o mateus aramaico - papirologia novo testamento · feliz o leitor e os ouvintes das palavras ......
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1
Paul-André Hébert, S.J.
Uma pesquisa
sobre
AS DATAS DOS LIVROS DO NOVO TESTAMENTO
www.papirologia-nt.com
O APOCALIPSE DE SÃO JÕAO
Patmos-ano 80
******
O Mateus Aramaico Cafarnaum-ano 28
Jerusalém-ano 30
Fortaleza, CE, Brasil
2017
2
A Nossa Senhora de Fátima
3
O APOCALIPSE DE SÃO JOÃO
Patmos-ano 80
4
Introdução à leitura do Apocalipse de São João
Iniciaremos com a leitura do Apocalipse de são João. Ler o Apocalipse é
uma experiência fascinante. Esta leitura nos transporta à experiência
mística e profética do seu autor.
Antes de iniciar esta leitura, é bom situar o texto no tempo e no espaço:
o lugar donde João escreveu o Apocalipse e a data, o ano em que foi
escrito!
O lugar: São João escreve da ilha de Patmos, uma ilha do mar Egeu,
situada a uns 100 quilômetros de Éfeso. São João foi ali exilado por
causa da Palavra de Deus.
A data, o ano em que foi escrito o Apocalipse. Como poderemos
constatar, comentando os versículos 9 a 11 do capítulo 17 do
Apocalipse (Ap 17, 9 – 11), João escreve no ano 80, enquanto Tito é
imperador. João dá muito importância a esta data. Ele chega a desafiar
o leitor. “Quem tiver uma Inteligência imbuída de Sabedoria” (Ap 17, 9)
poderá decifrar a data na qual ele escreve! Trataremos desta data
explicitamente em nossas anotações, sobretudo quando chegarmos a
estes versículos 9 -11 do capítulo 17. Poderemos todos fazer a nossa
descoberta pessoal da data do ano 80!
Por enquanto, não há comentário que possa dispensar uma leitura de
todo o Apocalipse de São João. Por isso apresentaremos o texto do
Apocalipse tal como se encontra na Bíblia de Jerusalém (1), traduzido
em francês pelo P. Boismard e em português, a partir do original grego,
por Ivo Storniolo. Faremos umas modificações na tradução portuguesa
para seguirmos de mais de perto o texto original grego. Isto nos ajudará
em nossa descoberta da data em que o Apocalipse foi escrito.
Quanto à estruturação literária, seguiremos aquela apresentada pelo P.
Hugo Vanni, S.J. (2). Para o P. Vanni, contrariamente ao P. Boismard, o
Apocalipse é uma obra unitária precedida dum prólogo (Ap 1, 1 - 3) e
5
concluída por um epílogo ( Ap 22, 6 - 21). O P. Vanni estabelece que a
obra consta de duas partes desiguais:
Primeira parte: São as cartas às sete Igrejas da Ásia Menor (Ap 1, 4 -
3, 22).
Segunda parte: Compreende cinco seções: a primeira e a última
seção servem respectivamente de introdução e de conclusão:
I. Introdução: Capítulos 4 e 5: Visão de Deus e do Cordeiro.
II. A seção dos sete selos (Ap 6, 1 - 7, 17).
III. A seção das sete trombetas (Ap 8, 1 - 11, 14).
IV. Os três sinais: a Mulher, o Dragão e os Sete Anjos com as
sete taças (Ap 11, 15 - 16, 16).
V. Conclusão: Ap 16, 17 - 22, 5: condenação do mal e exaltação
do bem. A Jerusalém Celeste.
------------------------
(1) Bíblia de Jerusalém, Tradução do texto em língua portuguesa
diretamente dos Originais, Paulus, 1985, 9ª Impressão, maio 2000.
(2) P. Vanni, Hugo S.J., Apocalipse, uma assembleia litúrgica interpreta
a história, Ed. Paulinas, São Paulo, 1984. Título original italiano,
Apocalisse, Editrice Queriniana, Brescia, 1979.
6
APOCALIPSE DE SÃO JOÃO
PRÓLOGO
1, 1 - 3
1.1
Revelação (a) de Jesus Cristo: Deus lha concedeu para que mostrasse
aos seus servos as coisas que devem acontecer muito em breve. Ele a
manifestou com sinais por meio de seu Anjo, enviado ao seu servo João
(b),
1,2
o qual atesta tudo quanto viu, como sendo a Palavra de Deus e o
Testemunho de Jesus Cristo.
1,3
Feliz o leitor e os ouvintes das palavras desta profecia, se observarem o
que nela está escrito, pois o tempo está próximo.
--------------------
Anotações:
(a) Revelação. A palavra “Apocalipse” vem do grego. Ela significa
“Revelação”, isto é, tirar o véu, re-velar. Em vez de “Apocalipse” se
poderia dar a este livro o título de “Revelação”, como em inglês:
“Revelation”.
(b) João. O Apóstolo João, chamado também o Teólogo, é o autor do
livro do Apocalipse como é o autor do quarto evangelho. Temos a
audácia de afirmá-lo mesmo se o estilo do Apocalipse é bem diferente
daquele do 4º evangelho. Esta diferença de estilo pode explicar-se, em
parte, pelas circunstâncias particulares do exílio do autor na ilha de
Patmos. Porém deve se ter em conta sobretudo do gênero literário do
Apocalipse que é totalmente diferente daquele do Evangelho. Tem
também a data de composição do Apocalipse: uns vinte anos depois do
Evangelho. Trataremos deste assunto mais explicitamente na conclusão
7
do nosso estudo sobre o Apocalipse: Pseudonímia e Verdade
evangélica.
Nossa descoberta da data de composição do Apocalipse teve como
ponto de partida as descobertas da papirologia, particularmente a
identificação pelo P. O’Callaghan de 7Q5 (manuscrito 5 da gruta 7 de
Qumram) como um fragmento do Evangelho de Marcos. Esta
descoberta nos permitiu iniciar uma pesquisa sobre as datas dos
escritos do Novo Testamento. Publicamos nossa pesquisa na tipografia
da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP):
Papirologia e Datas dos Escritos do Novo Testamento. Ensaio
sobre a data da Assunção de Maria ao Céu, FASA, Recife, PE, 2007.
Cf. www.papirologia-nt.com
De acordo com o trabalho aqui referido, João escreveu os 20 primeiros
capítulos do seu Evangelho antes do ano 64. Estes 20 primeiros
capítulos não mencionavam a manifestação de Jesus Ressuscitado
junto ao Lago de Tiberíades. Quando Pedro foi crucificado, em Roma,
no ano 64, João acrescentou o capítulo 21, recordando como Jesus
tinha predito o martírio de Pedro: “Outro te cingirá e te conduzirá aonde
não queres.” (Jo 21, 18)
Teríamos aqui a explicação mais simples da existência de duas
conclusões no Evangelho de João, uma primeira conclusão antes do
martírio de Pedro no final do capítulo 20 (Jo 20, 30 - 31) e uma segunda
conclusão depois do martírio de Pedro no final do capítulo 21 (Jo 21, 24
– 25).
8
I. PRIMEIRA PARTE DO APOCALIPSE
CARTAS ÀS SETE IGREJAS DA ÁSIA MENOR (a)
1, 4 – 3, 22
Introdução
1, 4 - 8
1,4
João, às sete Igrejas que estão na Ásia: a vós graça e paz da parte
d’Aquele-que é, Aquele-que-era e Aquele-que-vem, da parte dos sete
Espíritos que estão diante do seu trono,
1,5
e da parte de Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primogênito dos
mortos, o Príncipe dos reis da terra. Àquele que nos ama, e que nos
lavou de nossos pecados com seu sangue,
1,6
e fez de nós uma Realeza e Sacerdotes para Deus, seu Pai, a ele
pertencem a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém.
1,7
Eis que ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão, até mesmo
os que o transpassaram, (b) e todas as tribos da terra baterão no peito
por causa dele. Sim! Amém!
1,8
Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, “Aquele-que-é, Aquele-
que-era e Aquele-que-vem”, o Todo-poderoso.
9
(a) João escreve o Apocalipse para sete Igrejas da Ásia Menor:
Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia, Laodicéia.
Éfeso: Através dos Atos dos Apóstolos, conhecemos bastante bem esta
Igreja de Éfeso. Foi evangelizada por Paulo durante a Terceira Viagem
Missionária (ano 54 a 57). Paulo passou quase três anos nesta cidade
de Éfeso. Teve grande sucesso em sua evangelização. Os ourives, que
fabricavam o templo de Ártemis, se levantaram contra ele. O culto da
grande deusa dos Efésios estava perdendo adeptos. Por consequência,
as vendas dos templos da deusa estavam diminuindo. Houve
desemprego entre os artesãos. Donde o tumulto e uma provável prisão
de Paulo em Éfeso (At 19, 23 - 40).
João e Maria (a Virgem Mãe de Jesus) viveram em Éfeso. A arqueologia
confirma uma casa da Virgem Maria em Éfeso. Hoje é lugar de
peregrinação para Cristãos e Muçulmanos. Cf. Revista 30 Dias, Ignace
de la Potterie, No 6, junho de 1993: Maria esteve em Éfeso?
Colocaremos este texto do P. Ignace de la Potterie, S.J. em apêndice.
Laodicéia: A Igreja de Laodicéia é mencionada por Paulo na Carta aos
Colossenses. Segundo o P. Huby, e outros exegetas, a “Carta aos
Efésios” (Ef), numa primeira instância, foi dirigida aos Cristãos da Igreja
de Laodicéia (Cl 4,15-16).
(b) O Transpassado. O Evangelho de João tem como centro o
Transpassado. Jesus elevado na Cruz teve o Coração transpassado
pela lança. Deste coração jorraram sangue e água. João dá testemunho
deste fato e convida a contemplar o Transpassado. “Olharão para
Aquele que transpassaram” (Jo 19, 37 e Zc 12, 10). Este olhar prepara
o leitor a contemplar o Cordeiro de pé e estrangulado (capítulo 5).
-------------------------
Experiência de Cristo ressuscitado
1, 9 - 20
1,9
10
Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, na realeza e na
perseverança em Jesus, encontrei-me na ilha chamada Patmos, (c) por
causa da Palavra de Deus e do Testemunho de Jesus.
1,10
No dia do Senhor fui movido pelo Espírito, e ouvi atrás de mim uma voz
forte, como de trombeta, ordenando:
1,11
“Escreve o que vês, num livro, e envia-o às sete Igrejas: a Éfeso,
Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia”.
1,12
Voltei-me para ver a voz que falava, ao voltar-me, vi sete candelabros
de ouro, (d)
1,13
e, no meio dos candelabros, alguém semelhante a um Filho de
Homem, (e) vestido com uma túnica longa e cingido nos rins com um
cinto de ouro.
1,14
Os cabelos de sua cabeça eram brancos como lã branca, como neve; e
seus olhos pareciam uma chama de fogo.
1,15
Os pés tinham o aspecto do bronze como purificado no forno, e sua voz
como uma voz de grandes águas.
1,16
Na mão direita ele tinha sete estrelas, (f) e de sua boca [saia] uma
espada afiada, com dois gumes. Sua face era como o sol, quando brilha
com todo seu esplendor.
1,17
11
E quando eu o vi, caí como morto a seus pés. Ele, porém colocou a mão
direita sobre mim assegurando: “Não temas!” Eu sou o Primeiro e o
Último,
1,18
o Vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos
séculos, e tenho as chaves da Morte e do Hades.
1,19
Escreve, pois, o que viste: tanto as coisas presentes como as que
deverão acontecer depois destas.
1,20
“Quanto ao mistério das sete estrelas que viste em minha mão direita e
dos sete candelabros de ouro: as sete estrelas são os Anjos das sete
Igrejas, e os sete candelabros as sete Igrejas”.
--------------------
(c) Patmos. João se encontra na Ilha de Patmos, exilado por causa da
Palavra de Deus e do Testemunho de Jesus. É o tempo das grandes
perseguições. Aquelas que seguiram o incêndio da Cidade de Roma.
Nero acusou os Cristãos de ter incendiado a Cidade. Já no ano 64,
Pedro é crucificado em Roma, de cabeça para baixo (Papias). No ano
67, Paulo é decapitado em Roma, no lugar chamado hoje Tre Fontane.
No ano 80, João está exilado na Ilha de Patmos, no tempo do
Imperador Tito. Não é dito que é prisioneiro. No tempo do Imperador Tito
as perseguições diminuíram. Tito não foi o pior dos perseguidores.
Quando virá Domiciano, o irmão de Tito, no ano 81, as perseguições
retomarão toda a sua virulência como no tempo de Nero, a Besta do
Apocalipse. (Cf., anotação aos versículos: Ap 17, 9 - 11)
(d) Os Candelabros de ouro. As Igrejas são vistas por João como
Candelabros de ouro. O candelabro indica a Igreja em oração. Esta
oração também é sacrifício. O óleo que queima simboliza o sacrifício. A
palavra sacrifício vem do latim: sacrum facere. Fazer passar para o
sagrado; aperfeiçoar, fazer passar para o domínio de Deus. A palavra
12
não tem nada de pejorativo, ela não significa uma privação, como
poderíamos pensar, às vezes, a partir de certas expressões da língua
francesa ou portuguesa. Pela sua origem latina, sabemos que a palavra
“sacrifício” significa adquirir uma perfeição pela passagem ao estágio do
sagrado, ao estágio da divindade.
(e) Como um filho de homem. Expressão do livro de Daniel (Dn 7, 13 -
14). Ela pertence ao gênero literário apocalíptico. Jesus, nos
Evangelhos, fez alusão a esta expressão quando aplicou a Si Mesmo o
título de Filho do Homem. Este último título é uma expressão mais
precisa que aquela de Dn 7, 13 e Ap 1, 13.
(f) As sete estrelas. As estrelas representam os Anjos das sete Igrejas
que estão na mão direita do Filho do Homem (Cf. Ap 1, 20). Assim se
conclui a visão preparatória às cartas que serão enviadas às sete Igrejas
da Ásia Menor.
As cartas às sete Igrejas da Ásia Menor
2, 1 – 3, 22
I. À Igreja de Éfeso
2,1
Ao Anjo da Igreja em Éfeso (g), escreve: Assim diz aquele que segura
as sete estrelas em sua mão direita, aquele que anda em meio aos sete
candelabros de ouro.
2,2
Conheço tuas obras, tua fadiga e tua perseverança; sei que não podes
suportar os malvados: puseste à prova os que se dizem apóstolos - e
não são - e os descobriste mentirosos.
2,3
És perseverante, pois sofreste por causa do meu nome, mas não
esmoreceste.
2,4
Devo reprovar-te, contudo, por teres abandonado teu primeiro amor.
13
2,5
Recorda-te, pois, de onde caíste, converte-te e retoma a conduta de
outrora. Do contrário, virei a ti e removerei teu candelabro de sua
posição se não te converteres.
2,6
Tens de bom, contudo, o detestares a conduta dos Nicolaítas, que
também eu detesto.
2,7
Quem tem uma orelha, ouça o que o Espírito diz às Igrejas; ao
vencedor, conceder-lhe-ei comer da árvore da vida que está no paraíso
de Deus.
II. À Igreja de Esmirna
2,8
Ao Anjo da Igreja em Esmirna, escreve. Assim diz o Primeiro e o Último,
aquele que esteve morto, mas voltou à vida.
2,9
Conheço tua tribulação, tua indigência – és rico, porém – e as
blasfêmias de alguns dos que se afirmam judeus mas não são – pelo
contrário, são uma sinagoga de Satanás! (h)
2,10
Não tenhas medo do que irás sofrer. Eis que o Diabo vai lançar alguns
dentre vós na prisão, para serdes postos à prova. Tereis uma tribulação
de dez dias. Mostra-te fiel até à morte, e eu te darei a coroa da vida.
2,11
Quem tem uma orelha, ouça o que o Espírito diz às Igrejas; o vencedor
de modo algum será lesado pela segunda morte.
III. À Igreja de Pérgamo
14
2,12
Ao Anjo da Igreja em Pérgamo, escreve. Assim diz aquele que tem a
espada afiada, de dois gumes.
2,13
Sei onde moras: é onde está o trono de Satanás. Tu, porém, seguras
firmemente o meu nome, pois não renegaste a minha fé, nem mesmo
nos dias de Antipas (i), minha testemunha fiel, que foi morto junto a
vós, onde Satanás habita.
2,14
Tenho, contudo, algumas reprovações a fazer: tens aí pessoas que
seguem a doutrina de Balaão (j), o qual ensinava Balac a lançar uma
pedra de tropeço aos filhos de Israel, para que comessem das carnes
sacrificadas aos ídolos e se prostituissem.
2,15
Do mesmo modo tens também tu, pessoas que seguem a doutrina dos
Nicolaítas.
2,16
Converte-te, pois! Do contrário, virei logo contra ti, para combatê-los
com a espada da minha boca.
2,17
Quem tem uma orelha, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: ao vencedor
darei do maná escondido, e lhe darei também uma pedrinha branca,
uma pedrinha na qual está escrito um nome novo que ninguém conhece,
exceto aquele que o recebe.
IV. À Igreja de Tiatira
2,18
15
Ao Anjo da Igreja em Tiatira, escreve: Assim diz o Filho de Deus, cujos
olhos parecem chamas de fogo e cujos pés são semelhantes ao bronze.
2,19
Conheço tua conduta: o amor, a fé, a dedicação, a perseverança e as
tuas obras mais recentes, ainda mais numerosas que as primeiras.
2,20
Reprovo-te, contudo, pois deixas em paz Jezabel (k), esta mulher que
se afirma profetisa: ela ensina e seduz meus servos a se prostituirem,
comendo das carnes sacrificadas aos ídolos.
2,21
Dei-lhe um prazo para que se converta; ela, porém, não quer se
converter da sua prostituição.
2,22
Eis que vou lançá-la num leito, e os que com ela cometem adultério,
numa grande tribulação, a menos que se convertam de sua conduta.
2,23
Farei também com que seus filhos morram, para que todas as Igrejas
saibam que sou eu quem sonda os rins e o coração; e a cada um de vós
retribuirei segundo a vossa conduta.
2,24
Quanto a vós, porém, os outros de Tiatira, que não seguem esta
doutrina, os que não conhecem “as profundezas de Satanás” – como
dizem --, declaro que não vos imponho outro peso;
2,25
o que tendes, todavia, segurai-o firmemente até que eu venha.
2,26
Ao vencedor, ao que observar a minha conduta até o fim, conceder-lhe-
ei autoridade sobre as nações;
16
2,27
com uma vara de ferro as apascentará, como se quebram os vasos de
argila –
2,28
como também eu recebi de meu Pai, e dar-lhe-ei ainda a Estrela da
manhã.
2,29
Quem tem uma orelha, ouça o que o Espírito diz às Igrejas.
V. À Igreja de Sardes
3, 1
Ao Anjo da Igreja em Sardes escreve: Assim diz aquele que tem os sete
Espíritos de Deus e as sete estrelas. Conheço tua conduta: tens fama
de estar vivo, mas estás morto.
3,2
Torna-te vigilante e consolida o resto que estava para morrer, pois não
achei perfeita a tua conduta diante do meu Deus.
3,3
Lembra-te, portanto, de como recebeste e ouviste, observa-o, e
converte-te! Caso não vigies, virei como um ladrão, sem que saibas em
que hora venho te surpreender.
3,4
Em Sardes, contudo, há algumas pessoas que não sujaram suas vestes:
elas andarão comigo vestidas de branco, pois são dignas.
3,5
17
O vencedor se trajará com vestes brancas e eu jamais apagarei seu
nome do livro da vida. Proclamarei seu nome diante de meu Pai e dos
seus Anjos.
3,6
Quem tem uma orelha, ouça o que o Espírito diz às Igrejas.
VI. À Igreja de Filadélfia
3,7
Ao Anjo da Igreja em Filadélfia (l), escreve: Assim diz o Santo, o
Verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi, o que abre e ninguém
mais fecha, e fechando, ninguém mais abre.
3,8
Conheço tua conduta: eis que pus à tua frente uma porta aberta que
ninguém poderá fechar, pois tens pouca força, mas guardaste minha
palavra e não renegaste meu nome.
3,9
Eis que farei que os da sinagoga de Satanás, que se afirmam judeus
mas não o são, pois mentem: farei com que venham prostrar-se a teus
pés e reconhecerão que eu te amo.
3,10
Visto que guardaste minha palavra de perseverança, também eu te
guardarei da hora da tentação que virá sobre o mundo inteiro e colocar à
prova os habitantes da terra.
3,11
Venho logo! Segura com firmeza o que tens, para que ninguém tome a
tua coroa.
3,12
Quanto ao vencedor, farei dele uma coluna no santuário do meu Deus e
daí nunca mais sairá. Escreverei sobre ele o nome da Cidade do meu
18
Deus – a nova Jerusalém, que desce do Céu, de junto do meu Deus – e
o meu novo nome.
3,13
Quem tem uma orelha,(m) ouça o que o Espirito diz às Igrejas.
VII. À Igreja de Laodicéia
3,14
Ao Anjo da Igreja em Laodicéia, escreve. Assim fala o Amém, a
Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus.
3,15
Conheço tua conduta: não és frio nem quente. Oxalá fosse frio ou
quente!
3,16
Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de
minha boca.
3,17
Pois dizes: sou rico, enriqueci-me e de nada mais preciso. Não sabes,
porém, que és tu o infeliz: miserável, pobre, cego e nu!
3,18
Aconselho-te a comprar de mim ouro purificado no fogo para que
enriqueças, vestes brancas para que te cubras e não apareça a
vergonha da tua nudez, e um colírio para que unjas teus olhos e possas
enxergar.
3,19
Quanto a mim, repreendo e educo todos aqueles que amo. Recobra,
pois, o fervor e converte-te!
3,20
19
Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta,
entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo.
3,21
Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu
também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono.
3,22
Quem tem uma orelha, ouça o que o Espírito diz às Igrejas.
------------------
(g) Carta à Igreja de Éfeso. Esta carta de João foi escrita uns 25 anos
depois da evangelização de Éfeso pelo Apóstolo Paulo. A reprovação
maior é de ter abandonado o primeiro amor. As admoestações de Paulo,
advertindo que lobos vorazes viriam e não poupariam o rebanho, (At 20,
29) parecem ter produzido seus efeitos. A Igreja de Éfeso não pôde
suportar os malvados e pôs à prova os que se diziam apóstolos e não o
eram. Ela detesta a conduta dos Nicolaítas como João também a
detesta. Encontraremos de novo estes Nicolaítas na carta à Igreja de
Pérgamo (Ap 2, 15). Voltaremos sobre este assunto na carta à Igreja de
Tiatira quando falaremos de Jezabel.
(h) Sinagoga de Satanás. Quem são os verdadeiros Judeus? Para
João, os verdadeiros “Judeus” são os Cristãos. Os judeus que rejeitam o
Cristo são chamados polemicamente “Sinagoga de Satanás” (cf. Hugo
Vanni, op. cit., p. 43).
(i) Antipas. Não temos outras notícias sobre este mártir, senão aquela
deste trecho do Apocalipse de João. Em Pérgamo, coração do
paganismo e do culto imperial, Antipas recusou atribuir a César o título
de Kyrios, título reservado pelos cristãos a Cristo desde os primórdios
do Cristianismo.
(j) Balaão. No livro dos Números (Nm 31, 16), Balaão incitou as
mulheres de Moab a seduzir os filhos de Israel e induzi-los à idolatria e à
prostituição no caso de Fegor (Nu 25, 1 - 18). São Judas, na sua breve
epístola, relembra este episódio onde Balaão é instigador da idolatria.
20
“Nos últimos tempos surgirão escarnecedores, que levarão uma vida de
acordo com as suas próprias concupiscências ímpias” (Jd 11.18). Pelo
ano 64, na sua segunda carta, Pedro retomará este ensinamento de São
Judas (2Pd 2, 1 – 3, 3).
(k) Jezabel. Nome simbólico duma pseudo-profetisa da seita dos
Nicolaítas, protagonista da prostituição na Igreja de Tiatira. No primeiro
livro dos Reis, é Jezabel que instiga Acab a prostituir-se, isto é, a
abandonar o culto de Javé para entregar-se ao culto de Baal (cf. 1Rs 16,
31 - 33). A doutrina dos Nicolaítas vai neste mesmo sentido. Os
Nicolaítas são falsos doutores, interesseiros, privados de verdadeira
espiritualidade, entregues às suas imoralidades e concupiscências.
(l) A Igreja de Filadélfia. Esta Igreja tem provavelmente a sua origem
na pregação de Paulo em Éfeso entre os anos 55 e 57. Paulo não
evangelizou pessoalmente Colossas, Laodicéia e Filadélfia. Epafras,
discípulo de Paulo quando este ensinava em Éfeso, levou o Evangelho a
Colossas. Podemos pensar que outros discípulos de Paulo, a exemplo
de Epafras, levaram o Evangelho a outras cidades da Ásia Menor. São
João endereça as cartas a estas Igrejas que começaram a existir, talvez,
pelos anos 55-57, quando Paulo evangelizava Éfeso.
(m) Uma orelha. Tradução ao pé da letra realizada pelo Cardeal
Vanhoye. Uma orelha: pode significar que se deve prestar muita atenção
ao que é dito. Pode também indicar que estamos em tempo de
perseguição. Não se pode mais pregar o evangelho sobre os telhados.
21
II. SEGUNDA PARTE DO APOCALIPSE
4, 1 – 22, 21
I. SEÇÃO PRIMEIRA
(Introdução à segunda parte do Apocalipse)
VISÃO DE DEUS E DO CORDEIRO
4, 1 – 5, 14
DEUS: “Alguém “sentado no trono”
4, 1 - 11
4,1
Depois disso, tive uma visão: havia uma porta aberta no céu, e a
primeira voz, que ouvira falar-me como trombeta, disse: Sobe até aqui,
para que eu te mostre as coisas que devem acontecer depois destas.
4,2
Fui imediatamente movido pelo Espírito: eis que havia um trono no céu,
e no trono, Alguém sentado... (a)
4,3
O que estava sentado tinha o aspecto de uma pedra de jaspe e
cornalina, e um arco-íris envolvia o trono com reflexos de esmeralda.
4,4
22
Ao redor desse trono estavam dispostos vinte e quatro tronos, e neles
assentavam-se vinte e quatro Anciãos, (b) vestidos de branco e com
coroas de ouro sobre a cabeça.
4,5
Do trono saíam relâmpagos, vozes e trovões, e diante do trono ardiam
sete lâmpadas de fogo: são os sete Espíritos de Deus.
4,6
À frente do trono, havia como que um mar vítreo, semelhante ao cristal.
No meio do trono e ao seu redor estavam quatro Seres vivos (c),
cheios de olhos pela frente e por trás.
4,7
O primeiro Ser vivo é semelhante a um leão; o segundo Ser vivo, a um
touro; o terceiro tem a face como de homem; o quarto Ser vivo é
semelhante a uma águia em voo.
4,8
Os quatro Seres vivos têm cada um seis asas e são cheios de olhos ao
redor e por dentro. E, dia e noite, sem parar, proclamam: “Santo, Santo,
Santo, Senhor, Deus todo-poderoso. ‘Aquele-que-era, Aquele-que-é e
Aquele que vem’”.
4,9
E, a cada vez que os Seres vivos dão glória, honra e ação de graças
Àquele que está sentado no trono e que vive pelos séculos dos séculos,
4,10
os vinte e quatro Anciãos se prostram diante daquele que está sentado
no trono para adorarem aquele que vive pelos séculos dos séculos,
depondo suas coroas diante do trono e proclamando:
4,11
23
“Digno és tu, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o
poder, pois tu criaste todas as coisas; por tua vontade elas não existiam
e foram criadas”.
O CORDEIRO: O livro fechado com sete selos
5, 1 - 14
5, 1
Vi depois, da direita daquele que estava sentado no trono, um livro
escrito por dentro e por fora e selado com sete selos. (d)
5,2
Vi então um Anjo poderoso, proclamando em alta voz: “Quem é digno de
abrir o livro rompendo seus selos?”
5,3.
Mas ninguém no céu, nem na terra ou sob a terra era capaz de abrir
nem de ler o livro.
5,4
Eu chorava muito, porque ninguém foi considerado digno de abrir nem
de ler o livro.
5,5
Um dos Anciãos, porém, consolou-me: “Não chores! Eis que o Leão da
tribo de Judá, o Rebento de Davi, venceu para abrir o livro e seus sete
selos”.
5,6
24
Com efeito, entre o trono com os quatro Seres vivos e entre os Anciãos,
vi um Cordeiro de pé, como que degolado. Tinha sete chifres e sete
olhos (e) que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra.
5,7
Ele veio e tomou o livro da direita daquele que está sentado no trono.
5,8
Quando tomou o livro, os quatro Seres vivos e os vinte e quatro Anciãos
caíram diante do Cordeiro, cada um com uma cítara e taças de ouro
cheias de incenso, que são as orações dos santos,
5,9
e cantam um cântico novo: “Digno és tu de receber o livro e de abrir
seus selos, pois foste imolado e, por teu sangue, resgataste para Deus
homens de toda tribo, língua, povo e nação.“
5,10
“Deles fizeste, para nosso Deus, uma Realeza e Sacerdotes; e eles
reinarão sobre a terra.”
5,11
Em minha visão ouvi ainda o clamor de uma multidão de anjos que
circundavam o trono, os Seres vivos e os Anciãos – seu número era de
milhões de milhões e milhares de milhares
5,12
proclamando em alta voz: ”Digno é o Cordeiro imolado de receber o
poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor”.
5,13
E ouvi toda criatura no céu, na terra, sob a terra, no mar, e todos os
seres que neles vivem, proclamarem: “Àquele que está sentado no trono
e ao Cordeiro pertencem o louvor, a honra, a glória e o domínio pelos
séculos dos séculos!”
5,14
25
Os quatro Seres vivos diziam: “Amém!” E os Anciãos caíram e
adoraram.
Anotações:
(a) DEUS: Alguém sentado no trono. João dá início à segunda parte
do Apocalipse com uma visão de Deus: Alguém sentado no trono. Ele
é o Criador de todas as coisas. A Ele servem todas as criaturas. Os
quatro Seres Vivos representam toda a criação que serve a Deus. Deus
está tudo e para além de tudo, e ao mesmo tempo dirige toda a História
da Salvação. Os Vinte e quatro Anciãos representam a totalidade da
História da Salvação: a Antiga Aliança e a Nova Aliança; as Doze
Tribos de Israel e os Doze Apóstolos do Cordeiro).
Estamos aqui na primeira seção da segunda parte do Apocalipse. Esta
primeira seção serve também d’introdução à segunda parte do
Apocalipse. Não devemos negligenciar a estrutura literária do
Apocalipse. É por não ter encontrado esta estrutura literária que, através
dos séculos, muitos chegaram a interpretações tão extravagantes deste
livro. Agradecemos ao P. Hugo Vanni, S.J. por ter estabelecido para nós
a estrutura literária do livro do Apocalipse.
(b) Vinte e quatro Anciões: Como o temos dito, os vinte e quatro
Anciões representam toda a História da Salvação. Doze mais doze são
iguais a vinte e quatro: uma totalidade. As Doze Tribos de Israel mais os
Doze Apóstolos do Cordeiro. A totalidade da História da Salvação.
(c) Os quatro Seres vivos. João tem sua inspiração no Profeta
Ezequiel (Ez 1, 5 - 10). Pelos múltiplos aspectos que estes Seres vivos
assumem: águia, homem, touro, leão, eles representam toda a criação.
(d) O CORDEIRO. Somente o Cordeiro degolado, de pé, ressuscitado,
tem o poder de romper os sete selos e abrir o livro. Somente Cristo, no
seu Mistério Pascal, tem o poder de interpretar a História da Salvação.
(e) Sete chifres e sete olhos. O Cordeiro degolado e ressuscitado
possui a totalidade da força messiânica (sete chifres) e a plenitude do
Espírito em ação (sete olhos). (Cf., Vanni, op. cit. p. 53).
26
II. SEÇÃO SEGUNDA
OS SETE SELOS
6, 1 – 17
Os quatro cavalos e cavaleiros
6, 1 - 8
6,1
Vi quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos, e ouvi o primeiro
dos quatro Seres vivos dizer como o estrondo dum trovão: “Vem!”
6,2
Vi então aparecer um Cavalo Branco, (a) cujo montador tinha um arco.
Deram-lhe uma coroa e ele partiu vencedor e para vencer ainda mais.
6,3
Quando abriu o segundo selo, ouvi o segundo Ser vivo dizer: “Vem!”.
6,4
Então saiu um cavalo vermelho, e ao seu montador foi concedido o
poder de tirar a paz da terra, para que os homens se matassem entre si.
Entregaram-lhe também uma grande espada.
6,5
27
Quando abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro Ser vivo dizer: “Vem!”. Eis
[que apareceu] um cavalo negro, cujo montador tinha na mão uma
balança.
6,6
Ouvi então uma voz, vinda do meio dos quatro Seres vivos, que dizia:
“Um litro de trigo por um denário e três litros de cevada por um denário!
Quanto ao óleo e ao vinho, não causes prejuízo”.
6,7
Quando abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto Ser vivo que dizia:
”Vem!”
6,8
Vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu montador chamava-se “a Morte”
e o Hades o acompanhava. Foi-lhe dado poder sobre a quarta parte da
terra, para que exterminasse pela espada, pela fome, pela peste e pelas
feras da terra.
Os primeiros mártires
6, 9 – 11
6,9
Quando abriu o quinto selo, vi sob o altar as almas dos que tinham sido
imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela
tinham prestado.
6,10
E eles clamaram em alta voz: “Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro,
tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da
terra?”
6,11
28
A cada um deles foi dada, então, uma roupa branca (b) e foi-lhes dito,
também, que repousassem por mais um pouco de tempo, até que se
completasse o número dos seus companheiros e irmãos, que iriam ser
mortos como eles.
O número dos mártires deve completar-se
6, 12 - 7, 3
6,12
Vi quando ele abriu o sexto selo: houve um grande terremoto; o sol
tornou-se negro como um saco de crina, e a lua inteira como sangue;
6,13
as estrelas do céu caíram sobre a terra, como a figueira que deixa cair
seus frutos ainda verdes ao ser agitada por um forte vento;
6,14
o céu afastou-se, como um livro que é enrolado; as montanhas todas e
as ilhas foram removidas de seu lugar;
6,15
os reis da terra, os magnatas, os capitães, os ricos e os poderosos,
todos, escravos e homens livres, esconderam-se nas cavernas e pelos
rochedos das montanhas,
6,16
e dizem aos montes e às pedras: “Desmoronai sobre nós e escondei-
nos da face daquele que está sentado no trono, e da ira do Cordeiro,
6,17
pois chegou o Grande Dia da sua ira, e quem poderá ficar de pé?”
7, 1
29
Depois disso, vi quatro Anjos, postados aos quatro cantos da terra,
segurando os quatro ventos da terra, para que o vento não soprasse
sobre a terra, sobre o mar ou sobre alguma árvore.
7,2
Vi também outro Anjo que subia do Oriente com o selo do Deus vivo.
Esse gritou em alta voz aos quatro Anjos que haviam sido encarregados
de fazer mal a terra e ao mar:
7,3
“Não danifiqueis a terra, o mar e as árvores, até que tenhamos
marcado a fronte dos servos do nosso Deus”. (c)
Os cento e quarenta e quatro mil marcados pelo selo
Entre os eleitos de todas as tribos de Israel
7, 4 – 8
7,4
Ouvi então o número dos que foram marcados: cento e quarenta e
quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel.
7,5
Da tribo de Judá, doze mil foram marcados; da tribo de Rúben, doze mil;
da tribo de Gad, doze mil;
7,6
da tribo de Aser, doze mil; da tribo de Neftali, doze mil; da tribo de
Manassés, doze mil;
7,7
da tribo de Simeão, doze mil; da tribo de Levi, doze mil; da tribo de
Issacar, doze mil;
30
7,8
da tribo de Zabulon, doze mil; da tribo de José, doze mil; da tribo de
Benjamim, doze mil foram marcados.
Os marcados do selo entre os eleitos das nações pagãs
7,9 - 12
7,9
Depois disso, eis que eu vi uma grande multidão, que ninguém podia
contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé
diante do trono e diante do Cordeiro, trajados com vestes brancas e com
palmas na mão.
7,10
E, em alta voz, proclamavam: “A salvação pertence ao nosso Deus, que
está sentado no trono, e ao Cordeiro!”
7,11
E todos os Anjos que se tinham colocado ao redor do trono [de Deus], e
dos Anciãos e dos quatro Seres vivos, eles caíram diante do trono e
adoraram a Deus, dizendo:
7,12
“Amém! O louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o
poder e a força pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos séculos.
Amém!”
Plena felicidade dos Primeiros Mártires
7, 13 - 17
7,13
Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me: “Estes que estão trajados
com vestes brancas, quem são e de onde vieram?” (d)
31
7,14
Eu lhe respondi: ‘Meu Senhor, és tu que o sabes! ’ Ele, então, me
explicou: “Estes são os que vêm da grande tribulação: lavaram suas
vestes e alvejaram-nas no sangue do Cordeiro.”
7,15
“É por isso que estão diante do trono de Deus e o servem dia e noite em
seu templo. Aquele que está sentado no trono estenderá sua tenda
sobre eles:”
7,16
“Nunca mais terão fome, nem sede, o sol nunca mais os afligirá, nem
qualquer calor ardente;”
7,17
“pois o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará e os
conduzirá até às fontes de água da vida. E Deus enxugará toda lágrima
de seus olhos”.
-------------------------
(a) Os quatro cavalos e cavaleiros (6, 1 - 8). O Cavalo Branco é o
primeiro e o mais importante. A interpretação deste cavalo e do seu
cavaleiro encontra-se em Ap 19, 11 - 13: “Vi então o céu aberto em que
apareceu um Cavalo Branco, cujo Cavaleiro se chama “Fiel” e
“Verdadeiro”; ele julga e combate com justiça. Seus olhos são chamas
de fogo; sobre sua cabeça há muitos diademas, e traz escrito um nome
que ninguém conhece, exceto ele; veste um manto embebido de
sangue, e o nome com que é chamado é o Verbo de Deus”. João
proclama o poder do Verbo de Deus, da Palavra de Deus, de Cristo
Palavra de Deus, Logos-Verbo Encarnado. Este poder da Palavra
atuará em toda a História da Salvação e para todos os homens.
Certo, haverá sempre guerras (o cavalo vermelho); fomes (o cavalo
negro); epidemias (o cavalo esverdeado), tudo isto levando à morte.
Mas acima de tudo isto estará sempre o poder da Palavra de Deus, de
32
Jesus Cristo, Logos Encarnado – Verbo Encarnado, para a salvação
de toda a humanidade: o Cavalo Branco é o primeiro cavalo, distinto
dos outros três, e o mais importante.
(b) Os primeiros mártires já são vitoriosos. Eles vestem roupa branca.
O branco é símbolo de vitória. Fazem a pergunta que encontrará pouco
a pouco as suas respostas através de todo o Apocalipse. Quanto tempo
Deus tardará em lhes fazer justiça? Uma primeira resposta lhes é dada
logo mais: é de repousar-se enquanto se completa o número dos eleitos:
seus companheiros e irmãos que devem ser mortos como eles. Se o
Senhor Jesus não volta logo na sua Parusia é que deve completar-se o
número dos eleitos.
(c) Tem uma proteção particular para os eleitos de Deus. Estes eleitos
são marcados por um selo. Há os eleitos que provêm das doze tribos
de Israel, os Judeus. Há também esta imensa multidão que provém de
todas as nações, raças, povos e línguas. São os eleitos entre as nações
pagãs, entre os gentios. Podemos relembrar as palavras do Bom Pastor
do capítulo décimo do Evangelho de São João: “Tenho ainda outras
ovelhas” que não são deste recinto do judaísmo, (como o cego de
nascimento que foi curado e se tornou ovelha do Bom Pastor) “devo
conduzi-las também; elas ouvirão a minha voz; então haverá um só
rebanho e um só pastor”. (Jo 10, 16)
(d) João se refere de novo aos primeiros mártires, aqueles que foram
mortos antes do ano 80, aqueles que João viu debaixo do altar e a quem
foi dito que repousassem por mais um pouco de tempo até que se
completasse o número dos seus companheiros e irmãos que iriam ser
mortos como eles (6, 9 - 11). Estes mártires, como já dissemos, são
vitoriosos. Eles estão vestidos de branco. Porém devem esperar para
ver a vingança de Deus sobre aqueles que os mataram. “Nunca mais
terão fome nem sede, o Cordeiro que está no meio do trono os
apascentará e os conduzirá até as fontes de água da vida. E Deus
enxugará toda lágrima dos seus olhos”. (7, 16 – 17)
33
III. TERCEIRA SEÇÃO
AS SETE TROMBETAS
8, 1 - 11, 14
Ruptura do sétimo selo
8, 1 – 5
8,1
Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve no céu um silêncio
durante cerca de meia hora...
8,2
Vi então os sete Anjos que estão diante de Deus: deram-lhes sete
trombetas. (a)
8,3
Outro Anjo veio postar-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro.
Deram-lhe uma grande quantidade de incenso para que o oferecesse
34
com as orações de todos os santos, sobre o altar de ouro que está
diante do trono.
8,4
E, da mão do Anjo, a fumaça do incenso com as orações dos santos
subiu diante de Deus.
8,5
O Anjo tomou depois o turíbulo, encheu-o com o fogo do altar e o atirou
a terra: seguiram-se trovões, clamores, relâmpagos e um terremoto.
Voz das quatro primeiras trompetas
8, 6 - 12
8,6
Os sete Anjos munidos com as sete trombetas se prepararam para
tocar.
8,7
E o primeiro tocou... Caiu então sobre a terra granizo e fogo, misturados
com sangue: uma terça parte da terra se queimou, um terço das árvores
se queimou e toda vegetação verde se queimou.
8,8
E o segundo Anjo tocou... Algo como uma grande montanha
incandescente foi lançado no mar: uma terça parte do mar se
transformou em sangue,
8,9
e pereceu um terço das criaturas que vivem no mar e um terço dos
navios foi destruído.
8,10
E o terceiro Anjo tocou... Caiu do céu uma estrela, ardendo como uma
tocha. E caiu sobre a terça parte dos rios e sobre as fontes.
8,11
35
O nome da estrela é “Absinto”. A terça parte da água se converteu em
absinto, e muitos homens morreram por causa da água que se tornou
amarga.
8,12
E o quarto Anjo tocou... Um terço do sol, um terço da lua e um terço das
estrelas foram atingidos, de modo que uma terça parte deles se ofuscou:
o dia perdeu um terço de sua luz, bem como a noite.
Voz das três trombetas que devem ainda tocar
Primeiro “Ai”: os gafanhotos
8, 13 – 9, 12
8,13
Então vi e ouvi uma Águia que voava no meio do céu, gritando em alta
voz: “Ai, ai, ai dos que habitam a terra, por causa dos restantes toques
da trombeta dos três Anjos que estão para tocar!”
9, 1
E o quinto Anjo tocou... Vi então uma estrela que havia caído do céu
sobre a terra: foi-lhe entregue a chave do poço do Abismo.
9,2
Ela abriu o poço do Abismo, e dali subiu uma fumaça, como a fumaça
de uma grande fornalha, de modo que o sol e o ar ficaram escuros por
causa da fumaça do poço.
9,3
E da fumaça saíram gafanhotos que vieram sobre a terra, dotados de
um poder semelhante ao dos escorpiões da terra.
9,4
Disseram-lhes, porém, que não danificassem a vegetação da terra, nem
o que estivesse verde e as árvores, mas somente os homens que não
tivessem o selo de Deus sobre a fronte.
9,5
36
Foi-lhes dada a permissão, não de matá-los, mas de atormentá-los
durante cinco meses com um tormento semelhante ao do escorpião,
quando fere um homem.
9,6
Naqueles dias, os homens procurarão a morte, mas não a encontrarão;
desejarão morrer, mas a morte fugirá deles.
9,7
O aspecto dos gafanhotos era semelhante ao de cavalos preparados
para uma batalha: sobre sua cabeça parecia haver coroas de ouro e
suas faces eram como faces humanas;
9,8
e tinham cabelos semelhantes ao cabelo das mulheres e dentes como
os do leão;
9,9
e tinham couraças como que de ferro, e o ruído de suas asas era como
o ruído de carros com muitos cavalos, correndo para um combate;
9,10
eram ainda providos de caudas semelhantes à dos escorpiões, com
ferrões: nas suas caudas estava o poder de atormentar os homens
durante cinco meses.
9,11
Como rei tinham sobre si o Anjo do Abismo cujo nome em hebraico é
“Abaddon” e em grego ”Apollyon”. (b)
9,12
O primeiro “Ai” passou. Eis que depois destas coisas vêm ainda dois
“Ais”.
Segundo “Ai”
37
Um exército de duzentos milhões de cavaleiros
9, 13 - 21
9,13
E o sexto Anjo tocou... Ouvi então uma voz que provinha dos quatro
chifres do altar de ouro, colocado diante de Deus.
9,14
E dizia ao sexto Anjo, que estava com a trombeta: “Liberta os quatro
Anjos que estão presos sobre o grande rio Eufrates”.
9,15
Os quatro Anjos, que estavam prontos para a hora, o dia, o mês e o ano,
foram então libertos para matar a terça parte dos homens.
9,16
O número de cavaleiros do exército era de duzentos milhões: ouvi bem
seu número.
9,17
Na minha visão, os cavalos e os cavaleiros tinham este aspecto: vestiam
couraças de fogo, de jacinto e enxofre; a cabeça dos cavalos era como
de leão e de sua boca saía fogo, fumaça e enxofre.
9,18
Uma terça parte dos homens foi morta por causa destes três flagelos: o
fogo, a fumaça e o enxofre que saíam da boca dos cavalos.
9,19
O poder dos cavalos, com efeito, está em sua boca e nas caudas; de
fato, suas caudas parecem serpentes: têm cabeça com as quais causam
dano.
38
9,20
Os outros homens que não foram mortos por estes flagelos, não
renunciaram sequer às obras de suas mãos, para não mais adorar os
demônios e os ídolos de ouro, de prata, de bronze, de pedra e de
madeira, que não podem ver nem ouvir ou andar.
9,21
Não se converteram também de seus homicídios, nem das suas magias,
nem das suas prostituições e roubos.
O Livrinho Aberto
Testemunho de Pedro e de Paulo
As Duas Oliveiras e os Dois Candelabros
10, 1 – 11, 14
10, 1
Vi depois outro Anjo poderoso descendo do céu: trajava-se com uma
nuvem e sobre sua cabeça estava o arco-íris; seu rosto era como o sol,
as pernas pareciam colunas de fogo,
10, 2
e na mão segurava um Livrinho aberto. (c) Pousou seu pé direito sobre
o mar, o esquerdo sobre a terra,
10, 3
39
e emitiu um forte grito, como um leão quando ruge. Ao gritar, os sete
trovões ribombaram suas vozes.
10, 4
Quando os sete trovões ribombaram, eu estava para escrever, mas ouvi
do céu uma voz que me dizia: “Guarda em segredo o que os sete
trovões falaram, e não o escrevas!”
10, 5
Nisto o Anjo que eu vira de pé sobre o mar e a terra levantou sua mão
direita para o céu
10, 6
e jurou por aquele que vive pelos séculos dos séculos, que criou o céu e
o que nele existe, a terra e o que nela existe, o mar e o que nele existe :
“Já não haverá mais tempo!”
10, 7
Pelo contrário, nos dias em que se ouvir o sétimo Anjo, quando ele tocar
a trombeta, então o mistério de Deus estará consumado, conforme ele
anunciou aos seus servos, os profetas.
10, 8
A voz do céu que eu tinha ouvido tornou então a falar-me e disse: “Vai,
toma o Livrinho aberto da mão do Anjo que está em pé sobre o mar e
sobre a terra”.
10,9
Fui, pois, ao Anjo e lhe pedi que me entregasse o Livrinho. Ele então me
disse: “Toma-o e devora-o, ele te amargará o estômago, mas em tua
boca será doce como mel”.
10, 10
40
Tomei o Livrinho da mão do Anjo e o devorei: na boca era doce como
mel; quando o engoli, porém, meu estômago se tornou amargo.
10, 11
Disseram-me então: “É necessário que continues ainda a profetizar
contra muitos povos, nações, línguas e reis”.
11, 1
Deram-me depois um caniço, semelhante a uma vara, dizendo:
“Levanta-te e mede o Templo de Deus, o altar e os que nele adoram”.
11, 2
“Quanto ao átrio externo do Templo, deixa-o de lado e não meças, pois
ele foi entregue às nações que durante quarenta e dois meses calcarão
aos pés a Cidade Santa”.
11, 3
“Às minhas Duas Testemunhas, (d) porém, permitirei que profetizem,
vestidas de saco, durante mil duzentos e sessenta dias”.
11, 4
Estas são as Duas Oliveiras e os Dois Candelabros que estão diante
do Senhor da terra.
11, 5
Caso alguém queira prejudicá-las, sai de sua boca um fogo que devora
seus inimigos; sim, se alguém pretendesse prejudicá-las, é deste modo
que deveria morrer.
11, 6
Eles têm o poder de fechar o céu para que não caia nenhuma chuva
durante os dias de sua missão profética. Têm ainda, o poder de
transformar as águas em sangue e de ferir a terra com todo tipo de
flagelos, quantas vezes o quiserem.
11, 7
41
Quando terminarem seu testemunho, a Besta que sobe do Abismo
combaterá contra elas, vencê-las-á e as matará.
11, 8
Seus cadáveres ficarão expostos na praça da Grande Cidade que se
chama simbolicamente Sodoma e Egito, onde também o Senhor delas
foi crucificado.
11, 9
E homens de todos os povos, raças, línguas e nações veem os seus
cadáveres durante três dias e meio, impedindo que sejam colocados
numa sepultura.
11, 10
Os habitantes da terra se rejubilam com isso, ficam alegres e trocarão
presentes, pois estes dois profetas haviam atormentado os habitantes
da terra.
11, 11
Contudo, depois dos três dias e meio, um sopro de vida, vindo de Deus,
penetrou-os e eles se puseram em pé. E um grande medo se apoderou
dos que os contemplavam.
11, 12
Ouvi então uma forte voz do céu, que lhes dizia: “Subi para aqui!”. E
subiram para o céu na nuvem, e seus inimigos os contemplaram.
11, 13
Naquela mesma hora houve um grande terremoto; a décima parte da
cidade caiu e sete mil pessoas morreram na catástrofe. Os
sobreviventes ficaram apavorados e deram glória ao Deus do céu.
11, 14
O segundo “Ai” passou. Eis que chega rapidamente o terceiro “Ai”.
42
----------------------
(a). As sete trombetas. Fiquemos atentos à estrutura literária do livro
do Apocalipse. A ruptura do sétimo selo desencadeia o desenrolar das
sete trombetas. E com a sétima trombeta, o material ulterior dos três
sinais: a Mulher, o Dragão e os Sete Anjos com as sete taças. Com a
última taça, vem a conclusão do Apocalipse: o mal deve desaparecer.
Deus permite o mal físico para a eliminação do mal moral. Com a
conclusão do Apocalipse aparece a vitória total do bem sobre o mal e a
manifestação da Vitória de Deus na Jerusalém Celeste.
O quadro literário do Apocalipse não deve, porém, nos esconder o
essencial: o desenrolar da História da Salvação que se deve procurar no
concreto da vida da Egreja. O concreto da vida da Igreja, no tempo em
que João escreve o Apocalipse, são as grandes perseguições. Estas
começaram com Nero no ano 64 com o martírio de Pedro. No ano 67,
Paulo também é martirizado.
O importante, na seção das trombetas, é o martírio de Pedro e Paulo.
Isto será o conteúdo do Livrinho Aberto. João não deve escrever o que
dizem os trovões (10, 4), mas revelará o que está escrito no Livrinho
Aberto.
Esta revelação nos é dada muitas vezes sob a forma de símbolos. João,
do seu exílio em Patmos, não pode escrever abertamente. Ele escreve
numa linguagem codificada e simbólica para proteger os seus escritos
no meio das perseguições presentes e futuras. Esta linguagem
codificada e simbólica é parte do gênero literário apocalíptico.
Porém o que se esconde atrás das expressões deste gênero literário
apocalíptico é sempre a mesma verdade evangélica: o Cristo no seu
Mistério Pascal. Este Mistério se prolonga nos seus membros sofredores
sobre a terra no tempo das grandes perseguições.
A Igreja, neste tempo das perseguições, é chamada particularmente a
viver a oitava bem-aventurança: “Bem-aventurados sois, quando vos
injuriarem e vos perseguirem e, mentindo disserem todo o mal contra
vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a
vossa recompensa nos céus, pois foi assim que perseguiram os
profetas, que vieram antes de vós”. (Mt 5, 11 – 12)
43
(b) “Abaddon” em hebraico e “Apollyon” em grego significam
Destruição e Destruidor (Boismard).
(c) O Livrinho Aberto. Nesta terceira seção devemos prestar atenção
particularmente ao “Livrinho Aberto” (10, 20). Este Livrinho lembra
aquele do profeta Ezequiel (Ez 2, 9 - 3, 3). O Profeta recebe a ordem de
engolir o livro e profetizar. Da mesma forma, no Apocalipse, João deve
engolir o Livrinho. A profecia de João é acerca de Pedro e Paulo,
martirizados em Roma nos anos 64 e 67 respectivamente. Eles são os
protótipos de todos os mártires.
(d) As Duas Testemunhas. Estas Duas Testemunhas, como acabamos
de dizer, são os Apóstolos Pedro e Paulo martirizados em Roma. Pedro
e Paulo são também as Duas Oliveiras e os Dois Candelabros. É por
Pedro e Paulo que se deu o início das Grandes Perseguições em Roma.
João escreverá o Capítulo 21 do seu Evangelho para relembrar como o
Senhor ressuscitado, na sua manifestação junto ao lago de Tiberíades,
tinha predito o Martírio de Pedro: “Quando eras jovens, tu te cingias e
andavas por onde querias; quando fores velho, estenderás as mãos e
outro te cingirá e te conduzirá aonde não queres” (Jo 21, 14). Quando
jovem, no ano 42, Pedro escapou da espada do Rei Herodes Agripa I
em Jerusalém (Cf. Atos dos Apóstolos, Capítulo 12); quando velho, 22
anos depois, no ano 64, Pedro será crucificado de cabeça para baixo,
em Roma, no Circo de Nero.
A mesma coisa acontecerá com Paulo. No ano 58, Paulo escapa das
mãos dos Judeus (At 21, 27 – 28, 30) para, 9 anos mais tarde, cair nas
mãos dos Romanos. Ele será decapitado no tempo do Imperador Nero.
Nero é a Besta que sobe do abismo. (11, 7)
44
IV. QUARTA SEÇÃO
OS TRÊS SINAIS
A mulher, o Dragão e os Sete Anjos com as sete Taças (a)
11, 15 – 16, 16
11,15
E o sétimo Anjo tocou... Houve então fortes vozes no céu, clamando: “A
realeza do mundo passou agora para nosso Senhor e seu Cristo, e Ele
reinará pelos séculos dos séculos”.
11,16
Os vinte e quatro Anciãos que estão sentados em seus tronos diante de
Deus prostraram-se e adoraram a Deus, dizendo:
11,17
45
“Nós te damos graças, Senhor Deus todo-poderoso, ‘Aquele-que-é e
Aquele-que-era’, porque assumiste o teu grande poder e passaste a
reinar.”
11,18
“As nações tinham se enfurecido, mas a tua ira chegou, como também o
tempo de julgar os mortos, de dar a recompensa aos teus servos, os
profetas, aos santos e aos que temem o teu nome, pequenos e grandes,
e de exterminar os que exterminam a terra”.
11,19
O templo de Deus que está no céu se abriu, e apareceu no templo a
arca da aliança. Houve relâmpagos, vozes, trovões, terremotos e uma
grande tempestade de granizo.
O PRIMEIRO SINAL
A MULHER
12, 1
A Virgem Maria Assunta ao Céu
12,1
Um Sinal grandioso apareceu no céu: uma Mulher vestida com o sol,
tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas;
12, 2
A Igreja como Mãe em dores de parto
12, 2
Estava grávida e gritava, entre as dores do parto, atormentada para dar
à luz.
46
O SEGUNDO SINAL
12, 3
O DRAGÃO
12 , 3
Apareceu então outro sinal no céu: um grande Dragão, cor de fogo,
com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças sete diademas;
A Mulher e o Dragão
12, 4 – 12, 6
12, 4
sua cauda arrastava um terço das estrelas do céu, lançando-as para a
terra. O Dragão colocou-se diante da Mulher que estava para dar à luz,
a fim de lhe devorar o filho, tão logo nascesse.
12, 5
Ela deu à luz um filho, um varão, que irá reger todas as nações com um
cetro de ferro. Seu filho, porém foi arrebatado para junto de Deus e de
seu trono,
12, 6
e a Mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe havia preparado um
lugar em que fosse alimentada por mil duzentos e sessenta dias.
No Céu Vitória de Miguel sobre o Dragão
12, 7 – 12, 12
12, 7
Houve então uma batalha no céu: Miguel (b) e seus Anjos guerrearam
contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com seus Anjos,
12, 8
47
mas foi derrotado, e não se encontrou mais um lugar para eles no céu.
12, 9
Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou
Satanás, sedutor de toda a terra habitada – foi expulso para a terra, e
seus Anjos foram expulsos com ele.
12, 10
Ouvi então uma voz forte, proclamando: Agora se realizou a salvação, o
poder e a realeza do nosso Deus, e a autoridade do seu Cristo: porque
foi expulso o acusador dos nossos irmãos, aquele que os acusava dia e
noite diante de nosso Deus.
12, 11
Eles, porém, o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra de seu
testemunho, pois desprezaram a própria vida até à morte.
12, 12
Por isso, alegrai-vos, ó Céu, e vós que o habitais! Ai da terra e do mar,
porque o Diabo desceu para junto de vós cheio de grande furor,
sabendo que lhe resta pouco tempo.
Luta na Terra do Dragão contra a Mulher enquanto Igreja
12, 13 – 12, 17
12, 13
Ao ver que fora expulso para a terra, o Dragão pôs-se a perseguir a
Mulher que dera à luz o filho varão.
12, 14
Ela, porém, recebeu as duas asas da grande águia para voar ao
deserto, para o lugar em que, longe da Serpente, é alimentada por um
tempo, tempos e metade de um tempo.
48
12, 15
A Serpente, então, vomitou água como um rio atrás da Mulher, a fim de
submergi-la.
12, 16
A terra, porém, veio ao encontro da Mulher: a terra abriu sua boca e
engoliu o rio que o Dragão vomitara.
12, 17
Enfurecido por causa da mulher, o Dragão foi então guerrear contra o
resto dos seus descendentes, os que observam os mandamentos de
Deus e mantêm o Testemunho de Jesus.
A Primeira Besta de sete cabeças
Nero e os Imperadores até Domiciano inclusive
12, 18 – 13, 10
12, 18
Coloquei-me depois sobre a praia do mar.
13, 1
Vi então uma Besta (c) que subia do mar. Tinha dez chifres e sete
cabeças: sobre os chifres havia dez diademas, e sobre as cabeças um
nome blasfemo.
13, 2
A Besta que eu vi parecia uma pantera: seus pés, contudo, eram como
os de um urso e sua boca como a mandíbula de um leão. E o Dragão
lhe entregou seu poder, seu trono, e uma grande autoridade.
49
13, 3
Uma de suas cabeças parecia mortalmente ferida, mas a ferida mortal
foi curada. Cheia de admiração, a terra inteira seguiu a Besta.
13, 4
e adorou o Dragão por ter entregue a autoridade à Besta. E adorou a
Besta dizendo: ”Quem é comparável à Besta e quem pode lutar contra
ela?”
13, 5
Foi-lhe dada uma boca para proferir palavras insolentes e blasfêmias, e
também poder para agir durante quarenta e dois meses.
13, 6
Ela abriu então sua boca em blasfêmias contra Deus, blasfemando
contra seu nome, sua tenda e os que habitam no céu.
13, 7
Deram-lhe permissão para guerrear contra os santos e vencê-los; e foi-
lhe dado autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação.
13, 8
Adoraram-na, então, todos os habitantes da terra cujo nome não está
escrito desde a fundação do mundo no livro da vida do Cordeiro
imolado.
13, 9
Se alguém tem uma orelha, ouça!
13, 10
“Se alguém está destinado à prisão, irá para a prisão; se alguém deve
morrer pela espada, é preciso que morra pela espada”. Nisto repousa a
perseverança e a fé dos santos.
A Segunda Besta
50
A Religião Imperial
13, 11 – 13, 18
13, 11
Vi depois outra Besta (d) sair da terra: tinha dois chifres como um
Cordeiro, mas falava como um dragão.
13, 12
Toda a autoridade da primeira Besta, ela a exerce diante desta. E ela
faz com que a terra e seus habitantes adorem a primeira Besta, cuja
ferida mortal tinha sido curada.
13, 13
Ela opera grandes maravilhas: até mesmo a de fazer descer fogo do céu
sobre a terra, à vista dos homens.
13, 14
Graças às maravilhas que lhe foi concedido realizar em presença da
Besta, ela seduz os habitantes da terra, incitando-os a fazerem uma
imagem em honra da Besta que tinha sido ferida pela espada, mas
voltou à vida.
13, 15
Foi-lhe dado até mesmo infundir espírito à imagem da Besta, de modo
que a imagem pudesse falar e fazer com que morressem todos os que
não adorassem a imagem da Besta.
13, 16
Faz também com que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres
e escravos recebam uma marca na mão direita ou na fronte,
13, 17
para que ninguém possa comprar ou vender se não tiver a marca, o
nome da Besta ou o número do seu nome.
51
13, 18
Aqui é preciso sabedoria! Quem tem inteligência calcule o número da
Besta, pois é um número de homem: seu número é seiscentos e
sessenta e seis (666)! (e)
Cento e quarenta e quatro mil com o Cordeiro sobre o monte Sião
marcados na fronte com o nome do Pai
14, 1 – 14, 5
14, 1
Tive depois esta visão: eis que o Cordeiro estava de pé sobre o monte
Sião com os cento e quarenta e quatro mil que traziam escritos sobre a
fronte o nome dele e o nome de seu Pai.
14, 2
E ouvi uma voz que vinha do céu, semelhante a um fragor de águas e
ao ribombo de um forte trovão; a voz que eu ouvi era como o som de
citaristas tocando suas cítaras.
14, 3
Cantavam um cântico novo (f) diante do trono, dos quatro Seres vivos
e dos Anciãos. Ninguém podia aprender o cântico, exceto os cento e
quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra.
14, 4
Estes são os que não se contaminaram com mulheres: são virgens.
Estes seguem o Cordeiro, onde quer que ele vá. Estes foram resgatados
dentre os homens, como primícias para Deus e para o Cordeiro.
14, 5
Na sua boca jamais foi encontrada mentira: são íntegros.
52
O Temor de Deus
Toda nação, raça, língua e povo devem adorar a Deus.
Não adorar a Besta e sua Imagem
14, 6 – 14, 12
14, 6
Vi depois outro Anjo que voava no meio do céu, com um evangelho
eterno para anunciar aos habitantes da terra, a toda nação, tribo, língua
e povo.
14, 7
Ele dizia em alta voz: “Temei a Deus e tributai-lhe glória, pois chegou a
hora do seu julgamento; adorai aquele que fez o céu e a terra, o mar e
as fontes”.
14, 8
Outro Anjo, o segundo, continuou: “Caiu, caiu Babilônia, a Grande, a
que embebedou todas as nações com o vinho do furor”.
14, 9
Outro Anjo, ainda, o terceiro, seguiu-os em alta voz: “Se alguém adora a
Besta e a sua imagem, e recebe a marca sobre a fronte ou na mão”,
14, 10
“esse também beberá o vinho do furor de Deus, derramado sem mistura
na taça da sua ira; será atormentado com fogo e enxofre diante dos
santos Anjos e diante do Cordeiro”.
14, 11
A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos: os que
adoram a Besta e a sua imagem, e quem quer que receba a marca do
seu nome nunca têm descanso, dia e noite...
14, 12
53
“Nisto repousa a perseverança dos santos, os que guardam os
mandamentos de Deus e a fé em Jesus”.
O Juízo Particular
14, 13
14, 13
Ouvi então uma voz do céu, dizendo: “Escreve: felizes os mortos, os que
desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de
suas fadigas, pois suas obras os acompanham”.
Ceifa e Juízo Final
14, 14 - 20
14, 14
Depois disso, olhei: havia uma nuvem branca, e sobre a nuvem alguém
sentado, semelhante a um Filho de Homem, com uma coroa de ouro na
cabeça e nas mãos uma foice afiada.
14, 15
Nisto outro Anjo saiu do Templo, gritando em alta voz ao que estava
sentado sobre a nuvem: “Lança tua foice e ceifa. Chegou a hora da
ceifa, pois a seara da terra está madura”.
14, 16
O que estava sentado na nuvem lançou então sua foice sobre a terra, e
a terra foi ceifada.
14, 17
54
Nisto saiu do templo que está no céu outro Anjo, também ele com uma
foice afiada.
14, 18
E outro Anjo, que tem poder sobe o fogo, saiu do altar e gritou em alta
voz ao que segurava a foice afiada: “Lança a tua foice afiada e vindima
os cachos da videira da terra, pois suas uvas amadureceram”.
14, 19
O anjo lançou então sua foice afiada na terra e vindimou a videira da
terra, lançando-os depois no grande lagar do furor de Deus.
14, 20
O lagar foi pisado fora da cidade e dele saiu sangue até chegar aos
freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios.
O TERCEIRO SINAL
OS SETE ANJOS COM AS SETE TAÇAS
15, 1 – 16, 16
15, 1
Vi ainda outro grande sinal e maravilhoso no céu: sete Anjos com
sete pragas, as últimas, pois o furor de Deus estará consumado.
15, 2
Vi também como que um mar de vidro misturado com fogo, e os que
venceram a Besta, sua imagem e o número do seu nome: estavam de
pé sobre o mar de vidro e seguravam as cítaras de Deus,
15, 3
cantando o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro:
“Grandes e maravilhosas são as tuas obras, ó Senhor Deus todo-
poderoso, teus caminhos são justos e verdadeiros, ó Rei das nações.”
55
15, 4
“Quem não temeria, ó Senhor, e não glorificaria o teu nome? Sim! Só tu
es santo! Todas as nações virão prostrar-se diante de ti, pois tuas justas
decisões se tornaram manifestas”.
15, 5
Depois disto, vi abrir-se o templo da tenda do Testemunho que está no
céu,
15, 6
e dele saíram os sete Anjos com as sete pragas. Estavam vestidos de
linho puro, resplandecente, e cingidos à altura do peito com cintos de
ouro.
15, 7
Um dos quatro Seres vivos entregou aos sete Anjos sete taças de ouro,
cheias do furor do Deus que vive pelos séculos dos séculos.
15, 8
O templo se encheu de fumaça por causa da glória de Deus e do seu
poder, de modo que ninguém podia entrar no templo, até que
estivessem consumadas as sete pragas dos sete Anjos.
16, 1
Ouvi depois uma forte voz que vinha do Templo, dizendo aos sete
Anjos: “Ide e derramai pela terra as sete taças do furor de Deus”.
16, 2
O primeiro saiu e derramou sua taça pela terra. E uma úlcera maligna e
dolorosa atingiu as pessoas que traziam a marca da Besta e as que
adoravam a sua imagem.
16, 3
O segundo derramou sua taça pelo mar... E este se transformou em
sangue, como de um morto, de modo que todos os seres que viviam no
mar morreram.
56
16, 4
O terceiro derramou sua taça pelos rios e pelas fontes... E
transformaram-se em sangue.
16, 5
Ouvi então o Anjo das águas dizer: “Justo és ‘Aquele-que-é e Aquele-
que-era’, ó Santo, porque julgaste estas coisas;”
16, 6
“pois esses derramaram sangue de santos e profetas, e tu lhes deste
sangue para beber. Eles o merecem!”
16, 7
Ouvi então que o altar dizia: “Sim, Senhor, Deus todo-poderoso, teus
julgamentos são verdadeiros e justos”.
16, 8
O quarto derramou sua taça sobre o sol... E a este foi permitido abrasar
os homens com fogo.
16, 9
Os homens, então, abrasados por um calor intenso, puseram-se a
blasfemar contra o nome de Deus, que tem poder sobre tais pragas.
Mas não se converteram para lhe tributar glória...
16, 10
O quinto derramou sua taça sobre o trono da Besta... E o seu reino ficou
em trevas: os homens mordiam a língua de dor,
16, 11
e blasfemaram contra o Deus do céu por causa de suas dores e úlceras.
Mas não se converteram de sua conduta...
16, 12
57
O sexto derramou sua taça sobre o grande rio Eufrates... E a água do rio
secou, abrindo caminho aos reis do Oriente.
16, 13
Nisto vi que da boca do Dragão, da boca da Besta e da boca do falso
profeta saíram três espíritos impuros, como sapos.
16, 14
São, com efeito, espíritos de demônios: fazem maravilhas e vão até aos
reis de toda a terra, a fim de reuni-los para a guerra do Grande Dia do
Deus todo-poderoso.
16, 15
(Eis que eu venho como um ladrão: feliz aquele que vigia e conserva
suas vestes, para não andar nu e deixar que vejam a sua vergonha.)
16, 16
Eles os reuniram então no lugar que em hebraico, se chama
“Harmagedôn.” (g)
Anotações:
(a) Esta quarta seção se caracteriza por três sinais: a Mulher, o
Dragão e os Sete Anjos com as Sete Taças.
A Mulher
1) A Mulher é, antes de tudo, a Virgem Maria, a Mãe de Jesus,
assunta ao Céu. Ela aparece “vestida de sol, tendo a lua sob os pés e
sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas.” (12 1)
Maria foi assunta ao Céu em Jerusalém, no ano 65, um pouco antes
da Revolta Judaica. Os Apóstolos, segundo certa tradição, teriam
58
estado presentes no momento da “Dormíção” da Virgem. Há um belo
ícone que descreve a “Dormitio” da Virgem Maria rodeada dos
Apóstolos. Em Jerusalém, no Monte Sião, podemos visitar a Basílica da
Dormíção. Esta Basílica indica o lugar onde a Virgem Maria adormeceu
no seu último sono. No ícone, a sua alma, como uma criancinha, é
recebida nas mãos do Senhor Jesus.
No Vale do Cedron encontra-se o Túmulo da Virgem, onde foi
depositada depois de adormecer no Senhor. Este túmulo, como o
túmulo de Cristo, se encontra vazio, pois a Virgem Mãe ressuscitou dos
mortos para estar com o Seu Filho Ressuscitado no Céu, como
primícias dos que haverão de ressuscitar (Cf.: Ensaio sobre a data da
Assunção de Maria ao Céu, op. cit., p. 29).
2) A mulher como Igreja. A Igreja é a mulher “grávida, gritando entre as
dores do parto, atormentada para dar a luz”. Esta mulher não é mais a
Virgem Maria Assunta ao céu. É a Igreja em sua dolorosa maternidade.
Porém há uma íntima relação entre a Mulher Maria Assunta ao Céu e a
Mulher Igreja como podemos constatá-lo no conjunto dos versículos
sobre o sinal da Mulher do capítulo 12.
O Dragão
“Apareceu então outro sinal no céu, um grande Dragão, cor de fogo,
com sete cabeças”. É o segundo dos três sinais desta quarta seção do
Apocalipse (12, 3). Este Dragão é “a antiga serpente, o Diabo, Satanás,
o sedutor de toda a terra habitada” (12, 9).
Os Sete Anjos com as Sete Taças
15, 1 – 16, 16
É o terceiro sinal, depois daquele da Mulher e daquele do Dragão. São
os sete anjos com as sete taças.
Com a sétima taça começará a quinta e última secção do Apocalipse. É
a conclusão da história da salvação com a condenação da grande
prostituta (a Roma Pagã) e o triunfo da Jerusalém Celeste, Esposa do
Cordeiro. É a vitória total do Bem sobre o Mal.
***********
59
(b) Miguel. Em hebraico: Mi ka El ? Quem (Mi) é como (ka) Deus (El) ?
“Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam
contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com seus Anjos, mas
foram derrotados, e não se encontrou mais um lugar para eles no céu...
O Dragão foi expulso para a terra e os seus Anjos foram expulsos com
ele.” (12, 7 - 10)
O Apocalipse coloca-nos diante de um grande combate no Céu. Deus,
no seu amor humilde e misericordioso, de toda eternidade tinha
decretado que seu Verbo iria encarnar-se para reconduzir toda carne a
Ele. Assim o Homem-Deus ocuparia um lugar acima dos Anjos. Lúcifer,
no seu orgulho, não aceitou que o Homem fosse colocado acima dele.
Miguel, Príncipe da Milícia Celeste, é aquele que encabeçou o
combate contra Lúcifer, o Dragão, o Anjo das Trevas, que não tinha
aceitado, no seu orgulho, que o Homem fosse acima dele no Homem-
Deus, Jesus-Cristo.
(c) A Besta. A Primeira Besta com dez chifres e sete cabeças é
identificada com o Imperador Nero (666) e outros imperadores (sete
cabeças) que irão suceder ao Imperador Nero durante todo o tempo das
grandes perseguições até Domiciano inclusive (Ap 13, 1). O oitavo
imperador é um Nero que volta à vida (Nero Redivivo) (Ap 17, 9 - 11).
Nos versículos 9 a 11 do capítulo 17, poderemos identificar sete
imperadores antes do Nero Redivivo: Nero, Galba, Otônio, Vitellius,
Vespasiano, Tito e Domiciano. As perseguições se prolongarão até
Diocleciano. No ano 313, Constantino reconhecerá a liberdade
religiosa. Então começará outro período da História da Igreja.
(d) Uma Segunda Besta: a Religião Imperial. Esta Segunda Besta
tem dois chifres como um Cordeiro, mas fala como um Dragão. Esta
Segunda Besta é a religião imperial ao serviço da primeira Besta, isto é
a serviço do imperador e do império.
(e) O número da Besta. (13, 18). É aqui que se precisa de sabedoria
(sofia). “Que aquele que tem inteligência (nous) calcule o número da
Besta. É um número de homem: seu número é 666”.
Segundo a maioria dos exegetas, o número da Besta corresponde ao
imperador Nero. Em grego como em hebraico cada letra tem um valor
60
numérico segundo o seu lugar no alfabeto. Aqui o criptograma “666”
corresponde a César-Neron em letras hebraicas: QSR: (100+60+200) +
NRON: (50+200+6+50) = 666.
Em Ap 13, 18, temos como a primeira chave (senha) para entrar na
interpretação do Apocalipse. Uma segunda chave (senha) será Ap 17, 9
- 11. As duas passagens (13, 18 e 17, 9 - 11) estão em paralelismo.
João, nas duas passagens, indica, em forma de quiasmo (nous e Sofia -
Sofia e nous), a necessidade de sabedoria (Sofia) e inteligência (nous)
para descobrir as duas chaves para entrar no Apocalipse. Estas duas
chaves são os nomes de dois imperadores: Nero e Tito (Cf. anotação a
Ap 17, 9 - 11).
(f) Um Cântico Novo (14, 3). Os cento e quarenta e quatro mil que
seguem o Cordeiro aonde ele vai fazem parte daqueles que pertencem
para sempre a Deus e ao Cristo. Eles estão ainda sobre a terra, mas
numa posição particular de sacralidade. O Cântico novo deles tem o
seu ponto de partida no Céu, em Deus e no Cristo. É interpretado em
primeiro lugar pela liturgia celeste para atingir finalmente os cento e
quarenta e quatro mil que são aptos a aprendê-lo a fim de transmiti-lo
aos outros.
Quais são os cento e quarenta e quatro mil? João sugere algumas
categorias de eleitos nas quais se concretiza a Igreja de maneira ideal:
trata-se daqueles que optaram pela virgindade: estes estão numa
situação de sacralidade litúrgica permanente; trata-se também daqueles
que seguem o Cristo-Cordeiro (Ap 5, 6), engajando-se ativamente na
história da salvação; finalmente, trata-se daqueles que vivem totalmente
a verdade revelada pelo Cristo, arriscando a própria vida, oferecendo-se
a Deus num culto que se realiza numa conduta imaculada (Cf. Hugo
Vanni, op. cit., pp. 69-70).
(g) Harmagedôn. Isto é a Montagna Har de Megiddo, cidade que
domina a planície que rodeia a cadeia do Carmelo, lugar em que o rei
Josias foi derrotado (2Rs 23, 29s.). Este lugar tornou-se um símbolo de
desastre para os exércitos que nele se reúnem (cf. Zc 12, 11).
61
V. QUINTA SEÇÃO
CONDENAÇÃO DO MAL E EXALTAÇÃO DO bem
A JERUSALÉM CELESTE
16, 17 - 22, 5
16, 17
O sétimo Anjo, finalmente espalhou sua taça pelo ar... Nisto saiu uma
forte voz do templo e vindo do trono, dizendo: “Está realizado”!
16, 18
Houve então relâmpagos, vozes, trovões, e um forte terremoto; um
terremoto tão violento como nunca houve desde que o homem apareceu
sobre a terra.
16, 19
62
A Grande Cidade se dividiu em três partes, e as cidades das nações
caíram. Deus se lembrou então de Babilônia, a Grande, para lhe dar o
cálice do vinho do furor da sua ira.
16, 20
As ilhas todas fugiram e os montes desapareceram:
16, 21
Do céu cai sobre os homens um granizo pesado, como chuva de
talentos. E os homens blasfemaram contra Deus por causa da praga do
granizo, pois o seu flagelo é muito grande.
Condenação de Roma enquanto Cidade Pagã
17, 1 - 18
17, 1
Um dos Anjos das sete taças veio dizer-me: “Vem!” Vou mostrar-te o
julgamento da grande Prostituta que está sentada à beira de águas
copiosas:
17, 2
Os reis da terra se prostituíram com ela, e com o vinho da sua
prostituição embriagaram-se os habitantes da terra.
17, 3
Ele me transportou então, em espírito, ao deserto, onde vi uma mulher
sentada sobre uma Besta escarlate, cheia de títulos blasfemos, com
sete cabeças e dez chifres.
17, 4
A mulher estava vestida com púrpura e escarlate, adornada de ouro,
pedras preciosas e pérolas; e tinha na mão um cálice de ouro cheio de
abominações: são as impurezas da sua prostituição.
17, 5
Sobre a sua fronte estava escrito um nome, um mistério: “Babilônia, a
grande, a mãe das prostitutas e das abominações da terra”.
63
17, 6
Vi então que a mulher estava embriagada com o sangue dos santos e
com o sangue das testemunhas de Jesus. E vendo-a, fiquei
profundamente admirado.
17, 7
O Anjo, porém, me disse: “Por que estás admirado?” Eu te explicarei o
mistério da mulher e da Besta com sete cabeças e dez chifres que a
carrega.
17, 8
A Besta que viste existia e não existe; está para subir do Abismo e
caminha para a perdição. Os habitantes da terra, cujo nome não está
escrito no livro da vida desde a fundação do mundo, ficarão admirados
ao ver a Besta, vendo que ela existia, não existe mais e estará lá.
*******************************
Data em que São João escreve o Apocalipse
17, 9 - 11
17, 9
Aqui [é necessária] uma inteligência imbuída de sabedoria: (a) as sete
cabeças são sete montes sobre os quais a mulher está sentada. São
também sete reis,
17, 10.
dos quais cinco já caíram, um existe e o outro ainda não veio, mas
quando estará lá deverá permanecer por pouco tempo.
17, 11
A Besta que existia e não existe mais é um oitavo rei e também um dos
sete, mas caminha para a perdição.
64
*********************************
17, 12
Os dez chifres que viste são dez reis que ainda não receberam um
reino. Estes, porém, receberão poder como reis por uma hora,
juntamente com a Besta.
17, 13
Tais reis têm um só designo: entregar seu poder e autoridade à Besta.
17, 14
Estes farão guerra contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá,
porque ele é Senhor dos senhores e Rei dos reis, e com ele vencerão
também os chamados, os escolhidos, os fiéis.
17, 15
E me disse: “As águas que viste, onde a Prostituta está sentada são
povos e multidões, nações e línguas”.
17, 16
Os dez chifres que viste e a Besta, contudo, odiarão a Prostituta e a
despojarão, deixando-a nua: comerão suas carnes e a entregarão às
chamas,
17, 17
pois Deus lhes colocou no coração realizar o seu desígnio: entregar sua
realeza à Besta, até que as palavras de Deus estejam cumpridas.
17, 18.
“A mulher que viste, enfim, é a Grande Cidade que está reinando sobre
os reis da terra”.
18, 1
65
Depois disso, vi outro Anjo descendo do céu; tinha um grande poder e a
terra ficou iluminada com a sua glória.
18, 2
Ele então gritou com voz poderosa: “Caiu! Caiu Babilônia, a grande! (b)
Tornou-se morada de demônios, abrigo de todo tipo de aves impuras e
repelentes”,
18, 3
“porque ela embriagou as nações com o vinho do furor da sua
prostituição; com ela se prostituiram os reis da terra, e os mercadores da
terra se enriqueceram graças ao seu luxo desenfreado”.
18, 4
Ouvi então outra voz vinda do céu que dizia: “Saí dela, ó meu povo, para
que não sejais cúmplices dos seus pecados e atingidos pelas suas
pragas.”
18, 5
Porque seus pecados se amontoaram até ao céu, e Deus se lembrou
das suas iniquidades.
18, 6
Devolvei-lhe o mesmo que ela pagou, pagai-lhe o dobro, conforme suas
obras; no cálice em que ela misturou misturai para ela o dobro.
18, 7
O tanto que ela se concedia em glória e luxo devolvei-lhe em tormento e
luto, porque, em seu coração, ela dizia: Estou sentada como rainha, não
sou viúva e nunca experimentarei luto...
18, 8
Por isso as suas pragas virão num só dia: morte, luto e fome, e pelo
fogo será devorada, porque o Senhor Deus que a julgou é forte.
18, 9
66
Então os reis da terra, que se prostituíam com ela e compartilharam seu
luxo, chorarão e baterão no peito, ao ver a fumaça do seu incêndio.
18, 10
Postados à distância, por medo do seu tormento, dizem: “Ai, ai, ó grande
cidade, ó Babilônia, cidade poderosa, uma hora, apenas bastou para o
teu julgamento!”
18, 11
Os mercadores da terra também choram e se enlutam por sua causa,
porque ninguém mais compra suas mercadorias:
18, 12
Carregamentos de ouro e de prata, pedras preciosas e pérolas, linho e
púrpura, seda e escarlate, todo tipo de madeira perfumada, de objetos
de marfim, de madeira preciosa, de bronze, de ferro, de mármore,
18, 13
canela e amomo, perfumes, mirra e incenso; vinho e óleo, flor de farinha
e trigo, bois e ovelhas, cavalos e carros, escravos e vidas humanas...
18, 14
Os frutos pelos quais tua alma anelava afastaram-se para longe de ti;
tudo o que é opulência e esplendor está perdido para ti, e nunca, nunca
mais será encontrado!
18, 15
Os mercadores destes produtos, que se enriqueceram graças a ela,
postar-se-ão à distância, por medo do seu tormento; e chorando e
enlutando-se
18, 16
dirão: “Ai, ai, ó grande cidade, vestias linho puro, púrpura e escarlate, e
te adornavas com ouro, pedras preciosas e pérolas:
18, 17
67
numa só hora tanta riqueza foi reduzida a nada! Todos os pilotos e
navegadores, marinheiros e quantos trabalhavam no mar se mantiveram
a distância,
18, 18
e, vendo a fumaça do seu incêndio, gritavam: “Quem era semelhante à
grande cidade?”
18, 19.
E atirando pó sobre a cabeça, chorando e se enlutando, gritavam: Ai, ai,
da grande cidade, de cuja opulência se enriqueceram todos os que
tinham navios no mar: numa hora apenas foi arruinada!
18, 20
Exultai por sua causa, ó céu, e vós, santos, apóstolos e profetas, pois,
julgando-a, Deus vos fez justiça.
18, 21
Nisto um Anjo poderoso levantou uma pedra, como uma grande mó, e
atirou ao mar dizendo: “Com tal ímpeto será lançada Babilônia, a grande
cidade, e nunca mais será encontrada;”
18, 22
“e o canto de harpistas e músicos, de flautistas e tocadores de trombeta,
em ti não mais se ouvirá; e nenhum artífice de qualquer arte jamais em ti
se encontrará; e o canto do moinho em ti não mais se ouvirá;”
18, 23
“e a luz da lâmpada nunca mais em ti brilhará; e a voz do esposo e da
esposa em ti não mais se ouvirá, porque os teus mercadores eram os
magnatas da terra, e com tua magia as nações todas foram seduzidas:”
18, 24
“e nela foi encontrado sangue de profetas e santos, e de todos os que
foram degolados sobre a terra”.
68
Alegria por causa do triunfo do bem.
Felizes os Convidados para o Banquete das Núpcias do Cordeiro
(19, 1 - 10)
19, 1
Depois disso, ouvi como que um forte rumor de numerosa multidão no
céu, aclamando: “Aleluia! A salvação, a glória e o poder são de nosso
Deus”,
19, 2
“Porque seus julgamentos são verdadeiros e justos. Sim! Ele julgou a
grande Prostituta, que corrompeu a terra com a sua prostituição, e nela
vingou o sangue dos seus servos”!
19, 3
E acrescentaram: “Aleluia!” Dela sobe a fumaça pelos séculos dos
séculos”!
19, 4
Os vinte e quatro Anciãos e os quatro Seres vivos caíram então diante
do Deus que está sentado no trono, dizendo: “Amém, Aleluia”!
19, 5.
Nisto, saiu do trono uma voz, convidando: “Dai louvores ao nosso Deus,
vós todos, seus servos, e vós que o temeis, os pequenos e os grandes”!
19, 6
Ouvi depois como que o rumor de uma grande multidão, semelhante ao
fragor de águas torrenciais e ao ribombar de fortes trovões, clamando:
“Aleluia!” Porque o Senhor, o Deus todo-poderoso passou a reinar!
19, 7
Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para
realizar-se as núpcias do Cordeiro, e sua esposa já está pronta:
19, 8
69
concederam-lhe vestir-se com linho puro, resplandecente – pois o linho
representa a conduta justa dos santos.
19, 9
A seguir, disse-me: “Escreve: felizes aqueles que foram convidados para
o banquete das núpcias do Cordeiro”. E acrescentou: “Estas palavras
são verdadeiras, elas são de Deus”.
19, 10
Caí então a seus pés para adorá-lo, mas ele me disse: “Não! Não o
faças! Sou servo como tu e como teus irmãos que têm o testemunho de
Jesus. É a Deus que deves adorar!” Com efeito, o espírito da profecia é
o testemunho de Jesus.
A intervenção de Cristo.
O Cavalo Branco
19, 11 - 21
19, 11
Vi então o céu aberto: eis que apareceu um Cavalo Branco, cujo
Cavaleiro se chama “Fiel” e “Verdadeiro”; ele julga e combate com
justiça.
19, 12
Seus olhos são chama de fogo; sobre sua cabeça há muitos diademas;
e traz escrito um nome que ninguém conhece, exceto Ele;
19, 13
Ele veste um manto embebido de sangue, e o nome com que é
chamado é Verbo de Deus.
19, 14
70
Os exércitos do céu acompanham-no em cavalos brancos, vestidos com
linho de brancura resplandecente.
19, 15
Da sua boca sai uma espada afiada para com ela ferir as nações. Ele é
quem as apascentará com um cetro de ferro. Ele é quem pisa o lagar do
vinho do furor da ira de Deus, o Todo-poderoso.
19, 16
Um nome está escrito sobre seu manto e sobre sua coxa: Rei dos reis e
Senhor dos senhores.
19, 17
Vi depois um Anjo que, de pé no sol, gritou em alta voz a todas as aves
que voavam no meio do céu: “Vinde, reuni-vos para o grande banquete
de Deus”,
19, 18
para comer carnes de reis, carnes de capitães, carnes de poderosos,
carnes de cavalos e cavaleiros, carnes de todos os homens, livres e
escravos, pequenos e grandes”.
19, 19
Vi, então, a Besta reunida com os reis da terra e seus exércitos para
guerrear contra o Cavaleiro e seu exército.
19, 20
A Besta, porém, foi capturada juntamente com o falso profeta, o qual,
em presença da Besta, tinha realizado sinais com que seduzia os que
haviam recebido a marca da Besta e adorado a sua imagem: ambos
foram lançados vivos no lago de fogo, que arde com enxofre.
19, 21
Os outros foram mortos pela espada que saía da boca do Cavaleiro. E
as aves todas se fartaram com mais carnes.
71
Os Mil Anos
20, 1 - 10
20, 1
Vi então um Anjo descer do céu, trazendo na mão a chave do Abismo e
uma grande corrente.
20, 2
Ele agarrou o Dragão, a antiga serpente – que é o Diabo, Satanás –
acorrentou-o por mil anos. (b)
20, 3
E o atirou dentro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para
que não seduzisse mais as nações até que os mil anos estivessem
terminados. Depois disso, ele deverá ser solto por pouco tempo.
20, 4
Vi então tronos, e aos que neles se sentaram foi dado poder de julgar. Vi
também as vidas daqueles que foram decapitados por causa do
Testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, e dos que não tinham
adorado a Besta, nem sua imagem, e nem recebido a marca sobre a
fronte ou na mão: eles voltaram à vida e reinaram com Cristo durante
mil anos.
20, 5
Os outros mortos, contudo não voltaram à vida até o termino dos mil
anos. Esta é a primeira ressurreição.
20, 6
Feliz e santo aquele que participa da primeira ressurreição! Sobre este a
segunda morte não tem poder; eles serão sacerdotes de Deus e de
Cristo, e com ele reinarão durante mil anos.
20, 7
72
Quando se completarem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão
20, 8
e sairá para seduzir as nações dos quatro cantos da terra, Gog e
Magog, reunindo-as para o combate; seu número é como a areia do
mar...
20, 9
Subiram sobre a superfície da terra e cercaram o acampamento dos
santos e a Cidade amada; mas um fogo desceu do céu e os devorou.
20, 10
O Diabo que os seduzia foi, então, lançado no lago de fogo e de
enxofre, onde já se achavam a Besta e o falso profeta. E serão
atormentados dia e noite, pelos séculos dos séculos.
O Juízo final
20, 11 - 15
20, 11
Vi depois um grande trono branco e aquele que nele se assenta. O céu
e a terra fugiram de sua presença, sem deixar vestígios.
20, 12
Vi então os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono, e
abriram-se livros. Também foi aberto outro livro, o da vida. Os mortos
foram então julgados conforme suas obras, a partir do que estava
escrito nos livros.
20, 13
O mar devolveu os mortos que nele jaziam, a Morte e o Hades
entregaram os mortos que neles estavam, e cada um foi julgado
conforme sua conduta.
73
20,14
A Morte e o Hades foram então lançados no lago de fogo. Esta é a
segunda morte: o lago de fogo.
20, 15
E quem não se achava inscrito no livro da vida foi também lançado no
lago de fogo.
O novo céu e a nova terra
21, 1 - 8
21, 1
Vi então um céu novo e uma nova terra –- pois o primeiro céu e a
primeira terra se foram, e o mar já não existe.
21, 2
Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade santa, uma
Jerusalém nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para seu
marido.
21, 3
Nisto ouvi uma voz forte que, do trono, dizia: “Eis a tenda de Deus com
os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo, e ele, Deus-
com-eles, será o seu Deus.”
21, 4
“Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá
morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas
antigas se foram!”
21, 5
74
O que está sentado no trono declarou então: “Eis que eu faço novas
todas as coisas”. E continuou: “Escreve, porque estas palavras são fiéis
e verdadeiras”.
21, 6
Disse-me ainda: “Elas se realizaram! Eu sou o Alfa e o Ômega, o Início
e o Fim; e a quem tem sede eu darei gratuitamente da fonte da água da
vida”.
21, 7
“O vencedor receberá esta herança, e eu serei seu Deus e ele será meu
filho”.
21, 8
Quanto aos covardes, porém, e aos infiéis, aos corruptos, aos
assassinos, aos impudicos, aos mágicos, aos idólatras e a todos os
mentirosos, a sua porção se encontra no lago ardente de fogo e enxofre,
que é a segunda morte.
A Jerusalém celeste
21, 9 - 22, 5
21, 9
Depois, um dos sete Anjos das sete taças cheias com as sete últimas
pragas veio até mim e disse-me: “Vem! Vou mostrar-te a Esposa, a
mulher do Cordeiro”.
21, 10
Ele então me arrebatou em espírito sobre um grande e alto monte, e
mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu, de junto de
Deus,
21, 11
com a glória de Deus. Seu esplendor é como o de uma pedra
preciosíssima, uma pedra de jaspe cristalino.
75
21, 12
Ela está cercada por muralha grossa e alta, com doze portas. Sobre as
portas há doze Anjos e nomes inscritos, os nomes das doze tribos de
Israel:
21, 13
Três portas para o lado do oriente; três portas para o norte; três portas
para o sul, e três portas para o ocidente.
21, 14
A muralha da cidade tem doze alicerces, sobre os quais estão os nomes
dos doze apóstolos do Cordeiro.
21, 15
Aquele que comigo falava tinha como medida uma cana de ouro, para
medir a cidade, seus portões e sua muralha.
21, 16
A cidade é quadrangular: seu comprimento é igual à largura. Mediu
então a cidade com uma cana: doze mil estádios. O comprimento, a
largura e a altura são iguais.
21, 17
Mediu também a muralha: cento e quarenta e quatro côvados. – O Anjo
media com medida humana. –
21, 18
O material de sua a muralha é de jaspe, e a cidade é de ouro puro,
semelhante a um vidro límpido.
21, 19
76
Os alicerces da muralha da cidade são recamados com todo tipo de
pedras preciosas: o primeiro alicerce é de jaspe, o segundo de safira, o
terceiro de calcedônia, o quarto de esmeralda,
21, 20
o quinto de sardônica, o sexto de cornalina, o sétimo de crisólito, o
oitavo de berilo, o nono de topázio, o décimo de crisópraso, o décimo
primeiro de jacinto, o décimo segundo de ametista.
21, 21
As doze portas são doze pérolas: cada uma das portas era feita de uma
só pérola. A praça da cidade é de ouro puro como um vidro
transparente.
21, 22.
Não vi nenhum templo nela, pois o seu templo é o Senhor, o Deus todo-
poderoso, e o Cordeiro.
21, 23
A cidade não precisa do sol ou da lua para a iluminarem, pois a glória de
Deus a ilumina, e sua lâmpada é o Cordeiro.
21, 24
As nações caminharão à sua luz, e os reis da terra trazem a ela sua
glória;
21, 25
Suas portas não foram fechadas de dia -- pois ali já não haverá noites –
21, 26
e lhe trarão a glória e os tesouros das nações.
21, 27
77
Nela jamais entrará algo de imundo, e nem aquele que pratica
abominação e mentira, mas somente aqueles que estão inscritos no livro
da vida do Cordeiro.
22, 1
Mostrou-me depois um rio de água da vida, (c) brilhante como cristal,
que saía do trono de Deus e do Cordeiro.
22, 2
No meio da praça, de um lado e do outro do rio, há árvores da vida que
frutificam doze vezes, dando fruto a cada mês; e suas folhas servem
para curar as nações.
22, 3
Nunca mais haverá maldições. Nela estará o trono de Deus e do
Cordeiro, e seus servos lhe prestarão culto;
22, 4
verão sua face, e seu nome estará sobre suas frontes.
22, 5
Já não haverá noite: ninguém mais precisará da luz da lâmpada, nem da
luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e eles reinarão
pelos séculos dos séculos.
Anotações:
****************************************
Data em que São João escreve o Apocalipse
(a) Este texto de Ap 17, 9 - 11 nos revela a data de composição deste
escrito de João, e, porque não afirmar, do último livro do Novo
Testamento!
Os anos 68 e 69 da nossa era caracterizam-se por uma sucessão de
imperadores como nunca tinha acontecido e nunca mais acontecerá na
história do Império Romano.
78
É a guerra civil. São legiões romanas contra legiões romanas. Em abril
do ano 68, Galba se proclama a si mesmo Imperador; em junho do
mesmo ano, Nero se suicida. Em janeiro do ano 69, Otônio é
proclamado imperador pelos Pretorianos; Vitellius, pelas legiões
germânicas; finalmente, Vespasiano, vitorioso nesta guerra civil, é
aclamado Imperador e será o Único Senhor do Império do final do ano
69 até o ano 79. Tito sucederá ao seu Pai, Vespasiano, para reinar do
ano 79 até o ano 81. Depois virá Domiciano (anos 81 a 96). (cf.
Cronologia da Bíblia de Jerusalém, final da Bíblia.)
Tendo em conta a sucessão destes imperadores, torna-se possível
encontrar em Ap 17, 9 - 11, a data de composição do livro do
Apocalipse. Transcreveremos esta passagem prestando uma atenção
toda particular ao Nero Redivivo (lenda) e a Tito. Estes dois
Imperadores (Nero e Tito) encontram-se em lugares muito significativos
na sucessão dos Imperadores.
Ap 17, 9 – 11: 9Aqui [é necessária] a inteligência (nous) imbuída de
sabedoria (sofia): as sete cabeças são sete colinas sobre as quais a
mulher está sentada (Roma – a Grande Prostituta). São também sete
reis (Nero, Galba, Otônio, Vitellius, Vespasiano, Tito, Domiciano) 10dos
quais cinco já caíram (Nero, Galba, Otônio, Vitellius, Vespasiano), um
existe (Tito) e o outro ainda não veio (Domiciano), mas quando vier
deverá permanecer por pouco tempo (Domiciano). 11A Besta que existia
(Nero) e não existe ele é o oitavo rei (Nero Redivivo), e ao mesmo
tempo um dos sete (Nero); e caminha para a perdição (Nero).
João indica a sucessão dos Imperadores romanos até Domiciano. Deste
último, João diz explicitamente que “ainda não veio”. Tito é aquele “um”
que “existe” no momento da composição do livro do Apocalipse. Virá
depois outro Imperador (Domiciano). Será o sétimo. O oitavo é Nero
Redivivo. E ele é também um dos sete (de fato, o primeiro na lista dos
sete). Este oitavo (Nero Redivivo) representa todos os Imperadores que
haveriam de suceder ao sétimo imperador, Domiciano, e que iriam
perseguir a Igreja. O último Nero Redivivo será Diocleciano. Constantino
porá fim às perseguições contra a Igreja no ano 313 (Edito de Milão e
reconhecimento da Liberdade Religiosa). Com Constantino, como já
dissemos, começará um novo período da História da Igreja.
79
Podemos concluir a partir desta interpretação de Ap 17, 9 - 11 que o
livro do Apocalipse de São João foi escrito no tempo do Imperador Tito,
no tempo deste ”um” que “existe”; então foi escrito entre os anos 79 e
81. Digamos, para simplificar: o Apocalipse de João foi escrito no ano
80.
Uma última observação: João, no Apocalipse, não menciona um
acontecimento de máxima importância: a destruição do Templo de
Jerusalém no ano 70. Como explicar tal omissão? Talvez que para João,
esta destruição já estaria implicitamente incluída através daquele que a
realizou: Tito. Aliás, para João, o importante não é mais o Templo da
Jerusalém terrestre, mas o Novo Templo, a Cidade Santa, a Nova
Jerusalém, o Templo da Jerusalém Celeste. O ápice do Apocalipse de
João é esta Jerusalém Celeste, a Cidade Santa, o Corpo de Cristo
Ressuscitado e o Corpo da Virgem Maria Assunta ao Céu.
**********************************
(b) Os mil anos (20, 1 - 3): “O Dragão, a Antiga Serpente, que é o
Diabo, Satanás é acorrentado por mil anos, e atirado no Abismo para
não mais seduzir as nações. Depois disto deverá ser solto por pouco
tempo”.
João escreve no momento das grandes perseguições, depois do martírio
de Pedro e Paulo, no tempo de numerosos mártires. Através da leitura
do Apocalipse percebemos como o Dragão, o Diabo, Satanás está
solto, está agindo!
João anuncia um período (ou períodos) em que o Dragão ficará
acorrentado. Não poderá mais agir livremente para a perdição do
homem. O Apocalipse fala dum período de “mil anos”. Como interpretar
estes mil anos? Uma interpretação material e matemática já é coisa
ultrapassada. Ninguém mais sustenta a teoria do ‘milenarismo’, isto é,
de um “mil anos” no sentido estrito, material, matemático. ‘Mil anos’
representa um número simbólico. É um tempo mais ou menos cumprido
em que o Dragão não poderá mais exercer livremente a sua influência
sobre o Estado para incitá-lo a autoidolatria. Esta autoidolatria do estado
manifesta-se hoje por leis iníquas que levam à destruição da Imagem de
Deus no homem e à morte do Homem. Lembramos as palavras de
80
Jesus no Evangelho de João: “O Diabo era homicida (matador do
homem) desde o princípio” (Jo 8, 44). João se refere ao livro da
Sabedoria. A morte entrou no mundo sob o influxo de Satanás (Sb 2, 2).
O Apocalipse de São João convida a refletir sobre a relação entre Igreja
e Estado. Cristo disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é
de Deus” (Mt 22, 22). Como reconhecer uma relativa autonomia do
Estado, reconhecer César, reconhecer uma sã laicidade e, ao mesmo
tempo, reconhecer a supremacia de Deus, reconhecer a Lei de Deus,
reconhecer a Lei Natural. Esta Lei Natural é o comum denominador que
permite estabelecer leis que respeitam a Lei de Deus e os direitos de
todo cidadão independentemente da sua religião. Numa sã laicidade
está incluída também a colaboração entre a Igreja e o Estado para a
promoção do Homem.
(c) O Rio de Água Viva que saía do trono de Deus e do Cordeiro:
“Mostrou-me depois um rio de água viva que saía do trono de Deus e do
Cordeiro”. “No meio da praça, de um lado e do outro do rio, há árvores
da vida que frutificam doze vezes, dando fruto a cada mês; e as suas
folhas servem a curar os pagãos”. (22, 1 – 2) “A quem tem sede, darei
gratuitamente da fonte da água viva”. (21, 6)
O tema da Água Viva juntamente com o tema do Templo, da Tenda de
Deus no meio dos homens é fundamental nos escritos de João.
No Evangelho de João: ‘no último dia da Festa das Tendas, o grande
dia, o dia mais solene, Jesus, de pé, disse em alta voz’: “Se alguém tem
sede, venha a mim e beba aquele que crê em mim! Conforme a palavra
da Escritura: de seu seio jorrarão rios de água viva”. “Ele falava do
Espírito que deviam receber aqueles que teriam crido nele; não havia
ainda o Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo 7, 37 – 39).
O Espírito havia de ser dado por Cristo elevado sobre a Cruz. Do
Coração de Cristo Crucificado, transpassado pela lança, haviam de
jorrar sangue e água. A água do Espírito e o sangue da Eucaristia (Cf.
Jo 19, 31 - 37 e os Santos Padres).
O mesmo tema da Água e do Sangue aparece na Primeira Carta de
São João: “Quem é o vencedor do mundo, senão aquele que crê que
Jesus é o Filho de Deus? Este é o que veio pela água e pelo sangue:
81
Jesus Cristo, não com a água somente (o Batismo no Jordão), mas com
a água e o sangue” (sangue do Calvário). (Cf., 1Jo 5, 5 - 6)
Jesus Cristo, Cordeiro Pascal de Pé e degolado (Ap 5, 5 - 6) realiza
todas as profecias sobre o Templo e sobre a Água e o Espírito (Ez 47, 1
– 12): a água que jorra do lado direito do Templo vai sanear as águas
do Mar Morto. Ao lado do rio crescem toda espécie de árvores
frutíferas... “Os frutos destas árvores servem de alimento e as folhas de
remédio. ”(Cf., Ez 47, 12 e Ap 22, 2).
EPÍLOGO
22, 5 - 21
22, 6
Disse-me então: “Estas palavras são fiéis e verdadeiras, pois o Senhor,
o Deus dos espíritos dos profetas, enviou o seu Anjo para mostrar aos
seus servos o que deve acontecer em breve”.
22, 7
“Eis que eu venho em breve! Feliz aquele que observa as palavras da
profecia deste livro”.
22, 8
Eu, João, entendia e via todas estas coisas. Tendo-as ouvido e visto, cai
para adorar o Anjo que me havia mostrado tais coisas.
22, 9
Ele, porém, me impediu: ”Não! Não o faças! Sou servo como tu e como
teus irmãos, os profetas, e como aqueles que observam as palavras
deste livro. É a Deus que deves adorar!”
22, 10
E acrescentou: “Não retenhas em segredo as palavras da profecia deste
livro, pois o Tempo está próximo”.
22, 11
82
Que o injusto cometa ainda a injustiça e o sujo continue a sujar-se; que
o justo pratique ainda a justiça e que o santo continue a santificar-se.
22, 12
Eis que eu venho em breve, e trago comigo o salário para retribuir a
cada um conforme o seu trabalho.
22, 13
Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Início e o Fim.
22, 14
Felizes os que lavam suas vestes para terem poder sobre a árvore
da Vida e para entrarem na Cidade pelas portas. (a)
22, 15
Ficarão de fora os cães, os mágicos, os impudicos, os homicidas, os
idólatras e todos os que amam a mentira e que mentem.
22, 16.
Eu, Jesus, enviei um Anjo para vos atestar estas coisas a respeito das
Igrejas. Eu sou o rebento da estirpe de Davi, a brilhante Estrela da
manhã.
22, 17
O Espírito e a Esposa dizem: “Vem!” Que aquele que ouve diga
também: ”Vem!” Que o sedento venha, e quem deseja receba
gratuitamente água da vida.
22, 18
A todo o que ouve as palavras da profecia deste livro eu declaro: “Se
alguém lhes fizer algum acréscimo, Deus lhe acrescentará as pragas
descritas neste livro”.
22, 19
83
“E se alguém tirar algo das palavras do livro desta profecia, Deus lhe
tirará também a sua parte da árvore da Vida e da Cidade santa, que
estão descritas neste livro!”
22, 20
Aquele que atesta estas coisas diz: “Sim, venho muito em breve!”
Amém! Vem, Senhor Jesus!
22, 21
A graça do Senhor Jesus esteja com todos! Amém
---------------------
Anotações:
(a) Anotação sobre a Misericórdia. A maneira de se expressar do livro
do Apocalipse parece muitas vezes impregnada de dureza. No entanto,
esta dureza é em vista da misericórdia. É um convite à conversão. A
linguagem do Apocalipse ajuda a sentir a necessidade do Sangue do
Cordeiro para lavar as vestes e ter acesso à Árvore da Vida (Ap 22, 14).
Com o Sangue do Cordeiro prevalece o perdão e a misericórdia para
toda a humanidade.
“Deus quer que todos os homens sejam salvos” (1Tm 2, 4). Pelo ano 64,
um pouco antes do martírio de Pedro, enquanto Nero era Imperador, foi
Imperador do ano 54 a 68, Paulo na sua Primeira Carta a Timóteo,
“recomendava que se fizessem pedidos, orações, súplicas e ações de
graças, por todos os homens, pelos reis e todos os que detêm a
autoridade (Cf. 1Tm 2, 1 - 2). Assim Paulo recomendava implicitamente
que se fizesse orações por Nero, Imperador naquele tempo.
Como exemplo de oração pela salvação de todos os homens, ocorre
relembrar o Sermão de Santo Epifânio sobre a “Descida de Cristo aos
Infernos” como a temos no Sábado Santo na Liturgia das Horas e a
experiência mística de Silvano do Monte Atos. Enquanto Silvano se
exercitava nesta “Descida aos Infernos”, descendo no mais profundo do
“Inferno”, encontrou-se sozinho neste “Inferno” como o único digno de
condenação. É nesta situação que Cristo lhe aparece e lhe pede de
84
permanecer no “Inferno” sem se desesperar. E Silvano, do seu “Inferno”
sem desespero, começou a rezar pela salvação de todos.
Que Deus queira a salvação de todos, não significa que se deva
negligenciar o esforço pela própria salvação. Jesus, àquele que lhe
perguntava se são muitos os que se salvam, não responde por um sim
ou por um não. Jesus indica um caminho. “Esforçai-vos por entrar pela
porta estreita.” (Lc 13, 23) Jesus é a Porta. A ferida do Coração
Transpassado de Jesus é a Porta Estreita onde todos podem entrar e
permanecer. Jesus morreu sobre a Cruz pela salvação de todos: pela
salvação de Reis e dos depositários da autoridade, pela salvação dos
Imperadores de Roma que foram perseguidores dos Cristãos, todos
eles, de Nero e Diocleciano, passando por Tito e Domiciano. O amor
misericordioso de Deus não tem limites. Os Mártires por graça foram
inseridos no amor infinito de Deus e como Estêvão, Primeiro Mártir,
repetiram a oração de Cristo na Cruz: “Pai, perdoai-lhes porque não
sabem o que fazem”. (Lc 23, 34)
*************
Uma ultima anotação: Podemos constatar como a estrutura literária do
Apocalipse, tal como é apresentada pelo P. Hugo Vanni, S.J., ajuda a
realizar uma leitura equilibrada deste último livro do Novo Testamento: o
Apocalipse de João. Esta estruturação nos permitiu insistir sobre o que é
o mais importante. Evitamos assim um escolho que, através dos
séculos, fez naufragar muitos intérpretes do Apocalipse.
O fato de ter achado a data da composição do livro do Apocalipse nos
ajudou a entrar numa exegese histórico-crítica. É a mais recomendada
pela Igreja. A situação histórica, no tempo e no espaço, é fundamental
para a interpretação da Escritura. O Verbo se fez carne no seio duma
mulher, no seio da Virgem Maria. É um acontecimento histórico.
Devemos sempre partir do histórico.
Constatamos também que o Apocalipse não é um livro tão difícil como
poderia parecer numa primeira leitura. Certo, precisamos entrar no seu
gênero literário. Há uma linguagem cifrada que deve ser decifrada. As
anotações servem para isto.
85
Porém, o mais importante é deixar-se fascinar, entrar no mistério do
amor do Esposo e da Esposa, entrar no Mistério Pascal do Cristo e da
Igreja. O Cristo vem tomar consigo a sua Esposa para introduzi-la na
Jerusalém Celeste e celebrar com Ela seu eterno amor.
Aqui, podemos falar dos quatro sentidos da Escritura: passar do
sentido literal ao sentido moral; do sentido moral, ao sentido espiritual,
deixando-se conduzir pelo Espirito para chegar pela fé à meta final, a
Jerusalém celeste através da mistagogia. Porém, não devemos jamais
negligenciar o ponto de partida de tudo, o sentido literal, pois como o
dizia o Padre Ignace de la Potterie, S.J. no Instituto Bíblico de Roma, o
Espírito está na letra.
*******************
Como conclusão ao estudo sobre o Apocalipse:
Pseudonímia e Verdade evangélica
O Apocalipse de São João foi escrito no ano 80. É o que pudemos
descobrir a partir dos versículos 9 a 11 do capítulo 17 deste último livro
do Novo Testamento.
A partir desta descoberta do ano 80, como data da composição do
Apocalipse, parece difícil afirmar que o autor deste livro não seja o
próprio João Evangelista. Com toda simplicidade, como imaginar que
outro personagem possa atribuir ao seu escrito o nome de João,
enquanto João Evangelista ainda vivia. João viveu mais de 90 anos. No
ano 80, enquanto está em exílio, na ilha de Patmos, João tinha apenas
70 anos.
(A data mais provável da morte de Jesus é o ano 30. João, nesta época,
tem apenas uns 20 anos. No ano 80, cinquenta anos mais tarde, João
tem apenas uns 70 anos.)
A descoberta do ano 80 como data de composição do Apocalipse põe
em dúvida a pseudonímia tal como utilizada no século passado e até os
86
nossos dias para interpretação dos escritos do Novo Testamento e, em
particular, para a interpretação das Epístolas Católicas e do Apocalipse
de São João.
É difícil imaginar que, num tempo de perseguições, como aquele no qual
escreve o autor do Apocalipse, outros autores teriam ousado se
apropriar dos nomes de Paulo, de Pedro e de João para autentificar uma
carta a Tito, duas cartas a Timóteo, uma segunda carta de Pedro e um
Apocalipse!
Não há dúvida de que a Epístola de Tiago foi escrita pelo próprio Tiago.
Em que ano? Digamos no ano 45. No ano 42, Pedro teve que fugir de
Jerusalém. Vai a Roma. Escapa assim, graças ao seu Anjo, à execução
preparada pelo rei Agripa I. Com a partida de Pedro para Roma, Tiago,
“Irmão do Senhor”, torna-se bispo da Igreja de Jerusalém. Então Tiago
tem a oportunidade de escrever a sua epístola, talvez, ajudado nisto por
um secretário que conhecia bem o grego do seu tempo.
É para a composição da Segunda Epístola de Pedro (2Pd) que se
costuma aplicar a pseudonímia, ou seja, utiliza-se pseudônimos,
talvez, porque se retarda a composição da epístola de São Judas. Por
que retardar a composição da epístola de São Judas? O ano 80, no qual
se coloca, às vezes, a composição desta epístola, não nos parece
totalmente comprovado. O ano 63 nos parece mais provável. Judas
havendo escrito a sua epístola no ano 63 ou um pouco mais cedo,
Pedro poderá retomá-la pedindo a um secretário, outro que não seria
Silvano (o secretário da primeira epístola), de escrever a sua segunda
epístola. Pedro retoma a epístola de Judas e faz dela, se podemos falar
assim, uma epístola ainda mais “católica”. Mesmo que tenha sido
escrita por um secretário, esta segunda epístola de Pedro é
verdadeiramente de Pedro, pois foi escrita enquanto Pedro ainda estava
87
vivo. Ela tem, portanto, toda a autoridade do Príncipe dos Apóstolos. As
ideias e os temas tratados nesta epístola são de São Pedro.
Em consequência do que temos dito, reencontramos uma cronologia
muito simples de quatro das sete Epístolas Católicas: em primeiro lugar,
foi escrita a Epístola de São Tiago; depois a Primeira Epístola de São
Pedro; em terceiro lugar, a Epístola de Judas, e finalmente a Segunda
Epístola de São Pedro. Tudo isto, evidentemente, antes da morte de
Pedro, em Roma, no outono do ano 64. Podemos assim tomar ao pé da
letra (sentido literal) 2Pd 3, 1: “Amados, esta já é a segunda carta que
vos escrevo. Nas quais (duas cartas)...”.
Renunciando à pseudonímia para a interpretação dos Escritos do Novo
Testamento efetua-se um retorno à simplicidade da Verdade evangélica.
Quanto às três cartas de João, achamos que é inútil remetê-las a uma
data muito tardia (ano 96 ou 100). Também estas cartas teriam sido
escritas antes das grandes perseguições (ano 64). Pois nelas não se
encontra nenhuma alusão às grandes perseguições. O problema destas
cartas é fundamentalmente o mesmo daquele encontrado nas cartas de
Judas (Jd) e de Pedro (2Pd): os falsos doutores e o Anticristo. É indo
até a raiz do mal, o Anticristo, que João enfrenta nestas cartas os falsos
doutores, que negam a Encarnação e a Redenção. Nesta negação de
Cristo em seu mistério mais profundo encontra-se a raiz da imoralidade
dos falsos doutores. Uns 18 anos mais tarde, nas cartas às sete Igrejas
da Ásia Menor do Apocalipse (Ap1, 4 - 3, 22), João enfrentará
novamente a imoralidade dos falsos Doutores, os quais terão, desta vez,
o nome de Nicolaítas (2, 6).
88
89
O MATEUS ARAMAICO Cafarnaum-ano 28 Jerusalém-ano 30
O Mateus Aramaico
“Mateus compôs (synetáxato) em Aramaico (Ebraídi dialectô), os
ensinamentos (ta lógia), que cada um interpretou (hêrmêneusen) como
podia” (dunatòs). (Papias, Eusébio, História Eclesiástica III,39,16).
90
Vale a pena firmar-se sobre esta sentença de Papias, transmitida por Eusébio
de Cesárea, na sua História Eclesiástica, que afirma a existência dum Evangelho
de Mateus escrito em Aramaico (Ebraídi dialectô).
Este Mateus Aramaico não chegou até nós. O que chegou até nós é um Mateus
Grego. O Mateus Aramaico, não sendo suficientemente transcrito, perdeu-se.
Não sabemos se o Mateus Grego e o Mateus Aramaico se correspondiam
exatamente. Segundo Carmignac e Tresmontant encontra-se no Mateus Grego
(nosso Evangelho de Mateus) um substrato aramaico. Isto seria uma
confirmação da sentença de Papias de que houve um Mateus Aramaico.
Segundo Carmignac e Tresmontant há também um substrato aramaico nos
Evangelhos de Marcos e Lucas. Carmignac e Tresmontant chegam a afirmar
que haveria originais aramaicos (hoje perdidos) para os evangelhos de Marcos
e de Lucas.
De nossa parte, achamos pouco provável esta última hipótese. Marcos
escreveu seu evangelho em Roma. Lucas escreveu em Filipos (Macedônia).
Parece pouco provável que Marcos e Lucas escrevessem em aramaico. Pelo
contrário, era conveniente que Marcos e Lucas escrevessem em grego, o grego
comum, o “Koiné”, a língua falada, naquele tempo, em Roma e em todo o
Império Romano. Marcos e Lucas escreveram os seus evangelhos para serem
lidos e entendidos no ambiente no qual viviam, num ambiente no qual se
falava o grego como língua comum (o Koiné).
O “Mateus-Aramaico” foi escrito antes do ano 42. No ano 42 os Apóstolos se
dispersaram. Tiveram que deixar Jerusalém para escapar da perseguição do Rei
Herodes Agripa I. Tiago (Irmão de João) foi decapitado por ordem de Herodes
Agripa I. Pedro também ia ser executado. Foi milagrosamente libertado graças
ao seu Anjo (Atos dos Apóstolos, Capítulo 12). Libertado da cadeia, Pedro foi
para outro lugar (“héteron tópon”). Este outro lugar é Roma (“héteron” implica
uma dualidade de lugares: de Jerusalém Pedro foi para Roma).
Depois do ano 42, com a dispersão dos Apóstolos, não existia mais o contexto
histórico que possibilitaria Mateus escrever um evangelho em aramaico. O
contexto histórico do Mateus Aramaico é o do tempo do primeiro anúncio do
Evangelho por Jesus e pelos Apóstolos na Palestina. Estamos no ano 28
(Cafarnaum, vocação de Mateus) e no ano 30 (Jerusalém, o ano da morte de
91
Jesus). O contexto histórico do Mateus Aramaico é também o da conversão de
muitos Judeus ao Cristo no dia de Pentecostes do ano 30. No ano 42, já
começaram as grandes perseguições em Jerusalém com o martírio de Tiago e a
saída de Pedro para Roma. Com estas perseguições não há mais a possibilidade
de Mateus escrever um Evangelho em Aramaico.
O Mateus Aramaico tem a sua origem nos anos 28 a 30, durante a vida pública
de Jesus. Discípulos de Jesus puderam tomar notas que da pregação de Jesus.
Existia já naquele tempo a taquigrafia (uma maneira rápida de escrever).
Mateus era cobrador de impostos. Ele sabia escrever e fazer anotações. É
provável que ele tenha anotado discursos de Jesus, por exemplo, a
proclamação das Bem-Aventuranças no Sermão da Montanha.
Estamos aqui numa perspectiva totalmente oposta àquela que colocava os
Evangelhos como “escritos tardios que teriam pouco a ver com as palavras e os
atos de Jesus” (Cf. Cartas do Cardeal Vanhoye, que aparece em Papirologia e
datas dos escritos do Novo Testamento: www.papirologia-nt.com ). É uma
reviravolta quanto à exegese anterior. Nesta nova perspectiva, não há mais
separação entre o “Jesus da fé e o Jesus da História”. Os Evangelhos são
históricos, sem negar com isto uma composição literária dos Evangelhos, mas a
partir dos acontecimentos, a partir da história.
É provável que o “Mateus-Aramaico” chegou a Roma bastante cedo, talvez
antes da chegada de Pedro no ano 42. Este Mateus-Aramaico teria sido
traduzido ou adaptado em grego para responder às necessidades da “Igreja
católica”, pois em Roma como em todo o Império Romano, falava-se grego (o
Koiné).
Os Evangelhos Canônicos, tais como os temos, Mateus, Marcos, Lucas e João
foram, pois, escritos em grego, o “Koiné”, na língua comum falada depois das
conquistas de Alexandre Magno (época helenística: anos 333-63). Este grego da
época helenística integra palavras emprestadas de outros idiomas. No grego
dos evangelhos aparecem aramaismos. Estes aramaismos provêm da pregação
de Jesus em aramaico e do Mateus-Aramaico.
***********
92
A Bíblia de Jerusalém nos apresenta um ótimo esquema da composição do
Evangelho de Mateus:
Depois duma introdução (nascimento e infância de Jesus) vêm cinco discursos
que podem relembrar os cinco livros da lei de Moisés. Cada discurso é
preparado por uma parte narrativa. Vêm depois como conclusão a Paixão e a
Ressurreição de Jesus.
EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS
I. O nascimento e a infância de Jesus (1 e 2)
II. A promulgação do Reino dos Céus (3 - 7)
1. PARTE NARRATIVA
2. DISCURSO EVANGÉLICO (5 – 7)
III. A pregação do Reino dos Céus (8 - 10)
1. PARTE NARRATIVA: DEZ MILAGRES
2. DISCURSO APOSTÓLICO (10)
IV. O mistério do Reino dos Céus (11 – 13)
1. PARTE NARRATIVA
2. DISCURSO EM PARÁBOLAS (13)
V. A Igreja, primícias do Reno dos Céus (13, 53 – 18)
1. PARTE NARRATIVA
2. DISCURSO SOBRE A IGREJA (18)
VI. O advento próximo do Reino dos Céus (19-25)
1. PARTE NARRATIVA
2. DISCURSO ESCATOLÓGICO (24 -25)
VII. A paixão e a ressurreição (26- 28)
O Evangelho de Marcos
93
O Evangelho de Marcos tem sua origem na pregação de Pedro em Roma.
Partindo dos ensinamentos (ta lógia) de Jesus, Marcos interpretou “como
podia” (dunatòs) os ensinamentos (ta lógia) do Senhor. Que significa este
“como podia” (dunatòs) na expressão de Papias? É no poder do Espírito que
Marcos escreveu seu Evangelho e interpretou os ensinamentos (ta lógia) do
Senhor. Interpretar as Palavras do Senhor é uma tarefa que ultrapassa
totalmente a fraqueza humana. O homem experimenta seu nada diante de
Deus, da Palavra de Deus. Porém a Palavra de Deus assumiu a fraqueza
humana. O Verbo se fez carne (Jo, 1, 14), isto é, homem fraco. Porém é sempre
a Palavra do Deus todo-poderoso no homem fraco, Jesus Cristo. É na força
(dunatòs) do Espírito que o Evangelho é pregado e escrito. É na força do
Espírito que Pedro pregou o ensinamento de Jesus e que Marcos interpretou os
ensinamentos (ta logia) do Senhor como podia (dunatòs) através dum
evangelho escrito. O Evangelho de Marcos tem assim a sua origem na Pregação
de Pedro e talvez também no Mateus Aramaico já traduzido em grego (Koiné).
“Muitos outros tentaram compor uma narração dos fatos a cerca de Jesus”
(Prólogo do Evangelho de Lucas, capítulo 1, versículo 1.) Estas muitas narrações
não chegaram todas até nós porque não tinham, talvez, toda esta inspiração do
Espírito como aquela do Evangelho de Marcos. O Evangelho de Marcos chegou
até nós como inspirado pelo Espírito Santo.
***********
Como dissemos, é na Páscoa do ano 42 que Pedro foi libertado milagrosamente
da cadeia, em Jerusalém, e foi para outro lugar: de Jerusalém foi para Roma. É
muito provável que Marcos tenha acompanhado Pedro na sua fuga para Roma.
Na noite da sua libertação Pedro foi para a casa da mãe de João Marcos. Pedro
contou como foi libertado pelo seu Anjo das mãos de Herodes. Havia urgência
de fugir de Jerusalém. É provavelmente que o jovem João Marcos acompanhou
Pedro, nesta mesma noite da sua libertação da cadeia, indo de Jerusalém para
Roma (At 12, 1 – 19). Irineu fala dum Êxodo de Pedro. Marcos e Pedro
desceram para Jope (o Yafo de hoje perto de Tel Aviv) e embarcaram para
Roma. Em Roma, Marcos, como já foi dito, escreveu a Pregação de Pedro. No
ano 45, por ocasião da Primeira Viagem Missionária de Paulo, Marcos já tem o
título de Servidor da Palavra (huperéten, At 13, 5 e Lc 1, 2). Huperéten é o
título outorgado a quem escreve um evangelho.
94
O Evangelho de Lucas
Não podemos separar o Evangelho de Lucas do livro dos Atos dos Apóstolos.
Trata-se da dupla obra de Lucas. Os Atos dos Apóstolos são a continuação do
Evangelho de Lucas.
No Evangelho de Lucas devemos prestar uma atenção toda particular à secção
literária que é a “Viagem de Jesus a Jerusalém” (Lc 9, 51 – 19, 47ª). Jerusalém
está no centro da dupla obra de Lucas. Jesus vai a Jerusalém para morrer e
ressuscitar. A partir de Jerusalém o Evangelho é anunciado no mundo inteiro.
A secção literária da Viagem de Jesus a Jerusalém começa no versículo 51 do
capítulo 9 (Lc 9, 51). Neste versículo 51, Jesus toma a “firme resolução de subir
a Jerusalém” para ali realizar a sua ANALEMPSIS, a sua ASSUNÇÃO ao Céu em
Jerusalém. A analempsis de Jesus começa já em 9, 51 com a firme resolução de
Jesus de subir a Jerusalém. A seção literária da viagem de Jesus a Jerusalém
termina com a entrada de Jesus no Templo de Jerusalém no Domingo de
Ramos (Lc 19, 47ª): “E ele ensinava diariamente no Templo” (v. 47ª). Porém a
analempsis de Jesus termina na Jerusalém Celeste pela sua Ascenção ou
Assumpção ao Céu. De fato, Jesus tendo anunciado a destruição do templo de
Jerusalém, a Jerusalém terrestre, simbolicamente, já fora destruída. Jesus
morre e ressuscita e entra na Jerusalém Celeste: e da Jerusalém Celeste Jesus
batiza a Igreja no fogo do Espírito Santo (Pentecostes). A partir de Jerusalém o
Evangelho é pregado no mundo inteiro. Assim os Atos dos Apóstolos são a
continuação do Evangelho de Lucas.
Atos dos Apóstolos
Lucas, depois de ter escrito o seu Evangelho em Filipos, na Macedônia pelos
anos 55 ou 56, na Páscoa de 58, acompanha Paulo, levando as ofertas da
gentilidade para a Igreja Mãe de Jerusalém (Final da terceira viagem
missionária de Paulo, Atos 20, 5 e 2Cor 8, 19.22).
Em Jerusalém, Paulo é feito prisioneiro na fortaleza Antônia (situada no ângulo
norte-oeste da esplanada do Templo). Começa para Paulo um cativeiro de
cinco anos (anos 58 a 63). Em Cesaréia Marítima onde é conduzido, Paulo apela
95
a César. No outono do ano 60, Paulo e Lucas, deixam Cesaréia Marítima e
navegam para Roma. É o naufrágio na ilha de Malta. Paulo e Lucas chegam a
Roma na primavera do ano 61. Lucas permanece com Paulo em Roma durante
os dois anos duma prisão preventiva (biênio). Os acusadores de Paulo não se
apresentam. Já passado o biênio duma prisão preventiva, Paulo é libertado.
Lucas publica os Atos dos Apóstolos na primavera do ano 63 enquanto Paulo
está para terminar o seu biênio duma prisão preventiva.
Assim afirmamos, com a maioria dos exegetas, que os Atos dos Apóstolos
foram publicados antes do ano 70, data da destruição do Templo de Jerusalém.
Os Atos dos Apóstolos não falam nada deste importante acontecimento
histórico que foi a destruição do Templo de Jerusalém.
Também afirmamos que os Atos dos Apóstolos foram publicados antes do ano
64, data do incêndio de Roma e início das grandes perseguições. É em outubro
do ano 64, que Pedro é crucificado em Roma na colina do Vaticano atual (circo
de Nero). Os Atos dos Apóstolos não falam nada deste martírio de Pedro em
Roma no ano 64 assim como do martírio de Paulo na mesma cidade no ano 67.
É São João no Apocalipse que nos falará do martírio de Pedro e Paulo. Eles são
as duas Testemunhas, as duas Oliveiras e dois Candelabros que estão diante do
Senhor da terra (Ap 11, 3 - 12).
Em conclusão, afirmamos, mais uma vez, que os Atos dos Apóstolos foram
publicados no final do primeiro cativeiro romano de Paulo na primavera do ano
63. Os Atos dos Apóstolos terminam bruscamente e ao mesmo tempo são um
livro aberto. Ainda, hoje, a Igreja escreve este livro dos Atos dos Apóstolos
através da sua ação missionária, pregando o Evangelho no mundo inteiro. E
esta obra evangelizadora da Igreja se realiza na força do Espírito Santo.
O Evangelho de São João
Os vinte primeiros capítulos do Evangelho de São João foram escritos antes do
martírio de Pedro em Roma, no ano 64. O capítulo 21 foi escrito depois da
morte de Pedro. Esta explicação é a mais simples para explicar as duas
conclusões deste evangelho.
96
As Cartas de São João
As Cartas de São João são mais ou menos da mesma época que o evangelho. A
primeira carta de João poderia ter acompanhado a publicação do Evangelho de
João pelo ano 62. Nas cartas de João não há nenhuma alusão às grandes
perseguições tais como são encontradas no Apocalipse de João.
O Apocalipse de São João
O Apocalipse de São João foi escrito no ano 80, enquanto Tito era Imperador. O
texto chave para esta nova data é: Apocalipse 17, 9 - 11. Trata-se em
Apocalipse 17, 9 - 11 duma sucessão de sete imperadores (Nero, Galba, Otônio,
Vitellius, Vespasiano, Tito, Domiciano...). É dito de Tito que ele existe
(enquanto João está escrevendo) e que o outro não veio ainda (Domiciano).
Tito reinou dos anos 79 a 81. Podemos concluir que João escreveu o livro do
Apocalipse enquanto Tito era imperador, no ano 80.
*************
Uma simples sentença de Papias encontrada na História Eclesiástica de Eusébio
de Cesaréia (III,39,16) afirmando a existência dum Mateus Aramaico foi o
ponto de partida deste último trabalho sobre as datas dos escritos do Novo
Testamento.
Antes, no ano 2003, um fragmento (5) do Evangelho de Marcos encontrado na
gruta 7 de Qumram (7Q5) tinha sido o ponto de partida da nossa pesquisa
para uma revisão das datas dos escritos do Novo Testamento (
www.papirologia-nt.com).
No contexto desta pesquisa (7Q5), tivemos a surpresa de encontrar o ano 80
como a data de composição do Apocalipse de São João. Esta surpresa nos
confirmou na datação dos livros do Novo Testamento. Concluímos que estes
livros foram escritos mais cedo do que se pensava. Estes livros são históricos.
Estes livros nos contam o que de fato aconteceu. Não há qualquer separação
entre o “Jesus da fé” e o “Cristo da história”. “Quando chegou a plenitude dos
tempos, Deus enviou o seu Filho para nascer duma mulher” (Gl 4, 4). “O Verbo
se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Isto aconteceu e está registrado
97
nos livros do Novo Testamento. Não há nada de gnosticismo nestes livros, mas
a carne de Deus, a humildade de Deus.
Agradecemos ao Cardeal Albert Vanhoye, S.J. por nos ter encorajado em nossas
pesquisas sobre as datas dos escritos do Novo Testamento. Tratava-se, nestas
pesquisas, no dizer do Padre Albert Vanhoye, S.J. no ano 2003, “duma obra
muito útil capaz de reagir contra os excessos duma exegese histórico-crítica,
que na realidade se deixara levar por um apriorismo acrítico, segundo o qual
convinha estabelecer as datas as mais tardias possíveis (e para além!) para
todos os escritos do Novo Testamento.” (Cf. Carta do Cardeal Vanhoye, 22 de
junho 2003).
O Papa Francisco empreendeu, a pedido dos Cardeais antes de sua eleição, e
agora com a ajuda dos mesmos depois da sua eleição, uma verdadeira reforma
na Igreja.
O P. Vanhoye, grande exegeta Francês, tinha já manifestado este desejo duma
reforma na Igreja quando me encorajava nestas pesquisas sobre novas datas
para os escritos do Novo Testamento, pois ele sustentava que é na Escritura
Sagrada, bem interpretada, que se encontra o mais sólido fundamento para
uma verdadeira reforma e renovação da Igreja, para uma nova evangelização.
Neste mês de maio 2016, fiz uma grande peregrinação que me conduziu a
Fátima, Roma e Patmos, na Grécia. Tive como objetivo celebrar a Revelação de
Jesus Cristo e a Virgem da Revelação. Passei três dias em Fátima, dez dias em
Roma e duas semanas (16 a 29 de maio) na ilha de Patmos onde, segundo a
Tradição, São João escreveu o Apocalipse.
A ilha de Patmos é chamada pelos nossos irmãos da Igreja Ortodoxa de
“Segunda Jerusalém”. É uma ilha santa. Toda a ilha é um verdadeiro santuário,
uma maravilha da Criação que abre todo o nosso ser a uma maravilha ainda
maior, a maravilha da Revelação.
A Igreja Ortodoxa está bem presente em Patmos particularmente através de
muitos monastérios de homens e mulheres. Estes monastérios nos relembram
João o Teólogo e o Apocalipse de João. Eles nos relembram também a Virgem
da Revelação, “a Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a
cabeça uma coroada de doze estrelas” (Ap 12, 1).
98
Em Patmos eu tive uma vida de eremita. Eu li várias vezes o Apocalipse.
Celebrei todos os dias a Eucaristia no meu quarto no hotel. Lembrava os dias
passados em Fátima onde eu concelebrei na Capela das Aparições; lembrava
também os dias passados em Roma onde concelebrei com os meus confrades
jesuítas na Casa São Pedro Canísio. Numa das capelas desta casa onde
concelebrei, tem uma representação do Nascimento de Jesus num grande
mosaico cujo autor é Marko Rupnik, S.J. Esta representação do nascimento de
Jesus, Luz do Mundo, nos relembra que a Mãe de Jesus é ao mesmo tempo a
Virgem da Revelação.
Lembrança de Roma foi também minha visita ao Santuário da Virgem da
Revelação: The Virgin of the Revelation. Este Santuário está situado ao lado do
Santuário do martírio de São Paulo em Tre Fontane. O Santuário da Virgem da
Revelação recorda a aparição da Virgem a Bruno Cornachiola.
Lembrando a Virgem da Revelação em tantos santuários e capelas no mundo
inteiro, creio que a Igreja Católica, em acordo com a Igreja Ortodoxa, realizaria
uma obra belíssima e utilíssima se construísse em Patmos, a Ilha da Revelação,
“Segunda Jerusalém”, uma Capela dedicada à Virgem da Revelação.
P.Paul-André Hébert, S.J.
Datas aproximativas dos 27 livros do Novo Testamento
Mateus Aramaico anos 28 a 30: atestado por Papias; texto perdido.
Mateus (grego) ano 42: tradução ou adaptação do Mt Aramaico.
Marcos ano 43
Lucas ano 56
João (cap. 1-20) ano 62; Capítulo 21, no ano 64.
Atos dos Apóstolos ano 63
13 Epístolas de São Paulo entre os anos 50 e 67; Hebreus no ano 66.
99
I Tessalonicenses ano 50 (final do ano 50)
II Tessalonicenses ano 51 (início do ano 51)
I Coríntios ano 56 7 Epístolas católicas
II Coríntios ano 56-57 São Tiago ano 45
Filipenses ano 57 I João ano 62
Gálatas ano 57 II João ano 62
Romanos ano 58 III João ano 62
Colossenses ano 63 I Pedro ano 63
Efésios ano 63 São Judas ano 63
Filemon ano 63 II Pedro ano 64
Tito ano 64
I Timóteo ano 64 APOCALIPSE ANO 80
II Timóteo ano 67
Hebreus ano 66
BIBLIOGRAFIA
(Sobre o Mateus Aramaico)
P. Paul-André Hébert, S.J. Papirologia e datas dos Escritos do Novo
Testamento, Recife, FASA, 2007. www.papirologia-nt.com
Paul Vandenbroeck e Olivier Peel, Des Documents dignes de foi, Documentos
dignos de fé.
Tese de mestrado recebido por internet de Olivier Peel (Bruxelas). A tese ficou
inacabada, por causa da morte brutal do Professor Paul Vandenbroeck.
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Em forma de diálogo, os autores apresentam a problemática da historicidade
dos Evangelhos. Há uma rica bibliografia que corresponde aos argumentos
tratados. Eis os principais autores citados nesta bibliografia.
J.A.T. Robinson, Re-dater Le Nouveau Testament ? éditions P. Lethielleux, Paris
1987. (Nova datação do Novo Testamento).
Podemos constatar como a tradução francesa não seguiu imediatamente o
“Redating the New Testament” de 1976, deixando assim entrever a difícil
aceitação da tese de Robinson da parte do público de língua francesa, apesar
da popularidade do autor. Ele tinha escrito “Honest to God”. Robinson
defende a tese que todo o Novo Testamento foi escrito antes da destruição do
templo de Jerusalém no ano 70.
Thiede Carsten Peter et D’Ancona Matthew, Témoins de Jésus, éditions Robert
Laffont, Paris 1996.
Este livro tem tradução brasileira a partir do original Inglês:
Eyewitness to Jesus, Doubleday, London 1996.
Testemunha Ocular de Jesus, Imago, Rio de Janeiro, 1999.
As descobertas do P. José O’Callaghan são retomadas e confirmadas pelo
grande papirólogo Carsten Peter Thiede.
Carmignac Jean, La naissance des Evangiles synoptiques, éditions Oeil, Paris
1984. (O nascimento dos Evangelhos sinóticos).
Os Evangelhos gregos atuais teriam sido traduzidos do Aramaico. As datas de
composição destes evangelhos não são tardias.
Tresmontant Claude, Le Christ hébreu, éditions Espaces libres, Albin Michel,
Paris 1992. (O Cristo hebreu).
Mesmo sentido que Carmignac. Evangelhos traduzidos do Aramaico.
Ceruti-Cendrier Marie-Christine, Les Evangiles sont des réportages – n’en
déplaise à certains, éditions Pierre Tequi, Paris 1997. (Os Evangelhos são umas
reportagens, o dizemos mesmo se isto não agrada a todo o mundo).
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Maria Christina relembra as vexações que subiu em sala de aula porque não
aceitava a exegese que colocava as datas dos escritos do Novo Testamento
para além, negando assim a historicidade dos Evangelhos e rebaixando-os a
narrações mitológicas.
Genot-Bismouth Jacqueline, Jérusalem ressuscitée, une introduction, éditions
de l’éclat, Paris, Tel Aviv 2003. (Jerusalém ressuscitada, uma introdução).
Jacqueline Genot-Bismouth insiste sobre o fato da instrução massiva do povo
judeu a partir dos tempos de Alexandre Jânio (dinastia dos Asmoneus no ano
133 antes de Cristo).
Quando se diz que os Apóstolos eram idiotai, isto não significa que não tinham
instrução; significa que eles não tinham sido formados em escolas rabínicas.
Maria esteve em Éfeso?
(suplemento)
P. Ignace de la Potterie, S.J.
(30 DIAS N. 6 - JUNHO DE 1993)
Acabo de chegar de Éfeso, onde participei do IV Simpósio
Internacional sobre São João Apóstolo. Cerca de vinte estudiosos
reúnem-se todos os anos naquela cidade, indissoluvelmente ligada à
memória do Apóstolo João, que lá passou os últimos anos de vida e
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onde ainda se conserva a basílica construída sobre o seu túmulo. Mas
Éfeso também está ligada ao nome de Maria, tanto que o padre Filibert,
capuchinho francês que escreveu um livro sobre a estadia de João em
Éfeso definiu-a como “cidade mariana”. Com efeito, nos últimos cem
anos tem sido proposta com frequência uma pergunta: Maria esteve em
Éfeso? Morreu naquela cidade da Ásia Menor ou em Jerusalém?
Investigações filológicas e pesquisas arqueológicas levaram a
admitir aquela que é ironicamente chamada de “tese efésia”.
Se Maria esteve em Éfeso, quer dizer que seguiu até lá o apóstolo
ao qual foi confiada na Cruz por seu filho e que, como recorda no
Evangelho que escreveu, “a partir daquela hora recebeu-a em sua
casa”. De fato é historicamente certo que João viveu em Éfeso.
Os grandes bispos do século II, de Papias a Policarpo e Irineu,
atestam com unanimidade que o evangelista morreu em Éfeso onde
escrevera o evangelho.
São Paulo, como mostram os Atos dos Apóstolos, também esteve
em Éfeso durante muito tempo, talvez de 54 a 57. Lá escreveu diversas
cartas entre as quais a Primeira aos Coríntios e talvez as cartas aos
Gálatas e aos Filipenses: a carta aos Efésios também é atribuída a ele.
Naquela cidade, o sucesso da pregação de Paulo provocou a revolta
dos ourives, que nela viam ameaças aos seus lucros ligados ao culto de
Ártemis (At 19, 23-40).
Segundo alguns, João tinha estado em Éfeso antes de Paulo, nos
anos 40, e voltou depois da passagem de Paulo. É estranho que os
Atos, embora dediquem muito espaço à permanência de Paulo em
Éfeso, não falem sobre isso, mas talvez dependa do fato de que o autor
Lucas, era discípulo de Paulo, e fala exclusivamente das suas viagens.
Durante todo o século 2º, Éfeso estava ligada quase
exclusivamente à lembrança da permanência de João na cidade.
Papias, bispo de Hierápolis, por volta de 130-140, diz que naquele
tempo alguns Cristãos ainda procuravam os Anciãos que ouviram o
velho João falar. Porque, diziam, aquela voz viva era mais importante do
que todos os livros que poderiam ler. Irineu, que viveu em Lyon por volta
de 200, diz que quando era jovem escutava o velho Policarpo, bispo de
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Esmirna, que falava sobre a sua juventude e havia, por sua vez, ouvido
os apóstolos que viram o Senhor.
No século 2º, houve um notável deslocamento de interesse de
Paulo a João, que persistiu nos anos seguintes. Mas ao lado disso, deve
ter-se afirmado também uma devoção a Maria. Isso é atestado pelo fato
de que em Éfeso já existia uma igreja dedicada a Maria anterior ao 3º
Concílio Ecumênico de 431. Nessa “grande igreja chamada Santa
Maria” reuniram-se os bispos que participaram do Concílio. Essa
basílica, a primeira do mundo dedicada a Maria, cujo culto se
desenvolveu depois da solene definição do Concílio, testemunha uma
devoção antiga e especial à Virgem. Mas de onde vinha essa devoção?
Por que dedicar-lhe uma grande igreja, como a São João, que vivera na
cidade, se a Virgem nunca tinha estado em Éfeso? O enigma pode ser
talvez solucionado por um texto do Concílio de Éfeso, que durante longo
tempo não foi interpretado corretamente do ponto de vista filológico.
O Concílio de Éfeso foi convocado devido a Nestório, que rejeitava
a aplicação do título de “Theotokos” a Maria. A carta oficial que o
Concílio enviou a Constantinopla, onde Nestório era bispo, não contém
o verbo que se refere a João e Maria. A carta diz: “Nestório, o renovador
da ímpia heresia (o arianismo, ndr), tendo vindo à região dos efésios,
onde o teólogo João e a Theotokos Virgem, Santa Maria (...) depois da
terceira convocação (...) foi condenado”. Essa proposição subordinada
sem verbo foi objeto de estudos durante muito tempo. Mas em meu
estudo intitulado: “A vinda de Maria a Éfeso segundo o testemunho do
concílio de 431”, publicado em uma miscelânea em honra do
Mariologista francês T. Koehler (Mater fidei et fidelium, Dayton, 1991),
creio ter demonstrado, através de uma cuidadosa exegese filológica,
que o verbo está subentendido e é o mesmo que os bispos do Concílio
empregam em relação a Nestório. Portanto, a frase deve ser entendida
da seguinte maneira: “Nestório, renovador da ímpia heresia, tendo vindo
à região dos efésios, onde tinham vindo o teólogo João e a Theotokos
Virgem, Santa Maria, depois da terceira convocação (...) foi condenado”.
Mas além dessa prova literária, há outro indício da permanência de
Maria em Éfeso. Pensam ter encontrado a casa em que Maria viveu.
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Tudo começou com uma mística alemã, Irmã Kathrin Emmerich,
falecida em 1824. Estigmatizada, a sua causa de beatificação já foi
aberta. Um dos maiores escritores do romantismo alemão, Clemens Von
Brentano, converteu-se ao catolicismo e tornou-se seu fiel secretário.
Reuniu as suas “visões” em um livro muito conhecido, Vida de Maria,
publicado em 1865. Esse livro foi traduzido para o francês e uma cópia
chegou ao convento dos padres lazaristas em Esmirna. Como estavam
perto de Éfeso, os padres ficaram muito surpresos ao ver que uma
camponesa alemã descrevia com exatidão lugares em que nunca
estivera. Um deles, Eugène Poulin, ironizou muito com os religiosos
sobre essa estranheza. Mais tarde, organizou por curiosidade uma
expedição para examinar a montanha e ver se havia um lugar que
correspondesse à descrição feita por Emmerich. Para surpresa de
todos, encontraram este lugar em uma floresta no Monte Solmisso, entre
Éfeso e o mar; descobriram um local que concordava perfeitamente com
a descrição feita pela mística alemã. Via-se a cidade de Éfeso e, no mar,
as duas ilhas que se encontravam diante dela. Havia também uma
nascente, cujas águas desciam pela encosta da montanha. No declive
da montanha, em um ponto do qual se via o mar, encontraram as ruínas
de uma casa. É fácil imaginar a surpresa deles quando, mais tarde,
perguntaram a agricultores do local o que eram aquelas ruínas e eles
responderam: “É a casa da Mãe Maria”. Segundo uma antiga tradição
aqueles agricultores ortodoxos, habitantes de uma vila que se
encontrava a 17 quilômetros, faziam uma peregrinação todos os anos,
no dia da Assunção.
O cético Poulin convenceu-se profundamente da permanência de
Maria naquela casa, e escreveu um livro sob o pseudônimo de
Gabrielovich. O bispo local informou Roma. Uma religiosa francesa
organizou uma coleta para comprar o terreno e foi criada uma
associação para conservá-lo. Nos anos 50, estive em Éfeso com quatro
colegas e o bispo, dom Giuseppe Descuffi, interessado nesses fatos,
falou-me longamente sobre eles. Em 1952 e 1956, mandou fazer
escavações. O professor Adriano Prandi, de Bari, coordenador das
escavações, apresentou o relatório em um congresso mariano realizado
em Portugal. Ele disse: “Essas ruínas são restos de uma igreja
bizantina”. Os arqueólogos chegaram à conclusão que o vestíbulo da
pequena construção foi construído no século 6º, a abside no século 4º e
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a parte central foi transformada em capela em uma época não
determinada. Mas sob a igreja foi encontrada uma casa muito mais
antiga, disse Prandi. As pesquisas arqueológicas levaram à descoberta
de uma casa do século 1º. As escavações realizadas diante do pequeno
edifício revelaram três túmulos, dois dos quais eram “orientados”, ou
seja, os corpos foram sepultados com a cabeça voltada para a capela.
Tinham nas mãos moedas do período dos imperadores Constante
(falecido em 350), Anastásio I (518) e Justiniano (565). Isso mostra que
a devoção já existia naquela época.
Em 1991, por ocasião do centenário da descoberta daquela Casa,
os bispos da Turquia proclamaram o Ano Mariano. A Casa tornou-se
meta de peregrinação, inclusive para muitos muçulmanos.
A questão da autenticidade da Casa de Maria ainda está aberta.
Mas as escavações, que foram interrompidas por problemas com o
governo turco, devem recomeçar.
A religião cristã se funda em fatos. Ao contrário de todas as
religiões místicas orientais e do animismo africano, o cristianismo é uma
história. A revelação cristã é um evento, um fato histórico. Como em
todas as coisas humanas, foram criadas em torno dele lendas e
tradições estranhas. Por isso, elas devem ser avaliadas para chegarmos
ao núcleo histórico daquele acontecimento.
Mas Cristo, o Verbo Encarnado, entrou na história, e o cristianismo
é um grande evento, do qual dispomos de pistas. Um evento real. Por
isso, a arqueologia, que nos permite descobrir essas pistas, tem o seu
valor e não podemos ignorá-lo.
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O Padre Paul-André Hébert, Jesuíta, Canadense, é missionário no
Brasil desde 1963. Esteve vários anos em Roma para estudos na
Universidade Gregoriana e no Pontifício Instituto Bíblico dos Jesuítas.
Desde 1984, encorajado pelo P. Ignace de la Potterie, o Pe. Hébert se
interessa pela descoberta do P. O’Callaghan, S.J., que identificou 7Q5,
(papiro 5 da gruta 7 de Qumram), como um fragmento (22 letras) do
Evangelho de Marcos (Mc 6, 52 - 53). Esta descoberta do P.
O’Callaghan foi o ponto de partida das pesquisas do Padre Hébert
para encontrar novas datas para os escritos do Novo Testamento.