o novo rural: um estudo sobre a cultura de flores em nova...
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Laleska Costa de Freitas
Professor Orientador: Dr. Nilton Abranches Júnior
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Monitora da disciplina “Geografia Agrária”
O novo rural: um estudo sobre a cultura de flores em Nova
Friburgo
INTRODUÇÃO
Há um adjetivo que qualifica o atual século: complexo. Ou seja, este século é o
“que abarca e compreende vários elementos e/ou aspectos distintos cujas múltiplas
formas possuem relações de interdependência; muitas vezes de difícil compreensão:
cultura complexa”. Tal qual seu tempo, o rural também não é facilmente compreensível,
onde somente havia uma relação agrícola com sua terra, agora há mais formas de
trabalho que já se podem chamar de “rurais”.
Tanto quanto o uso da terra, a definição do rural por seu antônimo, o urbano, não
facilita sua significação. Na segunda forma espacial na história da sociedade,
classificado pelo autor Ruy Moreira, utilizar a oposição dos dois vocábulos era possível.
Na cidade havia a divisão social do trabalho e a ausência de atividade agrícola, que
influenciou a estruturação espacial da mesma, enquanto o campo era onde isto não
acontecia. Esta diferença era delimitada às vezes por um muro – adentro do muro era a
urbes, afora o rural. Mas agora isto não é tão visível.
Roberto Lobato Corrêa define o espaço urbano como um complexo conjunto de
usos da terra, simultaneamente fragmentado e articulado. Seguindo a lógica de que o
rural é o contrário do urbano, ele deveria ter poucas opções de uso da terra – como
antigamente, área agrícola e um pequeno centro administrativo – e não deveria ser tão
fragmentado ou articulado. Não é este o cenário do campo, do espaço rural: há uma
maior variedade funcional do solo, uma fragmentação de seu espaço e em alguns casos
até uma articulação considerável, como antes não havia. O que seria, afinal, o atual rural
e como identifica-lo?
Com a pretensão de compreender na prática este importante conceito da
geografia que este estudo sobre a floricultura foi feito. A escolha deste ramo da
agricultura não foi esporádica: a cultura de flores, ramo da horticultura, é um dos mais
peculiares exemplos da agricultura moderna, uma das características do novo rural
melhor definida posteriormente. A existência desta cultura agrícola evidencia o fim da
antiga função das terras além do urbano: somente prover alimentos à cidade. Já o local
escolhido, o bairro de Vargem Alta, Nova Friburgo, é justificado por sua expressão
econômica – o mais lucrativo no Estado no ramo de flores de corte.
Neste artigo se apresentará a primeira parte do trabalho, mais teórica e distante
do local de estudo. Não foi feito a coleta de dados ainda porque em 10 páginas não se
poderia colocar perfeitamente um panorama do recorte espacial escolhido e um
embasamento do que se entende como neorural ou rural atual. Por isto primeiramente se
seguirá a secção de descrição do local, concentrando sua atenção na população e
economia da cidade, e descrevendo rapidamente a paisagem. Após haverá a explicação
do que diversos autores estudiosos da geografia rural defendem como neorural,
contrapondo com o “antigo rural”. Na conclusão se explicará porque não houve uma
conceituação do bairro como rural ou não.
VARGEM ALTA E AS FLORES
Em 1818 aproximadamente 100 famílias suíças, de maioria vindas do cantão –
divisão semelhante aos nossos estados – de Friburgo, foram autorizadas para
colonizarem os atuais munícipios de Nova Friburgo e Cantagalo, separados somente em
1820, quando Nova Friburgo se tornou uma vila. É assim que começa a história do local
estudado, oriundo de uma política de ocupação inventada pelos portugueses e
continuada por brasileiros.
Não somente de suíços que os friburguenses descendem. Há também
portugueses – que serão de grande importância na história das flores friburguenses,
como se explicará mais a frente –, alemães, austríacos, italianos, sírios e libaneses.
Mesmo com esta mistura, a cidade é conhecida por ser a suíça brasileira, já que, como
dito antes, são maioria, e por isto influenciam a população culturalmente. E estas
características suíças são muito utilizadas pelo setor de turismo, como também essa
descendência possibilita a proximidade com o país europeu, seja por associações ou por
sua população.
Já observando o município economicamente, segundo o IBGE, exorbitante
porcentagem do PIB friburguense (ilustrada no gráfico apresentado a seguir) é do setor
de serviços, já a indústria e a agropecuária se apresentam respectivamente nesta ordem.
Nada mais esperado no século que alguns teóricos defendem como o da
desindustrialização que este setor se destacasse, porém surpreende a quem só conhece o
município como “a cidade das lingerie”.
PIB 2011. Disponível em:
http://cidades.ibge.gov.br/painel/economia.php?lang=&codmun=330340&search=rio-de-janeiro|nova-
friburgo|infogr%E1ficos:-despesas-e-receitas-or%E7ament%E1rias-e-pib
Sobre São Pedro da Serra, o clima agradável desta região, que muito facilitou a
vida dos descendentes de zonas mais frias, virou um negócio lucrativo aos moradores da
cidade, principalmente os do distrito estudado e seu vizinho, Lumiar. Nos dois distritos
há no mínimo 20 pousadas, uma atividade representante do setor de serviços da
economia, que garantem aos seus clientes sossego, proximidade as belezas naturais, um
aspecto de cidade de interior e clima boêmio noturno como o da Europa Central. Há
também acesso a internet na maioria das pousadas, uma das urbanidades desta região.
Ou seja, ecoturismo e lazer são duas atividades presentes nos locais ditos, ambas rurais.
A floricultura é ocupação econômica predominante em Vargem Alta, bairro
estudado. Este setor da agricultura moderna pode se expressar mínimo no gráfico de
Nova Friburgo, porém a floricultura, comparada com todas as estatísticas do estado, se
torna representativa, sendo o segundo maior munícipio em número de estabelecimentos
do tipo, o primeiro sendo a capital do estado. Ela só se torna menos expressiva se
comparado com o número total de estabelecimentos agropecuários, onde a floricultura
ocupa pouco mais de 7% do total friburguense.
"Utilização de terras – lavouras – áreas para cultivo de flores (inclusive hidroponia e plasticultura),
viveiros de mudas, estufas de plantas e casas de vegetação – número de estabelecimentos agropecuários”.
Disponível em:
http://cidades.ibge.gov.br/cartograma/mapa.php?lang=&coduf=33&codmun=330340&idtema=3&codv=v
63&search=rio-de-janeiro|nova-friburgo|sintese-das-informacoes-2006
Destacando ainda mais a floricultura, Vargem Alta é conhecida por suas belas e
lucrativas plantações de flores, porém não foi ele o primeiro. “A produção de flores de
corte em Nova Friburgo teve início na segunda metade do século passado, quando
famílias de origem portuguesa, entre elas Pinheiro e depois Siqueira, começaram o
cultivo de rosas em Conselheiro Paulino” Oliveira (2013). Os descendentes suíços
foram os que iniciaram este ramo agrícola no bairro, porém algumas características dete
não facilita o bom escoamento, já que Vargem Alta é distante do Centro e menos
urbanizado, além de longe das principais rodovias da cidade, como pode ser vistos nos
mapas a seguir colocados.
Imagem de Satélite de Vargem Alta. Disponível em:
https://www.google.com.br/maps/place/22%C2%B018'15.5%22S+42%C2%B024'19.0%22W/@-
22.3056398,-42.4063283,1574m/data=!3m1!1e3!4m2!3m1!1s0x0:0x0
Vargem Alta (coordenada destacada em vermelho). Retirada de
https://www.google.com.br/maps/place/22%C2%B018'15.5%22S+42%C2%B024'19.0%22W/@-
22.3029323,-42.4895447,13z/data=!4m2!3m1!1s0x0:0x0
Sua paisagem é predominante natural (possível de se observar na imagem de
satélite abaixo encontrada). Há quase nenhuma verticalização, ou seja, a maior parte dos
prédios deste bairro tem dimensão horizontal mais alargada. É pouco articulado com o
centro da cidade, como podemos ver na imagem abaixo, pois é uma das partes mais
isoladas de todo o distrito. Esta é uma das justificativas por trás do pouco investimento
dos governos anteriores e ainda reduzido empenho estatal neste setor econômico e
espacial.
DA INOCÊNCIA AO DIVERSO
“Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, d’ expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Tenho próprio casal, e nele assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela!” Marília de Dirceu, Tomás Antônio de Gonzaga
Os versos que precedem este parágrafo, iniciados no final do século XVIII,
descrevem um campo que remete ao local de paz e beleza, de vida simples e farta. Após
três séculos ainda há quem idealize o campo e a venda desta imagem bucólica gerou um
novo empreendimento rural que nada tem de agrícola. Essa maior expansão capitalista
rumo ao mundo além da cidade inicia uma recaracterização do rural, chamada de novo
rural.
Para uma melhor compreensão do que se chama de neorural ou o termo antes
dito, é necessário definir o que se tornou velho, já que marcas do passado são sempre
encontradas no presente. Caso o estudo fosse sobre a agricultura seria preciso voltar ao
início da história humana, onde esta foi criada. Contudo o campo não se define apenas
na sua atividade econômica, por séculos associada com a produção agropecuária, mas
também como oposição da cidade.
No momento em que a sociedade se divide entre aqueles que trabalham na terra
e os que não, iniciando assim a divisão social do trabalho, que a cidade se fez
necessária. Como consequência da centralização do poder, foi ela que distanciou a
agricultura do centro da sociedade, fazendo assim um espaço não citadino, o campo.
Com o passar dos anos estes dois espaços em certos casos delimitados teoricamente
tanto quanto fisicamente – vide os burgos europeus –, se tornaram cada vez mais
distantes, formando uma classe considerada inferior e exclusa das decisões políticas, os
camponeses.
Certamente houve mudanças com o avanço temporal, mas nada que realmente
alterasse sua base estrutural. De forma sucinta, era este o rural: associado a um campo
de completa oposição à cidade, caracterizado por trabalhos biológicos e primitivos. A
cidade, como local de produção científica e uso da mesma, era o símbolo do avanço, e
urbanização era o processo para que outros espaços se tornassem desenvolvidos. Suas
formas de organização espacial também eram óbvias: o campo contendo diversos vazios
demográficos e prédios baixos de maior dimensão horizontal, enquanto na cidade havia
a verticalização e o encarecimento do solo pela não abundância deste.
Todavia isto não se manteve. Com o avanço do capitalismo sobre o campo, ou
seja, para além de seu centro de origem, as diferenças entre esses dois setores espaciais
começaram a se tornar cada vez mais sutis e difíceis de serem destacadas, havendo uma
recaracterização destes. O novo cenário mundial, principalmente após a revolução
verde, permitiu que a definição de rural e urbano fosse posto em dúvida, afinal o novo
rural contém de fato muitos elementos urbanos, como maior acesso a tecnologia,
terceirização, serviços de lazer, turismo, maior necessidade de produtos industriais e
venda de supérfluos – a exemplo da produção de flores. Em outras palavras:
“Em resumo, já não se pode caracterizar o meio rural brasileiro somente como agrário. E mais:
o comportamento do emprego rural, principalmente dos movimentos da população residente nas
zonas rurais, não pode mais ser explicado apenas a partir do calendário agrícola e da
expansão/retração das áreas e/ou produção agropecuárias. Há um conjunto de atividades não-
agrícolas - tais como a prestação de serviços (pessoais, de lazer ou auxiliares das atividades
econômicas), o comércio e a indústria - que responde cada vez mais pela nova dinâmica
populacional do meio rural brasileiro”
Fonte: SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro.
O quadro abaixo intenta resumir as principais diferenciações entre o antigo rural
e o novo. O grau de intensidade (pouco, médio e muito), significa que existe,
respectivamente: somente nas grandes plantações; nos latifúndios e em alguns outros
locais; e em quase ou em todo o campo. Há de se destacar antes que é uma apresentação
geral e baseada no campo brasileiro, já que as particularidades de cada nação podem
distingui-las do será mostrado.
O velho rural O novo rural
Atividades econômicas Agricultura tradicional. Agricultura tradicional e moderna, setor terciário,
prestação de serviços. Acesso à tecnologia no
cotidiano Pouco. Médio ou muito.
Acesso à tecnologia na agricultura
Pouco. Médio ou Muito.
Acesso à produção acadêmica
Pouco ou médio. Muito, médio ou nenhum.
Articulação espacial Pouco. Média ou pouco. Densidade demográfica Baixa. Média. Urbanidades existentes Nenhuma. Médio ou muito.
Acesso à educação Baixo. Médio. Terceirização Nenhuma. Médio ou Muito.
Fenômenos migratórios Êxodo Rural Êxodo Urbano Fonte: a própria autora.
Junto com as diferenças existem semelhanças, estas que ainda fazem os teóricos
acreditarem que existe o rural. Entre elas há: a violência no campo; a pouca presença do
Estado, se comparado à cidade; a importância da agricultura; uma maior presença de
elementos naturais no espaço; e a luta pela sobrevivência do camponês e os novos atores
sociais do campo. Isto tudo será observado com as entrevistas feitas futuramente no
município de Nova Friburgo, especificamente Vargem Alta, bairro do distrito de São
Pedro da Serra.
CONCLUSÕES
Periférico, de paisagem predominantemente natural e grande predominância
agrícola: antigamente só isto poderia classificar o bairro como campo, porém não é isso
que as correntes da Geografia Rural defendem como um espaço do tipo, estudar a
população que o habita é essencial para que assim haja uma real classificação, pois
como foi descrito nas secções anteriores o rural é a interação do espaço com a
população. Mas é preciso ir além do método teórico-quantitativo.
Nas diversas observações lógicas que puderam ser retiradas das estatísticas pode
se perceber que muitas poderiam levar um leigo a já classificar a área como rural, porém
não é esta a intenção do trabalho. Classificar pela superfície é induzir ao erro, a
realidade se apresenta em camadas profundas que devem ser estudadas e compreendidas
para que assim haja uma verdadeira definição dela. Este é um estudo crítico, que segue
as tendências pós-modernas ou contemporâneas.
Na próxima e última fase do respectivo trabalho, a análise crítica dos dados
conquistados diretamente com a população estudada, se espera destacar ainda mais a
importância de um estudo mais aprofundado. Além disso, junto com o avanço
conquistado nesta primeira parte, se deseja chegar mais próximo da total compreensão
do neorural. Por enquanto alcançou-se a superfície, todavia mais a frente se chegará ao
centro do conceito.
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