o nascer da nova aurora (r)
DESCRIPTION
Coletânea de artigos de opinião de caráter social e espiritualista.TRANSCRIPT
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 1
O nascer da nova Aurora…
Contos & Crónicas
De
Aurora Serena
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 2
ÍNDICE
I - De que vale ser ético
II – O que realmente tem valor leva tempo
III – O tamanho de Deus
IV – Tempo que foge
V – Diversidade Sexual
Epílogo
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 3
I
DE QUE VALE SER ÉTICO?
A cada dia, novos escândalos e revelações trazem à tona a podridão ética que parece
assolar todas as instituições humanas contemporâneas. Por onde quer que se observe,
seja em ambientes profissionais ou sociais, seja atravessando a rua ou aguardando na
fila da padaria, avolumam-se os exemplos de ausência de valores básicos de
civilidade e respeito ao próximo. Até mesmo as leis, cujo descumprimento está
atrelado a sanções bem definidas, são fragorosamente infringidas em plena luz do dia,
sob o olhar indiferente dos cidadãos comuns e daqueles que as deveriam fiscalizar.
Chegamos a um ponto em que aqueles que agem eticamente são vistos com
estranheza, admiração, surpresa, e não raro como ingênuos ou “otários”. De toda
forma, como exceções perante a massa, que trafega pela vida como em meio ao
estouro de uma boiada, “muito ocupada” para atentar ao pé mais próximo...
Nesse quadro, muitas pessoas experimentam sentimentos que vão da indignação à
raiva, passando pela impotência e alcançando por vezes a total desesperança... Diante
de toda a acintosa falta de respeito, com tantos obtendo vantagens por caminhos
escusos, dando um “jeitinho” para se esforçar menos e receber mais, preocupando-se
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 4
em beneficiar a si próprios em detrimento dos demais, frequentemente surge a
pergunta, em tom de desabafo: “Afinal, de que vale ser ético?” Ou ainda: “De que
vale fazer o correto, quando todos obtêm vantagens fazendo o errado?”; “Serei eu o
único certo?”; “Por que me importar com os outros, se a maioria não parece se
importar comigo?”; dentre outras reflexões de semelhante teor.
E, afinal, de que vale ser ético?
Para alguns filósofos, a ética se baseia na questão: “Como devo agir?”, que conduz ao
estabelecimento de princípios ou valores como norte da conduta humana. A noção do
“agir correto” parece ser uma necessidade tanto individual quanto social, uma vez
que é remetida a um ideal de ser humano, bem como a um ideal de sociedade. Em
outras palavras, a consciência ética aponta para o ser humano que quero ser, assim
como para a sociedade em que desejo viver.
Por mais tímida que seja, todos possuem uma “imagem ideal” de si mesmos. Quando
se apercebem de que suas ações contrariaram, de alguma forma, esse ideal, as pessoas
vivenciam culpa ou vergonha. Na visão da psicologia, um indivíduo que atingiu um
elevado grau de consciência ética, chamado de autonomia moral, age corretamente
não pelo receio de ser punido ou buscando ser recompensado, tampouco para ser bem
visto socialmente ou por mero compromisso com os padrões de determinado grupo.
Seu agir baseia-se em princípios que intimamente aceitou como verdadeiros e
válidos, independentemente de circunstâncias externas. No mais alto grau, essa
consciência pode conduzir o ser humano a sacrificar a própria vida para defender seus
valores.
Assim, a conduta ética genuína é pautada, em primeiro lugar, por um compromisso
do ser humano consigo próprio. Por acreditar em seu próprio potencial de se
aproximar, passo a passo, da pessoal ideal que gostaria de se tornar. Pela vontade de
se olhar no espelho e sentir que está sendo fiel ao seu próprio “eu” – o que alguns
chamaram de “integridade”. Quanto vale esse tipo de satisfação?
Mesmo que envolvida pelo caos, uma pessoa em paz consigo mesma irradia uma
onda apaziguadora, que suavemente alcança os que a rodeiam. Com gestos simples e
silenciosos, é como se aplicasse um bálsamo sobre a inquietação interior que aflige a
tantos atualmente. Um olhar tranquilo e compreensivo, uma atitude gentil, perpassada
por alegria serena – manifestações que têm o poder de iluminar o dia, a semana, a
vida de alguém... Uma atitude firme, quiçá enérgica, cheia de dignidade e da ânsia de
restabelecer a justiça – manifestações que revelam comprometimento com o próximo
e com a sociedade ideal que se deseja construir... Diferentes nuances que, como
pontos de luz em meio à massa que se agita inconscientemente, podem inspirar outras
pessoas a recuperarem a crença de que vale a pena ser ético, formando uma corrente
bem-aventurada...
E eis que, quando menos se espera, o ambiente ao redor parece ter se tornado mais
ameno, mais sorrisos e gentilezas se revelam, auxílios inusitados aparecem, pessoas
simples de nobre caráter surgem aqui e ali, e vejo-me caminhando pela rua em uma
manhã ensolarada, pensando: “E não é que vale a pena ser ética...?”
Aurora Serena
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 5
II
O QUE REALMENTE TEM VALOR LEVA TEMPO...
“Tudo o que realmente tem valor na vida leva tempo para ser construído” – ensinava
o experiente profissional, de cabelos grisalhos e olhar longínquo, aos jovens
formandos. Ao final de uma longa exposição sobre assuntos profissionais, o
palestrante destacava que valores como os relacionamentos, o casamento, o
patrimônio, a saúde, entre outros, são edificados aos poucos, e não devem ser
colocados em risco irrefletidamente. Expressava, assim, a essência do aprendizado de
uma vida, na forma de conselho para a plateia composta predominantemente por
jovens, prestes a iniciarem sua vida profissional.
Embora não fizesse parte desse grupo, também eu ouvira aquelas palavras. Pus-me a
pensar na profundidade daquela mensagem, que lançava luz sobre um processo que,
nos dias de hoje, frequentemente permanece invisível. Lembrei-me do livro “O
Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, particularmente da passagem em que o
principezinho dialoga com sua amiga raposa, depois de descobrir, decepcionado, que
havia milhares de flores iguais à sua rosa de estimação, a qual julgava ser única no
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 6
mundo. Mas eis que, após algumas vivências, ele percebe que sua rosa era realmente
diferente das demais, e vai rever as rosas no jardim, dizendo-lhes:
- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém
ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era
uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no
mundo.
E prossegue:
- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vós. Minha rosa,
sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é,
porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus
sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as
larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei
queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.1
O relacionamento do pequeno príncipe com sua rosa fez-me lembrar de uma visita
que fiz a uma plantação de rosas, juntamente com um grupo, em uma bela cidade do
interior de São Paulo. Não havia quem não se impressionasse com a majestade
daquela visão: um campo de rosas! Todas as pessoas voltavam maravilhadas do
passeio. Da mesma forma, outras situações em nosso cotidiano, quando observadas,
despertam a admiração de muitos: um relacionamento em que reinam a harmonia e a
cumplicidade, a maestria em uma profissão, o profundo conhecimento em
determinada área, um trabalho realizado com excelência...
Entretanto, ao mesmo tempo em que despertam admiração, tais manifestações por
vezes suscitam também certa inveja: julga-se como se algumas pessoas, sem esforço,
tivessem sido “presenteadas” pela vida excepcionalmente, como se as rosas tivessem
brotado espontaneamente naquele campo!
Não se enxerga o árduo trabalho do agricultor, que, ainda que tenha sido agraciado
com um especial dom para sua tarefa, teve que empregá-lo diligentemente: retirando
as pedras e ervas- daninhas do solo, arando e adubando a terra, lançando as sementes
e protegendo-as dos excessos de sol e chuva, repelindo as pragas, monitorando as
mudas dia a dia, até que se tornassem plantas robustas e florescessem. E, após o
espetáculo da florescência, deve começar tudo outra vez... Quanta dedicação, quanta
renúncia e esperança escondem-se por trás de um campo florido!
Tenho a impressão de que tal processo lógico, subjacente a muitas realizações
humanas, tem sido frequentemente esquecido. Muitas pessoas se queixam de não
terem flores em suas vidas, mas sequer pensam em preparar a terra para semeá-las!
Talvez as facilidades da vida atual tenham contribuído para esse “esquecimento”.
Novamente, relembro um conselho dado ao Pequeno Príncipe: “A gente só conhece
bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de
conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem
lojas de amigos, os homens não têm mais amigos.”2
1 SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. 28. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1985. p.72.
2 Obra citada, p. 70
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 7
Compramos tantos produtos enlatados nas lojas, que desaprendemos a plantá-los.
Desacostumamo-nos a esse tipo de investimento. Parece que, atualmente, tudo o que
leva tempo, é perda de tempo. Preferimos o prazer fácil e rápido, em todas as áreas da
existência. Vivemos em um mundo de flores de plástico, produzidas aos milhões, em
série, e rapidamente descartadas, depois de cessada a satisfação momentânea que
suscitam.
Porém, apesar de todo o avanço científico-tecnológico e da liberalização dos
costumes, as leis da vida não se modificaram. As rosas continuam germinando e
florescendo da mesma forma, assim como os relacionamentos, as capacidades, as
realizações que têm efetiva consistência... Como ensinou o palestrante citado no
início deste texto, as coisas que “realmente têm valor na vida” continuam levando
tempo para ser construídas. Mesmo que muitos olhares superficiais e imediatistas,
habituados a consumir plástico reluzente, não reconheçam esse valor...
Felizmente, cada vez mais pessoas começam a despertar para o fato de que todo o
“plástico” disseminado em nossa sociedade não nutre nem o corpo, nem a alma.
Lentamente ressurge o anseio, às vezes inconsciente, por verdadeiras flores. É preciso
resgatar o valor das coisas, é preciso reaprender a plantar! Precisamos reaprender a
cultivar e esperar, vigiar e proteger, em harmonia com as Leis da Criação, como
faziam com tanta naturalidade nossos antepassados.
Que cada um possa reconhecer o valor das rosas (ou brotos de rosas) que possui e
decidir o que ainda deseja plantar, como valente agricultor, para colher no futuro!
Aurora Serena
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 8
III
O TAMANHO DE DEUS
Quando criança, às vezes era levada à missa por meus pais ou avós e ouvia frases do
tipo: “Ele está no meio de nós!”; “O nosso coração está em Deus!”; dentre tantas
outras que integram a liturgia católica. Com o tempo, fui crescendo e passei a ouvir
outras frases, tais como: “Deus está dentro de cada um”; “Deus é uma Força
Superior”; “Deus está em todos os lugares”; “Deus é uma energia”... Hoje mesmo
recebi a mensagem eletrônica de um amigo, que destacava descobertas da física
quântica e concluía que “Deus é puro amor, é uma energia...”, e que também somos
feitos de energia, já que “somos a imagem e semelhança de Deus”.
No início, Deus era um ente abstrato, Pai de um homem que eu via pregado em uma
imensa cruz no centro do altar, sem compreender como Ele poderia ter enviado seu
próprio Filho àquele sacrifício horrível... Um Ser Superior que, diga-se de passagem,
não se conhecia muito bem, com desígnios misteriosos, para o qual, por via das
dúvidas, era melhor orar constantemente – talvez até fazer algumas promessas. O
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 9
“plano básico”, tipo classe econômica, para ir para o Céu implicava comparecer todos
os domingos à missa; já para conseguir um lugar na primeira classe era necessário
participar de muitas novenas e atividades voluntárias na Igreja...
Mais tarde, observei como para muitas pessoas Deus não era a autoridade misteriosa
da minha infância, e sim um ser diluído, quase uma substância, que se difundia como
o ar, confundindo-se com outros seres. Sem inspirar medo ou culpa, consistia em uma
entidade impessoal, às vezes o Bem Universal que perpassava tudo e todos, a cujo
fluxo os seres humanos deveriam se ajustar para viver em paz. Tal concepção não
raro caminhava para a ideia de um amor irrestrito e indolente, que permitiria e
suportaria tudo, sem qualquer tipo de parâmetro ou limite.
Na infinidade de opções religiosas e filosóficas da atualidade, concepções
semelhantes continuam sendo sustentadas, embora também sob títulos e cores
diferentes. Sem falar nas correntes que consideram Deus como mero produto de
fantasia, fruto da carência humana de buscar ordem e coerência para sua existência,
que na verdade não possuiria sentido algum – além daquele criado pelos próprios
homens a cada época...
Entretanto, diante da confusão que cada vez mais se dissemina na época presente, do
caos e mesmo do desespero que tantos vivenciam, nos planos individual e coletivo,
muitas pessoas sentem reavivar dentro de si o anseio pela Divindade... Lentamente ou
então de forma abrupta, surge o grito interior por uma nova vida, mais plena de amor
e sentido, de justiça e esperança. Nesse momento, o querer profundo do ser humano
não é pela autoridade arbitrária para a qual rendem sacrifícios tantos fiéis, nem pela
energia indefinida que se dissipa como fumaça, mas por uma imagem que não se
pode definir, uma Luz que nos acolhe e encaminha para o verdadeiro Lar... Lá dentro,
no fundo da alma, temos então a certeza de que há uma Realidade Maior, que nossos
olhos carnais não podem ver, mas à qual gostaríamos tanto de pertencer...
Manter viva essa sabedoria, despertada do fundo de nossa alma em meio ao caos pós-
moderno, é um passo decisivo para a “virada” na existência humana. Acreditar nessa
certeza íntima, a despeito de tantas tribulações e argumentos que tentam nos desviar
de nós mesmos no dia a dia, e buscar caminhar com o coração conectado a esse
anseio – uma vontade urgente de reencontrar a estrada que conduz aos braços do Pai
– impulsiona cada um a buscar um novo conceito de Deus. Um conceito que não se
restrinja ao tamanho da mente humana – que parece mais limitada a cada dia, apesar
da frenética escalada material – e às cansativas ponderações do raciocínio. Que
possua a imensidão de um Manancial Inesgotável, onde nossas almas, há tanto
sedentas, possam sorver da fonte da Verdadeira Vida...
Aurora Serena
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 10
IV
TEMPO QUE FOGE
Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia.
(Mario Quintana)
Chegou o dia da tão esperada promoção. Finalmente, ele ocuparia o cargo com que
tanto sonhara. Os telefonemas dos amigos, o orgulho de “ter chegado lá”, após tantos
sacrifícios... O troféu a exibir para a família, que tantas vezes fora deixada em último
plano por conta de sua intensa vida profissional... É bem verdade que muitos
comemoravam sua ascensão na carreira às avessas: alegravam-se porque não
precisariam mais compartilhar seu dia a dia com essa personagem. Prepotente, diriam
alguns. “Alguém com um ego imenso”, qualificariam outros. De fato, não era dado a
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 11
ouvir opiniões divergentes das suas. Tão convencido estava de suas elevadas
qualidades, que esperava que os demais o seguissem e admirassem. Impiedoso nas
humilhações aos que o desagradassem, esmerava-se em cultivar uma imagem de
excelente profissional perante seus chefes. Envaidecia-se de sua grande resistência
física e mental, dedicando-se inteiramente ao trabalho, e exigia que seus
subordinados o imitassem. Não tolerava os simplesmente diferentes de seu ideal de
vida. Afinal, ele era forte, vitorioso e merecia reconhecimento. E, agora, as escolhas
que fizera pareciam ser pública e inequivocamente recompensadas: ele chegara a uma
situação de elevado status profissional, invejada por muitos. Quase não cabia em si
de tanta vaidade e euforia. Uma semana após receber essa festejada notícia,
sobreveio-lhe o resultado de um diagnóstico médico. Câncer. Seu auge profissional
foi subitamente interrompido.
***********
Desde criança, ela fora a melhor aluna da classe. Gostava de aprender. Tinha
facilidade em assimilar novos conhecimentos e dedicava-se com disciplina às
atividades escolares. Na adolescência, passava as tardes de sábado a resolver os
problemas-desafios de Física, vivenciando a satisfação de encontrar as respostas
certas. Colegas e professores consideravam-na “genial”. Com o passar dos anos,
acostumara-se a exigir de si própria um elevado nível em seus trabalhos, também
motivada pelo desejo do reconhecimento alheio. Ser “uma boa aluna”,“uma estudante
brilhante” ou alguém que fazia “um excepcional trabalho" eram conceitos que faziam
parte de sua autoimagem, com a qual buscava ser coerente. Em primeiro lugar,
sempre vinham tais obrigações. Relacionamentos, prazeres, sentimentos, intuições...
tinham pouco espaço na agenda. Certo dia, entre um relatório e outro, atribulada para
cumprir o prazo e apresentar um trabalho próximo da perfeição, ouviu uma pessoa
gritando. Sua cachorrinha havia sido atropelada. O que antes era prioridade, perdeu
totalmente o sentido. Naquele momento, pensou que deixaria de entregar todos os
trabalhos, de cumprir todos os prazos e obrigações, de atender a todas as
expectativas, se pudesse voltar no tempo e trazer aquele frágil animalzinho de volta...
***********
Ele se parecia com um deus grego, na opinião da plateia feminina. Belo,
saudável, inteligente, arrancava suspiros por onde passasse, o que lhe permitia se
relacionar com as mulheres que desejasse. Cultivava erudição pela leitura de
clássicos da filosofia e da literatura, e adotava uma alimentação rigorosamente
saudável. Aliás, esmerava-se em cuidar de si próprio, muito mais do que daqueles
que o cercavam. De porte atlético, praticava diversos esportes radicais na Natureza,
destacando-se pela audácia e destreza. Para ele não havia perigo. Acreditava possuir
habilidade e inteligência suficientes para enfrentar qualquer adversidade. Em sua
obstinação, mergulhou literalmente fundo demais, faltando-lhe o ar vital. De posse da
plena força da juventude, pôs fim à sua existência terrena.
***********
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 12
Histórias de cortes, interrupções no curso da existência. Pessoas que
acreditavam ter as rédeas de suas vidas nas mãos, surpreendidas por “golpes do
destino”. Julgavam ter poder para controlar o tempo, com suas tão estimadas
capacidades, e eis que este lhes escapou... Surgiram desfechos que a Senhora Razão
não conseguira prever. O que se pode concluir disso?
Abdruschin, em sua obra “Na Luz da Verdade”, ensina:
“Lamentável é ver como o ser humano terreno se empenha diligentemente
para seu retrocesso e, com isso, para sua queda, na crença errônea de que com isso
caminha para cima.” (Na Luz da Verdade, Vol. 3, p. 359).
O que buscavam essas três personagens em sua existência? Que valores
norteavam seus esforços? Haveria, essencialmente, algum ideal maior, além da
autoglorificação? Obter poder, testar capacidades, superar limites, alcançar
reconhecimento social... Não seria tudo isso fundamentalmente um exercício de
vaidade?
“Não existe palavra que possa designar acertadamente tal presunçosa
arrogância em sua ilimitada ignorância. Aprofundai-vos nesse comportamento
inacreditável; imaginai o ser humano terreno, como ele, com ares de importância,
quer se colocar acima da engrenagem da obra maravilhosa desta Criação de Deus,
para ele até agora desconhecida, a fim de dirigi-la, ao invés de ajustar-se nela
obedientemente, como uma pequena parte dela... então, não sabereis se deveis rir ou
chorar!” (ABDRUSCHIN, Na Luz da Verdade, Vol. 3, p. 359).
Os seres humanos aqui retratados vivenciaram situações-limites, em que
tiveram a oportunidade de reconhecer a legítima verdade: que são ínfimas parcelas da
Criação, extremamente limitadas, as quais não podem estabelecer as leis que irão
reger seu destino. E que há valores infinitamente superiores aos cálculos do
raciocínio, por vezes só reconhecidos em momentos de perda...
O que fizeram essas três personagens, a partir desses fatos? Não se pode dizer
com certeza. Sabe-se, sim, que a cada uma foi proporcionada, mais uma vez, a
escolha: reconhecer os valores essenciais da existência humana, buscando
humildemente integrar-se às Leis da Verdadeira Vida; ou continuar a considerar-se o
próprio centro do Universo, perseguindo objetivos egoísticos, como um cego
arrogante que, apesar das advertências, caminha obstinadamente em direção ao
abismo.
Aurora Serena
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 13
V
DIVERSIDADE SEXUAL: O QUE HÁ POR TRÁS DESSA BANDEIRA?
Por muito tempo, o assunto não foi tratado com a devida seriedade no âmbito da
sociedade brasileira, tornando-se alvo de deboches, reações extremadas ou
constrangidas reticências. Sutilmente, porém, foi entrando nos lares com enfoque
diferente, tendo como porta-vozes artistas, intelectuais e autores de filmes e
telenovelas. Ao ponto de, na atualidade, ganhar expressão política de luta por
direitos, voltada não apenas à legitimação social de uma opção de vida, mas à
consagração de uma concepção da natureza humana e do sentido de sua existência.
O tema da diversidade sexual raramente é abordado com a necessária profundidade
nas discussões contemporâneas. Alguns buscam no código genético ou no
funcionamento cerebral explicações para a variabilidade de preferências afetivo-
sexuais dos seres humanos, especialmente quando se trata de aparentes desvios na
destinação biológica da sexualidade. Outros atribuem a fatores de ordem social, como
as influências recebidas (ou não recebidas) ao longo do desenvolvimento infantil, o
fato de homens e mulheres identificarem-se ou não com pessoas do mesmo sexo,
passando a adotar padrões de conduta mais ou menos adequados aos estereótipos
sexuais vigentes em determinada cultura. Sem falar nas reações de conotação
moralista, que consideram os desviantes da sexualidade considerada normal como
merecedores dos piores castigos, por seus comportamentos tidos a priori como
imorais.
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 14
Atualmente, vem ganhando força uma leitura de mundo que caminha para um total
relativismo na compreensão do que é o ser humano e da finalidade de sua existência.
Segundo essa visão, independentemente dos fatores que levariam as pessoas a
adotarem uma ou outra conduta, seja no campo sexual ou em qualquer outro, a
verdadeira bandeira a ser defendida é esta: tudo vale, não há nada fixo ou pré-
definido quando se trata da humanidade, os valores mudam com o tempo, não podem
ser estabelecidos parâmetros universais, qualquer escolha pode ser feita e refeita sem
maiores consequências, deve-se respeitar irrestritamente as diferenças, em um mundo
em que o supremo valor se torna o prazer e a realização individual ilimitados.
Mas, afinal, qual é o problema dessa bandeira colorida e reluzente? Não é lícito que
as pessoas persigam satisfação e felicidade? Não possui o ser humano livre-arbítrio,
para decidir livremente que tipo de vida deseja para si? É preciso avançar nessa
discussão.
A questão de fundo, chave para todas as respostas, é justamente esta: “o que é o ser
humano?”. Tanto as concepções que atribuem a origem das condutas humanas a
aspectos biológicos, quanto as que atribuem às influências sociais recebidas, ou ainda
a uma conjugação de ambos os fatores, fundamentam-se em uma visão materialista
do Homem. Assim, o ser humano poderia ser resumido ao seu corpo físico, que
possui também um cérebro que responde aos estímulos ambientais, cuja influência
iria aos poucos configurando a forma particular de ser de cada pessoa. Na vida em
sociedade, cada um buscaria suprir suas necessidades e desejos, que encontrariam seu
fundamento e satisfação na materialidade. A organização social seria uma estrutura
arbitrária criada com esse fim principal, modificando-se basicamente de acordo com
o nível de desenvolvimento (material, tecnológico, racional...) alcançado pela
humanidade a cada época. Os anseios por valores e experiências transcendentes, que
vez por outra atravessam os seres humanos, não passariam de fantasias produzidas
por seu intelecto, ilusões criadas para preencher um vazio existencial que seria
inevitável e mesmo constitutivo da espécie humana.
Pode-se constatar que essa visão do ser humano termina no deserto, no completo
abandono e desolação, na matéria fria e inerte. Não é de se admirar que muitos dos
adeptos dessa forma de pensamento procurem euforia e entorpecimento em
experiências materiais de várias modalidades, visando aplacar o vazio existencial que
eles próprios escolheram.
Muitas pessoas mergulharam tão fundo nessa espécie de limitação, que perderam a
capacidade de reconhecer sua verdadeira essência. E com isso perderam o encanto e a
alegria de viver, a esperança em dias melhores, o desejo de atuar construtivamente
em seu ambiente. Chegamos ao tempo em que o que importa é o “eu”, em detrimento
do “nós”. E esse “eu” tornou-se um mero joguete da mídia e da manipulação social,
sem coragem para expressar e assumir o autêntico ponto de vista que reside em seu
íntimo. O problema da bandeira relativista é que ela oculta, sob um falso discurso
libertário, a total aniquilação de valores propriamente humanos e o explícito
descompromisso com a coletividade. Pois, em um mundo em que “tudo vale”, nada
tem efetivo valor, e a afronta a valores fundamentais acaba sendo imposta à
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 15
sociedade, atônita e silenciosa, sob a máscara da “tolerância” sem limites, corroendo
a visão de mundo e a perspectiva de futuro coletivas.
A solução para os inúmeros conflitos da sociedade contemporânea, incluindo o
enigma das diversas configurações sexuais - que hoje parecem vir à luz do dia com
toda a energia -, somente pode ser encontrada no conhecimento profundo da natureza
humana. Em última análise, tal conhecimento implica considerar que o ser humano
possui, sim, dimensões biológicas e sociais, mas que a própria configuração dessas
dimensões engendra-se também pela atuação de outros elementos, de ordem
imaterial. Em outras palavras, o sentido profundo da existência humana transcende os
aspectos meramente materiais, abrangendo uma dimensão espiritual.
Ao reconhecer sua essência espiritual, sede do verdadeiro eu, o ser humano poderá
buscar novas compreensões acerca de si mesmo e das inúmeras questões que
perpassam a existência humana, incluindo o papel da feminilidade e da
masculinidade no Universo. Ao se aprofundar nesse novo conhecimento, adquirirá
clareza a respeito do significado profundo de ser homem ou mulher, assim como das
causas dos sofrimentos e confusões tão comuns em nossos dias, ultrapassando visões
estritamente materialistas. E vislumbrará, finalmente, que a autêntica liberdade só
poderá ser alcançada pela sábia integração às Leis Universais, que regem a Criação
através de todos os tempos.
Nessa época de acentuadas convulsões sociais, cada pessoa que se preza sua vida
interior, sua integridade e seu futuro, deve estar atenta às bandeiras desfraldadas com
veemência, sob altissonantes palavras de ordem. Mais do que as palavras, deve
observar as atitudes de seus emissores, suas expressões não verbais, percebendo as
reações que tais elementos despertam em seu íntimo. Então, mesmo que não consiga
explicar racionalmente, mesmo que sua percepção seja considerada como
“politicamente incorreta”, terá vislumbrado as reais intenções por trás de determinada
bandeira, reconhecendo se ela de fato sinaliza o caminho que conduzirá a
humanidade à tão almejada felicidade.
Aurora Serena
Círculo do Graal
http://www.library.com.br/artigosdiversos/index2.htm Página 16
EPÍLOGO
Aurora Serena nasceu em Terras de Vera Cruz, esse imenso País que dá ao mundo
literário tantos e bons escritores, poetas… que expressando-se na lingua de Camões
lhe dão vida, calor e alegria!
É em ritmo de vida pulsante que as palavras fluem na página branca, criando
personagens e acontecimentos, acompanhados de séquito prenhe de valores,
angústias, alegrias e tristezas, próprio do ser humano, buscador de caminhos que o
conduzam a porto seguro.
Uma personalidade feminina em busca de aprofundamento sobre as questões da
existência humana, companhia para as almas inquietas na procura pelo saber, que
insistem em não se acomodar ao sono da consciência.
A autora segue um novo caminho de valores, orientada segundo os principios éticos
do comportamento humano e da sã convivência. Escrita simples e fluída, traça ritmos
singulares do quotidiano.
Uma nova aurora… um novo dia…
Ricardo Martins