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1 O ENSINO DE GEOGRAFIA A PARTIR DA PERCEPÇÃO DO ESPAÇO DE VIVÊNCIA DO EDUCANDO André Aparecido Alflen 1 Victor da Assunção Borsato 2 RESUMO. Pretende-se a partir da concepção da Geografia Cultural, em sua vertente fenomenológica, desenvolver o ensino da Geografia a partir da percepção do espaço de vivência do educando, que pode ser o seu bairro, sua comunidade ou mesmo o seu município. A proposta de intervenção teve como objetivo analisar a compreensão do educando em relação ao seu espaço de vivência, utilizando-se de instrumentos como pesquisas, entrevistas, mapas mentais e outros recursos como desenho e a fotografia. Estes instrumentais e referenciais teóricos foram utilizados como um diagnóstico para verificar o nível de compreensão do educando em relação ao seu espaço local, bem como verificar os sentimentos de topofilia e topofobia em relação ao colégio e ao bairro. As interpretações dos dados da percepção possibilitaram uma compreensão mais estruturada do espaço de vivência. Esta compreensão da dinâmica do espaço local possibilita o desenvolvimento do ensino de geografia de forma contextualizada, trabalhando com temas extraídos da sua vivência e da sua realidade. O entendimento de conceitos tradicionais da ciência geográfica como, espaço geográfico, paisagem, territórios, urbanização entre outros também se efetivam com mais facilidade quando desenvolvidos a partir da 1 Professor integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), licenciado em Geografia pela FECILCAM. Educador do Ensino Fundamental e Médio da rede pública do Estado do Paraná lotado no Colégio Estadual de Campo Mourão, município de Campo Mourão. [email protected]. 2 Orientador Professor Adjunto do Departamento de geografia da FECILCAM de Campo Mourão. [email protected]

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O ENSINO DE GEOGRAFIA A PARTIR DA PERCEPÇÃO DO

ESPAÇO DE VIVÊNCIA DO EDUCANDO

André Aparecido Alflen1

Victor da Assunção Borsato2

RESUMO.

Pretende-se a partir da concepção da Geografia Cultural, em sua vertente

fenomenológica, desenvolver o ensino da Geografia a partir da percepção do espaço

de vivência do educando, que pode ser o seu bairro, sua comunidade ou mesmo o

seu município. A proposta de intervenção teve como objetivo analisar a

compreensão do educando em relação ao seu espaço de vivência, utilizando-se de

instrumentos como pesquisas, entrevistas, mapas mentais e outros recursos como

desenho e a fotografia. Estes instrumentais e referenciais teóricos foram utilizados

como um diagnóstico para verificar o nível de compreensão do educando em relação

ao seu espaço local, bem como verificar os sentimentos de topofilia e topofobia em

relação ao colégio e ao bairro. As interpretações dos dados da percepção

possibilitaram uma compreensão mais estruturada do espaço de vivência. Esta

compreensão da dinâmica do espaço local possibilita o desenvolvimento do ensino

de geografia de forma contextualizada, trabalhando com temas extraídos da sua

vivência e da sua realidade. O entendimento de conceitos tradicionais da ciência

geográfica como, espaço geográfico, paisagem, territórios, urbanização entre outros

também se efetivam com mais facilidade quando desenvolvidos a partir da

1 Professor integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), licenciado em Geografia

pela FECILCAM. Educador do Ensino Fundamental e Médio da rede pública do Estado do Paraná

lotado no Colégio Estadual de Campo Mourão, município de Campo Mourão.

[email protected].

2 Orientador Professor Adjunto do Departamento de geografia da FECILCAM de Campo Mourão. –

[email protected]

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perspectiva da percepção e da sua compreensão destes. O ensino de geografia na

perspectiva da geografia cultural, ao abordar os dados da percepção e dos saberes

do senso comum, descortina a possibilidade de transformá-los em conceitos

científicos, contribuindo para a formação de cidadãos críticos e atuantes na

transformação da realidade social.

Palavras Chave: Percepção. Espaço de Vivencia. Topofilia. Topofobia. Espaço

geográfico.

Abstract

It is intended from the conception of cultural geography in its phenomenological develop teaching of geography from the perception of living space, the student, who can be your neighborhood, your community or even your city. The proposed intervention aims to analyze the student's understanding in relation to their living space, using tools such as surveys, interviews, concept maps and other resources such as drawing and photography. These instrumental and theoretical frameworks were used as a diagnostic to verify the understanding level of the learner in relation to their local area, and to discover the feelings of “topofilia” and “topofobia” in according to the college and the neighborhood. With the interpretations of the data of perception would be possible a more structured living space. This understanding of the dynamics of local space enables the development of geography teaching in context, working with themes drawn from their experience, their reality. The understanding of traditional concepts of geography and science, geographic area, landscape areas, urbanization and others also are characterized as more easily developed from the perspective of perception and their understanding of these. The teaching of geography in the perspective of cultural geography in addressing the data of perception and knowledge of common sense, opens the possibility of changing these into scientific concepts, contributing to the formation of a critical and active in the transformation of social reality.

KEY WORDS: Percepção. Espaço de Vivencia. Topofilia. Topofobia. Espaço

geográfico.

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INTRODUÇÃO

O Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. implementado pela

Secretaria de Estado e Educação do Estado do Paraná - SEED, criado para ampliar

as possibilidades dos professores da SEED de buscar novos conhecimentos e

avançar na carreira. Para o ingresso no programa, o professor candidato deve

apresentar um projeto de intervenção pedagógica, aplicável em sala de aula, além

de prestar um teste de conhecimentos para efeito classificatório.

Os resultados apresentados neste artigo foram obtidos a partir da aplicação

da proposta: “O Ensino de Geografia a Partir da Percepção do Espaço de Vivência

do Educando” aplicado no Colégio Estadual de Campo Mourão, durante o ano letivo

de 2009. Utilizando-se como aporte epistemológico a vertente cultural da geografia a

qual se fundamenta no método fenomenológico, ou seja, busca resgatar no

processo de organização do espaço geográfico as ações individuais, recuperando a

ação do indivíduo no ensino da geografia.

Apesar da vasta bibliografia consultada, não se encontram autores que

trabalham especificamente com o espaço de vivencia do aluno. A fundamentação

teórica é uma pequena revisão bibliográfica que reporta as principais concepções

produzidas enfocando a temática.

A pesquisa foi estruturada em quatro etapas principais e todas

fundamentadas no espaço de vivência dos educandos das 8ª Séries. A primeira

etapa constou da aplicação de uma pesquisa escrita, seguida de entrevistas, sendo

que seu objetivo foi de diagnosticar a percepção do educando em relação ao seu

espaço de vivência.

Na segunda etapa, os educandos elaboram mapas mentais do seu bairro ou

de sua comunidade, cujo objetivo foi investigar a compreensão do espaço de

vivência, para posteriormente desenvolver atividades de análise visando uma

compreensão mais estruturada do seu espaço local.

A terceira etapa, desenvolvida através da representação dos aspectos

positivos ou negativos da paisagem bonita ou feia do bairro e do colégio a partir do

desenho. Essa atividade teve como objetivo analisar os sentimentos de afetividade

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em relação com o seu espaço local. Além do recurso do desenho foi também

utilizado a fotografia que pode representar com mais fidelidade os sentimentos de

topofilia e de topofobia.

Aplicação da Unidade Didática “Espaço Urbano: Espaço de Consumo ou de

Cidadania” se constituiu na quarta etapa, sendo esta desenvolvida especificamente

com a finalidade de contemplar a percepção dos educandos, verificada nas etapas

anteriores através de textos e atividades de análise com o objetivo de desenvolver e

aprofundar a compreensão sobre o espaço urbano local, ampliando posteriormente

para escalas mais amplas.

Os textos da Unidade Didática foram fundamentados em diversos autores,

principalmente aqueles que exploram o tema urbanização, problematizando a partir

das contradições existentes no espaço urbano de Campo Mourão. Pautando esta

análise na evolução do modo capitalista de produção e como este contribuiu ao

longo do tempo, para a formação do espaço urbano local e nacional.

As pesquisas desenvolvidas e os dados levantados sobre o espaço de

vivência nas três primeiras etapas, foram desenvolvidos com atividades que as

complementaram e permitiram ao educando uma análise dos problemas vivenciados

em sua comunidade, suas prováveis origens e as possíveis soluções.

Os educandos que participaram das atividades propostas no projeto se

encontram numa faixa etária entre 13 e 16 anos e cursando a 8ª séries D e E, sendo

que destes, 27 são meninas e 22 meninos. É importante salientar que, de acordo

com Tuam (1980), existem diferenças sutis na percepção entre o gênero masculino

e feminino. O conhecimento destas diferenças contribuem para uma análise e

compreensão detalhada da percepção humana do espaço geográfico.

A realização e aplicação do projeto mostraram resultados satisfatórios,

principalmente porque, além dos objetivos terem sido alcançados, no final da

aplicação já se pode constatar evolução na participação e nas notas bimestrais dos

alunos envolvidos.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Geografia Humanista Cultural em seu aporte epistemológico desenvolve a

questão da subjetividade e da intersubjectividade que podem se constituir em

saberes científicos, democratizando assim os conhecimentos científicos, que

historicamente foram privilégio da minoria. Desta forma, esta proposta pressupõe,

além de desenvolver a capacidade de análise pelo educando, o de se compreender

como sujeito histórico na organização do espaço geográfico e de forma ativa, de

tornar-se protagonista do processo de ensino-aprendizagem. A partir do momento

que o conhecimento geográfico a ser desenvolvido vem da sua vivência, da sua

percepção como sujeito histórico e social em relação à sociedade ou sua

comunidade. A proposta metodológica proporciona maior significado e importância

para o educando porque o conhecimento não é imposto, mas desenvolvido a partir

de sua realidade, de sua vivência.

Ensinar Geografia pressupõe desenvolver e ampliar a capacidade de “leitura

do mundo”, do espaço geográfico, para que o educando possa compreender através

da sua vivência as múltiplas relações sociais e naturais que se estabelecem no

espaço geográfico.

O ensino de geografia fundamentado nestes pressupostos deve perseguir o

objetivo da compreensão dos educandos como sujeitos históricos, protagonistas de

ações que podem modificar a realidade em seus múltiplos aspectos, sejam

mudanças positivas ou negativas para a comunidade. Uma perspectiva de ensino

centrada nesta concepção deve considerar também o educando como sujeito ativo

do processo de ensino aprendizagem, e não como receptor passivo ou mero

expectador deste processo.

A análise de como o educando compreende o seu espaço de vivência

pressupõe uma metodologia que possa, de forma mais efetiva, dar conta de vários

fatores que se interpõe no espaço geográfico (sociais, econômicos e políticos) e

principalmente na forma como conhecimento subjetivo do aluno, e a percepção

deles pode estar permeada pelo aprendizado cultural e pelo imaginário pessoal e

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coletivo. Neste sentido, uma proposta de geografia que analisa o espaço de vivência

do educando contribui de forma mais eficaz para o ensino desta ciência.

A Geografia Cultural em sua vertente fenomenológica é um movimento

recente dentro do pensamento geográfico. Surgiu a partir da década de 1970, como

alternativa, as duas correntes majoritária deste período: a Nova Geografia e a

Geografia Crítica ou Radical, de base epistemológica Marxista. Embora esta

vertente do pensamento geográfica esteja posta em debate já há algum tempo, a

fenomenologia como fundamento epistemológico da Geografia ainda não foi

plenamente aceita no mundo acadêmico, necessitando ainda de muitos estudos e

debates para se concretizar como proposta teórica metodológica, como afirma

Correia (2008):

“... Mas ainda muitos questionamentos devem ser feitos nesse sentido, pois a própria fenomenologia não é muito divulgada e aceita nos meios acadêmicos no geral e na geografia ela está para ser elaborada. Muitas reflexões ainda se fazem necessárias, desde seu posicionamento epistêmico-filosófico até sua composição teórico-metodológica. Portanto muitos estudos devem ser realizados para a participação efetiva da geografia no novo projeto da sociedade atual

(Correia 2008 p.7)”

O pensamento cultural e a cultura se fizeram presentes desde o início do

processo de sistematização da Ciência Geográfica, ocorridos no século XIX na

Europa, embora a concepção positivista adotada pela geografia dificultasse o

tratamento destas questões, uma vez que os conceitos culturais não pudessem ser

trabalhados com a objetividade que esta abordagem requeria. Isso porque o

pensamento cultural não é fácil de ser mensurado como o que se exigiam os

postulados positivistas adotados pelos primeiros pensadores para que a geografia

tivesse o status de ciência.

Os primeiros fundamentos epistemológicos da Ciência Geográfica, como os

difundidos por Vidal de La Blache e Friedrich Ratzel, (Claval 2001) ao estudar a

relação dos homens com o meio em que vivem, abordam componentes culturais,

embora na maioria dos postulados geográficos houvesse um predomínio do

ambiente natural sobre o ser humano. Ainda segundo Claval (2001 p 22), “a cultura

em Ratzel é analisada, sobretudo pelos aspectos materiais, ou seja, os artefatos

produzidos pelo ser humano em sua relação com o espaço”, Em seus estudos sobre

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a América do Norte priorizando as condições econômicas desta região foi

introduzido o termo “Geografia Cultural” no ano de 1880.

Vidal de La Blache, através da noção de Gêneros de Vida desenvolveu a

noção de cultura como “aquilo que se interpõe entre o homem o meio e a

humanização das paisagens” (Claval 2001 p.35). Também como comportamento

que se adquirem ao longo do tempo com relação à natureza, para retirar dela sua

sobrevivência, ou seja, o grupo possui técnicas e artefatos para explorar o meio,

mas também desenvolvem relações sociais e de identidade que estão relacionadas

com os aspectos ecológicos e com a forma com que se relacionam com este

espaço.

O pensamento cultural em geografia ganhou novo impulso com os trabalhos

desenvolvidos por Carl Sauer (CLAVAL 2001), na escola norte americana de

Berqueley, que adota a paisagem como conceito chave de análise geográfica, sendo

que este conceito leva em conta os aspectos culturais. Na visão deste autor, os

componentes culturais são analisados de acordo com as técnicas desenvolvidas

pelas sociedades para se relacionar com natureza e retirar dela o seu sustento.

De acordo com Claval (2002) o declínio da geografia cultural tradicional nos

anos 50 e 60 do século XX deve-se ao fato que esta se ateve a produção material

das sociedades, analisando as paisagens e sua formação de acordo o modelo de

produção e através das marcas dos sistemas produtivos, negligenciando os

sistemas de comunicação, dos signos, dos símbolos e das trocas culturais. Neste

aspecto, devido às mudanças econômicas, sociais, políticas e tecnológicas que

processava neste período exigiam novas posturas do conhecimento científico. Desta

forma a geografia cultural sofreu um acentuado declínio, ganhando destaque a

geografia quantitativa ou pragmática, que se utilizando de modelos matemáticos e

estatísticos, configura-se como proposta dominante, bem ao gosto das empresas

multinacionais e dos Estados Nacionais no domínio e controle do território.

A geografia quantitativa ou teorética como foi denominada, de orientação

estadunidense se difundiram rapidamente pelo mundo, devido principalmente ao

domínio imperialista norte-americano, como afirma Moreira (1981)

“Sua rápida e ampla mundialização revela o substrato que lhe dá substancia: a mundialização do capital. Sua origem nos Estados Unidos revela seu caráter mais preciso: a hegemonia mundial do

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capitalismo americano. Sua expressão mundial revela nova face do imperialismo: as empresas multinacionais (MOREIRA, 1981, p. 43)”

Os métodos da Geografia Tradicional pautados na observação empírica e nas

descrição das paisagens e dos lugares evidenciavam a crise do pensamento

geográfico, ou seja, a metodologia utilizada pela geografia positivista foi insuficiente

para explicar a nova realidade do desenvolvimento capitalista monopolista, que

agora tinha como território de atuação, não apenas o Estado Nacional, mas todo o

mundo, devido às novas tecnologias e avanços nos meios de transporte e de

comunicação, que facilitavam as trocas comerciais internacionais. Esta crise da

Geografia Tradicional favoreceu a ascensão da corrente denominada “Nova

Geografia”.

A Crise de 1929, abalou os fundamentos econômicos do liberalismo e desta

forma o Estados Nacionais atuavam fortemente na economia, planejando e

intervindo na organização do território, visando uma exploração racional com

objetivos econômicos, fortalecendo o modelo estatal e também favorecendo a ação

das empresas privadas, que se beneficiavam desta ação expandindo suas

atividades e apoiadas nas políticas governamentais de desenvolvimento econômico.

Deste modo, os métodos da Geografia Tradicional tornaram se insuficientes

para explicar esta nova realidade assentada no capitalismo monopolista, no qual

ações das empresas multinacionais exigiam novas estratégias para atuação e

domínio do espaço, agora em escala mundial.

A partir da década de 1970, o conhecimento geográfico vive um processo de

renovação, de intensos debates internos, que teve início com a crise da Geografia

Tradicional, já verificada a partir de meados da década de 1950. Esta crise do

pensamento tradicional se verifica pelas mudanças ocorridas no modo de produção

capitalista concorrencial, no qual os fundamentos e as formulações deste campo

disciplinar foram erigidos.

O processo de renovação do pensamento geográfico na década de 1970

ocorreu de forma dual, refletindo a oposição entre duas correntes majoritárias deste

processo: a Geografia Pragmática ou Quantitativa, que se pautava no neo-

positivismo e se utilizava de métodos e modelos matemáticos quantitativos e nas

novas tecnologias; e a vertente crítica que se pauta no legado do materialismo

histórico proposto por Karl Marx. A designação de Geografia Crítica vem da postura

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radical que assumem os geógrafos em relação à Geografia Tradicional e a

sociedade, pensando a sua transformação.

Desta forma na década de 1970, os estudos culturais em geografia foram

retomados sob novas perspectivas de abordagens geográficas, que adotando a

perspectiva epistemológica da fenomenologia, se dedicaram aos estudos da

interpretação do espaço vivido, dos sentidos dos lugares, do sentimento de

identidade, como afirma Claval (2001): “É necessário conhecer a lógica profunda

das idéias, das ideologias ou das religiões para perceber como elas modelam as

experiências que as pessoas têm do mundo e como influem sobre sua ação (Claval

2001p 53)”.

A Geografia da Percepção ou Comportamentalista tem sua origem na

vertente pragmática, mas com os avanços teóricos das últimas décadas se

diferencia desta, constituindo numa alternativa para os geógrafos que buscam uma

geografia que contemple a perspectiva do sujeito em relação ao espaço geográfico,

diferenciando-se da concepção epistemológica de origem.

Os estudos da percepção ambiental e dos valores surgiram nos anos de

1970, como alternativa epistemológica a partir das duas principais tendências

dominantes do chamado Processo de Renovação do Pensamento Geográfico. Neste

período, o embate se dava entre a Geografia Pragmática ou Quantitativa de

orientação neo-positivista e a Geografia Crítica ou Radical, com embasamento

teórico no materialismo histórico.

De acordo com Amorim Filho (1999), estas duas vertentes do pensamento

geográfico desconsideram, pelo excesso de teorização e abstração, a realidade

concreta e sua representação mental:

“...na verdade, muitos geógrafos (e não geógrafos) começaram a buscar nos estudos de percepção ambiental uma nova alternativa epistemológica. É que a maior parte dos trabalhos desenvolvidos na Geografia e em ciências afins, nos anos sessenta e no início dos setenta, era direcionada por duas orientações epistemológicas poderosíssimas: de um lado, a quantificação, a racionalização e a sistematização dos neo-positivistas; de outro, o materialismo e o economismo dos neo-marxistas. Ambas as correntes, em suas manifestações extremas, conduziam a um excesso de abstração e de teorização. O contato com a realidade concreta e com as representações que dela fazem os homens foi relegada a um plano secundário por ambas as correntes dominantes. Pelo fato de criticar essas duas correntes e de preconizar a priorização não mais apenas de um conhecimento pretensamente objetivo e/ou teórico, mas, sim,

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das percepções, representações, atividades e valores dos homens em geral, os estudos de percepção ambiental foram incluídos em um grande movimento que recebeu, na década de 70, o nome de "Geografia Humanística (AMORIM FILHO 1999 online)”.

Assim, na década 1960, pela redescoberta da obra de Eric Dardel, “(L’Homme

et la terre, nature de la réalite géografhique” (1952) e pela sua influência, a geografia

cultural é retomada e a fenomenologia foi adotada pela maioria desses autores, que

buscaram uma análise e uma descrição direta da experiência das pessoas, com um

mínimo de preconceito possível, transformando em saberem geográficos (Claval

2001). O termo Geografia Humanista foi introduzido em 1976 pelo geógrafo sino-

americano Yi-Fu Tuam, o qual trouxe importantes contribuições para a geografia ao

desenvolver estudos da percepção e de como os sentimentos de afetividade

(topofilia) ou de repulsa ou medo (topofobia), influenciam a nossa visão do mundo e

da sociedade (Claval, 2001). Essa nova corrente preocupa-se com a importância do

espaço vivido, das representações religiosas, do imaginário social e enfim, com o

aprofundamento do estudo da realidade cultural:

“A nova corrente aparece como um dos componentes indispensáveis de toda “démarche” geográfica. Insistindo sobre os sentidos dos lugares, sobre a importância do vivido, sobre o peso das representações religiosas, torna indispensável um estudo aprofundado das realidades culturais. É necessário conhecer a lógica profunda das idéias, das ideologias ou das religiões para ver como elas modelam a experiência tem do mundo e como influem sobre sua ação (CLAVAL 2001 p. 53)”.

A vertente cultural de base fenomenológica, embora incipiente dentro do

pensamento epistemológico da geografia, pôde se constituir numa abordagem

conceitual e metodológica eficaz, na atualização da ciência geográfica e no avanço

do pensamento geográfico, como afirma Correia (2006).

“Deste ponto, podem-se estabelecer parâmetros científicos para a

ciência geográfica, visto que o espaço percebido pode ser identificado e qualificado de várias maneiras a serem ordenadas em raciocínio geográfico. Esta pode constituir-se em abordagem conceitual e metodológica, pois usando de simbologia, representação e linguagem, acredita-se poder descrever e analisar o espaço combinando com uma das ferramentas mais antigas de geografia

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que é a descrição dos fenômenos, só que se estabelecem maneiras comparativas proporcionando sempre a renovação do pensamento e conseqüentemente avanço dos conhecimentos filosófico e científico, principalmente ligados ao espaço natural abalizado pelo ser humano. ( CORREIA 2006 p. 72)”.

Ao se analisar aspectos subjetivos do espaço vivido, a Geografia Humanista

Cultural descortina a possibilidade de trabalhar saberes não científicos, que venham

a se constituir em objeto de análise da geografia, contribuindo assim para o avanço

desta disciplina, aproximando-a mais da realidade da população. A teoria que subjaz

esta abordagem geográfica permite que o conhecimento subjetivo e desestruturado

do espaço de vivência possa ser analisado a luz do conhecimento científico,

transformando-se em conteúdos geográficos.

A compreensão que os educandos possuem do seu espaço de vivência, que

na grande maioria vivem no espaço urbano, não é estruturada, ou seja, percebem o

seu espaço de vivência de maneira particular e subjetiva, não constituindo uma

noção correta desta organização espacial, historicamente construído sob a

perspectiva da classe dominante.

A percepção do espaço urbano é sempre uma percepção das formas

espaciais, que se dão aos nossos sentidos. A percepção é sempre de um conjunto

de objetos e nunca do objeto isolado (Tuam 1980). Ao longo da história da

humanidade, o espaço urbano sempre foi percebido de formas diferentes,

dependendo do período e do contexto histórico. Ora, vista como a representação

cosmológica do sagrado, ora, como lugar da perdição, da violência. O mesmo ocorre

com o espaço rural, quase sempre como oposição a percepção urbana.

“Desde os tempos de Aristóteles “a Cidade”, para os filósofos e

poetas representou a comunidade perfeita”. Os cidadãos viviam nas cidades: os servos e os vilões viviam no campo. A cidade do homem, onde o bispo tinha sua sede, era uma imagem da Cidade de Deus: No campo longínquo ou sertão estavam os sertanejos; e no distrito rural ou vilas (pagus) estavam os campônios ou pagãos “(TUAM 1980 p 171, 172.)”.

Analisando o pensamento de Tuam (1980), onde ele afirma que a mente

humana parece estar adaptada para organizar os fenômenos, não apenas como

segmentos, mas também como oposições binárias ou pares opostos. Belo e feio,

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quente e frio, e esses esquemas estariam presentes também nos conceitos que as

pessoas têm do espaço urbano, como a oposição centro e periferia, que aparece,

inclusive no pensamento científico geográfico. O mesmo autor estabelece conceitos

como “topofilia” e “topofobia” para designar sentimentos de afetividade, de estética

pelo lugar (topofilia) e de repulsa ou de medo pelo lugar (topofobia).

“A topofilia é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico, difuso

como conceito, vivido e concreto como experiência pessoal...” (Tuam 1980 p 5). De

acordo com Amorim Filho (2000) “a topofobia se constitui em medo ou aversão por

alguma paisagem ou lugar”, o que interfere na percepção da organização do espaço

pelo indivíduo ( Amorim Filho 2000 online).

A percepção ambiental ocorre pelos estímulos sensoriais, é particular e há

diversos elementos presentes na forma do indivíduo perceber o mundo. Estudar

como as pessoas, e neste caso como os educandos percebem o seu espaço de

vivência e não é tarefa fácil, demanda uma criteriosa seleção de elementos a serem

considerados: a subjetividade desta percepção, uma vez que ela se dá pelos órgãos

dos sentidos e de acordo com o aprendizado cultural do indivíduo; as fantasias que

permeiam a maneira de ver o mundo pelos adolescentes e ainda o fato do

estabelecimento de relações sociais de vizinhança que muito mais do que o lugar

em si é foco do amor pelo lugar. (Tuam 1980)

Outro elemento a ser considerado nesta perspectiva, é que a idéias

construídas sobre o lugar em outros períodos históricos podem estar impedindo uma

visão correta e concreta da realidade, dificultando a sua percepção ou sua

apreensão. Considerando estes elementos, o que se pretende é uma abordagem

metodológica que se pauta na relação entre sujeito, objeto e os significados ou

sentidos atribuídos pela intencionalidade do sujeito que o percebe e esta percepção

não se dá por imposição do objeto, mas pelo sujeito que estabelece significados

(REALE E ANTISERI 2005):

“Os objetos da fenomenologia são as essências dos dados de fato,

são os universais que a consciência intui quando a ela se apresentam os fenômenos. E nisso constitui, isto é a redução eidética. Isto é a intuição das essências, quando na descrição do fenômeno que se apresenta a consciência, sabemos prescindir dos objetos empíricos e das preocupações que ligam a eles (Reale e Antiseri 2005 p. 561)”.

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Trabalhar com perspectiva de uma mudança de mentalidade do educando

com relação ao seu lugar de vivência, objetiva desenvolver novas atitudes para com

esse lugar, ou seja, um olhar sob uma perspectiva crítica que ultrapasse o nível do

concreto próximo, tendo como meta a superação das contradições existente e não

apenas a aceitação passiva da realidade socioeconômica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos partiram da aplicação da proposta “O ensino de

Geografia a Partir da Percepção do Espaço de Vivência do Educando” aplicado no

Colégio Estadual Campo Mourão. Utilizando como aporte epistemológico a vertente

cultural da Geografia, a qual se fundamenta no método fenomenológico, ou seja,

busca resgatar no processo de organização do espaço geográfico as ações

individuais, recuperando a ação do indivíduo no ensino da geografia.

ESPAÇO DE VIVÊNCIA

O “Espaço de Vivência” foi a primeira etapa da pesquisa, a qual envolveu

diretamente os alunos, cujo objetivo foi diagnosticar o espaço de vivência, através

da interpretação das respostas apuradas em um questionamento com perguntas, as

quais foram distribuídas para que eles analisassem e apresentassem respostas de

acordo com a sua percepção do espaço geográfico do seu cotidiano.

Na primeira questão, foi solicitado aos educandos que informassem que tipos

ou conjunto de objetos espaciais possuíam o seu bairro e que informassem qual

objeto espacial melhor representava ou simbolizava-o.

De acordo com as respostas obtidas, percebeu-se num primeiro momento a

importância da Religião Cristã e o predomínio da denominação Cristã Católica, uma

vez que a maiorias das respostas apontam um templo Católico como símbolo que

melhor identifica e simboliza o seu bairro. Também em alguns casos aparecem os

templos de outras denominações religiosas cristãs.

A percepção ambiental vai além do simples olhar, daquilo que podem

expressar, pois a Igreja é um símbolo do poder espiritual, político e econômico, pois

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como afirma Mansano (2006), “os sentimentos topofílicos em relação à Igreja foram

construídos junto à família e a escola”. (Mansano 2006 Pag. 63)

Segundo Tuam (1980), na obra “Topofilia: Um Estudo da Percepção, Atitudes

e Valores do Meio Ambiente”, afirma que, a percepção, a atitude e os valores do

meio são fortemente influenciados pelos valores culturais da sociedade.

Para os educandos que residem na zona central da cidade, outras edificações

aparecem com maior frequência, como estabelecimentos comerciais, empresariais e

outros e os templos com menor frequência. Analisando esta questão, percebeu-se

que na região central ocorre uma concentração de estabelecimentos comerciais,

bancários e outros que se destacam pela sua funcionalidade e pela estética que se

impõe sobre outros, como os templos religiosos e praças.

O fato de outros objetos espaciais aparecerem como símbolo de identificação

para os educando do espaço urbano central, não significa necessariamente

ausência de sentimentos de religiosidade, mas que outros elementos também são

importantes para eles, incluindo aí as satisfações de suas necessidades.

Outro fator que pode ser considerado para a cidade de Campo Mourão é que

a área central abrange uma grande extensão, com características espaciais

diversificadas e por isso, ocupada por todas as classes socioeconômicas. Esse fato,

na prática dificulta a aglutinação de interesses comuns, impossibilitando assim uma

identificação mais homogênea como aparece nos bairros. Essa diferenciação de

classes sociais percebeu-se na pesquisa sobre a renda familiar onde se constatou

que a situação econômica das famílias dos educandos da periferia não apresenta

diferenças significativas em relação àqueles que moram no centro, pelo menos entre

os educandos pesquisados.

Ainda com relação aos símbolos de mais importância, foram citados

estabelecimentos de ensino e postos de saúde, ressaltando que nos dois casos, não

é a edificação que desperta esse sentimento, mas as funções sociais que exercem.

Percebeu-se que os educandos são conscientes da organização espacial de suas

comunidades, apesar da imaturidade própria desta faixa etária.

As praças também aparecem para alguns como objetos de identificação do

espaço de vivência, por se constituírem em espaço que integram além do significado

estético, o lazer e áreas verdes, objetos espaciais que são raros nos bairros de

Campo Mourão.

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Pôde-se perceber também, que os objetos espaciais ou lugares indicados

como símbolos do espaço de vivência referem-se aos espaços de uso coletivos, os

quais representam os anseios comunitários, fato que reporta também a noção do

espaço público e privado que aparece de forma não muito clara na percepção dos

educandos, o que demonstra que essas noções ainda não foram desenvolvidas,

necessitando, neste caso, de uma intervenção didática sobre essas noções.

Os elementos naturais também aparecem como objeto símbolo ou elemento

de topofilia, sendo mais comum em alunos que vivem na zona rural, como uma

aluna que citou uma cachoeira como símbolo do seu espaço de vivência.

Quando questionados sobre a percepção das mudanças ou transformações

ocorridas no seu espaço de vivência, revelaram-se algumas contradições no modo

de pensar em relação a esse espaço, refletindo as mudanças comportamentais que

se manifestam nesta fase de adolescência. Um número razoável deles, afirmaram

que não houveram mudanças recentes no seu espaço. Provavelmente acreditam

que pequenas mudanças, como a construção de uma nova moradia, abertura de

uma loja comercial, entre outros, não significam mudanças ou transformações, ou

ainda não conseguem entender a dinâmica das transformações no espaço

geográfico e da sociedade.

Embora estejam eles na fase das “operações Intelectuais formais”, na qual já

são capazes de formar esquemas conceituais e compreender temas abstratos,

através da flexibilidade de pensamento, parecem não apresentar uma maturidade

para compreender noções complexas, como o conceito de espaço geográfico

dinâmico e em transformação (Mansano 2006).

A compreensão do espaço geográfico local, de forma estruturada e racional, é

um processo cognitivo que demanda desenvolvimento de conceitos científicos, mas

a formação destes exige também maturidade intelectual. Esta concepção aparece

nas respostas de uma parcela significativa, que embora afirmem não perceberem

mudanças no seu espaço de vivência, assinalaram objetos espaciais que foram

construídos recentemente, assim como as melhorias públicas (luz, água, asfalto,

ciclovias e outras). Demonstrando que, embora possuam noções básicas de

organização do seu espaço local, não o compreendem de forma racional e

estruturada.

Questionadas sobre o que falta em relação à infra-estrutura nos seus bairros,

a maioria assinalou a necessidade de mais escolas, postos de saúde e parques

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florestais. Embora em outras etapas da pesquisa, eles demonstraram através das

representações mentais, prioridades para as áreas de lazer. Essas afirmações são

os reflexos das prioridades comunitárias, não refletindo somente o desejo deles, no

qual deveriam existir mais áreas de lazer e de esportes.

Questionados sobre os aspectos positivos, ou seja, o que eles mais gostam

no espaço de vivência, os educandos revelaram o mesmo que afirma Tuam (1980),

que muito mais do que os aspectos estéticos, o sentimento de topofilia se revela

pelas relações afetivas de vizinhança, como aparece na maioria das respostas,

ficando a tranquilidade em segundo lugar. Embora algumas contradições apareçam,

pois, ao mesmo tempo em que afirmam que o bairro é tranqüilo, relatam problemas

da poluição sonora, dos indivíduos que fazem arruaça e ainda do tráfico de drogas.

Mesmo que não existam razões para sentimentos de topofobia, a mente

humana deverá criar esta realidade (Tuam 1980). Para este pensador, o nosso

sistema de pensamento parece estar organizado para entender a realidade não

apenas como segmentos, mas também como pares binários, belo ou feio, quente ou

frio. Neste caso, provavelmente o sentimento de topofobia refere-se problemas reais

vivenciados na maioria das comunidades e não apenas reflexo da imaginação.

Ainda em relação à infra-estrutura, poucos deles citaram que gostam do

“espaço de vivência” devido a esse fator. Essas respostas podem estar refletindo a

carência ou precariedade de serviços urbanos como saúde, educação, asfaltos,

segurança entre outros.

Outros dois fatores que são igualmente importantes e devem ser

considerados nesta análise são as relações de vizinhança e o fato do educando ter

nascido no bairro. A maioria citou as relações de vizinhança e isto se deve ao fato

de que as amizades influenciam o sentimento das pessoas de forma marcante e

nesta faixa etária eles estão mais abertos a estas relações sociais, uma vez que

necessitam construir relações de amizades, buscam se relacionar com mais

intensidade, construindo a sua identidade pessoal e sua afirmação social. O

segundo é que um grande número deles nasceram no bairro, desta forma os

vínculos afetivos são ainda mais intensos, por causa das relações afetivas que vem

desde a infância e também por não terem vivenciado outras experiências noutros

espaços. Segundo Bachelard (2008), o espaço vivido é importante porque é nele

que se estabelecem as primeiras relações sociais afetivas, aquelas que marcarão

para sempre a nossa alma:

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“... as imagens do espaço feliz. Nessa perspectiva, nossas

investigações mereciam o nome de topofilia.Visam determinar o valor Humano dos espaços de posse dos espaços defendidos contra forças adversas, dos espaços amados. Por razões não raro muito diversas e com as diferenças que poéticas não comportam, são espaços louvados. Ao seu valor de proteção, que pode ser positivo, ligam-se também valores imaginados, e que logo se tornam dominantes. O espaço percebido pela Imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e a reflexão do geômetra. É um espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação (BACHELARD 2008 p. 19).

Como podem se perceber, os espaços de vivência, principalmente aquele no

qual são construídas as primeiras relações sociais, influenciam diretamente na

percepção espacial, por isso, mesmo os espaços socialmente degradados podem se

constituir em espaços de felicidade.

Outro fator que deve ser considerado é a questão de que em muitos bairros

faltam obras de infra-estrutura e as que existem são precárias e mal conservadas, o

que pode ter influenciado nas respostas, evidenciando assim outros valores, em

detrimento destes, que despertam sentimentos negativos.

Percebeu-se também que em muitos casos, os alunos não possuem noção

dos limites territoriais do seu bairro ao afirmar a existência de objetos espaciais que

não se encontram no mesmo, mas em bairros vizinhos, refletindo assim o

desconhecimento dos limites das áreas que residem.

Esse desconhecimento se explica, na maioria dos casos, pela deficiência da

leitura de mapas e cartas, ou ainda pelo pouco tempo de residência naquele bairro.

Um grande número deles afirmou que um determinado objeto espacial é mais

importante para o bairro, salientando a sua importância, mas identificou outros

objetos como símbolo. Um exemplo disto foi de uma educanda da zona rural que

afirma que a escola desta localidade é o objeto espacial mais importante, mas

coloca um templo religioso como símbolo de topofilia.

Foi perguntado também se gostariam de se mudar do bairro devido aos

problemas de infra-estrutura. A maioria respondeu que, apesar dos problemas não,

o que de certa forma, confirma algumas respostas, como aquela onde afirmaram

que as relações de vizinhança é o que identifica o sentimento de topofilia pelo local

de vivência.

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Aqueles que responderam que gostariam de se mudar, são moradores

recentes, que ainda não se acostumaram com a localidade ou pretendem procurar

um local mais próximo de um colégio com o Ensino Médio para dar continuidade aos

estudos.

Aqueles que moram na zona rural afirmam estarem satisfeitos com a

localidade, justificando que são lugares tranqüilos, possuem áreas de lazer, e que

apesar de estarem um pouco distantes da cidade é fácil se deslocarem para a

mesma, devido aos meios de transportes. A maioria daqueles que reside na zona

rural, são filhos de empregados de chácaras, normalmente utilizadas como

descanso e lazer pelos seus proprietários. Desta forma estariam morando em

lugares esteticamente agradáveis e se aproveitam também deste espaço para o seu

lazer.

Em relação aos educandos que moram em fazendas na zona rural que não

são consideradas áreas de lazer, não relataram a ausência da infra-estrutura como

problema. A falta de posto de saúde, de escola, entre outros, já considerado no

passado como um dos motivos do êxodo rural. Para os educandos pesquisados,

este fato parece não ser mais um problema, uma vez que nenhum daqueles que

vive na zona rural manifestou desejo de se mudar para a zona urbana.

Perguntados a respeito de sua moradia, referindo-se a qualidades do

espaço físico, a maioria afirma que sua moradia é excelente, espaçosa, embora nas

representações realizadas nas etapas seguintes (mapa mental e fotos) pode-se

constatar que o padrão das moradias não é exatamente aquele que descreveram

nesta etapa.

O fato dos educandos afirmarem que sua moradia é excelente nos remete

a subjetividade do imaginário, reportando ao pensamento de Bachelard, que afirma

em sua obra “poética do espaço”: “A casa é o nosso canto do mundo. Ela é como se

diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos, um cosmo em toda

a acepção do termo. Vista intimamente, a mais humilde moradia não é bela?...”

(BACHELARD 2008 Pag.24)”.

Esta etapa da pesquisa foi importante para o desenvolvimento da proposta de

se trabalhar o ensino da Geografia a partir do espaço de vivência, uma vez que

possibilitou a compreensão da percepção dos educandos sobre o seu espaço local,

bem como também informações sobre o seu modo de pensar o espaço. Embora

outras atividade tenham sido desenvolvidas, esta contribuiu de forma efetiva para o

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desenvolvimento do ensino e aprendizagem de geografia, pela qual pode-se

trabalhar os conteúdos com muito mais significado, contextualizando sempre a

análise dos conteúdos, a partir do conhecimento do educando, partindo sempre do

espaço de vivência.

ANÁLISE DOS MAPAS MENTAIS.

A análise dos mapas mentais é o resultado obtido na segunda etapa da

proposta, igualmente aplicada nas 8ª séries do Colégio Estadual de Campo Mourão.

Nesta etapa foi solicitado aos alunos que elaborassem uma representação mental

do seu espaço de vivência ou do bairro como um todo.

As orientações repassadas foram para que eles representassem o seu

espaço da forma mais fiel possível. Após as orientações do que seria um mapa

mental, foi entregue a cada aluno uma cartolina branca, na qual eles deveriam

construir o referido mapa, foi dado um prazo de uma semana para a devolução da

atividade.

Para essa atividade, foi solicitado que observassem com detalhes o espaço e

o trajeto de casa para o Colégio, uma vez que a representação seria uma tarefa de

casa. O prazo dado para a entrega foi para que pudessem observar com detalhes o

espaço pelo qual transitam no dia-a-dia, com a atenção para os aspectos negativos

e positivos. Esta orientação foi geral, solicitada a todos os alunos.

Para aqueles que residem em bairros de extensão maior do que a média ou

no centro da cidade, foi solicitado que representassem o espaço mais próximo à sua

casa incluindo algumas ruas.

O objetivo principal da atividade foi analisar a profundidade da compreensão

que eles possuem do seu espaço, analisando o modo como concebem ou percebem

esta organização espacial. Também foi objetivo, interpretar como os eles percebem

ou vivenciam os problemas que encontram no seu bairro.

Embora os mapas mentais prevejam a utilização de legendas e signos que

possam representar os objetos espaciais, não foi dado ênfase a este aspecto da

representação. Verificar como eles lidam com a leitura cartográfica foi um dos

objetivos desta etapa. Os requisitos fundamentais para a elaboração de um mapa

serão trabalhados posteriormente e de acordo com as deficiências apresentadas

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nestas representações, onde serão traçados objetivos ou metas para sanar estas

dificuldades nas representações e leitura cartográfica.

Para a leitura e interpretação dos mapas mentais adotaram-se os critérios de

análise elaborados pela professora doutora Salete Kozel, da Universidade Federal

do Paraná, que desenvolveu um método de análise com base teórica na filosofia

Bakhtiniana. Esta autora propõe analisar os signos como elementos que são

elaborados como algo que refletem uma construção social e cultural, deixando

transparecer uma determinada visão de mundo (Kozel 2009).

De acordo com essa metodologia, os conteúdos dos mapas mentais são

analisados pelos seguintes quesitos:

1-Interpretação quanto à forma de representação dos elementos na imagem; (como ícones diversos, letras, mapas, linhas, figuras geométricas etc... 2-Interpretação quanto à distribuição dos elementos na imagem; (as formas podem aparecer dispostas horizontalmente, de forma isolada, dispersa, em quadros, em perspectiva etc..). 3-Interpretação quanto à especificidade dos ícones:

. Representação dos elementos da paisagem natural; Representação dos elementos da paisagem construída; Representação dos elementos móveis; Representação dos elementos humanos (KOZEL, 2009, p. 10).

Ainda referindo-se aos critérios da análise dos mapas mentais utilizou-se

também a metodologia exposta por Mansano (2006) que estabelece os seguintes

parâmetros:

Mapas mentais e as referências geográficas. Proporcionalidade da representação; Mapas mentais e a questão ambiental; Mapas mentais e a legibilidade; Mapas mentais e o egocentrismo (MANSANO 2006 p.84).

Na análise dos mapas mentais, ou seja, a representação do espaço vivido

dos educandos, verificou-se que na maioria dos mapas, foram construídos de forma

radial concêntrica, refletindo o estágio de desenvolvimento e de maturidade. Esta

análise reforça a idéia afirmada por Tuam (1980), a qual diz que o ser humano

possui um egocentrismo arraigado inconscientemente, tendendo a perceber o

mundo a partir do seu “eu”. Desta forma, este egocentrismo espacial não seria

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prerrogativa apenas das crianças e adolescentes, em alguns casos, é uma

percepção vivenciada por toda comunidade. Esta forma de representar o espaço de

vivência aparece em 89% dos mapas mentais. O restante (11%) apresenta padrões

diferentes, destacando espaços públicos e coletivos no centro de sua representação.

Como a atividade do mapa mental foi realizada como atividade extra classe,

provavelmente estes mapas foram realizados nas suas casas, e as representações

dos objetos espaciais começam a se estruturar mentalmente a partir de si mesmos.

Desta forma suas moradias aparecem preferencialmente no centro do mapa e o

restante do bairro é disposto em todas as direções, radial e concêntrico.

Embora esta representação egocêntrica do seu espaço possa ser

considerada como falta de maturidade, nem todos os autores que adotam esta

concepção concordam, uma vez que esta característica também aparece em mapas

mentais de adultos. Nestas representações mentais pode-se destacar a influência

política, social e econômica da instituição religiosa cristã, com predomínio da

denominação religiosa Cristã Católica.

Na análise, também percebeu-se que alguns educandos já superaram ou

estão superando “esse egocentrismo inconsciente do seu espaço de vivência”. Em

suas representações aparecem todos os elementos já citados. São mapas legíveis,

passíveis de compreensão e entendimento do espaço representado. Apresentam os

objetos espaciais de forma proporcional no sentido horizontal e mesmo quando

aparecem na vertical se percebe a proporcionalidade. Representaram os espaços

privados, mas destacam os públicos como escolas e unidades de Saúde. Para estes

e também para os que ainda não atingiram esta maturidade, a representação que

mais se destacaram foram os templos religiosos, os quais representam a

importância da religião Cristã como símbolo de unidade da comunidade (TUAM

1980). Esta percepção estaria sendo mediada pelo aprendizado cultural, refletindo

no pensamento do adolescente a religiosidade aprendida pela educação e influência

dos pais.

Em relação à noção de organização do seu espaço de vivência, constatou-se

se que 28,57% dos educandos parecem não possuir noções mínimas de sua

organização; 14,28% demonstram possuir noções parciais da organização do seu

espaço. Para exemplificar, um educando representou objetos espaciais que se

encontram em ruas diferentes como se estivessem na mesma. 43% dos mapas são

daqueles que já demonstram possuir noções da organização do seu espaço local,

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que apresentam elementos que permitem a compreensão e a leitura, embora não de

forma clara, devido a ausência de elementos cartográficos. Entre estes encontram

aqueles que estão superando ou já superaram a fase egocêntrica, ou seja, suas

representações centralizam outros objetos espaciais, representando sua residência

com a localização espacial correta e em exageros na proporcionalidade da

representação.

Quanto à legibilidade dos mapas, foi possível em aproximadamente 32% dos

deles, demonstrando que apesar de possuírem boas noções de organização do seu

bairro, necessitam ainda desenvolver noções de cartografia que incluam legendas e

outros elementos da representação cartográfica. Signos e símbolos que

estabelecem relações entre os objetos espaciais representados e sua realidade.

A partir desta constatação da dificuldade de leitura e interpretação

cartográfica, foram desenvolvidos nas etapas posteriores conceitos e atividades com

objetivo de ampliar esta capacidade de leitura de mapas e também as

representações através de mapas e gráficos. Neste sentido, a aprendizagem se

efetivou de forma significativa, demonstrado pela maioria. A principal dificuldade

apresentada foi a elaboração de cálculos com escala, que ainda não havia sido

apropriada por todos.

As representações dos espaços públicos e privados aparecem também em

aproximadamente 43% dos mapas, destacando as escolas e postos de saúdes. As

praças também aparecem em destaque, revelando sua importância como espaços

de lazer e de socialização.

Quanto à proporcionalidade dos objetos representados, esta aparece em

aproximadamente 40%. Nas demais, os objetos são representados com dimensões

desproporcionalizadas tanto na horizontal como na vertical. Houveram casos em que

a avenida aparece com dimensões maiores do que o quarteirão, ou ainda, uma casa

maior do que os edifícios com vários andares.

As representações dos objetos espaciais de forma dispersa apareceram em

alguns dos mapas mentais, que na maioria destas os elementos simbolizam muito

mais o entorno ou o quintal de sua casa, utilizada como área de lazer. Embora os

alunos da zona urbana utilizem também esta forma de representação, esta foi

praticamente unâmine em relação àqueles moram na zona rural. Em algumas

representações feitas por alunos da zona urbana pode-se perceber também a

representação de seu quintal e de sua rua como extensão de sua casa, refletindo

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aqui a rua com espaço de lazer, provavelmente pela ausência destes para estas

atividades nos bairros.

De maneira geral, alguns dados chamaram a atenção, pois elementos fixos

como lojas e supermercados estão presentes em quase todas as representações.

Em apenas duas se observou o elemento humano e objetos móveis caracterizando

a dinâmica de vivência e da circulação, o que demonstra compreensão do espaço

geográfico e do seu dinamismo. Embora estes elementos não apareçam noutros

mapas mentais, esta ausência não significa desconhecimento da dinâmica do

espaço, apenas que este ainda não é compreendido em toda a sua complexidade.

Com relação aos aspectos naturais, eles aparecem apenas como elementos

da paisagem urbana, ou seja, foram representados em alguns mapas, árvores da

vias públicas e jardins de lojas e casas residenciais, refletindo o desinteresse ou

desconhecimento das questões ambientais. Não foram representados terrenos

baldios e os problemas que eles representam. Também não apareceram nos

elementos naturais os rios e suas matas ciliares, mesmos nos bairros cortados ou

circundados por este. Só apareceram nas representações daqueles que moram na

zona rural.

Nesta atividade, pôde perceber-se que a maioria dos alunos ainda não está

alfabetizada cartograficamente, são carentes dessas informações, sendo necessário

que se trabalhe estes conceitos posteriormente. Principalmente hoje, que a

tecnologia disponibiliza veículos com sistemas de GPS – Global Positioning System,

(Sistema de Posicionamento Global), com computador acoplado e outros sistemas

de navegação que utilizam as coordenadas como referência.

Percebeu-se que um número razoável deles não gosta ou não se interessa

pelas questões do seu bairro, pois seus mapas parecem terem sido construídos sem

o menor interesse, cujo único objetivo seria cumprir uma atividade escolar, uma vez

que não foi atribuída nota para esta atividade.

Para estes, é necessário desenvolver atividades que contemple a questão da

identidade e do sentimento de pertença, tendo como objetivo desenvolver atitudes

mais positivas para com o seu bairro e não apenas conformá-los com as

problemáticas da sua comunidade.

Em relação à ausência dos elementos naturais, pode-se interpretar como

desinteresse ou desconhecimento das questões ambientais ou outros interesses

imediatos, próprios da idade e que se sobrepõem a esta. Outra análise que se pode

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fazer dessa questão é que esses problemas não são de suas responsabilidades, ou

seja, problemas como poluição ambiental, terrenos baldios e outros, para eles, a

responsabilidade é do poder público.

Outra questão interessante que aparece também é a questão da imaginação

social, presente nas representações. Em pelo menos duas apareceram elementos

nos objetos espaciais que atualmente estão em desuso ou não existem, como o

caso da representação de várias casas com chaminés emitindo fumaça. Estas

paisagens provavelmente são imagens de outra época, presentes na lembrança ou

no imaginário coletivo.

Esta constatação comprova o pensamento de Tuam (1980) quando afirma

que: “Os padrões culturais da sociedade afetam fortemente a percepção, a atitude e

os valores que seus membros atribuem ao meio ambiente. A cultura pode afetar a

percepção de tal modo, que as pessoas verão coisas que não existem” (Tuam 1980

p 285).

É importante lembrar que as representações são subjetivas, e desta forma

pode-se representar e expor com mais clareza as percepções em relação ao espaço

de vivência. Neste sentido, podem-se perceber algumas diferenças no modo de

conceber o espaço nos mapas mentais, diferentes das percepções registradas em

textos.

Estas interpretações das representações dos mapas mentais permitem uma

compreensão mais elaborada da realidade vivenciada pelos educandos,

possibilitando o planejamento de atividades direcionadas para a compreensão e

análise do espaço da vivência, uma vez que essas noções de conhecimento foram

explicitadas nas suas representações.

A ampliação da compreensão do espaço de vivência pode auxiliá-los na

compreensão do espaço geográfico em outras escalas, seja o espaço regional,

nacional e mundial.

Para se buscar uma ampla compreensão geográfica do espaço, o ensino da

geografia tendo como referência o espaço de vivência é necessário que se tenha a

compreensão de como o educando percebe o seu espaço de vivência. Essa

compreensão não é tarefa fácil, uma vez que a percepção do espaço e dos objetos

espaciais é sempre individual e subjetiva. Embora a percepção dos fenômenos

espaciais é provavelmente comum a todos os indivíduos.

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A existência dos objetos e seu arranjo no espaço por si só não estabelecem

nenhum significado. Os significados são estabelecidos a partir da vivência e neste

sentido, a percepção está sendo mediada também pelo aprendizado cultural, que

normalmente são construídos pela coletividade.

De acordo com Mansano (2006), a percepção pode ser coletiva, uma vez que

ela é mediada pela cultura e que esta normalmente é uma construção da

coletividade:

“A percepção ambiental pode ser tanto individual como coletiva, pois estão intrínsecos os valores adquiridos e apreendidos pela sociedade. Os símbolos topofilicos, que vão se construindo, representam a percepção ambiental de uma determinada coletividade, fazendo parte de sua realidade cultural (MANSANO 2006 p38)”.

Nesta perspectiva, acredita-se que é possível estabelecer correlações entre

os indivíduos pesquisados, buscando na medida do possível, uma aproximação

geral da percepção coletiva e suas conexões com a realidade social e econômica do

espaço vivido, concebendo-o de acordo com sua estruturação espacial, sempre em

transformação.

Saber pensar o espaço é prerrogativa para o desenvolvimento do

pensamento crítico e este raciocínio nos coloca diante das possibilidades de atuar

de forma consciente. De pensar a realidade a partir de outra lógica, que não seja

apenas a da produção capitalista do espaço, mas da construção de um espaço

humano e solidário para o desenvolvimento das potencialidades humanas e cidadãs.

Embora essas representações revelem a percepção do espaço vivido,

demonstrando noções da organização do seu espaço, revelam também a

imaturidade na percepção, pois a maioria de suas representações ainda estão

centradas na sua pessoa. Se tivessem realizado esta representação em outro local,

provavelmente este estaria no centro das representações desses alunos.

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PAISAGENS TOPOFÍLICAS E TOPOFÓBICAS DO COLÉGIO E DO

BAIRRO.

A terceira etapa da proposta foi a de se trabalhar as paisagens topofilica e

topofóbica. Aplicada no mês de Abril de 2009 com a mesma turma, 8ª séries do

Colégio Estadual de Campo Mourão.

Para o desenvolvimento desta atividade foi utilizada a metodologia

apresentada por Mansano, (2006). Na sua dissertação de Mestrado, analisou a

percepção ambiental de alunos de uma sétima série do ensino fundamental de uma

escola situada na Vila Morangueira na cidade de Maringá. A autora não citou o

nome da escola.

Para complementar a metodologia, utilizou-se os conceitos de topofilia

desenvolvidos por Tuam (1980) em Topofilia: Um Estudo da Percepção, Atitudes e

Valores do Meio Ambiente. No qual ele analisou a percepção ambiental de

indivíduos adultos e de crianças de diversas comunidades dos Estados Unidos da

América e de outros países.

Essa atividade envolveu os mesmos alunos, embora se registrasse 14

ausências, que se explicam pela falta no dia da explanação da atividade e/ou

mesmo pela apatia de alguns.

Como já estavam mobilizados para atividade, devido a outras que já haviam

participado, nas explicações pré-atividade não encontraram dificuldades ou dúvidas,

tendo em vista que essa etapa requeria um desenho da paisagem bonita e feia do

bairro e do Colégio, ou seja, topofilia e topofobia.

Essa atividade se desdobrou em três etapas: A primeira foi realizada em sala

de aula, sendo um levantamento dos pontos positivos e negativos dos bairros dos

educandos. A segunda como tarefa para a casa, na qual foi entregue uma folha

branco e solicitado para que fizessem um desenho, representando a paisagem

bonita e outro a paisagem feia do colégio e do bairro respectivamente. Na terceira

etapa foi solicitado aos educandos que fotografassem estas mesmas paisagens,

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pois estas representam com mais fidelidade as suas percepções. Para Ferrara

(1999) apud Mansano (2006),

“... afirma que por meio do suporte da linguagem pré-verbal é possível representar as informações do processo de percepção ambiental. Entre estes suportes estão o desenho e a fotografia, pois nem sempre a pesquisa verbal representa fidedignamente as informações desejadas.” (Mansano 2006 p.40)

Desta forma, o desenho pode representar as percepções ambientais. Neste

aspecto o único limite que se impõe é a habilidade para realizar a representação e

devido a este aspecto, foram solicitadas as fotografias das paisagens topofilicas e

topofóbicas do bairro.

O objetivo desta atividade foi verificar os sentimentos de topofilia e de

topofobia, bem como verificar o conceito que eles possuem em relação à paisagem

como categoria geográfica e os aspectos positivos e negativos do seu espaço de

vivência.

Em relação à topofilia, ou seja, os elementos da paisagem que despertam

sentimentos de afetividade e de bem estar, os objetos que mais se destacaram

foram as quadras de esportes, que aparecem em aproximadamente 30% dos

desenhos e das fotografias. Estas representações provavelmente não ocorreram

simplesmente por uma questão estética, mas pelo grau de interesse que desperta

nos jovens as atividades esportivas e lúdicas desenvolvidas nas aulas de educação

física e também nos intervalos, caracterizando interesses próprios desta fase da

adolescência.

Pôde-se perceber também o interesse e preocupação pela organização do

colégio, uma vez que salas de aulas organizadas apareceram como paisagem

topofílica e salas de aulas desorganizadas com carteiras fora de ordem das filas

foram representadas como paisagem negativa.

A biblioteca também apareceu como paisagem que desperta relações

afetivas, sendo representada por aproximadamente 15%. Quando questionados,

afirmaram gostar de leitura. Neste caso, os livros e não o prédio da biblioteca

despertariam tal sentimento.

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A fachada do colégio apareceu em aproximadamente 12% das

representações e das fotografias. Neste caso, o que chama atenção é a estética

desta. Depois foi citado também como paisagem topofilica o salão Nobre do Colégio

Estadual. Estas representações deram-se provavelmente pelas aulas que são mais

agradáveis, quando realizadas nesse espaço, pela utilização de recursos

audiovisuais e pelos filmes que foram trabalhados como atividades didáticas.

O pátio do colégio também foi representado, e em aproximadamente 10% o

representaram com destaque para os bancos nele localizado. Estes refletem o

relacionamento de amizade ou outros interesses, que começam a ser despertados

nesta faixa etária, reportando a um sentimento mais afetivo que estético.

Em relação às paisagens que representam a topofobia aparece um terreno

gramado nos fundos do colégio, que a maioria dos alunos afirma ser um campo de

futebol suíço abandonado. A representação desta paisagem aparece em 41%,

sendo que deste percentual a maioria são meninos. Outra questão a ser

mencionada, é que este terreno aparece como paisagem topofílica para 6% dos

educandos. A quadra de esportes descoberta aparece como paisagem topofílica em

pelo menos 12% das representações.

O portão de entrada aparece como paisagem topofílica para 9%. Uma das

representações chama a atenção, por representar a entrada do colégio como se

fosse grades de uma prisão, despertando um sentimento negativo, como se o

Colégio representasse a privação de sua liberdade. O desenho destaca a entrada

para o pátio interno, o portão maciço que em nada se parece com uma grade

divisória.

Dos casos, os banheiros aparecem como paisagem topofóbica para

aproximadamente 12%. Neste caso, a paisagem negativa é percebida, utilizando-se

também do olfato, além do sentido da visão, uma vez o forte odor é o que

caracteriza este ambiente. Em duas representações apareceram o cesto de lixo do

banheiro e em vermelho, representando perigo.

O bebedouro também apareceu em paisagem topofóbica destacado

vermelho, o que alerta, provavelmente para o risco de se contrair alguma patologia

devido ao uso constante e pelo grande número de usuários.

A sala de atendimento da orientação educacional apareceu em duas

representações como paisagens topofóbicas, salientando-se que é uma

representação mediada pelo aprendizado cultural, uma vez que normalmente são

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encaminhados à orientação educacional os alunos em casos de indisciplina. São

representações carregadas de emoção remetendo ao papel da orientação

educacional, que lida com problemas individuais, pessoais e sociais no seu trabalho.

As salas de aulas com carteiras fora de ordem e a sujeira no pátio também

foram representadas como paisagens que despertam sentimentos negativos.

O elemento humano também foi representado, através de pessoas “mal

encaradas fumando”, este aspecto denota a preocupação com a segurança do

estabelecimento. Embora apenas em dois deles, o ser humano foi representado

como paisagem topofóbica.

Observa-se, que os educandos possuem uma concepção de paisagem que

inclui conceitos geográficos elaborados, ao contrário do que afirmam estudos

geográficos realizados dentro da vertente cultural da geografia, que tem

demonstrado que nesta faixa etária o conceito de paisagem geralmente está aliado à

idéia de uma visão panorâmica bonita ou da natureza intocada, sem transformação

pela atividade humana. Este conceito elaborado de paisagem deve-se

provavelmente ao trabalho realizado pelos professores nas séries anteriores.

Percebeu-se também que há uma preocupação com a organização e com a

segurança do colégio, bem como uma preocupação com a questão da

aprendizagem ao afirmarem que a educação é necessária para o desenvolvimento

intelectual e para o aprendizado de uma profissão.

Os educandos que participaram desta atividade afirmaram também que

gostam de estudar neste estabelecimento de ensino, apesar de encontrarem

aspectos negativos na paisagem. Afirmam ainda que o colégio é organizado e que o

ensino é de qualidade.Segundo eles estes fatores os levaram a optar pela matricula

neste estabelecimento,mesmo em alguns casos morando em bairros afastados.

Nesta segunda abordagem, analisaram-se as representações do bairro no

seu espaço de vivência. É interessante ressaltar que os estudantes pesquisados

residem em diversos bairros e até na zona rural, o que dificulta um pouco a análise e

a interpretação da percepção ambiental.

Para esta etapa foi solicitada a representação das paisagens topofilicas e

topofóbicas do seu cotidiano, tendo como objetivo compreender de forma mais

detalhada, como estes percebem seu espaço, para posteriormente, de forma

conjunta, proceder a análise dos trabalhos, incluindo conceitos geográficos de

espaço, de sociedade e de paisagem.

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Observou-se, que dos 34 alunos que participaram apenas dois representaram

como paisagem topofilica a natureza conservada, intocada, destacando aqui o

conceito de paisagem como visão panorâmica de um lugar bonito, idílico ou ainda

paisagem de contemplação. Pode-se afirmar que este conceito de paisagem é

contraditório, tendo em vista que tais paisagens não são concretas diante da grande

interferência que o ser humano exerce no ambiente natural. Estas representações

nos remetem para o inconsciente coletivo, um saudosismo de paisagens que

atualmente só existem na memória, lembrança ou mesmo no imaginário coletivo.

Embora sejam conceitos contraditórios, são importantes no sentido de que

podem nos remeter a uma discussão ou reflexão do ambiente que desejamos para

viver. Esses conceitos devem ser trabalhados e desenvolvidos no ensino da

geografia e na educação ambiental, tendo em vista a formação de valores e o da

preservação do meio ambiente.

Em relação à percepção ambiental, pode-se destacar que a maioria dos

desenhos apresenta como paisagens topofílica elementos humanos, modificado e

com destaque nas representações dos templos religiosos. Os templos foram os

objetos que mais se destacaram, sendo contemplados em aproximadamente 24 das

representações, com destaque para a Igreja Catedral de Campo Mourão que

aparece em 50% dos desenhos.

Os estabelecimentos comerciais vêm em segundo lugar, destacando-se além

da questão estética, a funcionalidades destes numa sociedade consumista, que os

coloca como objetos que despertam um sentimento de afetividade, principalmente

pelos jovens. Esses objetos espaciais são destacados em 14 das representações.

As escolas aparecem empatadas com ginásios e quadras esportivas em 6%.

Apareceram também a ciclovia recém construída no bairro Lar Paraná e a

biblioteca pública. A ciclovia é, provavelmente utilizada por alguns deles para se

locomoverem até o colégio e a biblioteca como demonstração do interesse pela

cultura.

O Parque das flores é uma reserva Legal do Ribeirão Km 119, que circunda

Campo Mourão está representado como paisagem topofílica e com destaque para

as áreas mal cuidadas do mesmo, que despertam sensações negativas. Em outro

caso, o Ribeirão Mourão foi representado sem a vegetação ciliar como paisagem

topofílica. Em outro trecho com a vegetação em seu entorno foi considerado como

paisagem negativa. Esta representação é contraditória, uma vez que a paisagem

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degradada deveria despertar o sentimento de topofobia e não o contrário. Como o

espaço representado é de uma chácara de lazer, no entorno do lago da Usina

Mourão, provavelmente o rio é também utilizado como área de lazer e neste caso a

vegetação dificultaria estas atividades.

Em relação ao sentimento de topofobia, ou seja, a aversão ou repulsa por

determinadas paisagens ou lugares como elemento que mais se destaca nas

representações e nas fotografias foram os terrenos baldio, representado em 47%

das ilustrações. Além da vegetação (matagal) que domina essas áreas, elas são

ainda utilizadas como depósitos de restos de construções e outros. Os terrenos

baldios envolvem ainda a questões da segurança e também de saúde.

Observa-se que destas representações e fotografias, apenas 12% destacam

a degradação ambiental, ou seja, queimadas, a poluição por dejetos sólidos

residuais, revelando que a maioria deles não estão preocupados com as questões

ambientais, uma vez que os outros 35%, apenas demonstram o terreno baldio como

uma paisagem feia.

Em relação aos dados já apresentados, constatou-se que os educandos se

preocupam-se com questão estética dos bairros representados. Calçadas mal

conservadas, ou ainda deterioradas ou danificadas pelas raízes da arborização

urbana, aparecem em 6% das representações e nas fotografias.

Um dos desenhos representa como paisagem topofóbica uma estrada de

chão (sem pavimentação asfáltica). Provavelmente esta representação pertença a

um aluno residente em um bairro da periferia e convive com tal situação. Também foi

representado como paisagem topofóbicas o trevo de entrada do bairro residencial

Lar Paraná, onde apareceram também um barracão e casas abandonadas.

Uma educanda, residente na zona rural, representou como paisagem

topofóbica uma caixa d’água. O local é utilizado para se lavar as embalagens dos

defensivos agrícolas utilizados naquela região agrícola. A percepção, neste caso

utilizou-se dos sentidos, da visão e do olfato, uma vez que esses defensivos além do

risco que representam à saúde exalam um odor desagradável.

Um fato que despertou a curiosidade foi o caso de uma das representações

evidenciar uma escola do seu bairro como paisagem topofóbica, afirmando

posteriormente quando questionada, que o estabelecimento não apresentava uma

estética agradável de acordo com a sua concepção daquilo que é bonito ou feio.

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De uma forma geral, estes dados contribuíram significativamente para a

implementação do projeto de intervenção pedagógica porque permitiu uma visão

mais detalhada da compreensão dos educandos com relação aos seus espaços.

Essa compreensão se desdobrou em atividades que proporcionaram debates sobre

a origem deste espaço e também das contradições sócio-espaciais dentro do

sistema capitalista financeiro.

Analisando todos esses trabalhos pode se perceber que suas representações

vão além daquilo que é percebido pela visão, incluindo nestas os sentidos táteis,

olfativos e a própria experiência do cotidiano, além da aprendizagem cultural

mediada pela família, escola, Igrejas e outras instituições.

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ESPAÇO URBANO: ESPAÇO DE CONSUMO OU DE CIDADANIA?

Este texto é o resultado da aplicação da Unidade Didática: “Espaço Urbano:

Espaço de Consumo ou de Cidadania”. Atividade desenvolvida com os mesmos

alunos, nos meses de abril e maio de 2009. A aplicação da Unidade Didática

constituiu-se na quarta etapa do projeto de intervenção, que tem como objetivo

ensino da geografia a partir da percepção do espaço de vivência.

A Unidade Didática, aplicada nesta etapa do projeto de intervenção foi

elaborada como requisito para a formação do professor, estabelecido no Programa

de Formação Continuada da Secretaria de Estado da Educação.

Complementando o texto produzido para Unidade Didática, utilizou-se

também do livro didático de geografia, Projeto Araribá de José Gonçalves Junior et

al. Deste manual de geografia trabalharam-se os seguintes textos: A Globalização e

as Organizações Mundiais; A Globalização e o Meio Ambiente, Os Blocos

Econômicos Regionais e Interesses Regionais.

Como a proposta de intervenção teve como objetivo o ensino da geografia

desenvolvido a partir do espaço de vivência, a Unidade Didática “Espaço Urbano:

Um Espaço de Consumo ou de Cidadania?” foi planejada e elaborada para atender

os requisitos desta, ou seja, desenvolver o ensino de geografia tendo como ponto de

partida a percepção do espaço. Tendo esta perspectiva como objetivo, os textos, as

atividades desenvolvidas e as pesquisas realizadas contemplaram os dados da

percepção do espaço obtidos nas etapas anteriores.

A metodologia utilizada foi a histórico-crítica, vertente do pensamento

geográfico que, como proposta teórica analisa o espaço geográfico a partir das suas

contradições sócio espaciais. Esta vertente busca também respostas em outros

períodos históricos e na sua organização espacial, respondendo aos problemas

vivenciados na atualidade.

Os textos que compõem a Unidade Didática discorrem também sobre as

contradições existentes no espaço urbano de Campo Mourão. Analisa as prováveis

causas destas, procurando compreender como esta sociedade se organizou e como

esta organização influenciou na reprodução do espaço urbano, salientando-se que

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cada período histórico produziu sua própria organização e que espaço e tempo não

são conceitos dissociáveis.

Como problematização, o texto da Unidade Didática analisou e comparou

imagens de espaços valorizados e de segregação forçada, questionando de forma

clara se esses espaços tão diferentes entre si na forma estética e estrutural

pertencem à mesma realidade, ao mesmo contexto sócio espacial, ou se são

organizações sócio espaciais que não pertencem à mesma estrutura social

Questionam ainda se a sua formação espacial é o resultado do mesmo período

histórico ou se formaram em períodos históricos distintos.

O texto procura demonstrar de forma clara que os problemas vivenciados na

atualidade possuem origem em outros períodos históricos e também que espaços

externos influenciam e interferem na organização do espaço local. Neste sentido,

instiga os educandos a compreenderam de forma objetiva quais são os atores

sociais que atuam na organização do espaço geográfico e como o cidadão pode

participar desta trama espacial.

As contradições sócio-espaciais foram analisadas de forma dialética, com o

objetivo de desvendar e elucidar os fatores e atores sociais que atuam na

organização do espaço, e desta forma, doravante, o educando tornam-se um

protagonista destas transformações.

Esta unidade expõe os problemas urbanos e estimula a reflexão, apresenta

as prováveis causas da organização do espaço urbano, suas contradições e os

problemas emergentes. Trabalhou-se com a idéia de que não se deve dar uma

resposta ao educando, mas que estes devem elaborar o seu conhecimento a partir

dos questionamentos e dos dados fornecidos e interpretados através dos textos e

das experiências trazidas do dia-a-dia.

A partir do momento que as contradições do espaço urbano local foram

problematizadas, o texto conduz ao raciocínio, ou seja, a reflexão sobre a evolução

do espaço urbano, relacionando-o com o desenvolvimento da tecnologia da Primeira

e segunda Revolução Industrial e como essas, aliadas as políticas de

desenvolvimento econômico influenciaram e condicionaram a formação do espaço

urbano local, regional e nacional.

Os textos trabalham a idéia de que evolução da organização do espaço

urbano esteve aliada ao desenvolvimento do modo de produção capitalista e como

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este contribuiu, ao longo da história, para a organização do o espaço urbano

europeu, bem como os seus desdobramentos no mundo e principalmente no Brasil.

Ainda em relação ao texto básico, o mesmo expõe as contradições existentes

no espaço geográfico, partindo do espaço local e ampliando a escala de análise

geográfica, buscando desenvolver uma noção da estruturação e organização do

espaço geográfico e desta forma, contribuir para o aprendizado destes conceitos

geográficos e da organização espacial como um todo.

Após analisar o processo de evolução tecnológica da Primeira e Segunda

Revolução Industrial e a sua influência na organização do espaço urbano europeu,

bem como as conseqüências deste processo nas cidades européias. A análise se

desloca para o espaço urbano brasileiro e para o processo da modernização da

economia brasileira relacionando, nesse contexto, com a modernização industrial e

agrícola, que no caso do Brasil, ocorreu no contexto da tecnologia da Segunda

Revolução Industrial.

O espaço urbano de Campo Mourão foi analisado no contexto da

modernização capitalista da agricultura brasileira, que gerou um excedente de mão-

de-obra no campo, que ao migrar para a zona urbana gerou impactos negativos na

organização espacial urbana, ampliando os espaços segregados socialmente e

gerando problemas ambientais, que são visíveis e sentidos até os dias de hoje.

As atividades desenvolvidas nesta etapa não se limitaram análise dos

problemas sociais e ambientais, mas propuseram-se principalmente promover a

discussão sobre as possíveis soluções, através do desenvolvimento de instrumentos

conceituais e dos mecanismos sociais, políticos e econômicos para a transformação

da sociedade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolver o ensino da geografia a partir da percepção do espaço de

vivência, pressupõe compreender como ocorre a percepção dos múltiplos fatores

sociais, econômicos, políticos e culturais que condicionam e interferem na

organização espacial e como esta organização se reproduz nas estruturas sociais

urbanas influenciando o modo de perceber e de viver das populações urbanas.

O ensino de Geografia na perspectiva da percepção do espaço pressupõe a

utilização de metodologias que através de instrumentais e referenciais teóricos

possam investigar o universo da percepção do espaço dos educandos e desta forma

compreender como se estrutura na mente humana esta organização.

Compreendendo como se estrutura mentalmente e fisicamente o espaço geográfico

de vivência, ampliam-se as possibilidades de desenvolver o ensino de Geografia de

forma contextualizada, colocando o educando como um dos protagonistas do

processo de ensino aprendizagem. Isto porque os temas e conteúdos são

desenvolvidos a partir de uma problemática vivida e experienciadas por eles.

Esta proposta foi estruturada de acordo com os pressupostos teórico e

epistemológico da vertente cultural da Geografia, de base fenomenológica,

utilizando-se de instrumentos como desenhos, mapas mentais, fotografias,

questionários e entrevistas possibilitando a aproximação de uma compreensão mais

elaborada e sistematizada do espaço de vivência, possibilitando aos educandos um

ensino de Geografia mais significativo e contextualizado.

O projeto de intervenção e a metodologia aplicada possibilitaram também a

compreensão, de forma efetiva, de conceitos tradicionais da geografia, como espaço

geográfico, paisagem, território, urbanização entre outros foram desenvolvidos a

partir da perspectiva do espaço local e dos conceitos por eles discutidos e

concebidos nos textos.

Em geral, pode-se considerar que os educandos possuem noções da

organização do seu espaço de vivência, mas que essa compreensão é bastante

limitada à medida que não conhecem os limites do seu bairro, e se contradizem ao

afirmarem, como no caso, que gostam da tranquildade do bairro e na seqüência

afirmam que o bairro é violento e que há trafico de drogas. Essas contradições

refletem a falta de um conhecimento estruturado do seu espaço de vivencia, pois

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essas compreensões estão permeadas pelas relações culturais e informações do

senso comum.

Pode-se constatar que as relações afetivas que se estabelecem com a

comunidade, para a grande maioria deles, são mais importantes que a estética e a

infra-estrutura de um determinado lugar. Esta relação afetiva também impede uma

visão mais clara e objetiva da organização espacial. Desta forma não haveria a

necessidade de reivindicar melhorias, uma vez que estariam psicologicamente

satisfeitos e inclusive sentindo-se protegidos pelos laços afetivos estabelecidos com

vizinhos e comunidade.

Constatou-se que as instituições públicas sofrem uma descrença

generalizada, devido aos problemas sociais existentes e a falta de solução deles.

Mesmo assim, algumas instituições como a escolas e as religiões gozam de

prestigio entre os jovens. Estas aparecem como prioridade, sendo representado

como símbolo ou como o objeto mais importante do espaço de vivência.

Verificou-se deficiência na leitura e interpretação de mapas e cartas, ficou

evidente que se trabalhados objetivamente e sistematicamente o crescimento é

notório. Depois de se trabalhar a temática no projeto, os elementos cartográficos,

constataram-se uma melhora significativa nas leituras e interpretação.

Na perspectiva da compreensão da organização espacial e das suas

contradições visíveis nas paisagens urbanas, desenvolveu-se o conceito de que o

educando, ou os cidadãos de uma forma geral, podem tornar-se sujeitos ativos e

comprometidos na organização de um espaço mais justo, democrático e

humanizado, visando à transformação da realidade social.

O envolvimento dos educandos no projeto de intervenção contribuiu para a

melhoria da aprendizagem, pois o resultado do aproveitamento antes da aplicação

era menor. No início do ano letivo apenas 44% dos educandos atingiram média igual

ou superior a 6,0 e no terceiro bimestre este índice subiu para 84% na 8ª série E. Na

8ª série D o índice era de 52% no início do ano letivo subindo para 88% no terceiro

bimestre.

Espera-se que estes resultados seja conseqüência da metodologia aplicada

em função das deficiências verificadas no decorrer da aplicação do projeto.

O projeto de intervenção ao contribuir para a discussão sobre o espaço local

permitiu também trabalhar com o conceito de identidade territorial e sentimento de

pertencimento ao lugar. As atividades desenvolvidas possibilitaram o despertar para

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o interesse pelos problemas. As mesmas atividades também chamaram a atenção

para os aspectos positivos de cada localidade, buscando estabelecer vínculos de

afetividade com a comunidade resgatando a auto-estima daqueles que se sentem

menosprezados por residirem em bairros carentes de infra-estrutura e de outros

recursos.

Para finalizar, trabalhar com o espaço de vivência do educando pode

contribuir para o ensino-aprendizagem de geografia de forma mais eficiente,

ampliando o desenvolvimento da consciência espacial e do raciocínio geográfico,

formando cidadãos críticos e atuantes na transformação da sociedade.

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