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AVENIDA PAULISTA
O Mistério do Casarão
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JOSÉ ARAÚJO
AVENIDA PAULISTA
O Mistério do Casarão
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Copyright© 2014 #José Araújo
Título:
Avenida Paulista – O Mistério do Casarão.
Edição: José Araújo
Revisão: José Araújo
Editoração Eletrônica: José Araújo
Capa: José Araújo
1 - Literatura Brasileira. 2 - Romance. 3-Ficção
1ª Edição 2014
ISBN: 978-85-8196-610-6
A reprodução de qualquer parte desta obra é
vedada sem a prévia autorização do autor.
Esta é uma obra de ficção, portanto é fruto da
imaginação do autor e, quaisquer semelhanças dos
personagens ou coincidências, com nomes e
pessoas reais, são apenas mera casualidade.
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Dedicatória:
Dedico esta obra aos paulistanos que elegeram
a Avenida Paulista como a mais paulista de
todas as avenidas e que se orgulham de viver em
São Paulo, a cidade que nunca dorme, com seus
encantos, seus mistérios, terra de muitos amores,
tantas paixões.
Este romance, uma obra de ficção, onde nomes,
sobrenomes e qualquer semelhança com a vida
real é mera imaginação do autor, é uma
homenagem a esta avenida que ao longo dos
séculos tem sido fonte de inspiração aos poetas,
escritores e artistas de um modo geral.
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A Avenida Paulista nos dias de hoje, é o coração
financeiro de uma cidade que foi adotada por
muitos que aqui chegaram como sua segunda
mãe e nela construíram suas vidas, ajudaram a
fazer a história de São Paulo.
Muitos que nela vivem e trabalham, não
conhecem muito de sua história, mas a paixão à
primeira vista e amor que sentem por ela, nasceu
pelo simples fato dela ser simplesmente a
Avenida Paulista, palco de grandes
acontecimentos, orgulho da cidade de São Paulo
e dos paulistanos e que ainda conserva em
alguns pontos de sua extensão, alguns dos
casarões da Época de Ouro, tesouros da
arquitetura daquela época, que despertam
curiosidade aos turistas e pessoas de nosso
tempo que por ela passam, vinte e quatro horas
por dia.
José Araújo
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A AVENIDA PAULISTA
Difícil é imaginar que a região, em meados de
1782, era apenas uma grande floresta, chamada
pelos‖ índios‖ de‖ Caaguaçu‖ (em‖ tupi‖ “mato‖
grande”).‖Era‖ali,‖atravessando‖o‖sítio‖do‖Capão,‖
que a estrada da Real Grandeza cortava a
vegetação grossa por uma pequena trilha.
Quando o engenheiro uruguaio Joaquim
Eugênio de Lima, juntamente com dois sócios,
compraram a área, começaram a trabalhar na sua
urbanização de forma inovadora, criando
grandes lotes residenciais. Em 8 de dezembro de
1891, foi inaugurada a primeira via a ser
asfaltada e a primeira a ser arborizada. A
população da cidade não passava de cem mil
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habitantes quando se fez a Avenida Paulista.
Seu desenvolvimento prosseguiu com a
inauguração do Parque Villon, em 1892. Anos
mais tarde o nome do parque foi mudado para
Siqueira Campos e em seguida Parque Trianon,
como permanece até hoje. Sua área verde é
remanescente da Mata Atlântica, possuiu
espécies nativas e diversas esculturas.
Em 1903, empresários paulistas fundaram o
Instituto Pasteur de São Paulo. Direcionado para
a pesquisa do vírus rábico, desde o início, esta
instalado no mesmo edifício. O Sanatório Santa
Catarina, primeiro hospital particular da cidade,
foi construído em 1906. Atualmente, a região
abrange um dos maiores complexos hospitalares
do mundo.
Na década de 50, as construções residenciais,
com seus estilos variados, começaram a ceder
lugar aos edifícios comerciais. Um dos marcos da
arquitetura moderna foi a inauguração do
Conjunto Nacional, em 1956.
A região atraiu muitos investimentos por estar
bem localizada e por possuir grande
infraestrutura. Todo esse interesse consolidou a
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Avenida como o maior centro empresarial da
América Latina. Por causa da grande quantidade
de sedes de empresas, bancos e hotéis, a Paulista
recebe milhares de turistas de negócios todos os
dias.
Além da vocação econômica, a Avenida oferece
uma rica variedade de programas culturais. O
MASP – Museu de Arte Moderna Assis
Chateaubriand – inaugurado em 1968, possui o
acervo da arte ocidental mais significativa dos
países latinos. A Casa das Rosas foi concebida
em 1953 por Ramos de Azevedo nos padrões do
classicismo francês. A galeria de arte hoje é
tombada por seu valor histórico. Essas pérolas
culturais e tantos outros cinemas, teatros, centros
culturais e cafés instalados na Paulista garantem
um passeio repleto de opções. As pessoas que
circulam por toda sua extensão de 2,8
quilômetros, tanto utilizando o metrô, como
ônibus ou a pé, encontram diversos restaurantes
e lanchonetes, conhecem os magníficos prédios e
obras que se espalham por ali.
A Associação Paulista Viva foi criada no final da
década de 80, com o objetivo de preservar a
imagem do símbolo de São Paulo e melhorar a
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qualidade de vida de todos que frequentam a
mais famosa via da cidade, a Avenida Paulista.
A Avenida Paulista é um dos logradouros mais
importantes do município de São Paulo, a capital
do estado homônimo.
Considerada um dos principais centros
financeiros da cidade, assim como também um
dos seus pontos turísticos mais característicos, a
avenida revela sua importância não só como
polo econômico, mas também como centralidade
cultural e de entretenimento. Devido à grande
quantidade de sedes de empresas, bancos, hotéis,
Hospitais e instituições culturais, como o MASP,
movimentam-se diariamente pela Avenida
Paulista milhares de pessoas oriundas de todas
as regiões da cidade e de fora dela. Além disso, a
avenida é um importante eixo viário da cidade
ligando importantes avenidas como a Dr.
Arnaldo, a Rebouças, a 9 de Julho, a Brigadeiro
Luís Antônio, a 23 de Maio e a Rua da
Consolação.
A avenida foi criada no final do século XIX a
partir do desejo de paulistas em expandir na
cidade novas áreas residenciais que não
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estivessem localizadas imediatamente próximas
às mais movimentadas centralidades do período,
por essa época, altamente valorizadas e
totalmente ocupadas, tais como a Praça da
República, o bairro de Higienópolis e os Campos
Elísios. A Avenida Paulista foi inaugurada no
dia 8 de dezembro de 1891, por iniciativa do
engenheiro Joaquim Eugênio de Lima, para
abrigar paulistas que desejavam adquirir seu
espaço na cidade.
À época, houve grande expansão imobiliária em
terrenos de antigas fazendas e áreas devolutas, o
que deu início a um período de grande
crescimento. As novas ruas seguiam projetos
desenvolvidos por engenheiros renomados, e nas
áreas mais próximas à avenida e a seu parque
central os terrenos eram naturalmente mais caros
que nas áreas mais afastadas; não havia apenas
residências de maior porte, mas também
habitações populares, casebres e até mesmo
cocheiras em toda a região circundante (vide
memórias de Lucia Salles). Algum tempo após a
construção da avenida foram aprovadas leis que
desviavam o tráfego de muares e animais de
carga devido ao grande volume de excremento
depositado na via carroçável e à impossibilidade
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de o poder público mantê-la limpa; logo, o
tráfego foi desviado para a rua que ladeia a
Avenida Paulista e hoje é a Alameda Santos,
sendo autorizado apenas em horários pré-
estabelecidos. Seu nome seria Avenida das
Acácias ou Prado de São Paulo, mas Lima
declarou:
"Será Avenida Paulista, em homenagem aos
paulistas".
No fim dos anos 20, seu nome foi alterado para
Avenida Carlos de Campos, homenageando o
ex-presidente do estado, mas a reação da
sociedade fez com que a avenida voltasse a ter o
nome com o qual foi criada e é conhecida até os
dias de hoje.
A avenida foi aberta seguindo padrões
urbanísticos relativamente novos para a época,
seus palacetes possuíam regras de implantação
que, como conjunto, caracterizaram uma ruptura
com os tecidos urbanos tradicionais. Os novos
palacetes incorporavam os elementos da
arquitetura eclética (tornando a avenida uma
espécie de museu de estilos arquitetônicos de
períodos e lugares diversos) e dos novos
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empreendimentos norte-americanos. Estavam
todos isolados no meio dos lotes nos quais se
implantavam, configurando um tecido urbano,
diferente do restante da cidade, que alinhava a
fachada das edificações com a testada do terreno.
Isso fez com que a avenida possuísse uma
amplidão espacial inédita na cidade.
A Avenida Paulista foi a primeira via pública
asfaltada de São Paulo, com material importado
da Alemanha.
Esse perfil estritamente residencial da avenida
permaneceu até meados da década de 1950,
quando o desenvolvimento econômico da cidade
levava os novos empreendimentos comerciais e
de serviços para regiões afastadas do seu centro
histórico. Em pouco tempo, praticamente, todos
os palacetes da avenida tinham sido vendidos e
substituídos por pequenos prédios de escritórios
e comércio.
Durante as décadas de 60 e 70, porém, e
seguindo as diretrizes das novas legislações de
uso e ocupação do solo, e a valorização dos
imóveis incentivada pela especulação
imobiliária, começaram a surgir naquele local os
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seus agora característicos "espigões" - edifícios
de escritórios com 30 andares em média.
Durante esse período, a avenida passou por uma
profunda reforma paisagística. Os leitos
destinados aos veículos foram alargados e
criaram-se os calçadões, caracterizados por um
desenho branco e preto formado por mosaico
português. O projeto de redesenho da avenida
ficou a cargo do escritório da arquiteta-paisagista
Rosa Grena Kliass, enquanto o projeto do novo
mobiliário urbano da avenida foi assinado pelo
escritório Ludovico & Martino.
A avenida possui muitos restaurantes que
recebem diariamente milhares de pessoas que
moram e trabalham na região. Nela se localiza o
famoso MASP e também o parque Trianon.
Possui faixas largas para pedestres e a linha 2 do
metrô serve a avenida inteira. Tem o edifício da
FIESP, que também abriga o SESI, que, por sua
vez, possui um teatro para apresentações
gratuitas e uma biblioteca com um acervo vasto e
muitos livros novos, permitindo o empréstimo
gratuito a qualquer pessoa que leve um
comprovante de endereço.
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É famosa também a antena do prédio da
Fundação Cásper Líbero. É a maior e mais alta
da Paulista e chama a atenção devido à sua
iluminação amarelada. O mesmo prédio também
é famoso por suas escadarias, pelo Teatro
Gazeta, pela sede da TV Gazeta, da Rádio Gazeta
FM, da Faculdade Cásper Líbero e pelo cinema
Reserva Cultural.
No seu conjunto arquitetônico, possuía vários
casarões dos Barões do café. Poucos casarões
ficaram e sem duvida nenhuma, aqueles que
sobreviveram às demolições para construções de
arranha-céus e estacionamentos, despertam a
curiosidade e o encanto daqueles que por eles
passam, imaginando como seriam nos tempos de
glória e também, como teria sido a vida de seus
moradores ao longo dos tempos.
Nada mais natural do que surgirem lendas
contadas de boca a boca, das quais a maioria não
passava mesmo da mais pura imaginação,
outras, frutos de acontecimentos reais talvez
distorcidos, mal interpretados, mas seja como
for, lenda é lenda, não é mesmo?
Ou será que onde há fumaça, há fogo?
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CAPÍTULO UM
O Pavilhão de Exposições do Anhembi
estava lotado. No meio de tanta gente, de
repente alguém gritou:
—Pare! Quero falar com você!
Marília Franco de Melo ignorou a ordem,
certa de que não falavam com ela. Aliás, sentiu
pena da pobre pessoa para quem o grito fora
dirigido. Mas logo desviou a atenção, pois tinha
bastante com que se preocupar.
Como escritora havia lançado dois livros;
no entanto, aquela era a primeira vez que
participava de uma Bienal do Livro, nesse ano se
realizando em São Paulo. Seu recente
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lançamento como autora da Editora Livros &
Companhia, significava que deveria participar
desse gigantesco evento literário.
Desde que entrara no Pavilhão de
Exposições do Anhembi naquela manhã, Marília
sentira-se como uma garotinha em parque de
diversões, cheia de excitação e entusiasmo. Mas
agora era preciso cuidar do estômago. Já passava
das dezesseis horas quando resolveu deixar a
confusão da exposição e sair em busca de um
quiosque na praça de alimentação do Anhembi.
— Já disse que quero falar com você! —
repetiu a furiosa voz masculina, dessa vez
diretamente atrás dela.
Ele era alto, barba cerrada e tinha cabelos
negros e cacheados; no momento, irradiava uma
fúria incrível. Marília estava certa de que jamais
o vira em sua vida.
Olhando à volta, sentiu-se confortada pela
presença da multidão.
Mantendo a bolsa fortemente agarrada para
qualquer necessidade de autodefesa, Marília di-
rigiu-se a ele.
— Está falando comigo? — perguntou.
— Com os diabos, claro que estou falando
com você! — confirmou o homem, com uma
carranca.
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— Para ser mais exata, gritando, não é
mesmo? E qual pode ser o problema, senhor... —
Ela fez uma pausa para ler o nome escrito no
crachá que todos os participantes da Bienal
usavam. — Qual é o problema, Sr. Júlio
Montemor?
— Você — respondeu, encarando-a.
Ela olhou-o com desagrado, incapaz de
imaginar o que poderia ter feito para irritar tanto
aquele homem que nunca vira.
— Não faço ideia do que quer dizer —
respondeu bruscamente.
— Estou falando sobre meu irmão, Wilson,
e sobre o fato de ele ter ameaçado deixar a
mulher por sua causa.
Estupefata, Marília olhou para ele.
— Perdão...
— Não perdoo coisa alguma. Não há
desculpa para o que você fez.
— Creio que há algum equívoco por aqui,
Sr. Montemor. Ele a interrompeu:
— O único erro aqui foi seu, Srta. Marília.
Você é a Srta. Marília, certo? Autora da Editora
Livros & Companhia?
— Sou, sim.
— E agora finge que não conhece meu
irmão? É esse o seu jogo?
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— Não é um jogo, Sr. Montemor.
— Sair com um jovem casado é exatamente
o tipo de manobra barata que uma Lara Croft
como você usaria.
Lara Croft, a mais famosa e sexy espiã do
cinema? Ela? Marília não sabia se devia sentir-se
insultada ou elogiada. Não conseguia imaginar
ninguém mais distante do que ela, da imagem de
uma mulher sedutora. Tinha cabelos muito
longos e muito ondulados e seu corpo era muito
cheio. Também sabia que tinha olhos grandes
demais e coxas muito grossas. Seu gosto para
roupas era demasiado romântico, embora o
conjunto azul celeste que trajava agora fosse
bonito e profissional.
Todos sabiam qual o tipo de Lara Croft:
esguio, confiante e rude. Marília era uma sonha-
dora inveterada. Porém, quando zangada, podia
ser implacável.
Mas Lara Croft? De jeito nenhum. O
homem estava completamente louco.
— O nome de meu irmão é Wilson
Montemor. Wilson Montemor — continuou
Júlio, como se falasse com uma criança. — Isso a
faz lembrar-se de alguma coisa ou você anda por
aí com tantos homens que já perdeu a conta?
O último comentário não a atingiu em cheio
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porque Marília estava atenta à primeira parte
dele.
— Está falando de Wilson, o estagiário da
minha editora?
Ela jamais prestara atenção ao sobrenome
daquele rapaz. Era apenas Wilson, o estagiário.
Um deles, por falar nisso. A Livros &
Companhia tinha três, no momento.
— Esse mesmo. E tem lhe ensinado um
bocado de coisas, não é? — indagou Júlio,
cáustico.
— Bem, tenho mesmo. E para isso que ele
está lá. Para aprender.
— Escute, vou dizer apenas uma vez —
rosnou ele. — Fique longe de meu irmão.
— Vai ser um pouco difícil, já que ele
trabalha para mim — notou Marília, secamente.
— Então, demita-o.
— Não vou fazer nada disso. Além do que,
ele é um estagiário e não pode ser despedido.
Olhe, sinto saber que seu irmão está passando
por dificuldades no casamento, mas não consigo
imaginar o que isso possa ter a ver comigo.
— Ora, moça! Não acha que o fato de você
estar tendo um caso com ele seja suficiente para
criar problemas?
— Um caso?! — repetiu Marília, espantada.
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Agora tinha certeza de que Júlio Montemor era
maluco. — Ora, de jeito algum!
Era ridículo demais para sequer dar atenção
ao assunto. Era certo que eles haviam lanchado
juntos algumas vezes, mas isso não significava
terem um caso.
Aquilo fez com que Marília se sentisse
desconfortável ao pensar que Wilson pudesse
estar apaixonado por ela, que nem sequer o
notara. Uma paixão tão intensa que ele estava
ameaçando deixar a mulher por sua causa.
Coisas assim não aconteciam com ela, razão pela
qual, sem dúvida, não reconhecera antes os
sinais.
— Olhe aqui, Sr. Montemor — começou. —
Seu irmão certamente tem um problema...
— Ah, claro, jogue a culpa sobre ele.
— Ele é que é casado — lembrou ela.
— E você é que foi atrás dele, um rapaz
muito mais jovem.
— Nem tanto assim!
— Você tem idade bastante para saber isso.
— E ele também. Não que tivesse
acontecido qualquer coisa, porque não aconteceu
— esclareceu ela rapidamente, antes de
continuar. — Seu irmão está mentindo se lhe
disse que está tendo um caso comigo.
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— E você acha que eu devo acreditar na sua
palavra, é isso?
Marília acenou afirmativamente.
— A palavra de uma mulher que acabei de
conhecer contra a do irmão que ajudei a criar e
que nunca mentiu em sua vida.
— Bem, quando ele decidiu começar a
mentir, certamente começou muito bem —
retorquiu ela.
— Meu relacionamento com seu irmão é
estritamente profissional.
— Ah, é? E vai me dizer que o tratou da
mesma maneira como trata os outros colegas
dele? Eu sei que não!
A paciência de Marília se esgotava
rapidamente.
— Não, você não sabe de coisa alguma. Está
bem — concordou —, eu posso ter dado um
pouco mais de atenção a ele. Mas isso não
significa que estamos tendo um caso.
— E por que acha que meu irmão iria
mentir sobre uma coisa dessas? — perguntou
Júlio, friamente.
— Não faço ideia. Vai ter que perguntar a
ele. Talvez você tenha entendido mal o que ele
disse à mulher — sugeriu Marília. — Não posso
acreditar que tenha inventado uma história tão
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ridícula.
— É esse exatamente o ponto — concordou
Júlio. — Seria uma grande tolice mentir sobre
uma coisa como essa.
— O que não significa que ele esteja falando
a verdade — manteve Marília. — Quando voltar
ao Rio de Janeiro, com certeza vou ter que falar
com ele.
— Mais uma conversinha em seu
apartamento?
— Ele nunca esteve em meu apartamento.
— Marília fez uma pausa, lembrando uma vez
que ficara em casa para ler um contrato de
edição que Wilson lhe levara e que precisava
analisar antes de assinar. — Ah, sim. Ele foi ao
meu apartamento, uma vez. Por cinco minutos.
Talvez quinze. Eu lhe ofereci uma xícara de café.
— Bem, agora vai ter que parar com isso.
— Quantas vezes terei que lhe dizer que
não há nada entre mim e ele? — perguntou, com
os dentes cerrados.
— Pode ficar aí falando até se cansar. Isso
não quer dizer que eu acredite em uma só
palavra do que diz. Mas creia em mim quando
digo que não estou aqui para ficar vendo meu
irmão ser ferido por uma...
— Lara Croft como eu — completou
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Marília, sarcástica. — Já percebi tudo, Sr.
Montemor. E vou ficar esperando um pedido de
desculpa seu, por escrito, quando essa confusão
se esclarecer. Ele olhou-a com espanto.
— Você tem coragem, minha cara senhora.
— Engraçado... Há alguns uns minutos me
acusou de seduzir seu irmão. Agora sou uma
cara senhora. Se não fosse tão absurdo, eu estaria
profundamente insultada. Mas da maneira como
isso se apresenta, concluo que seu incrível e rude
comportamento se deva à histeria masculina —
concluiu Marília antes de virar-se sobre os saltos
e marchar para o toalete.
— Ainda não terminei! — Júlio gritou, do
lado de fora.
— Há alguma outra porta de saída aqui? —
perguntou Marília a uma moça, no toalete.
— Aquela ali dá para a área dos
expositores, perto da área de entrada do
pavilhão.
— Ótimo. Obrigada. — Seguiu para a saída
e entrou novamente, dirigindo-se para a praça de
alimentação. Em pé na longa fila da lanchonete
do Pavilhão de Exposições do Anhembi, esperou
dez minutos. Até então, Marília não havia
comido nada.
Pegou uma porção de batatas fritas, um
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Iogurte e alguns chocolates em barra para levar
consigo, o tempo todo pensando em como
deveria ter lidado com Júlio. Não estava nada
satisfeita com a maneira como ele a colocara na
defensiva. Deveria tê-lo interrompido no
momento em que começara a fazer suas ridículas
acusações.
Enfiando as compras na enorme bolsa,
Marília apressou-se em voltar ao stand de sua
editora. Mas não conseguiu tempo para comer.
Como escritora da Editora Livros & Companhia,
era seu dever responder a todas as perguntas
que os leitores lhe fizessem sobre os livros que
escrevia.
Sorrindo aos visitantes da Bienal que
passavam por ela, não conseguiu evitar se per-
guntar se Wilson, o estagiário, teria contado essa
ridícula história para mais alguém, além da mu-
lher e do irmão.
Resolveu averiguar, com discrição.
Começou com Carlos, seu editor chefe.
— Qual é a sua impressão sobre o grupo de
estagiários deste ano? — perguntou-lhe quando
tiveram uma pausa.
— Parecem legais — replicou Carlos. —
Será imaginação minha, ou eles parecem ser
mais ingênuos a cada ano?
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Marília sentiu-se tentada a perguntar sobre
Wilson especificamente, mas reconsiderou, pen-
sando que sua indagação poderia apenas desper-
tar mais especulações.
Quando voltasse ao escritório da editora iria
perguntar a ele que história era aquela e
certamente faria com que desejasse ter pensado
duas vezes antes de arrastar para a lama sua
reputação.
Voltou-se novamente para Carlos.
— Já ouviu falar na Empresa Montemor?
— Não é aquela companhia de vanguarda
da nova tecnologia de Tablets?
— Tab o quê? Fale claro comigo, Carlos!
— Esqueci que estava diante de uma autora
que tem medo de ligar o computador de sua pró-
pria mesa.
— Não tenho medo de ligá-lo — disse
Marília calmamente. — Nós nos entendemos. Eu
não o perturbo e ele não me amola.
— Ele poderia facilitar seu trabalho um
bocado.
— Sei muito bem que terei de aprender a
usá-lo eventualmente — admitiu ela. — Mas não
tenho pressa, já que o restante do escritório ainda
não está todo conectado.
— Estará até o fim do ano.
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— Vamos voltar à Empresa Montemor e ao
tal de Tablet? O que é isso, afinal.
— Trata-se de um dispositivo multimídia
com várias funções, capaz de executar arquivos
de múltiplos formatos de áudio, vídeo e e-book,
além do acesso à internet. Que tal ter sua própria
biblioteca com centenas dos mais importantes
livros do mundo na palma da sua mão para ler
como e onde quiser?
— Quem é que vai querer ficar olhando
para uma tela em vez de ler um livro impresso
no conforto de sua própria poltrona? —
perguntou ela, admirada pela simples ideia.
— O século vinte e dois está a caminho,
meu bem. Lembrou Carlos.
— Nem me lembre disso — murmurou.
— Então, por que o interesse na Empresa
Montemor?
— Acabei de encontrar Júlio Montemor...
— Não brinca! Ele é considerado um
visionário da tecnologia do futuro. Um
verdadeiro garoto prodígio.
— Ele não é um garoto — retorquiu Marília
—, apesar de ter um irmão mais jovem. Nosso
próprio Wilson, o estagiário.
— Qual deles é esse? — indagou Carlos.
O mentiroso, o enganador, Marília ficou