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309 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 309-325, maio/ago. 2008 O papel da incerteza no planejamento de sistemas de educação a distância Marianne Kogut Eliasquevici Arnaldo Corrêa Prado Junior Universidade Federal do Pará Resumo A tarefa de projetar um sistema de educação a distância (SEAD) é um processo complexo devido ao número de componentes envol- vidos, às diferentes visões e abordagens quanto à sua eficácia, aos valores em disputa, aos interesses em jogo e às decisões urgentes. Este trabalho, partindo da experiência constante de livros e artigos dos autores, faz um recorte na tese de doutoramento de um deles a fim de descrever a importância da análise de incertezas em pro- gramas de educação a distância, o que se acredita levar à redução da probabilidade de ocorrência de eventos indesejáveis e/ou ines- perados em várias situações caracterizadas por ambientes comple- xos. Descreve-se a trajetória da incerteza na perspectiva da ciência e apresenta-se um referencial teórico para dar suporte à temática do planejamento de SEADs. São citadas, também, as formas como as incertezas podem incidir nos processos decisórios e de implan- tação de SEADs, tomando por base uma pesquisa realizada no es- tado do Pará. Estratégias foram especificadas na perspectiva de melhorar a articulação entre as iniciativas das diversas áreas, de modo a potencializar a participação dos diferentes atores e refor- çar o papel da educação a distância como política pública para a inclusão social. Nas considerações finais, reforça-se a adaptabilida- de da investigação para outras situações. O trabalho pretende ser uma contribuição na indicação de diretrizes estratégicas para sub- sidiar a implantação de SEADs. Palavras-chave Educação a distância — Planejamento — Gerenciamento de incerteza. Correspndência: Marianne Kogut Eliasquevici Faculdade de Computação Inst. de Ciências Exatas e Naturais Av. Augusto Corrêa, n. 1 66075-110 – Belém – PA e-mail: [email protected]

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309Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 309-325, maio/ago. 2008

O papel da incerteza no planejamento de sistemasde educação a distância

Marianne Kogut EliasqueviciArnaldo Corrêa Prado JuniorUniversidade Federal do Pará

Resumo

A tarefa de projetar um sistema de educação a distância (SEAD) éum processo complexo devido ao número de componentes envol-vidos, às diferentes visões e abordagens quanto à sua eficácia, aosvalores em disputa, aos interesses em jogo e às decisões urgentes.Este trabalho, partindo da experiência constante de livros e artigosdos autores, faz um recorte na tese de doutoramento de um delesa fim de descrever a importância da análise de incertezas em pro-gramas de educação a distância, o que se acredita levar à reduçãoda probabilidade de ocorrência de eventos indesejáveis e/ou ines-perados em várias situações caracterizadas por ambientes comple-xos. Descreve-se a trajetória da incerteza na perspectiva da ciênciae apresenta-se um referencial teórico para dar suporte à temáticado planejamento de SEADs. São citadas, também, as formas comoas incertezas podem incidir nos processos decisórios e de implan-tação de SEADs, tomando por base uma pesquisa realizada no es-tado do Pará. Estratégias foram especificadas na perspectiva demelhorar a articulação entre as iniciativas das diversas áreas, demodo a potencializar a participação dos diferentes atores e refor-çar o papel da educação a distância como política pública para ainclusão social. Nas considerações finais, reforça-se a adaptabilida-de da investigação para outras situações. O trabalho pretende seruma contribuição na indicação de diretrizes estratégicas para sub-sidiar a implantação de SEADs.

Palavras-chave

Educação a distância — Planejamento — Gerenciamento de incerteza.

Correspndência:Marianne Kogut EliasqueviciFaculdade de ComputaçãoInst. de Ciências Exatas e NaturaisAv. Augusto Corrêa, n. 166075-110 – Belém – PAe-mail: [email protected]

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The role of uncertainty in planning systems ofdistance education

Marianne Kogut EliasqueviciArnaldo Corrêa Prado JuniorUniversidade Federal do Pará

Abstract

The task of planning a system of distance education (SDE) is acomplex process due to the number of components involved,the different views and approaches as to their efficacy, thecontending values, the interests at play, and the urgent decisionsoften needed. This work starts from the experience available inbooks and articles by the authors, and draws from part of thedoctorate thesis of one of them, with the purpose of describingthe importance of uncertainty analysis in programs of distanceeducation, thereby contributing to reduce the probability ofoccurrence of undesirable and/or unexpected events in varioussituations characterized by complex environments. It describes thetrajectory of uncertainty in the perspective of science, and presentsa theoretical framework to give support to the problem of planningSDEs. It also mentions the ways in which uncertainties can enterdecision processes and the setting up of SDEs, taking as its sourcea study carried out in the State of Pará. Strategies were devisedwith a view to improve the articulation of initiatives in the variousareas involved, in order to maximize the participation of thedifferent actors and to reinforce the role of distance education asa public policy for social inclusion. In its final considerations, thearticle emphasizes the applicability of this investigation to othersituations. The work aims at contributing to define strategicguidelines for the implementation of SDEs.

Keywords

Distance education – Planning – Uncertainty management.

Contact:Marianne Kogut EliasqueviciFaculdade de ComputaçãoInst. de Ciências Exatas e NaturaisAv. Augusto Corrêa, n. 166075-110 – Belém – PAe-mail: [email protected]

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Um sistema de educação a distância(SEAD) consiste, segundo Moore e Kearsley(1996), de todos os componentes do processoque o formam, incluindo aprendizagem, ensino,comunicação, design, gerenciamento e mesmoalguns não tão óbvios como história e filoso-fia institucional. Um sistema pode ser o processode Educação a Distância (EaD) de uma institui-ção, um programa, uma unidade, um consórcioou somente um curso a distância.

EaD é, em primeira instância, educação. Adecisão de projetar e implementar qualquer siste-ma passa a ser uma decisão política. Mesmo quea vontade, a instalação física, a contratação derecursos humanos, entre outros, sejam elementosimportantes, não são suficientes. É preciso, tam-bém, coerência entre o que se requer e o que setem, por meio do conhecimento da realidade naqual o processo está inserido e de suas limitaçõese políticas claras traduzidas em planos e progra-mas viáveis. O sucesso de projetos de EAD édependente da concepção de planejamento eadministração envolvidas no processo.

A dificuldade na decisão e implementaçãode um SEAD torna-se evidente quando se obser-vam a complexidade e o elevado número de com-ponentes envolvidos: estudantes, corpo docente,professores-tutores, equipe técnica, instituição deensino e infra-estrutura. Some-se a isso uma dascaracterísticas essenciais do processo de tomada dedecisão que é a quantidade e a qualidade de in-formações disponíveis. O processo de tomada dedecisão em EaD, tal como qualquer processodecisório, é feito diante de riscos e incertezas.

Por abordagem de sistemas, entende-se:uma forma de pensamento em termos de cone-xão, relacionamentos e contexto. De acordo comessa visão, as propriedades essenciais de um or-ganismo, da sociedade ou de outro sistema com-plexo são propriedades do todo, que surgem dasinterações e dos relacionamentos entre as partes.As propriedades das partes não são intrínsecas,mas podem ser entendidas somente dentro docontexto do todo maior (Gallopín et al., 2001).

A definição de sistemas complexos não étrivial. Muitas vezes, são tratados somente como

um paradigma contrário ao reducionismo, quesurge com o aumento do número de elementose/ou relacionamentos no sistema. Funtowicz eRavetz (2002) observam que existem diferentesdefinições de complexidade, todas se associan-do, derivadas das várias áreas de prática cientí-fica. Gallopín et al. (2001) especificam algunsdos atributos presentes em sistemas complexos.Entre eles, por estarem presentes nos sistemas deEaD, pode-se citar: multiplicidade de perspectivaslegitimadas, pela dificuldade de entender um sis-tema adaptativo sem também considerar o seucontexto; auto-organização, fenômeno pelo qualcomponentes que se interagem cooperam paraproduzir estruturas e comportamentos coordena-dos em larga escala; incertezas irredutíveis quesurgem em sistemas complexos devido ao apare-cimento de muitas fontes de origem.

Nesse sentido, um importante estágiopara se tomar uma decisão contextualizada égerenciar as incertezas inerentes ao problema,não as ignorando, encobrindo-as ou escondedo-as. Saber administrar as incertezas passa pelaaceitação ou acomodação delas, o que implicauma etapa anterior de dimensionamento e clas-sificação destas (Corrêa, 1996). A tomada dedecisão é muito mais do que o momento finalda escolha, sendo um processo complexo dereflexão, investigação e análise, e o volume deinformações e dados colocados à disposição dodecisor deve ser na medida certa (Moresi, 2000).

Este trabalho, partindo da experiência cons-tante de livros e artigos dos autores (Eliasquevici;Fonseca, 2004; Prado Jr., 2001), faz um recorte natese de doutoramento de Eliasquevici (2005) a fimde descrever a necessidade da análise de incerte-zas em programas de EaD. Inicialmente descreve-se a trajetória da incerteza para que se compreendaa sua importância para o conhecimento científico.Um referencial teórico, que subsidie a temática doplanejamento de SEADs com suas especificidadese dificuldades, é apresentado no tópico seguinte.Em seguida, são citadas as formas como as incer-tezas podem incidir nos processos decisório e deimplantação de SEADs, tomando por base umapesquisa realizada no estado do Pará. Nas consi-

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derações finais, reforça-se a adaptabilidade dainvestigação para outras situações.

A incerteza numa perspectivada ciência

O pensamento científico passou por váriasmudanças paradigmáticas, de forma a tornar pos-sível a compreensão da existência da incerteza edo seu tratamento. Razões para essas mudançaspodem ser encontradas nas discussões epistemo-lógicas ocorridas entre os séculos XVIII e XX, apartir do período conhecido como Iluminismocom a construção de idéias que fundamentamtransformações sociais, econômicas e políticas re-lacionadas a uma nova compreensão de mundo.

De acordo com Suassuma (1999), o proje-to iluminista foi o ideário da modernidade, épocamarcada pela revolta contra o poder da Igreja, dorei e da aristocracia e pelo início das discussões dosdireitos humanos. Os filósofos iluministas acredita-vam que o próprio indivíduo poderia encontrarrespostas às suas perguntas, buscando, no início,inspiração na lógica carte-siana segundo a qual ohomem deveria estar dividido em corpo e espírito.Somente quando a razão e o conhecimento sefundissem é que a humanidade faria grandes pro-gressos — o desenvolvimento material e moral dohomem pelo Conhecimento. A razão era uma dá-diva da natureza ao homem.

A objetividade da modernidade se distan-cia de Descartes com o sistema newtoniano, querompe com o pensamento de uma natureza ocul-ta e insondável. “A natureza se transforma em umsistema de leis matemáticas estabelecidas por umDeus racional. A razão não se acomoda à contra-dição, e desta forma, a verdade científica/racionalé, em essência, indubitável [...]" (Becker; Gomes,1993, p.150). A natureza e a sociedade ficamentão submetidas aos mesmos mecanismos e àsmesmas relações de causa e efeito.

O movimento iluminista trouxe consigo oideal da investigação sistemática, a matematizaçãoda experiência, isto é, a utilização de métodosmatemáticos quantitativos que levariam ao conhe-cimento seguro e certo da realidade.

No século XIX, surge o Positivismo, deAugusto Comte, que tinha como pressupostosa criação de leis universais, a ordem e o pro-gresso. Essa doutrina acreditava ter ultrapassa-do o estágio do conhecimento teológico e ometafísico por um saber definitivo científico oupositivo. O Positivismo é um procedimento te-órico-metodológico de entendimento dos fenô-menos sociais sob o mesmo prisma com quesão entendidos os fenômenos naturais. É refle-xo das novas idéias instituídas pelo Iluminismoque, por sua vez, fundamenta a modernidade.Nessa época, o método quantitativo das ciên-cias naturais era a abordagem adotada para sealcançar o conhecimento objetivo. A incertezaera algo considerado como não científico.

Embora os valores positivistas fossem do-minantes ao longo do século XIX e início do XX,seus princípios epistemológicos sempre estiveramsendo questionados. Entretanto, para Van Asselt eRotmans (2000), a primeira grande crise do Positi-vismo foi originada na Matemática, quando con-tradições nos princípios lógicos desta foram reve-ladas no início do século XX. Einstein teve um papelimportante com a proposta de uma nova Física(teoria da relatividade). A emergência da Estatísti-ca intensificou o estudo da incerteza. O princípioda incerteza de Heisenberg na década de 30 doséculo XX foi significante nesse processo.

Além da Matemática e da Física, manifes-tações em outras áreas também começavam atraduzir a insatisfação com o modelo positivistada ciência (Biologia: Humberto Maturana eFrancisco Varela; Teoria geral dos sistemas:Ludwig von Bertalanffy; Cibernética: NorbertWiener; etc.). O reflexo desse movimento foi apercepção da ciência como não puramente obje-tiva e de que o conhecimento não é equivalenteà verdade e certeza, considerando a existência deincertezas fundamentais que não podem ser re-duzidas por meio de mais pesquisas.

Logo, no dizer de Morin (2001):

A MAIOR CONTRIBUIÇÃO de conhecimentodo século XX foi o conhecimento dos limi-tes do conhecimento. A maior certeza que

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nos foi dada é a da indestrutibilidade dasincertezas, não somente na ação, mas tam-bém no conhecimento. (p. 55)

Cresce a necessidade de uma revisão dosmodelos que movem a ciência à medida que arealidade se complica, que as transformaçõesse aceleram, que as incertezas se expandem eque um aumento notável nos riscos perpassa àhumanidade.

Uma relevante perspectiva transdisciplinarpara o estudo de problemas complexos vem sen-do desenvolvida por autores que defendem anecessidade de reestruturação das práticas cien-tíficas, por meio da proposição do que conside-ram “ciência pós-normal”. Funtowicz e Ravetz(2002), seus idealizadores, afirmam que a ciênciapós-normal é uma forma de expressar apropria-das estratégias para solução de problemas,focando nos aspectos que tendem a ser negligen-ciados pelas tradicionais práticas científicas, quaissejam: existência da incerteza, valores em jogo euma pluralidade de perspectivas legítimas. O “pós-normal” significa ir além do normal, no sentidode que os procedimentos usuais baseados naciência “normal” (Kuhn, 1978) não são suficien-tes, ainda que permaneçam indispensáveis paranortear o processo de tomada de decisão.

Planejamento de sistemas deEaD

Durante o processo de implantação deSEADs, alguns questionamentos antigos, aparen-temente já respondidos, ainda podem vir à tonadependendo do perfil do planejador: i) quais sãoos elementos que se precisa considerar em pro-jetos de EaD? ii) quais são os fatores que colo-cam em risco a implantação? iii) quais são osdiversos entendimentos que se têm do assunto?iv) qual é o tamanho da demanda? v) que mei-os utilizar? vi) qual o papel dos governantes? vii)quais são as expectativas concernentes aos re-sultados? Essas perguntas, quando extrapoladaspara um futuro que não é conhecido, acabampor gerar incertezas no processo. Causas dessas

incertezas residem na variabilidade do sistema eno desconhecimento de alguns dos mecanismosde interconexões entre os componentes de umsistema de EaD. Além do mais, existem tambémas incertezas referentes aos objetivos da EaD esuas possíveis contribuições. A EaD pode, então,ser tratada como uma modalidade educativa quetraz consigo dúvidas e incertezas.

O insucesso de programas muitas vezesbem intencionados pode resultar do fato denão terem sido consideradas as incertezas quepermeiam o processo (divergências de opinião,juízos de valor, entre outros). Contradiçõessobre a temática se justificam pelos diferentescomportamentos dos participantes e interessa-dos, que acabam por influenciar o rumo tomadopelos projetos. As incertezas ocorrem principal-mente devido ao nosso incompleto conheci-mento e a um equivocado entendimento dosprocessos sociais, econômicos e ecológicos.Aparecem como resultado de juízo de valor,ausência de informação, informação inadequa-da, divergência de opinião, dados incompatíveise variabilidade do sistema.

A ausência de dados e informações nãoé a única origem das incertezas. Existem tam-bém condicionantes socioculturais. O compor-tamento humano é imprevisível e, sendo assim,o comportamento dos diferentes atores sociaise suas políticas também são incertos. Inovaçõestecnológicas e a percepção destas pelos usuá-rios também possuem influência na EaD, o quepode tornar o processo mais complexo e maisdifícil de predizer. Casas Armengol (1987) aten-ta para a necessidade de se contar com umsistema principal de decisões interconectadaspara que se possa alcançar os objetivos sociais.

O tomador de decisão deve tornar-se maishábil para lidar com mudanças contínuas, visandoenfrentar com mais conhecimento situações des-favoráveis surgidas durante o processo. Nesse sen-tido, o primeiro passo para se tomar uma decisãoé gerenciar as incertezas inerentes ao problema.

García Aretio (2001) apresenta cinco ob-jetivos e motivações que levam instituições egovernos a investirem nessa modalidade educa-

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cional: i) democratizar o acesso à Educação; ii)propiciar uma aprendizagem autônoma e liga-da à experiência; iii) investir em um ensinoinovador e de qualidade; iv) fomentar a educa-ção permanente; e v) reduzir os custos.

Por seus objetivos sociais e ante as pos-sibilidades de ampliação de fontes de receita,vê-se uma proliferação da oferta de cursos,como se fosse algo fácil de ser implementado.Todavia, no dizer de Lobo (2000):

Muitas vezes projetos de educação a dis-tância sofreram severos desgastes em razãode falsas concepções; adesões precipitadasa novidades sofisticadas; açodamento nodiagnosticar realidades, no estabelecer via-bilidades, no eleger prioridades. (p. 10)

Essa afirmação corrobora a necessidadedo planejamento como ferramenta imprescindí-vel na tomada de decisão sobre implantação euso da modalidade, envolvendo tanto a visão es-tratégica do cenário no qual se pretende atuarcomo da complexidade do processo, de forma asuplantar a improvisação, a oferta de programasinadequados e a insuficiente visão de limites.

Enquanto no sistema presencial de ensi-no a gestão se volta para uma população rela-tivamente estável e numericamente previsívelcondicionada à estrutura física e aos recursoshumanos e materiais existentes, na EaD, a ges-

tão depara-se com processos e dimensões nemsempre previsíveis. Portanto,

[...] a exata compreensão do conjunto de variá-veis, funções e interconexões entre as estruturaseducativas e os sistemas sociais requer a utili-zação adequada do planejamento, da investiga-ção e das modernas teorias sobre organização,administração e tomada de decisão. (CasasArmengol, 1987, p. 120, tradução nossa)

São vários os fatores que podem afetar oplanejamento, ressaltando-se as taxas de cresci-mento da demanda, a diversidade do mercado, astendências políticas e culturais, a legislação, asiniciativas governamentais, o desenvolvimentotecnológico, a evolução das mídias, a filosofia ecapacidade institucional (pública, privada ouempresarial), as perspectivas de trabalho para osestudantes, a elevação dos custos envolvidos e asdiversas possibilidades de demandas formativas.

Os gestores de EaD devem conhecer cla-ramente as características e demandas do seupúblico-alvo, quer sejam pessoas físicas ou em-presas, de forma a poder planejar o quanto ne-cessitarão investir antes da oferta de qualquercurso a distância. Há que se ter ciência doscomponentes básicos de um SEAD para que sepossa distingui-los dos análogos em sistemaspresenciais. Moore e Kearsley (1996) conside-ram que o modelo sistêmico provê uma ferra-

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menta que não somente auxilia a reconhecermuitos dos itens que separam a EaD da educa-ção convencional, como também permite dis-tinguir entre bons e maus projetos. Para GarcíaAretio (2001), os componentes, que tambémpodem ser considerados como subsistemas daEaD, estão representados no Quadro 1.

No caso de instituições de Ensino Supe-rior, na hora de demarcar o quadro institucional,os planejadores se deparam com várias situa-ções, cada uma com características próprias: i)a instituição é criada somente para ofertar cur-sos na modalidade a distância (ex.: OpenUniversity/Inglaterra); ii) a modalidade é integra-da a uma instituição tradicional de ensino (mis-to): esta tem sido a forma mais freqüentementeimplementada; e iii) ofertada em rede ou con-sórcios reunindo especialistas de diversas insti-tuições em regime de cooperação.

As ações de EaD requerem que se tomeuma série de decisões de forma ágil e estrategi-camente pertinente. Na literatura, não são facil-mente encontradas referências concretas sobrecomo fazê-las, principalmente quando se precisamapear fatores subjetivos, tais como divergênciade opinião, tendências culturais, diferenças deentendimento. Somados a outros, esses fatoresgeram incertezas implícitas e explícitas que per-passam o processo de tomada de decisão e, senão forem trabalhadas, podem resultar em pro-blemas, dificuldades e resistências futuras.

Como conseqüência, o uso de um en-foque sistêmico e integrado representa um tipode metodologia útil para o estudo, design eimplementação especialmente de SEADs que es-tão sendo constantemente influenciados pelo meiosocial em que se encontram. Na EaD, existem fa-tos tipicamente incertos, valores em disputa, in-teresses em jogo que exigem decisões urgentes.Esses fatos tornam o problema de implantação desistemas de EaD não apenas meramente compli-cados. Eles envolvem uma variedade de subsis-temas e não somente um simples ponto de vistapara sua análise.

A implantação de SEADs, de acordo comCasas Armengol1 (1987), dependerá rigorosamente

dos resultados obtidos por meio de um conjun-to de passos sintetizados no fluxograma a seguir:

Em cada uma das etapas do processodecisório, podem se materializar incertezas,problemas, temores e dúvidas.

1. Casas Armengol (1987) está se referindo à implantação de SEADs paraeducação superior como ação de uma política pública governamental. Porexemplo: a criação de universidades abertas e a distância. Todavia, estespassos serão utilizados de forma abrangente para o processo decisivo deimplantação de um sistema de EaD.

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Problemas, dificuldades,resistências e temores

Conforme Litto (2004?), o setor educa-cional que mais cresce no mundo é o da apren-dizagem a distância e o Brasil, quando compa-rado a outros países, está atrasado, em parte,por não considerar a demanda reprimida doEnsino Médio e Superior. Ainda não há umconsenso sobre qual o melhor modelo deestruturar a EaD no país de forma a atender anossa realidade. Também não estão completa-mente definidas questões como propriedadeintelectual, tecnologias disponíveis e o públicoprioritário que merece ser considerado. A ca-rência na elaboração acadêmica proativa, quemuitas vezes leva a um sentimento de fracas-so, na visão de Barcia e Vianney (1998), trans-cende a organização e o gerenciamento desistemas de EaD por envolver mudanças concei-tuais e comportamentais arraigadas na educa-ção formal e na cultura brasileira.

Embora as experiências em EaD não se-jam recentes, continua prevalecendo a necessi-dade de se lutar contra os preconceitos existen-tes. Conforme o dizer de Garcia (2000):

Em muitos ambientes ela [EaD] é vistacomo um facilitário pedagógico para quemnão deseja fazer muito esforço para regula-rizar sua situação escolar ou como uma

educação de segunda categoria para ospobres que não podem (ou não devem)aspirar a uma escolarização de melhor qua-lidade. Tanto num caso como em outro opreconceito se revela na admissão de quedeve existir um tipo de educação para aselites e um outro para os pobres, que de-vem se contentar com modelos alternativosde pouca expressão e de baixa valorizaçãosocial. (p. 82)

Constata-se um descompasso entre asbarreiras existentes para a implementação debons programas de EaD e os seus objetivos. Hámorosidade em especial pelo desconhecimentode suas potencialidades. Soma-se a isso o receiopelo que é novo. Dificuldades, barreiras e obs-táculos retirados da literatura que tendem a li-mitar a expansão da EaD são de diversos tipos.Aqueles considerados mais proeminentes foramcategorizados conforme descrito no Quadro 2.

Deve-se evidenciar que muitas dessasdificuldades são circunstanciais, já que, supe-rando o desconhecimento e a falta de empenhopor parte dos planejadores e gestores, estas po-dem ser mitigadas ou até mesmo sanadas. Co-nhecer o que pensam os diversos atores sobrea EaD e classificar e localizar como essas opi-niões afetam o planejamento de SEADs é umaetapa importante para se implementar estraté-gias de amenizar as incertezas existentes.

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Incertezas e sua pressão noprocesso de planejamento eoperacionalização de SEADs

O referencial teórico até agora exposto seapóia no reconhecimento da importância daincerteza no contexto do planejamento e datomada de decisão. Foi com essa perspectivaque se procurou, a partir de um estudo de campo(Eliasquevici, 2005), verificar de que forma issoocorre para os SEADs. Durante os anos de 2003e 2004, foram realizados vários procedimentosmetodológicos de pesquisa (questionários, mé-todo de inquérito delplhi2 e entrevistas fonadas)com indivíduos envolvidos com a EaD no Pará.

Dada a dinamicidade do processo, domomento em que os dados foram coletados atéa data em que este artigo foi escrito, acredita-seque mais experiências e projetos possam estarsendo encaminhados. Mesmo assim, os resultadosconstatados, ainda que não representem toda agama de experiências, servem para direcionarnovos trabalhos ao traçar possíveis indicativos doque está acontecendo no estado.

Quando os gestores de instituições públi-cas e privadas foram questionados sobre quaisas dificuldades para implantação da EaD noPará, verificou-se que entre as mais presentesestão: a insuficiência de recursos financeiros, acarência de recursos humanos qualificados e adeficiência na infra-estrutura tecnológica e detelecomunicações. Quanto aos motivos paraampliar a modalidade no estado, a superação dasdificuldades geográficas, a democratização doacesso e a expansão do conhecimento foram osmais destacados. Com relação às incertezas pre-sentes no processo de EaD, do ponto de vistados gestores, a questão sociocultural é maisforte, com ênfase para a credibilidade.

Num segundo momento da pesquisa, foiutilizado o método de inquérito delphi, em trêsrounds, para entender a visão de outros atoressobre EaD, de forma a identificar as incertezasmais relevantes que precisam ser consideradaspelos tomadores de decisão na hora de plane-jar os diversos SEADs. Após aceitar participar do

delphi, um questionário foi distribuído aospainelistas (e-mail, correio, pessoalmente)3, con-tendo uma pergunta aberta solicitando quelistassem, baseados na experiência pessoal, atédez incertezas que consideravam presentes nautilização da EaD pelo sistema educacional doPará. Reunindo as incertezas pela semelhançaou associação, foram categori-zadas 44 incer-tezas, sendo que somente oito apresentaram oconsenso sobre a importância atribuída igual a5 (relevância “muito grande”) ou 4 (relevância“grande”), retratando dúvidas pertinentes à efi-cácia do processo, avaliação, qualidade daaprendizagem, condições infra-estruturais doestado, tutoria, materiais didáticos e acesso aosrecursos tecnológicos.

Devido ao baixo consenso quanto aograu de relevância atribuída como “grande” e“muito grande”, mesmo que para a maioria dosrespondentes todas as incertezas fossem rele-vantes, e ao elevado número de incertezas in-ventariadas durante o processo, para enriqueceros resultados provenientes do delphi, foi utiliza-da a técnica estatística de análise de cluster.

Para agrupar as 44 incertezas e elaborar amatriz de distâncias, foi empregado o coeficientede correlação Phi, pois, de acordo com Oliveira(2005), quando se agrupam variáveis, o ideal é quese possa utilizar uma medida de correlação. Nocaso de variáveis que assumem valores 0 e 1(dummies), pode ser utilizado o coeficiente decorrelação Phi. Para a formação dos grupos, estesforam interrompidos em um nível de similaridadede 0,34, resumindo as 44 incertezas em oito con-juntos de controvérsias, descritos no Quadro 3.

2. O delphi trabalha com a opinião de pessoas especialistas e/ou interes-sadas na área do estudo, para investigar as convergências e divergênciasde opiniões entre os participantes estabelecendo-se três condições bási-cas: o anonimato dos respondentes, a representação estatística da distri-buição dos resultados e o feedback de respostas do grupo para reavaliaçãonas rodadas subseqüentes. Trata-se de um questionário interativo, quecircula repetidas vezes pelo grupo que compõe o painel para que, ao final,se atinja o nível de consenso desejado. A cada nova rodada de questionário,as perguntas são repetidas, e os participantes podem reavaliar suas res-postas à luz das respostas numéricas e das justificativas dadas pelos demaisrespondentes na rodada anterior.3. Os painelistas que participaram da pesquisa foram alunos de gradu-ação de Matemática a Distância, secretários municipais de Educação, co-ordenadores de projetos, tutores/professores e colaboradores.

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Diante dos resultados, percebe-se que aimplantação de SEADs deve ser precedida porum processo decisório, tal como indicado porCasas Armengol (1987) no Fluxograma 1. En-tretanto, quais critérios de decisão aplicar?Quais as incertezas que ocorrem nessa etapa doprocesso decisório? Como tomar uma decisãose a habilidade em prever o curso dos eventosé limitada? Pequenas alterações aparentemen-te isoladas de um fenômeno podem provocarmudanças amplas num sistema maior.

Uma das formas usadas para ajudar otomador de decisão é a tentativa de antecipar oinesperado, identificando os fatores importantes eas origens dos obstáculos encontrados no proble-ma. Morgan e Henrion (2004) argumentam queraramente os problemas são resolvidos em defini-tivo, porque estão sempre ressurgindo. Os detalhespodem mudar, mas as questões básicas continuamretornando. Algumas vezes, é fundamental valer-se

de análises que já foram realizadas no passado ouadaptá-las, para apoiar a solução dos problemas domomento. Isso se torna mais fácil quando as incer-tezas do passado foram cuidadosamente descritas,pois se adquire uma maior confiança de que se uti-lizará um trabalho que foi realizado anteriormen-te de forma apropriada.

Com base nos oito conjuntos agrupadosna pesquisa, nos critérios de decisão organiza-dos por Morgan e Henrion (2004) e no fluxo-grama que representa o ato da decisão, pro-põe-se um novo fluxograma (Fluxograma 2),evidenciando os grupos de incertezas maispertinentes para cada etapa da decisão e os cri-térios que podem ser empregados.

O passo que envolve perguntar pela primei-ra vez se um SEAD é uma solução viável, comobem expõe Casas Armengol (1987), contempla umexame rigoroso da justificativa e da viabilidadedesse sistema, seus critérios e pré-requisitos. Des-

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sa forma, as incertezas de caráter geral (G2), ocompromisso político (G3), os componentes queindicam a qualidade e o reconhecimento da EaD(G4) e a estabilidade da modalidade (G6) mostram-se pertinentes à etapa, por demonstrarem a ocor-rência de preconceitos, desconhecimento, compro-misso político não claramente especificado e poucacredibilidade, fatores esses que incidem no receiode se arriscar em uma modalidade que ainda nãoestá suficientemente estável. Nessa situação, oscritérios que podem ser aplicados na análise doproblema se fundamentam:

• Na utilidade com minimização de chances dospiores resultados possíveis: a existência de con-siderações política e comportamental induz ao

uso desse critério. Uma vez indicada a opção pelamodalidade de EaD e por ainda persistirem des-conhecimento e preconceito, deve-se tentarminimizar as chances dos piores resultados.• Na utilidade multiatributos: diante das difi-culdades em utilizar valores monetários comobase para a implantação, haja vista que existea incerteza se com a EaD realmente é possíveluma redução de custos, pode-se pensar emavaliar os resultados em termos de outrosatributos que não o monetário.• Em direitos com processo aprovado: em faceda ocorrência de diferentes interesses e expec-tativas, na ocasião de se estabelecer critériosde decisão, é essencial relevar as distintas aná-lises que nem sempre convergem para um úni-

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co critério. Para que não haja uma pulveriza-ção e tampouco uma dispersão, é necessárioreconhecer o ponto de vista das partes envol-vidas e construir uma visão compartilhada apartir das sínteses que emanam dos consensos.Em algumas situações, o critério legal unificaas diferentes posições.

Feita a opção pelo SEAD, na etapa se-guinte, são decididos a forma e o nível de com-plexidade que se pensa em adotar. Dentre osfatores que afetam a complexidade, estão ques-tões tecnológicas, de infra-estrutura e aspectosque dizem respeito à metodologia. Por isso, éque se percebe a pressão dos grupos referentesaos aspectos metodológicos e técnicos do pro-cesso (G5), ao acesso e uso das NTICs (G7) e àscondições de infra-estrutura (G8).

Seguindo os passos do fluxograma, dianteda realidade apresentada ao tomador de decisão,este novamente se perguntará se um SEAD aindaé uma opção viável e, nesse momento, o grupo deincertezas denominado pontos norteadores doprocesso (G1) exercerá pressão, pois levará otomador de decisões a refletir sobre todos ospontos que ainda necessitam ser considerados parauma correta avaliação. Ele pode se valer de crité-rios fundamentados:

• Na utilidade com custo limitado: o tomadorde decisões vivencia freqüentemente o pro-blema da insuficiência de recursos orçamen-tários para desenvolver SEADs com todos osrequisitos necessários aos subsistemas que oscompõem. Acrescenta-se, ainda, a existência,na sociedade, de pessoas que não julgam per-tinente ter como prioridade esse tipo de em-preendimento. Assim, tentar fazer o melhorpossível dentro das restrições orçamentáriaspode ser um bom critério para impulsionar arealização e resguardar as possíveis críticasadvindas da sociedade.• Em tecnologia: a melhor tecnologia dispo-nível, no contexto da EaD no Pará, segundojá mencionado, não significa a opção pelasNTICs, enfatizando a Internet. Uma boa aná-

lise situacional, elaborada pelos tomadores dedecisão, sugere a adoção de critérios queconsiderem não a tecnologia “mais atual”,mas sim a possível, disponível e adequada.

O planejamento daoperacionalização

Após passar por todas essas etapas, édado início ao planejamento da operaciona-lização do SEAD. Esses mesmos conjuntos deincertezas reaparecem, pressionando tambémas etapas do planejamento, independentementedo modelo adotado4, conforme apresentado naFigura 1. Os resultados, no entanto, ganham si-milaridade com as teses do Planejamento Estra-tégico, enfatizando a sua vertente situacional,pois, diferentemente do planejamento tradicio-nal, a realidade a ser planejada é apresentadaao dirigente ou planejador com a seguinteconformação: marcada pela complexidade epelos conflitos, cheia de incertezas, caracteriza-da pela escassez de recursos, nenhum atorsocial tem hegemonia etc. (Costa, 2004). O pla-nejamento é focado em problemas com cená-rios de previsão.

A Figura 1 retrata que durante a etapade concepção são dois os grupos que exercemmaior pressão: as incertezas de caráter geral(G2) e as condições de infra-estrutura (G8).Nessa fase, tornam-se mais evidentes os diver-sos jogos de interesse, pois a concepção écarregada de ideologias que, por sua vez, es-tão vinculadas aos objetivos e aos entendimen-tos que se têm do assunto.

Devido a essas diversas possibilidades, ogrupo 2 (G2), pelas suas características, tendea pressionar essa etapa, uma vez que os obs-táculos elencados demonstram fragilidade deentendimento de princípios básicos da EaD quenecessitam estar bem esclarecidos no momen-to da concepção. Já o grupo 8 (G8) aponta anecessidade de conhecimento da infra-estrutu-

4. A linearidade das dimensões ou etapas é apresentada apenas do pontode vista didático, por existir uma profunda ligação entre essas dimensões.

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ra existente como parte do diagnóstico da re-alidade encontrada.

Na fase da tomada de decisão, os gruposrelacionados aos pontos norteadores do processo(G1) e aos aspectos metodológicos e técnicos(G5) exercem maior pressão. Isso porque há ne-cessidade de se estudar todas as possíveis solu-ções a serem utilizadas, o que implica o apare-cimento de divergência de opiniões.

A etapa que contempla a operacionali-zação e avaliação é a que sofre mais incidên-cia de grupos de incertezas. Entre os demais fa-tores, os erros acumulativos das etapas anteri-ores contribuem para essa situação. Os gruposreferentes ao compromisso político (G3), aoscomponentes que indicam a qualidade e o re-conhecimento da EaD (G4), à estabilidade da

modalidade (G6) e ao uso e acesso às NTICs(G7) são os mais presentes nessa fase. Quantomais estável a EaD, melhores condições deimplementação de projetos. Para isso, o com-promisso político que garanta as condições deefetivação da EaD juntamente com a qualida-de tornam-se essenciais para mostrar que amodalidade é viável.

Todo dirigente que implementa sistemasde EaD almeja alcançar a efetividade e obtersucesso, e é a avaliação, propriamente dita, afase que representa o esforço de mensurar aefetivi-dade do empreendimento. No queconcerne à efetividade organizacional, Cameron(1978) retrata que definir critérios para medi-la é o maior obstáculo encontrado na análiseempírica. Os problemas não são de ordem te-

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órica. A maioria das pessoas tem em mente al-guma noção sobre o que valora como efetivo,porém essas noções são freqüentemente difíceisde operacionalizar (Cameron, 1976). Dessa for-ma, algumas questões precisam ser esclarecidasanteriormente ao processo de avaliação. Entreestas, destacam-se: i) sobre quais perspectivasa efetividade está sendo avaliada? ii) qual o pro-pósito da avaliação? iii) que tipo de dados es-tão sendo coletados?

No caso específico da EaD, medir a efe-tividade e o sucesso pode envolver a abran-gência geográfica, a relação custo/benefício, asquestões acadêmicas, entre outras. O ideal éque seja uma combinação de vários fatores, oque torna a tarefa de mensuração dos resulta-dos um trabalho complexo. A equipe de plane-jamento pode fazer uso de mecanismos quemesclam a avaliação formativa e a somativa. Aavaliação formativa se refere à etapa que ocor-re durante o processo de planejamento e desen-volvimento do projeto, incluindo as alteraçõesque levem a possíveis mudanças de rumo. A ava-liação somativa, por sua vez, envolve coletar, aofinal do empreendimento, evidências que possamverificar a validade e a efetividade do projeto, in-cluindo critérios como taxa de evasão, mudan-ças de atitudes dos alunos, satisfação pessoal,mudança organizacional, sustentabilidade, taxade retorno do empreendimento, benefícios pro-fissionais etc. Cabe salientar que qualquer queseja o processo de avaliação dos resultados em-pregado, este deve ser elaborado por profissio-nais que entendam e conheçam as peculiarida-des da modalidade da EaD, para não se incorrerno erro de mensurar a efetividade do sistemacom base no sistema presencial.

Diante das razões5 e dificuldades6, apon-tadas pelos gestores para ampliar e implementaras ações de EaD no Pará, e dos grupos de in-certezas que pressionam com intensidades di-ferentes a operacionalização de SEADs, é essen-cial estabelecer estratégias de redução, atenu-ação, acomodação ou superação dessas incer-tezas. Os Quadros 4 a 6 destacam essas estra-tégias por etapa do planejamento.

Os dirigentes têm sido forçados a tomardecisões sob um nível elevado de incertezas, oque requer habilidades de pensar e se relacionarinterdisciplinarmente, implicando uma gestãoproativa. Assim, todas as estratégias acima espe-cificadas são sugeridas na perspectiva de melho-rar a articulação entre as iniciativas das diversasáreas, de modo a potencializar a participação detodos os diferentes atores e reforçar a importânciada EaD como política pública de inclusão social.

Considerações finais

Observa-se no Brasil que, dentre as políti-cas educacionais, programas de EaD estão napauta da agenda governamental, e a discussão damodalidade como uma política pública de inclu-são social envolve interesses diversos. A legislaçãoestá sendo revista e ampliada. Congressos, livros,artigos, enfim, a produção científica sobre o as-sunto se intensifica. Cursos com vários formatossão criados. Mesmo com esse panorama, aindapersistem dúvidas e preconceitos com relação àmodalidade. No que diz respeito ao estado doPará, a pesquisa de doutoramento detectou quea modalidade está ganhando força, a despeito dascondições nem sempre satisfatórias (de recursoshumanos; de infra-estrutura física, tecnológica efinanceira; entre outras).

O estudo foi realizado com o intuito demostrar a versatilidade e usabilidade de se tra-balhar com ferramentas que podem dar suporteà tomada de decisão, tendo como resultado in-formações capazes de gerar estratégias não so-mente em nível local, mas também regional ounacional. A análise de incertezas pode ser apli-cada em variadas escalas e situações, porémconvém ressaltar que, por questões relaciona-das a tempo e custos, os decisores nem sem-

5. Superação das dificuldades geográficas; democratização do acesso ea expansão do conhecimento; qualificação profissional; desenvolvimentoregional; demanda reprimida para cursos presenciais.6. Insuficiência de recursos financeiros; carência de recursos humanosqualificados; deficiência de infra-estrutura tecnológica e de telecomunica-ções; ausência de políticas públicas estaduais e municipais para EaD; in-segurança quanto ao sucesso do investimento; desconhecimento daspotencialidades da EaD.

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pre têm condições de executar um trabalhodessa amplitude.

Este artigo pretende ser uma contribuiçãosobre a necessidade e a importância da prática dagestão de incertezas no acompanhamento do pro-

cesso decisório para que os planejadores possamse tornar mais ágeis e adaptáveis em diversas situ-ações caracterizadas por ambientes complexoscomo programas governamentais que envolvempolíticas públicas.

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Recebido em 26.04.07

Aprovado em 16.06.08

Marianne Kogut Eliasquevici, doutora em Ciências Socioambientais – NAEA/UFPA, colaboradora na assessoria de EaD daUFPA, pesquisadora do projeto Recursos Computacionais em Tecnologia da Educação, é Assessora em projetos da UFPA deEaD e professora da Faculdade de Computação da UFPA.

Arnaldo Corrêa Prado Junior, mestre em Informática - PUC/RJ, colaborador do Informam (Sistema de InformaçãoCientífica da Amazônia) da UFPA, coordenador dos projetos Portal da Amazônia: caminhando entre o rio e a floresta – UFPA– e Recursos Computacionais em Tecnologia da Educação, é professor da Faculdade de Computação da UFPA. E-mail:[email protected]