o lugar da raça na saúde pública
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Trabalho apresentado na XVI Jornada dos Alunos de Pós-Graduação do PPGSA/IFCS/UFRJ, em novembro de 2015.TRANSCRIPT
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH)
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS)
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA)
XVI Jornada do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
GT 12 – Raça e Etnia
O Lugar da Raça na Saúde Pública
Palavras-Chaves: Determinantes Sociais da Saúde; Raça; Saúde.
Autora: Jaciane Pimentel Milanezi Reinehr
(Doutoranda do PPGSA - turma 1/2014, e integrante do Núcleo
Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade - NIED)
Rio de janeiro, RJ
16 a 19 de novembro de 2015
1
1. Introdução
Este trabalho elaborado para a XVI Jornada do PPGSA é parte incipiente de uma
revisão bibliográfica mais ampla, em andamento, sobre a relação entre raça e saúde. O
intuito da revisão é identificar como pesquisas estão abordando a interface desses dois
fenômenos – raça e saúde pública. O objetivo é entender como estudiosos estão
mobilizando teoricamente categorias para elucidar essa relação e quais evidências
empíricas conformam agendas de pesquisas em diferentes campos, com especial
interesse na Sociologia, Antropologia, Ciência Política e Saúde Coletiva.
Essa revisão se insere no âmbito do projeto de doutorado desta discente,
qualificado em agosto de 2015, no PPGSA/IFCS/UFRJ, inserido na linha de pesquisa
Produção e Efeitos de Desigualdades Sociais. O projeto de tese se propõe a elucidar se e
como as chamadas burocracias de nível de rua (Lipsky, 2010)1 da Saúde Pública estão a
influenciar a acessibilidade da população negra aos serviços públicos básicos de atenção
à saúde no Brasil. Empiricamente, a pesquisa está delimitada para elucidar,
etnograficamente, como uma determinada Unidade Básica de Saúde (UBS)2, no
município do Rio de Janeiro, influencia na acessibilidade de usuários negros à atenção
básica de saúde.
No Brasil, evidencia-se um contexto de usufruto da Saúde Pública pela
população negra em dois aspectos. Um, em que usuários negros chegam ao Sistema
Único de Saúde (SUS) com um acúmulo de desvantagens em função de fatores
estruturais da desigualdade social (Chor, 2005; Heringer, 2002; IPEA, 2014; LAESER,
2010; Lopes, 2005; Lopez, 2012).
Ao chegarem ao Sistema, há evidências de vivenciarem situações de
discriminação racial no âmbito das organizações públicas (Bastos e Faerstein, 2012;
Domingues et al., 2013; Kalckmann 2007; Trad et al. 2012). Contudo, o universo de
dinâmicas sociais operante quando o usuário negro chega e utiliza o SUS ainda é pouco
1 Lipsky (2010) cunhou essa categoria para designar um grupo específico de agências públicas, no âmbito do Estado de Bem-Estar Social, cujos funcionários interagem diretamente com o cidadão, controlando benefícios, sanções e acesso às políticas públicas, em função da discricionariedade que possuem. Esta característica é entendida como a ação dos burocratas de rua em torno desses benefícios e sanções, em contextos de baixa informação e controle das políticas. Essas burocracias entregam na “rua” a política pública instituída em gabinetes. Exemplos clássicos são a polícia, escola, postos de saúde.
2 Metodologicamente, a UBS está sendo definida no momento, em função dos dados de distribuição da saúde entre os bairros cariocas e pelo critério de UBSs qualificadas pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro como Unidades que preenchem 80% do qusito raça/cor em seus prontuários eletrônicos.
2
pesquisado. Este momento de entrada ao SUS é o ponto de interesse da pesquisa de
doutorado desta discente.
Antes da entrada em campo, uma revisão aprofundada sobre a interface entre
raça e saúde é necessária. Isso é importante não apenas para conhecimento de como as
pesquisas brasileiras estão localizando o tema, mas para possibilitar uma melhor
inserção da abordagem sociológica para a elucidação dessa interface. As primeiras
impressões até o momento são que relações sociais que conformam essa interface e os
mecanismos causais das desigualdades raciais na saúde estão sendo pouco averiguados,
objetos privilegiados de uma abordagem sociológica.
Entendendo como um mecanismo importante para a conformação dessa interface
a própria produção de conhecimento sobre ela, este trabalho se dedicou a analisar as
informações advindas de uma primeira sistematização de um banco de bibliografias
sobre artigos que relacionam raça e saúde, disponibilizado para consulta dos pares em:
https://www.dropbox.com/s/gxgmv3lb6c8czkg/Ra%C3%A7a%20e%20Sa
%C3%BAde_Lista%20de%20artigos.xls?dl=0
Este banco foi sistematizado da seguinte forma. Inicialmente, foi feita uma busca
de artigos científicos no ambiente virtual do Scientific Electronic Library Online –
SciELO. Esta busca foi realizada por meio das palavras-chaves “raça e saúde”, no índice
de assuntos dos artigos. A busca identificou 177 artigos. Os resumos dos artigos foram
lidos e apenas foram selecionados para registro no Banco os que continham a relação
entre raça e saúde, nos últimos dez anos, entre 2005 e 2015. Destes 177 artigos, 65
foram selecionados como de interesse, registrados no Banco e salvos em PDF para
futura leitura.
O presente trabalho analisa as informações advindas da sistematização desse
Banco de 65 artigos e da leitura dos resumos destes, com o intuito de sublinhar
informações iniciais já de interesse sobre a relação entre raça e saúde, bem como
promover uma avaliação do primeiro exercício de levantamento bibliográfica sobre a
interface raça e saúde.
2. Considerações teóricas e empíricas sobre raça e saúde
A persistência das desigualdades raciais da população brasileira em diversas
esferas já é notória, tanto a partir da atuação política do movimento negro (Hanchard,
3
2001), como das evidências empíricas em torno das desigualdades geracionais
(Hasenbalg e Valle, 1988, 1992, 1999).
Os dados da quarta edição da pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e
Raça3, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), indicam que o
usufruto de diversos recursos públicos universais, por parte da população negra,
continua diferenciado se comparado à população branca, apesar de melhorias ao longo
dos anos (IPEA, 2014).
Pode-se afirmar que o processo de redemocratização brasileiro, acompanhado da
universalidade dos direitos sociais, a partir da Constituição Federal de 1988, não
conseguiu mudar o quadro estável de contínua desigualdade na acessibilidade a recursos
públicos universais diversos por parte da população negra, como outros estudos focados
na materialização dos direitos sociais já evidenciavam (IPEA, 2008; LAESER, 2010).
Esse contexto de desigualdades nos leva a questionar sobre possíveis
mecanismos que operam na ampliação ou delimitação da acessibilidade da população
negra às políticas públicas advindas do Estado de Bem-Estar Social brasileiro, em
especial, a Saúde.
Os fatores constantemente identificados como determinantes à acessibilidade
desigual da população negra à Saúde estão relacionados a aspectos estruturais e à
discriminação racial. No que tange aos aspectos estruturais, estes se referem às
desigualdades pré-existentes à busca pelos serviços de saúde tal como a concentração de
riqueza, as disparidades de renda, os níveis de pobreza, as condições de habitação, o
acesso à educação, à distribuição das ocupações, etc. (López, 2012; Lopes, 2005;
Heringer, 2002).
Esses aspectos estruturais ajudam a compreender os dados sobre a acessibilidade
da população negra a diversos serviços no sistema de saúde, do Relatório Anual das
Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010, publicado pelo Laboratório de Análises
Econômicas, Históricas, Sociais e Estatística das Relações Raciais (LAESER). Sublinho
alguns:
a taxa de descontentamento com o atendimento no SUS é sempre maior
entre pretos e pardos, independente da região;
3 Dados disponíveis em: http://www.ipea.gov.br/retrato/4
há maior percentual de pretos e pardos procurando o SUS para
finalidades curativas, contrapondo-se aos brancos, procurando o Sistema
para finalidades preventivas;
a população branca foi predominante nas internações para cirurgia
(57,1%), parto cesáreo (51,9%), exames (54,8%) e tratamento
psiquiátrico (51,9%). Já os pretos e pardos foram predominantes no parto
normal (62,5%) e no tratamento clínico (52,5%);
em 2008, a probabilidade de não ser atendida pelo sistema de saúde, uma
vez tendo procurado, de uma mulher preta e parda era 2,6 vezes superior
à de um homem branco;
também em 2008, os pretos e pardos formavam a maioria absoluta de
desistentes de procura pelo atendimento de saúde: 62,6% dos que
desistiram de procurar por problemas relacionados às falhas do sistema
de saúde; 66,7% dos que relataram problemas financeiros ou domésticos;
67,4% dos que relataram enfrentar problemas locacionais e de transporte;
60,0% dos que apresentaram outros motivos e dos sem declaração de
motivos; e 63,9% no somatório de todos os motivos.
Outras pesquisas também indicam quadro similar de acessibilidade diferenciada
da população negra aos serviços de saúde. Por exemplo, Goes (2013) identificou,
especificamente, o acesso diferenciado de mulheres brancas e negras baianas aos
serviços preventivos de saúde do câncer de mama e do colo uterino, utilizando dados do
Suplemento de Saúde, da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), de
2008.
Chor (2005) evidenciou condições diferenciadas de saúde entre negros (pretos e
pardos) e brancos, a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)
e do Sistema de Informações sobre Nascimentos (SINASC), ambos do DataSus. Por
exemplo, a taxa de mortalidade por doenças cerebrovasculares em mulheres pretas,
entre 40 e 69 anos de idade, é cerca de duas vezes maior do que entre mulheres brancas
e pardas, sendo esta uma doença associada à pobreza em períodos iniciais da vida.
Referente à discriminação racial vivenciada no uso dos serviços de saúde, esta já
é evidenciada em pesquisas de cunho qualitativo sobre a percepção dos usuários negros.
Por exemplo, Domingues et al. (2013) identificou discriminação racial entre usuárias
5
negras no cuidado em saúde reprodutiva, em uma Unidade de Básica de Saúde (UBS),
na cidade de Salvador. As respondentes da pesquisa tiveram dificuldade em reconhecer
as práticas como discriminatórias.
Trad et al. (2012) também identificou essa dificuldade, ainda em Salvador, ao
investigar a acessibilidade à atenção básica de famílias negras. Seus respondentes
sobrepunham a classe à raça no relato das experiências de discriminação sofridas.
Interessante contrapor esses achados aos de Kalckmann (2007), que não obteve tal
sobreposição. Ela identificou discriminação racial vivenciada entre usuários e
funcionários de UBSs, a partir da percepção de um grupo muito específico, participantes
do Seminário da Saúde da População Negra, no Estado de São Paulo.
Os estudos sobre discriminação racial na Saúde indicam processos
discriminatórios na relação entre profissionais e pacientes, na prescrição de tratamentos,
em procedimentos cirúrgicos, etc. (Bastos e Faerstein, 2012). Muitos, como Trad et al.
(2012) e Kalckmann (2007), explicam essa discriminação pela chave do racismo
institucional sem esclarecê-lo.
Desde a implementação do Programa de Combate ao Racismo Institucional
(PCRI), em 2004, pelo Ministério da Saúde, esse tipo de racismo tem sido conceituado
na área da Saúde como: “o fracasso das instituições e organizações em prover um
serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial
ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios
adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma
atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer
caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos
discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e
por demais instituições e organizações” (CRI, 2006, p.22).
Apesar de ser uma explicação acionada para justificar a discriminação racial, as
pesquisas ainda não elucidaram como esse tipo de racismo opera nas agências
burocráticas, no sentido de entender a complexidade deste no âmbito de uma
organização, especificamente, a estatal. Se o racismo institucional é entendido como
uma prática que ultrapassa o indivíduo e se assenta na organização, é necessário que as
pesquisas avancem para elucidar como este se institucionaliza na organização, e não
apenas sublinhar práticas discriminatórias dos funcionários públicos.
6
Apesar de um conjunto de informações sobre desigualdades raciais na saúde,
Chor (2005) chama a atenção para a baixa existência de pesquisas na área
epidemiológica sobre o tema, e da pouca utilização do atributo raça, que passou a existir
nos sistemas da área no país apenas em 1996. Ela opina que os poucos estudos se dão
pela aceitação da idéia de democracia racial pelas categorias profissionais da área, pelas
dificuldades de classificação étnico-racial e a oposição entre as dimensões da classe e da
raça. A opinião converge com a de Perreira e Telles (2014), ao sublinharem a
subestimação das diferenças raciais nas pesquisas sobre as disparidades sociais na
saúde, na América Latina.
Esse conjunto de dados sobre fatores não biológicos que impactam na saúde nos
coloca no âmbito do questionamento sobre os Determinantes Sociais da Saúde (DSS). A
Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (CSDH)4, da Organização Mundial
da Saúde (OMS), entende DSS como diversos tipos de condições que impactam na
saúde, sejam condições da vida cotidiana, distribuição desigual de recursos ou
condições estruturais. Uma gama de fatores de cunho social é elencada pela Comissão
para serem monitorados em sua relação com as condições de saúde, tais como aspectos
sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais. Dentre
estes fatores, como sublinha Chor (2005, 2013), aparentemente, raça é ainda um
marcador social polêmico para a área de saúde no Brasil.
Dentre os serviços públicos universais identificados com acessibilidade desigual
da população negra, a Saúde se destaca, principalmente, por dois motivos. O primeiro,
pela recente gama de informações estatísticas em produção em diversos institutos sobre
a condição de saúde e acessibilidade da população negra. O segundo, pela variedade de
políticas públicas voltadas para a equidade racial no âmbito da Saúde dentro do Estado
brasileiro. Lima (2010) mapeou essas políticas federais com recorte racial, construídas
em função de um processo político dos movimentos sociais organizados, a partir da
década de 80. Um destaque foi a criação dos Comitês Técnicos de Saúde da População
Negra, a partir de 2004, com a função de promover igualdade racial nos serviços de
saúde locais. Além, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
4 A CSDH foi temporariamente criada, entre 2005 e 2008, com o objetivo de assessorar os países membros da OMS em lidar com os fatores sociais que influenciam na doença-saúde e nas inequidades em saúde. O principal produto elaborado pela Comissão foi o relatório final Redução das desigualdades no período de uma geração: igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais.
7
(PNSIPN), a partir de 2007, que defini uma série de ações para melhorar as condições
de saúde desse grupo social.
Em síntese, há um contexto brasileiro em que a população negra já chega ao
Sistema Único de Saúde (SUS) com um acúmulo de desvantagens em função de fatores
estruturais. Ao chegar ao Sistema, vivencia situações de discriminação em função da
raça. Mas, o que realmente ocorre quando o usuário negro chega e utiliza o SUS? É este
momento que o projeto de tese pretende elucidar: o que ocorre na “porta de entrada” do
SUS? A proposta de pesquisa busca trazer contribuições da Sociologia para uma
temática mais estuda por outras perspectivas científicas. Vejamos, então, como essas
outras perspectivas estão a tratar do tema.
3. Análise das informações do banco de artigos
Uma primeira observação de interesse que provoca este banco de artigos é a
concentração da publicação dos artigos. Quais revistas nacionais mais trataram da
interface da raça e saúde, nos últimos dez anos? Conforme sistematizado na Tabela 1 5,
os artigos sobre raça e saúde estão concentrados em 23 periódicos nacionais. Mais de
50% dos artigos se distribuíram em cinco periódicos: Cadernos de Saúde Pública;
História, Ciências, Saúde-Manguinhos; Saúde e Sociedade; Revista de Saúde Pública;
Ciências e Saúde Coletiva.
De acordo com o escopo institucional desses 23 periódicos, disponibilizado em
seus respectivos ambientes virtuais do Scielo, estas revistas estão nas seguintes áreas de
conhecimento: Saúde Pública, Enfermagem, Epidemiologia, Demografia,
Interdisciplinar, Psicologia, Ciências Sociais, Gênero e Medicina. Conforme
sistematizado na Tabela 2, os artigos se concentraram na área da Saúde Pública. Dos 65
artigos registrados como de interesse no Banco, 45 destes, referente a 69,23% do
montante, são de publicações da área de conhecimento da Saúde Pública.
Essa primeira identificação das áreas majoritárias no Brasil que estão dedicadas
à análise da interface entre raça e saúde leva-nos a observar que o tema se distancia das
ciências sociais (sociologia, antropologia, ciência política) e se aproxima das áreas da
saúde. É necessário, ainda, a partir da leitura dos artigos selecionados, identificar como
a relação entre raça e saúde está sendo analisada teoricamente: que abstrações teóricas
estão sendo mobilizadas, ou não, para se pensar essa relação pela Saúde Coletiva?
5 As tabelas e quadros estão disponibilizados ao final do trabalho.8
Outra observação de interesse que a sistematização do banco de artigos permitiu
foi a constatação das instituições que mais estão a produzir sobre o tema nos últimos
dez anos. Essas 23 revistas estão vinculadas a instituições de pesquisas, sejam no
âmbito das universidades públicas federais, no âmbito de outras organizações estatais e
em associações profissionais. Como se pode observar pela Tabela 3, as quatro revistas
que concentraram quase 50% das produções estão vinculadas à Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ) e à Universidade de São Paulo (USP). A quinta revista com maior
quantidade de artigos é ligada à Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).
De uma perspectiva regional, os estados do Rio de Janeiro e São Paulo são as
unidades da federação com mais produção na área. Além de serem os Estados que
concentram as instituições de pesquisas que mais produzem sobre o tema, são nestes
estados, também, que se concentram os principais lócus (municípios ou bairros) para a
investigação do tema. Pela leitura dos resumos dos artigos, também foram identificadas
pesquisas realizadas em municípios e bairros dos seguintes estados: Minas Gerais, Rio
Grande do Sul, Maranhão, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Piauí.
Apesar de não ter sido viável ainda avançar na elucidação das perspectivas
teóricas de investigação do tema nestes artigos, foi possível identificar os grandes temas
de pesquisas. Ou seja, o que os artigos estão delimitando para ser investigado na
interface entre raça e saúde? Que agendas de pesquisa já são perceptíveis na área da
Saúde Pública?
A análise dos Resumos dos artigos possibilitou a identificação das seguintes
delimitações de temas: 1. Discussão sobre a inserção do tema racial na saúde pública; 2.
Distribuição desigual da saúde, da morte e das doenças (HIV, Tuberculose, Diabetes,
Hipertensão, Saúde Bucal, Saúde Reprodutiva); 3. Saúde da Mulher (pré-natal, parto,
mortalidade materna, prevenção, câncer de útero); 4. Acesso, Acessibilidade e
Utilização dos serviços do SUS, em especial, atenção primária; 5. Discussão sobre a
definição do conceito raça e das categorias raciais na saúde; 6. Discriminação no SUS
ou Racismo Institucional; 7. Problemas no preenchimento do quesito cor/raça nos
sistemas de informação da saúde; 8. Saúde de adolescentes mulheres; 9. Percepção de
discriminação entre usuárias do SUS.
Conforme sistematizado na Tabela 4, muitos artigos estavam voltados para um
debate, aparentemente polêmico, sobre a inserção da temática racial na Saúde Pública, o
que seria contraditório com o princípio de universalidade do Sistema Único de Saúde
9
Brasileiro. É importante sublinhar que esse debate está concentrado em artigos
publicados no ano de 2005, período posterior às primeiras experiências de políticas de
cotas em universidades federais brasileiras (por exemplo: UERJ, UFBA e UNB).
Esse tema condiz com outro identificado, o da discussão sobre a necessidade de
uma definição consensual sobre a categoria teórica da raça e das categorias raciais
utilizadas nas pesquisas. Esses artigos estão voltados em demandar dos pesquisadores
uma diferenciação teórica bem marcada entre raça, etnicidade e nacionalidade.
Aparentemente, o tratamento dessas categorias como identidades sociais dinâmicas não
encontra muita ressonância na Saúde Pública.
Em seguida, foi identificada como segunda maior incidência a delimitação sobre
a distribuição desigual das condições de saúde, da mortalidade e de doenças entre
brancos e não brancos. Os resultados sublinhados nos resumos convergem para a
identificação de uma distribuição desigual da saúde, morte e doença, com desvantagens
aos auto-declarados pretos e pardos. O interessante a ser sublinhado, para além da
presença também da desigualdade racial na área da saúde, é a concentração de um
conjunto de doenças sempre a ser investigado nessa distribuição: HIV, Tuberculose,
Diabetes, Hipertensão, Saúde Bucal, Saúde Reprodutiva, Homicídios.
No que se refere à Saúde Reprodutiva, esse tema foi o de terceira maior
incidência, especificamente com foco nas mulheres. As investigações em torno do
acesso, acessibilidade e utilização dos serviços públicos voltados à saúde da mulher
chamam bastante a atenção. As pesquisas focam, de uma perspectiva quantitativa, no
acesso e acessibilidade desigual das mulheres negras ao pré-natal, às condições de parto,
à maior mortalidade materna, à falta de prevenção ginecológica e maior incidência de
câncer de útero. Também, são as mulheres o foco das pesquisas qualitativas que tratam
da discriminação percebida entre as usuárias dos serviços da saúde reprodutiva, que
levam os pesquisadores a mobilizarem o tema como Racismo Institucional.
Essas delimitações do tema identificados nas produções foram averiguadas por
diferentes métodos de pesquisas. As quantitativas se utilizam dos dados
disponibilizados nos diversos sistemas de informações do SUS, de dados do IBGE e de
dados primários coletados pelos próprios grupos. As pesquisas de cunho qualitativo se
distribuíram em entrevistas, grupos focais, análise de documentos e análise histórica.
3. Limites do levantamento inicial e considerações para o seguimento da revisão
10
Esse primeiro exercício de levantamento de bibliografias brasileiras que tratam
da interface entre raça e saúde apresenta algumas limitações que serão corrigidas para a
continuação dessa revisão de literatura de pesquisas empíricas.
Inicialmente, este levantamento priorizou a combinação das palavras-chaves
“raça e saúde”. A partir da identificação dos temas e delimitações das pesquisas,
provavelmente, outras combinações poderão levantar outros artigos no âmbito do
Scielo, tais como: “desigualdade racial e saúde”; “saúde e mulher negra”;
“acessibilidade desigual e SUS”; “racismo institucional e SUS”; etc.
Outra forma pensada para o seguimento do levantamento bibliográfico é a
utilização das lisas de Periódicos CAPES. Para cada área de conhecimento, a CAPES
disponibiliza uma listagem, por nível (A1 a C), de revistas classificadas. Uma vez
identificadas as principais áreas do conhecimento em que o tema raça e saúde está sendo
tratado (Saúde Pública, Enfermagem, Epidemiologia, Demografia, Interdisciplinar,
Psicologia, Ciências Sociais, Gênero e Medicina), seria interessante passar pelas edições
das revistas dessas áreas, pelo menos as de nível A1 e A2, nos últimos dez anos, para a
identificação de produções que a busca por palavras-chaves não conseguiu acessar.
Uma vez elaborado uma versão final do banco de bibliografias, se iniciará a
leitura dos artigos selecionados com o intuito de gerar um mapeamento representativo
de como as pesquisas estão lidando com a interface entre raça e saúde no caso
brasileiro. O objetivo final dessa revisão será identificar as possibilidades de maior
inserção da abordagem sociológica nas pesquisas sobre raça e saúde.
A leitura desses artigos estará dirigida para se identificar:
Como as pesquisas relacionam raça e saúde?
Que tipos de perguntas empíricas estão sendo feitas nos diferentes campos?
A forma de relacionar esses dois fenômenos conforma que agenda de
pesquisa nos diferentes campos?
Que categorias teóricas e analíticas esses diferentes campos mobilizam para
elucidar a relação entre raça e saúde?
Que tipos de técnicas estão sendo priorizadas para executar a investigação
dessa relação?
Quais são as possibilidades de aproximação entre esses campos no estudo
dessa relação?
11
Qual o conjunto de achados empíricos?
Quais são as perspectivas sociológicas que podem ser alocadas para a
elucidação da relação raça e saúde?
Referências Bibliográficas
BASTOS, João Luiz; FAERSTEIN, Eduardo. Discriminação e Saúde: perspectivas e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012.
CDSS - Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde. Redução das desigualdades no período de uma geração. Igualdade na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais. Relatório Final. Portugal, Organização Mundial da Saúde, 2010.
CHOR, Dóra. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 29(7):1272-1275, jul, 2013.
DOMINGUES, Patrícia Mallú Lima et al. Discriminação racial no cuidado em saúde reprodutiva na percepção de mulheres. Texto Contexto Enfermagem, 22(2), pg. 285-292, abr.-jun., 2013.
GOES, Emanuelle Freitas; NASCIMENTO, Enilda Rosendo do. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde debate [online]. 2013, vol.37, n.99, pp. 571-579.
HANCHARD, M., 2001. Orfeu e o Poder: Movimento Negro no Rio de Janeiro e em São Paulo. Rio de Janeiro: EDUERJ.
HASENBALG, C. & SILVA, N. V.. Educação e diferenças raciais na mobilidade ocupacional no Brasil. In: Cor e Estratificação Social (C. Hasenbalg, N. V. Silva & M. Lima, org.), pp. 217-230, Rio de Janeiro: Contracapa, 1999.
HASENBALG, C. & SILVA, N. V.. Relações Raciais no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1992
HASENBALG, C. & SILVA, N. V.. Estrutura Social, Mobilidade e Raça. São Paulo: Vértice, 1988.
HASENBALG, Carlos A. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
HERINGER, Rosana. Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas. Cad. Saúde Pública, vol.18, supl. Rio de Janeiro, 2002. IPEA. Situação social da população negra por estado. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília: IPEA, 2014. KALCKMANN, Suzana; SANTOS, Claudete Gomes dos; BATISTA, Luís Eduardo e CRUZ, Vanessa Martins da. Racismo institucional: um desafio para a eqüidade no SUS?. Saude soc. [online]. 2007, vol.16, n.2, pp. 146-155.
LAESER (Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatística das Relações Raciais). Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 - Constituição Cidadã, seguridade social e seus efeitos sobre as assimetrias de cor ou raça.
12
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LOPEZ, Laura Cecilia. O conceito de racismo institucional: aplicações no campo da saúde. Interface (Botucatu) [online]. 2012, vol.16, n.40, pp. 121-134.
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TRAD, Leny Alves Bomfim; CASTELLANOS, Marcelo Eduardo Pfeiffer; GUIMARAES, Maria Clara da Silva. Acessibilidade à atenção básica a famílias negras em bairro popular de Salvador, Brasil. Rev. Saúde Pública [online]. 2012, vol.46, n.6, pp. 1007-1013.
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Anexos: Tabelas e Quadros
Tabela 1: Distribuição dos artigos registrados por periódico.
Título do Periódico Qtd de artigos %
Cadernos de Saúde Pública 9 13,85%
História, Ciências, Saúde-Manguinhos 8 12,31%
Saúde e Sociedade 7 10,77%
Revista de Saúde Pública 6 9,23%
Ciência & Saúde Coletiva 4 6,15%
Revista Brasileira de Epidemologia 4 6,15%
Interface - Comunicação, Saúde, Educação 3 4,62%
Physis: Revista de Saúde Coletiva 3 4,62%
Revista Brasileira de Estudos de População 3 4,62%
Saúde em Debate 3 4,62%
Boletim do Instituto de Saúde (BIS) 2 3,08%
Revista da Escola de Enfermagem da USP 2 3,08%
Acta Amazonica 1 1,54%
Dados 1 1,54%
Escola Anna Nery 1 1,54%
Estudos Avançados 1 1,54%
Estudos de Psicologia 1 1,54%
Fractal: Revista de Psicologia 1 1,54%
Revista Brasileira de Enfermagem 1 1,54%
Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil 1 1,54%
Revista Estudos Feministas 1 1,54%
Sao Paulo Medical Journal 1 1,54%
Texto & Contexto 1 1,54%
Total 65 100,00%
Fonte: elaboração própria
14
Tabela 2: Distribuição dos artigos registrados por área de conhecimento do periódico.
Título do PeriódicoQtd de Artigo
por PeriódicoÁrea do Periódico
Qtd de Artigo por Área do
Periódico%
Cadernos de Saúde Pública 9
Saúde Pública45 69,23%
História, Ciências, Saúde-Manguinhos 8
Saúde e Sociedade 7
Revista de Saúde Pública 6
Ciência & Saúde Coletiva 4
Interface - Comunicação, Saúde, Educação 3
Physis: Revista de Saúde Coletiva 3
Saúde em Debate 3
Boletim do Instituto de Saúde (BIS) 2
Revista da Escola de Enfermagem da USP 2
Enfermagem5 7,69%
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem 1
Revista Brasileira de Enfermagem 1
Texto & Contexto 1
Revista Brasileira de Epidemologia 4 Epidemiologia 4 6,15%
Revista Brasileira de Estudos de População 3 Demografia 3 4,62%
Acta Amazonica 1 Interdisciplinar 2 3,08%
15
Título do PeriódicoQtd de Artigo
por PeriódicoÁrea do Periódico
Qtd de Artigo por Área do
Periódico%
Estudos Avançados 1
Estudos de Psicologia 1 Psicologia2 3,08%
Fractal: Revista de Psicologia 1
Dados 1 Ciências Sociais 1 1,54%
Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil 1 Saúde da Mulher e da Criança 1 1,54%
Revista Estudos Feministas 1 Gênero 1 1,54%
Sao Paulo Medical Journal 1 Medicina 1 1,54%
Total 65 65 100,00%
Fonte: elaboração própria.
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Tabela 3: Vinculação institucional dos periódicos, por unidade administrativa.
Título do Periódico Vínculo institucional UF
Cadernos de Saúde Pública Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz RJ
História, Ciências, Saúde-Manguinhos Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz RJ
Saúde e Sociedade Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo SP
Revista de Saúde Pública Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo SP
Ciência & Saúde Coletiva ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva RJ
Interface - Comunicação, Saúde,
Educação
Laboratório de Educação e Comunicação em Saúde, do Departamento de Saúde Pública, da
Faculdade de Medicina de Botucatu e Instituto de Biociências de Botucatu, da UNESPSP
Physis: Revista de Saúde Coletiva Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ) RJ
Saúde em Debate Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) RJ
Boletim do Instituto de Saúde (BIS) Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo SP
Revista da Escola de Enfermagem da
USP
Escola de Enfermagem da Universidade de São PauloSP
Escola Anna Nery Revista de
Enfermagem
Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio de JaneiroRJ
Revista Brasileira de Enfermagem Associação Brasileira de Enfermagem DF
Texto & Contexto Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina SC
Revista Brasileira de Epidemologia ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva RJ
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Título do Periódico Vínculo institucional UF
Revista Brasileira de Estudos de
População
Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep)MG
Acta Amazonica Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) AM
Estudos Avançados Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo SP
Estudos de Psicologia Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas SP
Fractal: Revista de Psicologia Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense RJ
Dados Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ)RJ
Revista Brasileira de Saúde Materno
Infantil
Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)PE
Revista Estudos Feministas Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da
Universidade Federal de Santa CatarinaSC
Sao Paulo Medical Journal Associação Paulista de Medicina – APM SP
Fonte: elaboração própria.
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Tabela 4: Temas identificados nos artigos registrados.
Temas Qtd de artigos
Discussão sobre a inserção do tema racial na saúde pública 22
Distribuição desigual da saúde, da morte e das doenças (HIV, Tuberculose,
Diabetes, Hipertensão, Saúde Bucal, Saúde Reprodutiva)20
Saúde da Mulher (pré-natal, parto, mortalidade materna, prevenção, câncer de
útero)18
Acesso, Acessibilidade e Utilização dos serviços do SUS, em especial, atenção
primária12
Discussão sobre a definição do conceito raça e das categorias raciais 9
Discriminação no SUS ou Racismo Institucional 9
Problemas no preenchimento do quesito cor/raça nos sistemas de informação da
saúde3
Saúde de adolescentes mulheres 3
Percepção de discriminação entre usuárias do SUS 2
Fonte: elaboração própria.
Tabela 5: Métodos de pesquisa nos artigos registrados.
Método Qtd de Artigos
Qualitativo (Entrevistas, Grupos Focais, Análise de Documentos,
Análise Histórica)37
Quantitativo 24
Misto 4
Total 65
Fonte: elaboração própria
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