o meio urbano

13
1 O MEIO URBANO SILVA, R. S.; LOPES, S.B. Para intervir com maior possibilidade de sucesso, com eficiência, deve- se ter como ponto de partida o conhecimento da realidade. No entanto, é necessário que esse conhecimento ultrapasse a barreira do imediatamente visível e busque, na dinâmica do objeto, as “leis” gerais que o conduziram, bem como a sua vigência nos diferentes momentos concretos. Assim, a história recente da cidade brasileira traz preciosas informações para a apreensão da sua situação atual e para balizar a ação sobre o meio urbano. No nosso país, o crescimento desse espaço privilegiado de aglomeração, pelo menos nos dois últimos séculos, está relacionado com a economia. Vindo de um modelo agrário exportador, o Brasil a partir do segundo quarto do século foi, aos poucos, criando condições para sua industrialização. Destaca-se uma sequência de fatores conjunturais que a possibilitou, dentre os quais, a crise de 29, que gerou dificuldades de exportação de produtos agrícolas, as crises internacionais do café e, principalmente, a dificuldade de importação de produtos industrializados ocorrida durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. O capital, até então predominantemente agrícola, foi se deslocando para o setor industrial substitutivo de importações. Inicialmente, os investimentos privados ocorreram também nas obras de infra-estrutura necessárias para esta produção, como a ferrovia, a geração de energia elétrica e a urbanização de vilas operárias. Após a Segunda Guerra Mundial, consolidou-se em quase todo o mundo, um modelo de desenvolvimento que colocou o crescimento econômico como a perspectiva hegemônica. Nesse período, ocorreram grandes avanços nas estruturas capitalistas de produção. A Europa, então arrasada pela devastação bélica, recebeu um significativo aporte de recursos para a sua reconstrução e para o atendimento das novas demandas de consumo que surgiam. Os Estados Unidos da América, também recém saídos da guerra, com sua economia forte e estruturada e com seu território físico ileso, tiveram condições financeiras para implementar o Plano Marshall de auxílio às nações européias. Esta conjunção de fatores provocou uma retomada de crescimento sem precedentes na história recente, com um forte incremento do sistema de produção e de rápida expansão do mercado de consumo, em todos os segmentos da economia. Em países periféricos como o Brasil, na ressonância desse processo foi estabelecida uma política de incentivo estatal às condições para industrialização. Sob o governo de Getúlio Vargas, concretizou-se o financiamento via Estados Unidos da América, para a implantação da primeira siderúrgica brasileira, a Companhia Siderúrgica Nacional CSN. Dava-se, então, um importante passo na definição do

Upload: jenny-toniolo

Post on 16-Jan-2016

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Meio Urbano

1

O MEIO URBANO

SILVA, R. S.; LOPES, S.B.

Para intervir com maior possibilidade de sucesso, com eficiência, deve-

se ter como ponto de partida o conhecimento da realidade. No entanto, é necessário

que esse conhecimento ultrapasse a barreira do imediatamente visível e busque, na

dinâmica do objeto, as “leis” gerais que o conduziram, bem como a sua vigência nos

diferentes momentos concretos. Assim, a história recente da cidade brasileira traz

preciosas informações para a apreensão da sua situação atual e para balizar a ação

sobre o meio urbano.

No nosso país, o crescimento desse espaço privilegiado de

aglomeração, pelo menos nos dois últimos séculos, está relacionado com a economia.

Vindo de um modelo agrário – exportador, o Brasil a partir do segundo quarto do

século foi, aos poucos, criando condições para sua industrialização. Destaca-se uma

sequência de fatores conjunturais que a possibilitou, dentre os quais, a crise de 29,

que gerou dificuldades de exportação de produtos agrícolas, as crises internacionais

do café e, principalmente, a dificuldade de importação de produtos industrializados

ocorrida durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. O capital, até então

predominantemente agrícola, foi se deslocando para o setor industrial substitutivo de

importações. Inicialmente, os investimentos privados ocorreram também nas obras de

infra-estrutura necessárias para esta produção, como a ferrovia, a geração de energia

elétrica e a urbanização de vilas operárias.

Após a Segunda Guerra Mundial, consolidou-se em quase todo o

mundo, um modelo de desenvolvimento que colocou o crescimento econômico como a

perspectiva hegemônica. Nesse período, ocorreram grandes avanços nas estruturas

capitalistas de produção. A Europa, então arrasada pela devastação bélica, recebeu

um significativo aporte de recursos para a sua reconstrução e para o atendimento das

novas demandas de consumo que surgiam. Os Estados Unidos da América, também

recém saídos da guerra, com sua economia forte e estruturada e com seu território

físico ileso, tiveram condições financeiras para implementar o Plano Marshall de

auxílio às nações européias. Esta conjunção de fatores provocou uma retomada de

crescimento sem precedentes na história recente, com um forte incremento do sistema

de produção e de rápida expansão do mercado de consumo, em todos os segmentos

da economia.

Em países periféricos como o Brasil, na ressonância desse processo foi

estabelecida uma política de incentivo estatal às condições para industrialização. Sob

o governo de Getúlio Vargas, concretizou-se o financiamento via Estados Unidos da

América, para a implantação da primeira siderúrgica brasileira, a Companhia

Siderúrgica Nacional – CSN. Dava-se, então, um importante passo na definição do

Page 2: O Meio Urbano

2

caráter da industrialização com o início da produção do aço e a preparação do

caminho para a implementação das linhas de montagem de automóveis. Esta opção

teve também respaldo dos integrantes da Comissão Econômica para a América Latina

– CEPAL, que defendiam a necessidade de industrialização do país para poder

equilibrar a balança comercial ante a restrição das importações. Visualizava-se,

também, uma consequente ampliação de competitividade brasileira nas relações de

mercado internacionais.

O Estado estruturou-se para essa nova área de investimento do capital

através da implantação de órgãos específicos da indústria, do comércio e das relações

de trabalho (ministérios, comissões especiais e conselhos), da elaboração de políticas

de desenvolvimento e da criação de condições gerais de produção, assumindo dessa

forma a responsabilidade pela implementação e manutenção da infra-estrutura básica

exigida pelo novo modelo de acumulação. Assim a energia elétrica dos grandes

centros, a telefonia, o abastecimento de água, a coleta de esgoto, as ferrovias e parte

do transporte coletivo foram encampados pelo Estado.

Alguns anos depois, já na década de 50, com a posse de Juscelino

Kubitscheck, teve-se a continuidade da fomentação desse processo de

industrialização, pautado no “Plano de Metas” de JK que se propunha: “... acelerar o

processo de acumulação aumentando a produtividade dos investimentos existentes e

aplicando novos investimentos em atividades produtoras” buscando fazer um governo

de “50 anos em 5”.

Parte integrante desse projeto institucional de desenvolvimento, o

processo de instalação de um parque industrial, principalmente na região sudeste,

necessitou arregimentar mão de obra para responder a esse novo momento. Nesse

contexto, intensificaram-se os fluxos migratórios entre regiões, do norte e nordeste

para o sul e sudeste, e entre o campo e a cidade. O cenário era de cunho

desenvolvimentista, com o fortalecimento de uma classe média consumidora dos

produtos gerados neste processo.

No entanto, nem as cidades se encontravam suficientemente

preparadas para o fluxo migratório existente neste período, nem o Estado e o

investidor privado priorizavam o correspondente provimento da infra-estrutura urbana.

As localizações guiadas pelo mercado da terra urbana e a ausência de políticas

sociais que considerassem essa expansão acabaram gerando ocupações sem o

fornecimento de serviços de saneamento, de transporte e sem uma política

habitacional consistente, capaz de atender o novo contingente urbano. A busca por

áreas de assentamento de custos mais baixos expandiu as periferias das grandes

cidades, com evidentes comprometimentos da qualidade de vida da população e da

qualidade do próprio meio.

Page 3: O Meio Urbano

3

Ao mesmo tempo em que a cidade não apresentava condições dignas

de ocupação às camadas mais pobres da população, significava um grande polo de

atração graças à oportunidade de empregos nos setores da economia aquecidos pela

industrialização. Segundo GRIMBERG (1994),

“As áreas urbanas em todo o mundo, são consideradas locais

privilegiados para geração de emprego, para a inovação, para

ampliar as oportunidades econômicas. Os centros urbanos

revelam uma enorme agilidade na construção de uma rede de

relações no plano da economia, da política, da cultura,

conectando zonas rurais, pequenas e médias cidades”.

Nas décadas subsequentes, as grandes cidades, principalmente as do

sudeste, se expandiram e conurbaram com municípios vizinhos, dando origem às

regiões metropolitanas, que se caracterizam por abrigarem complexos sistemas de

relações sociais, econômicas e culturais.

Assim, a situação urbana brasileira desse século, apresentada de forma

resumida, é a de uma contínua concentração do capital e da população, uma

ampliação das disparidades regionais e o crescimento do desemprego e do déficit de

serviços urbanos e de habitação, tudo isso aliado a uma apropriação predatória do

patrimônio ambiental.

A EVOLUÇÃO DA URBANIZAÇÃO NO BRASIL

Os fenômenos de urbanização acelerada e o crescimento demográfico

decorrentes do processo de industrialização podem ser mais bem visualizados através

da coleta de dados estatísticos sobre a dinâmica demográfica. O grau de urbanização

fica evidente quando se constata que a população total do Brasil, entre 1940 e 2010,

cresceu 4,6 vezes e que, nesse mesmo período, a população urbana teve um

crescimento, aproximadamente, três vezes maior (12,5 vezes). Tais valores apontam,

claramente, para o fluxo migratório campo - cidade.

Em um período de 40 anos (entre 1940 e 1980), houve uma inversão na

proporção existente entre as populações rurais e urbanas quando passou-se de 2/3 da

população total em área rural, nos anos 1940, para 2/3 da população total em área

urbana, nos anos 1980. No período de maior intensidade desse processo, as décadas

de 1970 e de 1980, somaram-se 60 milhões de habitantes às populações das cidades.

Atualmente a população brasileira que vive em cidades já representa quase 3/4 da

população total.

Os dados da Tabela 1 ilustram a concentração urbana ocorrida entre

1940 e 2010 e, complementando com a análise do gráfico da Figura 1, fica bem nítida

Page 4: O Meio Urbano

4

a inversão na proporção entre população urbana e rural, que iniciou por volta de 1970.

O gráfico da Figura 2 ilustra a evolução da Taxa de Urbanização no mesmo período,

que iniciou na casa dos 30% em 1940, chegando a aproximadamente 85% em 2010,

apresentando uma tendência de se manter estável para os próximos 20 anos.

Tabela 1 – Análise do crescimento da População Brasileira entre 1940 e 2010, Total e

por situação (Urbana ou Rural), da Taxa de Urbanização e do Índice, tomando-se

como referência a População Urbana de 1940.

Ano População

Urbana

População

Rural

População

Total

Taxa

Urbanização

Índice

População

Urbana

1940 12.880.182 28.383.133 41.263.315 31,21 100

1950 18.782.891 33.161.506 51.944.397 36,16 146

1960 32.004.817 38.987.526 70.992.343 45,08 248

1970 52.904.744 41.603.839 94.508.583 55,98 411

1980 82.013.375 39.137.198 121.150.573 67,70 637

1991 110.875.826 36.041.633 146.917.459 75,47 861

2000 137.755.550 31.835.143 169.590.693 81,23 1070

2010 160.925.792 29.830.007 190.755.799 84,36 1249

Fonte: IBGE / Séries Históricas (2010)

Page 5: O Meio Urbano

5

Figura 1 – Análise do crescimento da População Brasileira entre 1940 e 2010: Total e por situação do domicilio (Urbano ou Rural)

Fonte: IBGE / Séries Históricas (2010)

Figura 2 – Evolução da Taxa de Urbanização no Brasil de 1940 a 2010 e tendência

para os próximos 20 anos Fonte: IBGE / Séries Históricas (2010)

É importante também trazer o foco de observação para as

especificidades internas. Quando se analisa o processo de urbanização sob a ótica

regional, depreendem-se novos aspectos que permitem um aclaramento dos fluxos

gerados pelas correntes migratórias internas ao país em cada período (Tabela 2).

Page 6: O Meio Urbano

6

Tabela 2 – Análise da evolução da Taxa de Urbanização, no período de 1940 e 2010,

no Brasil e Grandes Regiões.

REGIÃO 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010

Brasil 31 36 45 56 68 76 81 84

Norte 28 31 37 45 52 59 70 74

Nordeste 23 26 34 42 50 61 69 73

Sudeste 39 48 57 73 83 88 91 93

Sul 28 30 37 44 62 74 81 85

Centro Oeste 22 24 34 48 68 81 87 89

Fonte: IBGE / Séries Históricas (2010)

Na Tabela 2, as setas indicam a relação entre as taxas de cada região e

a taxa de urbanização brasileira, no período considerado. Na análise dos números,

apresentados evidencia-se a importância da região sudeste no processo de

industrialização até o período recente, elevando de forma constante as taxas de

urbanização do país (setas verdes). Observas-se que até a década de 1970 essa era

a única região que apresentava taxas superiores à média nacional. A partir de 1980 a

região Centro Oeste começou a apresentar um rítmo mais intenço de urbanização,

seguido pela Região Sul, a partir de 1991. O gráfico da Figura 2, deixa mais clara esta

análise.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010

TA

XA

DE

UR

BA

NIZ

ÃO

ANOS

EVOLUÇÃO DA TAXA DE URBANIZAÇÃO DAS GRANDES REGIÕES BRASILEIRAS ENTRE 1940 E 2010

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro Oeste

Figura 03 – Análise da evolução da Taxa de Urbanização nas grandes regiões Brasileiras no periodo entre 1940 a 2010

Fonte: IBGE, Censo demográfico 1940-2010. Até 1970 dados extraídos de: Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2007 no Anuário Estatístico do Brasil,

1981, vol. 42, 1979

Percebe-se, na análise do gráfico da Figura 2, que embora a Região

Sudeste tenha apresentado, desde 1940 até 2010, taxas de urbanização sempre

Page 7: O Meio Urbano

7

acima da média nacional, o crescimento no mesmo periodo foi menos drástico que o

apresentado pelas regiões Centro Oeste e Sul (principalmente entre 1970 e 1991).

Isto também fica claro quando analisamos a evolução da contribuição

da população total e urbana das grandes regiões, em relação os valores nacionais.

(Figura 4 e 5). Analisando-se o gráfico da Figura 5, verifica-se que em 1940 a

população urbana no sudeste representava mais da metade da população urbana

brasileira (56%), enquanto que contribuia com menos da metada da população total

(44%, Figura 4).

Nos últimos 70 anos a contribuição da população da região Sudeste

para a população total brasileira vem caindo gradativamente tendo reduzido em 2%.

(Figura 4). Porém, se considerarmos somente a população urbana, esta redução foi

maior, caindo de 56% em 1940, para 39% em 2010. No mesmo período a população

urbana do Centro Oeste, que representava apenas 2% da população urbana nacional,

em 2010 já chegou a 7%. Quanto à população urbana da Região Sul, que reprentava

12% da população urbana nacional em 1940, chegou a 15%, no periodo entre 1980 e

2000, voltando ao patamar inicial em 2010 (12%).

Figura 04 – Análise da evolução da contribuiçao relativa de cada região brasileira na população total do Brasil no periodo entre 1940 a 2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010.

Page 8: O Meio Urbano

8

Figura 05 – Análise da evolução da contribuiçao relativa de cada região brasileira na população urbana do Brasil no periodo entre 1940 a 2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010.

As regiões Sudeste e Centro Oeste tiveram em comum, o crescimento

gerado por fluxos migratórios, embora decorrentes de diferentes causas. No sudeste,

especialmente no triângulo formado pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e

Belo Horizonte, a oferta de trabalho urbano, gerada no processo de industrialização,

atraiu imigrantes nordestinos e nortistas. Já na região Centro Oeste a imigração teve

como causa principal a expansão da fronteira agrícola do país. Num segundo

momento, houve a emancipação dos núcleos rurais acelerando ainda mais a

urbanização dessa região.

Outro fator responsável pelo desencadeamento de processos

acelerados de crescimento urbano foi a criação das cidades para desempenharem o

papel de sedes institucionais e administrativas, tais como Brasília nos anos 60 e

Palmas em Tocantins na década de 90, e a implantação dos pólos petroquímicos nas

décadas 70 e 80.

Oliveira e Oliveira (2011) apresentam algumas reflexões sobre os o

fenômeno da mobilidade populacional que vem ocorrendo no Brasil desde as últimas

décadas do Século XX. Do ponto de vista das migraçãoes internas o período entre

1960 e 1980 se destacou pelo grande volume de deslocamentos da população

brasileira migrando do campo para a cidade, o que constituiu um processo de

Page 9: O Meio Urbano

9

intensificação da urbanização (ERVATTI, 2003). Segunda a autora estes movimentos

caracterizaram a Região Nordeste e os estados de Minas Gerais, Espirito Santo Santa

Catarina e Rio Grande do Sul como áreas de expulsão ou emigração, equanto que o

núcleo industrial (Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro), contituiam áreas de

atração ou forte imigração populacional.

Esses deslocamentos, típicos da primeira fase da transição

demográfica quando as taxas de fecundidade eram altas e a

mortalidade começava a declinar, gerando excedentes

populacionais que favoreciam a migração do campo para a

cidade, começaram a perder importância no Brasil a partir dos

anos 1980. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011)

A este respeito, Oliveira e Oliveira (2011) destacam que nos últimos

anos da década de 1980 e nos anos 1990 observou-se uma diminuição no volume da

migração do campo para a cidade, dando lugar a novos fluxos migratórios: as

migrações a curta distância e as direcionadas às cidades médias. Salientam ainda que

o Censo Demográfico de 1991, já havia apontado algumas transformações no

comportamento dos fluxos, que antes predominavam no Brasil. Nesta época já foi

observada a redução das migrações do Nordeste para o Sudeste e, também, algumas

reversões nos saldos migratórios das Unidades da Federação.

Segundo Rossato (1993), outro aspecto que pode ser observado na

análise do crescimento demográfico urbano no Brasil, é a chamada “macrocefalia”,

onde se verifica o crescimento acelerado dos grandes centros urbanos e a redução

progressiva da população relativa das pequenas cidades. Isso ocorreu, num período

de 20 anos, entre 1970 e 1990, nas nove regiões metropolitanas do país. Belém,

Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, praticamente dobraram

sua população nessas duas décadas. São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, embora

sejam as maiores, apresentaram, em 1996, os menores índices de crescimento entre

as metrópoles. Todas essas áreas já representavam, em1996, aproximadamente 40%

da população urbana do Brasil e seu crescimento foi marcado pelos intensos

movimentos migratórios que ocorreram de forma inter e intra–regional.

Os dados de 1996, no entanto, apontam para uma diminuição no ritmo

de crescimento de algumas áreas metropolitanas acompanhado por um nítido

fortalecimento das cidades médias, principalmente as dispostas ao longo dos eixos

rodoviários que irradiam das metrópoles.

Page 10: O Meio Urbano

10

O urbanista espanhol, Borja (1994) alerta para a importância das

cidades médias no cenário da urbanização brasileira:

“A contaminação atmosférica, sonora e da água, as

dificuldades de mobilidade, o desperdício energético, os

impostos cada vez maiores, pressupõem custos de tal ordem,

tanto públicos quanto privados, que vai se preferir investir em

cidades menores”.

A complexidade dos problemas urbanos é agravada nos países com

desequilíbrios na distribuição de renda, como é o caso brasileiro. Parte significativa da

população é excluída do acesso aos bens e serviços coletivos e sobrevive em

condições precárias de saneamento básico, de moradia e de transporte. É importante

citar que o percentual de exclusão é mais acentuado nas regiões metropolitanas.

Dessa forma, as cidades médias têm hoje o seu valor acentuado, por

um lado, pela existência de uma enorme dificuldade de se reverter o déficit de infra-

estrutura na vida metropolitana e, por outro, pelo avanço da rede informatizada de

comunicação que diminuiu a importância da estratégia locacional nos

empreendimentos empresariais.

Dados do Censo de 2010 reforçam esta ideia, indicando que houve

alteração no comportamento dos deslocamentos de população na década passada. As

evidências empíricas sinalizam que são as cidades com menos de 500 mil habitantes

as que mais crescem no País, o que demonstra a influência da migração, muito

embora as grandes cidades continuem concentrando parcela expressiva da população

(aproximadamente 30%). Esse fenômeno vem ocorrendo nas últimas três décadas, na

distribuição populacional no Brasil. Os municípios com 500 mil habitantes ou mais

aumentaram em quantidade quando comparados com o ano de 2000, passando de 31

para 38. Outro aspecto a ser destacado é que o ritmo de fragmentação do território,

nos anos 2000, foi menos intenso que nas décadas passadas, tendo sido instalados

58 municípios, contra 501 nos anos 1980 e 1016 nos anos de 1990.

Os impactos da concentração da população nas cidades maiores,

ocorrida mais intensamente no período entre 1940 e 1980, aparecem ilustrados nas

Tabelas 3 e 4, onde foram classificados os aglomerados humanos por tamanho e

cruzados nas matrizes com a quantidade de assentamentos (Tabela 3) e com a

quantidade de população (Tabela 4). Percebem-se um aumento de aglomerados

urbanos mais populosos (acima de 2000 habitantes) e o consequente aumento da

população ocupando aglomerados urbanos maiores (acima de 20.000 habitantes).

Page 11: O Meio Urbano

11

Embora tenha havido uma alteração nos padrões de deslocamento da

população nas últimas décadas, em relação ao movimento campo – cidade, reflexos

ocorridos na época de intensa urbanização ainda são percebidos hoje. No Censo de

2010 o IBGE adotou a classificação dos Domicílios em Aglomerados Subnormais, para

identificar um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos,

casas etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou

tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou

particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa (IBGE 2010).

Tabela 3 – Distribuição relativa dos aglomerados (%) – Brasil: 1940-1980

Categoria de Tamanho (habs)

1940 1950 1960 1970 1980

Até 500 40,93 37,17 33,01 32,45 27,65

501 a 1.000 23,17 23,48 22,00 19,62 15,99

1.001 a 2.000 17,33 17,58 17,47 16,80 16,50

2.001 a 5.000 11,67 12,87 15,54 15,84 17,96

5.001 a 10.000 3,71 4,80 5,78 6,97 9,28

10.001 a 20.000 1,84 2,21 3,29 3,84 5,59

20.001 a 50.000 0,78 1,27 1,79 2,71 4,04

Acima de 50.000 0,46 0,61 1,12 1,77 2,88

Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Tabela 4 – Distribuição da população recenseada nos aglomerados urbanos (%)-Brasil-

1940-1980

Categoria de tamanho (habs)

1940 1950 1960 1970 1980

Até 500 4,05 2,88 1,87 1,22 0,67

501 a 1.000 6,13 4,76 3,25 2,09 1,15

1.001 a 2.000 8,99 7,08 5,07 3,24 2,34

2.001 a 5.000 13,14 11,11 9,85 7,37 5,72

5.001 a 10.000 9,45 9,49 8,19 7,20 6,49

10.001 a 20.000 9,17 8,79 9,42 8,02 7,65

20.001 a 50.000 8,57 10,69 11,46 12,32 12,63

Acima de 50.000 40,50 45,20 50,89 58,24 63,45

Fonte: ROSSATO (1993) / IBGE – Anuário Estatístico de 1984.

Page 12: O Meio Urbano

12

Segundo análise do IBGE (2010), no ano do último censo 6% da

população do País (11.425.644 pessoas) morava em aglomerados subnormais, que se

distribuia em 5,6% dos domicílios particulares ocupados no Brasil (3.224.529

domicilios). Estes aglomerados se concentravam em grande parte na Região Sudeste

(49,8% dos domicilios nestas condições), e os estados de São Paulo e do Rio de

Janeiro, com 23,2% e 19,1% dos domicílios do País, respectivamente, eram os que se

destacavam. Os estados da Região Nordeste continham 28,7% do total de domicilios

em aglomerados subnormais (9,4% na Bahia e 7,9% em Pernambuco), enquanto que

a Região Norte concentrava 14,4% dos domicilios (10,1% só no Estado do Pará). As

regiões com menos ocorrências de domicilios em aglomerados subnormais em 2010

foram a Sul (5,3%) e Centro-Oeste (1,8%).

Segundo dados do Censo 2010, 88,2% dos domicílios em aglomerados

subnormais estavam em Regiões Metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes

e apenas 11,8% destes domicílios estavam em municípios isolados ou Regiões

Metropolitanas com menos de 1 milhão de habitantes (IBGE 2010). Os gráficos da

Figura 6 ilustram bem esta situação. Ainda na análise dos gráficos da Figura 6,

observa-se que os resultados são distintos quando se considera os municípios

isoladamente. Neste caso, 44,8% dos domicílios particulares ocupados em

aglomerados subnormais estavam em municípios com mais de 1 milhão de habitantes,

enquanto 55,2% estavam em municípios com menos de 1 milhão de habitantes.

Verificou-se, também, em 2010, a presença de domicílios em aglomerados

subnormais em cidades de médio porte, embora que em número menor, se

comparados com as a cidades mais populosas.

O processo de crescimento acelerado da população urbana brasileira e

a falta de planejamento integrado, principalmente nas grandes metrópoles, dão sinais

inequívocos de insustentabilidade, tais como, aumento de aglomerados subnormais,

espalhamento urbano, problemas de mobilidade (poluição, consumo de recursos não

renováveis, congestionamentos e acidentes), degradação dos recursos naturais

(hidricos e de vegetação), entre outros.

As cidades de médio porte, onde esses impactos não chegaram a níveis

tão elevados quanto os das metrópoles, devem ser beneficiadas por um planejamento

“preventivo” em lugar do planejamento “corretivo”. As tendências atuais de

crescimento das cidades médias, principalmente as localizadas em pontos de fácil

comunicação com os centros maiores, mostra uma alteração na curva histórica do

processo migratório, e reforça a necessidade da atenção do Estado para uma política

mais efetiva quanto a habitação, o uso do solo, a mobilidade urbana, a preservaçao de

áreas verde e recursos hidrícos e os serviços de infraestrutura urbana.

Page 13: O Meio Urbano

13

Figura 6 – Analise dos domicilios ocupados existentes em Aglomerados Subnormais por classe de tamanho da população dos domicílios segundo as Regiões

Metropolitanas e os municípios - 2010 Fonte: IBGE 2011 - Censo Demográfico 2010: Aglomerados Subnormais

Bibliografia

BORJA, J. 1994 BORJA, J. In: GRIMBERG (Org.) Revista Pólis, São Paulo, n. 16, 1994.

ERVATTI, L. R. A dinâmica migratória no estado do Rio de Janeiro na década de 90: uma análise mesoregional. Rio Janeiro: ENCE/IBGE, 2003.

IBGE 2011 - Censo Demográfico 2010: Aglomerados Subnormais

IBGE. Séries Históricas, 2010. URL: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br

OLIVEIRA, L. A. P.; OLIVERIA, A. T. R. (Orgs.) Reflexões sobre os deslocamentos populacionais no Brasil. Rio de Janeior: IBGE, 2011. URL: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/reflexoes_deslocamentos/deslocamentos.pdf

PNUMA. GeoBrasil 2002 – Perspectivas do meio ambiente no Brasil. O estado das áreas urbanas e industriais. P. 170-199. Brasília, IBAMA, 2002.

ROSSATO, R. Cidades brasileiras: a urbanização patológica. In: Revista Ciência & Ambiente, vol. 7,1993,

SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1996.