o miraculoso 9

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O MIRACULOSO o O MIRACULOS so O MIRACULO oso O MIRACUL loso O MIRACU i n v i s i b i l i d a d e BRASÍLIA-DF - 9 a EDIÇÃO | WWW.MIRACULOSO.COM.BR | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Os Mais Invisíveis do Mundo - por Leo Ortegal - p.3 | Escravos Invisíveis - por Solano Teodoro - p.5 | Por que parir em casa no Século XXI? - por Paloma Terra - p.6 Entrevista com o Dep. Distrital Prof. Israel - p.12 | Agnelo O Invisível - por Prof. Frederico Flósculo - p.14 | O Humano, por vezes, é desesperador - por Maria Emília - p.21

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Nona Edição do Jornal O MIRACULOSO Tema - Invisibilidade

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Page 1: O MIRACULOSO 9

1O MIRACULOSOo O MIRACULOSso O MIRACULOoso O MIRACULloso O MIRACUi n v i s i b i l i d a d eBRASÍLIA-DF - 9a EDIÇÃO | WWW.MIRACULOSO.COM.BR | DISTRIBUIÇÃO GRATUITAOs Mais Invisíveis do Mundo - por Leo Ortegal - p.3 | Escravos Invisíveis - por Solano Teodoro - p.5 | Por que parir em casa no Século XXI? - por Paloma Terra - p.6Entrevista com o Dep. Distrital Prof. Israel - p.12 | Agnelo O Invisível - por Prof. Frederico Flósculo - p.14 | O Humano, por vezes, é desesperador - por Maria Emília - p.21

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Neste mês de setembro, a 9º edição do jornal O MIRACULOSO aborda em suas páginas o tema INVISIBILIDADE. Trouxemos para você, amigo leitor, assuntos polêmicos para os quais a sociedade muitas vezes fecha os olhos com indiferença, ou pior, trata com preconceito ou mesmo violência. Esperamos que você, leitor, sinta e reflita sobre os assuntos abordados, que incluem a desmoralização humana na produção violenta de carne para consu-mo e suas implicações, a experiência transformadora de ter um filho em casa com parteira em vez de entregar esse momento a terceiros em hospitais e a condição de vida degradante dos neo-escravos contratados pelas maio-res marcas do planeta. O Miraculoso apresenta também um conto literário em formato de ping-pong, no qual a entrevistada é a própria Velhice, que nos conta sobre o ostracismo que os idosos vivem na contemporaneidade. Esta edição aborda também a precária terceirização dos trabalhos públicos, que hoje se espalha de forma des-controlada, enfraquecendo o Estado brasileiro, e ainda o engodo do bairro “ecológico” Noroeste, que dese-ja abarcar e alicerçar ilegalmente com suas raízes frias de cimento o Santuário dos Pajés. Já o entrevistado espe-cial deste mês, é o senhor Newton Nascimento. Provavelmente você está se perguntando “quem é essa figura?’’ Não se aperreie, pois, como a grande maioria, ele é um dos invisíveis desta edição. Esperamos poder co-laborar para extirpar o véu dos olhos e a nódoa da mente e assim vermos que o Invisível é mais visí-vel que o Visível, bastando nos libertarmos das amarras que o senso comum nos impõe diariamente.

e d i t o r i a l

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Eles estão entre nós. Não são os ET´s, e estão invisíveis. Não são pretos, nem pu-tas, mas nos servem como escravos há séculos, e tem seus corpos atravessados, como objetos, para a satisfação de nosso desejo hedonista.

Eles são tratados do jeito que se trata as minorias: suas necessidades são subjuga-das, suas dores, menosprezadas, e sua fragilidade se transforma em degraus para que passem em ascensão aqueles que de-tém o poder. Mas acontece que, como vá-rias minorias, eles não são minoria. Na ver-dade eles já chegam a ser maioria, como uma manifestação epidêmica da nossa própria doença.

O Brasil é um país enorme, mas mesmo assim são muitos os homens que não pos-suem um teto para morar, ou um pedaço de chão para cultivar. Esse paradoxo se mistura a um outro, pois esse mesmo país que abriga 190 milhões de cabeças huma-nas, e deixa milhões sem ter onde dormir ou cair morto é o mesmo país que oferece terra, água, abrigo, alimento e assistên-cia médica a mais 200 milhões de cabeças que não são humanas, mas são animais.

Animais não humanos, que vivem nas ter-ras do mundo, e vem e vão como estalos errantes. Hoje se entra em setembro, e não passará o mês sem que morram aos milhares sem fim as galinhas ‘adultas’ que, ontem ainda, saíram do ovo. Tiveram suas vidas acachapadas, seus anos reduzidos a pobres semanas de clausura. Cruzaram o Brasil sobre rodas de enormes carretas, no vento, no sol, no frio e na chuva, e ninguém viu. Seus corpos banhados com óleo e queimados na chapa, servidos nos pratos, tragados aos tratos digestórios dos homens, e ninguém as notou. Setem-bro será mais um mês. Um rio Araguaia de sangue de aves correu no país, e que venha outubro em seus ventos de morte.

Na Europa os homens têm bom coração. Se compadecem das barrigas em fome, e

chegam a pagar ao Brasil para que faça mais soja - nem que para isso precise tor-nar em cinzas os verdes frondosos da nos-sa Amazônia. Barrigas tem fome e preci-sam comer. São vacas e bois aos milhares, que, desafortunados, não contam com o pasto abundante do nosso país. Mas con-tam com a soja abundante, com o cheiro da fumaça do cerrado que agora é deser-to, e vai de navio até suas bocas. Comida importada. Até que não são tão invisíveis assim.

O mundo tem cheiro de diesel. Diesel e peido. O peido assassino que lhe queima os cabelos das narinas até pode ter vindo do seu colega de trabalho. Mas o peido po-tente, o metano que queima a camada de ozônio e transforma o planeta em estufa, é obra dos cus invisíveis. A usina de flato animal tem filiais espalhadas nos quatro cantos da terra, e consegue poluir os ares mais do que todos veículos a motor desse mundo, é o que dizem as Nações Unidas. Produção diuturna de gases invisíveis, só não tão invisíveis quanto os seus próprios emissores.

Decapitação, eletrocussão, esquarteja-mento, degolação. Vivemos o enredo de um filme de terror onde o sangue não é de tomate. Um festival doentio de mor-tes, cuja variedade e criatividade sádica põe catatônicos os mais bizarros rotei-ristas de todos os tempos. Caldeiras de água fervente para o mergulho dos vivos, serras para extirpar bicos, para extirpar testículos, máquinas de empurrar maisena e gordura de porco direto nos fígados, e um imenso triturador, para transformar os nascidos defeituosos, ainda vivos, em ra-ção para os demais. São estes alguns dos itens da trama de Os mais invisíveis do mundo, o thriller que nunca saiu de cartaz, e que ninguém se propõe a assistir.

Leonardo Ortegal é assistente social e escreve também em:

www.cartadesmarcada.blogspot.com

Os mais invisíveis do mundo

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Recentemente 15 imigrantes, incluindo um adolescente de 14 anos, foram encon-tradas em condições análogas a de tra-balhadores escravos. Tal fato ocorreu em São Paulo, capital. Tratava-se de escravos da área têxtil que estavam cosendo rou-pas para Zara. Pra quem não sabe (eu não sabia) a Zara é uma das gigantes do ramo de vestuário mundial.

O efeito foi imediato: esse tema se tor-nou topo das discussões do Twitter, vi-rou destaque no Facebook e nos diversos outros veículos de mídia em geral. Pois bem, é evidente que os responsáveis por tal crime hediondo devem ser severamen-te punidos (paredão seria uma boa pedida pra tais vilões) e as vítimas por sua vez têm, no mínimo, o direito à cidadania brasileira e à condições que possibilitem reerguer suas vidas após tal trauma.

Provavelmente os escravos serão atraídos por outros aliciadores, a Zara vai seguir faturando milhões mundo afora e nin-guém vai ser punido.

Bem, deixemos disso, afinal de contas não é novidade nenhuma que no Brasil a pena de morte é apenas para os pobres, que a lei é feita por e para os ricos, que aceitamos calados as maiores ignomínias

e somos tratados como lixo, muitas ve-zes a ver nossos filhos morrerem na nossa frente, enquanto os corruptos se esbal-dam em luxos e prazeres. Não é novidade nenhuma, tão somente é nossa realidade.

Enfim, o que me motivou a escrever esse texto foi a surpresa que acarretou a “des-coberta” de escravos em pleno século XXI, concluí que, definitivamente, temos dois tipos de escravos que causam distin-tas reações nas pessoas: os indignantes escravos visíveis: “Que absurdo! Como a Zara cobra R$ 139,00 por uma blusa no Shopping e paga R$ 2,00 pros escravos, por peça!??”, “Não vou mais comprar na Zara!” e há também os estimulantes es-cravos invisíveis: “nossa que lindo esse iPad! Eu PRECISO ter um!!!”, “Noooos-sa você viu o Mizuno Wave Prophecy? Só 899,99!!!”. Tudo feito na China...

No início do ano passado 11 pessoas se suicidaram na empresa Foxconn, tercei-rizada da Apple, com sede na China, será que foi emoção demais ao saber do ad-vento do iPad? Quem sabe... De qualquer maneira não se teve mais notícias de ne-nhum suicídio. Devem tê-los proibido, da mesma maneira que proíbem a existência de sindicatos por lá.

COLUNA POLÍTICApor Solano TeodoroEscravos invisíveis

Na China, horas extras não são remune-radas. Há prática, inclusive contra crian-ças, de ameaças, trabalhos forçados, chicote elétrico, humilhações, castigos e torturas em geral. E agora nem se sui-cidar é mais permitido, se tal anseio for detectado, internações compulsórias são prontamente providenciadas pelo Estado e prédios industriais com janelas, nem pensar. Já imaginaram um manicômio câ-mara de tortura chinesa? Seria um bom lugar pra mandar o Roriz e toda sua cor-ja... Mas isso não vai acontecer. Teremos eleições ano que vem e prefeituras têm vagas a serem preenchidas.

Tudo isso de fato está acontecendo AGO-RA! Neste instante milhares e milhares estão sendo torturados. Milhões de es-cravos invisíveis contrastando de modo traiçoeiro e terrível com as mais vívidas, brilhantes e coloridas inovações que o ca-pitalismo é capaz de criar e o pseudoco-munismo é capaz de fabricar. Tudo isso à custa da escravização da maioria da po-pulação chinesa.

Enquanto isso as indústrias nacionais en-tram em falência e o desemprego aumen-ta, tudo isso sem que ninguém veja nada, afinal de contas, é tudo invisível.

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Diante da proposta apresentada pela Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), que passa longe das reivindicações dos bancários, a gre-ve foi a única alternativa que restou aos trabalhadores, que querem emprego decente, com melhores condições de trabalho e aumento de salário acima da inflação, incluindo também atendimento de qua-lidade, fim das filas, tarifas e juros mais baixos e mais crédito para a população. Em Brasília, a paralisação foi aprovada por unanimidade em assembleia realizada no Setor Bancário Sul no dia 26 de setembro. Desde o dia 27, data do início do movimento, a mobilização só cresce.

“Rejeitamos a proposta da Fenaban e decidimos entrar em greve por-que temos certeza de que os bancos têm condições de oferecer mais do que 0,62% de aumento real aos bancários. Com lucros exorbitantes, as instituições financeiras se negam a atender reivindicações impor-tantes, como valorização do piso, segurança bancária, fim da terceiri-zação e combate ao assédio moral”, afirma o presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, Rodrigo Britto.

Os bancos são as empresas que mais lucram no Brasil e as mais irres-ponsáveis socialmente também, apesar de divulgarem o contrário na mídia. A cada ano, são bilhões de reais em lucros, graças à cobrança de tarifas e juros extorsivos da clientela. Só para se ter uma ideia, somen-te nos seis primeiros meses de 2011, os bancos que atuam no Brasil lucraram, ao todo, cerca de R$ 60 bilhões. Em algumas instituições fi-nanceiras, o valor das tarifas que cobram pelos serviços é tão alto que cobre a folha de pagamento dos funcionários e ainda sobra dinheiro.

Bancários estão em GREVE por emprego decente, aumento real e redução dos jurosBancários estão em GREVE por emprego decente, aumento real e redução dos juros

__ Greve forte __Entre as principais reivindicações, os bancários querem reajuste de 12,8%, fim da rotatividade, mais contratações, fim das metas abusivas, regulamentação do sistema financeiro nacional, mais segurança, igual-dade de oportunidades, maior concessão de crédito e inclusão bancá-ria sem precarização.Sem nova proposta por parte dos bancos, a greve dos bancários segue firme e forte no Distrito Federal e no restante do país. No DF, a ade-são ao movimento é superior a 90%. “Em virtude da intransigência da Fenaban e do governo, nossa greve, que é nacional, deve ser uma das maiores já realizadas pelos bancários”, observa Rodrigo Britto. Mais contratações. Isso representa, além de diminuição do desempre-go, mais pessoal para atender a clientela, ou seja, menos filas e aten-dimento de qualidade. Mais segurança nas agências significa preservar vidas.Redução de tarifas e de juros, medidas que favorecem diretamente o bolso da população porque incrementam o consumo e os investimen-tos em todos os setores da economia, promovendo a geração de mais renda e emprego.Maior concessão de crédito pelos bancos privados. A medida significa mais dinheiro circulando, seja por meio de empréstimo pessoal ou de financiamentos, dinamizando a economia e alavancando o desenvolvi-mento do país.

__ A luta dos bancários tem a ver com você __

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Brasília, cidade desapaixonada

__ Renato Fino __

Tiradentes teve lá a sua razão: interiorizar é preciso. Niemeyer teve lá a sua: viver não é preciso. Ao primeiro importava a conjura, ao segundo bastava a arquitetura. São minhas, as percepções. Figuras poéticas à parte, a realidade: sobram paisagens nesse interior urbano, mas faltam paixões que as cumulem de vida. Lúcio e Oscar inventaram o vazio, coube a nós preencher seus espaços. Mas, afinal, o que se deu que, em meio século, não conseguimos humanizar a Capital?

Brasília é o rebento da conjuração mineira no berço da modernidade. Quando em 1788, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier apaixonou-se pela idéia da interiorização da capital, o primeiro prego simbólico foi martelado e uma viga de paixão atravessou o país. Os inconfidentes, um a um, se fizeram confessos nos Autos de Devassa em favor da transferência, e a capital se mudaria do Rio de Janeiro para o interior. Do mar para o mato. Da praia para o prado. Do burburinho sensual para a solidão bucólica.

Mas foi preciso esperar mais um tanto. A decisão por si só não bastava, tampouco bastava ter sido inserida no Artigo 3º da Constituição Federal de 1891. Importava antes, encontrar as condições ideais de topografia, clima, hidrologia, geologia, fauna, flora, pedologia, recursos minerais e materiais de construção. E para desbravar essas terras em busca de tais condições, mais de cem anos depois da paixão do Alferes, foi nomeado o homem que entendia dos céus. Com a missão, o astrônomo belga Luiz Cruls.

Uma vez demarcado o quadrilátero e, dentro deste, a localização ideal para a construção da cidade, ressoou a voz: “Os nativos que se retirem!”. Eis os primeiros retirantes abrindo espaço aos bandeirantes. O Projeto Plano Piloto aportou no Planalto com força de máquina, de trator, de escavadeira, derramando cimento e piche sobre os ancestrais do cerrado, apagando a estória antiga e seus mitos. Começava a estória futurista. Quanto aos nativos, quase não se tem notícias mais. Ou será que alguém dará conta dos índios e seus vizinhos que, num passado recentíssimo, habitavam felizes essas paragens, com cirandas e violas em torno da fogueira?

Quando o conterrâneo de Tiradentes botou as botas no cerrado e a boca no trombone do rádio para anunciar emprego fácil no Planalto Central,

não faltaram os candidatos. A mão-de-obra farta que desceu dos paus-de-arara viabilizou o projeto idealista de Juscelino Kubitschek. Os braços trabalharam, os ombros carregaram, os pés da esperança reviraram o barro vermelho. Os mortos, é sabido, foram soterrados. Felizes dos que sorveram do mel da cidade durante a sua feitura, porque depois de pronta, ressoou a voz: “Os trabalhadores que se retirem!” Ah, mas quanta ingratidão! Pois então, foi para isso que se chamou o braço forte? Para que depois partisse da festa para o entorno, sem morder o bolo, depois de meses comendo poeira e dormindo sob tapume e lona na Cidade Livre? Assim, o avesso da antiga assertiva coube bem ao caso: os primeiros serão os últimos. E foram.

E no rastro das primeiras injustiças, o seu séquito: o descaso, o desrespeito, o desvio do patrimônio público. A corrupção. A capital conseguiu ser exemplo de planejamento, ser modelo de organização, ser moderna na arquitetura, mas não conseguiu ver-se livre do fardo da corrupção, desse vírus que se transmuta, se recria e se fortalece para, enfim, se imiscuir nos organismos mais puros. E como a Capital nunca esteve imune aos seus ataques, eis que ressoa a voz: “Os incorruptíveis que se retirem!”. Afinal, quantas sacas disso ou daquilo, quantos quilos desse ou daquele, quantos parafusos, quantos caminhões de terra bastavam para erguer este império em forma de ilha? A metade, certamente. Mas, os fornecedores do governo não poderiam construir a cidade sem superestimar seus produtos e serviços, do mesmo modo que hoje, os institutos e agências de fiscalização, oficiais e oficiosos, não conseguem sobreviver sem superestimar seus feitos, haja vista os excessos de cobranças e taxas, os abusos de multas que imputam aos contribuintes mais fiéis ao governo. Maldita herança dos empreiteiros do progresso!

Com a cidade inaugurada, revelaram-se suas larguezas, suas distâncias. Suas calçadas a perder de vista. Suas vias sem fim. Seu tédio. Suas torpezas. Num tempo sem conexões virtuais e redes sociais, só o grito comunicava, só o vento carreava o beijo, só o tempo resolvia o abraço que o pensamento inventava. Só o carteiro salvava quando a solidão batia. Brasília inventou a saudade. Um amor do lado norte demorava o tempo de um circular para se declarar a um amor do lado sul. E não havia metrô ou camelo que encurtasse as distâncias nesse deserto. E, ainda hoje, aos que não amem o bastante para atravessar os quilômetros de vias, sem lamentações, a voz ressoa: “Os acomodados que se retirem!”.

E quando a especulação imobiliária estabelece preços nova-iorquinos para o metro quadrado habitacional, Brasília torna-se um produto.

Quando a cidade se engessa na burocracia, quando a gentileza se petrifica em blocos, ministérios e tribunais, quando o número de veículos aumenta e faz da Capital a cidade do automóvel, Brasília perde a beleza. Quando os agitadores e fazedores de cultura são esquecidos pelas políticas públicas ou lembrados com ínfimos orçamentos, Brasília perde a arte. Quando a maioria de seus habitantes se afunda em livros técnicos, abandonando as ruas, os luares, as literaturas, os ideais revolucionários da juventude, para alcançar as uvas carocentas de um bom salário público, porque esse é o mal da civilização candanga, então, Brasília perde sua alma. E, nos entrespaços, nos entreblocos, nas entrequadras, insiste em dizer nas entrelinhas das manchetes e dos classificados de aluguel, compra e venda de imóveis: “Os incomodados que se retirem!”

Urge tornar às paixões, atiçar as galeras e implodir a atmosfera elitista e besta que paira sob o céu idolatrado de Brasília. Precisamos ter gente nas ruas, olhar pelas janelas e ver que a vida pulsa nos jardins, nas calçadas, nos bares, nos cafés, nos bistrôs, nas bancas de revistas, nas padarias, nos açougues. Exijamos a imediata volta das feiras nas superquadras, com todo o direito à genuína balbúrdia que só as feiras provocam, com todas as caixas de frutas, verduras e peixes. Com todos os megafones. Com toda a barulhenta pechincha. É preciso acordar de novo com o vozerio dos feirantes anunciando suas promoções nas bancas. Mas isso, certamente, seria caso de polícia na esquina utópica, porque em Brasília os neo-candangos amam o carnaval, desde que seja em outro quintal, no pelourinho, na sapucaí ou em Veneza; amam o jazz, desde que seja em Nova Orleans, em Guaramiranga ou no Blue Note, de Nova York; amam o futebol, desde que seja no Maracanã, no Morumbi ou no Beira-Rio.

Importa lembrar que para ser moderno é preciso, antes, despir o terno usado na inauguração. Ou, quem sabe, como o dito de Drummond, não seja bem melhor cansar de ser moderno para ser eterno? É preciso desaposentar Brasília ou, mais grave ainda, resgatá-la da UTI.

A capital está enferma. Um funcionário do governo, investido de fé pública e com voz de polícia, bate à nossa porta, portando um aparelho chamado decibelímetro, que ele, certamente, não está minimamente preparado para operar, por não saber mesmo que o certificado do tal já está vencido. Sob a justificativa de que as pessoas conversam em decibéis acima dos permitidos pela lei, ele anula, com palavrões, um alvará de funcionamento emitido adequadamente pela Administração Regional e interdita nossas atividades comerciais, mas antes de tudo culturais. Quando esse tipo de ação acontece,

podemos pensar em duas opções: ou o governo está desmantelado e seus anticorpos estão jogando contra seus órgãos vitais, com o fim de levá-lo a óbito em definitivo; ou então, estamos diante de um caso de arbitrariedade e abuso de poder de um cidadão que, uniformizado de governo, se investe de poderes supranormais e julga-se impune. Mesmo que a primeira opção seja plausível, estou certo de que a última é a que mais se adequa aos fatos recentes de lacres imputados aos cafés e bares de Brasília. Em uma palavra: covardia!

Brasília tornou-se uma cidade desapaixonada. Ou será que ainda podemos fazer festas nos apartamentos sem ter que explicar ao síndico? Ou será que ainda podemos acender fogueiras e entornar o vinho, num banquinho do Plano, sem levar a pecha de vagabundos? Ou será que ainda podemos atravessar a superquadra com um bloco de carnaval sem que os órgãos de segurança estejam avisados? Ou será que ainda podemos ensaiar a bateria da nossa escola de samba na comercial da Asa Norte sem que isso seja crime ambiental? Ou será que ainda podemos nos aglomerar na praça para ver um show que não tenha a chancela do FAC, do MinC, da Petrobras, dos Correios, da Caixa ou do Centro Cultural Banco do Brasil e, ainda assim, sermos respeitados por nosso modo autêntico e particular de manifestar a cultura? Se um músico com seu instrumento e seu banquinho são mal vistos, faça idéia de nós, os apaixonados, os independentes, os festeiros e foliões que, sem receber um tostão furado do governo, buscamos humanizar a Capital.

Fica aqui o brado de um filho que se sente expulso da cidade pródiga: nós, que somos o sangue sadio da Capital anêmica, tornemos às veias da vida, tomemos a praça, porque a cidade anda moribunda! Em verdade, há vestígios de que Brasília já foi mais humana, menos chata. E estou certo de que meu filho, tal como eu, há de ter sede de atravessar a cidade a pé, de bike ou, ainda mesmo, num skate bandeirantes como era o meu, sem ter que sorrir porque estará sendo filmado ou catalogado nos arquivos do serviço de inteligência do governo, mas sorrir sim porque a cidade terá reencontrado o elo perdido com a humanidade. E que se dê logo a retomada humana, que as calçadas e jardins sejam ocupados por gente, antes que seja tarde, porque já reboa a voz da nova ditadura: “Os apaixonados que se retirem!”.

* Renato Fino é proprietário do Senhoritas Café (408 Norte), espaço de boas pedidas

gastronômicas e culturais.

3 1 D E O U T U B R O | D I A D O S A C I

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Em mais ou menos um século, um tempo muito curto se consideramos a his-tória da Espécie Humana, passamos a acreditar que o lugar mais seguro para ter um filho é em um hospital com médicos qualificados. Ao mesmo tempo, também passamos a acreditar que parir em casa com uma Parteira era algo de um passado sem recursos ou é hoje algo de gente sem recurso e sem opção.

O Brasil é hoje o campeão mundial de partos cirúrgicos, a famosa cesa-riana. Nacionalmente temos uma taxa de 44% a 50%1, sendo nos hospi-tais públicos por volta de 30% e nos particulares de 80%. A Organização Mundial de Saúde considera segura e aceitável uma taxa de partos cirúr-gicos de 15%. O Brasil vem, nas últimas décadas, de forma consistente, aumentando suas taxas de cesarianas, sobretudo no setor complementar de saúde. Paralelamente a este aumento, vemos a crescente insatisfa-ção das mulheres e homens usuários do Sistema de Saúde, tanto públi-co quanto complementar, face de um lado a dificuldade de conseguir um parto normal e do outro, de ter se submetido a uma cesariana muitas vezes desnecessária. Além do dado de que pelo menos 25% das mulhe-res relatam ter sofrido alguma forma de violência durante seus partos.

No século XXI o acesso facilitado à informação combinado à globalização permite intercâmbios de conhecimentos e informações de modo rápi-do e eficiente. Por esta razão o Movimento pela Humanização do Parto e a redução das cesarianas, crescente desde os anos 80 no Brasil, tem tomado cada dia mais espaço. Neste Movimento composto por vários se-tores da sociedade civil (usuários do sistema de saúde, profissionais, go-verno, ONGs, sociedade civil, etc) temos visto a crescente participação das famílias em busca de uma melhor assistência para seus partos, bem como de profissionais que buscam um modelo de atendimento que supra as necessidades destas famílias, de modo que lhes assegure, da melhor maneira possível, um parto digno, em que o protagonismo é devolvido à mulher e as intervenções médicas só serão feitas quando de fato ne-cessárias. Nasce aí o resgate do parto domiciliar e da figura da Parteira.

A Parteira é a profissional mais antiga da humanidade. Sabemos que a mãe do filósofo grego Sócrates Fenarete era Parteira. Também temos vestígios bíblicos da atuação das Parteiras: no velho testamento foram duas Parteiras, Sifrá e Puá, que desobedeceram às ordens do Faraó do Egito e não afogaram Moisés. A partir destas duas histórias da antiguidade ocidental e do contato com populações tradicionais pelo Planeta afora (inclusive no Brasil) pode-mos tomar a Parteira como a figura que tem acompanhado outras mulheres no parto desde tempos imemoriais. E por que hoje consideram que estas profissionais não têm qualificações necessárias para o atendimento ao parto?

O Fundo das Populações das Nações Unidas (UNFPA) acaba de publicar um relatório sobre o estado das Parteiras no mundo, que conclui que o mundo precisa de 350 000 Parteiras treinadas “para atender plenamente às neces-sidades das mulheres pelo mundo.” Temos hoje em pleno século XXI mui-tas Parteiras atuando pelo mundo afora. A Confederação Internacional de Parteiras (ICM) reúne Associações de Parteiras do mundo inteiro e trabalha

com conceitos de atendimento norteados pela Organização Mundial de Saú-de (OMS) sobre o trabalho das Parteiras no presente. De fato os países do mundo com os melhores indicadores de saúde materno infantil e as taxas de cesarianas mais baixas integram em seu Sistema de Saúde a atuação da Parteira como profissional independente no atendimento a partos de baixo risco. Em muitos destes países (Holanda, Suíça, Alemanha, Inglaterra, Es-candinávia, etc) estas profissionais atendem também partos domiciliares.

Então podemos ver, graças à internet e à globalização, que, ao contrá-rio do que a maioria acredita, parto domiciliar com Parteira não é em 2011 coisa de gente atrasada e sem recurso. O parto domiciliar do século XXI busca otimizar o uso da tecnologia com o recurso de uma profissional treinada para o atendimento do parto de baixo risco, com a possibilida-de de colaborar com o sistema médico-hospitalar, acionado em caso de necessidade. O Canadá, que tem um Sistema de Saúde Pública universal nos mesmos princípios do SUS, tem, desde a década de 90, reintegran-do as Parteiras Profissionais no atendimento à saúde materno infantil, pa-gando pela atuação delas inclusive em domicilio. Os estudos da atuação destas profissionais demonstram a segurança do parto domiciliar atendi-do por profissionais qualificados em colaboração com um sistema médico--hospitalar de referência, a redução das intervenções médicas desnecessá-rias e uma maior satisfação das mulheres com suas experiências de parto.

As mulheres brasileiras, inclusive as brasilienses, estão cada dia em maior número entendendo que parir em casa com Parteira não é somente seguro e agradável, mas também uma experiência transformadora, em que o pro-cesso de parto é compreendido e respeitado em sua totalidade física, psi-cológica, emocional e espiritual. E este entendimento está levando-as a um maior empoderamento: a consciência plena de que gestar, parir e maternar são poderes exclusivamente femininos que devem ser vividos em sua pleni-tude e não entregue à terceiros, sob o argumento de uma suposta segurança.

www.unicef.org/brazil/pt/media_21237.htm www.unicef.org/brazil/pt/media_21237.htmRelatório global do UNICEF: Situação Mundial da Infância 2011www.portalodm.com.br/upload/tiny_mce/cesareas.pdfwww1.folha.uol.com.br/cotidiano/880316-uma-em-quatro-mulheres-relata-maus-tratos--durante-o-parto.shtmlwww.unfpa.org/sowmy/report/home.htmlwww.abenfo.org.br/site/arquivos/competencias_para_o_exercicio_da_obstetr%C3%ADcia.pdfwww.cmaj.ca/content/166/3/315.fullwww.cmaj.ca/content/166/3/315.fullfhs.mcmaster.ca/main/news/news_2009/home_birth_study.html

Ver o documentário “Hanami: O Florecer da Vida “ dochanami.blogspot.com/http://dochanami.blogspot.com/Livro “Parto com Amor

Paloma Terra é parteira e mora em Brasí[email protected]

Por que parir em casa no século XXI? “...re-examine tudo que lhe foi dito na escola, ou na igreja, ou em qualquer livro, repudie o que insulte a sua alma...” Walt Whitman

__ Paloma Terra __

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O MIRACULOSO, nesta edição de setem-

bro, foi entrevistar em Samambaia o an-

tigo pipoqueiro das ruas de Brasília, Sr.

Newton Cordeiro Nascimento. Mineiro,

da cidade de Aimorés, Sr. Newton chega

em 1984 à capital com suas roupas ras-

gadas e surradas, cheirando à roça ain-

da, deixando para trás o passado penoso

da fazenda com suas botas empenadas

de tanto chão. Seu sonho? O sonho de

tantos, ter uma oportunidade de tra-

balho e uma vida melhor. Sentado num

banquinho de madeira ao lado de sua es-

posa piauense, dona Elza, ele nos conta

um pouco sobre sua vida, seu trabalho

de pipoqueiro, sua visão política e a si-

tuação gritante da saúde pública no DF.

O MIRACULOSO: Conte-nos um pouco sobre sua vida antes de chegar à capital.

Seu Newton: Eu nasci em Aimorés, no Estado de Minas, no dia 7 de fevereiro de 1949. Morei 11 anos em Governador Valadares. Comecei a tra-balhar pequenino, desde que me entendo por gente, quando tinha 6 anos de idade. Trabalhei na roça por tempo que não acaba mais, traba-lhei na fazenda do meu pai por muitos anos, e o pouco que plantava tinha que dividir com ele, então me restava um pouquinho só para vender e poder viver. Não tinha condição nem expectativa de arranjar trabalho melhor por lá. Saindo de baixo das asas do pai, fui tentar ganhar a vida trabalhando em outras fazendas. Mas lá era a mesma coisa, ou pior ainda, pois era coisa pesada, tinha que cortar dia e noite o mato, saber o momento certo do plantio, do semear bom. Minhas mãos ficavam todas feri-das, mais grossas que esse piso aqui do chão... Bom que não doía mais, de tão calejadas não sentia mais. O semeio dava para sobreviver, mas futuro que é bom mesmo não tinha.

MIRACULOSO: Qual foi o contexto da sua vinda?

Seu Newton: O motivo você sabe, eu estava fi-cando velho e precisava de um futuro melhor. Ser pobre é coisa difícil, somos muito discri-minados. Nem que eu morresse de fome, mas tinha que tentar ter uma vida melhor. Daí, vim para esta cidade em 1984. Vim sozinho, mas com muita esperança no peito. Chegando na rodoviária, fui direto para a invasão do CEUB. Eu estava ainda na invasão, quando Roriz foi pela primeira vez governador. Estávamos perto dos prédios chiques, dos engravatados, mais de cinco mil pessoas, morando em lonas pretas, debaixo do nariz deles. Mas, logo que cheguei, uma família nordestina me recebeu de mãos abertas. O homem olhou para minhas mãos, e vendo que eram mãos de trabalhador, disse que eu não precisava dormir debaixo das lo-nas, não. Dai me convidou para morar em sua

casa, onde fiquei num quartinho pequeno, que, por mais humilde que fosse, era melhor do que na barraca velha que eu estava montando. Fi-quei muito emocionado com isso, com esta re-cepção. Pensei cá comigo: “esse povo é bom demais da conta. Eu estou é perdendo tempo de não entender ninguém, não conhecer nin-guém e não procurar ninguém.” Comecei a mo-rar com eles, de inicio sem pagar aluguel, até que eu começasse a trabalhar. Fiquei 3 meses com eles no Cruzeiro Velho. Ainda lembro da primeira noite, chegando lá, consegui no lixo uma caminha de campanha velha, peguei um papelão, botei em cima e dormi, sem cobertor nem nada. E pra mim tudo bem, não estava correndo risco de vida, é o que importava.

MIRACULOSO: Como e quando começou a tra-balhar em Brasília?

Seu Newton: Pouco tempo depois que me mu-dei para o Cruzeiro, conheci um Paraibano que me arrumou 50 espiga de milho e disse que eu devia vender eles, comprar mais milho e pagá--lo. Aí fui pro setor de oficina atrás da W3 e não deu 2 horas vendi tudo. Ele me perguntou, você vendeu tudo? Não acredito não. Vendi. Passei o dinheiro pra ele, 250 cruzeiros, maior dinheiro que eu já tinha pego na vida, e o Pa-raibano disse que eu era o maior vendedor de milho da Asa Norte, aí me emocionei. Aí conti-nuei trabalhando com ele, fiquei os 3 meses na casa dele vendendo milho. Depois eu consegui um carrinho de mão e comecei a vender fruta, goiaba, manga... Depois, passado um tempo, eu juntei mais dinheiro e consegui comprar um

Entre pipocas e histórias: Newton Cordeiro NascimentoE N T R E V I S T A

Olha, os desvios é assim. Noís po-bre rouba, os ricos desviam. Tem ladrão de celular, padaria, de ma-deireira, estes são os ladrões. O Rico pode fazer o que for, não é la-drão não. Ele desvia.

Por Brunna Guimarães

e Diogo Ramalho

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9carrinho de pipoca. Junto com a venda de pi-poca, trabalhei fichado também, em serviço de limpeza. Trabalhava durante o dia e a noi-te estudava, pois não sabia ler. Passei 3 anos e meio na escola e consegui completar o fun-damental na escolinha atrás do CEUB. Estudei sonhando em trabalhar como carteiro, porque tinha condição boa. Aí fui concorrer à vaga de carteiro, preenchi o formulário, falei que co-nhecia Brasília, que tinha condição boa para trabalhar. Mas não consegui o trabalho porque não tinha como pegar meu atestado na escola, porque estava em greve e os professores, por raiva do governador, me negaram o documen-to. A professora disse pra mim, com um olhar ruim “quando o governador der meu aumento eu te dou o documento”. Fui até a diretora, ela me disse, “seu Newton, o senhor tem direi-to, mas enquanto estivermos de greve não tem documento.” O documento de comprovação da 4º série era fundamental, o que me impediu de realizar esse meu grande sonho. Cheguei em casa naquele dia, olhei assim para um lado e pro outro, nervoso, peguei um livro e rasguei ele todo. Pensei: “não vou estudar mais”. Aí fui trabalhar mais, de dia e à noite, vendendo minha pipoca.

O MIRACULOSO – Qual foi o ano que o senhor começou a vender pipoca?

Seu Newton: Em 1988 e em 89 eu vim aqui para Samambaia. Conheci minha mulher atual naquele ano, no ônibus, ela trabalhava como secretária de casa, mulher trabalhadeira, já me encantei. Viemos junto aqui pra Samambaia. E ela mos-trou-se tão interessada, e eu também, e aí ti-nha um homi lá que disse assim pra mim: “o dia que ocê conhecer uma mulher nordestina, cê pode entrar dentro de um buraco de tatu que ela entra atrás docê, ela não te solta mais nunca”. Aí a gente foi se conhecendo, ela mui-to tímida, eu mais ainda. E ela falou pra mim que não me largava mais, e tamo junto há 20 anos. Tô com 8 filhos, amo muito eles e eles me amam apesar deu trabalhar muito.

O MIRACULOSO – O que significa o Distrito Fede-ral para o senhor?

Seu Newton: É uma mãe, foi muito bom pra

mim, o que eu consegui como cê tá vendo aí foi aqui, se fosse lá fora eu não teria consegui-do, pois tudo que eu fazia ficava lá, cheguei aqui sem nada. O Distrito Federal para quem é honesto, trabalhador, uma pessoa democrá-tica, civilizada, é o lugar certo. Mas a saúde tá precária, cada vez que entra um presiden-te, um governador, ele não fala que vai sarar o Brasil, eles falam que vai melhorar. E antes deles ganharem, ainda fazem uma pressão ameaçando cortar benefícios se não votar neles.

O MIRACU-

LOSO – E como o senhor avalia o atual Go-

verno com 9 meses passa-dos?

Seu Newton: A saúde só piorou.

Dona Elza: Tinha atendimento emergencial no posto da saúde, ele tirou e colocou na Unidade de Pronto Atendimento, UPA. Tirou a emergên-cia do Hospital de Samambaia e passou para a UPA também. Aí quando vamos na UPA, só aten-dem quem tá de nível de UTI pra cima.

Seu Newton: Saúde e violência piorou. A saúde tá na UTI. O governador ganhou com a promes-sa da saúde, falou que ia colocar a saúde em primeiro lugar. Falou que ia colocar a saúde na rua, falou que ia colocar a saúde em casa e nem ele passa na rua, ninguém vê ele.

Dona Elza: Pra mim de nada adiantou ele tirar a emergência do hospital e colocar em outro lu-gar que não atende ninguém. A gente chega no posto de saúde e nunca consegue atendimento.

Seu Newton: E pra conseguir, tem que ir um dia antes, à tarde, e dormir lá para conseguir ser atendido, entrar na fila e até ser grosso pra não te tomarem a vez.

O MIRACULOSO – E como o senhor avalia o go-verno do Roriz?

Seu Newton: Pra mim foi um pai. Como você tá vendo aí, a minha grade do portão é azul em homenagem a ele, porque se não fosse ele, abaixo de Deus, eu não tinha onde morar, e peço a Deus que dê muitos anos de vida a ele, pois seu Governo foi muito bom. Fizeram uma injustiça com ele e deixaram ele sem saída. Durval Barbosa, Nenê Constantino (que é um bandido) e Dr. Bernadino.

O MIRACULOSO – O senhor acha que ele é uma pessoa limpa, honesta?

Seu Newton: Sim, limpa. Foi decidido que só ia poder se candidatar ficha limpa, mas aí a de-cisão não vale mais e nem ficha limpa vigorou mais. Cortou, acabou.

O MIRACULOSO - Mas e quanto aos desvios que mostraram o envolvimento do Roriz, não inter-fere no seu modo de pensar?

Seu Newton: Olha, os desvios é assim. Noís pobre rouba, os ricos desviam. Tem ladrão de celular, padaria, de madeireira, estes são os la-drões. O rico pode fazer o que for, não é ladrão não. Ele desvia.

O MIRACULOSO – E o governo do Arruda?

Seu Newton: Eu acho bom o governo do Arru-da. Você vê, só aqui tem 18 passarelas que ele fez pro povo não se acidentar. A Rodoviária, um monte de coisa que o Agnelo tá inaugurando é trabalho do Arruda, mas não deixaram ele ter-minar. Aquele dinheirinho que ele deu pro povo lá, o povo que foi ingrato. Aquela Eurides Brito

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foi mentirosa em dizer que o dinheiro que ela recebia do Arruda era que o Roriz devia pra ela. Como é que o Roriz que devia ela e ela foi co-brar do Arruda?

O MIRACULOSO – E o que o senhor acha do go-verno Dilma?

Seu Newton: A Dilma pra mim ela é muito ar-rogante, nada do que ela prometeu ela tá cumprindo. O consu-mo de droga aumen-tou no Brasil de can-to a canto. A droga e a violência. O Lula disse que ela ia ser melhor que ele. Até agora não acredito.

O MIRACULOSO – O senhor votou no Lula?

Seu Newton: Eu votei no Lula 7 vezes, não me arrependi, não. Agora, a Dilma vai me descul-par, faço até mal falar assim, mas eu tô falan-do a verdade, então não tenho nada a temer: não votei nela. Votei no Serra. Meus candidatos estão declarados, eu sei que eu tô sendo grava-do, mas isso precisa ir ao público para o povo ver. Eu não vou esconder o favor das pessoas que não merecem. Votei no Zé Dimar, Fraga, Weslian, porque ela era Roriz, aí eu votei pra Weslian, votei pra Jaqueline e para presiden-te foi o Serra mesmo. Que podia até não fazer nada também, mas é melhor do que a Dilma.

O MIRACULOSO – E este combate à corrupção que a Dilma tá fazendo?

Seu Newton: Combate a corrupção?

O MIRACULOSO – É, demitindo os ministros..

Seu Newton: Ou é eles que estão pedindo pra ir embora? Eles é que estão pedindo pra ir em-bora, não é ela que tá demitindo. Ela sabe que não vai ter recurso mesmo, então ela coloca como se ela tivesse demitindo. Não, eles estão

pedindo pra sair, porque não querem aceitar as propostas dela.

O MIRACULOSO – E para finalizar gostaríamos que o senhor dissesse quais são os seus sonhos?

Seu Newton: Aqui onde eu moro, o meu sonho real é este, é não ser mais humilhado por es-tes políticos atuais, mas o meu sonho mesmo é lutar, vencer, e que em 2014 eu possa me apo-sentar, aí vou voltar a estudar novamente. Vou tá com 65 anos em 2014 e pelo menos o 2º grau quero terminar e colocar os meus meninos para ser alguma coisa na vida.

O MIRACULOSO – E a senhora Dona Elza?

Dona Elza: Eu estu-dei também até a 4º série, tenho vontade também, mas tenho problema de visão, mas não desisti não. Quero é que meus fi-lhos estudem.

O MIRACULOSO – Mais algum sonho Sr. Newton?

Seu Newton: Quero completar minha casinha, fazer um reboco aqui em casa, e alugar a parte de cima, pra ganhar alguma coisa além do salá-rio mínimo. Quero oferecer o meu melhor para as pessoas, igual eles fazem comigo, as pes-soas me tratam bem. Quero continuar sendo um bom amigo pra todo mundo. A educação me convence. Gosto de ser humilde, tímido como sou. Não adianta querer ser mais sábio do que eu possa. Eu quero ser mais sábio e quando me aposentar voltar a estudar. Estou orgulhoso de vocês estarem aqui na casa de um pobretão como eu, estou muito feliz.

O MIRACULOSO – Qual sua última mensagem aos Leitores do MIRACULOSO?

Seu Newton: Levo a mensagem que é muito vantajoso pegar o jornalzinho de vocês, ler, e saber o que é uma educação, uma pessoa ho-nesta e trabalhadora, esforçados como vocês. Que as pessoas possam ler e meditar o que aconteceu comigo, que fui muito bem agasa-lhado aqui pelo DF. E peço que lutem, vale a pena lutar.

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Saúde e violência piorou. A saúde tá na UTI. O governador ganhou com a

promessa da saúde, falou que ia colo-car a saúde em primeiro lugar. Falou que ia colocar a saúde na rua, falou

que ia colocar a saúde em casa e nem ele passa na rua, ninguém vê ele.

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A terceirização dos serviços públicos é a mais du-radoura herança do governo Fernando Henrique Cardoso, ou Fernando II, sucessor de Fernando Collor I, o quase cassado. Apesar de fazer parte da HERANÇA MALDITA de FHC, o governo Lula a abraçou com amor e paixão, e a aprofundou: nunca a terceirização foi tão ampla e descontrolada. Hoje é a forma mais legalizada de corrupção do serviço público. NINGUÉM fiscaliza a terceirização dos tra-balhos públicos, que se espalha na invisibilidade dos cânceres que se espalham no Estado brasileiro. Ninguém avalia se a terceirização é mesmo o que dizia FHC: racionalizadora, à prova de corrupção, um grande aprimoramento do Estado brasileiro.

FHC mentia ou falava a verdade?

A terceirização que FHC criou, escancarando o Es-tado brasileiro à sanha de políticos-empresários, realmente é boa para o povo brasileiro? A terceiri-zação que o governo do PT amplia bravamente, faz parte da cartilha dos trabalhadores? Beneficia os trabalhadores? Valoriza cada tostão de seus impos-tos, valoriza a riqueza que os trabalhadores criam com seu trabalho?

Esta é uma reflexão sobre a invisibilidade da ter-ceirização, a maior e mais bem-sucedida forma de corrupção governamental, porque inverte comple-tamente a relação de confiança que a população deveria ter em seu governo, e a relação de respon-sabilidade que o governo deveria ter com relação à população.

A terceirização dos serviços públicos, como se sabe, consiste na contratação de “terceiros” para executarem o nosso trabalho de “primeiros”. Nós, os “primeiros”, nos dividimos em dois grandes gru-pos: (1) os “primeiros dispensáveis”, ou seja: todos os trabalhadores do serviço público cujo trabalho pode ser terceirizado, em nome de uma economia totalmente mentirosa e não-avaliada, mas conve-niente aos grandes promotores da corrupção do governo do Brasil, e; (2) os “primeiros provisoria-mente indispensáveis”, somos a elite do serviço público, geralmente profissionais com diploma, e, sobretudo, ocupantes de cargos de confiança. Os ocupantes de cargos de confiança são da confian-ça de quem? Afirmo que são da confiança de quem mais lucra com a terceirização dos trabalhadores públicos.

Terceirização, no setor público, rima com corrup-ção, superfaturamento, descontrole e, sobretudo, enfraquecimento do Estado Democrático e de Di-reito.

Quando o governo brasileiro decidiu terceirizar-se, na era FHC, sua principal racionalidade era econô-mica: contratar empresas PRIVADAS para desem-penhar papéis complementares ao setor PÚBLICO, fazendo coisas que não deveriam ser feitas pelo se-tor PÚBLICO – como cozinhar para hospitais, con-sertar veículos para a polícia, pintar ônibus ou vi-giar prédios e propriedades públicas

– muitos aplaudiram.

O que vem a seguir é a completa modificação dessa racionalidade: os hospitais, o atendimento a pacien-tes, a medicina pública, vem sendo TERCEIRIZA-DA; a segurança pública vem sendo TERCEIRIZA-DA, e a percepção de que a linha entre o PÚBLICO e o PRIVADO está a se apagar – o que fez do gover-no FHC a era de referência para o surgimento das milícias no Rio de Janeiro; os transportes públicos são TERCEIRIZADOS em absoluto prejuízo para a população, sobretudo para os estudantes e os tra-balhadores; praticamente todas as instituições públicas, de universidades públicas a tribunais, de bibliotecas públicas a hospitais públicos, estão nas mãos dessas milícias terceirizadas que cobram o que querem do governo, para fazer o trabalho de limpeza, manutenção, vigilância, transportes, bu-rocracia, etc., etc.

A racionalidade econômica e administrativa é to-talmente falaciosa: em média o empregado terceiri-zado ganha MENOS que o MESMO servidor público “do passado” e o governo brasileiro (nos municí-pios, nos estados, na União) paga muito MAIS POR CADA TRABALHADOR. Quem lucra com essa ma-mata? O fechado círculo de empresários e políticos que cerca o governo, de forma opressiva, inaceitá-vel, sangrando o Estado de preciosos recursos que JAMAIS chegarão à população.

Por que temos hospitais públicos tão depredados, tão precários, tão pobres? POR CAUSA DA COR-RUPÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO;

Por que temos sistemas públicos de transportes coletivos tão precários, tão incertos, tão arrogante-mente controlados por meia-dúzia de empresários? POR CAUSA DA CORRUPÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO;

POR UMA FILOSOFIA

DA TERCEIRIZAÇÃO Frederico Flósculo Pinheiro Barreto

Por que o serviço público está a perder rapidamen-te sua memória, sua história, seu orgulho, sua iden-tidade, seus objetivos? POR CAUSA DA CORRUP-ÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO.

A terceirização de nossa consciência, de nossa ci-dadania, de nossos impostos, das riquezas nacio-nais está a ser feita em nosso nome, em nome do povo brasileiro.

Quando estiver na fila de hospitais públicos-mas--terceirizados, na fila de ônibus-públicos-mas-ter-ceirizados, diante de policiais militares que somen-te vigiam as ruas dos comerciantes que os pagam, ou diante de patrões que pagam a você o que bem querem, desrespeitando direitos trabalhistas bási-cos, essenciais, lembre-se: VOCÊ FOI TERCEIRIZA-DO, CIDADÃO SEM CIDADANIA. AGORA LUTE POR UM GOVERNO DO POVO, EM PRIMEIRA PESSOA!

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O MIRACULOSO foi à Câmara Legislativa do Dis-

trito Federal entrevistar o novo parlamentar Pro-

fessor Israel Batista, que tem como uma de suas

principais bandeiras a Educação, saber dele o que

anda promovendo na CLDF enquanto parlamentar

e sua visão sobre o tema desta edição, a Invisibi-

lidade.

O MIRACULOSO – Como é ser parlamentar na Câma-ra Legislativa do DF, que até o ano passado era conhe-cida como a casa dos horrores e considerada uma das casas legislativas mais corruptas do país?

Prof. Israel: Olha, primeiramente, ser parlamentar é ter a responsabilidade de ser o guardião da democracia. Eu acredito que a Câmara exerça um papel importante na cidade e em qualquer área de atuação. A Câma-ra Legislativa do DF é responsável por algumas boas iniciativas porém isso infelizmente não é muito bem divulgado, tornando nesse sentido, as ações positivas

quase invisíveis. Isso porque a relação da mídia tradi-cional com o poder público é muito conflituosa. A mí-dia tradicional depende da publicidade, e esta muitas vezes é paga majoritariamente pelo executivo, o que de certa forma acaba por diminuir a ação da impressa em denunciar as iniquidades do executivo. O ataque que a mídia faz ao poder executivo é absolutamente pensado e premeditado, pois envolve quase sempre uma grande quantidade de recursos. Ao mesmo tempo também, o poder judiciário tem mecanismos de defesa contra a mídia, e por isso nem sempre o que acontece no judiciário é noticiado. Já o poder legislativo, destes três poderes é aquele que menos tem defesas contra os ataques da sua imagem, porque ele é composto por 24 parlamentares que são adversários entre si.

O MIRACULOSO - Para o senhor qual o papel da im-prensa em monitorar o poder público?

Prof. Israel: Há muito que a imprensa é poder consti-tuído no mundo inteiro e tem o papel de monitorar os outros poderes. Porém atualmente não vejo um com-promisso com a qualidade da informação. Sei que o

poder legislativo tem muitos problemas, mas o achin-calhe da imagem do legislativo serve somente a inte-resses escusos. Escarnecer a imagem do poder le-gislativo significa no termo mais profundo escarnecer a democracia. Um poder legislativo deficiente significa uma democracia deficiente. O poder legislativo precisa melhorar sua imagem na opinião pública, e a imprensa tem parte nisso. Mas para isso, precisamos de uma imprensa mais reflexiva, que se aprofunde mais no conhecimento do processo político, como é o caso do Jornal O MIRACULOSO, que cumpre esta função de uma auto reflexão do papel essencial da impressa no zelo pelo compromisso ético dos poderes.

O MIRACULOSO – Qual a sua opinião sobre o marco regulatório? O senhor acredita ser necessário, visto que a constituição já regulamenta a função do jorna-lista?

Prof. Israel: Eu acredito que a imprensa precisa ser controlada pela própria imprensa. Eu sou contra mor-daças, eu prezo pela liberdade de expressão. Agora é preciso que haja pluralidade das fontes de informação, pois só assim diminuiremos a sanha dos grandes polos midiáticos por controle e poder. O marco regulatório, se houver, tem que ser amplamente debatido com a imprensa, com a sociedade civil, com políticos e em-presários, pois só assim será um ato completo e verda-deiramente democrático.

O MIRACULOSO – O que o senhor fez nestes nove meses no seu primeiro mandato como parlamentar e quais ações consegue vislumbrar até o final do man-dato?

Prof. Israel: Olha eu optei pela qualidade, só apresen-tei projetos de lei relevantes. Como é o caso do PL que obriga a padronização das escolas públicas, pois é inconcebível que na capital federal haja diferenciação entre as unidades do Plano Piloto e das cidades saté-lites. Todas as escolas devem ser padronizadas estru-turalmente, ter laboratório de informática com acesso à internet, biblioteca, auditório e quadra poliesportiva coberta. Minha proposta não era apresentar um monte de leis, pois este não é o papel do poder legislativo. A função do legislador é apresentar leis relevantes, bus-

Deputado Distrital Professor Israel Batista

E n t r e v i s t a

p o r D i o g o R a m a l h o

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cando melhorar e mudar a sociedade. Até o fim do mandato minha prioridade é que a escola pública do DF tenha um padrão mínimo de qualidade. Pois a meu ver o estado não pode fomentar a desigualdade entre seus cidadãos. Outro projeto que apresentei obriga a administração pública a usar papel reciclado porque o maior consumidor de papel do DF é o poder público. Ao comprar papel reciclado, ele vai gastar mais por cer-ca de dois anos, mas neste ínterim gera-se um ciclo econômico para baixar o preço do papel. A administra-ção publica, ao usar o papel reciclado, vai reforçar e incentivar a sociedade a adotar também a mesma me-dida, porque a administração tem condições de baixar o preço por causa da alta demanda. Há ainda o projeto “Nota mais que legal”, que concede créditos em dinhei-ro para aqueles que não tiverem que pagar o IPTU ou o IPVA.

O MIRACULOSO – Qual é sua avaliação destes 9 me-ses do governo do Agnelo no campo da educação?

Prof. Israel: Minha avaliação no campo da educação é que ele fez a faxina, mas agora já chega, está na hora de avançar. Para uma cidade que saiu de uma gestão com quatro governadores, como foi o ano passado, até que a faxina está ainda em tempo, mas chega, a se-cretária fez um bom trabalho e agora o novo secretário está com a casa arrumada para prosseguir e avançar.

O MIRACULOSO – Para o senhor o Brasil precisa de uma revolução no ensino?

Prof. Israel: Claro. Nós estamos à beira de viver um processo de desindustrialização por vários motivos. Dentre eles é que nossa população não tem condi-ções de ocupar os espaços que requer mais especia-lização. Se não houver uma revolução no ensino, não conseguiremos acompanhar os avanços tecnológicos e industriais que o país proporciona. Nesse sentido, é fundamental melhorar o ensino e a estrutura das es-colas do Brasil oferecendo uma escola de qualidade para todos.O MIRACULOSO – Como o senhor relaciona a invisibi-lidade e a educação?

Prof. Israel: Ser invisível é não ser notado, é somente fazer parte da paisagem. Um coqueiro faz parte da pai-sagem, mas é invisível. Tem pesquisas que mostram que os auxiliares de limpeza são os considerados mais invisíveis e são vistos à margem da nossa sociedade. Geralmente eles não recebem nem um “bom dia”. É como se, ao ocupar certas profissões, você se tornasse invisível automaticamente. Eu já passei por muita coisa e foi a educação que me tirou da invisibilidade. Eu ven-ci a invisibilidade estudando. As pessoas invisíveis são vistas como pessoas que não acharam o destino delas

e por isso vivem uma vida amuada, do ponto de vista profissional e social. Mas é preciso lembrar que estas pessoas invisíveis não são invisíveis para todos, elas tem uma rede de amigos, elas tem relações pessoais, elas tem uma família que os consideram importantes. A partir do momento que se percebe que aquele que é invisível para você é visível em outras circunstancias, você começa a repensar a forma como você trata es-tas pessoas. Temos que tratar todos com igualdade e carinho, e acima de tudo valorizar estas pessoas que muitas vezes ficam à margem da sociedade. Elas fa-zem parte da harmonia, contribuem e participam ati-vamente para melhorar nossa vida. As pessoas ditas “invisíveis” precisam ter na consciência que elas não são invisíveis, pelo contrário, as pessoas ruins é que as tornam invisíveis, gente que ainda não acordou que todo ser humano tem um valor intrínseco, não importa se ele é um limpador, um flanelinha ou se é um político ou empresário, todos nós temos um valor inestimável como pessoa humana.

O MIRACULOSO – Quais são suas considerações fi-nais?

Prof. Israel: Primeiro gostaria de dizer que eu procu-ro fazer um mandato com muita reflexão, procuro fugir dos lugares comuns. Quero dizer também que o pro-cesso de integração da sociedade é lento, que exige muita dedicação e muito estudo. Tudo que conquistei, foi porque busquei me qualificar e me preparar. Outra coisa que quero dizer é que o papel da pessoa que está na universidade é fundamental na construção do pensamento, na construção de novas consciências. O MIRACULOSO está de parabéns por se focar nesta te-mática da invisibilidade, pois é um tema que precisa ser debatido neste país patrimonialista, que valoriza a forma e não o conteúdo, um país que desvaloriza histo-ricamente os trabalhos braçais. Então O MIRACULO-SO trazer à tona este tema é muito importante, porque é um tema, sobretudo filosófico.

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O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiróz, é um raro caso de governador invisível. Talvez isso seja realmente uma bênção, depois de 18 anos de hipervisibilidade de Joaquim Roriz, assim como de José Roberto Arruda (cuja imagem é indissolu-velmente vinculada à de Roriz, as-sim como seu destino foi). Desse ponto de vista, Agnelo não enche o saco popular com sua insossa presen-ça. Ponto para a sua invisibilidade.

Entre o período que se inicia em 1988 e se estende até 2010 – e com o rápido e imemorável governo de Cristovam Buarque, outro político de especiosa visibilidade, de 1994 a 1998 – não se passou um dia sem que o governador de plantão fosse capa, manchete, notícia, novidade. Ser go-vernador do DF, por toda a era Roriz (1988-2010) significou exposição de corpo inteiro, em todos os assuntos.

Agnelo tem, cuidadosamente, evi-tado exposições desnecessárias e desgastantes. Eventualmente, tem sido vaiado pelo povo. Diz-se que são “rorizistas” os que vaiam, mas, ao que parece, há mais rorizistas do que gente no Distrito Federal: é vaia demais e aplauso de menos. Uma questão que deve ser feita: como alguém que foge de vaias, e é vaia-do sempre que sai da toca, pode ter sido eleito governador do DF?

A resposta é: ergueu-se sobre os om-bros de gigantes. E continua lá, de deli-cadas sapatilhas sobre os ombros for-tes de políticos mais resolvidos, mais valorosos. Seus admiradores gosta-riam que Agnelo fosse mais carismá-tico, assertivo. Outros gostariam que ele simplesmente fizesse um governo

diferente daquele que o vice-gover-nador, Tadeu Filipelli, está fazendo. De um modo geral, a avaliação po-pular é a de que “Agnelo não gover-na”, “Agnelo é fraco”, Agnelo é uma decepção”. Certamente, exageram.

Essas pesquisas de opinião popular são também invisibilizadas. Quan-do um governador tem uma imagem positiv, quando é admirado pela po-pulação, ele se mostra exuberante – e mostra também as pesquisas de opinião, que o exibem como líder querido, como político merecedor da aclamação popular. Quando um governador não tem uma imagem positiva, quando a opinião popu-lar o desmerece, tudo some: o go-vernador e suas tristes pesquisas.

Vamos salvar o Agnelo, um político com um passado de esquerda, um bom rapaz? Essa é uma campanha que não anima ninguém. Já propus isso a muitos amigos e amigas, que me respondem: “Agnelo tem que se salvar primeiro. Ele está pior que seus adversários: faz aquilo que nem Roriz nem Arruda tiveram coragem de fazer pelos empresários imobiliá-rios, por duvidosas e sinistras alian-ças políticas; o cara é uma toupeira”.

Nas relações com os empresários, seu entusiamo, sua adesão, são en-tristecedores. Agnelo tem avançado pelos atalhos abertos pelos gover-nos passados, demonstrando que sua prioridade é alimentar o empresaria-do, nem que isso custe a continuação da baderna territorial, ambiental, dos transportes, da saúde, da educação e da cultura do Distrito Federal. Tudo por uma governabilidade picareta, volúvel. Os seus eleitores estão cada

vez mais desapontados, e seus ad-versários sorriem, contentes com sua evidente inabilidade. Ao que parece, os adversários de Agnelo estão cada vez mais em alta, sem fazer nada, tão invisíveis quanto ele. Ao que parece, a invisibilidade só prejudica quem deveria aparecer de forma coerente, elogiável, decente: o próprio Agnelo.

A conclusão desta reflexão é que Ag-nelo se faz de invisível para “passar melhor”. Se continuar assim, as coi-sas vão ficar bem esquisitas: vai de-pender cada vez mais de jornalistas e de verbas publicitárias, dos políticos espertalhões e suas concessões orça-

mentárias, para garantir sua já duvido-sa governabilidade. A invisibilidade de Agnelo pode significar também a falta de contato do governador com a realidade - e da realidade com ele: um governador invisível manda menos que um governador visível. O que os olhos não vêem, o coração não sente.

Essa é, cada vez mais, a marca dos tempos de Agnelo: a percepção de que a maior parte do governo de Brasília é mantido na obscuridade. A diferença entre a invisibilidade do governador e a falta de transparência de seu governo é cada vez menor. Aparece, Agnelo! Governa, Agnelo!

AGNELO, O INVISÍVEL__ Frederico Flósculo Pinheiro Barreto __

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A um ano do fim de sua gestão, é necesssário e ur-gente ensaiar um balanço político do que representou a administração do professor José Geraldo na UnB. José Geraldo assumiu a reitoria da UnB em 2008, por meio de eleições paritárias, realizadas cinco meses após a vitoriosa ocupação estudantil da reitoria que levou ao fim a gestão corrupta de Timothy Mullholand. Embora contasse com o apoio da reitoria pro tempo-re - eleita pelo Consuni após negociações intermedia-das pelo MEC - do governo, do PT, do senador Cris-tovam Buarque e da grande maioria dos professores e servidores que historicamente fizeram oposição às gestões de Timothy e Lauro, José Geraldo teria sido derrotado pelo candidato que então representava a continuidade da gestão corrupta de Timothy caso não tivesse obtido a maioria esmagadora dos votos dos estudantes. Reconhecido militante da causa dos direitos humanos, sua base de apoio e sua equipe de trabalho eram compostas, fundamentalmente, pela maioria do que poderíamos denominar como a “es-querda” da UnB. Seu programa falava em “refundar” democraticamente a UnB por meio do que designou como a “gestão compartilhada” da universidade.

Todavia, logo de início, José Geraldo tomou uma deci-são que contrariava boa parte de sua base de apoio e acabaria por marcar o restante de sua gestão, sempre refém das pressões feitas pelo próprio grupo que José Geraldo derrotou nas urnas: optou por não proceder às devidas investigações internas sobre a corrupção en-dêmica que havia se disseminado na UnB a partir dos órgãos da administração superior e de suas relações promíscuas com as fundações privadas, e por não abrir os devidos processos administrativos disciplinares con-tra quem havia praticado corrupção, abrindo mão do exercício da autonomia universitária para deixar as investigações apenas a cargo da Controladoria Ge-ral da União, do Ministério Público e da Polícia Fede-ral. Já que estas investigações se entrecruzavam com as investigações sobre a formação de caixa 2 para as eleições municipais por parte de diversas grandes pre-feituras do país governadas pelo PT, ficava claro para todos o real significado político da omissão de José Geraldo. Na mesma linha, dois anos depois, José Ge-raldo surpreendeu a todos e dividiu sua própria equipe de gestão. Após ter sido derrotado em sua pretensão de credenciar uma fundação privada de sua confiança para operar contratos e convênios com órgãos exter-

nos, José Geraldo decidiu apoiar, no CONSUNI e junto ao MEC e ao MCT, o recredenciamento da FINATEC – fundação privada que esteve no olho do furacão dos escândalos, cujas contas foram sistematicamente re-provadas durante anos a fio pelos órgãos competentes.

Na outra ponta, José Geraldo deixou de cumprir o principal compromisso político de sua gestão: a re-alização do Congresso Estatuinte Paritário da UnB. Na prática, ao omitir-se diante da corrupção e dei-xar de convocar a Estatuinte, José Geraldo abortou a oportunidade histórica de “refundar” de fato a UnB, embora tenha feito da “refundação da UnB” o mui equívoco slogan político-publicitário de sua gestão. O discurso pautado pela mudança que havia cativado seus eleitores foi substituído em sua gestão por um conjunto de políticas e práticas que, para todos os efeitos, conservaram intactas as estruturas político--jurídicas-administrativas que haviam permitido a disseminação da corrupção na UnB. O resultado não poderia ser outro, nem poderia tardar a aparecer: há alguns meses a Polícia Federal e o Ministério Pú-blico estão investigando denúncias de corrupção nos contratos entre a UnB e as empresas prestadoras de serviço que nela operam. Independentemente dos re-sultados concretos que possam ter estas investigações sobre novos casos de corrupção na UnB, mantidas até aqui em sigilo absoluto, o simples exame dos contra-tos entre a UnB e estas empresas, e sua comparação com os míseros salários recebidos pelos trabalhado-res, evidenciam a existência de exorbitantes margens de lucro. Mais do que isso, as constantes irregulari-dades cometidas por estas empresas nas relações trabalhistas, as condições de opressão e de superex-ploração sofridas diariamente pelos trabalhadores ter-ceirizados da UnB, o assédio moral, as perseguições políticas, o cerceamento da liberdade de organização sindical e política dos trabalhadores, tudo isso con-ta com a omissão, ou mesmo com a cumplicidade, da administração superior da UnB. É neste contexto que, dentre tantas barbaridades nas relações de trabalho, testemunhamos a morte de três operários numa obra do HUB, causadas pela inobservância dos padrões exi-gidos pela legislação para preservar a vida dos operá-rios em obras da construção civil por parte da empresa contratada e pela falta de fiscalização adequada por parte da UnB. Em vez de instalar no Conselho Univer-sitário uma comissão com todas as prerrogativas ne-

cessárias para investigar os contratos da UnB com em-presas prestadoras de serviço e assim dirimir todas as suspeitas levantadas, José Geraldo, coerente com ou-tras decisões tomadas em circustâncias semelhantes, preferiu nomear uma comissão interna de sua própria confiança, e deixar a devida investigação do caso ex-clusivamente a cargo dos órgãos do governo federal.

O espaço aqui disponível nos impede de empreender uma análise de fôlego desta gestão, de seus inúmeros momentos de confusão e incompetência administrati-va, do grau de precariedade nas condições de estudo e de trabalho após a implementação do REUNI, das re-petidas oportunidades em que José Geraldo demons-trou mais lealdade ao governo a que serve do que à comunidade universitária que o elegeu, e das razões pelas quais ele descumpriu seus principais compromis-sos políticos e frustrou as expectativas de sua base de apoio na UnB, a ponto de se achar hoje numa situação de crescente isolamento político. É nesse contexto que grande parte do grupo político de professores que deu sustentação a José Geraldo e participou de sua gestão optou por dela afastar-se, de uma forma ou de outra alijados ou desiludidos com os rumos da gestão, e muitos deles foram prontamente substituídos por pessoas de fora da UnB, vindas do MEC ou de outras gestões universitárias ligadas ao governo e ao PT. Para todos os efeitos, sua gestão não se aproximou jamais da prometida “refundação da UnB”; na prática, José Geraldo não foi o legítimo representante da comuni-dade universitária junto ao governo, mas sim o repre-sentante do governo junto à comunidade universitária.

A história, assim como as urnas e as investigações em curso, se encarregará de julgar a gestão José Geraldo. Aos que se identificam com a pauta e o programa democrático de universidade pública, au-tônoma, democratizada e socialmente referencia-da que orientou o movimento Fora Timothy e toda sua máfia, tendo apoiado e participado, ou não, da gestão José Geraldo, cabe agora reunir suas forças para enfrentar os grupos de direita ligados à ad-ministração corrupta de Timothy e construir uma alternativa capaz de “refundar” de fato a UnB.

Rodrigo Dantas é professor de Filosofia da UnB

CAmINhA pArA Um trIstE fIm A gEstão Zé gErAldo NA UNB

Rodrigo Dantas

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“A viola é, apenas, um objeto de madeira e de cordas, mas,

para o violeiro, não pode ser assim. Nos versos da canção,

“Viola nova”, eu digo da viola antiga, amiga, e da viola nova,

desconhecida”.

Viola nova é burro xucro na carreira

Não tem nada de mim, não tem nada de mim

É um queira não queira, uma doma sutil

Viola amiga que de mim conhece a dor

Geme dorida cantigas de louco amor

Viola nova é gruta escura na chapada

Não tem nada de mim, não tem nada de mim

É o tateio dos dedos nas entranhas do chão

Viola amiga que do nada vê quem sou

Entoe loas segredos de quem amou

Viola nova é nem de vez e nem madura

Não tem nada de mim, não tem nada de mim

É a rudeza das cordas num pedaço de pau

Viola amiga que me faz encordoado

Cante mistérios, tiranas do encantado

Viola nova é zagaia vara curta

Não tem nada de mim, não tem nada de mim

É o abraço da onça, suas garras no aço

Garras no aço, garras no aço...

Roberto Correa

Como tocar a alquimia da viola com palavras?Opt i ca

Quando desta necessidade de apreensão do movimento,

da possibilidade superior de entendimento da mecânica

animal, apreendida para a perfeição da caçada, seus

instintos enquanto constância, sua fuga enquanto condição

de sobrevivência ou, a propriedade intendente de criação

duma matemática abstrata com aferição da incidência

de luz, espelho repartido na virtualidade que se tornou a

ação, as voluções de calor, o nó sem pontas dos efeitos

da química, a especialidade confusa, mítica, a introdução

do destino na resultante cômica, a magnética social da

origem do tempo calculado, vitrificado na condição da

carne-seca, pescoço euclidiano no fator descarteano que

assunta da existência posterior ao singelo pensamento

de que aquele fogo que arde neste fundo pineal poderia

habitasro instrumento olho, jogo da perfeição, jugo da

volúpia, ou seja, tornar estático o impossível: eis a imagem.

Fernando Aquino

c u l t u r a l

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Hipócritas também rezamBrunna Guimarães

Nossos olhos não vêem o que incomodaNossas bocas escarram preconceitoNossos pés pisoteiam coraçõesNossas mãos com rapidez fecham o vidroE lá vamos nós para a igreja com nossos carros a prova de balas..

Minha pobreza virou sinônimo de malandragemMinha cor alarme de medoMinhas mãos contagiosasMinhas lágrimas duas moedas douradasE lá vou eu comprar leite em pó pra enganar a fome dos meus filhos

Nossas preces voam longe para ÁfricaNossa compaixão não se levanta do sofáNossas lágrimas são hipócritas ou efêmerasNossos amigos só ostentam vaidadesEnquanto isso nossos filhos rezam pelo bem da humanidade

Minha dor sofre sozinhaMinha alegria é associada à cachaçaMinha revolta só tem direito à balaMeus sonhos extirpados pela vidaEnquanto isso me visto de palhaço para ganhar farelos de bondade

Nossos pecados são redimidos por um gordo padreNossas casas santuário de mentirasNosso trabalho mero vanglorioNosso ego contaminado pelo poderFora isso..doamos umas cestas básicas ali no orfanato da esquina.

Minha mãe foi pobreMinha vó mais alémMeu filho morreu de tiroMeu pai tambémHoje só me sobra a fé, que graças a Deus, é pobre também..

O cidadão no papelFranco Sampaio

A cidade pesa, como um peso,Sobre o cidadão, como se de papel,

Estaca no chão, preso,Não voa com o vento morto.

Cidadão, folha branca, não em branco,Absorve tonalidades cinzentas

Que recobrem cantos, recantos da cidade.Funde-se a muros, prédios. Paisagem.

Cidadão de papel no seu papel figurante.Não em branco, mas como se fosse,Rascunho a lápis de idéias alheias,Cedendo nas mudanças de nuance.

Borrachas passam e borram.Outros lápis e um texto novo.

Logo tudo se altera e a folha fraca,Em suas fibras, se rompe.

Sem rompantes, gesto simples,Descarta-se a folha gasta.As mãos logo pegam outra.

Há tantas. Novas, dispostas, fortes.

Folha descartada, gasta, amassada,Agora voa, pouco. Mais rola pela via.

Torna-se algo. Camaleão. Rua veste sua pele.Perde-se na esquina. Mágica, some da vista.

O papel-cidadão não mais consta do inventário.Chuvas-lágrima, ranger de dentes, despachos.

Passo em falso, passe, horários.Na usura do escritor fez-se em pedaços.

E o vento levou, enfim, o pó. Do pó ao pó. Retorno,

Movimento, constância.A cidade pesa, como um peso.

INDEPENDÊNCIAPedro Du Bois

Não sentem a minha ausênciasou substituído

não interessa a minha ausênciafui restituído

não acontece a minha ausênciasou esquecido

não transformo a minha ausênciasou descartado

não retorno da minha ausênciaas portas estão fechadasdesaparecido de todos

não sou contadocomo membro da família

que se encontra diariamentenão descarto a minha ausência

estou invisível.

literatura

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Certo dia, frente a frente comigo mesma, minha fu-tura velhice mirou-me com seus olhos angustiados através do espelho. Relato aqui algumas palavras desta nossa murmurada conversa.

Minha cara amiga Ve-lhi-ce, por que a sociedade te trata como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar?

Velhice: Fale mais baixo menina. Meu nome sem-pre foi amortalhado por este silêncio premeditado. O homem me joga no ostracismo desde que o mundo é mundo. Se antes me tratavam como refugo, rebo-talho, hoje sou vista e repelida como se doença fos-se. Tratados como párias, aqueles na qual beijo são quase sempre descartados, marginalizados ou re-cebidos com uma indiferença de sentença. O trata-mento desumano que a sociedade dá ao homem nos seus últimos anos de vida atesta o fracasso gritan-te de um projeto chamado civilização. Cegos pelo preconceito, não enxergam que cada um de vocês já está habitado pela futura velhice. Pelo contrário, preferem assumir a postura deplorável e ignorante

de não considerar os velhos como homens. Pobres coitados, vítimas de si mesmos, esquecem que as-sim só cavam mais profundamente o próprio futuro desamparado e cinzento.

Para a senhora o sistema atual se preocupa com a condição dos idosos?

Velhice: O sistema só se preocupa com o indivíduo na medida em que esse rende minha filha! E tam-bém não seja inocente a ponto de acreditar que é uma preocupação verdadeira, pois não é, pelo con-trário, passa muito longe disso. Esse teu mundo ca-pitalista somente vê o homem como material para produção de lucro. Enquanto o homem está na ati-va, de boca calada e condição mutilada de preferên-cia, enchendo os cofres dos poucos privilegiados “sapatos dourados”, a coisa vai bem ao mercado. Mas, como sabemos, essa sociedade descartável e insustentável não tem o mínimo interesse em longo prazo, nem mesmo pelo homem. Assim, tudo que ultrapassa 60 anos, aquele que passou uma vida se consumindo, se torna para este mundo mesquinho somente peso e problema. Não faça esta cara de es-panto, pois tu sabes que este sistema de exploração começa a aliciar a sociedade desde cedo. Ele abusa, amassa, amolda e suga toda a energia de seus ho-mens de forma dolorosa, e quando estes, exaustos, chegam à velhice e necessitam de apoio, recebem como pagamento somente um descaso imenso.

“Aí está o crime de nossa sociedade. Sua “política de velhice” é escandalosa. Mais escandaloso ainda, porém, é o tratamento que inflige à maioria dos ho-mens na época de sua juventude e de sua maturi-dade. A sociedade pré-fabrica a condição miserável que é o quinhão deles na última idade. É por culpa dela que a decadência senil começa prematuramen-te, que é rápida, fisicamente dolorosa, moralmente horrível porque estes indivíduos chegam a ela com as mãos vazias” (Simone Beauvoir)

A senhora acredita que a mídia reforça comporta-mentos de negação da velhice?

Velhice: Tão certo quanto a morte! A mídia, aten-dendo as necessidades viscerais do poder econô-mico, promove o engodo de que o homem pode ser eternamente jovem. A velhice escancara essa men-tira, ela é a materialização da verdade. O sistema vem tentando inibir cada vez mais o homem de pen-sar em sua finitude, pois ele sabe que a consciência da morte nos permite ter outra dimensão da vida. Uma dimensão que leva o indivíduo a refletir sobre os verdadeiros valores, valores que não cifráveis, infinitamente distantes dessa identidade fabricada para consumir de forma desenfreada a tudo e a to-dos. A ideologia do lucro promove a desconexão do homem de si mesmo, do seu processo natural, que

Diálogo com a VelhiceBrunna Guimarães

é nascer, envelhecer e morrer. Ao iludir o homem, disseminando esse sonho da juventude eterna, ela tiraniza a mente, insuflando e vomitando valores estéticos que se adequam somente às exigências do mercado.

Porque a velhice é vista com tanto preconceito?

A velhice é vista com horror, pois vocês são ensina-dos, ou melhor, domesticados a endeusar somente o que é efêmero: a beleza, a juventude, o sucesso sexual e financeiro. Iludidos, vocês renegam a re-alidade insistindo em se prenderem a esse Olimpo sem céu, mas o tempo passa, e as frustrações das promessas não cumpridas começam a bater nas feridas narcisistas. A maioria se sente infeliz ao se tornar velho, pois estreitaram suas almas a tal ponto de valorizarem somente o invólucro corpo. Enquanto a pele for o recheio mais almejado, en-quanto vocês se reconhecerem somente em suas cascas, o sistema estará sorrindo vendendo seus vidrinhos da fonte da juventude. E como caem nes-se engodo...

“A atitude dos idosos depende de sua opinião geral com relação à velhice. Eles sabem que os velhos são olhados como uma espécie inferior. Toda uma tradi-ção carregou essa palavra de um sentido pejorativo ela soa como um insulto. Assim, quando ouvimos nos chamarem de velhas, reagimos com cólera”. (Beauvoir)

Como a senhora avalia a situação dos idosos atual-mente?

Velhice: A sociedade vem fechando os olhos para a condição precária dos idosos. A maioria dos ve-lhos tem um nível de vida tão miserável que as ex-pressões velho e pobre poderiam ser sinônimas; e a maior parte dos indigentes são velhos também! Se vocês não pararem de trapacear com vocês mes-mos, não perceberem que o sentido da vida está justamente em valorizar, e não ignorar, o que vocês serão um dia, jamais irão assumir em sua totalida-de a condição humana. É preciso arrancar o estere-ótipo da infelicidade na idade avançada. A velhice é um momento da existência diferente da juventude e da maturidade, mas possui seu próprio equilíbrio, e oferece inúmeras possibilidades. Nesse sentido, é preciso arrancar o preconceito, jogar no lixo es-sas ideias estabelecidas e resgatar a dignidade dos mais velhos, oferecendo a eles melhoria da qualida-de de vida em todas as esferas.

“Os economistas e legisladores deploram o peso que os não-ativos representam para os ativos, como se estes últimos não fossem futuros não-ativos e não assegurassem seu próprio futuro ao instituir o am-paro aos idosos” (Beauvoir)

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19A intrusa Teimava em me seguir, eu bem que percebia;

Tinha gestos gentis, simpática (não bela).

Não queria assustar-me, andava com cautela,

diferente do andar da grande maioria.

Eu sempre recusei fazer-lhe companhia,

embora esta mulher me fosse sentinela

em horas de descanso. Eu não gostava dela

pela insistência atroz com que me perseguia.

Seu nome? Não sabia. Apelidei-a Intrusa.

Eu lhe fechava a porta, exibindo a recusa

em comigo a reter na partilha do lar.

No espelho, certo dia,

atrás de mim postou-se...

Quis irritar-me? Sim. Mas disse com voz doce:

— Eu me chamo Velhice e vim para ficar.

Miguel Russowsky

O tempo passa rápidoSem esperarVêm as primeiras rugasOs cabelos brancosE como um velho relógioNosso coração vai batendo mais devagarAs pernas ficam mais pesadasAs pessoas do passado Deixam de existirE você fica mais sóOs sonhos e a vida Ficam mais lentos porém não menos intensosA palavra “velha” não gostoNão por envelhecerMuito menos por enrugarMas simplesmente de ver o tempo correr e se esgotarMas é preciso pensar nisso,Pois pensando valorizamos mais a vidaE continuamos a sonhar e sonhar...

Maria Lygia Rodrigues, 86 anos

Como se Morre de Velhice

Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa

não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença

para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa

onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença.)

Cecilia Meireles

A VelhiceOlha estas velhas árvores, mais belas

Do que as árvores moças, mais amigas,

Tanto mais belas quanto mais antigas,

Vencedoras da idade e das procelas…

O homem, a fera e o inseto, à sombra delas

Vivem, livres da fome e de fadigas:

E em seus galhos abrigam-se as cantigas

E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!

Envelheçamos rindo. Envelheçamos

Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,

Agasalhando os pássaros nos ramos,

Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac

Quarenta AnosA vida é para mim, está se vendo,

Uma felicidade sem repouso;Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo

Só pode ser medido em se sofrendo.Bem sei que tudo é engano, mas sabendoDisso, persisto em me enganar… Eu ouso

Dizer que a vida foi o bem preciosoQue eu adorei. Foi meu pecado… Horrendo

Seria, agora que a velhice avança,Que me sinto completo e além da sorte,

Me agarrar a esta vida fementida.Vou fazer do meu fim minha esperança,

Ôh sono, vem!… Que eu quero amar a morte

Com o mesmo engano com que amei a vida.

Mário de Andrade

“Inventaram a casa de repou-so, eufemismo travestido de desvelo para abrigar velhinhos cansados da vida, quando foi o mundo que se cansou deles”

Eliane Brumn

(sem título)

Do susto de um verso atrasado.Súbito como uma tosse na hora do orgasmo.

A representação do espasmo.

Sobrevida como de um soluço.Do nada a existir como de um surto.

Imundo, coxo, parvo, moribundo,

Desapercebido a gaguejar um verso mudo.

Leonardo Ortegal

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O Santuários dos Pajés é um pequenino enclave de terra brasiliense ocu-pado por autênticos, verdadeiros nativos brasileiros – esses seres que estão em terra americana há pelo menos 30.000 anos, e em terra brasi-leira há cerca de 10.000 anos. Como os demais 0,5 milhão de índios bra-sileiros, os cerca de 50 habitantes do Santuário representam o que so-brou do mais bem adaptado grupo humano às condições ambientais do continente americano – um verdadeiro Éden, se comparado com a Ásia, África e Europa. Sua descendência representa 20 vezes mais experiên-cia e capacidade de sobrevivência, cultura e compreensão do passado e do futuro de nossa terra que todas as nossas universidades juntas – que não têm evitado, como no caso de Brasília, que venhamos a beber a água suja, por nossos dejetos, do lago que cerca a sede de nossa República.

Para os nativos brasileiros é absolutamente desumano e antinatural que uma tribo tão poderosa, capaz de construir edifícios tão fortes e com tanta rapidez, capaz de disparar armas de fogo tão destruidoras, com as quais um homem pode matar centenas ou milhares de outros homens, não te-nha a menor idéia de como tratar sua água, seu solo, seu lixo. E tenha, essa tribo branca, que beber a água de suas fezes e urina - evidentemente, a contragosto, pois não pode conter os esgotos de seus próprios líderes, que moram em volta do Grande Lago, do melhor lugar que há para morar.

Esses nativos brasileiros do Santuário dos Pajés estão lá, no coração do que agora é o setor Noroeste, desde a década de 1960, por força de sua pobreza: os índios são forçados a vir a Brasília, mas são tão pobres que devem se abrigar no cerrado vazio. Poucos deles têm di-nheiro para pagar um quarto de pensão na W3 Sul (e os que têm esse dinheiro arriscam morrer queimados em pontos de ônibus de Bra-sília, pelo fogo ateado pelos filhos de nossa melhor classe média).

Se houvesse nativos brasileiros a cuidar do lago Paranoá, garanto que sua água seria mais pura que a água tratada de nossas torneiras. Garan-to que não haveria fezes ou urina no lago. Garanto que não haveria in-vasores, ladrões das margens públicas do lago a impedir que as pessoas todas, e todas as tribos (ceilandeses, gamenses, planaltinenses, recan-teiros, guaranos, itapoenses, paranoanos, taguatinguenses, samambe-bes, etc.) lá se banhassem; nenhum grande chefe egoísta e desonesto, sujo, imundo, impediria o povo de Brasília de usar o seu lago, como sua propriedade comum, como uma área pública de lazer e cultura.

No entanto, o lugar até pouco tempo invisível, onde dezenas de famílias de diversas etnias nativas se abrigavam, no seio de sua Mãe Natureza, passou a ser cobiçado pelos construtores de Brasília, que querem ex-pulsar o Santuário dos Pajés do coração do novo bairro Noroeste. Usam a polícia e seus cachorros para perseguir os índios e intimidá-los, como faziam os capitães do mato, há séculos atrás, em nossa cruenta colônia.

Mais inacreditável (e irônico) é o fato de que os mesmos constru-tores e governantes que querem destruir o Santuário dos Pajés, que querem varrer esse extraordinário enclave nativo, dizem que o novo bairro é “ecológico” como nenhum outro. Logo eles, os senho-res das fezes e das urinas do lago Paranoá, os donos dos esgotos que tornam imunda a água do lago da capital de todos os brasileiros.

Se essas pessoas tivessem um mínimo de entendimento da grandeza de Brasília, saberiam que o Santuário dos Pajés é a maior oportunidade de criar algo novo para a cultura e para a história de Brasília, fora de uma trajetória de destruição do Planalto Central do Brasil. O Santuário dos Pajés, amigos e amigas de Brasília, é a semente do novo, vinda do mais profundo fundamento de nossa nacionalidade. Que o resto dessa men-tira ecológica do setor Noroeste se torne o começo da mais impressio-nante e comovente verdade de nossa formação cultural e histórica. Que o Santuário seja compreendido e respeitado, por sua lição e significado.

ÍNDIOS INVISÍVEIS V E R S U S

A CEGUEIRA DA AMBIÇÃO

Prof. Frederico Flósculo Pinheiro BarretoFaculdade de Arquitetura e Urbanismo

8214-6812 | 8638-5164 | [email protected]

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6º Seminário daEDUCAÇÃO BÁSICA

Em 2010, 97 milhões de pessoas se declararam negras, ou seja, negras ou pardas, e 91 milhões de pessoas, brancas; o que segundo o Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística – IBGE, pode ser a fecundidade mais elevada das mulheres negras ou um possível aumento de pessoas que se declararam pardas e negras.No entanto, apesar de já serem maioria, os negros continuam ausentes dos espaços de visibilidade e poder. Nesse sentido Rita Segato (2005) afirma que raça é compreendida como um signo, utilizado para organizar ou classificar categorias de pessoas a partir da cor de suas peles, indicador do posiciona-mento dos indivíduos em uma determinada sociedade; assim no Brasil a cor da pele negra é um signo ausente dos espaços públicos, não está associada à beleza, bondade, poder, autoridade e prestígio.Eu, mulher e negra me sinto violentada continuamente nesse oceano de invisibilidade, não me vejo nas novelas; não me vejo em espaços públicos,

apesar de ser servidora pública; não me vejo em cargos de confiança, não me vejo em bons restaurantes; não me vejo nos shoppings da cidade; não me vejo nas Universidades Públicas e Privadas, enfim vivo o aparthaid social.Quando me atrevo a confrontar esse aparthaid, freqüentando lugares onde supostamente não deveria estar, ou sou tratada de forma diferente; ou sou vítima de olhares que me questionam silenciosamente: Quem é você para estar aqui? O que é que você faz aqui? São olhares que tentam me restituir a UM LUGAR.... que é o lugar de inferioridade. O lugar de poder sustentado pela visão de homem branco europeu como superior à mulher, ao negro e todas as outras minorias, sufoca, agride e reforça o sentimento de menos valia. Nesse sentido, penso nos milhares de mulheres negras deste país, que não conseguiram freqüentar uma universidade e que às vezes nem emprego tem. Como elas se sentem nesses espaços sociais... e/ou em espaços institu-cionais como o sistema de saúde e instituições públicas? Talvez seja o momento de esquecer o reconhecimento do outro e nós mu-lheres negras construirmos uma base sólida para o nosso pleno autorreco-nhecimento e pensar, criar, participar e transformar a sociedade por força própria. Maioria nós já somos...

Márcia Maria da SilvaPsicóloga e Servidora Pública

EU, MULHER NEGRA RESIDENTE EM BRASÍLIA

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Sou psicóloga tem algum tempo, porém nunca paro de me indignar com algumas coisas que vejo na vida que os dias levam, penso que, enquanto me indignar, ainda é uma forma de existir, ainda sou humana. Quantas coisas para nos indignar em uma vida, pessoas, cidades, campos, trabalhos, escolas, universidades; enfim, nos lugares onde estamos.

Esses dias estava dando aula e meus alunos comen-taram que os seres humanos são seres racionais e eu respondi numa provocação dizendo que tinha dúvidas se no momento éramos mesmo seres racio-

nais e se isso ainda poderia ser o critério para nos diferenciar dos animais, e que estávamos nos desu-manizando e que era visível nossa degradação.

Um aluno concordou comigo e disse: “Professora, eu vejo cada coisa nos ônibus.” Conta-nos que sem-pre pega ônibus no mesmo horário e com as mes-mas pessoas todos os dias e um senhor de idade, ao entrar no veículo, se deparou com adolescentes universitários sentados no banco preferencial, ele então pediu educadamente o lugar para se sentar, visto como dirigem os motoristas, era urgente seu pedido, no entanto, o que ouviu e sentiu não foi hu-manidade e sim crueldade, quando um dos adoles-centes lhe disse: “você está velho, por que não fica em casa em vez de andar de ônibus por aí? Teu lu-gar não é aqui, o que pensa que está fazendo?”

Nenhum humano presente à cena abriu sua boca para dizer absolutamente nada, talvez estejam tão desumanizados que entendemos que não é neces-sário falar, pois cada um no seu quadrado como diz a música, cada um com seu umbigo a viver sua vi-dinha cômoda e medíocre, a fazer de conta que não vê, não ouve e não se importa. É apenas um idoso pedindo um lugar para sentar, nada mais.

Qual a ideia que nossos jovens têm de idosos? A de que devem estacionar e morrer em suas casas, sem

vida social, sem andar de ônibus ou qualquer meio de locomoção a fazer nada para seu tempo passar.

Não se iludam: são e estão jovens hoje no aqui e ago-ra, mas estão envelhecendo seus corpos e ideias, penso que estas já estejam bastante envelhecidas pelo preconceito de um mundo que valoriza o belo, o jovem, o moderno.

Quanta indignação causou em mim a desumani-dade desses jovens universitários. Não seria o pa-pel da universidade desenvolver a humanidade no ser? Será que realmente o que apenas importa é o pagamento no final do mês, tão somente, sem acréscimos em sua formação humana e pessoal?

Parece-me tão pouco diante do grande e necessário objetivo da educação que é o de apresentar outro mundo possível para o que nela transitam e sen-tam-se em seus bancos por longos anos, para além de conteúdos estabelecidos em programas engessa-dos.

Claro que alguns vão pensar que a universidade tem seus limites, sim e eu concordo, mas algo fa-lhou na formação para a civilidade desses jovens e onde vão adquirir tal formação? Estão se forman-do nas mais diversas áreas do conhecimento para que exatamente, para maltratar pessoas no trans-porte público? Para operar a perna errada? Para arrancar todos os dentes da boca de um deficien-te mental? Para desmerecer sofrimento psíquico? Que humanidade é essa? Que humanos estamos formando e educando? Estamos nos tornando se-res invisíveis?

Avançamos a passos largos em desumanidade que, se alguém tem uma atitude mais gentil, assustamos como o povo por aqui diz. Sim, o susto é porque não estamos acostumados com pequenas gentilezas es-pontâneas, permitir que alguém se sente no banco porque estão frágeis suas forças, deixar a vez no

O HUMANO, POR VEZES, É DESESPERADOR!Maria Emília Bottiniv

trânsito, fazer elogios sinceros, dar a mão quando alguém cai, dar um bom dia com gosto...

Onde vamos resgatar nossa humanidade perdida e tratarmos humanos como humanos?

Será que estou delirando e isso também já não nos pertence mais? Nós nos Desumanizamos e temos dificuldade de nos rever e mudar, visto que é neces-sário reverter atitudes e preconceitos. E por que não nos desculpar por sermos o que somos, ou seja, ocos por dentro?

Maria Emília Bottini é Psicóloga, Terapeuta Comu-nitária, Professora Universitária e Mestre em

Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF) Cronista do jornal Diário da Manhã de Erechim

(RS). E-mail: [email protected]

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Bruno Borges – Redator Graduado em Letras Português - UnB

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