o estado de alma É uma paisagem paùlismo
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
TODO O ESTADO DE ALMA É UMA PAISAGEM
Paùlismo, Interseccionismo e Lúcio Cardoso
CURITIBA
2013
2
REGINA SOUZA
TODO O ESTADO DE ALMA É UMA PAISAGEM
Paùlismo, Interseccionismo e Lúcio Cardoso
Monografia apresentada à disciplina de
Orientação Monográfica em Estudos
Literários II, do Curso de Letras da
Universidade Federal do Paraná, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Letras com habilitação em
Português e ênfase em Estudos Literários.
Orientador: Profa. Dra. Patrícia da Silva
Cardoso
CURITIBA
2012
3
AGRADECIMENTOS
Aos pais, Izoleide e Osvaldo, que sempre incentivaram meus estudos.
Em especial à minha mãe, responsável pela minha primeira declamação de
poesia (Armas, de Fagundes Varela, aos seis anos de idade), que de tanto me
ouvir falar em ―Lúcio Pessoa‖ acabou incorporando a leitura da poesia em seus
dias e que me deu acalento e amor em todos os momentos de dificuldade. Ao
meu irmão, Anderson, e à prima Franciele, por sempre acreditarem em mim.
À orientadora Patrícia, tão atenciosa e receptiva, fonte de inspiração e
detentora de toda a minha admiração, que mesmo me intimidando com tanto
conhecimento, aguçou meu instinto interpretativo e me fez mergulhar no mundo
pessoano sem medo, além de me receber em sua casa de ares poéticos.
Ao Professor Luis Bueno, meu pai acadêmico, que soube ―puxar minha
orelha‖ quando necessário e me mostrou que a dificuldade só existe nos olhos
de quem a vê (além de ser o grande responsável pela minha paixão por Lúcio
Cardoso).
À Professora Milena Martins, tão doce e tão verdadeira, companheira na
paixão por Carlos Drummond de Andrade, agradeço pelo apoio, pelas
conversas, pelas ótimas aulas, pela inspiração e por me presentear com livros
do Fernando Pessoa.
Aos Professores Antonio Nery (pelo incentivo e pelos conselhos
acadêmicos), Caetano Galindo (por me fazer gostar de Linguística), Sandra
Stroparo (por me mostrar que é preciso ter disciplina e amor pela arte), Paulo
Soethe (tão querido e responsável pelo meu primeiro artigo acadêmico),
Bernardo Brandão (amigão e fã de hard rock) e Waltencir Oliveira (por me fazer
amar ainda mais a poesia e por me acompanhar, depois da aula, até o ponto
de ônibus).
A Ésio Macedo Ribeiro, meu guru acadêmico, por ser tão amável,
atencioso, receptivo e amigo. Agradeço por você ter estudado a poesia do
nosso querido Lúcio e por trabalhar exaustivamente na divulgação de sua obra.
Seu trabalho foi fundamental para a realização dessa pesquisa. Seu incentivo e
amizade fizeram com que eu acreditasse em mim.
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A Rafael Cardoso, sangue do Lúcio, amigo e conselheiro, por quem
nutro uma admiração indescritível.
Às amigas/irmãs Elisa Carolina Pescador e Giselle Pupo, meus
heterônimos de carne e osso, extensões da minha alma, intersecções de
minhas paisagens exterior e interior; sem vocês, nada seria possível. À Ingrid
Richter, por ser tudo o que a palavra ―amigo‖ abarca.
À amiga Vanessa Hey, companheira de tantos poemas vividos,
simplesmente por ser quem é. À Ana Carolina Torquato, por iluminar tudo, pelo
sorriso, pelo incentivo, pela música, por se tornar essencial em minha vida. À
Amiga Érica Ignácio, por ir comigo até o Rio de Janeiro comemorar o
centenário do Lúcio, por estar comigo na alegria e na tristeza acadêmica,
sempre parceira, sempre fiel. À Jaqueline Silva e Juliana da Silva, que
acompanharam esse final de graduação e consolaram como apenas bons
amigos seriam capazes de fazer.
A Jeferson Ramos, amigo de toda a vida, por dividir o amor por
Fernando Pessoa e por me inspirar de diversas maneiras. A Renato Rodrigues,
por me mostrar que sou mais capaz do que eu considerava ser.
A todos os amigos que acompanharam minha trajetória acadêmica, em
especial: Luciane Alves, Enaiê Azambuja, Eduardo Soczeki, Ana Elisa
Germano, Daniel Silva, Angélica Nery, Adriano Hoffman, Sany Omura, Raphael
Gorny, as meninas do Lady Be, os meninos do Pallets, Neto, Willian Marques e
Rafael Albanski.
E, claro, a Fernando Pessoa e Lúcio Cardoso, simplesmente por
dividirem sua paisagem interior com o mundo.
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RESUMO
A presente pesquisa tem por objetivo estabelecer um diálogo entre a poesia
interseccionista e paùlica de Fernando Pessoa e a poesia de Lúcio Cardoso.
Será analisada a maneira como cada poeta trabalha temas e formalidades
estéticas em comum, colocando a poesia cardosiana em debate, bem como
aspectos da obra de Fernando Pessoa que foram ofuscados pela construção
heteronímica. A partir da premissa de que ―todo estado de alma é uma
paisagem‖, será discutida a ocorrência da paisagem como representação de
um estado de alma nas obras poéticas de Lúcio e Pessoa.
PALAVRAS-CHAVE: Fernando Pessoa; Lúcio Cardoso; Interseccionismo;
Poesia portuguesa; Poesia brasileira; Literatura comparada.
ABSTRACT
This research aims to establish a dialogue between the ―interseccionist‖ and
―paùlica‖ poetry of Fernando Pessoa and the poetry of Lúcio Cardoso. It will be
analyzed how both authors work on themes and aesthetic procedures in
common. Cardoso‘s poetry will also be debated, as well as aspects of Fernando
Pessoas‘s work that were overshadowed by the heteronymic construction. It will
be discussed the occurrence of landscape as a state of mind representation in
the poetic works of Lúcio and Pessoa on the premise that ―all state of mind is a
landscape‖.
KEY WORDS: Fernando Pessoa; Lúcio Cardoso; Interseccionism; Portuguese
poetry; Brazilian poetry; Comparative literature.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................7
CAPÍTULO I: Paùlismo, Interseccionismo e o Modernismo português......11
CAPÍTULO II: Todo estado de alma é uma paisagem...................................34
CAPÍTULO III: Paùlismo, Interseccionismo e Lúcio Cardoso......................44
CONCLUSÃO....................................................................................................61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................63
7
INTRODUÇÃO
Fernando Pessoa (1888-1935) dispensa apresentações. Sua obra
mudou para sempre a literatura do século XX, sobretudo com a construção
heteronímica que, ainda hoje, é tema das mais diversas discussões literárias e
existenciais. Contudo, a ênfase direcionada a essa parte de sua obra, muitas
vezes, acaba por reduzir outros aspectos de sua literatura, como seus projetos
paùlista e interseccionista, que em geral são considerados infrutíferos pela
crítica. Um dos objetivos desta pesquisa é mostrar que tanto o Paùlismo quanto
o Interseccionismo deixaram marcas relevantes na obra pessoana, sendo
possível encontrar ressonâncias dessas manifestações poéticas, não apenas
em outros poemas de Fernando Pessoa, mas, inclusive, em poetas de outras
tradições literárias, como Lúcio Cardoso. Ainda que seja indiscutível a posição
do poema ―Impressões do Crepúsculo‖ como genuinamente paùlista, e ―Chuva
Oblíqua‖ como legitimamente interseccionista, não se pode negar que a
proposta de uma poesia que exprima a relação entre subjetivo/objetivo e
interior/exterior esteja presente em grande parte da obra pessoana.
Lúcio Cardoso (1912-1968), nascido em Curvelo, Minas Gerais, produziu
uma obra relevante não apenas na literatura, mas no teatro, no cinema e nas
artes plásticas. Reconhecido, sobretudo, por sua ficção (sendo Crônica da casa
assassinada seu romance de maior repercussão crítica), seus poemas
publicados nos anos 1940 não passaram despercebidos por críticos e poetas
da época. Embora não tenha despertado grande aclamação crítica, sua poesia
foi apreciada por poetas como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de
Morais e Augusto Frederico Schmidt. Lúcio publicou em vida dois livros de
poesia: Poesias (1941) e Novas Poesias (1944). Em 1982, foi publicado
Poemas Inéditos, com edição organizada por Octávio de Faria. Contudo, a obra
cardosiana (mesmo a obra ficcional) passou por um período de limbo, e sua
poesia permaneceu por muito tempo de difícil acesso, já que não recebeu
reedições. No entanto, em 2011, Ésio Macedo Ribeiro organizou a edição
crítica da Poesia Completa de Lúcio, recuperando, além das poesias
publicadas, outros poemas que permaneciam inéditos.
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A ideia de trabalhar com esses dois poetas surgiu com a leitura da nota
preliminar de Cancioneiro, na qual Fernando Pessoa afirma que ―todo estado
de alma é uma paisagem‖. Uma vez que a poesia cardosiana trata,
essencialmente, da manifestação de um estado de alma através da paisagem,
considerei relevante verificar como essa temática é trabalhada por cada um
dos poetas, estabelecendo um diálogo entre suas obras poéticas
(considerando, para tanto, apenas a poesia ortónima de Fernando Pessoa). É
fato que Lúcio Cardoso era um grande admirador de Fernando Pessoa, tendo
contribuído com o texto ―A voz de um profeta‖, a respeito do poeta português,
na publicação de Três poetas brasileiros apaixonados por Fernando Pessoa:
Cecília Meireles, Murilo Mendes e Lúcio Cardoso, como informa Ésio Macedo
Ribeiro.
De todo modo, o objetivo dessa pesquisa não é o de encontrar
semelhanças entre os dois poetas, mas verificar como cada um aborda temas
e formalidades estéticas em comum, colocando a poesia cardosiana em
debate, assim como aspectos da obra de Fernando Pessoa que foram
ofuscados pela construção heteronímica.
No primeiro capítulo, a preocupação é situar o Paùlismo e o
Interseccionismo no contexto do Modernismo português, analisando a proposta
poética de Fernando Pessoa para a elaboração de cada ―ismo‖ em questão,
valendo-se, primordialmente, dos textos extraliterários do próprio poeta. Serão
explorados os elementos formais para a construção dos poemas ―Impressões
do Crepúsculo‖ e ―Chuva Oblíqua‖, baseando-se, sobretudo, nos estudos de
Caio Gagliardi. Ademais, será discutida a recepção crítica dessas duas
manifestações literárias, revendo definições a elas aplicadas, na tentativa de
afastar a ideia de evolução na obra pessoana. Tratarei, ainda, da possível
―recusa‖ de Fernando Pessoa ao Interseccionismo. Para tanto, priorizo os
textos do próprio Pessoa, dialogando com textos críticos de Maria Aliete
Galhoz, Caio Gagliardi, George Rudolf Lind, Óscar Lopes, José Augusto
Seabra, Paula Cristina Lopes, entre outros.
O segundo capítulo tem como foco principal a discussão da nota
preliminar atribuída ao projeto poético Cancioneiro, na qual Fernando Pessoa
defende a ideia de percepção simultânea de uma paisagem interior e exterior.
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Para essa discussão, recorro aos artigos de Michel Collot e Carmem Lúcia
Negreiros de Figueiredo, os quais tratam da importância da paisagem na
poesia. A partir da concepção da representação de um estado de alma através
da paisagem, se estabelecerá um diálogo com a poética de Lúcio Cardoso,
analisando como o poeta mineiro desenvolve essa temática.
No terceiro e último capítulo, será abordada a presença da poesia
pessoana em Lúcio Cardoso, já percebida pelos críticos Mario Carelli e Ésio
Macedo Ribeiro. Contudo, serão apontadas as distinções no que diz respeito
ao fazer poético dos dois poetas, para então se estabelecer uma interação
entre suas poéticas. Será recuperada a teorização poética sugerida por
Fernando Pessoa no artigo ―A nova poesia portuguesa‖, bem como os
elementos formais abordados por Caio Gagliardi a respeito do Paùlismo e do
Interseccionismo, com intuito de apontar as ressonâncias desses textos na
poética cardosiana. Além disso, procuro verificar as ocorrências paùlicas no
poema ―Hora Absurda‖, de Fernando Pessoa, e nos poemas ―[Para esta Água
Concorro, com Este Branco]‖, ―Chuva‖, ―Caminho Inútil‖ e ―A Casa do Solteiro‖,
de Lúcio Cardoso, sempre atentando para a solução que cada poeta oferece
para os elementos em comum.
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É um dia frio e com intermitências de bruma e de sol: passeio,
e não encontro mais o encanto que sempre encontrei aqui,
tudo me parece vazio e sem significado. Mas a paisagem não é
a mesma, e a estação e os trilhos da estrada de ferro que eu
tanto amo? Bato inutilmente o carvão que cobre a estrada –
não, realmente essas coisas já não têm mais o mesmo gosto.
E sou eu que mudei, não há nenhuma dúvida, e não tenho
mais calor, nem paciência, nem mocidade para inventar dos
lugares o luxo que sempre inventei para poder amá-los. Eles se
esgotam ante os meus olhos impotentes: queira ou não queira,
deles sou estrangeiro para sempre.
Lúcio Cardoso, 1961,
Diário completo
11
1. PAÙLISMO, INTERSECCIONISMO E O MODERNISMO PORTUGUÊS
[...] não evoluo, VIAJO. [...] Por isso dei essa
marcha em mim como comparável, não a uma
evolução, mas a uma viagem: não subi de um
andar para outro; segui, em planície, de um para
outro lugar.
Fernando Pessoa,
Carta a Adolfo Casais Monteiro, 20 de
janeiro de 1935
I
De acordo com Osvaldo Silvestre, ―no plano social e ideológico, o
Modernismo é um movimento reactivo face ao devir massificado da sociedade
burguesa e do seu fundamento capitalista‖ (2010, p. 473). Enquanto a
Vanguarda exalta a novidade, partindo de um ponto de vista futurista, o
Modernismo se manifesta contra o comportamento capitalista, em especial no
que se refere à produção artística. Na literatura, especificamente, há a proposta
de uma nova linguagem, sobretudo poética, que abre as possibilidades de
experimentação em busca de uma nova sensação e percepção. Pretende-se
12
elevar a poesia a um plano sensorial extremo, despreocupando-se com a
coerência superficial do texto e, dessa maneira, afastando-se de formas pré-
estabelecidas por tradições literárias anteriores.
A proposta modernista, considerando-se aqui a terceira fase do
processo de modernização classificado por Marshall Berman1, surge em um
período histórico conturbado: Primeira Grande Guerra, crise econômica,
ruptura consensual entre política, ética, moral e ciência, secularização e
desestruturação social. Com a fartura de conflito, o indivíduo moderno sofre as
intempéries de seu tempo, perdendo-se e encontrando-se, em ―permanente
desintegração e mudança, de luta e de contradição, de ambiguidade e
angústia‖ (BERMAN, 1982, p. 15), como aponta Berman. A busca pela
identidade (ou não identidade) do ser reflete na arte, resultando, nas palavras
de Silvestre, em ―uma literatura da interrogação, do ensaio e da dúvida, que
recorre preferencialmente a formas de composição aberta ou suspende o
sentido em favor de uma epifania do fragmento e do inconcluso‖ (2010, p. 474).
Nesse sentido, a produção literária em Portugal entre 1912 e 1930, embora não
homogênea nem estritamente moderna, estabelece uma interferência estética
relevante na literatura do século XX.
A publicação da revista Orpheu, em 1915, tornou-se um marco mítico
para o Modernismo português, uma vez que foi convertida em símbolo da
geração modernista portuguesa. Com apenas dois números publicados, o
objetivo primordial do periódico era o de criar e promover uma arte cosmopolita
e desnacionalizada por meio de experiências estéticas. Contudo, a revista
causou furor entre críticos e leitores, despertando o escárnio e a
incompreensão. Mesmo com as tiragens esgotadas nos dois volumes, a falta
de recursos financeiros impediu a realização de outras edições2.
Maria Aliete Dores Galhoz afirma que ―o aparente desarrumo e pressa
das feições do modernismo, em Orpheu, é suficientemente estruturado para
permitir uma aproximada compreensão dos seus valores e uma, também
1 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Schwarcz, 1982.
2 Orpheu 3 chegou a ser elaborado e a ter provas tipográficas, contudo, não circulou por falta
de recursos financeiros. Em 1984 foi publicado pela editora Ática e fac-similado pela Nova
Renascença.
13
aproximada, destrinça das sugestões donde parte e donde se modifica‖
(GALHOZ, 1989, p. 35-36). Dessa maneira, embora não admita nenhuma
Vanguarda, ou mesmo o Modernismo, como forma de arte absoluta, Orpheu
apresenta uma variedade estética que ultrapassa o mero rompimento com a
literatura da Renascença portuguesa3; a proposta é a de ―uma arte-todas-as-
artes‖, uma intersecção das artes de todas as partes do mundo, como aponta
Fernando Pessoa em texto que data, aproximadamente, 1915. Assim, a
variação do esteticismo órfico, segundo Galhoz, pode ser encontrada nos
diversos ―ismos‖ literários explorados pelos poetas de Orpheu: Paùlismo,
Interseccionismo, Simultaneísmo, Futurismo, Simbolismo, Decadentismo e
Sensacionismo.
A respeito das diversas manifestações artísticas e literárias contidas em
Orpheu, Fernando Pessoa esclarece:
Os Directores do ORPHEU julgam conveniente, para que se evitem
erros futuros e más interpretações, esclarecer, com respeito à arte e
formas de arte que nessa revista foram praticadas, o seguinte:
(1) O termo «futurista», que designa uma escola literária e artística
possivelmente legítima, mas, em todo o caso, com normas estreitas e
perfeitamente definidas, não é aplicável ao conjunto dos artistas de
ORPHEU, nem, até, a qualquer d'eles individualmente, ressalvado o
caso do pintor Guilherme de Santa Rita, e lamentáveis episódios de
José de Almada-Negreiros.
(2) Os termos «sensacionista» e «interseccionista», que, com maior
razão, se aplicaram aos artistas de ORPHEU, também não têm
cabimento. Sensacionista é só Álvaro de Campos; interseccionista foi
só Fernando Pessoa, e em uma só colaboração — a «Chuva
Oblíqua» em ORPHEU 2.
(3) O termo «modernista», que por vezes também se aplicou aos
artistas de ORPHEU, não lhes pode também ser aplicado, por isso
que não tem significação nenhuma, a não ser para designar —
porque assim se designou — a nova escola pragmatista e exegética
3 A Renascença portuguesa foi um movimento nacionalista, firmado principalmente pela
publicação da revista A Águia, a qual teve contribuições de Fernando Pessoa e Mário de Sá
Carneiro. Insatisfeitos com o movimento, os dois poetas abandonaram-no para fundar Orpheu.
14
dos Evangelhos, nascida a dentro da Igreja Católica, e condenada
pelo Papa, por excessivamente tendente a procurar a verdade.
(4) Os artistas de ORPHEU pertencem cada um à escola da sua
individualidade própria, não lhes cabendo portanto, em resumo do
que acima se disse, designação alguma colectiva. As designações
colectivas só pertencem aos sindicatos, aos agrupamentos com uma
ideia só (que é sempre nenhuma) e a outras modalidades do instinto
gregário, vulgar e natural nos cavalos e nos carneiros. (PESSOA,
1993, p. 138)
A preocupação de Pessoa, nesse fragmento, é esclarecer a não
configuração de grupo dos colaboradores de Orpheu, uma vez que a revista se
propõe apenas à exposição de uma multiplicidade de artistas e obras,
afastando de si a intenção de ser o retrato de uma geração. Todavia, Orpheu
tornou-se a representação da nova poesia portuguesa, categorizada
superficialmente como moderna, embora carregue influências de diversas
manifestações literárias.
Uma das influências não modernas que percorre a proposta órfica é o
Simbolismo, que originou os ―ismos‖, inaugurados por Fernando Pessoa,
Paùlismo e Interseccionismo. Esses dois ―ismos‖ interessam, particularmente,
ao estudo desenvolvido na presente pesquisa, pois serão o ponto de encontro
com a poesia de Lúcio Cardoso.
II
O Paùlismo surge dois anos antes da publicação de Orpheu, com o
poema ―Paúis‖ (mais tarde intitulado ―Impressões do Crepúsculo‖), escrito em
1913 e publicado em 1914, na revista A Renascença. Primeiro poema
publicado de Fernando Pessoa, ―Paùis‖ traz uma poética previamente
estruturada, já indicada no artigo ―A nova poesia portuguesa‖, publicado em A
Águia, em 1912, no qual Pessoa propõe uma poética composta por três
elementos: o vago, o subtil e o complexo. Para o ensaísta,
15
[...] Ideação vaga é coisa que é escusado definir de exaustivamente
explicante que é de per si o mero adjectivo; urge, ainda assim, que se
observe que ideação vaga não implica necessariamente ideação
confusa, ou confusamente expressa [...]. Implica simplesmente uma
ideação que tem o que é vago ou indefinido por constante objecto e
assunto, ainda que nitidamente o exprima ou definidamente o trate;
sendo contudo evidente que quanto menos nitidamente o trate ou
exprima mais classificável de vaga se tornará. [...] (PESSOA, 1980, p.
45)
Assim, o objeto de discussão do eu lírico passa a ser indefinido e vago,
mesmo que expresso de forma nítida e compreensível. Contudo, quanto menos
inteligível for a expressão desse objeto, mais vaga será a ideação do poema.
Pessoa afirma, ainda, que a poesia simbolista francesa é vaga e obscura,
diferentemente da nova poesia portuguesa, que se vê vaga sem ser obscura; o
vago, aqui, é o ponto de encontro com o Simbolismo.
Com relação ao subtil, o poeta explica:
[...] Por ideação subtil entendemos aquela que traduz uma sensação
simples por uma expressão que a torna vivida, minuciosa, detalhada
— mas detalhada não em elementos exteriores, de contornos ou
outros, mas em elementos interiores, sensações — sem contudo lhe
acrescentar elemento que se não encontre na directa sensação
inicial.[...] (PESSOA, 1980, p. 45)
Essa expressão, a qual se refere Pessoa, deve intensificar uma
sensação, mas não prolongá-la, tornando a poesia, paradoxalmente, subjetiva
e objetiva, na qual a ideia é intelectualizada e o sentimento interior detalhado
objetivamente.
Por fim, a ideação complexa é
[...] a que traduz uma impressão ou sensação simples por uma
expressão que a complica acrescentando-lhe um elemento
explicativo, que, extraído dela, lhe dá um novo sentido. A expressão
subtil intensifica, torna mais nítido; a expressão complexa dilata, torna
maior. A ideação subtil envolve ou uma directa intelectualização de
uma ideia ou uma directa emocionalização de uma emoção: daí o
16
ficarem mais nítidas, a ideia por mais ideia, a emoção por mais
emoção. A ideação complexa supõe sempre ou uma intelectualização
de uma emoção, ou uma emocionalização de uma ideia: é desta
heterogeneidade que a complexidade lhe vem. [...] (PESSOA, 1980,
p. 45)
Diferentemente da ideação subtil, que intensifica uma sensação, a
ideação complexa acrescenta um elemento que complementa e expande essa
sensação. Em vez de intelectualizar uma ideia, o complexo emocionaliza essa
ideia, podendo, ainda, intelectualizar uma emoção.
Com essa teorização poética, Pessoa estabelece as bases da poesia
paúlica, aplicada no já referido poema, transcrito a seguir:
IMPRESSÕES DO CREPÚSCULO (PAÚIS)
Paúis que roçarem ânsias pela minh’alma em ouro...
Dobre longínquo de Outros Sinos... Empalidece o louro
Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal por minh’alma...
Tão sempre a mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!...
Silêncio da parte inferior das folhas, Outono delgado
D'um canto de vaga ave... Azul esquecidos em estagnado...
Ó que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!...
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!...
Estendo as mãos para Além, mas no estender delas já vejo
Que não é aquilo que quero aquilo que desejo...
Címbalos de Imperfeição... Ó tão antiguidade
A hora expulsa de si-Tempo!... Onda de recuo que invade
O meu abandonar-me a mim-próprio até desfalecer
E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer...
Fluido de auréola transparente de Foi, oco de ter-se...
O Mistério sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o não conter-se...
A sentinela é hirta, a lança que finca no chão
É mais alta que ela... P'ra que é tudo isto... Dia chão...
Trepadeiras de despropósito lambendo de Hora os Aléns!
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são elos de erro!
Fanfarras de ópios de silêncios futuros!... Longes trens!...
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Portões vistos longe, através das árvores, tão de ferro!...
(PESSOA, 1942)
O poema apresenta versos livres com rimas emparelhadas até o 18º
verso; os últimos quatro versos, com rimas alternadas, abandonam a forma
fixa. A partir dos três elementos pontuados por Pessoa (o vago, o subtil e o
complexo), Caio Gagliardi reconhece, em ―Paúis‖, as seguintes manifestações:
1) termos e expressões sofisticados ou pouco usados, como ―pauis‖
(plural de paul, pântano); ―Balouçar de cimos de palma!‖ (balançar do
cume da palmeira); 2) paradoxos e oxímoros, tais como ―mudo grito‖;
―Que não é aquilo que quero aquilo que desejo...‖; ―Onda de recuo
que invade‖; ―E recordar tanto o Eu presente que me sinto
esquecer!...‖; 3) uso de maiúsculas alegorizantes, que essencializam
os termos (―Outros Sinos‖; ―Azul‖; ―Hora‖; ―Imperfeição‖; ―Tempo‖;
―Eu‖; ―Mistério‖; ―Aléns‖); 4) associação entre termos concretos e
abstratos (―Corre um frio carnal por minh‘alma‖; ―Outono delgado‖; ―...
põe garras na Hora‖; ―Címbalos de Imperfeição‖; ―Trepadeiras de
despropósito‖; ―Fanfarra de ópios de silêncios futuros!...‖); 5) excesso
de reticências e exclamações nos fins e meios dos versos, entre
outros. (2010, p. 609)
Pode-se acrescentar, aos apontamentos de Gagliardi, a recorrência de
alguns termos durante o poema (―ânsias‖/‖ânsia‖; ―Hora‖; ―Silêncio‖/‖silêncios‖;
―Além‖/‖Aléns‖; ―chão‖; ―Longes‖/‖longe‖), bem como a referência a elementos
da natureza ou de uma paisagem externa (―Paúis‖; ―trigo‖; ―poente‖; ―cimos da
palma‖; ―folhas‖; ―ave‖; ―luar‖, entre outros). Para Paula Cristina Costa, Pessoa
tenta ―conciliar a ‗materialização do espírito‘ com a ‗espiritualização da
natureza‘, numa harmonia de contrários procurada entre uma poesia
simultaneamente objectiva e subjectiva, uma poesia da alma e da natureza‖
(2010, p. 610).
Caio Gagliardi verifica que ―nesse momento da poesia de Pessoa, esse
é o sentido com que a arte confunde-se com o sonho – em que não há
exactidões, causalidades, valores morais ou clareza de propósito. Numa
expressão, o mundo exterior é fragmentado e metamorfoseado em onírico‖
(2010, p. 609). Em um ambiente irreal e abstrato, o eu lírico se revela taciturno
18
e enigmático, em conflito consigo mesmo, com seus desejos, com seu presente
e com seu futuro. Conquanto anseie por uma mudança, não é capaz de defini-
la, afastando-se de si mesmo (‖O meu abandonar-me a mim-próprio até
desfalecer‖) e encontrando apenas o tédio existencial. Além de a temática
apresentar ligeira aproximação com o Simbolismo, é possível ainda observar
que a atitude do eu lírico é muito próxima à descrição do indivíduo moderno,
citada por Marshall Berman. Em texto atribuído a Álvaro de Campos, o
heterônimo afirma que ―o paùlismo pertence à corrente cuja primeira
manifestação nítida foi o simbolismo. [...] é um enorme progresso sobre todo o
simbolismo e neo-simbolismo de lá fora.‖ (PESSOA, 1966, p.125). Não é à toa
que George Rudolf Lind considera o Paùlismo e o Interseccionismo como
tentativas de aperfeiçoamento do Simbolismo:
O Simbolismo já não lhe parece o canto de cisne duma época
literária, mas sim um possível começo para qualquer coisa de
diferente, de novo. Com isto fica o caminho livre para as teorias tanto
paulista como interseccionista. Esta atitude também explica a razão
de ambas as doutrinas, apesar da polémica de Pessoa contra uma
arte subjectiva, serem afinal prolongamentos da escola simbolista.
(LIND, 1970, p. 39)
José Gaspar Simões considera a poesia paúlica ―cerebral‖: ―são
princípios filosóficos postos em verso com uma aplicação diligente, com muito
maior aplicação, pelo menos, que espontaneidade ou intuição‖ (1950, p. 190).
Nesse sentido, Richard Zenith afirma que Pessoa
Chegou a definir o paulismo como ‗o culto da artificialidade‘, e
preteriu-o em favor do ‗interseccionismo‘, que pretendia ser mais
construtivista, [...] À semelhança do movimento precursor, o
interseccionismo [...] caracterizava-se por uma ‗subjetividade
excessiva‘ e um ‗exagero da atitude estática’, mas procurava ser mais
incisivo, justapondo, de forma bem nítida, diversos planos ou
dimensões em simultâneo. (2011, p. 105)
19
Zenith se refere ao Paùlismo como ―precursor‖ do Interseccionismo,
afirmando que Pessoa ―preteriu-o em favor do interseccionismo‖. Óscar Lopes
alega que ―[...] o seu Paulismo evolui em geral para o Interseccionismo ou para
a poesia do Oculto.‖ (LOPES, 1987, p. 492). Paula Cristina Costa escreve, a
respeito do Interseccionismo: ―É ‗um novo género de paulismo‘ – afirmou
Pessoa a Côrtes-Rodrigues, em carta datada de 4-10-1914.‖ (2010, p. 363).
Nessa carta a Armando Cortês-Rodrigues, o que Fernando Pessoa afirma, logo
no início, é o seguinte: ―Verdade seja que descobri um novo género de
paùlismo. Mas preciso completar o feito. Então lho mandarei. Para a mala
seguinte, provavelmente.‖ (PESSOA, 1985, p. 36). Porém, mais adiante e na
mesma carta, planeja publicar ―uma Antologia do Interseccionismo‖, na qual já
consta o poema interseccionista ―Chuva Oblíqua‖ e, no último tópico, ―O
Interseccionismo explicado aos inferiores. (É aquela explicação do
interseccionismo por meio de gráficos que, uma vez, na Brasileira, lhe delineei.
Recorda-se?)‖ (PESSOA, 1985, p. 36). O poeta solicita, inclusive, que o amigo
envie ―o que de mais caracteristicamente interseccionista tem‖, comprovando,
com essas passagens, que tanto o Interseccionismo quanto o Paùlismo já eram
conhecidos e assimilados pelo grupo de poetas citado na carta.
A partir da análise da referida carta, constata-se que esses dois ―ismos‖
existiam simultaneamente e, pelo menos a essa altura, o Interseccionismo não
seria o ―novo género de paùlismo‖, citado no início da correspondência. Dessa
maneira, seria equivocado considerar a proposta interseccionista como uma
evolução do Paùlismo; é mais adequado considerar, aqui, uma fusão de
―ismos‖, não só entre Paùlismo-Interseccionismo, mas entre os diversos
―ismos‖ presentes, por exemplo, em Orpheu. Assim, por mais que ―Paùis‖
apresente uma artificialidade ou, como sugere Simões, seja mais cerebral que
intuitivo, essa não parece ser a razão pela qual Pessoa tenha desenvolvido o
Interseccionismo, isto é, uma manifestação não ocorre em detrimento da outra.
Nas palavras de Rudolf Lind, ―O novo estilo de Pessoa está mais próximo do
Paùlismo do que o que querem admitir críticos como J. G. Simões.‖ (LIND,
1970, p. 61).
20
III
Embora já citado por Fernando Pessoa em diversas correspondências
trocadas com Mário de Sá-Carneiro e Côrtes-Rodrigues, o Interseccionismo
estreia com a publicação do poema ―Chuva Oblíqua‖, em 1915, no Orpheu 2.
Maria Aliete Galhoz define a manifestação interseccionista como o
―ajustamento a uma diferente exploração psíquica‖, em que memórias,
experiências ou vivências são chamadas pelo inconsciente, interpenetrando-se
a paisagens exteriores, compondo a intersecção do plano imaginário e do real.
Nas palavras de Pessoa,
Assim nós temos:
a) intersecção duma paisagem com um estado de alma, concebido
como tal.
b) intersecção duma paisagem com um estado de alma que consiste
num sonho.
c) intersecção duma paisagem com outra paisagem (simbólica esta
dum estado de alma — como, por exemplo, «dia de sol» de alegria).
d) intersecção duma paisagem consigo própria, operando nela divisão
o estado de alma de quem a contempla. (PESSOA, 1993, p. 135)
Paula Cristina Lopes aproxima o Interseccionismo pessoano à pintura
futurista italiana, apoiando-se no Manifesto de Gino Severini, publicado em
1913, no qual o autor, segundo a interpretação de Cristina Lopes, sugere uma
―sensação dinâmica‖ por meio de uma ―analogia real‖ e uma ―analogia
aparente‖. Para Óscar Lopes, o ―ismo‖ em questão ―é uma original assimilação
literária da estética plástica cubista‖ (LOPES, 1987, p. 458). Outros críticos,
como Teresa Rita Lopes4, Antonio Tabucchi5 e José Augusto Seabra, também
defendem a vertente cubista em ―Chuva oblíqua‖, sendo que, para Seabra, a
―intersecção das sensações é comparável à interpenetração e sobreposição de
4 Pessoa, Fernando. Melhores poemas. Sel. e apresentação de Teresa Rita Lopes, 10. ed. São
Paulo: Global Editora, 1986.
5 Tabucchi, Antonio. Pessoana Mínima. S/l.: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984.
21
planos na visão dos objetos que o Cubismo tentou realizar em pintura.‖
(SEABRA, 1991, p. 143).
De fato, em manuscrito não datado, Pessoa estabelece graus de
interseccionismo, que incluem a intersecção nas artes plásticas:
Interseccionismo no 1º grau — ou interseccionismo material. —
Intersecção das realizações artísticas. O dos futuristas e dos
cubistas, que interseccionam pintura e literatura, escultura e literatura.
Interseccionismo de 2º grau: o dos processos artísticos.
Interseccionismo de 3º grau: o dos géneros de inspiração.
Interseccionismo de 4º grau: o dos objectos de inspiração.
Os românticos tentaram juntar. Os interseccionistas procuram fundir.
Wagner queria música + pintura + poesia. Nós queremos música x
pintura x poesia. (PESSOA, 1993, p. 134)
Não obstante, considerar o Interseccionismo pessoano apenas como a
aplicação do cubismo e do futurismo na literatura, seria reduzi-lo a mera
transferência conceitual e artística. A esse respeito, George Rudolf Lind
esclarece:
Se nos lembramos de que o que os pintores cubistas pretendiam era
representar simultaneamente as várias superfícies dum objeto, as
visíveis e as encobertas, é-nos fácil descobrir que o Interseccionismo
nada tem a ver com a técnica dos cubistas. O processo da
intersecção de superfícies diversas não pode ter derivado do cubismo
nem pode, legitimamente, ser relacionado com ele. (LIND, 1970, p.
61)
Caio Gagliardi, em sua tese Fernando Pessoa ou Do Interseccionismo,
analisa minuciosamente a possível aplicação do cubismo em ―Chuva Oblíqua‖,
concluindo que, mesmo a poesia dita cubista, classificada pelo poeta
americano Kenneth Rexroth, difere da manifestação interseccionista. Ainda que
explore a concepção de objeto, o Interseccionismo pessoano prioriza a
sensação que se tem desse objeto.
22
Em texto não datado, intitulado ―Manifesto‖, Pessoa defende a ideia de
que a sensação é composta por um objeto (que pode ser externo ou interior) e
pela sensação propriamente dita (ou a sensação desse objeto). Assim,
estabelece:
Intersecção do Objecto consigo próprio: cubismo. (Isto é, intersecção
dos vários aspectos do mesmo Objecto uns com os outros).
Intersecção do Objecto com as ideias objectivas que sugere:
Futurismo.
Intersecção do Objecto com a nossa sensação d'ele:
Interseccionismo, propriamente dito; o nosso. (PESSOA, 1993, p.
140)
Com base no ―Interseccionismo, propriamente dito‖ (―o nosso‖), Pessoa
apresenta o poema ―Chuva Oblíqua‖ que, para Galhoz, é sinônimo de
Interseccionismo:
CHUVA OBLÍQUA
I
ATRAVESSA esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
23
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...
II
Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...
Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...
O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...
A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...
E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...
24
III
A Grande Esfinge do Egito sonha por este papel dentro...
Escrevo – e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...
Escrevo – perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Quéops...
De repente páro...
Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...
Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egito me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena...
Ouço a Esfinge rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel...
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do teto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Quéops, olhando-me com olhos muito abertos
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso...
Funerais do rei Quéops em ouro velho e Mim!...
IV
Que pandeiretas o silêncio deste quarto!...
As paredes estão na Andaluzia...
Há danças sensuais no brilho fixo da luz...
De repente todo o espaço pára...,
Pára, escorrega, desembrulha-se...,
E num canto do teto, muito mais longe do que ele está,
Abrem mãos brancas janelas secretas
25
E há ramos de violetas caindo
De haver uma noite de Primavera lá fora
Sobre o eu estar de olhos fechados...
V
Lá fora vai um redemoinho de sol os cavalos do carroussel...
Árvores, pedras, montes, bailam parados dentro de mim...
Noite absoluta na feira iluminada, luar no dia de sol lá fora,
E as luzes todas da feira fazem ruídos dos muros do quintal...
Ranchos de raparigas de bilha à cabeça
Que passam lá fora, cheias de estar sob o sol,
Cruzam-se com grandes grupos peganhentos de gente que anda na feira,
Gente toda misturada com as luzes das barracas, com a noite e com o luar,
E os dois grupos encontram-se e penetram-se
Até formarem só um que é os dois...
A feira e as luzes das feiras e a gente que anda na feira,
E a noite que pega na feira e a levanta no ar,
Andam por cima das copas das árvores cheias de sol,
Andam visivelmente por baixo dos penedos que luzem ao sol,
Aparecem do outro lado das bilhas que as raparigas levam à cabeça,
E toda esta paisagem de primavera é a lua sobre a feira,
E toda a feira com ruídos e luzes é o chão deste dia de sol...
De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira
E, misturado, o pó das duas realidades cai
Sobre as minhas mãos cheias de desenhos de portos
Com grandes naus que se vão e não pensam em voltar...
Pó de oiro branco e negro sobre os meus dedos...
As minhas mãos são os passos daquela rapariga que abandona a feira,
Sozinha e contente como o dia de hoje...
VI
O maestro sacode a batuta,
26
E lânguida e triste a música rompe...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé de um muro de quintal
Atirando-lhe com uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo...
Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...
Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música,
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão tomando-se jockey amarelo...
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)
Atiro-a de encontro à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal... E a música atira com bolas
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos...
Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...
E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há arvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei
27
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...
E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tomando-se preto,
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...
(PESSOA, 1965, p. 113-117)
Poema escrito em versos brancos e livres, composto por seis partes que
não mantêm relação direta, mas que conduzem o eu lírico por uma espécie de
transe que perpassa imagens (paisagens exteriores e interiores) e sensações.
A ideia de intersecção de um objeto com a sensação que se tem dele,
defendida por Pessoa, assim como a intersecção de diferentes paisagens da
alma e do mundo exterior, são a principal característica do poema.
Caio Gagliardi atenta para o fato de o termo ―Interseccio-nismo‖ indicar
apenas o procedimento de intersecção de planos sensoriais, supondo ser esse
seu único recurso estilístico. No entanto, ―Chuva Oblíqua‖ apresenta uma
diversidade de técnicas de escrita, das quais Gagliardi ressalta:
1) Séries de Oposições Categoriais (―luz/sombra‖; ―dia/noite‖;
―branco/negro‖; ―chuva/sol‖; ―silêncio/som‖; ―em cima/embaixo‖;
―vertical/horizontal‖), estabelecidas não apenas entre termos comuns,
mas entre as seguintes categorias que germinarão nessa poesia:
―eu/outro‖; ―presente/passado‖; ―sonho/pensamento‖;
―consciência/sensação‖; ―dentro/fora‖; ―ser/não-ser‖ e ―vida/morte‖.
(GAGLIARDI, 2010, p. 158)
O conjunto de opostos apresentados no poema, além de ser construído
por meio de adjetivos e substantivos que formam antíteses, também se dá por
oposições de caráter existencial (―eu/‖outro‖; ―ser‖/‖não ser‖; ―vida‖/‖morte‖)
lembrando, novamente, o conflito existencial moderno apontando por Marshall
Berman. Essa ideia de oposição se estenderá ao fenómeno heteronímico, fato
28
já evidenciado em estudos de José Augusto Seabra 6e José Gil7. Para
Gagliardi, a antítese sugere a ―coexistência de opostos‖, uma constante da
poesia pessoana.
2) Concretização de substantivos abstratos, que funde paisagens
distintas, apagando as diferenças entre suas naturezas objetiva e
subjetiva. Assim, num mesmo período, o dado subjetivo executa uma
ação no, sobre, por meio de ou para o objetivo, ou vice-versa. É uma
sintaxe da indiferenciação, portanto. Assim temos, no poema I, o
sonho do eu lírico atravessando uma paisagem percebida: ―Atravessa
esta paisagem o meu sonho dum porto infinito.‖; no poema II, os fiéis
se ajoelhando na tristeza no dia: ―Através dos fiéis que se ajoelham
em hoje ser um dia triste‖; no poema III, uma alegria que erra, como
um barco no Nilo, através do eu lírico e seu pensamento
espacializado: ―E uma alegria de barcos embandeirados erra / (...)
Entre mim e o que eu penso...‖; no poema IV, ramos de violetas
caindo, não sobre os olhos fechados do eu lírico, mas sobre a atitude
em si, espacializada pelo artigo definido: ―E há ramos de violetas
caindo / (...) Sobre o eu estar de olhos fechados‖; no poema V, a
noite que, como uma pessoa, pega na feira e a levanta, como se a
feira fosse uma coisa: ―E a noite que pega na feira e a levanta no ar‖;
e no poema VI, a bola sendo atirada contra a infância: ―Atiro-a de
encontro à minha infância (...)‖. (GAGLIARDI, 2010, p. 158-159)
Dessa maneira, o subjetivo e o objetivo fundem-se, engendrando um
terceiro plano que pode ser estabelecido entre os planos do real e do
imaginário. Nesse plano interseccional, o abstrato realiza ações, ou seja,
concretiza-se, evidenciando a plasticidade do poema, uma vez que o poeta
abre a possibilidade de visualização de um objeto subjetivo ou de uma
sensação. A associação de uma paisagem concreta a uma sensação ou objeto
interior pode resultar em uma metáfora ou comparação. Gagliardi verifica que,
em ―Chuva Oblíqua‖, a aproximação do subjetivo e do objetivo acontece por
6 Seabra, José Augusto. Fernando Pessoa ou o Poetodrama. 2. ed. São Paulo: Perspectiva,
1991.
7 GIL, José. Diferença e Negação na Poesia de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2000.
29
meio de uma identificação estabelecida entre ambos (o tema marítimo, por
exemplo), mesmo que, sintaticamente, esses dados permaneçam distintos. A
intenção, por meio da intersecção, é dissipar as diferenças entre o interior e o
exterior.
3) Simultaneísmo, que implica a contigüidade de fenômenos
pertencentes tanto a espaços quanto tempos diferentes. Temos, no
poema I, uma paisagem de árvores ao sol cortada por uma estrada,
enquanto navios partem de um porto; no poema II, um automóvel que
passa enquanto a missa é rezada; no poema III, a Esfinge rindo
enquanto a pena corre pelo papel; no poema IV, um quarto fechado e
em silêncio enquanto é primavera do lado de fora; no poema V, a
feira iluminada de noite enquanto penedos luzem num dia de sol; e no
poema VI, a música que é tocada no teatro enquanto uma bola
colorida é arremessada contra um muro de quintal. Em todos os seis
trechos do poema, o eu lírico estará em ambos os espaços/tempos,
simultaneamente. (GAGLIARDI, 2010, p. 159)
Com a simultaneidade de tempo e espaço, a diferença temporal é
dissipada, uma vez que as paisagens externas e internas são rememoradas e
percebidas ao mesmo tempo pelo eu lírico. Esse apagamento temporal
possibilita a aproximação e intersecção do subjetivo e do objetivo,
suspendendo, assim, o tempo cronológico e o espaço no poema.
4) Dinamização de substantivos estáticos. No poema I, os vultos das
árvores são arrastados pelos navios; no poema II, a missa passa
como um automóvel que circula do lado de fora da igreja; no poema
III, o perfil do rei Quéops oscila com os traços da pena; no poema IV,
há danças sensuais no brilho ―fixo‖ da luz; no poema V, o sol faz
redemoinhos como um carrossel que gira na feira; no poema VI, o
muro do quintal é feito dos gestos da batuta e das rotações da bola.
(GAGLIARDI, 2010, p. 159)
Embora a plasticidade seja evidente no poema, as imagens não
permanecem imóveis; elas movimentam-se por meio do contraste entre
elementos de um par (―árvore‖/‖navio‖; ―automóvel‖/‖igreja‖; ―rei
30
Quéops‖/‖traços da pena‖; ―danças sensuais‖/‖brilho fixo‖; ―sol‖/‖feira‖; ―muro do
quintal‖/‖bola‖). Os movimentos de imagens/paisagens permitem a intersecção
de planos.
5) Transparência. Sendo possível entrever por substantivos
concretos, ao mesmo tempo em que se redefine a natureza material
dos objetos do poema, que de coloridos ou turvos tornam-se
transparentes, redireciona-se a ênfase das coisas para o olhar. É o
olhar do eu lírico que, como uma diagonal, uma reta oblíqua, pode
atravessar as coisas. [...] Esse atravessar é o movimento fundamental
do poema; movimento que, por ser praticado pelo olhar, só pode ser
alcançado por uma ponte que é a transparência. Assim, no poema I,
lemos ―E a cor das flores é transparente de as velas de grandes
navios‖, ou ―Súbito toda a água do mar do porto é transparente‖; no
poema II, ―E cada vela que se acende é mais chuva a bater na
vidraça... // (...) E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da
chuva ouvido por dentro...‖; no poema III, ―A Grande Esfinge do Egito
sonha por este papel dentro... / Escrevo – e ela aparece-me através
da minha mão transparente‖; no poema IV, ―E num canto do teto (...) /
Abrem mãos brancas janelas secretas‖; no poema V, ―E os dois
grupos (...) / Aparecem do outro lado das bilhas que as raparigas
levam à cabeça,‖; no poema VI, ―Todo o teatro é um muro branco de
música / Por onde um cão verde corre atrás da minha saudade‖.
(GAGLIARDI, 2010, p. 159)
Segundo Gagliardi, Pessoa se baseia na premissa de que duas retas,
para se cruzarem, implicam em um não paralelismo. Dessa maneira, a chuva
oblíqua passa a ser uma metáfora do olhar que cruza, que atravessa os planos
sensoriais por meio da transparência dos objetos. Em vez de apenas contornar
os objetos (o que, para o teórico, seria o mesmo que ignorá-los), o olhar do eu
lírico os transpassa. Esse atravessar os objetos, que se tornam transparentes,
acaba por conservá-los na memória do eu lírico, permitindo que ele os sinta e
os perceba de forma intensa: ―Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta
paisagem / E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro, / E passa para o
outro lado da minha alma...‖. Essa percepção intensa remete, também, à
sensação que se tem dos objetos, à qual se refere Pessoa.
31
Pode-se acrescentar, aos apontamentos de Gagliardi, a percepção não
apenas por meio do olhar, mas por meio do ouvir (―Alegra-me ouvir a chuva
porque ela é o templo estar aceso, / E as vidraças da igreja vistas de fora são o
som da chuva ouvido por dentro...‖; ―A festa da catedral e o ruído da chuva
absorve tudo / Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe / Com o
som de rodas de automóvel...‖), sugerindo, como reconhece Seabra, ―a
decomposição espectral das impressões crepusculares numa gama complexa
de imagens, metáforas e símbolos, correspondentes à sinestesia das
sensações‖. (SEABRA, 1991, p. 143).
Em ―Chuva Oblíqua‖, ocorre a fragmentação do ―eu‖ (―Liberto em duplo,
abandonei-me da paisagem abaixo‖) em um tempo também fragmentado; entre
o passado e o presente se estabelece uma experiência atemporal, guiada pela
sobreposição de paisagens e sensações, em uma espécie de sonho real.
Diferentemente da ambientação paúlica, aqui não há apenas a manifestação
do abstrato e do concreto, mas a sua fusão; o terceiro plano, o da intersecção,
apresenta uma realidade transcendental que ultrapassa os limites do real e do
imaginário, remetendo ao sonho. Para Pessoa, ―O sonho é da vista geralmente.
Pouco sabe auditivamente, tactilmente. E o ―quadro‖, a ―paisagem‖ é de sonho,
na sua essência, porque é estática, negadora do continuamente dinâmico que
é o mundo exterior.‖ (PESSOA, 1966, p. 156).
A teoria interseccionista já foi amplamente discutida pela crítica literária,
sendo constantemente considerada como uma mera experimentação que não
vingou. Óscar Lopes afirma: ―[...] as experiências paùlista e interseccionista [...]
visto que, por muito interesse que tenham, obedecem também a um movimento
exploratório que leva a respectiva hipótese básica a um beco sem saída.‖
(LOPES, 1987). Para Adolfo Casais Monteiro (1991), o Interseccionismo trata-
se de uma ―fase inicial‖ de Pessoa, a qual abarca um comprometimento com a
cultura nacional e a necessidade de renovação literária em Portugal. Contudo,
a heteronímia, nesse caso, também pode ser enquadrada nesse objetivo,
assim como grande parte da obra de Pessoa. O conceito de ―evolução‖ na obra
pessoana, como demonstra Caio Gagliardi em sua já referida tese, acaba por
reduzir o Interseccionismo a um plano esteticista que não prosperou. Essa
conclusão, acrescida de outros fatores, é resultado de uma suposta rejeição de
32
Pessoa ao Interseccionismo, expressa em texto de 1914 e em uma carta a
Armando Côrtes-Rodrigues, em 19 de janeiro de 1915:
Passou de mim a ambição grosseira de brilhar por brilhar, e essa
outra, grosseiríssima, e de um plebeísmo artístico insuportável, de
querer épater. Não me agarro já à ideia do lançamento do
Interseccionismo com ardor ou entusiasmo algum. É um ponto que
neste momento analiso e reanaliso a sós comigo. Mas, se decidir
lançar essa quase-blague, será já, não a quase-blague que seria,
mas outra coisa. Não publicarei o Manifesto «escandaloso». O outro
— aquele dos gráficos — talvez. A blague só um momento,
passageiramente, a um mórbido período transitório, de grosseria
(felizmente incaracterístico), me pôde agradar ou atrair. Será talvez
útil — penso — lançar essa corrente como corrente, mas não com
fins meramente artísticos, mas, pensando esse acto a fundo, como
uma série de ideias que urge atirar para a publicidade para que
possam agir sobre o psiquismo nacional, que precisa trabalhado e
percorrido em todas as direcções por novas correntes de ideias e
emoções que nos arranquem à nossa estagnação. (1985, p. 43)
Analisando a manifestação a essa recusa, percebe-se que o que o poeta
fundamentalmente rejeita é a exposição do estilo interseccionista, sua
sociabilidade, sua apresentação ao público, o ―desafio à plebe‖. Não há a
recusa às técnicas interseccionistas, mas a sua intenção inicial, que seria a
―mera ambição grosseira de brilhar por brilhar‖. De acordo com Gagliardi, a
renúncia é um ato de superioridade do poeta, que prevê a incompreensão do
público (ou da plebe), mas que também se autocensura por almejar, a
princípio, escandalizar o círculo literário português (atitude geralmente atribuída
ao poeta Almada Negreiros). Entretanto, nesse mesmo desabafo, Pessoa
demonstra a maturidade da intenção quanto à publicidade do Interseccionismo,
interessando-se por ―agir sobre o psiquismo nacional‖ com a finalidade de
libertar-se de uma estagnação nacional e literária. A priori, não há recusa à
estética do Interseccionismo, mas, antes, a dúvida quanto ao seu lançamento.
De todo modo, as duas manifestações contra a divulgação do Interseccionismo
foram escritas por Pessoa em datas anteriores à publicação do primeiro volume
de Orpheu (março de 1915), comprovando que, por mais que o poeta tenha se
33
questionado quanto à exposição desse estilo, acabou optando por realizá-la,
fato que, por si só, já afasta a ideia de rejeição.
Conquanto outros poetas, como Mário de Sá Carneiro e Almada
Negreiros, tenham flertado com o Paùlismo e o Interseccionismo, Galhoz
lembra que
Em esta face da sua poesia Fernando Pessoa é sòzinho, e intocado
permanece o oculto ascetismo em crise da sua interrogação. As
muitas relações que lhe julgamos descobrir são quase jogo de fáceis
e falsas analogias. Porque, de um aparente não novo tema, e com
aparentes não novas palavras gramaticais, ele tece depurado e grave
mundo visionário onde a carga semântica da linguagem é
necessàriamente alheia ao seu sentido comum. (GALHOZ, 1989, p.
39-40)
Assim, atentando para o alerta de Galhoz quanto às possíveis falsas e
fáceis analogias relacionadas aos dois ―ismos‖ em questão, se estabelecerá
um diálogo dessa poética pessoana com a poesia de Lúcio Cardoso.
34
2. TODO ESTADO DE ALMA É UMA PAISAGEM
A base de toda a arte é a sensação.
Fernando Pessoa
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação
I
Na análise das manifestações paùlista e interseccionista, percebe-se
que toda a teorização poética e a elaboração de elementos formais,
desenvolvidas por Fernando Pessoa, conduzem à proposta de uma poesia que
exprime a relação/fusão entre uma sensação e uma paisagem exterior. O poeta
pretende racionalizar o que se experiencia por meio dos sentidos, uma vez que
―a única realidade em arte é a consciência da sensação‖ (PESSOA, 1966, p.
137). Em uma nota preliminar, atribuída ao projeto poético Cancioneiro, Pessoa
explicita sua percepção da paisagem, relacionando-a ao estado de alma:
1. Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um
duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo que temos
consciência dum estado de alma, temos diante de nós,
impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior,
35
uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para
conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num
determinado momento da nossa percepção.
2. Todo o estado de alma é uma paisagem. Isto é, todo o estado de
alma é não só representável por uma paisagem, mas
verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde
a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago
morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E
— mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é
uma paisagem — pode ao menos admitir-se que todo o estado de
alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser ―Há sol
nos meus pensamentos‖, ninguém compreenderá que os meus
pensamentos são tristes.
3. Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do
nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, temos ao
mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens
fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma,
seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo —
num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num
dia de chuva — e, também, a paisagem exterior sofre do nosso
estado de alma — é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em
verso, coisas como que ―na ausência da amada o sol não brilha‖, e
outras coisas assim. De maneira que a arte que queira representar
bem a realidade terá de a dar através duma representação
simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior. Resulta que
terá de tentar dar uma intersecção de duas paisagens. Tem de ser
duas paisagens, mas pode ser — não se querendo admitir que um
estado de alma é uma paisagem — que se queira simplesmente
interseccionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a
paisagem exterior. (PESSOA, 1972, p. 101)
Amiel já teria afirmado no Journal Intime, de 31 de outubro de 1852:
―Qualquer paisagem é um estado de alma, e quem ler uma e outra, ficará
maravilhado ao encontrar semelhança em todos os pormenores.‖ (AMIEL,
1957, p. 78). Embora o heterônimo Bernardo Soares tenha rebaixado a frase
de Amiel a ―uma felicidade frouxa de sonhador débil‖ (PESSOA, 1982, p. 36), é
baseado nesse conceito que Pessoa identifica que ―todo estado de alma é uma
paisagem‖.
36
Na teoria interseccionista, a fusão das paisagens externa e interna
engendra em um terceiro plano, que pode ser atribuído ao ―espaço interior
onde a matéria da nossa vida física se agita‖, citado por Pessoa. É nesse
plano, o da intersecção, que o eu lírico de ―Chuva Oblíqua‖ é conduzido para
um estado de sonho material, em que já não há distinção entre os elementos
subjetivo e objetivo. O estado de alma é representado por uma paisagem, ou
mesmo, é uma paisagem propriamente dita, a qual interfere e sofre
interferência da paisagem exterior. Dessa forma, Pessoa conclui que a
representação da realidade por meio da arte deve tratar justamente desse
plano de intersecção, no qual o estado de alma e a paisagem exterior são
percebidos simultaneamente.
Michel Collot, em seu artigo Do horizonte da paisagem ao horizonte dos
poetas, observa:
Uma vez que a paisagem está ligada a um ponto de vista
essencialmente subjetivo, ela serve de espelho à afetividade,
refletindo os ‗estados de alma‘. A paisagem não está apenas
habitada, ela é vivida. A busca ou a eleição de um horizonte
privilegiado pode tornar-se, assim, uma forma de busca de si mesmo.
Então, o fora testemunha para dentro. (2010, p. 207)
Posto que a paisagem é estabelecida a partir do ponto de vista de quem
a observa, ela deixa de ser apenas um elemento exterior e associa-se ao
universo particular do seu contemplador. A concepção de paisagem como um
espelho em que se reflete o estado de alma, oferecida por Collot, dialoga com
a teoria pessoana de intersecção entre paisagem interior e exterior, de maneira
que, ao associar uma determinada imagem exterior a uma sensação, inicia-se
―uma forma de busca por si mesmo‖, convocando imagens e sensações do
passado que acabam se incorporando à paisagem do presente. Assim, além da
sensação, a imaginação (que compõe o sonho), a lembrança e a memória
constituem a paisagem interna. No artigo Paisagem em três lições, Carmem
Lúcia Negreiros de Figueiredo afirma que
37
a paisagem só passa a ser, a existir, a partir da reunião de imagens
da superfície das coisas captadas pelo olhar que, a princípio, recolhe
sensações e impressões. Caberá à memória fixar as impressões,
conferindo-lhes um significado e existência. (2010, p. 44)
As impressões e sensações, apreendidas a partir de uma paisagem
externa e fixadas pela memória, uma vez assimiladas e atribuídas de
significado, passarão a interagir com os elementos da paisagem interna. Esse
fenómeno pode ser identificado em ―Chuva Oblíqua‖, pois, a todo o momento, o
eu lírico associa sensações, sonhos e memórias à paisagem que contempla,
de modo que, interseccionados, esses elementos (subjetivos e exteriores)
convertem-se em uma nova realidade paradoxal de sonho.
A paisagem como representação do estado de alma é fundamental na
obra de Lúcio Cardoso, estando presente em todas as linguagens artísticas
praticadas pelo autor. Por conseguinte, será analisada e discutida a maneira
como Lúcio explora essa temática em sua obra poética, estabelecendo-se uma
conferência com a percepção pessoana da paisagem.
II
A poesia está presente em toda a obra artística de Lúcio Cardoso,
transfigurada de acordo com cada linguagem por ele praticada. Em
consequência dessa versatilidade de representação do ambiente poético, sua
obra poética, propriamente dita, não segue uma única vertente estilística; há
uma multiplicidade de estilos que perpassa os versos cardosianos, tornando-se
dificultoso vincular o poeta a uma determinada escola ou tradição literária.
Ainda que não proponha uma teoria, como o faz Fernando Pessoa, Lúcio
eventualmente discorre sobre seu procedimento poético em seus Diários8,
afirmando que o dom da poesia não se encontra apenas em ―criar poesia‖, mas
8 Diário I foi publicado por Lúcio Cardoso em 1960. Diário completo foi publicado
postumamente, em 1970. Em 2012, Ésio Macedo Ribeiro organizou a edição dos Diários, que
além dos textos publicados anteriormente, vem acrescida de anotações que permaneciam
desconhecidas entre os originais do autor, depositados na Fundação Casa de Rui Barbosa.
38
em ―surpreendê-la simplesmente nas coisas, isolando-a e respirando seu hálito
de vida.‖ (CARDOSO, 1970, p. 23).
Na introdução da edição crítica da Poesia Completa de Lúcio Cardoso,
Ésio Macedo Ribeiro esclarece:
[...] Note-se que, de propósito, não me referi à ―obra poética‖ – e sim,
e apenas à ―obra‖ pelo simples motivo de estar convencido de que o
mundo onde se trava a ―guerra dentro do beco‖ de Lúcio não é em
nada diferente se expressa nessa (verso) ou naquela (prosa)
linguagem. (CARDOSO, 2011, p. 45).
Dessa maneira, tanto a prosa quanto a poesia (e demais linguagens
artísticas) de Lúcio Cardoso apresentam elementos em comum, destacando-se
a manifestação do sombrio, da angústia e da culpa.
A construção da paisagem é um elemento marcante na obra cardosiana.
Em sua obra ficcional (para citar a ocorrência da paisagem em uma de suas
atividades artísticas) observa-se uma plasticidade imagética na descrição da
paisagem, que se relaciona diretamente com o conflito vivido por seus
personagens: ―Olhando então as imagens que pareciam submersas numa
pálida névoa de ouro, Aurélia sentiu-se bruscamente desamparada, atônita,
sem saber ao certo o que tinha vindo fazer ali.‖ (CARDOSO, 2000, p. 76). A
esse respeito, Mario Carelli observa:
A paisagem é sempre percebida em relação íntima com o estado de
alma do personagem. A paisagem, mais do que para induzir
sentimentos ou fixar um cenário, serve para exprimir momentos
privilegiados, sublinhar cenas dramáticas, dar uma dimensão cósmica
a acontecimentos eminentemente subjetivos. Lúcio já tentara explicar
a "incorporação" da paisagem impregnada de angústia: "É que talvez
não vejo nunca as paisagens como quadros inertes, antes participo
delas com violência, sentido que sobe de toda aquela solidão uma
voz sufocada e estranha, que corresponde em mim a outra voz
também confusa e cheia de gemidos." (CARELLI, 1988, p. 82).
Para Carelli, Lúcio propõe um projeto que, por meio de estéticas
distintas, pretende exprimir o mundo interior em uma ―constante fome de
39
paisagens‖. Dessa forma, a poesia cardosiana embarca nessa plasticidade
imagética contida em sua prosa, tendo a imagem como elemento
preponderante na manifestação de um estado de alma. Longe de ser apenas
uma unidade complementar no poema, a paisagem relaciona-se com o
sentimento do eu lírico, reflete seu estado de alma e inicia a ―forma de busca
por si mesmo‖, não apenas habitando a paisagem, mas vivendo-a, como
aponta Michel Collot.
Embora, na poética de Lúcio, a paisagem exterior não seja propriamente
interseccionada a uma sensação, a relação que estabelece com o ―mundo
interior‖ apresenta ressonâncias da percepção pessoana da paisagem. A
consciência simultânea de uma paisagem interior e exterior, sugerida por
Pessoa, está presente na poética cardosiana, ainda que essas paisagens se
relacionem de forma distinta ao que propõe o poeta português: ―Sentir o mundo
exterior sufocado / ao jugo poderoso desta música interior‖ (CARDOSO, 2011,
p. 221). A todo o momento Lúcio transforma os sentimentos em paisagens,
relacionando estados de alma e memórias a elementos da natureza, como se
verifica nos seguintes versos de ―Fragmento de um Poema de Natal‖:
[...]
Ó dias passados, dias de minha vida,
sois o jardim adormecido sob a chuva triste de inverno,
sois a cantilena permanente desta alma fascinada
como a mariposa que dança na primavera noturna...
Manhãs de límpido terror, permaneceis como um arco
lançado no vasto e tenebroso oceano que atravesso.
Ilhas na minha angústia solitária,
sois a perpétua revelação. Mesmo que novos dias se levantem,
mesmo que ante mim se desenrolem outras paisagens,
é a face desolada desta infância que estará presente,
como o remorso no pensamento dos agonizantes.
[...]
(CARDOSO, 2011, p. 208)
40
Se o passado do eu lírico é ―o jardim adormecido sob a chuva triste de
inverno‖, infere-se que esse passado está inerte em um presente de
melancolia; se o eu lírico atravessa o ―vasto e tenebroso oceano‖, depreende-
se que ele passa por um momento de extrema angústia. A paisagem, além de
servir como representação de uma angústia existencial sofrida pelo eu lírico, é
influenciada por seu estado de alma, uma vez que mesmo que outras
paisagens venham a surgir, o passado (a infância) ainda estará presente em
sua memória, despertando o sentimento de tristeza.
No poema ―A imagem da planície‖, destaca-se a maneira como se
articula o subjetivo e o objetivo. Ainda que não exista, explicitamente, uma
paisagem externa contemplada pelo eu lírico, há a evocação de imagens
suscitadas a partir da sensação experimentada por ele. Todavia, não se pode
descartar completamente a hipótese de que o eu lírico contempla uma
paisagem que está, de fato, diante de seus olhos e na qual se encontram
―Folhas mortas que não voam, / pássaros imóveis que não cantam, / águas
sombrias que não correm.‖. Assim, o estado de alma do eu lírico interfere na
paisagem por ele contemplada. Os elementos da paisagem externa servem, a
priori, como metáfora de uma sensação, em que o subjetivo e o objetivo se
fazem presentes e estabelecem relação comparativa entre si. Segue a
transcrição do poema:
A IMAGEM DA PLANÍCIE
Tudo tão calmo,
a vida dormindo
como água que tombasse sem murmúrio
na planície do meu pensamento.
Folhas mortas que não voam,
pássaros imóveis que não cantam,
águas sombrias que não correm.
...E teu corpo como um lírio sobre a terra,
e a terra muda impregnada de perfume.
Teus olhos grandes como flores noturnas,
41
flores que se a abrem na doçura do silêncio,
e minha sombra como uma nuvem perdida
debruçada sobre teus cabelos gelados
que – ai – flutuam eternamente na água da planície.
(CARDOSO, 2011, p. 212)
É possível distinguir dois momentos entre as duas estrofes do poema,
sendo que a primeira estrofe se ocupa em construir uma paisagem ao mesmo
tempo calma e melancólica, na qual o eu lírico se encontra solitário. Nesse
ambiente de aparente calmaria, o eu lírico discorre sobre uma sensação de
extrema quietude e melancolia, construindo, por meio da relação entre
elementos subjetivos e elementos da natureza, uma paisagem onírica e densa.
Como elementos subjetivos, pontuam-se ―a vida dormindo‖ e a ―planície do
pensamento‖. Os elementos objetivos podem ser: ―água‖ / ―águas sombrias‖;
―Folhas mortas‖; ―pássaros imóveis‖.
Na segunda estrofe, embora o ambiente permaneça calmo e
melancólico, há a presença de outro alguém além do eu lírico (―teu corpo‖;
―teus olhos‖; ―teus cabelos‖), concebendo-se, assim, uma paisagem lírica, que
faz alusão amorosa ao objeto contemplado pelo eu lírico, utilizando-se ainda de
elementos da natureza (―lírio‖; ―terra‖; ―flores‖; ―nuvem‖; ―água da planície‖).
No poema ―Ocaso‖, verifica-se que a paisagem interfere no estado de
alma do eu lírico, além de remetê-lo à lembrança da infância:
OCASO
Tarde mansa. A infância que volta.
Recordação dos anjos cor-de-rosa,
com estrelas na testa
e brancos pés descalços.
O sol que morre
na boca das flores das encostas.
A terra, como um corpo de mulher
42
amoroso e quente,
os arados dormindo, a faina morta
- poeta, a hora é de repouso,
cerrai os vossos lábios descuidados.
As águas puras nos remorsos
e as rosas cor-de-ouro
entrelaçadas nas cercas dos caminhos.
Borboletas, como pétalas
Pousadas no dorso das folhas desmaiadas.
- Poeta, a hora é de repouso,
o sangue amadurece os frutos nas estradas.
Tudo o convida
na tarde que morre sobre os campos perfumados.
Outras plagas o chamam... vai partir,
rosas amarelas nas estradas,
sulcos fecundando a terra escura,
adeus! Adeus!
(CARDOSO, 2011, p. 217)
A ―tarde mansa‖ evoca imagens da infância, de ―anjos cor-de-rosa‖,
trazendo a memória dos elementos de uma paisagem já vista, remetendo à
ideia, defendida por Carmem Lúcia Negreiros de Figueiredo, de que a memória
fixa impressões e sensações de uma paisagem. A descrição de uma paisagem
calma sob o pôr do sol convida o poeta a repousar. ―As águas puras nos
remorsos‖ relaciona um elemento da paisagem contemplada pelo poeta com
uma sensação (o remorso) por ele vivida. Tanto a paisagem presente quanto
outras paisagens (―Outras plagas‖) convidam o poeta a partir, revelando a
influência da paisagem sobre seus sentimentos interiores.
Conquanto existam ainda outros aspectos a serem verificados nos
poemas apresentados, interessa, por ora, apenas a discussão da relação de
elementos interiores e exteriores. Posto que não se possa afirmar,
categoricamente, que as paisagens interna e externa se fundem na poética
43
cardosiana, é possível ao menos constatar que o estado de alma do eu lírico é
representado diretamente por uma paisagem, sofrendo influência e sendo
influenciado por ela. Além disso, percebe-se que a sensação é relacionada a
elementos objetivos.
A seguir, se estabelecerá um diálogo da poesia cardosiana com os
demais procedimentos elaborados por Fernando Pessoa no Paùlismo e no
Interseccionismo.
44
3. PAÙLISMO, INTERSECCIONISMO E LÚCIO CARDOSO
Sonhos são elementos anárquicos que,
incompletos para se constituírem ações ou
até mesmo sentimentos ou sensações,
vagam no fundo do ser à procura de uma
unidade, que muitas vezes se faz arbitrária ou
errada, a fim de exteriorizar e impor sua
existência ao homem.
Lúcio Cardoso, 1959,
Diário completo
I
Os estudos mais relevantes sobre a poesia de Lúcio Cardoso foram
realizados por Mario Carelli e, principalmente, por Ésio Macedo Ribeiro. Carelli
já atentava para a presença da poesia de Fernando Pessoa na poética
cardosiana, sobretudo nos poemas ―Alcino‖, ―Invocação‖, ―Evocação‖, ―A Vasa‖
e ―O Rio‖. A característica pessoana apontada pelo crítico refere-se,
principalmente, à temática marítima e o remeter à infância, além de uma
―mística às avessas‖, também atribuída a Pessoa. Ésio Macedo Ribeiro
encontrou similitudes entre versos do heterônimo Álvaro de Campos e de
Lúcio, apontando construções ―quase idênticas‖ nos poemas ―Soneto já
45
Antigo‖, de Campos, e ―[Quando, Jayme, aqui não estiver]‖, de Lúcio
(RIBEIRO, 2006, p. 61).
Mario Carelli afirma, ainda, que embora Lúcio admirasse a construção
heteronímica, ―optou por construir uma exposição mitológica de sua
personalidade múltipla, não apenas transpondo todos os sentidos que o
tiranizavam, mas ainda incorporando seus elementos, assumindo todas as
suas contradições.‖ (CARELLI, 1988, p. 110). Dessa forma, Lúcio se afasta da
concepção pessoana de que ―todo poeta é um fingidor‖, uma vez que se
entrega completamente às obsessões e aos sentimentos intensos em sua
poesia, que nasce da angústia, do desespero e da inquietação. Esse dado é
fornecido não apenas por Carelli, mas pelo próprio poeta em seus Diários, que
expressam o mesmo ambiente de sua poesia:
Dentro de mim, sombra – mas fria e calma. Fora, sombra onde
cumpro os gestos que todos sabem. O que aprendemos, é como nos
ocultar de um modo banal, como toda gente mais ou menos se
oculta. O que ocultamos, é o que importa, é o que somos. Os loucos,
são os que não ocultam mais nada – e em vez dos gestos
aprendidos, traduzem no mundo exterior os signos do mundo secreto
que os conduz. (CARDOSO, 1970, p. 20).
Fernando Pessoa expressa os sentimentos de uma forma mais contida,
por meio de uma construção formal previamente elaborada para essa
expressão; há uma racionalização poética do sentir, que faz do poeta um
fingidor, o qual sente fundamentalmente por meio da poesia. Ao contrário,
Lúcio Cardoso se entrega completamente à poesia, expressando a sombra que
existe em seu interior. A poesia, para o poeta mineiro, é um meio por onde ele
deixa de se ocultar, onde o subjetivo tem a liberdade de se mostrar
integralmente. Assim, para Lúcio, o poeta é antes um louco, que traduz ―no
mundo exterior os signos do mundo secreto que o[s] conduz‖, mas não um
fingidor. Em oposição a uma poesia nacional, proposta por Pessoa, Lúcio
propõe uma poesia ―para exorcizar a dor, para escapar à dominação da
loucura.‖ (CARELLI, 1988, p.110).
46
Esclarecidas essas distinções entre os dois poetas a respeito do fazer
poético, se estabelecerá um diálogo entre a poesia cardosiana e a teorização
poética de Fernando Pessoa, indicada no artigo ―A nova poesia portuguesa‖,
tratado no primeiro capítulo dessa pesquisa.
Como já referido, Pessoa propõe uma poesia que abarque o vago, o
subtil e o complexo. Percebe-se, na poesia de Lúcio Cardoso, a presença
constante de uma ideação vaga como objeto de discussão do eu lírico,
expressa de forma hermética, uma vez que o hermetismo é um aspecto
recorrente em sua poesia. De todo modo, esse hermetismo remete ao obscuro,
o que, para Pessoa, diferenciava a poesia simbolista francesa da nova poesia
portuguesa. Outro dado que difere o vago pessoano do vago cardosiano é que
a ideação vaga em Lúcio é ―confusamente expressa‖, justamente o que
Fernando Pessoa não intencionava fazer. Ésio Macedo Ribeiro apontou a
influência simbolista em alguns poemas de Lúcio, em que as emoções são
sugeridas por meio de símbolos não explicados, como se verifica nos últimos
versos de ―Poema‖:
Ah, de que terrível noite nasceste, ó desejo,
de que fonte de amargura, ó luz crepuscular!
Egito! Mistério do céu infinito
desdobrado sobre mim como negro sudário –
que força me revelará o teu verdadeiro nome,
Esmeralda, Safira, constelação de astros efêmeros e malditos!
Desse modo, a ideação vaga está presente nos versos cardosianos,
mas conserva a obscuridade cara aos simbolistas.
No que diz respeito ao subtil, é perceptível, nos versos cardosianos, a
utilização de expressões que intensificam sensações e detalham o sentimento
interior de forma objetiva, revelando, por meio do subjetivo e do objetivo, uma
poesia paradoxal, como nos seguintes versos de ―Paisagem‖: ―gestos
delineados no tímido silêncio‖; ―sorrisos calados – flor da humildade nos teus
olhos nascida...‖; ―Ó profundeza, mistério da noite e do meu desespero...‖
(CARDOSO, 2011, p. 259).
47
Quanto ao complexo, é possível verificar elementos utilizados por Lúcio
para expandir uma sensação, emocionalizando um ideia por meio da relação
entre o subjetivo e o objetivo, atribuindo plasticidade ao poema, como nos
seguintes versos de ―Espectro‖: ―e das profundezas em que a renúncia me
lançou, sinto que sou como a árvore que nasce da obscura decomposição da
terra / e aos poucos se eleva. O meu espírito se confunde com o sopro que
espalha o fumo e obscurece a paisagem / e o pressentimento me invade de
que nada fui – sementes de revoltas esmagadas‖ (CARDOSO, 2011, p. 244).
Todavia, ainda que seja possível estabelecer essa aproximação da
estética da poesia cardosiana com a teorização poética, esboçada no artigo
referido, de Fernando Pessoa, é preciso atentar para o fato de que Lúcio
apresenta uma solução diferente para a ocorrência desses elementos.
Utilizando-se do vago (ainda que obscuro), do subtil e do complexo, Lúcio
compõe um ambiente denso, impregnado de angústia, de obscuridade e de
melancolia, sendo que a expressão desse ambiente é dada de modo intenso,
com um sentimentalismo ―à flor da pele‖, extremamente carregado de
sofrimento e desespero.
II
Seabra observou no Paùlismo a ―exacerbação dos processos
imagísticos que fazem apelo a sensações mórbidas e requintadas, transpostas
metafórica e simbolicamente.‖ (SEABRA, 1991, p. 142). No poema ―[Para esta
Água Concorro, com Este Branco]‖, de Lúcio Cardoso, há uma plasticidade
imagética permeada por símbolos, em uma construção hermética, com a
presença do vago:
[PARA ESTA ÁGUA CONCORRO, COM ESTE BRANCO]
Para esta água concorro, com este branco
e o agudo emblema de pedra
como um segredo;
48
com este escorrer de jasmim,
e esta calma, e este modo de olhar
quando à janela sondo a alvorada,
e este estremecer de rio,
esta voz sem onda,
este túrgido esplanar
de coisa desfeita em água.
Concorro com este meu silêncio,
e o meu nome, e o pensativo
desejo de ser outro
que me acende
quando, em certas noites, olho a lua
e vejo brilhar o mar,
de outro país.
Concorro com este sangue.
Que outro diamante integrar,
senão o que reluz, aqui, nesta hora,
sonho de amo e de liberto?
(CARDOSO, 2011, p. 813)
Conquanto os dois poemas apresentem distinções na manifestação do
tédio existencial, sendo que o poema de Lúcio não apresenta a ―exacerbação
dos processos imagísticos‖ presente em ―Impressões do Crepúsculo‖, é
possível identificar ressonâncias do poema pessoano em ―[Para Esta Água
Concorro, com Este Branco]‖, como o uso de termo sofisticado (―túrgido‖) e a
associação entre termos concretos e abstratos (―agudo emblema de pedra‖;
―escorrer de jasmim‖; ―estremecer de rio‖; ―voz sem onda‖; ―túrgido esplanar de
coisa desfeita em água‖).
Há em ambos os poemas a consciência de ―ser outro‖,
coincidentemente, diante do luar: ―O Mistério sabe-me a eu ser outro... Luar
sobre o não conter-se...‖ em Pessoa e ―o pensativo / desejo de ser outro / que
me acende / quando, em certas noites, olho a lua‖, em Lúcio. No verso ―e vejo
brilhar o mar, / de outro país‖, o eu lírico remete outra paisagem, que nele
acende o desejo de ser outro. Encontra-se nos dois poemas a ocorrência do
―silêncio‖ e da ―hora‖, em que o eu lírico evoca paisagens que refletem seu
49
estado de melancolia, desejando libertar-se desse estado (―Que pasmo de mim
anseia por outra coisa que o que chora!...‖ e ―sonho de amo e de liberto‖).
Seabra reconhece no Paùlismo a criação de ―uma atmosfera de
irrealidade estranha‖, apontando esse aspecto não apenas em ―Impressões do
Crepúsculo‖, mas também no poema ―Hora Absurda‖, escrito em 1913 e
publicado na revista Exílio, em 1916:
HORA ABSURDA
O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...
Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...
Abre todas as portas e que o vento varra a ideia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida pela maré cheia,
E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões...
Chove ouro baço, mas não no lá-fora... É em mim... Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...
Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto...
A chuva miúda é vazia... a Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!... Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...
Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,
50
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...
Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...
Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...
Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...
E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos...
Ah, como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
De Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...
O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudades de si ante aquele lugar-Outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...
A doida partiu todos os candelabros glabros,
Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...
E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos candelabros...
E que querem ao lado aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...
Porque me aflijo e me enfermo?... Deitam-se nuas ao luar
Todas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...
O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar,
E a ideia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...
Já não há caudas de pavões todas olhos nos jardins de outrora...
As próprias sombras estão mais tristes... Ainda
Há rastos de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que eco de passos pela alameda que eis finda...
Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,
51
E eu ver isso em ti é um porto sem navios...
Ergueram-se a um tempo todos os remos... Pelo ouro das searas
Passou uma saudade de não serem o mar.. Em frente
Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...
Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!
Todas as princesas sentiram o seio oprimido...
Da última janela do castelo só um girassol
Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...
Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...
Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...
Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...
Porque não há-de ser o Norte o Sul?... O que está descoberto?...
E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te
E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor de medonho...
Para que não ter por ti desprezo? Porque não perdê-lo?...
Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque —
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...
Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...
Murcharam mais flores do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...
Alguém vai entrar pela porta... Sente-se o ar sorrir...
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há-de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...
52
É preciso destruir o propósito de todas as pontes,
Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,
Endireitar à força a curva dos horizontes,
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...
Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã — como nos desalegra!...
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...
Suave. como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir uma flor murcha a meu peito...
Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...
Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!...
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia baptismal,
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro este lema — Vitória!
O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...
Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...
(PESSOA, 1942, p. 21)
Poema composto por 25 quadras de versos longos e com rimas
alternadas, traz aspectos simbolistas, uma vez que apresenta um subjetivismo
que sugere, mas não identifica emoções. Cada estrofe carrega impressões e
emoções que não apresentam uma relação direta nem uma ordem cronológica,
assim como acontece em ―Chuva Oblíqua‖. Caio Gagliardi afirma que ―essa
supressão da decorrência entre as partes fornece um indício do que seja essa
―hora absurda‖, isto é, uma hora estacionada, um momento eternizado e
verticalmente explorado.‖ (2010, p. 335), o que não ocorre no poema
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interseccionista. As sensações evocam paisagens exteriores que não estão
exatamente diante dos olhos do eu lírico, mas que são suscitadas e associadas
a um sentimento intenso e denso, aproximando-se de um ambiente de sonho.
De todo modo, as sensações não são vinculadas a paisagens contidas na
memória do eu lírico, mas a imagens despertadas justamente em
consequência dessas sensações, como acontece no poema ―A Imagem da
Planície‖, de Lúcio Cardoso.
Assim como em ―Impressões do Crepúsculo‖, há em ―Hora Absurda‖ a
ocorrência do vago, do subtil e do complexo, em que o abstrato é concretizado,
estabelecendo imagens plásticas por meio de construções metafóricas. A
respeito das metáforas, Caio Gagliardi defende que esse recurso não ―objectiva
o subjectivo‖, já que é composto por impressões ―penumbristas‖.
Seabra identifica no poema ―uma grande densidade interna‖ e ―uma
metafísica do mistério transcendental, emergido do absurdo, do tédio e da
angústia existencial sempre latente‖ (SEABRA, 1991, p. 143). Esses aspectos
atribuídos por Seabra ao poema ―Hora Absurda‖ conversam com a temática da
poesia cardosiana.
No poema ―Chuva‖, de Lúcio Cardoso, a paisagem está diretamente
relacionada ao estado de alma do eu lírico que, invadido por uma calma
melancólica, estima o passado e demonstra a angústia existencial:
CHUVA
Esta chuva que cai
é especialmente para mim.
Coisas idas acordam
e se transformam no meu ser.
Uma figura de palma ascende
no silêncio que sou – mistério vegetal.
Ah, sem orgulho, sem vaidade
– este simples eu de todo dia –
diante do veneno suposto e renegado
– suposto sempre –
porque o mal é amar aquilo
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que os outros nos proíbem
– e que é o amor –
sabemos.
Esta chuva é minha.
Sem desejos nem glória.
Que vale a forma do poema?
A palavra nasce do instante exato
e sobrevive à própria alma que transgride.
Além da chuva, ouço o mar
– um pequeno, um mar fechado e certo
De verde calma da infância.
Outras coisas adivinho, decerto,
e adivinhadas outras também o são em mim.
Que importa? Tudo cresce, anoitecendo.
Serei eu? Ainda que não o quisesse,
sou. Através da água as plantas crescem
e através das ruas a chuva sobe,
dos esgotos, dos ínfimos bueiros,
do que somos – incessante melodia –
e tudo é o instante que passa
sem nada para dizer depois.
(CARDOSO, 2011, p. 488)
A relação do eu lírico com a chuva, nos dois poemas, estabelece o
reflexo do estado de alma. Embora a chuva em ―Hora Absurda‖ seja
metaforizada, ela acontece dentro do eu lírico (―Chove ouro baço, mas não lá-
fora... É em mim‖), expondo a melancolia por ele sentida; em ―Chuva‖, a chuva
ocorre lá fora, mas é especialmente para o eu lírico, já que representa seu
estado de alma, também melancólico (―Esta chuva que cai é especialmente
para mim.‖; ―Esta chuva é minha.‖). Se as paisagens em ―Hora Absurda‖ não
estão nem diante do eu lírico, nem em sua memória, mas suscitadas por suas
sensações, em ―Chuva‖ as paisagens se dão de ambas as formas; aqui, a
paisagem está diante do eu lírico, sofre interferência de seu estado de espírito
e desperta paisagens que estão em sua memória, transformando seu estado
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de alma. O passado evocado pela paisagem (―ouço o mar, [...] / de verde calma
da infância‖) transforma a paisagem interior do eu lírico (―Coisas idas acordam /
e se transformam no meu ser‖), suscitando também outras paisagens que não
estão nem no mundo exterior, nem em sua memória (―Uma figura de palma
ascende / no silêncio que sou‖).
No poema pessoano a hora é estacionada, eternizada por um tédio
existencial. Já em ―Chuva‖, ―tudo é o instante que passa / sem nada para dizer
depois‖. Mesmo que o instante se movimente, isto é, não se apresente de
forma estática, é também carregado de tédio. Há ainda, em ambos os poemas,
o questionamento existencial (―Sermos, e não sermos mais!...‖, em Pessoa, e
―Serei eu? Ainda que não o quisesse, / sou.‖, em Lúcio), trazendo a angústia de
uma vida vazia: ―No meu céu interior nunca houve uma única estrela...‖, ―[..] de
onde nossos sonhos tiram / Aquela angústia de sonhar mais que até para si
calam‖, nos versos pessoanos, e ―Ah, sem orgulho, sem vaidade [...] / diante do
veneno suposto e renegado‖, ―Sem desejos nem glória.‖, em ―Chuva‖.
Assim, os poemas dialogam, sobretudo, no hermetismo e obscuridade
que carregam da tradição simbolista.
No poema ―Caminho Inútil‖, de Lúcio, é possível identificar ecos paùlicos
e interseccionistas:
CAMINHO INÚTIL
A terra inteira ardeu,
as flores se tornaram negras,
meu corpo inteiro ardeu,
meus cabelos queimados,
meus olhos sangrentos,
meus lábios pecadores.
Desceram os ventos do horizonte
e da profundeza dos mares
surgiu a fúria branca dos cataclismos.
A vida desapareceu,
os mortos vieram novamente
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à flor da terra.
Cinzas tornaram a tarde sinistra
e se estenderam ao longo da noite.
Então do alto céu desceu o silêncio
e pousou sobre os desertados,
sobre as rosas mortas nas hastes de cristais,
sobre o mar imóvel na fímbria dos rochedos,
sobre o leito vazio dos rios,
sobre mim.
E entretanto
por muito que eu desejasse,
não estou tranquilo ainda.
Pois desde agora estou sentindo
a saudade muda das coisas que se foram,
estou sentindo os homens gritarem abafado
pelo amor.
(CARDOSO, 2011, p. 211)
Lá estão os oxímoros (―fúria branca‖; ―mar imóvel‖; ―saudade muda‖;
―gritarem abafado‖) e o uso de termo sofisticado (―fímbria‖) presentes na
construção paúlica. O eco interseccionista está nas oposições categoriais
(―negra‖ / ―branca‖; ―vida‖ / ―morte‖; ―céu‖ / ―terra‖; ―terra‖ / ―mar‖) e na
concretização de substantivos abstratos (os ventos do horizonte que desceram;
a fúria branca dos cataclismos que surgiu da profundeza dos mares; os mortos
que vieram à terra; o silêncio que desceu do céu).
Todavia, é importante destacar que, embora essas ocorrências
pessoanas sejam perceptíveis no poema cardosiano, a intenção e a solução
que cada poeta apresenta para o uso desses aspectos formais é extremamente
diferente, especialmente no que se refere ao Interseccionismo. Lúcio de utiliza
dessas técnicas de escrita para compor um ambiente sinistro, expondo o
sentimento de intranquilidade, enquanto Pessoa pretende fragmentar o mundo
exterior, compondo um universo onírico, e interseccionar estados de alma com
paisagens exteriores.
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Pode-se verificar em ―Caminho Inútil‖, ainda, que a paisagem se
transforma de acordo com o estado de alma do eu lírico: na primeira estrofe, a
terra arde e as flores se tornam negras, enquanto o corpo do eu lírico arde, os
olhos sangram e os lábios se mostram pecadores. Na segunda estrofe, a
paisagem traz à tona os cataclismos e a presença dos mortos, em cinzas que
tornam a tarde e a noite sinistras, evidenciando o estado de desespero em que
o eu lírico se encontra. Então, na terceira estrofe, o silêncio desce sobre a
paisagem mórbida e sobre o eu lírico, aquietando a fúria por ele sentida. De
todo modo, esse silêncio não basta para tranquilizar o eu lírico, que tem
saudade do passado e sente a angústia dos homens diante do amor.
Outro poema de Lúcio que apresenta ressonâncias paùlicas e
interseccionistas é ―A Casa do Solteiro‖, profundamente analisado por Ésio
Macedo Ribeiro na apresentação da edição crítica da Poesia Completa de
Lúcio Cardoso. Pode-se afirmar, sobre esse poema, que a paisagem (no caso,
a própria ―casa do solteiro‖) é o próprio estado de alma de um eu lírico
entregue completamente ao abandono e à extrema angústia de existir. O
ambiente é onírico e denso, permeado por símbolos que remetem a uma
paisagem infernal, de sofrimento latente, trazendo a sobreposição de imagens
e a livre associação de ideias, nas quais cada imagem produz uma reação
intensa de agonia e angústia. Conquanto não se possa afirmar a existência de
uma intersecção entre a paisagem e o estado de alma, pode-se identificar uma
forte relação entre ambos, em que se refletem mutuamente os sentimentos
sombrios:
A CASA DO SOLTEIRO
A Pedro Gallotti
(Por oferecimento de Jayme Bastian Pinto)
A casa do solteiro é alta e de paredes de angústia,
muros escorrem como verdes contornos
e colunas de mármore frio guardam seus limites.
Há quatro anjos sentados no teto solene e casto
e com luzes vermelhas, entre ciprestes,
sondam os anjos — guardiões — os fundamentos
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que se apóiam com gemidos nos porões e adegas,
no rio escuro e na água morta
de correntes que foram vencidas — despedaçadas.
A casa do solteiro é cor de chama,
de silêncio aflito e aurora sem contemplação.
São pedras de crime e de agonia,
são negras pedras de delírio e de remorso.
São duras estacas de alumínio e febre,
são traves de cristais e de luxúria.
Há um descampado em torno: nostálgicos,
cemitérios se evaporam no crepúsculo
e ruínas de azul e ópio cintilam,
entre guitarras e navalhas abandonadas.
Há flores quentes e de carne, flores mesmas,
cor de whisky, de pêssegos feridos, e raízes
quentes de sofrimento e decomposição.
A casa do solteiro é o sol posto
quando perdemos a fé e o amor se foi,
o começo da noite quando não há horizonte,
a quilha partida e a lança sem gume.
A casa do solteiro se abre como a música,
é triste e macia, fechada como a do príncipe,
fechada, entre janelas longas de ferro,
enquanto lá fora o vento ruge e há relâmpagos.
Não há vertigem, e nem espaço, e nem sossego,
tudo sucede como se morrêssemos aos poucos,
os móveis andam, e nos olhares estranhos,
como róseos desmaios e garras de ultraje.
Se não fossem tão lúcidos, morreriam de cólera,
abraçando manequins de aço, corpos de rampas
em madrugadas de rompimento e viagens.
Esqueceriam as malas — e iriam muito altos,
olhando as hortas onde cresce o mato que assassina.
E estão quietas: jogam as cartas verdes
e suspiram impossíveis paisagens de mar.
Quatro anjos grandes velam no alto do telhado,
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com quatro rosas voltadas para o mar,
a mais escura é que os guia. Rosas frias,
de pétalas aguçadas e de mortal traição.
A casa do solteiro é que eles elegeram,
ilha, jangada no silêncio do céu,
vasto navio abandonado e cheio de tormenta,
escândalo e aflição — a casa do solteiro flutua
e é como uma vasta cortina de sangue e maldição,
chorando as tardes, os corpos, o coração perdido,
tudo — neste silêncio único onde existe
como uma grande alma sozinha batendo
na infindável noite que não se acaba
e nem se acabará NUNCA,
A CASA DO SOLTEIRO.
(CARDOSO, 2011, p. 46-47)
Identifica-se no poema cardosiano a associação entre termos concretos
e abstratos (―paredes de angústia‖; ―pedras de crime e de agonia‖; ―pedras de
delírio e de remorso‖; ―estacas de alumínio e febre‖; ―traves de cristais e de
luxúria‖; cemitérios nostálgicos; ―ruínas de azul e ópio‖; ―flores quentes e de
carne‖; ―raízes quente de sofrimento e decomposição‖; ―casa [...] triste e
macia‖; ―róseos desmaios e garras de ultraje‖; ―rosas frias‖; ―pétalas aguçadas
e de mortal traição‖; ―cortina de sangue e maldição‖), oposições categoriais
(―frio‖ / ―quente‖; ―a casa se abre‖ / ―fechada‖) e a concretização de
substantivos abstratos (―fundamentos que se apóiam com gemidos nos porões
e adegas‖; ―cemitérios se evaporam‖; ―ruinas de azul e ópio cintilam‖; ―A casa
[...] se abre como a música‖; ―móveis andam‖; ―mato que assassina‖; ―a casa
[...] flutua‖; ―alma [...] batendo na infindável noite‖). Novamente, verifica-se que
o uso de alguns recursos formais utilizados por Pessoa nas construções
paùlica e interseccionista diferem do poema de Lúcio, sobretudo, na intenção e
na solução propostas por cada poeta. Embora construa um ambiente onírico e
estabeleça uma forte relação entre o estado de alma e a paisagem exterior, de
forma alguma Lúcio propõe a intersecção dessas paisagens.
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A ―exacerbação dos processos imagísticos‖, presente em ―Impressões
do Crepúsculo‖ e ―Hora Absurda‖, está também presente em ―A Casa do
Solteiro‖. A descrição da casa é feita por meio de metáforas, símbolos e
elementos alegóricos do inferno, evidenciando a plasticidade do poema. Ésio
Macedo Ribeiro percebe a utilização de ―jogos semânticos que causam um
estranhamento, que dificulta a compreensão‖ (CARDOSO, 2011, p. 50), assim
como Seabra identificava em ―Impressões do Crepúsculo‖ e em ―Hora Absurda‖
―uma atmosfera de irrealidade estranha‖, como já referido. Dessa forma, esse
elemento é comum aos dois poetas, ainda que seja por eles desenvolvido de
maneira desigual. O ambiente onírico que Pessoa constrói, tanto no Paùlismo
quanto no Interseccionismo, embora também impregnado de tédio e melancolia
sendo, por vezes, escabroso, é formalmente elaborado para assim o ser. A
racionalidade está por trás do sonho e do sentir. Lúcio compõe um ambiente
onírico atormentado, confuso e agonizante, sem se preocupar, aparentemente,
com aspectos formais, conquanto não deixe de utilizá-los. Destarte, essas
distinções se tornam plausíveis quando se relaciona a poética de um poeta
―fingidor‖ a de um poeta ―louco‖.
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CONCLUSÃO
O estudo da poesia pessoana implica a pré-disposição para questionar
tudo o que se afirma a seu respeito. A crítica ainda diverge em diversas
questões, uma vez que a poesia de Fernando Pessoa é tão misteriosa e
indecifrável quanto o próprio poeta. Para qualquer um que decida ingressar no
universo pessoano, é preciso ter a consciência de que as dubiedades serão
inevitáveis. Os textos extraliterários podem aturdir pela quantidade de
asserções, declarações, opiniões e estudos que trazem, não apenas sobre a
obra do próprio poeta, mas sobre as mais diversas questões sociais, filosóficas
e literárias. Assim, não é surpreendente encontrar uma afirmação aqui e, logo
adiante, se deparar com a desconstrução dessa mesma ideia, na voz de um
heterônimo qualquer. Ademais, a vastíssima produção pessoana, tão complexa
por si mesma, leva à indelicadeza de se querer simplificar seus métodos, para
facilitar seu entendimento. Esse recurso foi aplicado ao Paùlismo e ao
Interseccionismo, que por muito tempo permaneceram reduzidos a ―tentativas
frustradas‖ de projetos poéticos, salvo as considerações de alguns críticos
como Caio Gagliardi e George Rudolf Lind.
Com essa pesquisa, pude assimilar como se dá a tematização e a
funcionalidade de aspectos formais nas propostas paùlista e interseccionista,
ao ponto de verificar suas marcas em outro poeta. Foi possível entender qual
era a intenção de Pessoa ao promover essas manifestações e o que pretendia
com elas demonstrar. Assim, verifiquei que, muito além de intentar uma
revolução estilística da poesia, o poeta português pretendia desestagnar o
cenário literário e social portugueses, preocupando-se em elevar a literatura
portuguesa ao ―seu lugar ao sol‖ no contexto literário europeu.
Independente de qual seja o ―ismo‖ desenvolvido por Pessoa, o que
ressoa é a concepção de uma poesia que exprime o interior e o subjetivo em
constante interação com o universo exterior. O mundo exterior e interior se
relacionam por meio do ser; e a poesia pretende demonstrar essa relação.
A poesia de Lúcio Cardoso, ainda tão pouco estudada, não se distancia
do romancista; seus versos livres, despreocupados com a métrica, carregam
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uma poeticidade que não dá falta de aspectos formais. A beleza dos versos
cardosianos está nas paisagens por eles estabelecidas, de forma que, assim
como acontece em seus romances, é impossível não visualizar o que se lê.
Essa plasticidade, tão presente em poemas pessoanos como ―Impressões do
Crepúsculo‖ e ―Chuva Oblíqua‖, é carregada de sentimentalismo e inquietação,
agonia e angústia.
Estabelecer um diálogo entre os dois poetas, visivelmente distantes no
método do fazer poético, pareceria mais plausível se pensássemos no
heterônimo Álvaro de Campos que, assim como o Lúcio, carrega um
sentimentalismo ―à flor da pele‖. De todo modo, pude comprovar que Pessoa
ortónimo-paùlico-interseccionista e Lúcio apresentam, de fato, elementos
comuns em seu tratamento poético, mas que desenvolvem de maneiras
distintas, resultando em soluções também distintas. O vago, o subtil e o
complexo, propostos por Pessoa, acontecem também na poesia de Lúcio, mas
o vago se mantém obscuro, como nos versos simbolistas, e a complexidade
resulta em um hermetismo caracteristicamente cardosiano.
Fernando Pessoa tece procedimentos formais na intenção de exprimir
uma sensação, representada por uma paisagem e por ela interseccionada.
Lúcio Cardoso se utiliza da poesia para exorcizar suas angústias e
inquietações, encontrando na paisagem a representação para seu estado de
alma. Portanto, a consciência de uma paisagem interna e uma paisagem
externa, que acontecem simultaneamente e interferem-se mutuamente, está
presente em ambos os poetas, mas exploradas por caminhos diferentes, que
levam a resultados diferentes: a intersecção, em Pessoa, e a simples
representação da paisagem como um reflexo do estado de alma, em Lúcio.
63
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