qual são responsáveis pela defesa da pátria, pela garantia dos
105
poderes constitucionais, da lei e da ordem137. Neste sentido, o periódico interpreta que a
subordinação militar ao presidente da República está condicionada aos limites da lei138,
fator que para ADN foi rompido com a desordem e o avanço comunista proporcionado
pelo próprio presidente. Diante deste discurso a ação das FA em março de 1964 está
contida na sua própria destinação constitucional de defesa nacional.
Diante da gravidade do momento, o Exército Brasileiro não se omitiu. [...] Cumprindo sua histórica vocação de sintonia com o povo que lhe deu origem – ao qual sempre serviu e nunca faltou – ajudou a deflagrar a Revolução de 31 de março, que criou as condições para relançar o processo de desenvolvimento nacional noutras bases, em ambiente de paz e segurança (ADN, mai/ago de 1999, p. 137).
Como qualificar o posicionamento das Forças Armadas em 1964? Revolta? Golpe de Estado? Revolução? Para responder a essas indagações, cabe, antes, fazer mais uma pergunta: o que desejava a sociedade naquela ocasião? Certamente ela estava muito preocupada e inquieta com os níveis de desordem, insegurança e a possibilidade iminente de um golpe comunista. Que fazer quando já não há mais um governo que mereça respeito e confiança ou quando ele mesmo é o principal agente da desordem e da ilegalidade? Naquele longínquo 31 de março de 1964, que poderiam e deveriam fazer as Forças Armadas da Nação? Elas seguiram sua destinação constitucional e agiram no contexto de movimento cívico-militar. A ação das Forças Armadas, naquelas circunstâncias, foi um ato lícito e indispensável, conduzido dentro dos quadros institucionais, com oportunidade e energia necessárias para deter à marcha acelerada do País para a desordem e a violência com o objetivo de transformá-lo em uma república sindicalista-marxista (ADN, jan/abr de 2004, p. 84).
Sobre tais pressupostos – reverter a conjuntura de desordem esquerdista,
apresentar apoio popular, defender o modelo político democrático e possuir respaldo
constitucional – o intervencionismo militar é considerado legítimo e necessário para a
preservação dos interesses da nação. Considerando que a autoridade maior – o
Executivo – transpusera, a critério das FA, os limites da legalidade.
3.3.3. O propósito do golpe justifica sua denominação: “Revolução”
Baseados nas justificativas para o desencadeamento do movimento de março
de 1964 – combate ao comunismo e defesa da democracia – os artigos da revista ADN
137 Constituição de 1946, art. 177: “Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem” 138 Constituição de 1946, art. 176: “As forças armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”
106
se propõem a refutar qualquer posição que coloque em dúvida a legitimidade da
intervenção. Desta forma, existe uma preocupação muito grande em relação à
nomenclatura utilizada em relação ao golpe de 1964, principalmente, porque ela deixa
transparecer o posicionamento em relação a própria intervenção.
Apesar de predominar nos artigos de ADN o termo “Revolução”, não há,
unanimidade sobre a nomenclatura. Para os que defendem que o golpe de 1964 foi uma
Revolução139, destaca-se a percepção de que o movimento inaugurou uma fase de
supressão das ameaças à sociedade e a instituições democráticas, o que impeliu a revista
ADN a refutar terminologias de teor pejorativo como “golpe”, que, de acordo com o
periódico, deslegitima o movimento.
A evidência dos fatos demonstra, portanto que não se aplica a pecha de Quartelada, Golpe de Estado ou Usurpação de Poder ao movimento cívico militar de 31 de março de 1964. [...] Deixar de reconhecer que ele surgiu, e se fortaleceu, no seio do povo, em cujo nome foi deflagrado, para impedir que a nação fosse levada ao caos, é negar a História – que não se apaga nem se reescreve (ADN, mai/ago de 2000, p. 137. Grifos do original).
É possível encontrar, em menor escala, outras denominações para o golpe de
1964, como por exemplo: “Revolução Democrática de 1964”, “Revolução cívico-militar
de 1964”, “Contrarrevolução” e “Contrarrevolução Restauradora”. As duas primeiras
denominações aparecem como desdobramentos do uso do termo Revolução, desta
forma, repetem os valores comentados acima. Já os dois últimos termos –
Contrarevolução e Contrarevolução Restauradora – não inauguram uma nova forma de
posicionamento sobre o golpe de 1964, mas sim uma nova nomenclatura e um enfoque
reforçado acerca do combate ao comunismo. Desta forma, estão fundamentados na
existência de dois movimentos em curso: o projeto comunista em avançado estágio de
tomada do poder para o estabelecimento de uma ditadura esquerdista e, posteriormente,
a formação de um movimento contrário ao primeiro. Por isso, Contrarrevolução.
139 O predomínio do termo Revolução não se detém a revista ADN, podem ser encontrados em outros periódicos militares e em livros editados pela BIBLIEx.
107
3.3.4. O desenvolvimento econômico e social durante o regime militar (1964-1985)
Torna-se necessário compreender que 1964, para a ADN é um divisor de águas
no processo de desenvolvimento nacional, especialmente, por ter garantido a
pacificação e a adoção de projetos econômicos e sociais de grande benefício para o país.
O periódico, ao explicar o novo momento inaugurado com o golpe de 1964,
expõe e comenta os índices econômicos e seus desdobramentos nacionais e
internacionais ao longo do período militar. Para ADN, foi em decorrência do golpe de
1964 que o Brasil pôde ampliar seu parque industrial; universalizar o ensino público e
expandir o sistema de telecomunicações (ADN, mai/ago de 1999, p. 137). Também são
comentadas mudanças sociais como a expansão da oferta de emprego; a Previdência
Social; o Estatuto da Terra; PIS/PASEP; FGTS; Mobral e o projeto Rondon (ADN, mai/
ago de 2000, p. 121).
Todavia, os artigos não se detém em explicações aprofundadas sobre a
efetividade das mudanças introduzidas durante o regime militar ou do modelo utilizado
para sustentar os altos índices econômicos, apenas afirmam que o país foi beneficiado e
expõem dados numéricos que apontam para o crescimento econômico140.
Apesar do ambiente conflituoso, os governos da Revolução ampliaram e modernizaram o parque industrial brasileiro. Aperfeiçoaram sistemas de energia, comunicações e transportes. Interiorizaram a prosperidade desenvolvendo regiões afastadas dos grandes centros. Ampliaram e democratizaram a educação e o ensino. Reduziram com médias efetivas o analfabetismo. Conduziram o país ao respeitável grupo das grandes economias mundiais, como resultado da obtenção de altas taxas de crescimento econômico. Restauraram a normalidade democrática mediante um processo racional de engenharia política que culminou com a promulgação da lei da anistia – uma incontestável prova de reconciliação e desarmamento de espírito (ADN, mai/ago de 2000, P. 125).
3.3.5. A prolongada vigência do regime militar é justificada
A revista ADN, ao relatar a importância da trajetória das FA para a
organização político-social do Brasil, tece comentários sobre o envolvimento direto de
140 Vale lembrar que na historiografia mais atual sobre o golpe de 1964 encontramos análises que coincidem com a observada na revista ADN sobre os benefícios do regime militar fragilmente sustentado por dados quantitativos. Entre seus representantes podemos citar a obra de Daniel Aarão Reis (2000) na análise referente ao “milagre brasileiro” realizada pelo autor.
108
militares durante toda a história nacional. Contudo, um elemento ganha destaque no
contexto geral das interferências militares na política brasileira: o longo período que os
militares ficaram no comando político após o golpe de 1964.
Segundo ADN, a extensa duração do regime militar é justificada por dois
importantes fatores: (1) a necessidade de restabelecimento da ordem em diferentes
instâncias sociais e (2) a radicalização dos movimentos comunistas. O periódico indica
que ao ser efetuado o golpe de 1964, foi preciso conter os indivíduos e as organizações
que colocavam em risco a sociedade brasileira e suas instituições democráticas.
Se, a princípio, muitos acreditaram no envolvimento militar eficaz e de curta
duração, ADN comenta que diante das circunstâncias da infiltração comunista e da
radicalização das esquerdas, infelizmente não foi possível evitar o prolongamento da
proeminência dos militares na vida nacional. “Os efeitos da Revolução tiveram que
estender-se no tempo como contraponto à subversão estabelecida por quem obedecia a
uma pátria fora do Brasil e adotava uma bandeira diferente da nossa” (ADN, mai/ago de
2000, P. 125).
Desta forma, ADN afirma que “As correntes de esquerda obrigaram o emprego
das FA para derrotá-las” (ADN, out/dez de 1991, p. 20). Sendo assim, a prioridade
militar esteve pautada ao longo do regime autoritário pelo intenso e constante combate
contra as intenções das forças de esquerda ocuparem o poder. Para demonstrar que o
conflito com as esquerdas se mantinha e, em alguns casos, também se agravava, a
revista ADN aponta a presença de inúmeros grupos comunistas, alguns herdados do
período dos anos 1960 e outros mais novos que se dedicavam a luta armada.
Para a infelicidade do Brasil, elementos de esquerda, apátridas ligados a movimentos alienígenas de diferentes linhas marxistas, voltaram-se para a violência armada e não permitiram que fossem experimentados o Proterra e, muito menos, a excelente Constituição de 1967. Pela atuação destes foi tentada, pela terceira vez, a tomada do poder (ADN, jan/abr de 2004, p. 83).
Desta forma, para que fossem alcançados os objetivos norteadores do
movimento de 1964 – combate ao comunismo e defesa da democracia – a revista ADN
afirma que foi necessário prolongar o regime militar. “E a renitência do perigo vermelho
foi que motivou a sucessão dos governos militares [...] Outra interpretação a respeito
carece de consistência e se torna passível de suspeição” (ADN, jan/mar de 1990).
109
3.3.6. A repressão
Neste mesmo contexto – alcance dos objetivos que desencadearam o golpe de
1964 – ADN define a necessidade e a forma do combate ao comunismo. A necessidade
relatada é, sem dúvida, impedir que ele alcance as instâncias do poder. Mas, ao tecer
explicações sobre a forma de combate utilizada contra a esquerda, em grande medida, a
revista se preocupa em responder às críticas e interpretações da imprensa, dos
estudiosos e até mesmo de movimentos sociais e de organismos políticos.
O progressivo retorno às regras democráticas ao fim do regime militar garantiu
aos grupos perseguidos durante a ditadura o direito à livre interpretação dos fatos e a
sua posterior divulgação. Muitos relatos biográficos e pesquisas dos mais diversos
campos das ciências destinaram-se a comentar e a esclarecer o que havia acontecido
com alguns indivíduos: prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. Sobre as denúncias
acerca da truculência do regime militar, a ADN também tratou de comentar
superficialmente a ação da repressão durante o período autoritário sem assumir nenhum
tipo de responsabilidade sobre os excessos da repressão.
As guerrilhas urbana e rural levadas a termo no Brasil obrigaram as nossas Forças Armadas a interferirem para eliminar a ameaça. Deve-se salientar que apenas uma pequena parcela de seu efetivo foi empregada para esse fim, e que o fizeram dentro do espírito de sua destinação constitucional de manutenção da ordem interna [...] (ADN, mai/ago de 2000, p. 117-118).
Em resposta à crescente produção biográfica, midiática e acadêmica sobre a
repressão, além dos debates sobre o assunto que incidiam na esfera política, a revista
ADN declara que a decisão acerca do enfrentamento entre FA e esquerda, assim como
sua intensificação, esteve associada à dimensão dos perigos que a sociedade brasileira
enfrentava com a exacerbação das ações comunistas. Contrariando, inclusive, o que se
convencionou na imprensa e em alguns círculos acadêmicos que atribuíam ao AI-5 o
início da luta armada, ADN afirma que ele foi aplicado para conter a radicalização
comunista.
[...] a edição do AI-5 foi essencialmente uma reação à radicalização da luta política e não, como apregoam alguns, que possuem certa dificuldade de localizar temporalmente na história os acontecimentos, uma motivação derradeira para o início da luta armada, ainda que reconhecidamente tal fator, tenha contribuído, em certa medida, para o acirramento dos ânimos [...] ( ADN, jan/abr de 2002, p. 118).
110
Diante das diversas acusações sobre os meios/mecanismos de repressão
utilizados durante a ditadura, a revista ADN se restringe a afirmar incessantemente a
necessidade das ações de controle social diante da conjuntura de ameaça comunista que
o país enfrentava.
Após 1964, sucederam-se vários governos presididos por militares. Durante esse período os partidos políticos de esquerda, considerados ilegais, e várias correntes que surgiram como organizações militaristas desenvolveram intensa atividade, tanto de guerrilha urbana como rural, obrigando a que as Forças Armadas fossem empregadas para derrotá-las (ADN, out/dez de 1991, p. 20).
Médici tinha a consciência tranquila do dever a cumprir. Enfrentou com destemor os seqüestros de embaixadores, os assaltos, o terrorismo e a guerrilha urbana e rural. Ao sair-se vencedor do confronto, podemos dizer que estabeleceu as bases para o retorno do país ao regime democrático (ADN, jan/mar de 1997, p. 124).
Numa conjuntura mundial de paz morna e guerra fria, enfrentando técnicas e táticas só conhecidas por aqueles ‘defensores abnegados da democracia’ que haviam cursado escolas especializadas em Cuba e na Coréia do Norte, o governo brasileiro enfrentou, dentro das limitações que o grau de evolução das Instituições permitia, o desafio do terrorismo. Para tal empregou as Forças Armadas, como instrumento do Estado e a serviço da Nação que, por não saber que estava sendo ‘libertada’, esperava que as Forças Armadas, em particular o Exército, atendesse à sua necessidade social básica de segurança, comprometida por uma minoria que não hesitava em matar ou roubar para impor as suas verdades (ADN, jan/mar de 1993, p. 42).
3.3.7. A abertura política
De acordo com a definição da revista ADN, os mais expressivos resultados do
movimento de 1964 foram: (1) ter impedido o estabelecimento de um regime
comunista; (2) ter servido de instrumento defensor da democracia; (3) ter garantido a
pacificação nacional e (4) ter restabelecido a democracia sem propagar conflitos.
Os comentários sobre o fim do regime militar na revista não apresentam
insatisfação, pelo contrário, se o objetivo de 1964 sempre foi o de garantir a
democracia, a condução da política pelos militares está associada ao fato de que “Ele
[Regime Militar] não era um fim em si mesmo, mas um instrumento transitório para se
alcançar a democracia de estilo ocidental” (ADN, mai/ago de 2000, p. 122).
A revista compreende a necessidade da retirada dos militares das instâncias
proeminentes da esfera política, porém, sem abrir mão de relatar os benefícios advindos
111
do regime militar. Em grande medida, o periódico destina seus esclarecimentos sobre os
benefícios do regime militar aos que não o vivenciaram; aos que esqueceram ou
estavam compelidos pelo comunismo. Ele felicita como um dos principais resultados do
regime militar o restabelecimento da democracia brasileira em bases sólidas e sua
efetivação através da serena transferência do “período revolucionário” para o
democrático.
Se a Revolução [1964] não tivesse acontecido, poderíamos estar vivendo hoje a situação dos satélites terceiromundistas do marxismo, para livrarem-se do equívoco que perturbou a vida das nações por quase todo um século. E a crise em que nos defrontamos teria dimensão de tragédia, diante de um País exaurido pela guerra interna, que tem sido a constante da transição para o socialismo-comunismo (ADN, jan/mar de 1990, p. 5).
Após um longo, porém seguro, processo de abertura política, iniciado durante o governo Geisel (1975-79) e consolidado no conturbado governo Figueiredo (1979-85), os militares se retiraram da vida política do País, permitindo a transformação do regime democrático dualista, misto de representativo e de referendum vigente de 1965, com a edição do AI-2, até 1978, com a recriação dos partidos, em democracia indireta representativa que, por sua vez, atingiu a sua plenitude operativa com a promulgação da nova Constituição em 1988 e o conseqüente restabelecimento do sistema de eleições diretas para presidente, governadores e prefeitos das capitais (ADN, jan/abr de 2002, P. 120).
Além das paulatinas alterações legais, a revista ADN aponta que a
demonstração mais visível da relativa tranqüilidade pela qual o Brasil passou durante o
período de transição está associada à ocorrência, apenas, de pequenos incidentes e ao
ponto final instituído com a lei da anistia.
É importante mencionar que, em grande medida, a transição do regime
revolucionário para o regime representativo transcorreu sem maiores problemas, não obstante alguns incidentes, particularmente durante o governo Figueiredo (atentados terroristas na sede da OAB/RJ e no RioCentro), terem procurado, sem êxito, tumultuar o processo, em decorrência não só da natureza liberal do regime que, em 21 anos de vigência, contabilizou um total de apenas 321 mortos ou desaparecidos, incluindo dentre estes as baixas decorrentes do conflito no Araguaia, como dos próprios termos da lei de anistia (ampla, geral e irrestrita) que perdoou incondicionalmente todos os envolvidos em atos políticos, inclusive seqüestradores, como o atual deputado Gabeira, ou guerrilheiros, como o também atual deputado José Genoíno, e propiciou generosas indenizações às famílias dos mortos e desaparecidos em dependências do Estado e, muitas vezes, escandalosas aposentadorias para os anistiados políticos que hoje, juntamente com as pensões de ex-combatentes, lideram as listas de maiores benefícios previdenciários pagos pelo Estado [...] (ADN, jan/abr de 2002, p. 120. Grifos do original).
112
3.3.8. A revista A Defesa Nacional e o revanchismo
Atenta à percepção que a sociedade brasileira apresenta sobre as FA, a revista
ADN utiliza os termos “revanchismo/revanchista” para classificar diversos tipos de
ataques sofridos pelas instituições militares em referência ao regime militar, seja sobre
sua origem, ou mesmo, sobre seus resultados141. Neste caso, o revanchismo é
caracterizado como conjunto de atitudes dos indivíduos que, derrotados em 1964,
alcançaram importantes cargos políticos ao fim do regime militar e que, na atualidade,
por vingança, estariam organizando ações que denigrem e desqualificam as Forças
Armadas.
Fizemos a nossa parte... Do mesmo modo pacificamos a nação. Mais uma vez, exercitamos a conciliação e a reflexão. Missão Cumprida! Continuamos dedicados à preparação de nossos quadros para bem cumprir a missão primordial que será sempre a defesa da Pátria (ADN, mai/ago de 2000, P. 126).
Ao compor o arcabouço acerca do campo de ação revanchista, ADN insere
desde questões de impedimentos orçamentários, passando pela produção da literatura
sobre o regime militar, até as críticas sobre a exclusiva participação dos militares no
golpe de 1964 e a má aceitação da lei da anistia.
Os artigos publicados pela revista ADN afirmam que ocorre a manutenção da
disputa entre militares e a esquerda, porém, tal disputa se concentra hoje no campo da
memória142; da produção de conhecimento e da manutenção/supressão de prerrogativas
militares143. Desta forma, para a ADN, a esquerda – presente em segmentos da mídia, da
política e das universidades – se empenha em denegrir a imagem dos militares diante da
sociedade.
O fim do “regime revolucionário” e o retorno da democracia, segundo a
revista, possibilitaram a projeção política de indivíduos que utilizam os poderes
adquiridos para imputar às FA restrições financeiras e, também, todos os males
nacionais existentes, devido a sua proeminência durante o regime militar.
141 A denominação também aparece em outros periódicos; livros da BIBLIEx; e em organizações como o Clube Militar, o Grupo Terrorismo Nunca Mais (TERNUMA) e o grupo Guararapes. 142 É comum entre os militares a avaliação de que, se venceram a guerra contra as organizações de esquerda, foram derrotados na luta pela memória histórica do período. 143 Compreendemos a denominação “prerrogativas militares” como espaços de autonomia e capacidade de veto que as FA possuem em algumas instâncias.
113
No âmbito político, a ADN relata que a questão do orçamento disponibilizado
para as FA se tornou foco da ação de grupos revanchistas ao longo da Nova República.
Embora a questão orçamentária possa ser considerada um assunto que perpassa todo o
período de existência das FA brasileiras, para a ADN, após 1985 o assunto passou a ser
ponto de convergência para a ação de grupos revanchistas que pretendem desqualificar
as FA através de seu sucateamento. Para a ADN a vingança realizada através dos
cortes/limitações orçamentários está de acordo com o projeto de grupos que,
ressentidos144 com o regime militar, não colocaram um ponto final nas disputas dos
anos 1960-1970.
Ao contrário, é com perplexidade que se assiste a sucessivas tentativas de alterar a sua destinação constitucional à revelia do processo constituinte, a um cerceamento orçamentário que não leva em consideração serem as forças armadas instituições nacionais e permanentes e ao agravamento da questão salarial [...] (ADN, jul/set de 1992, p. 36).
Ainda no campo político, a ADN ao comentar o projeto de anistia de 1979
confirma que seu resultado deveria ser a reconciliação e o fim das animosidades entre os
grupos que haviam se enfrentado na conjuntura do regime militar. No entanto, o
periódico afirma que, por parte dos militares os desafetos foram superados, porém os
grupos identificados com a esquerda impedem que se processe o abandono das
desavenças políticas dos anos 1960-70.
As Forças Armadas não esperavam louros triunfais ao término do ciclo revolucionário, que sempre viram como transitório – elas cumpriram o seu dever de defesa da Pátria, impedindo que ela se tornasse uma gigantesca Cuba [...] Mas tão pouco contavam com a marginalização progressiva e a hostilidade que se manifesta com espantosa frequência, alvos preferenciais que se tornaram de ataques difamatórios, revanchistas e incriminatório. A tudo eles têm suportado, numa inequívoca demonstração de respeito ao estado de direito, até mesmo provocações extremas, como o pagamento de indenizações aos herdeiros daqueles que se levantaram em armas para implantar, no país, com financiamento de potências estrangeiras, uma ditadura impiedosa e intolerante, como são as de modelo castrista, maoísta ou soviética (ADN, mai/ago de 2000, P.122).
No entanto, se o orçamento e as críticas não são satisfatórios, observamos que
a revista ADN felicita e afirma repetidamente seu sentimento de vantagem sobre a ação
dos segmentos revanchistas durante a definição do enquadramento constitucional das
Forças Armadas em 1988: “Na atual Missão Constitucional das Forças Armadas, os
aspectos fundamentais e essenciais foram mantidos, o que se constituiu em grande
144 A compreensão geral sobre o revanchismo está associada, segundo ADN, ao fato dos militares terem impedido a marcha comunista no processo de ocupação do poder.
114
vitória contra o sentimento revanchista por parte de alguns constituintes.” (ADN,
out/dez de 1991, p. 22).
Diante do mesmo campo de disputa comentado anteriormente – militares e a
esquerda – a ADN observa que a difusão de interpretações negativistas sobre as FA, em
especial, em referência ao regime militar, está calcada principalmente na ação da mídia.
De acordo com a ADN, a mídia, como formadora da opinião pública, exerce um
importante papel social. Porém seu desconhecimento, ou mesmo, seus interesses
particulares, podem interferir na compreensão da própria realidade. Em relação às FA, a
ADN afirma que a mídia brasileira é responsável por grande parte da atual percepção
depreciativa que a sociedade expressa pelos militares e suas instituições.
As Forças Armadas, em particular o Exército, são vistas com reserva, desconfiança e má vontade por alguns setores da sociedade brasileira. A maioria das pessoas que forma a opinião pública não conhece o Exército, seja pela reduzida percentagem de aproveitamento dos jovens para a prestação de serviço militar, seja pela inexistência de uma tradição de participação das elites na formação de uma política de segurança nacional (ADN, jan/mar de 1993, p. 39).
Ultimamente, porém, seus detratores, que abundam na mídia tanto quanto escasseiam no seio do povo, vem procurando diminuir a importância do movimento de 1964, a começar pela negativa em atribuir-lhe caráter revolucionário, a despeito das profundas, benéficas e duradouras transformações que trouxe para o país. Preferem chamá-lo de golpe militar (ADN, mai/ago de 2000, p. 120).
Outro importante núcleo formulador de idéias encontra-se na produção
acadêmica. Crítica da maior parte da literatura acadêmica sobre o regime militar, ADN
qualifica tais setores como “refúgio da esquerda” e preocupa-se com a influência que
sua produção possa exercer sobre a relação das FA com instâncias nacionais e
internacionais, além da preocupação com a formação educacional da sociedade:
A interação entre pessoas socialmente influentes, porém pouco informadas sobre as Forças Armadas, e intelectuais nem sempre coerentes com seus anseios de liberdade, tem sido, na presente conjuntura, desastrosa para as Forças Armadas, particularmente o Exército, e, inevitavelmente, para a nação (ADN, jan/mar de 1993, p. 40).
A atual conjuntura – fim da Guerra Fria e consolidação do regime democrático
–, segundo ADN, além de desencadear o afastamento de diferentes grupos sociais que
haviam se associado/apoiado o regime militar, também favoreceu a descaracterização
do contexto histórico em que ele foi estabelecido. Assim sendo, o periódico aponta que
foram esquecidos e/ou apagados os verdadeiros motivos que pautaram o regime
115
militar145 – luta contra o comunismo e defesa da democracia –, sendo ressaltado o teor
autoritário e violento dos seus governos, normalmente exacerbado pelos “revanchistas”:
“Em tempos de suposta segurança, o pensamento militar sobre problemas nacionais, em
especial após período em que foi prevalecente, passa a ser alvo de repúdio” (ADN,
jan/mar de 1991).
As ameaças, as declarações e os fatos [comunismo], amplamente documentados na época, são hoje esquecidos, comprovando a aplicação da sinistra assertiva de George Orwell, autor de 1984: Aquele que tem o controle do passado controla o futuro (ADN, jan/mar de 1993, p. 42).
Sem dúvida, o grande descontentamento que a ADN expressa em relação aos
“revanchistas” é a intensa atividade que eles exercem na depreciação das FA. Segundo a
ADN, a ação revanchista se alimenta dos conflitos passados, por interesses futuros146
e/ou pela completa falta de conhecimento sobre as instituições militares
Desta forma, os militares adquiriram o estigma de únicos culpados pelo golpe
de 1964, sendo que este passou a ser sinônimo de autoritarismo e de interferência
desmedida dos militares na vida nacional. Diante de uma plataforma nacional tão
adversa, a ADN investe na divulgação do que afirma ser o verdadeiro legado do regime
militar: pacificação nacional e consolidação da democracia.
Se a Revolução não tivesse acontecido, poderíamos estar vivendo hoje a situação dos satélites terceiromundistas do marxismo, para livrarem-se do equívoco que perturbou a vida das nações por quase todo um século [...] Ao ensejo de mais um aniversário da Revolução, essa observação se afigura oportuna (ADN, jan/mar de 1990, p. 5).
3.4. Implicações atuais do discurso da revista A Defesa Nacional
A análise da revista ADN demonstra que o periódico traça um modelo de
posicionamento diante da sociedade e do Estado. Embora possamos encontrar nos
artigos da revista relatos sobre a autoridade do presidente e as regras constitucionais, em
última instância há o predomínio do pensamento que imputa as FA o poder de
salvaguarda do Estado e da sociedade.
145 Esquecimento baseado na ação da mídia; de grupos políticos; centros de pesquisa; e da produção acadêmica. 146 Os interesses podem ser de plataforma política ou mesmo de promoção pessoal, esta última exemplificada pela homenagem nacional aos presos políticos, que são vistos como heróis e têm acesso a indenizações e pensões.
116
O posicionamento estabelecido pela revista para as FA brasileiras, associado à
percepção que o periódico apresenta sobre o golpe de 1964 e o regime militar,
demonstra que os debates sobre a intervenção iniciada em 1964 estão longe de se
esgotarem. Os enfrentamentos ocorridos entre militares e acadêmicos que se propõem a
analisar o regime autoritário não se restringem ao passado, pelo contrário, suas
avaliações possuem um resultado prático e bastante atual no contexto nacional. Neste
caso, avaliamos que qualquer que seja a análise sobre o regime militar, desenvolve-se,
consequentemente, um posicionamento para a atualidade, visto que os problemas que
estavam em pauta às vésperas do golpe de 1964 não foram solucionados147; e que, além
desses problemas não terem sido solucionados, o regime militar implicou o surgimento
de outros.
Entre os problemas originários do regime militar que não foram completamente
resolvidos, podemos citar: (1) a resolução acerca dos que foram direta ou indiretamente
prejudicados pelo regime (prisão, assassinato, tortura, perda de emprego e exílio); (2) a
campanha pelo acesso a documentos da época; (3) o debate sobre a reinterpretação da
lei da anistia; e, especialmente, (4) a realização de uma justiça de transição em moldes
internacionais148.
No caso da análise realizada na revista ADN, o discurso exposto serve como
justificativa para a defesa de prerrogativas militares e para declarações de veto no atual
cenário nacional. Em relação às prerrogativas que propõe defender, a revista publica: (1)
a interpretação constitucional das FA como defensoras das instituições políticas e da
sociedade; (2) a interpretação de um modelo de democracia ordeira a ser aplicada no
país - caso contrário, estabelece que os militares estão dispostos a interferir; e (3) a
capacidade das FA interpretarem a vontade do “povo”. Já nas ações de veto a revista
ADN advoga: (1) a existência de uma única interpretação da lei da anistia, que se baseia
no total esquecimento, o que impede qualquer tipo de reparação e/ou de possibilidade de
julgamento de funcionários do governo autoritário; (2) a inexistência de documentos
secretos sobre a repressão, pois não assumem os “excessos”; e (3) a afirmação de que o
regime militar deve ser interpretado como fator primordial para o estabelecimento das
bases da democracia brasileira.
147Podemos incluir entre estes problemas a própria plataforma das “Reformas de Base”, que embora hoje se encontre desmembrada continua em debate. 148 A justiça de transição se consolidou internacionalmente a partir do relatório do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas apresentado ao Conselho de Segurança (ANNAN, 2009).
117
As declarações supracitadas demonstram que se, por um lado, o desmonte do
regime autoritário não provocou violentos conflitos sociais, ele também deixou questões
não ou mal resolvidas e, consequentemente, muitas tarefas para o processo de
consolidação do regime democrático. Se a conjuntura brasileira atual demonstra
significativa adesão ao modelo democrático, inclusive no comportamento das FA, nada
impede que em uma futura conjuntura de desordem econômica, social e política os
impulsos salvacionistas sejam novamente estimulados pelas instituições militares.
Em conclusão, defendemos que a manutenção de discursos elogiosos ao regime
militar dentro do Exército, como o apresentado pela revista ADN dificulta a
disseminação de um pensamento democrático e de respeito às instâncias políticas; e
impede a resolução de questões de ordem jurídica, social e histórica. Vale lembrar que o
controle civil sobre as FA não depende única e exclusivamente das regras
constitucionais nem da existência de agências civis para a administração de assuntos
militares, pois, estes, nos momentos de crise, demonstraram-se ineficazes. Mas, torna-se
necessária a associação de tais regulamentos à capacidade dos civis em administrarem
as instâncias militares com significativo conhecimento, especialmente sobre o
pensamento desenvolvido dentro da própria corporação.
118
Conclusão
Após mais de quarenta anos, o regime militar (1964-1985) ainda ocupa espaço
significativo nos estudos acadêmicos; na produção midiática; e nos debates sociais e
políticos. Incluindo neste último o posicionamento de segmentos militares e civis em
favor da legitimidade e da necessidade da intervenção que resultou no mais longo
período ditatorial da história brasileira.
Hoje, poucos se prontificam a defender e/ou comemorar o período autoritário,
mesmo os que apoiaram e/ou se beneficiaram da ditadura, pois a população brasileira
majoritariamente se declara adepta da democracia. Todavia, ainda é possível encontrar:
(1) segmentos civis e militares que demonstram admiração pelo golpe e pela ditadura e
(2) assuntos atuais, não ou mal resolvidos, que nos remetem ao regime militar.
Neste contexto de herança do período ditatorial para a democracia, a análise da
revista ADN demonstra a existência de um discurso favorável ao golpe de 1964 e ao
regime militar, assim como favorável ao modelo de transição política adotado pelo
Brasil. Nossas conclusões se pautam pela existência e pela importante função deste
discurso em defesa da participação militar no cenário político nacional e para o veto a
projetos de alteração da ordem jurídica referente ao legado da ditadura.
Torna-se importante ressaltar que possuímos a consciência de que analisamos
segmentos do Exército e da sociedade civil que se expressam através de um
determinado periódico. Logo, mantivemos a atenção para o que Celso Castro
(CASTRO, In: FICO, FERREIRA, ARAUJO e QUADRAT, 2008, pp. 119-142)
considera fundamental para os pesquisadores que se dedicam a análise das mobilizações
que ainda hoje apoiam o golpe militar: (1) a progressiva interiorização das
comemorações e (2) o cuidado em não tomar manifestações pontuais como
representativa daquilo que atualmente pensa o conjunto dos militares.
A existência dos segmentos civis e militares supracitados e de suas propostas –
defesa do golpe de 1964 e do regime militar, assim como do modelo de transição
brasileiro – nos faz lembrar a interessante exposição de Manuel Antonio Garretón
(1987), apresentada em Documento de Trabalho para o Programa de La Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO). O autor enfatiza a importância do
“medo” em circunstância de mudança política. Segundo Garretón, as formas de
mediação e articulação entre Estado e sociedade civil geram “miedos políticamente
119
determinados”, e no caso de processos de mudança de um regime autoritário para um
regime político democrático o autor distingue alguns “medos” e seus sujeitos.
O “medo” presente em processos de restabelecimento da democracia é
apresentado em duas categorias: a da certeza e a da incerteza. Estando os sujeitos
também divididos em dois grupos: os construtores e organizadores do sistema
autoritário e os que foram alijados do sistema político durante a implantação do regime
autoritário. Desta forma, durante o restabelecimento da democracia os responsáveis pelo
regime autoritário se defrontam com o medo do retorno à situação que antecedeu o
regime por eles implantado e, principalmente, com a possibilidade de sofrerem
represálias ou a “revanche” pelos atos de repressão e perseguição cometidos. O segundo
grupo, composto pelos indivíduos que não se enquadravam no modelo autoritário, sofria
pela certeza da repressão existente – tortura, desaparecimento, prisão – e pelas
incertezas e expectativas acerca dos rumos da mudança política. Diante de tais
afirmações, compreendemos melhor os motivos pelos quais os militares se empenharam
em controlar a redemocratização brasileira e os motivos da oposição em não radicalizar
o desmonte da ditadura ao longo da transição.
Porém, a realização da transição do regime autoritário para a democracia de
forma paulatina, controlada e negociada, suprimiu diversas vozes discordantes e
assuntos que pudessem causar incômodo aos antigos inquilinos do Estado. Em
contrapartida, vê-se desde os anos 1990 a emergência, em grandes dimensões, de
assuntos antes relegados a pequenos espaços, seja por medo da certeza ou da incerteza
do processo de redemocratização (GARRETÓN, 1987). As disputas mais atuais sobre o
legado da ditadura no Brasil envolvem historiadores, arquivistas, juristas, familiares de
desaparecidos e ex-presos políticos, além de órgãos internacionais que propõem a
revisão legal de países que realizaram seus processos de redemocratização pela
influência dos antigos ditadores (SOARES e KISHI, 2009).
No caso brasileiro, as disputas mais tensas se concentram: (1) na proposta de
reinterpretação da lei da anistia; (2) no processo de reparação (presos, perseguidos,
desaparecidos, torturados, mortos); e (3) na divulgação de documentos e informações
sobre o período.
O caminho para a resolução das disputas indicadas, sejam elas jurídicas,
financeiras e/ou históricas, está atravessado por discursos construídos ao longo do
tempo e por diversos atores sociais que defendem nacionalmente seus projetos, status
que corresponde a ação da revista ADN. Neste caso, torna-se necessário levar em
120
consideração que o passado aqui analisado é demasiado próximo e possui funções
políticas e sociais fortes no presente. Aqueles que discursam – individualmente ou como
representantes de algum grupo – estão inseridos na luta política contemporânea. E no
caso do Exército, que foi alvo privilegiado das acusações e da culpa pelos atos de
autoritarismo praticados durante a ditadura, esta proximidade com o passado é evidente.
A análise da revista ADN demonstra que os envolvidos com a publicação se
declaram em defesa da verdade e do Exército que, enquanto corporação, atuou
historicamente com significativa autonomia no cenário nacional brasileiro em
momentos de crise política. Desta forma, torna-se necessário um discurso legitimador,
ou melhor, apaziguador em defesa da manutenção de sua atuação política e social, além
de defender a inexistência ou a isenção de responsabilidades por atos de transgressão
durante regime militar, não tolerados nem mesmo pela legislação do período de ditadura
(tortura, assassinato, desaparecimento de documentos).
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