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SESSÃO TEMÁTICA 3 – TERRITÓRIOS REVITALIZADOS: SINERGIA E CAPITAL SOCIAL
O IMPULSO DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS NO
DESENVOLVIMENTO REGIONAL DE CIDADES MÉDIAS O CASO DE
FRANCA E LIMEIRA NO ESTADO DE SÃO PAULO
Profª. Drª.Gilda Collet Bruna Universidade Presbiteriana Mackenzie – FAU / UPM
Profª. Ms. Volia Regina Kato – FAU / UPM
Profª. Drª.Angélica A. T. Benatti Alvim – FAU / UPM
Doutoranda Juliana Di Cesare Margini Marques – FAU / USP
Doutoranda Paula Raquel da Rocha Jorge Vendramini FSP/ USP
Mestranda Lais Raquel Muniz Bomfim – FAU / UPM
Resumo
Este artigo tem por objetivo discutir a importância dos arranjos produtivos locais – APLs
enquanto instrumentos de desenvolvimento urbano, apresentando os resultados de
pesquisa realizada nos Municípios de Franca e Limeira no Estado de São Paulo. Muitas
cidades de porte médio no Estado de São Paulo foram alvos do processo de
desconcentração das indústrias da região metropolitana de São Paulo e com a
necessidade de se adaptar à competitividade global passaram a assumir modelos
produtivos flexíveis, influenciando os padrões de uso e ocupação do solo urbano e o
fortalecimento da imagem de algumas destas cidades na rede urbana regional.
A análise dos APLs calçadistas e de jóias e bijuterias, respectivamente em Franca e
Limeira busca enfatizar o processo de constituição e as especificidades de cada uma
destas aglomerações produtivas e suas relações com o território urbano, com os
instrumentos urbanísticos vigentes, em especial os planos diretores municipais e com
as perspectivas de sinergias econômicas e articulações institucionais voltadas para o
desenvolvimento local e regional.
Contextualizando os desafios de desenvolvimento urbano regional decorrentes das
transformações econômicas e políticoinstitucionais brasileiras das últimas décadas,
procurase evidenciar a importância destes arranjos produtivos se considerados numa
perspectiva mais ampla de sustentabilidade urbana e não apenas num viés estritamente
econômico.
Notase que, nos dois casos estudados, as ações do planejamento urbano não previram
condições especiais para o desenvolvimento dessas atividades, uma vez que
problemas advindos da localização e controle desses empreendimentos têm sido
significativos, em especial os ambientais. Apesar das ações institucionais e as sinergias
sóciopolíticas serem ainda incipientes, a inserção dos Apls nas estratégias de
desenvolvimento regional constitui um processo em elaboração.
Abstract:
This article objective is to discuss the Local Productive Agglomeration (APLs in
Portuguese) relevance while instruments for the urban development, presenting the
Franca and Limeira Municipalities research results. Many intermediatesized cities in the
State of São Paulo had been target of the São Paulo Metropolitan Region industrial
deconcentration process and with the need to adapt to the global competition they
started assuming flexible productive models, influencing the urban land use and
occupation patterns and strengthening the image of some of these cities in the regional
urban network.
The shoes’ APLs and that of jewelry and fantasy jewelry analysis, respectively in Franca
and Limeira tries to emphasizes their constitution process and the specificities of each
one of these productive agglomerations and their relations with the urban territory, with
the urban instruments in vigor, specially the municipalities master plans and with the
perspectives of economic synergies and institutional articulations related to the local and
regional development.
With focus on the context of the urban regional development challenges due to the
economic and Brazilian politicalinstitutional transformations in the last decades, it
searches to identify the relevance of these productive agglomerations considering them
in the wide perspective of the urban sustainability and not only on the strictly economic
angle.
In both the cases of study one observes that the urban planning actions didn’t forecast
special conditions for the development of these activities, once the problems due to the
location and control of these enterprises have been significant, specially the
environmental ones. Despite the institutional actions and the socialpolitical synergies
that still have been very initial ones, the insertion of the APLs in the regional
development strategies constitutes a process being elaborated.
1. Introdução No contexto das remodelações produtivas mundiais das últimas décadas, o
potencial dos arranjos produtivos locais (Apls) enquanto instrumento de
desenvolvimento urbanoregional tem sido enfatizado por algumas experiências
internacionais e suscitado a importância de investigações mais amplas e
contextualizadas às realidades locais.
No Brasil, desde a década de 1990, o tema já vem sendo discutido no âmbito
das universidades e sendo alvo de interesse de agências governamentais
federais e estaduais que procuram incentivar a formação dos APLs como uma das possíveis estratégias de desenvolvimento local e regional.
Nesta linha de investigação, este artigo pretende acrescentar elementos à
reflexão destas questões, trazendo resultados de pesquisa desenvolvida sobre
os Apls calçadista e de jóias e bijouterias, respectivamente em Franca e Limeira.
no Estado de São Paulo, realizada com o envolvimento de professores e alunos
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie 1 . Procurouse nessa
pesquisa destacar as especificidades de cada uma das aglomerações produtivas
e suas relações com o território urbano, com os instrumentos urbanísticos
municipais em vigor e com as perspectivas de articulações institucionais
voltadas para o desenvolvimento urbano local e regional.
As duas cidades, como muitas outras de porte médio no Estado de São Paulo,
foram alvo do processo de desconcentração industrial da Região Metropolitana
de São Paulo ocorrido a partir do final da década de 1970 e, diante da dinâmica
recente de competitividade global, passaram a adotar modelos flexíveis de
articulação produtiva que vêm influenciando alterações nos padrões de uso e
1 A pesquisa “ESTRUTURAÇÃO URBANA E ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: Identificação e análise das relações entre processos sociais, efeitos espaciais e políticas urbanas através de estudo dos casos das cidades de Franca e Limeira, no Estado de São Paulo” teve como líder a Prof. Dra. Gilda Collet Bruna e foi desenvolvida de fevereiro de 2005 a janeiro de 2006 no âmbito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sua Pós Graduação com subsídio financeiro da Fundação Mackenzie de Pesquisa Mackpesquisa. A equipe conta com a participação, além dos autores, da graduanda Juliana DALBELLO e mestranda Wendie REQUENA e das pesquisadoras Ms. Juliana MARQUES e Ms. Paula P; R. J. VENDRAMINI.
ocupação do solo urbano, fortalecendo as suas imagens na rede urbana
regional, atraindo população e outras atividades produtivas.
Os dois primeiros itens contextualizam as transformações industriais no Estado
de São Paulo inseridas nos novos paradigmas econômicos e buscam situar as
relações entre os arranjos produtivos locais e as questões do desenvolvimento e
sustentabilidade urbana. A seguir são apresentados e discutidos os principais
aspectos da análise dos APLs de Franca e Limeira.
2. Os desafios contemporâneos do desenvolvimento
No processo histórico brasileiro, observase que o ritmo de urbanização foi muito
estimulado pela configuração das grandes regiões metropolitanas. No Estado de
São Paulo esse período foi típico dos anos de 1960, associado a um
crescimento industrial concentrado principalmente na Região Metropolitana de
São Paulo (RMSP). Os efeitos da grande aglomeração metropolitana em torno
da cidade de São Paulo se produziram num momento de formação de grandes
conglomerados de empresas e geração de emprego e renda, em detrimento de
outras regiões do país.
A década de 1970 foi marcada, tanto pelo início de uma desconcentração
industrial que o Censo do IBGE já assinalava, como por estratégias
macroeconômicas de desenvolvimento nacional (I e II PND – Planos Nacionais
de Desenvolvimento) que procuravam incentivar a formação de outros pólos no
país, em programas de cidades médias, objetivando estimular e reforçar
processos de desconcentração das atividades econômicas (STEINBERGER;
BRUNA, 2001).
No final deste período e como respostas aos sinais recessivos na econômica
mundial, já se evidenciavam remodelações dos paradigmas produtivos
usualmente conhecidos como fabris ou fordistas, cujas características se
assentavam na concentração em torno de alguns setores industriais
fundamentais, grandes monopólios, produção e consumo em massa e gestão
macroeconômica baseadas na proeminência do papel do Estado na regulação
das políticas de distribuição de renda, demandas, assistência e previdência
social. (BEYNON, 1999)
O desenvolvimento industrial paulatinamente passa a se orientar por um novo
modelo econômico denominado especialização flexível, que se exprime por
alterações nas formas de organização interna do trabalho, localização das
atividades no espaço urbano e por políticas neoliberais. O fenômeno da
terceirização de partes da produção incide sobre a geração de trabalho em
formas distintas – tempo parcial e informal – levando praticamente a uma
diminuição na oferta de emprego formal. Assumida de forma ampla, a noção de
flexibilidade, como uma nova modalidade de se conceber o papel do indivíduo
nas organizações, permeia também um novo caráter das gestões públicas e
econômicas, apoiandose, sobretudo na necessidade de uma reinvenção
contínua das instituições. (SENNNETT, 1999)
Inseridas no contexto destes novos paradigmas mundiais, as empresas públicas
e privadas no Brasil passaram a ter que programar uma nova maneira de atuar.
Era preciso criar uma nova cultura de desenvolvimento socioeconômico. De um
lado, o endividamento do setor público e a necessidade de trazer soluções aos
problemas sociais e urbanos crescentes impuseram ao setor privado novas
contingências de readequação de competitividade, não podendo mais contar
com os incondicionais financiamentos públicos. Por outro lado, a confluência de
crescentes problemas sociais de desemprego e exclusão, ausência de moradia
e terra ampliavam as demandas participativas e promoviam novas formas de
articulação da sociedade civil através, sobretudo, das denominadas
Organizações Não Governamentais.
Ao lado das questões sociais, a conscientização sobre a qualidade do meio
ambiente passa a se destacar como uma grande preocupação da sociedade,
principalmente no âmbito das políticas públicas urbanas e ambientais, em que a
sustentabilidade se torna uma meta e se associa, como condição necessária, ao
desenvolvimento urbano local e regional.
Nesse sentido, duas grandes linhas de ação do poder público municipal vêm se
destacando: a questão da gestão urbana e do desenvolvimento sustentável. Em
relação ao primeiro aspecto, a Constituição Federal de 1988 confere ao
município um papel central na regulação de ações sobre o território e opções de
desenvolvimento local. A política nacional urbana instituída com o Estatuto da
Cidade (Lei Federal 10.257 de 2001) vem fortalecer a gestão urbana municipal
criando instrumentos de atuação do poder público local, incorporando
necessariamente a participação da sociedade civil. Em relação ao segundo
aspecto, as questões ambientais, vistas de uma maneira ampla e integrada aos
aspectos econômicos, sociais e políticoinstitucionais, constituem os grandes
desafios de desenvolvimento urbano e regional desde o final dos anos de 1980.
Por isto mesmo, embora algumas experiências internacionais de concentração
de atividades produtivas, como por exemplo, os clusters industriais, sejam
assumidas como exemplo de sucesso de desenvolvimento local, com geração
de emprego e renda, o contexto complexo dos novos desafios de
desenvolvimento e sustentabilidade implicam na necessidade de se ultrapassar
um viés economicista em prol de uma visão integrada dos processos.
3. Arranjos Produtivos Locais e Desenvolvimento Urbano Regional
Nas últimas décadas do século XX, as transformações decorrentes de
alterações no cenário mundial levaram à ocorrência de profundas modificações
nos processos industriais, que tiveram impactos nas cidades, tanto nas questões
socioeconômicas como na ocupação físicoterritorial. De um lado, as grandes
empresas industriais acabaram diminuindo a contratação de mãodeobra ao se
apoiarem em novas tecnologias de automação, e de outro, esse processo de
“dispensação” de mãodeobra (spinoff) levou ao estabelecimento de muitas empresas médias e pequenas (National Government Association, 2002;
Paladino, 2005)
A partir daí, a desregulamentação e abertura de mercados, o desenvolvimento
acelerado das tecnologias de informação, expansão das redes e as
transformações tecnológicas crescentes baseadas na microeletrônica reforçam
de forma inusitada e permitem a viabilização das interdependências e influências
mundiais nos espaços locais. Neste sentido, a proeminência do terciário e as
redefinições espaciais da produção, conferem às cidades, como bem analisa
Saskia Sassen (1998), um lugar destacado de competitividades nesta nova
geografia do mercado internacional.
Segundo Luís Octávio da Silva (2004), já nos primórdios dos anos 80, as
competições impostas pela nova geografia econômica conduziram a práticas
empresariais de administração local permeáveis ao setor privado, a
transferências de atribuições administrativas e à adoção de novos arranjos
locais que transcendem os quadros institucionais vigentes. Por outro lado, uma
vasta literatura nacional e internacional de análise destes fenômenos
contemporâneos (HARVEY,1992; SANTOS, 1996; BECK, 1999; entre outros),
aponta para a diversidade e heterogeneidade de respostas locais vinculadas a
processos históricos específicos.
Neste quadro das transformações recentes, as pequenas e médias empresas
vêm se aglomerando em certos locais e regiões, estabelecendo novas relações
sociais baseadas na interdependência e na cooperação. Em alguns casos, com
o apoio de governos locais, têm sido implementados programas de
desenvolvimento urbano e econômico que se apóiam no pressuposto de que a
parceria, a inovação e a difusão tecnológica são elementos fundamentais para a
formulação de estratégias sustentáveis.
Configuramse recentemente estratégias de desenvolvimento baseadas no
estímulo à constituição e fortalecimento de arranjos produtivos locais – APLs
que caracterizamse pela concentração de empresas de um mesmo setor em
um determinado espaço territorial onde ocorrem processos de inovação
tecnológica específicos, dentro de uma respectiva cadeia produtiva, ou cadeias
produtivas complementares. O então denominado APL, segundo o SEBRAE
(2004), é considerado também um recorte do espaço geográfico que possui
sinais de identidade coletiva e capacidade de promoção de convergência em
termos de expectativas de desenvolvimento, através do estabelecimento de
parcerias e compromissos para manter e especializar os investimentos de cada
um dos atores no próprio território, e promover ou ser passível de uma
integração econômica e social no âmbito local.
Na literatura especializada encontramse diversas definições sobre as novas
configurações produtivas. Nos países desenvolvidos são comumente
denominadas clusters, porém há dificuldade de se adotar uma definição clara e precisa sobre essas configurações produtivas (Marques, 2005). Para Igliori
(2001) não existe uma definição consensual sobre a noção de ‘clusters’ e alguns autores que tratam de assuntos correlacionados não chegam a utilizar este
termo.
Pressupõem nessas estruturas produtivas a existência de relacionamentos entre
empresas que gerem sinergia, em termos de cooperação e competição, e entre
empresas e universidades, centros de pesquisa voltados para o treinamento,
financiamento e gestão como um fator indutor dos processos de produção e de
conhecimento, podendo gerar a qualidade de um ambiente inovador necessário
à flexibilização empresarial (MARQUES, 2005).
Em termos conceituais, como colocado no projeto “PROMOS/SEBRAE/BID” do
governo federal. um tipo particular de cluster, formado por pequenas e médias empresas, agrupadas em torno de uma profissão ou de um negócio, onde se enfatiza o papel desempenhado pelos
relacionamentos – formais e informais – entre empresas e demais instituições envolvidas. As
firmas compartilham uma cultura comum e interagem, como um grupo, com o ambiente
sociocultural local (CAPORALLI; VOLKER, 2004, p. 9).
Segundo esses autores, é importante observar a dinâmica econômica do
território em que essas empresas estão inseridas, com relação à geração de
postos de trabalho, faturamento, mercado, potencial de crescimento e
diversificação. Nesse sentido, a noção de território é considerada fundamental
para se entender a estruturação dos Arranjos Produtivos Locais. Falase em
território como uma rede de relações sociais que se organiza num espaço físico
geográfico, com seu sistema políticoadministrativo e cultural. O APL, portanto,
tem uma dimensão econômica, mas não se restringe a ela, tendo também um
alcance físicoespacial (BRUNA et al, 2006)
Notase que a existência de uma cadeia produtiva é condição necessária, mas
não suficiente para que se garanta o desenvolvimento de um APL. Entretanto,
pode ser o primeiro passo para a identificação de vocações locais e regionais
com potenciais produtivos capazes de serem impulsionados através da
integração efetiva entre os diversos atores privados, públicos e instituições de
ensino e do fomento de políticas públicas urbanas.
Em relação ao urbanismo e à ocupação do território, embora ultimamente não se
conte com um conjunto de estudos de casos que tratem prioritariamente dessas
questões, não se pode deixar incorporar essa dimensão às análises
econômicas. Vale lembrar que o crescimento e inovação se estimulam
mutuamente e ocorrem sempre no território. A concentração geográfica de
atividades produtivas não prescinde de um relacionamento sistemático entre
empresas, governo e instituições nãogovernamentais, atuando segundo fatores
determinantes da capacidade produtiva das firmas, em prol do sucesso
econômico local e regional. Por isso é que se considera a região como a
principal unidade de análise e planejamento, especialmente com relação à
formação de múltiplos e variados padrões de ocupação espacial.
As análises dos Apls de Franca e Limeira, desenvolvidas a seguir, buscam
enfatizar estes múltiplos aspectos, especificando em cada caso a formação e
composição da cadeia produtiva existente, a sua disposição na estrutura urbana,
a rede de relações institucionais e os possíveis vínculos com os instrumentos de
política pública urbana.
4. O APL Calçadista de Franca
A cidade de Franca localizase ao norte do Estado de São Paulo, na divisa com
o Estado de Minas Gerais, a 400 km da Capital. A região encontrase na rota do
Gasoduto BrasilBolívia e na área de influência da Hidrovia TietêParaná, além
de ser servida pela Malha Ferroviária Paulista, antigas Fepasa e Mogiana. Seu
aeroporto situase ao sul da aglomeração urbana. O principal acesso que liga a
região de Franca com a Capital é a rodovia Anhangüera (SP330). A rodovia
Candido Portinari (SP334) estendese no sentido nortesul, paralela à rodovia
Anhangüera, ligando Franca a Ribeirão Preto. Outros dois acessos ao município
são a SP345, que se estende de Barretos até a divisa com Minas Gerais, e a
rodovia Comendador Pedro Monte Leone SP351 também no sentido oeste
leste, ligando Bebedouro a Catanduva.
Por ser a cidade de maior porte nessa região de fronteira entre os Estados de
São Paulo e Minas Gerais, Franca desempenha um papel de pólo regional para
um conjunto de cidades menores da região, inclusive aquelas localizadas em
Minas Gerais. Embora seja sede de Região Administrativa do Estado de São
Paulo, é polarizada, em uma escala maior pela cidade de Ribeirão Preto. Em
termos demográficos apresenta taxas de crescimento mais elevadas que a
média do Estado de São Paulo
Em função dessa localização, Franca teve em toda sua história três atividades
econômicas predominantes que se desenvolveram paralelamente: o comércio
(sustentou a economia principalmente na fase de formação do município –
século XIX); a agricultura (que teve sua fase mais intensa com o café nas
primeiras décadas do século XX); a pecuária e a indústria calçadista, que se
tornou a atividade mais importante do município a partir da década de 1930.
Estas atividades coexistiram com oscilações em grau de importância no
percurso histórico do município.
A ocupação da região de Franca ocorreu a partir de 1801, quando criadores de
gado e agricultores vieram principalmente do sul de Minas Gerais. Em 1814, um
levantamento já apontava a presença de oito oficiais de sapateiro dentre 1083
habitantes da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Franca. No
recenseamento de 1820, o número de sapateiros elevouse para 14, número
esse que quase duplicou em apenas seis anos.
Sandálias, chinelos e botinas rústicas ou "sapatões" eram realizados por
sapateiros e utensílios para montarias e carros de boi feitos por dois seleiros.
Eram atividades essencialmente artesanais, que cresceram consideravelmente
durante o século XIX, impulsionando o surgimento da indústria.
No conjunto dos aspectos favoráveis ao desenvolvimento industrial, o mais
importante foi sua localização na "Estrada dos Goyases". Este era o único
caminho que ligava São Paulo ao interior central do Brasil e, por isto, Franca se
torna o centro distribuidor de gado para São Paulo e de sal para o Brasil Central,
entre outras mercadorias.
Franca já é no final do século XIX o mais importante centro urbano do nordeste
paulista, como decorrência de sua função comercial. Esta função perdeu
importância com a abertura do rio Paraguai à navegação e ao comércio
brasileiro a partir de 1870, retomando importância em 1887 com a abertura da
estrada de ferro. Apesar disto, a produção ainda era caracterizada pelos
"sapatões". No início do século XX, o artesanato de calçados em Franca foi
substituído pelo processo manufatureiro, provocando profundas mudanças na
fabricação e na organização do trabalho: a produção continuava a ser
artesanal, porém era dividida em diversas operações feitas por operários
dirigidos por empresários. No início do século XX, os imigrantes que se
instalaram em Franca agregaram novas técnicas às tradicionais. Em 1912,
metade da mãodeobra da indústria calçadista era européia.
É possível identificar três etapas na indústria calçadista francana do século XX.
A primeira se inicia em 1910 com a indústria Carlos Pacheco & Cia. A segunda
entre os anos de 1936 e 1945, quando, devido a Guerra Mundial a indústria
americana monopolizava a maquinária de indústria calçadista. As empresas
ainda eram pequenas e limitadas, mas as restrições à importação do período da
Segunda Guerra Mundial permitiram que as empresas se capitalizassem criando
em seguida um novo ciclo de produção (COUTINHO, 2006). A terceira etapa
iniciouse ao redor dos anos de 1945, com o aumento da produção, da
mecanização, da abertura de novos mercados e maiores ofertas de modelos de
calçados. Nesse período contouse com políticas de incentivo aos produtos
nacionais, proibição de importações pelo governo federal e maior disponibilidade
de crédito bancário. Desde esta época a produção de calçados passou a ser
pilar da economia de Franca e no final da década de 1960, sua inserção no
mercado externo vem propiciar novos patamares de crescimento e
aperfeiçoamento tecnológico . (COUTINHO, 2006).
O número exato de estabelecimentos industriais vinculados ao Arranjo Produtivo
Local (APL) de calçados em Franca é de difícil determinação. O SINDIFRANCA
estima o número de indústrias da cadeia produtiva em cerca de 500. Outras
fontes mencionam números diferentes, variando entre um mínimo de 400 e um
máximo de 600.
Em relação às características urbanas do município, observase que a primeira
expansão significativa ocorre na direção da estação ferroviária, instalada na
colina cerca de um quilômetro a oeste do centro histórico da cidade.
(FERREIRA, 1983). A estação ferroviária induz uma nova concentração de
estabelecimentos comerciais em suas proximidades e ao longo dos eixos
transversais. A partir daí, a expansão da mancha urbana irá ocorrer em
articulação com esses dois núcleos, ocupando sucessivamente as áreas mais
planas e as encostas das colinas e, em seguida, as áreas ao longo das estradas
que ligam a cidade à rede urbana regional e às áreas rurais.
Observase que as maiores concentrações industriais do setor calçadista
encontramse no Distrito Industrial, a leste, e no Jardim Panorama, a oeste.
Outras concentrações significativas são verificadas ao longo do eixo da Av.
Brasil, principal ligação do Jardim Panorama ao Centro e em outros bairros
como no Jardim Petraglia e Vila Scarabucci. Além das manchas de maior
concentração, a localização industrial na área urbanizada é bastante difusa,
sendo difícil estabelecer a variável ou conjunto de variáveis determinantes de tal
distribuição de localização industrial.
Considerando a forma de estruturação da produção da indústria de calçados no
Brasil em sistemas de Apls é possível identificar semelhanças em relação às
experiências internacionais. Das diversas aglomerações encontradas no Brasil,
duas se destacam por sua complexidade e pujança: a região do Vale dos Sinos,
no Rio Grande do Sul, que agrega uma estrutura muito diversificada de
produtores e especialização em calçados femininos; e a região de Franca,
localizada no Estado de São Paulo, de porte menor e voltada aos calçados
masculinos.
Hoje, Franca possui praticamente toda a cadeia produtiva da produção de
sapatos, envolvendo desde os curtumes, até a fabricação de calçados,
passando pelos produtores e distribuidores de componentes, adesivos e cola e
máquinas. Desta forma podese levar em conta a presença de trabalhadores de
elevada qualificação e com habilidades específicas ao segmento calçadista e
correlatos. Devido a esta especificidade as indústrias apresentam uma redução
substancial de custos de recrutamento, seleção e treinamento de pessoal, pois
já existe um grande e diversificado cabedal de trabalhadores qualificados.
A própria concentração geográfica e setorial de produtores de calçados provoca
a aproximação de indústrias correlatas e de apoio, beneficiadas por esta
proximidade. O reflexo deste processo no meio urbano é imediato. As vantagens
competitivas representadas para os produtores locais são evidentes, permitindo
a melhoria do acesso e redução dos custos de insumos e serviços necessários
para a produção local.
A composição do Apl em Franca é bastante heterogênea, com presença de
empresas de tamanhos distintos e poder de mercado extremamente variado.
Assim, existem algumas poucas grandes empresas que atuam no mercado
interno e externo com marcas próprias e possuem elevado poder de barganha
com compradores e com o restante da cadeia produtiva. Por outro lado existe
um vasto contingente de pequenas, médias e micro empresas, que em geral
vendem produtos muito padronizados e possuem taxas de rentabilidade muito
reduzidas. Estas diversidades resultam em uma desigual capacidade de
apropriação dos benefícios que são gerados pela aglomeração dos produtores,
portanto capaz de beneficiarse das economias de aglomeração, resultantes
desta conformação espacial.
Ao mesmo tempo, observase que as indústrias locais dão pouca importância à
formulação de princípios e ações conjuntas, de natureza coletiva e deliberada,
no sentido de aumentar a capacidade competitiva das empresas. Esta situação
interfere negativamente na realização de projetos e ações mais integradas e
persistentes.
Nas relações dos instrumentos urbanísticos com o desenvolvimento industrial,
em 1972, o Plano Diretor, elaborado nos moldes das recomendações e
metodologias do SERFHAU, previu um distrito industrial para a indústria
calçadista de Franca, cuja implementação teve início imediato e foi sendo
efetivada aos poucos.
Em 1983, uma outra lei autoriza a criação do DINFRA – Distritos Industriais de
Franca Ltda., ao qual cabia o planejamento, a implantação, a execução, a
coordenação e a administração dos Distritos e Núcleos Industriais de Franca. e
estabeleceu uma série de incentivos fiscais.
A partir desse arcabouço legal e da criação de um organismo executivo
vinculado à administração municipal, mas com grande autonomia de atuação,
viabilizase a dinamização da implantação do Distrito Industrial, que ocorre no
período em que a atividade do setor calçadista se intensifica. A transferência dos
curtumes para os distritos completouse na década de 80, após ter sido
resolvido o problema de captação e abastecimento de água e tratamento dos
efluentes industriais 2
Foi aprovado um novo Plano Diretor onde se destacam a criação de macrozonas
de ordenação da ocupação urbana e os programas de gestão integrada.que
dependem de sua regulamentação por uma nova legislação de uso e ocupação
do solo. Este Plano remete à revisão e à consolidação da legislação de
parcelamento, uso e ocupação, a projeto de lei específico.
Na Minuta de Projeto de Lei Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo,
encaminhada à Câmara Municipal em 2003, é definida uma AEPI, Área Especial
Predominantemente Industrial, embora as atividades industriais estejam também
presentes nas Zonas de Uso Misto – ZUMs e nas Zonas Industriais ZIs.
Marcando diferenças em relação à legislação anterior, nos novos loteamentos
industriais serão admitidos “condomínios imobiliários” incluindo vias de
circulação e outras áreas de uso comum, desde que as vias de interesse local e
de pedestres possam ser incorporadas ao condomínio e que apenas 50% das
áreas verdes sejam incorporadas ao condomínio.
Este plano busca estabelecer uma nova política de urbanização para a cidade
baseada no aumento da eficiência dos investimentos e dos gastos públicos em
2 Segundo entrevista com Eng. Francisco Sette, do escritório Regional da CETESB em Franca, realizada em 3/10/2005.
infraestrutura para induzir a ocupação de extensas áreas vazias e ao mesmo
tempo coibir a expansão urbana em áreas distantes do centro. Para tanto foi
criada uma Macrozona Preferencial de Expansão Urbana e utilizouse o recurso
do IPTU progressivo.
Em relação a políticas públicas de desenvolvimento urbano voltadas para a
integração e maior participação do setor calçadista na gestão do Município, foi
criada recentemente uma Secretaria de desenvolvimento econômico com um
viés de apoio ao pequeno empresário e ao pequeno produtor através da criação
de incubadoras e do “Banco do Povo” voltados para o seu financiamento.
Por outro lado, as iniciativas da FIESP no sentido de institucionalizar uma
atuação mais ativa do setor calçadista numa política mais ampla de
desenvolvimento local não foram levadas adiante. Mais recentemente, o
SEBRAE vem desenvolvendo um projeto de constituição de um Arranjo
Produtivo Local, dentro de sua política nacional de estímulo a esse tipo de
organização e atuação empresarial, projeto que encontrase em seus estágios
iniciais.
A prefeitura municipal, em sua atual gestão, embora conte com uma Secretaria
de Planejamento e Gestão Econômica e uma Secretaria de Planejamento
Urbano, não articulou ainda uma política de desenvolvimento urbano de caráter
mais geral, com a participação dos diversos atores presentes na cidade, embora
declare ser uma das intenções da atual administração.
O Sindicato da Indústria Calçadista de Franca – SINDIFRANCA – está mais
voltado para questões econômicas mais imediatas e de caráter mais geral.
Em relação às questões urbanas as possibilidades de construção de tais
relações interorganizacionais e a criação de uma estrutura institucional para tal
encontramse ainda em estágio incipiente. Muitas das ações da administração
municipal estão direta ou indiretamente relacionadas às atividades industriais,
em particular aquelas relacionadas ao transporte público, política habitacional,
regulamentação do uso do solo.
Entretanto, a ação pública mais ligada à formação e ao desenvolvimento da
aglomeração industrial é a criação do Distrito Industrial. Implantado pela
DINFRA, o Distrito Industrial é a ação pública de maior envergadura voltada para
as atividades industriais, pois possibilitou a expansão do parque industrial em
bases mais eficientes e eficazes, proporcionando também melhor estruturação
funcional do território urbanizado.
Entretanto, outra é a situação em relação à articulação de uma política de
desenvolvimento local com base no setor produtivo. É incipiente a articulação
dos atores para um estágio mais desenvolvido de relações institucionalizadas,
tanto nos moldes da teoria de clusters de Porter (aparentemente aplicada pela FIESP) quanto em relação aos pressupostos do programa de desenvolvimento
de APLs do SEBRAE.
5. O APL de Jóias e Bijouterias de Limeira
O Município de Limeira está localizado na Região Administrativa de Campinas e
é sede da Região de Governo de Limeira, possuindo, segundo os dados
censitários de 2000 (IBGE), uma população de 248.632 habitantes. Sua posição
geográfica é bastante privilegiada, pelo entroncamento rodoferroviário das vias
Anhanguera, Washington Luís, Limeira Piracicaba, Limeira Mogi Mirim e
Fepasa e a proximidade com o aeroporto de Viracopos em Campinas, o que
contribui para a sustentação dinâmica econômica do município, marcada por
uma grande diversificação industrial.
A instalação da indústria joalheira foi posterior à instalação das outras atividades
industriais na cidade, sendo que sua expansão aconteceu muito recentemente.
Em seus primórdios, Limeira sustentouse economicamente na plantação
agrícola da canadeaçúcar, seguida da cafeicultura, que aliada à imigração
estrangeira, contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da região, e da
citricultura.
O setor industrial de Limeira é bastante diversificado 3 , contando com
aproximadamente 1000 indústrias instaladas, que empregam cerca de 24.000
3 Metalurgia, mecânica e ferramentas, alimentício, papel e papelão, concentração da indústria de máquinas e ferramentas e pela presença da maior refinadora de açúcar da América Latina, pela produção de sucos cítricos e glutamato de monossódico.
funcionários registrados, com uma significativa parcela de mãodeobra
especializada nos diferentes segmentos, marcada fortemente pela indústria de
transformação e de tecnologia avançada típica da região de Campinas (PLANO
DIRETOR DE LIMEIRA, 1998). Embora este setor corresponda a
aproximadamente 50% dos empregos do município, um panorama da evolução
dos postos de trabalho, mostra um decréscimo na oferta de vagas na indústria
até 1992 e um ligeiro crescimento no setor de serviços. Limeira é também
considerada um importante centro terciário regional, com aproximadamente
3.500 estabelecimentos comerciais e 3.000 prestadores de serviços, que
correspondem a mais de 25.000 funcionários registrados (PLANO DIRETOR DE
LIMEIRA, 1998).
O desenvolvimento da produção de jóias e bijuterias teve inicio em 1938, com a
implantação da oficina de consertos de jóias, inaugurada pela família Cardozo.
No interior da produção industrial do município, este segmento destacase por
um processo intenso de concentração e atração de novos empreendimentos, em
especial a partir dos anos 1980. Hoje toda a cadeia produtiva se encontra
instalada dentro do perímetro do município, contando com a produção de
semijóias folheadas, peças brutas, máquinas e equipamentos, prestadores de
serviços para o setor, como a galvanoplastia, a montagem e solda (SAMPAIO,
2002).
As empresas encontramse situadas principalmente no centro da cidade, ou
espalhadas no interior da mancha urbana. A sua localização inicial ocorreu em
bairros próximos e à leste do centro em função três fatores: 1) processos de spin´offs: funcionários das empresas pioneiras começaram a sair das empresas maiores para abrir seu próprio negócio, se instalando próximo às empresas de
origem; 2) baixo custo dos terrenos destas áreas naquele momento, já que hoje
são consideradas as porções de terra mais caras para se investir em Limeira; 3)
permissão por parte da legislação: o zoneamento permitia a instalação de
empresas em áreas centrais.
Há nove distritos industriais na cidade, sendo seis de iniciativa privada e três do
poder municipal. Deste total, três são específicos para os empreendimentos
relacionados ao APL de Jóias e Bijuterias, sendo dois municipais e um privado.
O primeiro distrito industrial destinado ao setor de jóias e bijuterias e concebido
pela iniciativa privada o Centro Industrial de Limeira (CIL) ainda não teve
sucesso entre os empresários. Apesar de muito bem implantado e com
excelente infraestrutura, o preço dos lotes é muito alto, o que acabou por
inviabilizar o empreendimento. Estes distritos foram concebidos com infra
estrutura para minimizar os impactos ambientais, principalmente no que diz
respeito ao tratamento dos resíduos industriais, que são um dos maiores
problemas do setor. O desinteresse dos empresários em transferir suas
instalações para esses distritos revela o fato de que a política pública não tem
sido capaz de compreender a dinâmica e a estruturação do setor, que é
composto em sua maioria por pequenas empresas, as quais se apresentam
altos índices de informalidade. (BRUNA et al., 2005).
Pequenas empresas caseiras que fazem parte da cadeia produtiva liberam
detritos industriais diretamente na rede de esgoto, ou até em alguns casos
diretamente no solo ou meiofio. A sua concentração em distritos industriais
poderia minimizar o seu impacto ambiental, porém fica evidente a sua baixa
capacidade de arcar com os custos de transferência locacional. Observase
também uma atuação expressiva da regional da CETESB, que vem ampliando
programas de parceria com as empresas do setor.
Apesar das dificuldades de articulação de ações coletivas de inúmeros
pequenos empreendedores, alguns empresários deste segmento vêm
demonstrando forte capacidade de iniciativa para a consolidação do APL
implantando shoppings, feiras e/ou incubadoras.
A discussão constantemente presente entre estas lideranças diz respeito à
valorização do produto nacional e à enorme dificuldade de gerar
relacionamentos de cooperação. As perspectivas de parcerias com outras
instituições como o SEBRAE, SENAI, FIESP, UNICAMP e a CETESB, colocam
em pauta problemas relativos a competições desiguais do mercado
internacional, a informalidade do setor, a necessidade de aperfeiçoamento de
capacitação gerencial técnica, fortalecimento da imagem do APL no mercado
nacional e internacional, além das sérias questões ambientais. Atualmente, os
esforços de cooperação se restringem à melhoria das vendas, à diminuição de
custos, compartilhamento de infraestruturas comuns e à divulgação do sistema
produtivo local, como a criação do consórcio de exportação e dos shoppings de brutos e folheados e a organização de feiras, como a Feira Internacional em
Limeira, e catálogos.
Em função das características produtivas que se ramificam por uma grande
quantidade de empresas e por um elevado índice de informalidade dos
empreendimentos, a quantificação do setor é bastante problemática e variável.
No cadastro da regional da CETESB constam 300 empresas formais do setor.
No entanto, essas estimativas são consideradas subestimadas pelo SINDIJÓIAS
apontando a existência de 450 empresas formais, responsáveis por cerca de
9.000 empregos diretos e 50.000 indiretos 4 . Estudos anteriores realizados em
2000 já identificavam 350 empresas neste tipo de atividade industrial. (SUZIGAN
et al., 2000). Por outro lado, a FIESP aponta a existência de 500 empresas de
pequeno porte, onde 300 são responsáveis pela produção da peça bruta e 200
produzem o tratamento da superfície da peça com banhos de ouro, prata ou
ródio. Estas divergências denotam dificuldades de identificação de processos
freqüentes de abertura e encerramento das pequenas empresas.
O desempenho produtivo deste segmento tem se mostrado bastante dinâmico
com uma produção mensal de cerca de 50 toneladas de folheados e bijuterias,
sendo que 40% dessa produção é destinada ao mercado interno (o município de
Limeira é responsável por 60% do mercado nacional) e 60% para o mercado
externo. As empresas têm se mostrado bastante ativas no propósito de
aumentar as exportações, através de ações consorciadas.
Segundo Sampaio (2002), existe uma predominância média de 10 empregados
por empresa e um elevado índice de informalidade de trabalho e de empresas.
Ao lado da informalidade, constatamse riscos pessoais e ambientais
consideráveis no processo produtivo.
4 Segundo Sampaio (2002), este número de empresas representa cerca de 1/3 da população economicamente ativa de Limeira.
A tecnologia não é um fator preponderante para a maioria das empresas, já que
parte da produção é manual e apenas uma pequena parte é mecanizada. De
qualquer forma, a modernização tecnológica é muito difícil para a maioria delas,
devido às suas características de pequeno e médio porte. Por outro lado, o
design é um fator considerado fundamental.
Segundo o SINDIJÓIAS os principais problemas para a consolidação do APL de
jóias e bijuterias em Limeira são: a informalidade, a baixa capacitação dos
trabalhadores, a necessidade de reforma tributária, a competição desleal, a falta
de ações integradas com o governo, a falta de visibilidade do projeto, os
problemas causados ao meio ambiente e a obtenção de matériaprima.
É importante destacar ainda as relações das políticas públicas urbanas e o Apl.
O último Plano Diretor Municipal de Limeira foi aprovado em 1998 e a Lei de Uso
e Ocupação do Solo aprovada em 1999 5 . O Plano Diretor do Município de
Limeira foi elaborado em um contexto bastante distinto das legislações
anteriores, que buscavam apenas determinar o controle do solo 6 .
No que se refere à atividade industrial, observase o início de uma política de
descentralização territorial, facilmente verificada na distribuição das áreas
industriais no mapa de zoneamento. A característica das indústrias de Limeira
levou o Poder Público a adotar uma política de localização desse setor em áreas
periféricas específicas ou distritos industriais, sempre periféricos à área urbana
consolidada. Porém, tal política desconsiderou a situação existente das
pequenas e médias empresas, localizadas na área central. Nesse sentido,
observamse divergências entre o diagnóstico e a situação desejada na
legislação, principalmente quanto à distribuição espacial das indústrias e
empresas da cadeia produtiva do APL e às expectativas de alteração da
localização desse segmento. Como já destacado, as empresas do APL
localizamse de modo bastante representativo junto à área central e em bairros
5 Ressaltase que a legislação urbana analisada foi aprovada em um período considerado de transição na Política Urbana no Brasil, entre a Constituição Federal de 1988 e a regulamentação de instrumentos específicos desta política pelo Estatuto da Cidade, em 2001 (Lei no. 10.257 de 10/07/2001). 6 Segundo técnicos da Secretaria do Planejamento de Limeira (Bruna et al., 2005) os principais instrumentos de planejamento que já existiam eram o Código de Obras (Lei 1096/1969) e o Código de Posturas (Lei 1388/ 1973 e Lei 1763/1981). A elaboração e aprovação da Lei Orgânica do município data de 1990.
próximos ao centro, de maneira pulverizada e sem controle. Entretanto, em
função das características produtivas desse setor e por um elevado índice de
informalidade de várias empresas, os conflitos relacionados principalmente à
degradação ambiental levaram o Poder Público a buscar soluções radicais, no
momento de elaboração do Plano Diretor, as quais não foram consideradas na
prática.
Portanto, o Plano Diretor, por um lado, determinou que as novas indústrias não
pudessem mais se instalar nas áreas consolidadas, e sim em áreas periféricas,
distritos industriais públicos ou privados ou mesmo nos minidistritos. Por outro
lado, negou a existência de uma situação bastante consolidada. Ressaltase que
a Lei de Parcelamento e de Uso e Ocupação do Solo do município de Limeira,
Lei Complementar nº 212, foi aprovada em 1999. Observase que, com essas
alterações, sempre se está procurando adaptar a legislação à realidade da
cidade, ou cedendo a pressões de grupos com poder de negociação. Fica claro
a pouca preocupação com questões ligadas ao desenvolvimento local e as
perspectivas de sustentabilidade do potencial do APL. Vale lembrar que no
artigo 21, parágrafo III, do Plano Diretor, a diretriz econômica traçada buscava “desenvolver ações para formalizar a participação do setor de jóias e bijuterias na economia municipal”. Nesse sentido, o APL é tratado como algo a ser legalizado e não como um potencial a ser valorizado e incorporado na dinâmica
econômica municipal.
Há na cidade uma série de problemas e conflitos relacionados à localização das
empresas de jóias e bijuterias. O Plano Diretor de 1998, instituindo a lei de uso e
ocupação do solo na cidade, trouxe sérios confrontos com os empresários do
setor que não aceitavam as restrições impostas pelo plano. As empresas que já
estavam instaladas em áreas que, com a lei estabelecida pelo Plano Diretor,
foram consideradas proibidas, tinham direito adquirido e, portanto, podiam
permanecer onde estavam. Foram feitas algumas restrições de uso do solo,
como a ocupação das áreas de mananciais e de algumas áreas centrais. Todo
este conjunto de restrições legais trouxe um aumento da clandestinidade, que
vem se agravando também pelo alto custo trabalhista.
Segundo, o diretor do Sindijóias, Dionísio Gava, a indústria de jóias e bijuterias,
principalmente por ser formada por empresas de pequeno e médio porte, não
era vista em 1998 como uma potencialidade a ser desenvolvida pela cidade, o
que, portanto, não acarretava nenhuma política específica no plano diretor.
Tanto a Prefeitura quanto a comunidade local não assumiam o setor como
possibilidade de desenvolvimento local (BRUNA et. al, 2006).
Finalizando, ao mesmo tempo em que mantém, no processo de elaboração do
Plano Diretor, uma visão predominantemente tecnicista, reproduzindo o espaço
de forma segmentada, sinaliza tentativas de adequação aos novos contextos
econômicos e políticos, apontando, ainda que de forma difusa e fragmentada,
intenções de incorporação participativa da sociedade e de outros instrumentos
contemporâneos. O Plano Diretor de Limeira se antecipa aos novos
instrumentos definidos pelo Estatuto da Cidade, porém, o planejamento,
enquanto atividade de regulação do espaço urbano, apresentase, ainda
dissociado dos processos de gestão urbana que possibilitam, no campo político,
o afloramento de divergências e conflitos entre os diferentes atores da
sociedade e ao mesmo tempo, de implementação de soluções pactuadas.
Atualmente, encontrase em processo de discussão com a sociedade civil, a
revisão do Plano Diretor de 1998 de Limeira, atendendo aos dispositivos
instituídos pelo Estatuto da Cidade.
Observase, sobretudo, que a presença de novos arranjos, do ponto de vista do
desenvolvimento local em Limeira e a iminência de reelaboração do Plano
Diretor indicam perspectivas de ajuste das políticas urbanas aos novos
contextos socioeconômicos e espaciais. No âmbito dos novos arranjos
institucionais, a capacitação técnica dos atores é cada vez mais imprescindível
na busca de alternativas progressistas e historicamente possíveis. Entretanto,
podese apontar a falta de diretrizes ou de ações normativas, diante de ações
especulativas de uso do solo e a falta de fiscalização pelo poder público como
algumas das causas do crescimento urbano experimentado pelo município nas
últimas décadas.
O arranjo produtivo local de Limeira vem passando por momentos de
transformações nos últimos cinco anos. Da ausência total de organizações e do
descaso do poder público, vem ganhando parceiros e atraindo a atenção da
governabilidade local quanto ao seu potencial de desenvolvimento. Entretanto,
apesar do enorme esforço dos empresários, questões fundamentais para a
efetiva interação e sinergia entre as empresas são ou deixadas de lado ou não
encontram um sistema com maturidade suficiente para serem implantadas.
Mesmo com a presença de potencial competitivo e bom nível de criatividade,
existem alguns pontos fracos de relevância para o sucesso dessa organização
como um sistema produtivo complexo; como a baixa capacitação da mãode
obra, a ausência de parcerias efetivas com universidades, incentivos limitados,
alto grau de informalidade e impostos elevados. Além disso, não existem muitos
instrumentos de colaboração e cooperação, nem ações realmente integradas
com o poder público local. No que diz respeito à relação do APL com o meio
urbano verificase que não existe uma real estratégia de desenvolvimento
urbano da cidade baseada no arranjo produtivo. As empresas estão localizadas
em alguns pólos dentro da cidade, mas de forma aleatória. Pulverizadas na
malha urbana, carecem de diretrizes de planejamento para que possam se
configurar como estruturas capazes de promover o desenvolvimento urbano
local.
6. Considerações Finais
As análises sobre os APLs em Franca e Limeira colocam em pauta as relações
complexas entre novos arranjos econômicos e desenvolvimento urbano
regional, destacando a importância de estudos específicos e contextualizados.
Os dois casos expressam modalidades de rearticulação dos processos
produtivos e de localização espacial da produção, no âmbito do desenvolvimento
industrial do Estado de São Paulo, que respondem às condições atuais da
economia e de um mercado competitivo mundializados.
Potencialmente, a presença e proximidade da cadeia produtiva com proliferação
de pequenas unidades tendem a produzir sinergias econômicas e possibilidades
de parcerias e inovação tecnológica, ao mesmo tempo em que ampliam a
geração de oportunidades diversas de inserção de trabalho. Estes arranjos
favorecem o surgimento de novas formas de atuação dos agentes econômicos e
possibilidades de construção de saberes e competências especializadas, como
elementos importantes para a consolidação de identidades culturais. Entretanto,
o confronto destes potenciais com as singularidades de cada situação concreta
deixa claro que existem muitos desafios para a sua incorporação em políticas de
desenvolvimento.
É possível afirmar que, do ponto de vista de fortalecimento econômico local, os
pólos urbanos produtivos de Franca e Limeira têm apresentado excelentes
resultados, que se refletem no mercado nacional e internacional. Porém, a
consolidação destes APLs, como base de um desenvolvimento sustentável, é
ainda um processo bastante incipiente.
Destacamse, de um lado, algumas dificuldades de ação coletiva e integrada
como decorrência das próprias características das cadeias produtivas:
composição heterogênea, forte competitividade interna e hegemonia de grandes
empresas em Franca e predominância de informalidade e pequena empresas
dispersas na mancha urbana em Limeira.
Por outro lado, notase que as ações do planejamento urbano não previram
condições especiais para o desenvolvimento dessas atividades, uma vez que
problemas decorrentes da localização e controle desses empreendimentos têm
sido significativos, em especial os ambientais. Isto parece ser reforçado pela
construção, a posteriori, de distritos industriais que, no caso específico de
Limeira encontramse vazios, reforçando a idéia de necessidade de ações, tanto
de planejamento como de gestão urbana.
Aliase a isso, a carência de políticas e estratégias de planejamento regional no
âmbito estadual que possam estimular e articular estas estruturas produtivas
locais em uma rede mais complexa de relações.
Perspectivas de integração entre as potencialidades econômicas representadas
pelos APLs e o desenvolvimento local e regional podem ser construídas mas
dependem sobretudo da correlação de forças políticas e sociais, da capacidade
de convergência e legitimidade das políticas públicas urbanas e da adoção
efetiva de instrumentos participativos de planejamento e gestão definidos pela
legislação federal brasileira.
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