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O ESPORTE COMO UM TERRITÓRIO PARA DISCUSSÕES SOBRE DESIGUALDADES DE GÊNERO
José Rafael Vilela da Silva (Universidade Estadual de Londrina)
Resumo
Este artigo busca propor uma discussão acerca das desigualdades de gênero que se mostram presentes no esporte. Entende-se que o esporte pode ser lido enquanto um território marcado por estruturas e agentes que reproduzem diversas relações de poder que somente acentuam as desigualdades entre homens e mulheres neste território. Neste sentido, por meio da realização de uma investigação e discussão teórica pautada em artigos e trabalhos acadêmicos, chegou-se à conclusão de que o esporte constitui-se em um território de (re)produção de desigualdades de gênero. Contudo, caso seja repensada a função social do esporte na sociedade, este pode vir a converter-se em um espaço aberto às discussões em prol da equidade entre os gêneros e de formação de indivíduos engajados na desconstrução da estrutura machista e desigual na qual a sociedade se sustenta. Palavras-chave: Esporte; Território; Desigualdades de gênero.
Introdução
O chamado currículo pós-moderno nos chama a atenção para a importância
da abordagem e discussão de algumas questões no processo de ensino, entre elas
destacando-se as questões de gênero. Assim, enquanto uma importante disciplina
do ensino básico, a Geografia não pode fugir da abordagem destas discussões e
precisa buscar formas de inserção das discussões sobre gênero em sua pauta de
ensino, afinal as questões de gênero são essenciais à compreensão das diversas
facetas da sociedade contemporânea e suas dinâmicas no espaço geográfico.
Por sua vez, as desigualdades existentes entre homens e mulheres na
sociedade revelam uma construção sociocultural e histórica amparada na diferença
de tratamento dos indivíduos baseada na leitura biológica que é feita dos corpos e
dos sexos. Neste sentido, o esporte enquanto um campo da sociedade, apresenta-
se também enquanto espaço de (re)produção de desigualdades de gênero,
reforçando as relações de poder existentes entre os indíviduos na sociedade.
Refletindo sobre este aspecto busca-se neste trabalho o desenvolvimento de
uma análise e discussão teórica acerca das desigualdades de gênero existentes no
campo do esporte. Para tal, faz-se importante compreender que estas
desigualdades manifestam-se na diferença de tratamento, acesso e permanência
neste campo. É essencial observar que o esporte ao (re)produzir desigualdades
entre homens e mulheres acaba também por sua vez (re)produzindo uma
diversidade de relações de poder desiguais entre os indíviduos, tornando deste um
importante território a ser analisado, sobretudo no ensino de geografia.
Esporte: um território para as discussões sobre desigualdades de gênero
As discussões sobre o conceito de gênero evocam diversas definições ao
termo, promovendo assim uma pluralidade de entendimentos sobre este. Contudo,
pode-se destacar que os estudos sobre o conceito ganharam ênfase sobretudo a
partir dos anos 1960, devido aos estudos desenvolvidos em especial por
pesquisadoras que encontravam-se engajadas no movimento feminista, sobretudo
na Inglaterra e Estados Unidos. Neste momento, o conceito de gênero passa a ser
compreendido enquanto uma construção social e cultural, opondo-se assim a uma
definição biológica baseada na diferença de sexos (CARVALHO, 2013).
Após esta primeira fase de discussões sobre gênero, novas definições
gradativamente surgem. E assim, segundo Carvalho (2013) definições e estudos
mais recentes sobre o conceito, em especial a partir da década de 1990,
desenvolvidos por pesquisadoras pós-estruturalistas, passam a não opô-lo mais ao
sexo, mas também passam a incluir a percepção dos indivíduos sobre este, tendo
em vista a inserção em uma dada construção histórico-social.
Neste trabalho buscou-se o amparo teórico na definição de gênero trazida por
Joan Scott, onde esta aponta que: “[...] o gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é
uma forma primária de dar significado às relações de poder.” (SCOTT, 1995, p.86).
Analisando o conceito de gênero e sua implicação nas relações de poder na
sociedade, pode-se apontar que o esporte compreende um campo onde muitas
vezes a cisão entre o que se define enquanto “masculino” e “feminino” é reforçada e
consolidada, conduzindo a acentuação de desigualdades existentes e aumentando a
lacuna entre homens e mulheres nas relações de poder desenvolvidas neste campo.
O esporte segundo Barbanti (2006, p.57) pode ser compreendido enquanto:
“Uma atividade competitiva institucionalizada que envolve esforço físico vigoroso ou
o uso de habilidades motoras relativamente complexas, por indivíduos, cuja
participação é motivada por uma combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos”.
Apesar desta definição não explicitar diretamente uma diferença de
tratamento entre homens e mulheres no esporte, este enquanto um espaço inserido
no contexto da sociedade, também reproduz em seu interior aspectos desta. Sendo
assim, de acordo com Santos, Souza e Bonfim (2015, p.14):
[...] o esporte, os jogos e as brincadeiras intrinsecamente trazem uma dualidade de gênero que foi sendo historicamente condicionada e inconscientemente incorporada, consolidando o preconceito, reforçando a visão reducionista e biológica utilizada como justificativa para diferenciar entre meninos e meninas as atividades durante às aulas de Educação Física e especificamente no esporte.
No caso, os estímulos a participação e manutenção no esporte de homens e
mulheres são totalmente distintos, tendo em vista principalmente fatores extrínsecos
provenientes da sociedade, esta que (re)produz uma leitura machista do esporte,
definindo-o enquanto um espaço masculino, ao reforçar a necessidade da força e
agressividade, e ao privar as mulheres de participarem devido à reprodução da
máxima de que estas são mais “frágeis” e “fracas” para o esporte (SANTOS, 2012).
Ainda de acordo com Oliveira, Cherem e Tubino (2009, p.118):
[...] Observa-se ao longo da história que a inserção da mulher no esporte tem acontecido de forma irregular, as conquistas foram conseguidas de modalidade em modalidade e sempre com muitas dificuldades.
Segundo Haesbaert (2007) os territórios estão atrelados ao poder, não
somente ao poder político tradicional, mas também ao poder no sentido mais
simbólico de apropriação e mais concreto de dominação, sendo assim múltiplo,
diverso e complexo. É neste sentido simbólico de apropriação e concreto de
dominação que o esporte pode ser lido como um território. Haja vista que este
compõe-se por uma série de relações de poder envolvendo os indíviduos, estas que
apresentam-se de forma assimétrica, sobretudo com relação às questões de gênero. Considerações finais
A importância da análise do esporte enquanto território marcado por relações
de poder, ao se buscar inserir as discussões de gênero no ensino de Geografia,
destaca-se na possibilidade que estas oferecem à compreensão das nuances e
espacialidades destas na sociedade e na constituição do espaço geográfico.
Segundo Haesbaert (2007) é importante compreender que os territórios
fazem-se atrelados às territorialidades. Estas incorporam dimensões políticas,
econômicas, sociais, culturais, e aqui precisa-se acrescentar a dimensão de gênero,
como componente do poder que dá origem aos territórios, assim esta dimensão
também precisa ser discutida e trabalhada pela Geografia no processo de ensino.
Estas discussões possuem potencial no sentido de buscar o combate as
desigualdades entre homens e mulheres no acesso, permanência e tratamento no
esporte e reduzir a lacuna existente entre os gêneros nas relações de poder. Caso
estas consigam avançar na sociedade, o esporte pode converter-se de um território
de reprodução de desigualdades de gênero para um território aberto as discussões
de gênero, ampliando assim sua função social na sociedade, ao contribuir para a
desconstrução de preconceitos e do machismo. Referências BARBANTI, Valdir. O que é esporte? Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, v. 11, p.54-58, 2006. Disponível em: <http://rbafs.org.br/RBAFS/article/view/833/840>. Acesso em: 11 mar. 2019. CARVALHO, Marília Pinto de. Gênero na sala de aula: a questão do desempenho escolar. In: MOREIRA, Antonio F.; CANDAU, Vera M. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. (Org.). 10. Ed., Petrópolis: Vozes, 2013, p. 90-124. HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade: um debate. GEOgraphia, Rio de Janeiro, ano IX, n° 17, 2007, p.19-46.
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