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I
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
Fundada em 18 de fevereiro de 1808
Monografia
O papel do profissional da atenção primária à saúde no
cuidado ao paciente com câncer: revisão sistemática da
literatura
Luara Dourado Santos Cambuí
Salvador (Bahia)
Agosto, 2014
II
FICHA CATALOGRÁFICA
UFBA/SIBI/Bibliotheca Gonçalo Moniz: Memória da Saúde Brasileira
Cambuí, Luara Dourado Santos C178 O papel do profissional da atenção primária à saúde no cuidado ao paciente com câncer: revisão sistemática da literatura / Luara Dourado Santos Cambuí. Salvador: LDS, Cambuí, 2014. VIII; 41 fls.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Guadalupe Medina. Monografia como exigência parcial e obrigatória para Conclusão do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
1. Atenção primária à saúde. 2. Neoplasias. 3. Pessoal de saúde. I. Medina, Maria Guadalupe. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Medicina. III. Título.
CDU: 614.2
III
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
Fundada em 18 de fevereiro de 1808
Monografia
O papel do profissional da atenção primária à saúde no
cuidado ao paciente com câncer: revisão sistemática da
literatura
Luara Dourado Santos Cambuí
Professor orientador: Maria Guadalupe Medina
Monografia de Conclusão do Componente
Curricular MED-B60/2014.1, como pré-
requisito obrigatório e parcial para conclusão
do curso médico da Faculdade de Medicina da
Bahia da Universidade Federal da Bahia,
apresentada ao Colegiado do Curso de
Graduação em Medicina.
Salvador (Bahia)
Agosto, 2014
IV
Monografia: O papel do profissional da atenção primária à saúde no cuidado ao
paciente com câncer: revisão sistemática da literatura, de Luara Dourado Santos
Cambuí.
Professor orientador: Maria Guadalupe Medina
COMISSÃO REVISORA:
Maria Guadalupe Medina (Presidente, Professor orientador), Professor do Instituto de
Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.
Eleonora Lima Peixinho Guimarães, Professor do Departamento de Saúde da Família da
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia
Murilo Pedreira Neves Junior, Professor do Departamento de Medicina Interna e Apoio
Diagnóstico da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
Melissa Moura Costa Abbehusen, Doutorando do Curso de Doutorado do Programa de
Pós-graduação em Patologia Humana e Experimental ((PPgPAT)) da Faculdade de Medicina
da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
TERMO DE REGISTRO ACADÊMICO: Monografia avaliada
pela Comissão Revisora, e julgada apta à apresentação pública no VII
Seminário Estudantil de Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA,
com posterior homologação do conceito final pela coordenação do Núcleo de
Formação Científica e de MED-B60 (Monografia IV).Salvador (Bahia), em
___ de _____________ de 2014.
V
"Responsabilidade de quê? A responsabilidade de ter olhos
quando os outros os perderam." (Extraído do Livro “Ensaio
sobre a cegueira”, de José Saramago)
VI
À minha mãe, Rosane Dourado dos
Santos
VII
EQUIPE Maria Guadalupe Medina, Instituto de Saúde Coletiva/UFBA. Correio-e: [email protected];
Luara Dourado Santos Cambuí, Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Correio-e:
INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Faculdade de Medicina da Bahia (FMB)
Instituto de Saúde Coletiva (ISC)
FONTES DE FINANCIAMENTO
1. Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq); e
2. Recursos próprios.
VIII
AGRADECIMENTOS
À minha professora orientadora, Doutora Maria Guadalupe Medina, pela presença
constante, disponibilidade em orientar e exemplo profissional.
Aos Doutores Eleonora Lima Peixinho Guimarães, Murilo Pedreira Neves Junior e, e à
Doutoranda Melissa Moura Costa Abbehusen, membros da Comissão Revisora desta
Monografia, pela contribuição com meu trabalho. Meus especiais agradecimentos pela
constante disponibilidade.
1
SUMÁRIO
ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS 2
I. RESUMO 3
II. OBJETIVO 4
III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 5 III.1. Os modelos de atenção à saúde: Conceito e contextualização do debate 5
III.2. Atenção primária à saúde: seus atributos 6
III.3. As redes de saúde centradas em APS 8
III.4. As condições crônicas não transmissíveis: a polarização epidemiológica 9
III.5. O câncer como condição crônica não transmissível: estimativas 9
III.6. O cuidado ao paciente com câncer no Brasil: Legislação 10
III.7. A história natural da doença, o câncer e a APS 11
IV. METODOLOGIA 13
V. RESULTADOS 18 V.1. Características gerais dos estudos 18
V.2 Definição da responsabilidade do médico da atenção primária à saúde no cuidado ao
paciente com câncer 22
V.2.1 O médico generalista e o médico especialista na fase ativa do tratamento do câncer 24
V.2.2 O médico generalista e o acompanhamento do paciente sobrevivente a um câncer 25
V.2.3 O médico generalista, o paciente e os cuidadores na fase terminal da doença 27
V.2.4 O cuidado compartilhado 27
V.3 Definição da responsabilidade de outros profissionais de saúde da atenção primária no
cuidado ao paciente com câncer 28
VI. DISCUSSÃO 29
VII. CONCLUSÕES 34
VIII. SUMMARY 35
IX. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 36
X. ANEXO 40 ANEXO I: Instrumento para análise da qualidade dos artigos selecionados 40
ANEXO II: Cópia do modelo do plano de cuidado ao sobrevivente proposta pela
National Academic of Science e publicado por Grunfeld & Earle (2010) 41
2
ÍNDICE DE QUADROS E FIGURAS
Tabelas
Tabela 1. Buscas na base de dados do SciELO 14 Tabela 2. Buscas na base de dados do PubMed 14 Tabela 3. Avaliação da qualidade dos artigos selecionados 17 Tabela 4. Caracterização dos artigos segundo fase do cuidado abordada na atenção
ao paciente com câncer 23
Tabela 5. Caracterização dos artigos segundo funções do médico generalista 24
Quadro
Quadro 1. Características gerais dos estudos incluídos 19
Diagramas
Diagrama1. Ações para controle de causas de enfermidades 12 Diagrama2. Fluxograma da seleção de artigos 16
3
I. RESUMO
INTRODUÇÃO: As estimativas do Instituto Nacional do Câncer apontam para a ocorrência
de aproximadamente 385 mil casos novos da doença para os anos de 2012 e 2013, excluídos os casos
de câncer de pele não melanoma no Brasil. Num contexto de crescimento da incidência e prevalência
de cânceres, a atenção primária à saúde, como nível de atenção a qual se atribui função de
coordenação e continuidade do cuidado, deve ter participação mais efetiva e os profissionais que
atuam no âmbito da atenção primária devem agir de forma assertiva, com clareza da sua função.
OBJETIVO: Identificar as especificidades das funções dos profissionais da atenção primária à saúde
no cuidado ao portador de câncer. DESENHO DO ESTUDO: Revisão sistemática da literatura.
METODOLOGIA: Foram utilizadas as bases de dados SciELO e PubMed, que geraram 1895 artigos,
dos quais 20 artigos foram selecionados. Foram incluídos estudos publicados entre 2003 e 2012, nas
línguas portuguesa, inglesa e espanhola, que discriminassem as atividades realizadas por
profissionais de saúde da atenção primária no cuidado ao paciente com câncer e cuja qualidade tenha
sido considerada satisfatória. RESULTADOS: A maioria dos estudos (16/20) aborda somente a
função que o médico pode exercer no cuidado ao paciente com câncer. Para este, funções gerais
foram identificadas nos estudos: cuidado a condições gerais de saúde, suporte psicológico, ajuda com
questões sociais e econômicas, assistência aos cuidadores e promoção de saúde. As funções em fases
específicas da doença foram analisadas de acordo com as seguintes categorias: fase ativa do
tratamento, acompanhamento do sobrevivente e cuidado paliativo. Dois importantes temas
emergiram dessas fases: o conhecimento do médico generalista e cuidado compartilhado entre
especialistas e generalistas. Outros profissionais citados foram o enfermeiro e o agente comunitário
de saúde, com funções superficialmente abordadas. Os estudos são heterógenos quanto ao desenho
de estudo usado e a população estudada. DISCUSSÃO: Os estudos não foram decisivos em afirmar
funções exclusivas do profissional da atenção primária, mas orientaram o caminho que este pode
seguir. É importante que o profissional da atenção primária tenha acesso facilitado a informações
sobre a doença e a recursos da atenção secundária. CONCLUSÃO: O médico generalista deve
exercer função de apoio durante a fase ativa do tratamento do câncer, pode atuar como único
responsável pelo acompanhamento do usuário que sobreviveu ao câncer e é apontado como um dos
assistentes no cuidado ao portador de câncer avançado em fase terminal de doença. Mais estudos são
necessários para identificar a função de outros profissionais nesse cuidado.
Palavras-chave: atenção primária à saúde; neoplasias; pessoal de saúde.
4
II. OBJETIVO
O objetivo desse estudo foi realizar uma revisão sistemática da literatura visando identificar
as especificidades das funções dos profissionais da atenção primária à saúde no cuidado ao portador
de câncer.
5
III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
III.1 Os modelos de atenção à saúde: Conceitos e contextualização do debate
Segundo Paim (2012, p.63), modelo de atenção à saúde “pode ser definido como
combinações tecnológicas estruturadas para a resolução de problemas e para o atendimento de
necessidades de saúde, individuais e coletivas”.
O emprego da palavra modelo deve prescindir à ideia de padrão a ser seguido. O objetivo de
tais modelos é identificar o modo como são dispostas as tecnologias duras, leve-duras e leves para
uma determinada população.
Deve-se ter em conta que partilham da construção desses modelos não apenas as necessidades
em saúde da população, mas também interesses políticos, econômicos e culturais (Teixeira et al.
1998; Paim, 2012). Vê-se, assim, a influência de movimentos ideológicos para a consolidação desses
modelos. São exemplos, pela importância histórica e pertinência a proposta do trabalho que será
realizado, a Declaração de Alma-Ata e a Carta de Otawa. A primeira desenvolve o movimento da
atenção primária. A segunda reforça o movimento da promoção de saúde, quando dá ênfase aos
determinantes socioambientais da saúde e mostra sua grande influência quando se trata de saúde
(Paim, 2012).
No Brasil, há predominância dos modelos médico hegemônico e sanitarista. O primeiro diz
respeito a um modelo centrado no individualismo, na ênfase do biologismo e na visão da
saúde/doença como mercadoria. Ele se divide em duas versões: modelo médico assistencial privatista
– centrado na clínica, no atendimento da demanda espontânea e nas especialidades – e no modelo da
atenção gerenciada – que se diferencia pela contenção da demanda e racionamento dos
procedimentos. Já o segundo modelo, o modelo sanitarista, trata da intervenção vertical sobre os
problemas e necessidades de saúde da população, com foco na atuação contra certos agravos e sobre
determinados grupos sociais. Este modelo age, principalmente, através de campanhas sanitárias e
programas especiais do governo, numa perspectiva epidemiológica. (Teixeira, 1998; Paim, 2003;
Paim, 2012)
Os modelos citados têm como característica a fragmentação das ações em saúde. Na tentativa
de superar tal fragmentação, alternativas aos modelos citados têm sido propostas, sendo exemplos a
oferta organizada, a distritalização, as ações programáticas de saúde, o acolhimento e a Estratégia de
Saúde da Família (Paim, 2003; Paim, 2012). A intenção é tornar coerentes os fluxos dentro do setor
saúde e assim torná-lo efetivo e resolutivo. Para que tal fato aconteça, é imprescindível a discussão
de qual o papel dos agentes e estruturas construídas dentro do setor.
6
A atenção primária a saúde engloba parte desses agentes e estruturas. É no âmbito da APS
que os indivíduos tem seu primeiro contato com o sistema de saúde, devendo ser este nível de
atenção provedor do cuidado regular aos indivíduos e famílias e responsável pelo direcionamento do
paciente dentro do sistema de saúde. Nem sempre se encontra bem estabelecido o papel que deve ser
assumido pelos profissionais que se situam nesse nível do sistema de saúde, podendo haver
duplicidade de função com profissionais de outros níveis.
III.2 Atenção primária à saúde: seus atributos
A ideia de que a atenção primária à saúde (APS) deve ser a base de um sistema de saúde é
defendida por muitos autores. Starfield et al. (2005) realizaram uma revisão de literatura buscando
evidências que comprovassem serem os sistemas de saúde baseados em APS – principalmente
aqueles com abrangência individual, familiar e comunitária – mais eficazes em atender às demandas
de diferentes grupos populacionais do que os sistemas baseados em um atendimento especializado e
individualizado. Os resultados mostraram que a saúde é melhor em áreas com mais médicos de
cuidados primários, que pessoas que recebem atendimento de médicos de cuidados primários são
mais saudáveis e que as características de cuidados primários estão associados a melhoria da saúde.
Sobre este último aspecto, é referida a importância do desenvolvimento de ferramentas para a
avaliação das características estruturais das práticas em atenção primária, já que estas tem impacto no
resultado final dessas práticas, bem como, a estreita relação entre a qualidade dessas atividades com
as orientações das políticas vigentes. Ou seja, sistemas de saúde que apresentam uma APS forte são
mais eficientes e eficazes.
A justificativa para tais benefícios da APS estão relacionadas, principalmente, ao maior
acesso pela população aos serviços de saúde, à integralidade do cuidado, ao maior foco em
prevenção, ao manejo precoce dos problemas de saúde, e à redução de consultas especializadas
desnecessárias (Starfield et al., 2005).
E o que é Atenção Primária à Saúde?
A atenção primária é aquele nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada
no sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a pessoa
(não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as
condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida em
algum outro lugar ou por terceiros [...] a atenção primária é uma abordagem que forma a base
e determina o trabalho de todos os outros níveis dos sistemas de saúde. [...] É a atenção que
organiza e racionaliza o uso de todos os recursos, tanto básicos como especializados,
direcionados para a promoção, manutenção e melhora da saúde (Starfield et al., 2002, p.28).
7
Esse conceito pode ser referido como "conceito abrangente da APS" (Paim, 2012). Entretanto
outros modos de organização da APS existem. Como exemplo, cita-se a APS que se baseia em
programas focalizados e seletivos direcionados a limitado número de problemas de saúde nos países
em desenvolvimento, com "pacotes" de serviços prontos e oferecidos de forma verticalizada, sem
considerar a diversidade dos locais onde são implementados (Giovanella e Mendonça, 2012). Outro
exemplo pertinente é a dificuldade que países com sistemas de saúde baseados na tecnologia, na
especialização e na supremacia do hospital possuem de compreenderem a resolutividade e
necessidade de implementação da APS, mantendo um cuidado em saúde com foco individual e
curativo (Starfield, 2002).
O debate sobre atenção primária permeia a discussão de atributos que enfatizam a sua função
como estratégia para organizar os sistemas de atenção à saúde, como uma filosofia que permeia os
setores sociais e da saúde. São esses atributos (Starfield, 2002; Giovanella e Mendonça, 2012;
Aquino et al., 2014):
Primeiro contato: uso da APS como porta de entrada do sistema. Ela será procurada
sempre que surgir um novo problema de saúde.
Acessibilidade: implica eliminação de barreiras geográficas, administrativas,
financeiras, culturais e de linguagem.
Responsabilidade: relaciona-se com efetividade, ao considerar a proporção de
reconhecimento recíproco entre população e serviços de saúde. Pela população, dos benefícios que
recebe. Pelos serviços de saúde, das características e quantitativo dessa população. Diz respeito ainda
ao compromisso assumido pela equipe de saúde da APS de acompanhar o individuo durante toda a
sua vida e durante qualquer percurso feito dentro do sistema de saúde.
Coordenação: é função da APS orientar o fluxo dos indivíduos através do sistema de
saúde, através da solicitação dos serviços especializados e do controle do uso de outros serviços por
contra-referência, o que facilita a comunicação entre os diferentes serviços e destes serviços com o
paciente. Faz parte desse atributo o conhecimento de outras instituições e entidades que possam
contribuir com os cuidados em saúde desse paciente, como ONGs, a fim de aliar a colaboração deles
com os cuidados primários em saúde.
Centralidade na comunidade: a oferta de cuidado é realizada e planejada
considerando as características familiares dos indivíduos atendidos pela APS, as características
culturais e socioeconômicas da comunidade que será atendida e os problemas de saúde para tornar
eficaz as ações de promoção e prevenção à saúde.
Integralidade: garante ao paciente acesso a todos os cuidados necessários, quer
secundário, terciário ou mesmo domiciliar.
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Continuidade: a oferta do cuidado se dá de forma ininterrupta. O profissional é
responsável pelo usuário e cuida do registro das informações advindas desse convívio, para que a
sucessão de eventos não se perca com o tempo. Também faz parte desse atributo a comunicação
efetiva entre os profissionais de saúde sobre dados do paciente, para otimizar os procedimentos os
cuidados oferecidos a este.
O entendimento e aplicação prática dos atributos da atenção primária levam à construção de
sistemas integrados em saúde, alicerçados na ideia de fluxos inteligentes por dentro do sistema.
III.3 As redes de saúde centradas em APS
De desenvolvimento recente, o conceito de redes em saúde inspira-se na compreensão da
capacidade organizacional da APS, e oferece a possibilidade de construção de um novo paradigma
no cuidado em saúde. Redes de saúde centradas em APS são
[...] organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde vinculados entre si por uma
missão única, por objetivos comuns e por ação cooperativa e interdependente, que permitem
ofertar atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção
primária à saúde [...] e com responsabilidades sanitária e econômica por essa população
(Mendes, 2010, p.6).
Assim, essas redes não hierarquizadas permitem a igual valorização dos níveis primário,
secundário e terciário no cuidado integral do indivíduo, tendo a atenção primária como
coordenadora.
Historicamente, a primeira descrição de uma rede de saúde está contida Relatório Dawson,
que orientou a reforma sanitária inglesa, publicado em 1920. Em seu modelo de sistema, apontava
para a criação de centro primário de saúde articulado com centros de saúde secundários, hospitais-
escola e serviços domiciliares (Kuschnir e Chorny, 2010; Giovanella e Mendonça, 2012; Aquino et
al., 2014). Quase 100 anos depois, foi lançado, pela Organização Pan-Americana da Saúde, uma
série com título “Renovación de la atención primaria de salud em las Américas”, composto por
publicações que discutem a necessidade e as formas de reestruturação da atenção primária (Macinko
et al, 2007; Organização Pan-Americana da Saúde, 2007a). Dentre tais publicações, existe uma que
trata diretamente do tema redes integradas de serviços de saúde, com o objetivo de incentivar os
países da América Latina a implementarem essa forma de organização em seus sistemas de saúde
(Organização Pan-Americana da Saúde, 2008).
O conceito de redes é fundamentado por três pilares: a população, a estrutura operacional e o
modelo de atenção à saúde. Aqui, é a população que direciona as atividades da rede. A estrutura
operacional, segundo Mendes (2010), se constrói a partir de cinco componentes: o centro de
comunicação, a atenção primária à saúde; os pontos de atenção secundários e terciários; os sistemas
de apoio; os sistemas logísticos; e o sistema de governança da rede de atenção à saúde. Por fim, o
9
modelo de atenção à saúde diz respeito aos sistemas lógicos que organizam o funcionamento das
redes de atenção à saúde. Conhecer as propostas de modelo de atenção e de gestão disponíveis na
literatura é fundamental para a estruturação dos mesmos de acordo com as necessidades da
população (Mendes, 2010).
A verificação da existência de redes baseadas em APS vinculadas à atenção ao paciente com
câncer interessa à pergunta a ser respondida neste trabalho, pois suas características permitem o
suprimento eficaz das necessidades de saúde da população. Tal verificação se fará através da
identificação de fluxos entre a APS e os níveis do cuidado nos estudos analisados. Salienta-se que
este é um tema atual, estando na pauta dos gestores de saúde de muitos países, inclusive do Brasil.
III.4 As condições crônicas não transmissíveis: polarização epidemiológica
As condições crônicas não transmissíveis foram responsáveis por 63% dos 57 milhões de
mortes ocorridas no mundo em 2008, tendo a maioria dessas mortes sido atribuídas às seguintes
comorbidades: diabetes, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares crônicas e câncer/neoplasias
malignas (Organização Mundial de Saúde, 2011). Sendo a cronicidade mais prevalente em fases
avançadas da vida, tem-se a maior contribuição das doenças crônicas para a mortalidade associada à
tendência ao envelhecimento da população em todo o mundo.
Do maior impacto das doenças crônicas, aliado ao envelhecimento populacional, sobrepondo
as doenças infecciosas no perfil de morbi-mortalidade, surgiu a ideia de transição epidemiológica,
com maior prevalência daquelas sobre estas progressivamente. Entretanto, especialmente em países
como Brasil e México, tal transição não ocorreu. Na verdade, passou-se a ter dupla carga de doenças,
fenômeno chamado de polarização epidemiológica por Barreto (1993), em que as doenças
infectocontagiosas não desapareceram e se somam às crônicas não transmissíveis, o que exige uma
reconfiguração das estratégias de saúde existentes. O modelo de cuidado vigente voltado para as
condições agudas deve ser superado por um modelo que inclua a atenção às condições crônicas. Uma
sugestão para que esse objetivo seja atingido é a adoção, pelos sistemas de saúde, do conceito de
cuidados inovadores para as condições crônicas através das redes de atenção (Mendes, 2010).
Cabe salientar que a escolha do termo “condição” crônica em detrimento do termo “doença”
crônica deve-se a maior abrangência epistemológica que o primeiro oferece.
III.5 O câncer como condição crônica não transmissível: estimativas
Dentre as quatro condições crônicas não transmissíveis citadas, a escolha pelo recorte do
câncer deve-se à gravidade desse acometimento e à vasta possibilidade de propostas de cuidados
inovadores, que possam abranger todas as fases da história natural dessa doença.
10
O câncer, em 2005, foi responsável por 13% de todas as mortes do mundo (Organização Pan-
Americana da Saúde, 2007b, p.126). De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Brasil, 2011),
no Brasil, as estimativas para o ano de 2012 e 2013 apontam a ocorrência de aproximadamente
518.510 casos novos de câncer, incluindo os casos de pele não melanoma. Sem os casos de câncer da
pele não melanoma, estima-se um total de 385 mil casos novos. Os tipos mais incidentes serão os
cânceres de pele não melanoma (63 mil casos novos), próstata (60 mil), pulmão (17 mil), cólon e reto
(14 mil) e estômago (13 mil) para o sexo masculino; e os cânceres de pele não melanoma (71 mil
casos novos), mama (53 mil), colo do útero (18 mil), cólon e reto (16 mil) e glândula tireoide (10
mil) para o sexo feminino.
Segundo o mesmo documento,
[...]a prevenção e o controle do câncer precisam adquirir o mesmo foco e a mesma atenção
que a área de serviços assistenciais, pois, quando o número de casos novos aumentar de
forma rápida, não haverá recursos suficientes para dar conta das necessidades de diagnóstico,
tratamento e acompanhamento [...] As consequências poderão ser devastadoras nos aspectos
social e econômico. O câncer pode se tornar um grande obstáculo para o desenvolvimento
socioeconômico de países emergentes como o Brasil. (Instituto Nacional de Câncer, 2011, p.
25).
III.6 O cuidado ao paciente com câncer no Brasil: Legislação
Em 16 de maio de 2013, através da portaria número 874, foi instituída a Política Nacional
para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças
Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem os seguintes princípios gerais:
I - reconhecimento do câncer como doença crônica prevenível e necessidade de
oferta de cuidado integral, considerando-se as diretrizes da Rede de Atenção à Saúde das
Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do SUS;
II - organização de redes de atenção regionalizadas e descentralizadas, com respeito
a critérios de acesso, escala e escopo;
III - formação de profissionais e promoção de educação permanente, por meio de
atividades que visem à aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes dos profissionais
de saúde para qualificação do cuidado nos diferentes níveis da atenção à saúde e para a
implantação desta Política;
IV - articulação intersetorial e garantia de ampla participação e controle social; e
V - a incorporação e o uso de tecnologias voltadas para a prevenção e o controle do
câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do SUS
devem ser resultado das recomendações formuladas por órgãos governamentais a partir do
processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) e da Avaliação Econômica (AE).
Apesar de ainda incipiente, tal política é fundamental para o cumprimento do dever do Estado
de garantia da saúde da população, versada no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de
1990 (Lei Orgânica da Saúde). As informações nela contidas foram importante na discussão dessa
11
revisão sistemática, a fim verificar se os estudos sobre a temática realizados em todo o mundo estão
de acordo com o que o governo brasileiro propôs como cuidado para o paciente portadores de uma
neoplasia maligna.
III.7 A história natural da doença, o câncer e a APS
Os objetivos desse trabalho chamam a atenção, em sua sequência, do que se chama “história
natural da doença”. Segundo Leavell e Clark (1976 apud Rouquayrol, 2003, p.20),
[...] a história natural da doença é o nome do conjunto de processos interativos
compreendendo as inter-relações do agente, do suscetível e do meio ambiente que afetam o
processo global de seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estímulo
patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem
ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte.
Baseada na ideia da história natural da doença, surge a proposição da vigilância em saúde
para organização das ações para o controle de causas de enfermidades (Figura 1). Ela incentiva a
prática da prevenção ao apresentar o controle de riscos e controle de danos, e englobar tais controles
num contexto de determinantes socioambientais, da delimitação de funções, das políticas públicas, da
necessidade de uma oferta organizada (o que pode estar interligado ao conceito de redes de atenção à
saúde) e na promoção de saúde em todos os âmbitos da história natural de uma doença, no caso, o
câncer.
O tema “cuidados paliativos” também será abordado neste trabalho pela relevância dessa
discussão para a assistência em oncologia. Cuidados paliativos, segundo Silva (2006, p.2056), "é
reconhecido como uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos indivíduos e familiares na
presença de doenças terminais. Controle dos sofrimentos físico, emocional, espiritual e social são
aspectos essenciais e orientadores do cuidado". Esse tema está subentendido em todo o processo de
controle de danos visualizado no diagrama 1, pois "sua discussão atual volta-se para a possibilidade
de entender cuidados paliativos como um conceito que permeia todo o cuidado, ou seja, do
diagnóstico à morte, incluindo o processo de luto" (Silva, 2006, p.2060). A expectativa é observar se
e como esse tema tem sido apontado nos textos que relacionem neoplasia e cuidados da Atenção
Primária.
Assim, baseado na epidemiologia do câncer, nos esforços para seu controle e nas
potencialidades da atenção primária à saúde, faz-se necessária a compreensão do papel dos
profissionais de saúde que atuam neste nível do cuidado para com o paciente oncológico. Para isto,
foi realizada uma revisão sistemática da literatura, que pretendeu, com os seus resultados, sumarizar
as mais recentes evidências das funções que devem e das que podem ser exercidas pelos profissionais
da APS na atenção ao paciente com câncer e a articulação desta com outros níveis do cuidado e,
assim, auxiliar o trabalho de profissionais clínicos ao oferecer informações acerca de suas funções.
12
Diagrama 1: Ações para controle de causas de enfermidades
CONTROLE DE CAUSAS
CONTROLE DE RISCOS
CONTROLE DE DOENÇAS
DE
TE
RM
INA
NT
ES
SO
CIO
AM
BIE
NT
AIS
NE
CE
SS
IDA
DE
S
Grupos de risco
Epidemiologia Atuais Exposição
Potenciais Senso comum Norma jurídica Expostos
Cura Indícios Indícios Casos Sequela Exposição Danos
Óbito
Suspeitos Assintomáticos
Intervenção
Social Organizada
Ações programáticas de Saúde – Oferta Organizada
Políticas Públicas
Transetoriais
Vigilância sanitária Vigilância epidemiológica
Assistência Médico-hospitalar
Promoção de Saúde
Proteção de Saúde Screening Diagnóstico precoce
Limites de dano
Reabilitação
Consciência sanitária e ecológica/educação em saúde/promoção da saúde ampliada
Paim, 2003
Riscos
13
IV. METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido como subprojeto de um projeto maior, que teve como objetivo
principal elaborar metodologia para a identificação, descrição e análise de “iniciativas inovadoras”
para enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis, em especial aquelas baseadas na
organização redes de atenção à saúde, centradas na Atenção Primária.
O referido projeto é coordenado pela professora Maria Guadalupe Medina e está vinculado ao
Programa Integrado de Pesquisa e Formação em Avaliação da Atenção Básica (GRAB) do Instituto
de Saúde Coletiva (ISC/UFBA).
Para nossa monografia, realizamos um recorte desse estudo maior, procedendo a uma revisão
sistemática sobre o cuidado ao câncer na atenção primária à saúde, especificamente das funções a
serem exercidas pelos profissionais desse nível de cuidado após diagnóstico do câncer.
As revisões sistemáticas são "desenhadas para serem metódicas, explícitas e passíveis de
reprodução. [...] Esses estudos ajudam a sintetizar a evidência disponível na literatura sobre uma
intervenção, podendo auxiliar profissionais clínicos e pesquisadores no seu cotidiano de trabalho"
(Sampaio, 2007, p.83). Este é o melhor método para busca de informações sobre qualquer tema que
possua publicações originais suficientes para elaboração de uma síntese. A construção de uma
metodologia de busca baseada em um modo sistemático, portanto, significa a segurança de ter
recolhido a melhor informação disponível para discussão de uma temática.
A busca dos artigos científicos foi realizada mediante consulta eletrônica às seguintes bases
de dados bibliográficos: PubMed e SciELO. Contempla, assim, a literatura internacional e latino-
americana, respectivamente.
Com base na pergunta de investigação (Qual o papel dos profissionais da atenção primária no
cuidado ao paciente com câncer após o seu diagnóstico?), iniciou-se o processo de busca dos
descritores com teste de combinações e operações booleanas, as quais se encontram nas tabelas
abaixo, com os respectivos quantitativos de artigos disponíveis na literatura no período selecionado.
A escolha valorizou palavras que necessariamente seriam abordadas caso o estudo envolvesse a
pergunta principal. A busca compreende documentos publicados entre 01/01/2003 e 31/12/2012.
A fim de encontrar os descritores em português, foi feita uma análise exploratória na base
ScieLO (Tabela 1). Os seguintes descritores foram usados: Neoplasia, Câncer, Atenção Primária e
Atenção Básica. As combinações booleanas foram: (Neoplasia OR Câncer) AND Atenção Primária e
(Neoplasia OR Câncer) AND Atenção Básica.
14
Tabela 1. Buscas na base de dados do SciELO
Descritor / combinação de descritores
Número de artigos encontrados
Câncer 7712
Neoplasia 1793
Atenção Primária 703
Atenção básica 961
Câncer AND Atenção Primária 10
Câncer AND Atenção Básica 12
Neoplasia AND Atenção Primária 3
Neoplasia AND Atenção Básica 1
(Neoplasia OR Câncer) AND Atenção Primária 10
(Neoplasia OR Câncer) AND Atenção Básica 12
Os termos para a base SciELO foram escolhidos segundo os Descritores em Ciências da
Saúde (DeCS), encontrados na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). Segue o significado dos termos
selecionado:
Neoplasia/Câncer: Crescimento novo anormal de tecido. As neoplasias malignas
apresentam um maior grau de anaplasia e têm propriedades de invasão e de metástase quando
comparadas às neoplasias benignas.
Atenção Primária/Atenção Básica: É a assistência sanitária essencial baseada em
métodos e tecnologias práticas, cientificamente fundados e socialmente aceitáveis, postos ao alcance
de todos os indivíduos e famílias da comunidade mediante a sua plena participação e a um custo que
a comunidade e o país possam suportar, em todas e cada etapa do seu desenvolvimento, com um
espírito de auto responsabilidade e autodeterminação.
Os termos câncer e atenção básica não aparecem como descritores no DeCS, mas são citados
como termos similares. Optou-se por incluir ambos por seu uso recorrente na língua portuguesa.
A fim de encontrar os descritores na língua inglesa, foi feita uma análise exploratória na base
PubMed (Tabela 2).
Tabela 2. Buscas na base de dados do PubMed
Descritor / combinação de descritores
Número de artigos encontrados
"Neoplasms"[Mesh] 819883
"Primary Health Care"[Mesh] 36691
("Neoplasms"[Mesh]) AND "Primary Health Care"[Mesh] 1880
Na base PubMed foram usados os seguintes Medical Subject Headings (MeSH): Primary
Health Care e Neoplasms. A combinação booleana foi: ("Neoplasms"[Mesh]) AND "Primary Health
Care"[Mesh].
15
Seguem definições, termos de entrada e indexadores prévios dos descritores selecionados:
Primary Health Care: Care which provides integrated, accessible health care
services by clinicians who are accountable for addressing a large majority of personal health care
needs, developing a sustained partnership with patients, and practicing in the context of family and
community. (JAMA 1995;273(3):192).
Neoplasms: New abnormal growth of tissue. Malignant neoplasms show a greater
degree of anaplasia and have the properties of invasion and metastasis, compared to benign
neoplasms.
Para o descriptor Primary Health Care, funcionam como entradas equivalentes os seguintes
unitermos ou expressões: care, primary health; health care, primary; primary care; care, primary;
primary healthcare; healthcare, primary.
Para o descritor Neoplasms, funcionam como entradas equivalentes os seguintes unitermos
ou expressões: tumors; tumor; neoplasia; neoplasm; benign neoplasms; neoplasms, benign; benign
neoplasm; neoplasm, benign; cancer, cancers.
Os critérios de inclusão adotados foram: tratar-se de estudo empírico, ter sido publicado entre
01/01/2003 e 31/12/2012, se apresentar nos idiomas português, inglês ou espanhol, e ter texto
completo disponível em suporte eletrônico.
Os critérios de exclusão adotados foram: (a) não apresentar dados que permitissem
discriminar as atividades realizadas por profissionais de saúde da atenção primária no cuidado ao
paciente com câncer; e (b) estudos considerados de qualidade insatisfatória após aplicação de um
instrumento de avaliação de qualidade.
As listas dos textos selecionados pelos descritores propostos preencheram a matriz de
inclusão/exclusão, onde estão registrados todos os artigos gerados pela base e a justificativa para sua
exclusão. A exclusão foi realizada em duas etapas: a primeira baseada no título e no resumo, e a
segunda, realizada após leitura do texto completo.
As buscas resultaram na reunião de 1.902 documentos, sendo 22 da base SciELO e 1.880 da
base PubMed. Não foram gerados estudos comuns às duas bases. A seleção dos artigos procedeu em
duas etapas: leitura dos títulos e resumos, e leitura completa dos artigos. As duplicações foram
excluídas na primeira etapa. Do total de 1.895 artigos (excluídas sete duplicações), 65 foram
selecionados para leitura completa.
Após leitura completa, 36 artigos foram excluídos por não fornecer dados de interesse a esta
revisão. Os 29 artigos restantes foram submetidos a uma avaliação de qualidade, utilizando-se o
instrumento do National collaborating centre for Determinants of Health, adaptado por Rosana
Cincurá (Cincurá, 2014) em sua dissertação de mestrado (Anexo 1). O instrumento contemplou os
16
seguintes critérios: pertinência do estudo, clareza dos objetivos, adequação da metodologia e
coerência dos resultados, e discussão. Foi atribuído ponto de corte de sete, numa escala máxima de
dez, para que o artigo fosse considerado satisfatório. Nove artigos foram excluídos por apresentarem
qualidade insatisfatória. Assim, 20 artigos foram selecionados para comporem essa revisão
(Fluxograma). A tabela 3 apresenta a pontuação obtida por cada um dos 20 artigos selecionados para
este estudo.
Diagrama 2. Fluxograma de seleção dos artigos
PubMed
1.880
SciELO
22
1.895
artigos
1.830 excluídos por
título/resumo
7 excluídos por
repetição na própria base
65
artigos
29
artigos
36 excluídos por texto
completo
20
artigos
9 excluídos por qualidade
insatisfatória
17
Tabela 3. Avaliação da qualidade dos artigos selecionados
Artigos
Critério de avaliação
Introdução Pergunta/
Objetivo
Metodologia Resultado Discussão Conclusão Escore
Total
PM=1,5 PM=1 PM=3 PM=1,5 PM=1,5 PM=1,5 PM=10 Allgar& Neal,
2005.
1,5 1 2 1,5 1,5 1,5 9
Anvik et al.
(2006)
1,5 1 2,5 1,5 1 1 8,5
Aubin et al.
(2010)
1,5 1 2 1,5 1,5 0,5 8
Blaauwbroek et
al. (2008)
1,5 1 3 1,5 1,5 1,5 10
Cheung et al.
(2009)
1 1 3 1 1,5 1,5 9
Dalsted et al.
(2011)
1,5 1 3 1,5 1 1,5 9,5
Del Giudice et
al. (2009)
1,5 1 3 1,5 1,5 1 9,5
Grunfeld et al.
(2006)
1,5 1 3 1,5 1 1,5 9,5
Hanks et al.
(2011)
1,5 1 2,5 1,5 1 0 7,5
Hudson et al.
(2012)
1,5 1 3 1,5 1,5 1,5 10
Kendall et al.
(2006)
1 1 2,5 1,5 0,5 1,5 8
Klabunde et al.
(2009)
1 1 3 1,5 1,5 1,5 9,5
Mao et al. (2009)
1,5 1 3 1,5 1,5 1,5 10
Murchie et al.
(2009)
1,5 1 2 1 1,5 1,5 8,5
Roorda et al.
(2012)
1,5 1 3 1,5 1,5 1,5 10
Sada et al.
(2011)
1,5 1 3 1,5 1,5 1,5 10
Simino et al.
(2010)
1,5 1 3 1,5 1,5 1,5 10
Sisler et al.
(2004)
1,5 0,5 3 1,5 1,5 1,5 9,5
Watson et al.
(2010)
1,5 1 2,5 1,5 1,5 1,5 9,5
Wattchow et al.
(2006)
1,5 1 3 1,5 1 1,5 9,5
PM: Pontuação máxima. Adaptado de Cincurá, 2014.
18
V. RESULTADOS
V.1 Características gerais dos estudos
Os 20 estudos analisados estão listados no Quadro 1, caracterizados por autor, ano, país de
origem, sítio(s) de câncer, objetivo do estudo, tipo de estudo e participantes.
Quanto aos países de origem, metade dos estudos foi produzida na América do Norte (cinco
estudos no Canadá e quatro nos Estados Unidos), seguida por Reino Unido, com quatro estudos entre
Austrália e Holanda, com dois estudos cada. Brasil, Dinamarca e Noruega foram representados com
um artigo cada.
Os sítios de câncer abordados (quando especificados) pelos estudos foram: cólon e reto (7
estudos), mama (7 estudos), próstata (4 estudos), pulmão (4 estudos), linfoma (2 estudos), câncer
pediátrico (1 estudo), melanoma (1 estudo), ovário (1 estudo).
Quanto aos objetivos, a quase totalidade dos estudos (90%) tem como objetivo principal
verificar a função do profissional médico da atenção primária no cuidado ao paciente com câncer e
metade deles se refere especificamente ao acompanhamento de pacientes que sobreviveram ao
câncer. Os estudos, em sua maioria, utilizaram a descrição do papel desses profissionais na visão dos
próprios profissionais e/ou de pacientes, a partir da sua experiência pessoal e dados secundários.
Além desses, três ensaios clínicos foram selecionados, sendo dois destes randomizados.
19
Quadro 1. Características gerais dos artigos incluídos neste estudo
Autor (ano) País Sítio(s) de
câncer
Objetivo do estudo Tipo de
estudo
Participantes
Allgar & Neal
(2005)
Reino
Unido
Colorretal
Linfoma
não
Hodgkin
Mama
Próstata
Pulmão
Ovário
Explorar o papel de médicos
generalistas no manejo de pacientes
com câncer.
Estudo
exploratório
65.337 pacientes
Anvik et al.
(2006)
Noruega Vários* Reportar e explorar o papel do médico
generalista no acompanhamento de
pacientes recentemente tratados para
câncer.
Estudo
descritivo
13 médicos
generalistas
41 pacientes
Aubin et al.
(2010)
Canadá Pulmão Descrever o papel exercido e o papel
esperado de médicos generalistas em
diferentes fases do câncer.
Estudo
descritivo
395 pacientes
Blaauwbroek
et al. (2008)
Holanda Cancer
pediátrico
Avaliar o cuidado compartilhado entre
médico generalista e oncologista
pediátrico no cuidado ao adulto que foi
portador de câncer na infância.
Ensaio
clínico
115 médicos da
família
121 pacientes
Cheung et al.
(2009)
Canadá Vários* Compara as expectativas de pacientes
sobreviventes do câncer com as de médicos da atenção primária e médicos
oncologistas sobre os papéis exercidos
por estes.
Estudo
exploratório
431 pacientes
255 médicos da
atenção primária
123 médicos
oncologistas
Dalsted et al.
(2011)
Dinamarca Mama
Próstata
Pulmão
Colorretal
Discutir se o médico generalista tem o
papel de coordenador do cuidado para
o paciente com câncer durante a fase
de tratamento da doença.
Estudo
descritivo
12 pacientes
12 médicos
generalistas
3 médicos
especialistas
3 enfermeiros
especialistas
Del Giudice et
al. (2009)
Canadá Próstata
Colorretal
Mama
Linfoma
Avaliar o interesse de médicos em
assumir exclusivamente o acompanhamento do paciente
sobrevivente.
Estudo
descritivo
330 médicos da
atenção primária
Continua *Mais de seis tipos de cânceres são citados no artigo
20
Quadro 1. Continuação
Autor
(ano)
País Sítio(s) de
câncer
Objetivo do estudo Tipo de estudo Participantes
Grunfeld
et al.
(2006)
Canadá Mama Testar a hipótese de que o
acompanhamento fornecido pelo
médico da família do paciente é seguro
como alternativa ao cuidado fornecido
pela atenção secundária.
Ensaio clínico
randomizado
multicêntrico
968 pacientes
Hanks et
al. (2011)
Austrália Colorretal Examinar e comparar o papel de
médicos generalistas que atuam em
zonas rurais, urbanas e remotas.
Estudo
descritivo
15 médicos
generalistas
Hudson et al. (2012)
Estados Unidos
Próstata
Mama
Reportar as preferências de pacientes quanto ao papel do médico da atenção
primária sobre o acompanhamento
estendido de sua doença.
Estudo descritivo
42 pacientes
Kendall et
al. (2006)
Reino
Unido
Vários* Explorar como o médico generalista
pode melhor assistir o paciente com
câncer.
Estudo
exploratório
18 pacientes
Klabunde
et al.
(2009)
Estados
Unidos
Colorretal
Pulmão
Caracterizar o papel de médicos da
atenção primária no cuidado ao câncer,
comparando com o papel de
especialistas.
Estudo
descritivo
1694 médicos da atenção primária
1621 médicos oncologistas
Mao et al.
(2009)
Estados
Unidos
Mama Descrever a percepção de pacientes
sobre o cuidado para sobrevivente ofertado por médicos da atenção
primária.
Estudo
descritivo
300 pacientes
Murchie et
al. (2009)
Reino
Unido
Melanoma Explorar como um programa de
acompanhamento de paciente com
história de melanoma por médicos da
atenção primária ocorreu na prática.
Estudo
avaliativo
17 médicos
generalistas
Roorda et
al. (2012)
Holanda Mama Explorar o uso específico para doença
dos cuidados da atenção primária entre
mulheres em fase ativa de tratamento,
comparando com o uso desses serviços
por mulheres sem câncer.
Estudo
exploratório
185 pacientes
Sada et al.
(2011)
Estados
Unidos
Colorretal Descrever o papel de médicos e o
padrão de comunicação em um modelo
compartilhado de cuidado.
Estudo
descritivo
10 pacientes
8 médicos
oncologistas
6 médicos generalistas
Simino et
al. (2010)
Brasil Não
especificado
Identificar e analisar as ações de
acompanhamento dos trabalhadores de
equipes de saúde da família aos
usuários portadores de câncer, em um
município de grande porte do Sudeste
do Brasil.
Estudo
descritivo
101
trabalhadores
de saúde
Continua* Mais de seis tipos de cânceres são citados no artigo
21
Quadro 1. Continuação
Autor
(ano)
País Sítio(s) de
câncer
Objetivo do estudo Tipo de estudo Participantes
Sisler et
al.(2004)
Canadá Vários* Descrever o tipo de ajuda que o paciente
refere precisar receber, em que grau o
médico da família responde as estas
necessidades e a associação entre
qualidade de vida e cuidado ofertado por
esses profissionais.
Estudo
descritivo
202 pacientes
Watson et
al. (2010)
Inglaterra Não
especificado
Avaliar a visão de médicos de cuidado
primário sobre o conteúdo e utilidade da revisão do cuidado ao câncer ofertado ao
seu paciente. Explora a alta do paciente
do cuidado especializado e a utilidade de
um plano de cuidado ao sobrevivente do
câncer.
Estudo
descritivo
200 médicos
generalistas
100 médicos
oncologistas
Wattchow
et al.
(2006)
Austrália Colorretal Comparar o acompanhamento da atenção
primária e da atenção secundária nos
seguintes aspectos: qualidade de vida,
bem-estar psicológico e satisfação com o
cuidado.
Ensaio clinico
randomizado
multicêntrico
157 pacientes
* Mais de seis tipos de cânceres são citados no artigo
22
V.2 Definição da responsabilidade do médico da atenção primária à saúde no cuidado
ao paciente com câncer
Dezesseis dos vinte estudos analisados abordaram exclusivamente o papel que o profissional
médico exerce no cuidado ao paciente com câncer. Apenas um deles (Simino et al., 2010) cita esse
profissional sem abordar o seu papel. Diferentes nomenclaturas são destinadas a esses profissionais
nos estudos lidos: general practitioner, family doctor, primary care doctor. Para evitar confusão de
termos, este trabalho utilizou os termos "médico generalista" ou "médico de cuidado primários"
sempre que se referiu a estes profissionais. De forma semelhante, o cuidado secundário ofertado aos
pacientes com câncer pode ser oferecido por oncologistas, cirurgiões oncológicos e radioterapeutas,
sendo todos eles, nesse estudo, referidos como "médico especialista".
O conteúdo dos artigos selecionados abrangeu três possíveis momentos do paciente após
diagnóstico do câncer (tabela 4): a fase ativa de tratamento do câncer, momento em há a expectativa
de remissão ou controle da doença; a fase de acompanhamento do paciente que sobreviveu ao câncer,
momento em que o paciente é considerado livre de doença e deve ser feita busca de recorrências da
neoplasia maligna, e efeitos colaterais e tardios do tratamento ofertado para a doença; e, por fim, a
fase de cuidado paliativo, aqui entendida como o período de estado terminal do paciente, que possui
câncer avançado sem expectativas de remissão ou controle da doença e no qual se objetiva fornecer
conforto e qualidade de vida ao portador do câncer e seus cuidadores.
Para além dessas categorias de análise, duas outras temáticas foram ressaltadas pelos estudos
e transitam por todas as fases acima citadas, quais sejam: o conhecimento do médico generalista
sobre a doença câncer e o cuidado compartilhado entre médico generalista e médico especialista, esta
última abordada separadamente.
Os estudos apontam funções que podem ser exercidas pelo profissional da APS nas três fases
do cuidado citadas (tabela 5). São elas: cuidado a condições gerais de saúde, suporte psicológico,
ajuda com questões sociais e econômicas, assistência aos cuidadores e promoção de saúde (Sisler et
al., 2004; Anvik et al., 2006; Kendall et al., 2006; Klabunde et al., 2009; Simino et al., 2010; Hanks
et al., 2011; Sada et al., 2011; Mao et al., 2012).
23
Tabela 4. Caracterização dos artigos segundo fase do cuidado abordada na atenção ao
paciente com câncer
Fases
Artigos
Tratamento ativo Acompanhamento do
sobrevivente
Cuidado paliativo
Allgar & Neal (2005)
Anvik et al. (2006)
Aubin et al. (2010)
Blaauwbroek et al. (2008)
Cheung et al. (2009)
Dalsted et al. (2011)
Del Giudice et al. (2009)
Grunfeld et al. (2006)
Hanks et al. (2011)
Hudson et al. (2012)
Kendall et al. (2006)
Klabunde et al. (2009)
Mao et al. (2009)
Murchie et al. (2009)
Roorda et al. (2012)
Sada et al. (2011)
Simino et al. (2010)
Sisler et al.(2004)
Watson et al. (2010)
Wattchow et al. (2006)
Elaborado pela autora
24
Tabela 5. Caracterização dos artigos segundo funções do médico generalistas abordadas
Funções
Artigos
Cuidado a condições
gerais de saúde
Suporte
psicológico
Ajuda com questões
sociais e econômicas
Assistência aos
cuidadores
Promoção de
saúde
Anvik et al.,
2006
Hanks et al., 2011
Kendall et al.,
2006
Klabunde et al.,
2009
Mao et al.,
2012
Sada et al.,
2011
Simino et al.,
2010
Sisler et al.,
2004
Elaborado pela autora
V.2.1 O médico generalista e o médico especialista na fase ativa do tratamento do câncer
Dez estudos abordaram as funções dos médicos generalista e especialista na fase ativa do
tratamento do câncer (tabela 4). Todos eles concordam que o médico especialista é o principal
responsável pelo tratamento ofertado ao paciente e discutem a forma como o médico generalista
pode atuar nesse processo.
Roorda et al (2012), através de uma análise secundária de dados de um sistema de
informação, identificaram que pacientes com câncer de mama se consultaram duas vezes mais que
mulheres da população geral, buscando, principalmente, cuidado para questões relacionadas ao
próprio tratamento, com sintomas gastrointestinais, cuidado psicológico e administração de terapia
endócrina.
Apesar do dado encontrado por Roorda et al. (2012), Anvik et al. (2006) e Hudson et al.
(2012) ressaltam que nesse período o médico generalista costuma perder o contato com o paciente.
Dalsted et al. (2011) afirmam que, além da perda de contato com o paciente, a informação sobre o
que está acontecendo com o paciente muitas vezes não é repassada aos médicos generalistas e as
decisões da equipe do cuidado secundário são tomadas sem consulta prévia a estes profissionais, e
assim a função de coordenador do cuidado que cabe ao generalistas fica muito prejudicada. Para
25
evitar tal situação, Dalsted et al. (2011) sugerem que a coordenação da trajetória do paciente seja
compartilhada com outros profissionais, permitindo assistência mais efetiva na fase ativa do
tratamento. Sobre a perda do contato, Dalsted et al. (2011) identificaram que esta depende do tipo de
relação que o paciente tinha com o generalista antes do seu diagnóstico, com aumento da
probabilidade de não afastamento quando havia proximidade entre eles.
Quanto às funções gerais do profissional médico da APS, em Sada et al. (2011), não foi
possível definir com clareza quem deve manejar as comorbidades. Para os que afirmavam que o
médico da APS deveria lidar com comorbidades, a justificativa foi a subespecialização de
oncologistas, que limitava a possibilidade de seu manejo adequado. Para os que afirmavam que o
médico oncologista deveria se responsabilizar por todo o cuidado do paciente na fase de tratamento,
a justificativa foi a comodidade do paciente em ter apenas um cuidador principal.
Hanks et al. (2011) chamam a atenção para um outro aspecto: o local de moradia do paciente.
Eles identificaram que pacientes com câncer que moram em zonas afastadas de centros urbanos
dependem mais do médico generalista, principalmente na fase de tratamento e em caso de
emergência médica. O que ocorre, segundo estes autores, é que a proximidade dos centros de
cuidado especializado faz com que os pacientes utilizem exclusivamente estes serviços, enquanto os
pacientes de zona rural, na fase de tratamento, quando não se estabelecem centros urbanos e tem
acesso limitado aos especialistas, necessitam do cuidado do generalista. Klabunde et al. (2009), que
avaliaram essa influência secundariamente, não encontraram diferença.
V.2.2 O médico generalista e o acompanhamento do paciente sobrevivente a um câncer
Essa fase foi abordada pela maioria dos estudos (15 estudos), sendo que dez deles estudaram
esta temática exclusivamente. A grande incógnita investigada por estes estudos foi a factibilidade da
transferência do acompanhamento do paciente considerado livre de doença para o médico
generalista, transferência justificada pela necessidade de redução da demanda a serviços
especializados.
Sobre essa fase, Cheung et al. (2009) compararam as expectativas de pacientes, generalistas e
especialistas sobre os papéis que estes profissionais deveriam exercer nessa fase. Quatro temáticas
foram abordadas: acompanhamento da recorrência do câncer, triagem de outros canceres, prevenção
geral e tratamento de outras doenças. A conclusão é que há muita divergência entre os profissionais,
principalmente quanto ao acompanhamento da recorrência, em que ambos se consideram os
principais responsáveis. Sobre os três outros temas, a controvérsia existia pela ideia da maioria dos
generalistas se verem com papel exclusivo no exercício dessas funções; mas, os especialistas, uma
vez que também acompanhavam os pacientes, se viam como participantes desse cuidado, e os
pacientes de fato esperavam essa postura do especialista, apesar de estes sobreviventes entenderem o
26
generalista como principal provedor de cuidados gerais após sobrevivência. Já Del Giudice et al.
(2009), contrapondo a este fato, sugerem que apenas cerca de 20% dos generalistas estavam
dispostos a assumir o cuidado exclusivo de pacientes que sobreviveram ao câncer imediatamente
após a alta, número que era maior para pacientes com câncer de próstata (24%) e menor para
pacientes com linfoma (16%). Desde que passados dois anos do término do tratamento, este número
subiu para cerca de 50%. 79,8%desses profissionais afirmaram que a função do médico generalista é
o apoio psicossocial, que deve ser ofertado precocemente, e 71,7% acreditavam que os pacientes
esperavam receber o acompanhamento de especialistas.
Grunfeld et al. (2006) compararam, através de ensaio clínico randomizado, o cuidado
ofertado por especialistas e generalistas no acompanhamento de pacientes tratadas para câncer de
mama, tendo como desfecho a recorrência de doença e qualidade de vida do paciente. Não houve
diferença estaticamente significante entre os desfechos, levando os autores a concluírem que o
acompanhamento, por generalistas, de paciente tratadas para câncer de mama é possível. À mesma
conclusão chegaram Wattchow et al. (2006), para o câncer de cólon (os desfechos foram qualidade
de vida e satisfação do paciente) e Murchie et al. (2009), ao avaliar um programa de
acompanhamento de paciente que sobreviveram ao melanoma, neste estudo, fazendo a ressalva de
que os médicos gerais precisam estar engajados em aperfeiçoamento.
A principal controvérsia sobre o acompanhamento ofertado por médicos gerais foi quanto ao
conhecimento da doença, à triagem de sua recorrência e aos efeitos colaterais e tardios da doença.
Allgar & Neal (2005) verificaram que cerca de 70% dos pacientes achavam que os generalistas
recebiam informações suficientes para o seu cuidado e, no estudo desenvolvido por Anvik et al.
(2006), a maioria dos pacientes se sentia segura quanto ao cuidado recebido pelo generalista. Já
Hudson et al. (2012) citam que a maioria dos pacientes (79%) via o generalista como cuidador
suplementar, afirmando não terem esses profissionais capacidade de lidar com "questões mais
sérias", como o câncer, mesma percepção de pacientes do estudo Mao et al. (2012).
Para que tal dificuldade possa ser superada, Del Giudice et al. (2009) e Murchie et al. (2009)
sugerem treinamento inicial, com educação continuada sobre a temática, o suporte de especialista
para o caso de dúvidas e acesso facilitado de encaminhamento para este. Del Giudice et al. (2009)
defendem o uso do plano de cuidado para o paciente sobrevivente (survivorship care plans), que
funciona como um guia individualizado sobre a assistência que o paciente necessita receber após a
sua alta. Watson et al. (2010) analisaram uma proposta do sistema de saúde inglês de implementação
prática do plano de cuidado ao sobrevivente, a ser elaborado pelo médico especialista e usado pelo
médico generalista no momento de alta hospitalar do paciente com câncer. 60% dos especialistas não
consideram esse plano fácil de ser produzido e os médicos generalistas julgaram as informações nele
contidas como inadequadas. Mais da metade dos especialistas informam, através desse plano,
27
características do câncer (tipo histológico, tratamento utilizado, requerimento para triagem e para
vigilância, diretrizes atuais), mas menos da metade abordou o manejo de possíveis efeitos tardios do
tratamento e necessidades outras (psicológicas, sócias ou econômicas) que o paciente possa
apresentar e precisem ser acompanhadas. Assim, os autores afirmam a necessidade de um contra-
referenciamento eficiente, que não apenas informe as características do câncer, mas que indique ao
generalista as necessidades atuais do paciente.
Um dado interessante verificado por Allgar & Neal (2005) foi que recomendar ao paciente
contatar o médico generalista após alta do cuidado terciário dobrou a procura efetiva dos pacientes
por este profissional. No estudo Anvik et al. (2006), os médicos da APS sugerem que os especialistas
devem incentivar o paciente a consultá-los e, no momento de alta, o especialista deve se reunir com a
família e com o médico generalista para discutir o tratamento.
V.2.3 O médico generalista, o paciente e os cuidadores na fase terminal da doença
Cinco estudos identificam o generalista como assistente do paciente na fase terminal da
doença, mas não foi possível avaliar a importância da sua atuação (tabela 4). Anvik et al. (2006)
afirmam que a maioria dos generalistas entrevistados já haviam assistido pacientes nessa fase. Hanks
et al. (2010) verificaram que generalistas tem atuação mais importante no cuidado a residentes de
áreas remotas e rurais. Kendall et al. (2006) consideram necessário o aconselhamento por um
especialista a respeito do manejo de sintomas nesse período. Klabunde et al. (2009) citam como
funções do generalista o manejo da dor crônica e o referenciamento para cuidado asilar. As funções
gerais citadas na tabela 5 são fundamentais nessa fase (Kendall et al., 2006).
V.2.4 O cuidado compartilhado
Sete estudos sugerem que a assistência ofertada ao paciente com câncer deve ser feita através
de um cuidado compartilhado entre especialistas e generalistas (Sisler et al., 2004; Anvik et al., 2006;
Blaauwbroek et al., 2008; Aubin et al., 2010; Watson et al., 2010; Sada et al., 2011; Hudson et al.,
2012). Entretanto, Aubin et al. (2010) afirmaram que apenas 16% dos pacientes entrevistados
referiram perceber o cuidado compartilhado no início do seu tratamento, sendo que o
compartilhamento aumentava conforme o câncer progredia.
Sisler et al. (2004) e Anvik et al. (2006) definem o cuidado compartilhado para o paciente
com câncer como o cuidado em que tanto o médico generalista quanto a equipe de oncologia
assistem os pacientes em seus problemas oncológicos. Outras possibilidades, segundo esses autores,
seriam o cuidado especializado, em que todo o cuidado é realizado por profissionais especializados e
o cuidado paralelo, em que o especialista cuida dos problemas oncológicos e o generalista de
problemas não relacionados ao câncer.
28
Sada et al. (2011) citam que o prontuário eletrônico ofereceu ajuda parcial no
compartilhamento do cuidado, tendo o médico de cuidados primários necessitado de contato pessoal
com o médico especialista.
Blaauwbroek et al. (2008) concluem que a transferência o cuidado de adultos que
sobreviveram a um câncer infantil para a acompanhamento de efeitos adversos tardios através de um
cuidado compartilhado com especialistas pediátricos é possível e apresenta bons resultados.
O principal benefício do cuidado compartilhado citado por Anvik et al. (2006) e Blaauwbroek
et al. (2008) é o aumento do conhecimento do médico generalista sobre necessidades específicas do
paciente com câncer através do diálogo com médicos especialistas. Hudson et al. (2012) citam que
alguns pacientes somente considerariam a oferta de cuidado pelos médicos generalistas se esta se
efetivasse através do cuidado compartilhado, pois acreditavam que diante de alguma dúvida ou
dificuldade, o médico de cuidados primários teria o suporte necessário. Blaauwbroek et al. (2008)
levantaram a possibilidade de custo do cuidado ser menor quando realizado de forma compartilhada
e da necessidade de um coordenador central para a efetivação desse cuidado, mas não comprovou
tais hipóteses.
V.3 Definição da responsabilidade de outros profissionais de saúde da atenção primária
no cuidado ao paciente com câncer
Apenas 4 estudos abordaram papéis que podem ser desempenhados por outros profissionais.
O profissional de enfermagem é o outro profissional mais citado, presente nos quatro estudos
(Allgar & Neal, 2005; Kendall et al., 2006; Simino et al., 2010; Watson et al. 2010). Em Allgar &
Neal (2005), 49% dos pacientes informaram que esse profissional no âmbito da APS estava
envolvido no seu cuidado após alta hospitalar; no estudo de Watson et al. (2010), essa taxa foi de
39%, agora para o paciente em fase de tratamento e Kendall et al. (2006) ressaltaram a importância
de o paciente manter contato com a equipe de enfermagem do local de saúde primária onde era
atendido.
No estudo brasileiro Simino et al. (2010), temos a figura dos agentes comunitários de saúde,
que, responsáveis pela realização de visitas domiciliares, tem a possibilidade de manter contato com
os pacientes portadores de câncer, manter atualizados os registros sobre os mesmos na unidade de
saúde à qual este paciente está adscrito, bem como oferta apoio para os aspectos citados na tabela 5.
29
VI. DISCUSSÃO
A quase totalidade dos estudos abordou exclusivamente a função do médico generalista na
assistência ao paciente com câncer, o que está de acordo a orientação dos sistemas de saúde pelo
modelo médico hegemônico, centrado na figura do médico, que deve se responsabilizar por todos os
problemas de saúde do doente. O único estudo que não abordou o papel desse profissional foi o
estudo brasileiro, o que vai ao encontro do esforço das políticas públicas desse país para uma atuação
mais efetiva da Atenção Primária através da Estratégia de Saúde da Família (Brasil, 2012).
As funções que os médicos generalistas devem exercer ainda não estão claras, especialmente
por haver grande interseção entre o trabalho que este poderia exercer e o que é realizado pela equipe
de médicos especialistas. Mas os estudos encontrados ilustram possibilidades de sua atuação.
Funções gerais foram listadas na tabela 5. Outras mais específicas foram listadas no decorrer
no texto. Brotzman & Robertson (1998) lista funções semelhantes, que foram reafirmadas por Smith
& toonen (2007). São essas: ser um gerente de caso (be a case manager), manter contato regular
(maintain regular contact), estar disponível (be available), conhecer os recursos e serviços da
comunidade (have knowledge of community resources and covered services), assistir necessidades de
saúde (address on going health maintenance needs), prover manejo da dor (provide appropriate pain
management), avaliar depressão patológica e outras patologias psiquiátricas (assess for pathologic
depression and other psychiatric pathology), estar ciente das opções terapêuticas (be aware of
therapeutic options), e se comunicar com e dar suporte ao paciente (communicate with and support
the patient).
Na fase de tratamento, os estudos dessa revisão foram unânimes em afirmar que o especialista
deve ser o principal responsável pelo tratamento, permanecendo o médico de cuidados primários em
uma função auxiliar. Michell (2008) ressalta que a participação do generalista depende muito do
tratamento escolhido para o portador do câncer. O autor usa como exemplo os tratamentos que
exigem ciclos de quimioterapia, em que o médico generalista poderia atuar entre os ciclos, avaliando
efeitos colaterais e o perfil bioquímico e hematológico antes de uma nova sessão.
Um aspecto importante caracterizado dessa revisão, especialmente na fase de tratamento, foi
a perda de contato entre paciente e médico generalista quando este é referenciado para outros níveis
do sistema de saúde (Anvik et al., 2006; Hudson et al., 2012). Entretanto Roorda et al. (2012)
verificou que ao invés de diminuir, o contato entre paciente e médico da atenção primária crescem.
Dobie et al. (2011) encontrou o mesmo dado em seu estudo com portadores de câncer colorretal.
Essa controvérsia é ainda mais intrigante quando se observa a fonte de informação utilizada nos
estudos: nos dois primeiros, que abordam a perda de contato, a fonte de informação foi a opinião de
profissionais através de entrevistas e os dois últimos, dados secundários (Roorda et al., 2012) e dados
30
de uma coorte (Dobie et al., 2011). É plausível que o paciente se afaste do médico de cuidados
primários quando está imerso em setores de cuidado secundário e terciário e o dado de que isso não
aconteceu em dois estudos estimula a possibilidade de maior participação da APS. Uma explicação
possível para a controvérsia seria a insatisfação dos médicos generalistas relativas à sua participação
no cuidado ao portador de câncer, não possuindo acesso ampliado a informações importantes sobre o
mesmo, o que talvez tenha limitado sua percepção sob a frequência do paciente em consultá-lo. Não
obstante, esta é apenas uma especulação, visto serem estudos distintos no que se refere aos serviços
de saúde e profissionais pesquisados.
Para Michell (2008), a transferência do cuidado do especialista para os generalistas tanto para
acompanhamento do sobrevivente quanto para cuidado paliativo tem como principal complicador a
relação de confiança que o paciente estabeleceu com sua equipe de especialistas. Grunfeld (2005)
sugere que o especialista argumente com o usuário a viabilidade da transferência e facilite a
formação do novo vínculo. Este autor defende que tal transferência é mais factível quanto maior a
prevalência do câncer, devendo portadores de cânceres raros permanecer sob a vigilância de
especialistas.
Lewis et al. (2009), através de uma revisão sistemática da literatura, observaram que o
acompanhamento do paciente sobrevivente ao câncer pela atenção primária não era estatisticamente
diferente do acompanhamento pela atenção secundária. Entretanto, o autor critica a curta duração das
coortes, o que compromete a credibilidade dos resultados encontrados. Chama a atenção também
para a pequena amostra desses estudos e a utilização de desfechos como satisfação do paciente e
qualidade de vida. Os estudos randomizados utilizados por nosso estudo (Grunfeld et al., 2006;
Wattchow et al., 2006; Murchie et al., 2009) se enquadram nesse perfil de trabalho.
O conhecimento do médico generalista foi colocado por diversos estudos como ponto de
dúvida a respeito da capacidade deste em oferecer esse cuidado. Para superar esse problema, alguns
estudos sugeriam uma melhor comunicação entre profissionais dos diferentes níveis de atenção,
preferencialmente ofertando cuidado através do cuidado compartilhado (Del Giudice et al., 2009;
Murchie et al., 2009; Watson et al., 2010). Um modelo interessante, que está sendo implementado na
Inglaterra (Watson et al., 2010), é o plano de cuidado do sobrevivente, fase em que houve maior
controvérsia sobre viabilidade de o médico de cuidados primários assumir total responsabilidade
sobre a assistência ao paciente oncológico. Publicações tem sido feitas na área, com o objetivo de
divulgar o seu uso (Oeffinger & McCabe, 2006; Ganz & Hahn, 2008). Grunfeld & Earle (2010)
publicaram o modelo proposto pelo National Academy of Sciences para elaboração desse plano
(anexo 2). Como pode se perceber são muitas informações a serem escritas, sendo um desafio para
quem o elabora em função da falta de tempo, da má remuneração para tal atividade e por quem faz
não ser o principal beneficiado pelo resultado (Grunfeld & Earle, 2010). Isso pode explicar a
31
dificuldade de implementação desse recurso vista por Watson et al. (2010) e Murchie et al. (2009)
em seus estudos.
"Cuidar do cuidador" é defendido por outros autores (Michell, 2008; McAvoy, 2007) que
afirmam ter o médico de cuidados primários a responsabilidade de reconhecer as necessidades
físicas, sociais e emocionais dessa pessoa. Esse ponto é de grande relevância dentre as atividades da
atenção primária à saúde, que deve ter vínculo com toda a família do pacientes, o que pode facilitar
esse cuidado e a percepção do cuidador sobre o processo de adoecimento do paciente.
Quando especificados, os tipos de câncer abordados estão entre os mais prevalentes, quais
sejam colorretal, mama, próstata e pulmão (Instituto Nacional de Câncer, 2011). Os outros citados
(linfoma, ovário e melanoma) também estão listados entre cânceres de prevalência alta. Logo,
permanece a incógnita do papel que o generalista pode desempenhar no caso de cânceres, mais
obscura para tipos raros da doença, para o quais se espera que o paciente dependa ainda mais do
cuidado dos profissionais da atenção secundária.
De acordo com os resultados encontrados por Hanks et al. (2011), o local de exercício
profissional do médico generalista pode influenciar as demandas e responsabilidades que este
profissional terá no cuidado ao paciente com câncer. Hanks et al. (2011) afirmaram que quanto maior
a distância aos centros especializados, mais procurado será o médico generalista pelo paciente com
câncer. Apesar de Klabunde et al. (2009) não ter encontrado tal associação, é importante que as
políticas públicas atentem para este fato quanto a logística de implantação de serviços de saúde, para
que a população que mora em locais afastados possa ter assegurado acesso a serviços secundários. É
importante que aos generalistas que trabalhem em zonas mais afastadas de grandes centros, seja
ofertado maior acesso a informações relevantes sobre o portador de câncer e haja maior preocupação
quanto as guias de contra-referenciamento a estes enviadas. Tal questão reforça a necessidade de
uma rede de saúde que oriente o paciente dentro do sistema e na qual o profissional perceba que
existem recursos humanos e materiais que deem suporte para uma prestação adequada de seus
serviços.
Não é possível afirmar quais as funções que podem ser exercidas por outros profissionais da
atenção primária, que não os médicos, devido à escassez de estudos que versem sobre essa temática.
Entretanto, apesar de o médico ainda ser visto como principal ator no cuidado ao portador de câncer,
esse não atua sozinho e a identificação de como outros profissionais da saúde podem atuar é
fundamental. A mudança no entendimento da saúde para além da ausência de doenças através da
concepção biopsicossocial do processo saúde-doença, assim como a necessidade de racionalizar e
aumentar a cobertura de atendimento à população, sedimentou a necessidade de formação de equipes
multiprofissionais e do trabalho em equipe (Peduzzi; 2008). A falta de informações sobre outros
profissionais impede a consolidação da ideia dessa equipe, já que se faz necessário conhecer como
32
cada profissional combina seu trabalho individual e coletivamente, para que se possa articular as
ações desenvolvidas (Silva et al., 2005).
Quando observamos as proposta da Política Nacional de Câncer (Brasil, 2013), na sessão que
dia respeito às Responsabilidades das Estruturas Operacionais das Redes de Atenção à Saúde, ao
componente "Atenção Básica" é atribuída apenas três funções nas fases após diagnóstico da doença,
quais sejam:
c) avaliar a vulnerabilidade e a capacidade de autocuidado das pessoas com câncer e
realizar atividades educativas, conforme necessidade identificada, ampliando a autonomia
dos usuários;
g) coordenar e manter o cuidado dos usuários com câncer, quando referenciados
para outros pontos da rede de atenção à saúde;
i) realizar atendimento domiciliar e participar no cuidado paliativo às pessoas com
câncer, de forma integrada com as equipes de atenção domiciliar e com as UNACON e os
CACON, articulada com hospitais locais e com demais pontos de atenção, conforme
proposta definida para a região de saúde [...];
O primeiro ponto discutido é a avaliação da vulnerabilidade e da autonomia da pessoa
portadora de um câncer, tema que não foi abordado por nenhum dos artigos selecionados. Sobre a
coordenação do cuidado pelos profissionais da atenção básica, Dalsted et al. (2011) questionou a sua
efetividade e sugeriu a que tal coordenação deva ser compartilhada entre atenção básica e atenção
especializada. Esse ponto de discussão é muito importante e merece ser explorado por outros
estudos, com o objetivo de melhor precisar a capacidade das equipes de cuidados primários em
assumir a função de coordenador do cuidado em todos os momentos da doença.
A política é muito inespecífica ao afirmar que cabe a atenção básica "manter o cuidado dos
usuários com câncer", e esta revisão foi capaz de melhor ilustrar que cuidado é este que pode ser
ofertado. Por fim, a política aborda o cuidado paliativo e avança muito em abordar o
compartilhamento do cuidado na atenção ao portador de câncer em fase terminal e incentivar a
atuação expressiva da equipe de atenção básica nesse período.
Esta revisão apresenta algumas limitações. A primeira dela foi não ter buscado ativamente
outras referências a partir dos artigos encontrados, o que poderia ter levado ao encontro de outros
bons estudos sobre o tema. A segunda limitação foi o uso de poucos descritores. É possível que o uso
de outros descritores tivesse levado a mais estudos sobre o tema, especialmente sobre a atuação de
profissionais não médicos no cuidado ao paciente com câncer. Por fim, este trabalho é abrangente e
não se ateve a canceres específicos em sua busca. Os estudos são heterógenos no que diz respeito aos
tipos de canceres, ao perfil dos pacientes e ao modelo de saúde existente no local onde o estudo foi
realizado, o que poderia limitar a generalização dos seus dados para todos os tipos de cânceres. Não
obstante, ter encontrado resultados semelhantes entre estudos apesar dessa heterogeneidade sugere
33
que as funções aqui levantadas se enquadram no que os profissionais que atuam na atenção primária,
especialmente o médico, podem fazer para melhorar a assistência ao paciente com câncer ou que
sobreviveu a este. Reforça ainda a credibilidade a alta qualidade dos artigos selecionados, mensurada
através de instrumento validado.
34
VII. CONCLUSÕES
1. O médico generalista deve exercer função de apoio durante a fase ativa do tratamento
do câncer, pode atuar como único responsável pelo acompanhamento do usuário que
sobreviveu ao câncer e, apesar de ser apontado como assistente no cuidado ao
portador de câncer avançado em fase terminal de doença em alguns estudos, a forma
de exercício de tal função permanece inconclusiva, já que os estudos selecionados não
permitiram a identificação de outros profissionais que a pudessem assumir.
2. Não há clareza sobre as funções que são exclusivas do médico de cuidados primários,
persistindo grande interseção do seu trabalho com o trabalho exercido pelo médico
especialista.
3. O cuidado compartilhado foi apontado como uma alternativa para tornar mais eficaz a
oferta de cuidado para o portador de câncer, especialmente quanto ao conhecimento
do médico generalista. Opções para torná-lo factível devem ser exploradas.
4. Há pouca evidência sobre a função de outros profissionais de saúde que atuam através
de cuidados primários na assistência ao portador de câncer. Mais estudos são
necessários para avaliar a atuação desses profissionais.
5. O médico generalista deve assistir o cuidador do paciente com câncer em suas
necessidades físicas, sociais e emocionais.
6. A educação continuada e permanente é de suma relevância para a atuação do médico
de cuidados primários de maneira efetiva na assistência ao paciente com câncer.
35
VIII. SUMMARY
INTRODUCTION: Estimates from the National Cancer Institute indicate the occurrence of
approximately 385 000 new cancer cases for the years 2012 and 2013, excluding cases of
nonmelanoma skin cancer. In a context of growing incidence and prevalence of cancers, the primary
health care which assigns coordination and continuity of care functions, should play more effective
participation and professionals working within primary care should act assertively. OBJECTIVE: To
identify the specific functions of primary health care professionals for patients with cancer. STUDY
DESIGN: Systematic review of the literature. METHODOLOGY: Articles were searched at PubMed
and SciELO, which generated 1895 articles, of which 20 articles were selected. Studies were
included when published between 2003 and 2012, by the Portuguese, English and Spanish, which
discriminated activities undertaken by health professionals in primary care to patients with cancer
and whose quality has been deemed satisfactory. RESULTS: Most studies (16/20) only address the
role that the physician may exercise the care of patients with cancer. For this, general functions were
identified in the studies: general health care, psychological support, help with social and economic
issues, assistance to caregivers and health promotion. Functions at specific stages of the disease were
analyzed according to the following categories: active phase of treatment, survivor follow-up and
palliative care. Two major themes emerged from these phases knowledge of the GP and shared care
between specialists and generalists. Other professionals were cited nurses and community health
agent, functions that were superficially addressed. The studies are heterogeneous regarding the study
design used and the population studied. DISCUSSION: The studies were not decisive in affirming
core functions of primary care professional, but guided the way that this can follow. It is important
that primary care professionals easy access to important information about the disease and the
resources of secondary care. CONCLUSION: The general practitioner must exercise support
function during the active phase of cancer treatment, can act as the sole responsible for cancer
survivor follow-up and is appointed as principal assistant in care for patients with advanced cancer in
the terminal phase of illness. More studies are needed to identify the role of other professionals that
care.
Keywords: primary health care; neoplasms; health personnel.
36
IX. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cancer 2006 Apr;94(8): 1116–21.
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X. ANEXOS
Anexo 1. Instrumento de Avaliação da Qualidade dos Artigos
Critério de avaliação Pontuação Introdução 1,5
1. Apresenta a problemática na qual se situa o problema que justifica o estudo? 0-Não
1-Sim
2. Apresenta uma revisão da literatura pertinente, suficiente e atual? 0-Não
0,5-Sim
Pergunta/Objetivo 1
3. O objetivo do estudo é claro? 0-Não
0,5-Sim
4. O objetivo do estudo verificável? 0-Não
0,5-Sim
Metodologia 3
5. O método utilizado é adequado ao objetivo/pergunta do estudo? 0-Não
1-Sim
6. O desenho/arquitetura do estudo é executado de forma adequada? (estudos exploratórios- cenário e
sujeitos de estudo descritos, procedimento de coleta bem detalhado; estudos de caso-justifica escola do
caso, realiza triangulação de dados; revisão sistemática-define base de dados e descritores, realiza dupla
leitura; estudos avaliativos – definem variáveis de exposição e de desfecho, cálculo amostral)
0-Não
1-Sim
7. O Processo de análise dos dados foi descrito adequadamente, deixando claras as categorias de análise? 0-Não
0,5-Sim
8. O estudo se ancora em um referencial teórico consistente? 0-Não
0,5-Sim
Resultados 1,5
9. Os resultados foram descritos de forma clara? 0-Não 0,5-Sim
10. Os resultados do estudo são coerentes com o objetivo? 0-Não
1-Sim
Discussão 1,5
11. A discussão traz um diálogo consistente entre os resultados e a teoria? 0-Não
1-Sim
12. Os limites do estudo foram identificados pelo autor? 0-Não
0,5-Sim
Conclusões 1,5
13. As conclusões emergem dos achados do estudo? 0-Não
1-Sim
14. Os achados contribuem para o desenvolvimento de uma teoria, para prática profissional ou para
pesquisas futuras?
0-Não
0,5-Sim
Escore Final 10
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Anexo 2. Cópia do modelo do plano de cuidado ao sobrevivente proposta pela National
Academic of Science e publicado por Grunfeld & Earle (2010)