o ensino da metáfora à luz das sequências didáticas · ensino da norma culta, mas, sim, uma...
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O ensino da metáfora à luz das sequências didáticas
Joane Marieli Pereira CAETANO1
Luiza Guimarães LANES2
Resumo
Este trabalho apresenta como temática o ensino da metáfora a partir de uma sequência
didática. Por revelar uma articulação linguística perspicaz e demonstrar certa bagagem
cultural, o ensino de metáfora deveria ser bem desenvolvido no âmbito escolar. No
entanto, nota-se que as metodologias, de forma geral, direcionadas para o ensino desse
conteúdo não adotam uma abordagem circunstanciada. Diante dessa assertiva, este
artigo objetiva, de forma geral, minimizar a distância observada entre as atividades
voltadas para esse assunto e o corpo discente. A fim de cumprir esse objetivo, o
presente estudo ancorou-se na elaboração de uma sequência didática a partir de três
concepções: a linguística, a epilinguística e a metalinguística. Sendo assim, pretende-se,
sob uma ótica específica, discutir a resistência que os alunos apresentam em interpretar
textos metafóricos e abordar o impacto de expressões metafóricas na produção de
sentido. No que tange à metodologia, é uma pesquisa, inicialmente, de cunho
bibliográfico, que tem como embasamento teórico Franchi (1991), Marcuschi (2008),
bem como os Parâmetros Curriculares Nacionais (2017), Câmara Júnior (1968) e
Vereza (2010). Em uma segunda etapa, elabora-se uma sequência didática, baseada em
Marcuschi (2008).
Palavras-chave: Ensino de Metáfora. Sequência Didática. Abordagem Circunstanciada.
Abstract
1 Mestra em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
Professora de Sociolinguística e Prática de Ensino (UNIFSJ). Orientadora da pesquisa. Comendador
Venâncio (RJ), 28348-000. E-mail: [email protected]
2 Graduanda em Letras pelo Centro Universitário São José de Itaperuna (UNIFSJ). Miracema
(RJ), 28460-000. E-mail: [email protected]
This work presents as a theme the teaching of metaphor from a didactic sequence. By
revealing insightful linguistic articulation and demonstrating a certain cultural
baggage, metaphor teaching should be well developed at school. However, it is noted
that the methodologies, in general, directed to the teaching of this content do not adopt
a detailed approach. Given this assertion, this article aims, in a general way, to
minimize the observed distance between the activities directed to this subject and the
student body. In order to fulfill this objective, the present study was anchored in the
elaboration of a didactic sequence from three conceptions: linguistics, epilingualism
and metalinguistics. Thus, it is intended, from a specific perspective, to discuss the
resistance that students present in interpreting metaphorical texts and to address the
impact of metaphorical expressions in the production of meaning. In terms of
methodology, initially, it is a bibliographical research based on Franchi (1991),
Marcuschi (2008), as well as the National Curricular Parameters (2017), Câmara
Júnior (1968) and Vereza (2010). In a second stage, a didactic sequence, based on
Marcuschi (2008), is elaborated.
Keywords: Teaching of Metaphor. Didactic Sequence. Detailed Approach.
Introdução
As especulações acerca do déficit de ingressantes no magistério são muitas.
Contudo, nesse contexto, encontram-se dois fatores incisivos: o atual quadro
educacional brasileiro e o baixo reconhecimento delegado à classe docente. Além de
provocar uma redução no contingente de professores, tais elementos fomentam um
desentusiasmo por parte dos educadores atuantes, de modo geral.
Esse desalento, por sua vez, acarreta uma série de agravantes sociais, dentre os
quais se destaca a ineficácia dos planos de aula. Nesse pilar, estrutura-se uma das
principais objeções do corpo discente, a distância observada entre os conteúdos
programáticos ministrados pelo professor e os reais contextos de produção do aluno.
Ao configurar-se como uma das queixas mais relevantes do público estudantil, o
impasse, exposto acima, desponta como a justificativa essencial para a confecção deste
trabalho. Apesar de ocorrer em diversas áreas do saber, o presente estudo analisará esse
contratempo no ensino de um conteúdo específico da Língua Portuguesa – as metáforas.
A fim de amenizar, no estudo dessa figura de linguagem, a lacuna verificada
entre os conteúdos didáticos e a realidade do pupilo, esta atividade acadêmica visa à
construção de uma sequência didática para o ensino desse recurso linguístico a partir de
três perspectivas: a linguística, a epilinguística e a metalinguística.
É importante ressaltar que essa produção é uma pesquisa, inicialmente, de cunho
bibliográfico, e tem como aporte teórico Marcuschi (2008), Franchi (1991), os
Parâmetros Curriculares Nacionais (2017), o Dicionário de filologia e gramática:
referente à língua portuguesa de Câmara Júnior (1968), o artigo O lócus da metáfora:
linguagem, pensamento e discurso de Vereza (2010). Em uma segunda etapa, elabora-se
uma sequência didática, baseada em Marcuschi (2008).
1 O Ensino de Língua Portuguesa
Sabe-se que o Ensino de Língua Portuguesa é baseado na norma culta que, por
sua vez, encontra-se ancorada à Gramática Tradicional. No entanto, a exclusividade
dessa abordagem não é produtiva, conforme reiteram os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN):
As competências e habilidades propostas pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) permitem
inferir que o ensino de Língua Portuguesa, hoje, busca desenvolver no
aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades
de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais
diversos textos representativos de nossa cultura. Para além da
memorização mecânica de regras gramaticais ou das características de
determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar
e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas
nas inúmeras situações de uso da língua com que depara na família,
entre amigos, na escola, no mundo do trabalho (BRASIL, 2017, p.55).
Nesse contexto, os PCN, em suas orientações complementares para o Ensino
Médio, quanto à contextualização sociocultural, apostam numa metodologia calcada no
ensino circunstanciado:
A aquisição das competências por meio de conteúdos centrados nos
conceitos anteriormente expostos deve levar o aluno a compreender
que tudo aquilo que faz, aprende e estuda faz parte de um contexto,
um recorte espaciotemporal onde têm lugar atividades e fatos
específicos. Para ultrapassar a aquisição passiva de fatos e dados e
conceitos, ele deverá adquirir a competência de relacioná-los ao
contexto, não só como consumidor, mas também como produtor de
cultura. Isso implica avaliar sua atuação em relação às variáveis que
intervêm na cultura (BRASIL, 2017, p.49).
É importante ressaltar que este artigo, bem como os PCN, não condenam o
ensino da norma culta, mas, sim, uma metodologia baseada exclusivamente nessa
variação da língua. Nesse sentido, surge a relevância do ensino da língua direcionado às
competências linguísticas, em sua totalidade, não apenas a uma vertente. Atribuir ao
ensino de língua funcionalidade diferente “é perder de vista sua totalidade e falsear a
compreensão de suas múltiplas determinações” (ANTUNES, 2007, p. 41).
Ainda sob um viés pedagógico, conforme Antunes (2010), deve-se estimular a
formação cidadã do aluno enquanto sujeito atuante socialmente, que faz uso da língua
para transitar por diversas esferas sociais. Logo, a partir dessa perspectiva, ratifica-se a
necessidade de contato com as diversas situações de uso linguístico.
Dessa forma, toma centralidade no ensino gramatical a noção de gramática
contextualizada, isto é, a “gramática a serviço dos sentidos e das intenções que se queira
manifestar num evento verbal, com vistas a uma interação qualquer” (ANTUNES, 2010,
p. 47). Nesse sentido, o estudo dos fenômenos linguísticos considera suas características
formais, bem como seus valores, funcionalidades, efeitos de sentido e quaisquer outros
aspectos circunscritos em um dado ato de materialização verbal.
Sendo assim, a próxima seção contextualizará o objeto de estudo com a
finalidade de explicitar os conceitos que o antecedem, para que assim sua sinalização no
cenário da Língua Portuguesa fique mais clara.
2 Noções preliminares ao objeto de estudo: resgate do conceito de conotação
Em Língua Portuguesa, um vocábulo possui valor prototípico e semântico.
Enquanto o primeiro diz respeito à natureza morfológica da palavra, o segundo está
associado a uma ótica contextual. Nesse sentido, uma mesma palavra pode assumir
diferentes significados e essas oscilações são reflexos do contexto no qual ela está
inserida. Nesse prisma, edifica-se o conceito de conotação, que se contrapondo à
denotação, surge como outra possibilidade de leitura. Joaquim Mattoso Câmara Júnior,
em seu Dicionário de filologia e gramática: referente à língua portuguesa define a
conotação como:
[...] parte do sentido de uma palavra que não corresponde à
significação stricto sensu, ou seja, ao valor representativo como
símbolo de um elemento do mundo biossocial, mas corresponde à
capacidade da palavra de funcionar para uma manifestação psíquica
ou apelo (CÂMARA, 1968, p.88).
No âmbito que tange às conotações, há diversos mecanismos linguísticos que
exemplificam a ideia estabelecida por esse conceito. Dentre esses recursos, destaca-se a
metáfora – objeto de estudo deste artigo. Por estabelecer comparações sem recorrer aos
conectivos, a figura de linguagem em análise, atribui aos vocábulos, novos ângulos
semânticos. Vale salientar ainda que “longe de ser um [sic] apenas um recurso literário
ou exclusivo de poetas, a metáfora está presente em nossa fala mais cotidiana. E a
frequência com que ocorre no dia a dia não deixa de ser surpreendente” (BURIGO;
MOTA; MOURA, 2012, p. 235).
Tendo em vista as explicações acima, torna-se evidente que a metáfora é um
mecanismo intrínseco ao ser humano. No entanto, mesmo utilizando esse recurso com
frequência, muitos alunos demonstram certa resistência em analisar textos metafóricos.
Nesse sentido, a próxima seção esboçará como a sequência didática em análise será
elaborada.
3 Sugestão de Sequência Didática
Como toda ciência, a linguagem apresenta adversidade: o rechaço de
informações que não são provenientes da academia. Entende-se que os conteúdos
produzidos pelo povo em manifestações artísticas, bem como no cotidiano, não podem
ser configurados como “conhecimento genuíno”. Até que ponto tudo o que a ciência
prescreve deve ser considerado como uma lei? Tal questionamento deve ser analisado,
não com a intenção de abominar a ciência e mais, especificamente, a gramática
normativa, mas, sim, com o intuito de ponderar o que está prescrito nesses compêndios.
Em conformidade com as orientações para o trabalho com gêneros textuais, uma
vez que esses “contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas no dia
a dia” (MARCUSCHI, 2007, p. 19), o presente estudo selecionou a composição Rodo
Cotidiano do grupo musical O Rappa como elemento introdutório para a sequência
didática que será construída no decorrer deste artigo. A escolha dessa música está,
intimamente, relacionada a determinados julgamentos estereotipados que a banda em
análise recebe. Dentre tais juízos, destacam-se, questões pertinentes à marginalidade, ao
consumo de drogas e ao preconceito racial.
Sendo assim, este trabalho sugere a elaboração de uma sequência didática para o
ensino da metáfora a partir de uma produção artística estigmatizada. Isso posto, esse
método de tratamento do conteúdo pretende corroborar com a eficácia de uma
abordagem circunstanciada.
3.1 Apresentação do objeto de estudo
A metáfora é configurada, vulgarmente, como uma figura de linguagem que tem
por objetivo realizar comparações sem recorrer a conectivos. No entanto, nas últimas
décadas, tal concepção foi desconstruída por intermédio de abordagens como a de
Lakoff & Johnson:
Nós descobrimos, ao contrário, que a metáfora está infiltrada na vida
cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e
na ação. Nosso sistema conceptual ordinário, em termos do qual não
só pensamos, mas também agimos, é fundamentalmente metafórico
por natureza (LAKOFF e JOHNSON apud SILVA NETO et. al,
2015, p.776).
Nesse prisma, “é importante ressaltarmos que a concepção de metáfora na
perspectiva lakoffiana ignora a concepção tradicional, a qual é defendida pela versão
aristotélica, de que a metáfora é um fenômeno que desempenha a função de ornamento”
(SILVA NETO et. al, 2015, p.776). Ao configurar-se como o objeto de estudo deste
trabalho, a metáfora necessita de um esclarecimento teórico:
Etimologicamente, o termo metáfora deriva da palavra grega
metaphorá através da junção de dois elementos que a compõem - meta
que significa “sobre” e pherein com a significação de “transporte”.
Neste sentido, metáfora surge enquanto sinônimo de “transporte”,
“mudança”, “transferência” e em sentido mais específico, “transporte
de sentido próprio em sentido figurado”. De fato, e tendo como base o
significado etimológico do termo, o processo levado a cabo para a
formação da metáfora implica necessariamente um desvio do sentido
literal da palavra para o seu sentido livre; uma transposição do sentido
de uma determinada palavra para outra, cujo sentido originariamente
não lhe pertencia (MENDES apud VEREZA, 2010, p.2).
Vereza (2010) acentua a ideia de que a metáfora está associada ao sentido
conotativo, conhecido, vulgarmente, como sentido figurado. Sendo assim, os textos
metafóricos, de forma geral, não apresentam muitas expressões denotativas.
Nesse panorama, a análise dos textos metafóricos pressupõe um caráter crítico,
bem como determinada bagagem cultural:
Isto é, a metáfora é capaz de criar, conceber e até mesmo de “parir” a
partir da interação entre os elementos que compõem a sentença
metafórica, uma operação mental, sob a concepção de que a
linguagem cria realidades e maneiras de pensar (SILVA NETO et. al,
2015, p.780).
No entanto, como já visto anteriormente, a abordagem prescritiva não enaltece
tais critérios. Dessa maneira, a ideia de interligação entre as competências linguísticas é
reforçada:
Na esteira dos novos paradigmas da atual política educacional
brasileira – que busca democratizar mais e mais o acesso à escola
tornando-a parte ativa do corpo social – o ensino da língua materna
deve considerar a necessária aquisição e o desenvolvimento de três
competências: interativa, textual e gramatical. Esse tripé,
necessariamente inter-relacionado, mesmo não sendo exclusivo da
disciplina, encontra nela os conceitos e conteúdos mais apropriados
(BRASIL, 2017, p.55).
Ainda pensando nas definições de metáfora, mais especificamente nas
conceituações apresentadas nos livros didáticos, observa-se seu engendramento como
figura de linguagem ou de estilo, limitando sua aplicabilidade exclusivamente a poetas,
identificando o estilo de um autor. Diante disso, importa destacar que:
Tal fato nos leva a conjeturar que os conceitos de metáfora, que são
apresentados nos LDPs, não contemplam as teorias e os estudos que
surgiram sobre essa figura de estilo, por isso a metáfora acaba sendo
(re)conhecida pela maioria dos alunos e professores como um simples
recurso ornamental da linguagem e é muitas vezes estudada apenas
nas aulas de literatura (SILVA NETO et. al, 2015, p. 775).
Nota-se, com base nesse pressuposto, que a resistência observada entre os alunos
para com os textos metafóricos é compreensível, sobretudo frente à noção de
distanciamento da metáfora nas práticas comuns de uso linguístico, devido à idealização
de que se trata de um dom particular de grandes compositores. No entanto, por ser uma
figura de linguagem de extrema relevância no aperfeiçoamento da competência
linguística de uma pessoa, esse estudo não deve ser negligenciado.
Observa-se, portanto, que o ensino de metáfora sob uma ótica, restritamente,
tradicional potencializa o bloqueio que os estudantes expressam em interpretar textos
metafóricos. Com base nisso, a próxima seção abarcará algumas atividades relacionadas
ao ensino da metáfora a fim de oferecer alternativas que minimizem a lacuna entre esse
conteúdo e o corpo discente.
3.2 Apresentação da Sequência Didática
Como a finalidade deste trabalho é elaborar uma sequência didática, o conceito
teórico acerca desse termo torna-se imprescindível. No que tange a esse conceito,
Marcuschi (2008), no livro Produção de texto, análise de gêneros e compreensão, diz
que “o modelo das sequências didáticas segue os princípios gerais da linguística textual.
E, nesse nível, podem ser tratados todos os problemas da textualidade interligadamente
com o dos gêneros textuais” (2008, p.8).
No que diz respeito à relevância dos gêneros textuais na sala de sala, os PCN
também acreditam no êxito dessa postura:
Os textos são a concretização dos discursos proferidos nas mais
variadas situações cotidianas. O ensino e a aprendizagem de uma
língua não podem abrir mão dos textos, pois estes, ao revelarem usos
da língua e levarem a reflexões, contribuem para a criação de
competências e habilidades específicas (BRASIL, 2017, p.58).
Além de corroborar com a necessidade de explorar um conteúdo por intermédio
de gêneros textuais, Marcuschi valoriza a ideia dos gêneros estarem, sempre, associados
a uma circunstância palpável, conforme reitera o autor, no mesmo livro:
Como os gêneros se acham sempre ancorados em alguma situação
concreta, particularmente os orais, os autores julgam plausível partir
de situações claras para trabalhar a oralidade. Assim, sendo o texto um
evento singular e situado em algum contexto de produção, seja ele oral
ou escrito, no ensino, é conveniente partir de uma situação e
identificar alguma atividade a ser desenvolvida para que se inicie uma
comunicação (2008, p. 212).
Em diálogo com as considerações de Marcuschi (2008), a autora Bezerra (2007)
sinaliza um cenário de renovações metodológicas, na medida em que a abordagem dos
gêneros textuais em sala de aula favoreça maior percepção discente quanto à
funcionalidade da língua, a saber:
O estudo de gêneros textuais pode ter consequência positiva nas aulas
de língua portuguesa, pois leva em conta seus usos e funções numa
determinada situação comunicativa. Com isso, as aulas podem deixar
de ter um caráter dogmático e/ou fossilizado, pois a língua a ser
estudada se constitui de formas diferentes e específicas em cada
situação e o aluno poderá construir seu conhecimento na interação
com o objeto de estudo, mediado por parceiros mais experientes
(BEZERRA, 2007, p. 39).
A fim de comprovar a eficácia da abordagem de um conteúdo por meio da
análise de um gênero textual, a sequência didática aqui elaborada analisará o seu objeto
de estudo – a metáfora, por meio do gênero textual música. O modelo de Marcuschi
(2008) para o trabalho com gêneros textuais prevê: (i) a apresentação da situação; (ii) a
produção inicial; (iii) os módulos; e (iv) a produção final. Nossa proposta possui a
seguinte representação esquemática, com base nas atividades sugeridas:
A partir do fluxograma, pode-se observar que serão desenvolvidas três
atividades para o ensino desse conteúdo, com base em Franchi (1991): a linguística, a
epilinguística e a metalinguística.
A fase (i) distribui-se, segundo Marcuschi (2008), em duas dimensões: a decisão
do gênero para o trabalho e o seu contexto de produção (audiência, modalidade, meio de
circulação) e a seleção do(s) conteúdo(s) desenvolvido(s). A escolha do gênero textual
é um aspecto importante, uma vez que essa etapa da sequência pressupõe um “[...]
exercício pleno, circunstanciado e com intenções significativas da própria linguagem
[...]” (FRANCHI, 1991, p.35). Com o propósito de atender a essa particularidade, foi
Fluxograma 1 – Representação esquemática de SD para o ensino de metáfora Fonte: Elaborada pelas autoras
trazida para essa sequência didática, a produção textual Rodo Cotidiano, elaborada pelo
grupo carioca O Rappa.
Rodo Cotidiano
O Rappa
Ô Ô Ô Ô Ô my brother (4x)
É...
A ideia lá comia solta
Subia a manga amarrotada social
No calor alumínio nem caneta nem papel
Uma ideia fugia
Era o rodo cotidiano (2x)
Espaço é curto quase um curral
Na mochila amassada uma quentinha abafada
Meu troco é pouco, é quase nada (2x)
Ô Ô Ô Ô Ô my brother (4x)
Não se anda por onde gosta
Mas por aqui não tem jeito, todo mundo se encosta
Ela some é lá no ralo de gente
Ela é linda, mas não tem nome
É comum e é normal
Sou mais um no Brasil da Central
Da minhoca de metal que corta as ruas
Da minhoca de metal
É... como um concorde apressado cheio de força
Que voa, voa mais pesado que o ar
E o avião, o avião, o avião do trabalhador
Ô Ô Ô Ô Ô my brother (4x)
É... espaço é curto quase um curral
Na mochila amassada uma vidinha abafada
Meu troco é pouco, é quase nada (2x)
Não se anda por onde gosta
Mas por aqui não tem jeito, todo mundo se encosta
Ela some é lá no ralo de gente
Ela é linda, mas não tem nome
É comum e é normal
Sou mais um no Brasil da Central
Da minhoca de metal que entorta as ruas
Da minhoca de metal que entorta as ruas
Como um Concorde apressado cheio de força
Voa, voa mais pesado que o ar
E o avião, o avião, o avião do trabalhador
Ô Ô Ô Ô Ô my brother (4x)
Definido o gênero, optou-se por selecionar o conteúdo metáfora como tópico a
ser desenvolvido na aula. A primeira parte da análise que empreenderemos consiste em
contextualizar o gênero escolhido: o gênero textual música. Portanto, é necessário
realizar, inicialmente com os alunos, o estudo do gênero textual, conforme os critérios
dispostos por Marcuschi (2008) para análise de gêneros: função social, forma e situação
de produção.
Sobre a função social da música, convém mencionar as várias funcionalidades
desse gênero textual, uma vez que pode servir para sensibilizar através da arte,
proporcionar divertimento e, no caso da seleção musical escolhida neste estudo,
promover críticas sociais, com vistas à reflexão do leitor.
A estrutura formal do texto é demarcada por versos, estrofes, rimas e refrão.
Posteriormente, o professor deve instigar o aluno a vincular essas características a um
gênero específico. É importante ressaltar que o aluno deve ter acesso ao texto na íntegra.
Acerca da situação de produção, importa destacar que O Rappa é uma banda
brasileira que une diversos estilos musicais, como, reggae, rock e MPB. Em sua
totalidade, as composições desse grupo abordam temáticas de cunho social e apresentam
fortes traços metafóricos. No entanto, tais características são transpostas para a letra
com vocábulos atuais e até mesmo gírias – recurso linguístico que agrada aos
adolescentes, de forma geral, e com uma melodia excêntrica e típica da cidade do Rio
de Janeiro. A presença de tais aspectos fomenta a tendência a um público alvo: os
jovens.
A próxima fase solicita a primeira produção, em que se realizará um trabalho de
discussão oral sobre imagens que retratam o cenário evidenciado pela canção. Estrutura-
se uma sensibilização inicial, na qual o professor irá expor fotografias que retratam as
metáforas presentes na música. A gravura abaixo, por exemplo, simboliza a ideia
estabelecida por diversas expressões metafóricas da composição:
Figura 1-Fotografia de contextos sociais reais
“[...] O espaço é curto quase um curral [...]”.
“[...] Não se anda por onde gosta, mas por aqui não tem jeito todo mundo se
encosta [...]”.
“[...] Sou mais um no Brasil da Central da minhoca de metal que corta as
ruas [...]”.
É necessário pontuar que a imagem acima é apenas um exemplo, uma vez que as
figuras expostas aos alunos podem variar bastante. Dessa maneira, o professor deve
considerar o ponto de vista do estudante, desde que esse não fuja à ideia central
delineada pelo termo metafórico ao qual a fotografia apresentada remete.
Passa-se, em seguida, à fase de módulos, subdividida em módulo I, II e IIII, a
partir do desenvolvimento de atividades linguística, epilinguística e metalinguística,
respectivamente. Tendo em vista que as tarefas aqui construídas serão destinadas a
alunos do primeiro ano do Ensino Médio, a composição em análise representa uma
atividade linguística, uma vez que se verificam usos linguísticos contextualizados a esse
público. Dentro do modelo da produção textual, a música pode estar concomitantemente
inserida na modalidade escrita e oral.
Quando a atividade linguística estiver bem concretizada na percepção do aluno,
o professor deve introduzir a atividade epilinguística. Franchi, em seu livro Criatividade
e gramática, define a atividade epilinguística da seguinte maneira:
Trata-se de levar os alunos desde cedo a diversificar os recursos
expressivos com que falam e escrevem e a operar sobre sua própria
linguagem, praticando a diversidade dos fatos gramaticais de sua
língua. [...] Chamamos de atividade epilinguística a essa prática que
opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma-
as, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca
com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas
significações. Não se pode ainda falar de "gramática" no sentido de
um sistema de noções descritivas, nem de uma metalinguagem
representativa como uma nomenclatura gramatical. Não se dão nomes
aos bois nem aos boiadeiros. O professor, sim, deve ter sempre em
mente a sistematização que lhe permite orientar e multiplicar essas
atividades (Franchi,1991, p.36 e p.37).
Nessa ótica, deve ser abordado o impacto dos termos metafóricos na produção
de sentido da música. Em Rodo Cotidiano, a composição em análise, são verificadas
diversas expressões metafóricas, como: calor alumínio, curral, troco, minhoca de metal,
concorde, avião do trabalhador, rodo cotidiano, entre outras.
Ao analisar o termo calor alumínio, por exemplo, o aluno deve pesquisar sobre
esse elemento químico, executando, assim, uma tarefa extratextual. Por meio dessa
atividade, ele perceberá que esse metal é configurado como um ótimo condutor de calor.
Dessa maneira, o vocábulo alumínio, nessa construção, potencializa a temperatura
mencionada na música.
Por fim, na identificação de outros termos metafóricos, os alunos poderão
concluir que se trata da rotina de um trabalhador que vive em uma metrópole e utiliza o
trem como transporte diário para chegar até o seu emprego.
A proximidade entre o aluno e o conteúdo programático, descrita acima,
contribui para romper a resistência do corpo discente para com a análise de textos
metafóricos. É interessante acrescentar que a atividade epilinguística funciona como um
alicerce para a elaboração da metalinguística, uma vez que ela:
[...] abre as portas para um trabalho inteligente de sistematização
gramatical. Porque é somente sobre fatos relevantes de sua língua
(relevantes = carregados de significação) que o aluno de gramática
pode fazer hipótese sobre a natureza da linguagem e o caráter
sistemático das construções linguísticas, e pode um dia falar da
linguagem, descrevê-la em um quadro nocional intuitivo ou teórico
(Franchi, 1991, p.37).
Sendo assim, após a realização da atividade epilinguística, estrutura-se, sob um
viés teórico gramatical, a metalinguística, que se preocupa em analisar o código a partir
dele mesmo, necessitando, assim, de um aparato gramatical.
Nessa etapa da sequência didática, é necessário que o aluno identifique o
conceito de metáfora, contrapondo-o, formalmente, à definição de comparação para,
assim, adquirir conhecimento mais teórico de modo a conseguir progredir em outras
análises de uso, em outras músicas ou em outras materializações verbais de uso
linguístico. Esse exercício de teorização remete à ideia de atividade metalinguística
definida por Franchi:
Como resultado de uma larga familiaridade com os fatos da língua,
como decorrente de uma necessidade de sistematizar um "saber"
linguístico que se aprimorou e que se tornou consciente e com a
questão fundamental sempre em mente: a questão da significação, não
somente no sentido de uma representação do mundo, mas no sentido
também de uma ação pela linguagem sobre os interlocutores,
dependente do modo e estilo com que nos servimos dela e de seus
múltiplos recursos de expressão (Franchi, 1991, p.37).
A elaboração da atividade linguística e epilinguística, anteriormente, ao
desenvolvimento da metalinguística, é de extrema importância para a aprendizagem
efetiva de qualquer conteúdo, visto que introduzir uma matéria pela sistematização pode
produzir um saber mecanizado. Nesse conhecimento robótico, quando o aluno é
colocado em uma circunstância que exija uma percepção diferente da que lhe foi
condicionada, ele demonstra muitas dúvidas.
Neste último momento, como o aluno já conhece as especificidades de cada
atividade – da linguística, da epilinguística e da metalinguística, o professor deve
sugerir uma produção final, que será elaborada a partir das particularidades que
compõem o gênero musical. Quanto ao desenvolvimento dessa fase, Marcuschi, no livro
Produção de texto, análise de gêneros e compreensão diz:
Aqui o aluno obtém um controle sobre sua própria aprendizagem e
sabe o que fez, por que fez e como fez. Aprende a regular suas ações e
suas formas de produção e seleção do gênero de acordo com a
situação em que ele pode ser produzido. Essa avaliação deve levar em
conta tanto os progressos do aluno como tudo o que lhe falta para
chegar a uma produção efetiva de seu texto segundo o gênero
pretendido (2008, p. 216).
Uma vez que a produção inicial focou no trabalho com a modalidade oral,
sugerindo que o aluno expusesse suas considerações sobre como a música, por meio de
metáforas, aborda questões cotidianas que precisam de reflexão, solicita-se que, na
produção final, o aluno selecione imagens que descrevam situações cotidianas
metaforizadas na música Rodo Cotidiano para expô-las na aula seguinte. Uma sugestão
é motivar os estudantes a investigar se tais cenários podem ser verificados em seu dia a
dia. Em caso de afirmativa para essa indagação, eles podem usar a fotografia como
forma de registro.
Nossa proposta corresponde a um período de, aproximadamente, dois encontros
para seu desenvolvimento. Todavia, novas sequências ou adaptações a esta podem ser
realizadas, de modo a investigar outros gêneros ou sugerir outras formas de produção
textual. Conforme discorreu-se ao longo do trabalho, a abordagem em que se pauta a
metodologia é circunstanciada. Logo, facilmente adaptável a realidades escolares
específicas, que poderão requerer mudanças didático-pedagógicas tendo em vista as
suas particularidades.
Considerações Finais
Ao analisar este trabalho, em sua totalidade, torna-se evidente que o ensino
prescritivo e descontextualizado não é um método eficiente, pois transforma a língua em
algo abstrato e cria um bloqueio entre o conteúdo programático e o discente. Dessa
maneira, o aluno acredita fielmente nas regras da gramática normativa e,
simultaneamente, não as consegue empregar em situações cotidianas de comunicação.
Nesse cenário, o ensino de Língua Portuguesa e, consequentemente da metáfora,
torna-se maçante e, por vezes, repugnante. A fim de desconstruir tal panorama, é
importante que o professor equilibre sua metodologia de maneira que não vanglorie a
norma culta e nem menospreze os reais contextos de produção do aluno.
Este artigo demonstra que as atividades elaboradas a partir de gêneros textuais –
as sequências didáticas - alcançam essa constância metodológica. É importante salientar
que o ato de questionar, desenvolvido a partir do olhar crítico sob um gênero textual, é
imprescindível para que o discente compreenda os alicerces que sustentam a
sistematização gramatical. Nesse prisma, nota-se que o ensino de gramática auxilia na
manutenção da língua materna, visto que todo falante possui uma gramática interna.
Sendo assim, a Gramática Tradicional apenas oferece uma possibilidade para a
postura comunicativa. Por essa razão, um conteúdo gramatical deve ser ensinado de
maneira contextualizada e por meio de gêneros textuais, para que o aluno compreenda a
formulação das regras gramaticais e saiba se adequar em círculos comunicativos que
requerem diferentes níveis de linguagem.
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