o poder terapeutico do perdÃo

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pritchard, Ray

O poder terapêutico do perdão / Ray Pritchard; tradução de SusanaKlassen. — São Paulo: Mundo Cristão, 2006.

Título original: The healing power of forgiveness.BibliografiaISBN 85-7325-436-X

1. Perdão 2. Perdão dos pecados I. Título.

06-7703 CDD—234.5

Índice para catálogo sistemático:1. Perdão: Doutrina cristã: Cristianismo 234.5

Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela:Associação Religiosa Editora Mundo CristãoRua Antônio Carlos Tacconi, 79 — CEP 04810-020 — São Paulo — SP — BrasilTelefone: (11) 2127 4147 — Home page: www.mundocristao.com.br

Editora associada a:• Associação Brasileira de Editores Cristãos• Câmara Brasileira do Livro• Evangelical Christian Publishers Association

A 1ª edição foi publicada em dezembro de 2006.

Impresso no Brasil

Apoio e colaboração: Tyndale House Publishers

O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

CATEGORIA: ESPIRITUALIDADE / VIDA CRISTÃ

Copyright © 2005 por Ray PritchardPublicado originalmente por Harvest House Publishers, Oregon, EUA.

Título original: The healing power of forgivenessEditora responsável: Silvia JustinoRevisão: Rodolfo OrtizSupervisão de produção: Lilian MeloCapa: Douglas LucasImagem: Amanda Rohde

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão Almeida Revista e Atualizada, 2a. ed.(Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica.

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Para George e Joan Theiscom amor e carinho.

AGRADEÇO A STEVE MILLER, Bob Hawkins,Carolyn McCready e Terry Glaspey da Harvest HousePublishers. Obrigado por partilharem a visão deste livro.

Sou grato aos presbíteros, à equipe e aos membros daCalvary Memorial Church por seu estímulo constante.

Agradeço especialmente a minha esposa, Marlene, quenunca duvidou que este livro pudesse ser escrito. De todasas coisas relevantes que sei, aprendi a maior parte com elae com nossos três filhos: Josh, Mark e Nick.

AGRADECIMENTOS

Dedicatória 5Agradecimentos 06Uma oração por você 9

01. Curando a dor imerecida 1502. Pai, perdoa-lhes 3703. Rompendo o ciclo de amargura 6704. Uma lição da oração do Pai-Nosso 9305. Setenta vezes sete 11706. Não julgueis! 13907. Vencendo o espírito crítico 15708. Como se comportar numa caverna 17509. Brasas vivas 19110. Perguntas e respostas 20711. O último passo 227

SUMÁRIO

UMA ORAÇÃO POR VOCÊ

PODE LHE PARECER ESTRANHO E ESPERO que nãose importe, mas gostaria de começar este livro orando porvocê. Ele trata do perdão. A maioria das pessoas só vai lê-lo porque precisa exercitar o perdão e não sabe como, nãotem certeza se deve ou por onde poderia começar.

Viver com raiva é fácil. Perdoar é difícil. Nas célebrespalavras do poeta e ensaísta britânico Alexander Pope:“Errar é humano, perdoar é divino”. A primeira parte semdúvida é verdade. Nós, seres humanos, somos especialistasem fazer tolices. Aperfeiçoamo-nos na arte das declaraçõesestúpidas, dos comentários sarcásticos, das observaçõesmaldosas e das promessas quebradas. Todos nós tambémjá fomos alvo de abusos. Machucamos e fomos machuca-dos. Usando a terminologia bíblica: pecamos contra ou-tros e eles pecaram contra nós.

Pecar é algo que fazemos com naturalidade. Perdoar éoutra história. Depois de escrever este livro, estou mais con-victo que nunca de que a chave para o perdão está no atode dar. O perdão é algo que oferecemos àqueles que não omerecem. É graça pura e simples. Se as pessoas mereces-sem perdão, não precisariam dele. Nisto reside o problemafundamental que este livro não resolverá completamente:Ora, por que devemos perdoar pessoas que fazem coisas

10 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

horríveis contra nós? Que motivo poderíamos ter para per-doar quem nos fere deliberada e repetidamente? Que di-zer, por exemplo, da mulher que relatou ter sido vítima deabuso na infância por alguém da família? O abuso persis-tiu durante a infância e até o final da adolescência. O indi-víduo que o cometeu não admitiu coisa alguma. Por queela deveria perdoá-lo? E quais são exatamente as caracte-rísticas do perdão nessas circunstâncias?

Há quem possa argumentar que, num caso desses, o per-dão é impossível ou inapropriado. Minha resposta é que operdão — devidamente compreendido — é tanto possívelquanto necessário. No entanto, isso não o torna fácil. De-pois de escrever este livro e enfrentar por muito tempo ecom grande dificuldade uma série de situações reais, che-go à conclusão de que o perdão é muito mais uma predis-posição contínua interior que um acontecimento isolado.É uma jornada, e não um destino. Ninguém percorre essecaminho com facilidade e rapidez.

Além disso, ninguém realiza essa jornada sem Deus. Tal-vez esta seja a verdade mais importante a ser extraída des-te livro. O verdadeiro perdão é impossível sem Deus. Umavez que, na essência, o perdão é uma dádiva que oferece-mos a quem não o merece, ninguém possui a graça, a forçaou a coragem necessária para oferecer tal dádiva a menosque seja capacitado por Deus. Vemo-nos, portanto, dian-te de um conhecido paradoxo bíblico. É-nos exigido algoque somente Deus pode fazer por nós. Se ele não agir, ja-mais seremos capazes de fazê-lo por nós mesmos. E, noentanto, a ordem é que perdoemos como Cristo nos per-doou (Ef 4:32).

UMA ORAÇÃO POR VOCÊ 11

Alexander Pope tinha razão. Perdoar é divino. Significaque você nunca será capaz de oferecer perdão a menos queDeus o conceda antes a você.

• O perdão não diz respeito a você.• Também não diz respeito a quem o feriu tão profun-

damente.• O perdão se refere a Deus.• Perdoamos porque Deus nos perdoou.• Perdoamos porque Deus ordenou que perdoássemos.• Perdoamos porque Deus nos deu forças para perdoar.• Perdoamos porque Deus se encarregará de julgar a

outra pessoa.• Perdoamos porque Deus é muito mais importante

para nós que viver com raiva.• Perdoamos porque Deus é muito mais importante que

a dor que sentimos.• Perdoamos porque podemos confiar que Deus fará o

que é certo.• Perdoamos porque Deus é Deus, e nós não.

Assim, para perdoar, precisamos desesperadamente daajuda de Deus. A realidade é radical e simples. Sem Deus,este livro de nada lhe servirá. Com Deus, ele pode mudarsua vida.

A única coisa que prometo em relação a este livro éque ele é bíblico e resultante de experiências da vida real.Escrevo como pastor, não como acadêmico ou psicólogo.Quase todos os dias converso com alguém que está lutan-do com mágoas do passado e se perguntando o que deve

12 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

fazer com elas. Ao conduzir essas pessoas de volta à Pala-vra, conduzo-as de volta a Deus, a única fonte verdadei-ra de livramento. Tendo isso em mente, eis minha oraçãopor você:

Pai, eu te agradeço pela vida de cada pessoa que se dispo-nha a ler este livro. Sei que minhas palavras por si não têm

poder para mudar ninguém. Somente tu conheces os pen-samentos e as intenções de cada coração. Somente tu podestransformar cada coração. Somente tu podes dispersar as

nuvens de escuridão e desespero. Tu podes! Peço que abrasos olhos do nosso ser interior para que a tua verdade sejarecebida com alegria. Peço especialmente em favor daque-

les que foram cruelmente maltratados e que talvez duvidemque o perdão definitivo é possível. Liberta-os, ó Senhor! Dá-lhes um coração capaz de crer em ti. Mostra-lhes o teu po-der de livrá-los da ira, da amargura, da vingança e de um

espírito crítico.Pai, peço que aqueles que lerem minhas palavras sejam

conduzidos de volta à tua Palavra. Ajuda-os a examinar as

Escrituras Sagradas de modo a serem convencidos daquiloque tu disseste. Que eles possam ser protegidos dos ata-ques do maligno, que deseja mantê-los sob o jugo da escra-

vidão por meio de um espírito rancoroso. Que a dúvida, asdistorções, o engano e o desânimo sejam substituídos porliberdade, livramento, certeza e paz interior profunda. Que

o teu Espírito conceda neste momento coragem àquelesque acreditam que jamais serão capazes de perdoar. Mos-tra-lhes um caminho melhor. Que tu possas derramar a tua

graça generosamente, a fim de serem sobrepujados por elae conquistados por tua bondade.

UMA ORAÇÃO POR VOCÊ 13

E agora, rogo-te por mim e por todos que lerem este li-vro... que, juntos, possamos nos tornar exímios perdoado-res. Não podemos fazer isto sem ti, Senhor; mas contigo

tudo é possível. Que tu sejas glorificado em nós pela graçaque estendemos àqueles que nos feriram. Este é o grandemilagre que pedimos. Realiza esta obra, ó Senhor. Esta é

nossa oração. Em nome de Jesus, amém.

“RAY, VOCÊ JÁ PENSOU EM PREGAR sobre per-dão?” Quem me fez esta pergunta foi George Theis. Mi-nha resposta foi imediata. Não, jamais me havia ocorridopregar sobre perdão. Ao longo dos anos, havia mencionadoem vários sermões a nossa necessidade de perdoar, masnunca dediquei uma série de pregações a esse tema. “Vocêprecisa ler o livro de R. T. Kendall chamado Total forgiveness[Perdão total] e, depois, deve pregar sobre esse tema parasua congregação”.

George Theis foi diretor executivo do ministério inter-nacional para jovens chamado Palavra da Vida. Tivemosessa conversa quando passei uma semana pregando numencontro desse ministério, na Flórida. As pessoas vivem merecomendando livros, mas, na maioria das vezes, acabo nãolendo. George Theis, porém, é o tipo de pessoa que pensaduas vezes antes de sugerir alguma leitura. Ele me contouque estava recomendando esse livro para outros e que elemesmo vinha pregando sobre o tema em várias igrejas ecausando grande impacto.

1

CURANDO A DOR IMERECIDA

Quando aprendi a perdoar, foi como se

alguém tivesse tirado uma tonelada

de cima de meus ombros.

REBA MCENTIRE

16 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

Assim, aceitei a recomendação e descobri que se trata-va de um livro poderoso e persuasivo. No primeiro capítulo,o pastor Kendall fala de uma ocasião em que alguém mui-to querido próximo dele o magoou profundamente. Não dizexatamente quem foi nem o que aconteceu, mas apenas quea dor foi intensa e que deixou uma ferida profunda, pois,até então, ele havia considerado a pessoa em questão umpai. A raiva dominara Kendall. Por fim, conversou sobre oproblema com Josif Tson, um pastor romeno. Depois dedar todos os detalhes sórdidos daquilo que o suposto ami-go lhe fizera, fez uma pausa na esperança de ouvir o pas-tor Tson dizer: “R. T., você tem motivos de sobra para estarcom tanta raiva. O que lhe aconteceu foi horrível”. Masnão foi o que ele disse.

Depois de ouvir o relato, Josif Tson apenas respondeu:“Você precisa perdoá-lo completamente”. O pastor Kendallficou tão estarrecido que começou a contar a história todade novo, dessa vez com mais detalhes. Josif Tson interrom-peu a narrativa com palavras que acabariam mudando avida de R. T. Kendall: “Você precisa perdoá-lo completa-mente. Liberte-o e você será liberto”.1

Tão logo terminei de ler o livro, decidi pregar sobre o te-ma em minha igreja. A reação me surpreendeu. Em 26 anosde pastorado, em momento e em lugar algum uma série desermões gerou o tipo de reação causada pela série de pre-gações sobre perdão. Posteriormente, preguei essas mes-mas mensagens em congressos cristãos por todo o país, e a

1Total forgiveness. Lake Mary: Charisma House, 2002, p. xix-xxii.

CURANDO A DOR IMERECIDA 17

reação foi a mesma. O povo de Deus está tão sedento deouvir a respeito do perdão que reage como se nunca tives-se ouvido falar sobre o assunto.

Muitos cristãos vivem em grande sofrimento porquenunca descobriram o poder libertador do perdão. Eis al-guns exemplos.

Um homem me telefonou pedindo que eu o recebesse.Ele, então, me contou sua história. “Minha esposa me dei-xou para ficar com outro homem e, quando se cansou dele,resolveu voltar para mim. Passaram-se algumas semanas eas coisas pareciam estar caminhando bem. Então, ela medeixou novamente por causa daquele mesmo homem. Fi-cou algum tempo com ele, mas voltou para mim pela se-gunda vez. Pensei que o problema havia sido resolvido, masela me abandonou mais uma vez e agora está com ele háalguns meses. Ela me ligou recentemente para dizer quequer voltar para mim. Para ser sincero, pastor, não tenhocerteza se eu a quero de volta. Posso até confiar numa pes-soa que age mal comigo uma ou duas vezes, mas não sei seposso confiar nela pela terceira vez”.

Uma mulher veio ao meu escritório e disse:— Acho que vou me matar.— Por quê? — perguntei assustado.— Já não tenho nenhuma razão para viver — ela res-

pondeu.Todos os seus amigos a haviam abandonado. Não con-

seguia encontrar emprego e estava sem dinheiro. Tudo oque ela mais prezava no mundo havia desaparecido. Elame contou sobre os filhos — como a deixaram e como nãose preocupavam com o que lhe acontecia.

18 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

“Quando eu disse ao meu filho que estava pensandoem me matar, ele respondeu: ‘Por que você não faz issomesmo e pára de nos perturbar?’.”

Um homem da minha igreja olhou para mim e disse:“Pastor, você não acreditaria nas coisas por que passei”.Então ele me contou uma história em que me pareceu difí-cil acreditar. Falou sobre um divórcio assustador depois demuitos anos de casamento, de um colapso financeiro, de co-mo perdeu o emprego, do final da carreira e das mentirasque contaram a seu respeito e que destruíram sua reputa-ção. Falou-me de pessoas em que havia confiado, mas queo apunhalaram pelas costas. E, por fim, me perguntou: “Evocê quer saber o que é pior? As pessoas que fizeram issocomigo são cristãs”.

Às vezes, gostaria de poder convidar pessoas a ficaremsentadas num canto do meu escritório durante uma sema-na para ouvir os que abrem o coração comigo, ouvir os te-lefonemas e ler as cartas e os e-mails que chegam dia e noite.Cada semana traz consigo uma série interminável de sofri-mentos. Divórcios. Lares despedaçados. Casamentos des-truídos. Promessas quebradas. Filhos que não querem saberdos pais. Pais que não querem saber dos filhos. Amigos delonga data que não se falam mais. Pessoas que perderam oemprego porque alguém lhes puxou o tapete. Pessoas queperderam os bens porque alguém as lesou. Famílias cujosmembros se odeiam tanto que não conversam nem na épo-ca do Natal.

Todos esses dissabores têm várias respostas, mas nofundo apenas uma. Todos têm muitas soluções, e uma que

CURANDO A DOR IMERECIDA 19

você deve implementar: Livre-se deles e você será liberto. Po-rém, no mesmo instante em que ouvimos ou lemos essaspalavras, a mente inicia as argumentacões:

• Mas você não sabe o que ele me fez.• Eles mentiram repetidamente a meu respeito.• Ela queria destruir minha carreira — e conseguiu.• Você não pode imaginar o inferno que vivi.• Se você soubesse como isso afetou minha família, tam-

bém ficaria com raiva.• Eles merecem o mesmo sofrimento que me impuse-

ram.• Vou fazê-los pagar por isso.• Minha filha foi estuprada. Como é possível perdoar

uma coisa dessas?• Sofri abuso sexual de um clérigo. Como é possível per-

doar uma coisa dessas?• Nunca vou perdoar essas pessoas. Nunca!

C. S. Lewis comentou acertadamente: “Todos consi-deram o perdão uma idéia muito bonita até precisaremperdoar alguém”. Para entender a mensagem do perdão,devemos responder algumas perguntas preliminares.

PERGUNTAS ACERCA DO PERDÃO

Por que precisamos perdoar?

Se você conhece um pouco da história da igreja, com cer-teza sabe que Martinho Lutero, antes de se tornar o pai daReforma protestante, era clérigo católico. Como parte dopreparo acadêmico, passou vários anos estudando grego,

20 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

hebraico, latim, os escritos dos pais da igreja e as doutrinasda Igreja Católica Romana. Para todos os efeitos, ele eraum homem brilhante, devoto e muito dedicado aos estu-dos. No entanto, sua alma se encontrava profundamenteperturbada. Pesava sobre ele uma sensação constante deque seus pecados não haviam sido perdoados e sentia ojulgamento de Deus esmagando-o como um fardo enormeque ele não conseguia levantar.

O fato de ele ser padre só piorava as coisas. Não impor-tava o que fizesse, nunca se sentia convicto do perdão deseus pecados. Aflito, Lutero foi a Roma na esperança de en-contrar respostas, mas voltou ainda mais desesperado.

Vários anos depois, enquanto estudava o livro de Roma-nos, ele se deparou com a seguinte frase: “O justo viverá porfé” (Rm 1:17). Aos poucos, seus olhos foram abertos e ele viucom clareza que Deus não nos perdoa pelo que fazemos, masúnica e exclusivamente com base naquilo que Jesus fez pornós quando morreu na cruz e ressuscitou dentre os mortos.Lutero chamou essa verdade de “porta para o céu”.

Com isso, não é de surpreender que ele tenha conside-rado a frase: “Creio no perdão dos pecados” o artigo maisimportante do Credo Apostólico. Ele escreveu: “Se issonão é verdade, o que importa Deus ser todo-poderoso ouJesus Cristo ter nascido, morrido e ressuscitado? Tais coi-sas são importantes para mim porque dizem respeito aomeu perdão”.

O salmo 130 nos mostra a direção certa. Este salmo temuma longa história dentro da tradição cristã. É denomina-do De Profundis — uma expressão latina que significa “das

CURANDO A DOR IMERECIDA 21

profundezas”, extraído do versículo 1, que diz: “Das pro-fundezas clamo a ti, SENHOR”. O salmo todo ensina quejamais seremos capazes de nos restaurar, pois nos faltamos recursos interiores para resolver nossos problemas. Esseconceito se contrapõe às idéias de personalidades famosascomo Oprah Winfrey,2 dr. Phil3 e inúmeros outros gurus daauto-ajuda segundo os quais a resposta está dentro de nós.

A Bíblia diz exatamente o contrário: O problema está den-tro de nós. A resposta está fora de nós. Enquanto você insisteque pode resolver seus problemas, eles só pioram. Quando,por fim, diz: “Senhor, ajuda-me, por favor. Não sou capazde fazer isso sozinho”, você se torna um excelente candi-dato à salvação. O versículo 3 do salmo 130 afirma ainda:“Se observares, SENHOR, iniqüidades, quem, SENHOR, sub-sistirá?”.

O escritor Franz Kafka comentou em seu diário que oproblema das pessoas modernas é que se sentem pecado-ras, mas sem culpa. Percebemos que alguma coisa nos falta,alguma coisa está errada. Vivemos numa sociedade que pre-ga a libertação da culpa pala libertação das regras que nosfazem sentir culpados. Assim, fazemos tudo o que pode-mos para ignorar coisas incômodas como os Dez Man-damentos. Todos aqueles “não farás isto ou aquilo” nosdeixam nervosos. E por que não? Sentimo-nos culpadosquando transgredimos as regras. Sabemos disso. Assim,a melhor maneira de livrar-nos da culpa é livrar-nos das

2Apresentadora de um programa de entrevistas. (N. da T.)3Psicólogo bastante conhecido nos Estados Unidos que também

apresenta um programa de televisão. (N. da T.)

22 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

regras — ou pelo menos assim pensamos. Colocamos as re-

gras de lado, mas elas não desaparecem, pois, em primeirolugar, não foram escritas originalmente por homens. É como

se fossem escritas em tinta indelével. Ainda que se tente apagá-

las, as imagens voltam. Assim, trapaceamos, roubamos, co-biçamos e traímos. Perdemos a cabeça e depois inventamos

desculpas. Sussurramos sobre os pecados de outros e nos

admiramos por que não conseguimos dormir à noite. Cul-pamos todos por nossos problemas, mas não somos capa-

zes de encarar a pessoa que vemos no espelho.

Então, por que não confessamos os pecados e recebe-mos o perdão de que precisamos? Porque temos medo do

castigo. Temos medo de que, se reconhecermos nossa estupidez, oSenhor nos castigará. Então, mentimos

sobre nossas mentiras e encobrimos

nossos disfarces. Fingimos não ter fei-to aquilo que fizemos. Não é de ad-

mirar que ficamos tão atribulados.

Pensamos que a culpa é algo negati-vo, de modo que a evitamos a todo custo. Nossos filhos

aprendem a inventar desculpas observando-nos inventá-

las. Colocamos a culpa em todos, menos em nós mesmos.O salmo 130, no entanto, nos liberta desse ciclo auto-

destrutivo. O versículo 3 diz que Deus não mantém re-

gistro dos nossos pecados. No texto original hebraico, oversículo diz literalmente que Deus não fica de olho em

nossos pecados. Ou seja, ele não está procurando um mo-

tivo para nos mandar para o inferno.

Precisamos do

perdão e não

podemos viver

sem ele.

CURANDO A DOR IMERECIDA 23

Muita gente vê Deus como um velho rabugento comuma barba longa, sempre esperando nos flagrar e nos con-denar ao inferno. Mas esse não é o Deus da Bíblia. Ele estádisposto a perdoar aqueles que se arrependem dos peca-dos e clamam por misericórdia.

Precisamos do perdão porque somos pecadores que ten-tam mudar as regras para fugir da culpa. E, uma vez que asregras não podem ser alteradas, nosso ser interior se trans-forma numa grande confusão.

Em resumo, precisamos do perdão e não podemos viver semele. Sem o perdão, somos homens e mulheres vazios, perdi-dos em meio aos nossos conflitos. A boa notícia é que Deusnão fica de olho em nossos pecados. Se ele o fizesse, todosnós já estaríamos no inferno.4

Que esperança temos de receber perdão?

Com isso quero dizer: Qual é a probabilidade de sermosperdoados? É apenas um sonho distante, um tiro no es-curo? Se bookmakers de Las Vegas calculassem as chances desermos perdoados, qual seria a proporção? Uma em cin-qüenta mil? Uma em cem mil? Uma em um milhão? Olheno espelho e pense na sua alma. Você verá que as perspec-tivas não são nada animadoras.

A primeira parte do salmo 130:4 nos traz uma boa no-tícia: “Contigo, porém, está o perdão”. Em outras palavras,Deus costuma perdoar os pecados. Ele não sente prazer

4Muitas das idéias desta seção foram extraídas de Scott Hoezee,“Out of the depths”, www.calvincrc.org, 14 de setembro de 2003.

24 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

algum em nos castigar por nosso pecado. Antes, está à pro-cura de oportunidades para nos perdoar, pois o perdão fazparte da sua natureza.

Trata-se de um insight importante, pois afeta a maneiracomo se vê Deus.

• Ele está ansioso para perdoar.• Ele está pronto para perdoar.• Ele deseja perdoar você.

Êxodo 34:6,7 diz que Deus é “compassivo, clemente elongânimo, e grande em misericórdia e fidelidade; que guar-da a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade,a transgressão e o pecado”.

Se você está no fundo do poço, precisa saber que o pe-cado é real. Não pode transgredir as regras e ficar impunepara sempre. No entanto, quando estiver pronto para en-carar esse fato com honestidade, o Senhor estará perto,esperando por você. Nunca é fácil confessar pecados, masveja o convite que é feito em Isaías 55:7:

Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensa-mentos; converta-se ao SENHOR, que se compadecerá dele, e

volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar.

Talvez você não goste das palavras “perverso” ou “iníquo”.Pode ser que elas lhe pareçam muito duras. No entanto, éassim que Deus descreve toda a raça humana. É isto quevocê e eu somos sem a graça divina. Somos perversos e iní-quos. Acostume-se com a idéia, pois ela é a verdade abso-luta a respeito de todos nós. Contudo, não se prenda às

CURANDO A DOR IMERECIDA 25

palavras negativas de modo a perder o convite. Volte-se pa-ra o Senhor e encontrará misericórdia e perdão.

Imagine duas portas, cada uma com duas palavras ins-critas no alto: Primeira porta: perversidade e iniqüidade;segunda porta: misericórdia e perdão.

De qual porta você gosta mais? Todos nós gostamos maisda porta da misericórdia e do perdão. Deus diz que precisa-mos passar pela porta da perversidade e da iniqüidade paraentrar pela porta da misericórdia e do perdão. Alguém, en-tretanto, pode dizer: “Vou pular a primeira porta e ir diretopara a segunda”. Mas não é assim que funciona. Não pode-mos pular a primeira porta, e também não podemos entrarpela janela. A única forma de chegarmos à segunda porta épassando, antes de tudo, pela primeira.

Quando você passa pela segunda porta, descobre queDeus é “rico em perdoar”. Essa expressão indica que o per-dão é gratuito. Sem fardos. Você quer misericórdia? Vocêa receberá. Você quer perdão por todos os seus pecados?Você o receberá. Você pode entrar perverso e iníquo e saircom misericórdia e pleno perdão do Senhor. Esse é o me-lhor negócio do mundo.

Que acontece quando somos perdoados?

A última parte do salmo 130:4 responde a essa pergunta:“para que te temam”. Outra forma de expressar essa mes-ma idéia é: “para que te adoremos”. Uma vez que fomosperdoados, aquela sensação vaga de inquietação desapa-rece. Começamos do zero. A porta da cela da prisão é aber-ta, e saímos. Estamos finalmente livres. Às vezes essa é aparte mais difícil de aceitar

26 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

Pouco tempo atrás, recebi uma carta de um prisioneiroque havia lido um dos meus livros. Ele cometera um crimehediondo e por isso tinha medo de ir à igreja, temia que aspessoas descobrissem o que ele fizera e, então, o rejeitas-sem. Esse tipo de vergonha nos mantém sob um jugo deescravidão. O Diabo sussurra: “Você não presta. Se as pes-soas soubessem como é de fato não teriam amizade comvocê. Como você pode dizer que é cristão e tratar seu côn-juge ou seus filhos dessa maneira? Você é um hipócrita”.

A única maneira de lidar com as acusações de Satanás évoltar ao caráter de Deus: “Contigo, porém, está o perdão”.Você já se preocupou com o dia em que estará diante doSenhor? Alguns cristãos temem que Deus aperte um bo-tão e projete todos os seus pecados — até mesmo os queestão em pensamento — numa tela gigante para o univer-so inteiro assistir. Temos medo de que nossas palavras eatos desprezíveis, todos os nossos pecados secretos sobreos quais ninguém mais sabe e todos os nossos pensamen-tos tenebrosos e cheios de raiva, lascívia, orgulho, ódio, fú-ria e cobiça sejam apresentados para milhões de pessoas.Como poderíamos suportar esse momento? E como Deuspoderia nos receber em seu Reino depois dessa demonstra-ção pública da nossa depravação?

Na Bíblia existem quatro palavras distintas para perdão— três em hebraico e uma em grego. O primeiro termo emhebraico significa “cobrir”, como quem cobre a sujeira nochão com um tapete. O segundo quer dizer “erguer e re-mover”, semelhantemente ao que ocorre ao remover a man-cha de um tapete. O terceiro significa “limpar o registro”.

CURANDO A DOR IMERECIDA 27

O quarto quer dizer “soltar” ou “mandar embora”, comoum presidiário quando é solto e deixa a penitenciária.5

Quando juntamos essas palavras, temos um retrato vívidodo perdão. Deus cobre nossos pecados, remove a mancha denosso ser interior, limpa o nosso registro pessoal e, então,nos tira da prisão da culpa para vivermos em liberdade.

Se o Senhor mantivesse um registro dos pecados — seolhasse para eles —, quem poderia suportar? Ninguém.Estaríamos todos condenados. Esse é o cerne do salmo 130.Clamamos das profundezas da vergonha e da culpa, e Deusdiz: “Tenho boas notícias: Em mim está o perdão”. A Bí-blia usa várias imagens para descrever como Deus tratanossos pecados:

• Ele os dissipa como uma nuvem densa (Is 44:22).• Ele se esquece e não se lembra mais deles (Jr 31:34).• Ele os lança para trás de si (Is 38:17).• Ele os sepulta nas profundezas do mar (Mq 7:19).• Ele os afasta de nós, quanto o leste dista do oeste

(Sl 103:12).

Quando Deus perdoa, ele esquece os nossos pecados,limpa o registro e apaga a fita para que, ao apertar o botão,não apareça coisa alguma na tela gigante do céu. Nossospecados são perdoados, esquecidos, removidos, sepultadose apagados. Nunca poderão voltar a nos condenar. Deixeque essa idéia tome conta de sua alma e você jamais será o

5J. R. GRIDER, “Forgiveness”, Evangelical dictionary of theology, ed. WalterElwell. Grand Rapids: Baker Book House, 1984, p. 421.

28 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

mesmo. Mas como isso é possível? Como Deus é capaz denos perdoar? Por que ele não olha para os nossos pecados?Eis a resposta: Muito tempo atrás, Deus fixou o olhar na cruzde seu Filho, o Senhor Jesus Cristo. Quando somos hones-tos o suficiente para reconhecer nossa perversidade enossa maldade, um rio de misericórdia flui da cruz de Cris-to cobrindo com seu sangue os nossos pecados. Descobri-mos, num momento esplendoroso, que em Deus há perdão.

Por que devemos perdoar?

Pense nas seguintes palavras proferidas por nosso Senhor:

Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereiscondenados; perdoai e sereis perdoados.

Lucas 6:37

No sermão do Monte, Jesus se expressou claramente:

Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, tambémvosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes

aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos per-doará as vossas ofensas.

Mateus 6:14,15

O apóstolo Paulo coloca o perdão num contexto ligeiramen-te distinto em Efésios 4:32:

Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos,perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cris-

to, vos perdoou.

E faz uma declaração semelhante em Colossenses 3:13:

CURANDO A DOR IMERECIDA 29

Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, casoalguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim comoo Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós.

Quando Pedro — um homem que conhecia por experiên-cia própria o valor do perdão — escreveu sua primeira epís-tola, resumiu o perdão da seguinte maneira: “Acima de tudo,porém, tende amor intenso uns para com os outros, por-que o amor cobre multidão de pecados” (1Pe 4:8).

Outra maneira de expressar essa verdade se encontrano “capítulo do amor” — 1Coríntios 13. Ao descrever amaior virtude, Paulo afirma que o amor “não se exaspera”(1Co 13:5). Essa frase curta merece uma investigação maisprofunda. Em The Message, Eugene Peterson sugere a se-guinte tradução: “O amor... não fica na marcação do peca-do alheio”. Isso porque o amor tem péssima memória. Eleencontra uma forma de esquecer os pecados alheios”.

Por fim, a maior declaração e a mais profunda sobre esseassunto na Bíblia toda, o exemplo mais excelente, puro e ele-vado de perdão, vem do próprio Jesus. Quando estava pade-cendo na cruz, condenado à morte por homens perversosque tramaram seu assassinato e usaram falsas testemunhaspara declará-lo culpado, ao olhar para a multidão reunidaa seu redor, que clamava e aplaudia seu sofrimento, Jesus,o Filho de Deus, aquele que não conheceu pecado algum, oúnico homem verdadeiramente inocente a viver neste mun-do amaldiçoado pelo pecado, proferiu palavras que aindaecoam através dos séculos: “Pai, perdoa-lhes, porque nãosabem o que fazem” (Lc 23:34).

30 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

Essas palavras cheias de sofrimento acabam com qual-quer desculpa esfarrapada que possamos inventar. Reve-lam a aridez do nosso coração; trazem à luz nossa raivainjusta e mostram nossa verdadeira natureza. Muitos di-zem: “Se ao menos as pessoas que me feriram demonstras-sem algum remorso, algum arrependimento, então talvezeu pudesse perdoá-las”. Mas isso raramente acontece, eusamos a inércia dos outros como desculpa para dar conti-nuidade à amargura, à raiva e ao desejo de vingança.

Pense em Jesus na cruz. Ninguém ao seu redor pareciamuito arrependido. Enquanto ele proferia essas palavras,a multidão ria, escarnecia, aplaudia e o ridicularizava. Aque-les que passavam por lá o insultavam e zombavam deledizendo: “Se você é o rei de Israel, desça da cruz e salve asi mesmo”. Devemos deixar algo bem claro: Quando Jesusmorreu, os responsáveis por sua morte ficaram extrema-mente satisfeitos. Pilatos lavou as mãos e se eximiu dosacontecimentos terríveis que se seguiram. Os líderes reli-giosos judeus tinham por ele ódio feroz e irracional. Paraeles foi um prazer vê-lo sofrer e morrer.

Naquele dia, o mal estava no ar. As forças das trevashaviam cumprido sua missão e, em breve, o Filho de Deusseria colocado no sepulcro. Ninguém disse: “Eu errei. Nãopodemos fazer isso. Somos insensatos”. E, no entanto, Jesuspediu: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.

É exatamente isso que devemos dizer se quisermos se-guir Jesus. Devemos fazer esse pedido por aqueles quenos magoam deliberada e repetidamente. Devemos dizerisso para aqueles que nos atacam de forma proposital.

CURANDO A DOR IMERECIDA 31

Devemos repetir essas palavras para aqueles que nos fe-rem sem pensar. Devemos dizer isso para aqueles que sãomais chegados a nós, para nosso cônjuge, para nossos fi-lhos, para nossos pais, para nossos vizinhos, para nossosirmãos e nossas irmãs e para outros cristãos.

O que significa perdoar?

Creio que é necessário esclarecer aqui alguns conceitos equi-vocados sobre o perdão. De certa forma, é mais fácil dizero que o perdão não é do que explicar aquilo que ele é. Essesconceitos errados são importantes porque, às vezes, ao afir-marmos que não podemos ou não queremos perdoar, naverdade estamos nos referindo a qualquer coisa que nãoao perdão bíblico. Deixe-me fazer uma relação parcial da-quilo que o perdão não significa:

• Não significa aprovar o que uma pessoa fez.• Não significa fingir que o mal nunca foi feito.• Não significa inventar desculpas para o mau com-

portamento de outros.• Não significa justificar o mal para que o pecado se

torne, de algum modo, menos pecaminoso.• Não significa fazer vistas grossas para o abuso.• Não significa negar a tentativa de outros de feri-lo re-

petidamente.• Não significa permitir que pisem em você.• Não significa se recusar a dar queixa quando o ato

foi criminoso.• Não significa esquecer o mal que foi feito.• Não significa fingir que você nunca se magoou.

32 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

• Não significa que você deve restaurar o relacionamen-to ao que era.

• Não significa que você deve voltar a ser amigo daque-la pessoa.

• Não significa que deve haver reconciliação total, comose nada tivesse acontecido.

• Não significa que você precisa dizer à pessoa que aperdoou.

• Não significa que todas as conseqüências negativasdo pecado são anuladas.

O PERDÃO DIZ RESPEITO AO CORAÇÃO

Recebi um e-mail de uma pessoa que mora num estado dis-tante do meu. Pouco tempo atrás, esse homem havia re-conhecido que um vizinho havia abusado dele quandocriança. Esse trauma, aliado ao fato de ele ter sido criadonuma família cujos pais não foram capazes de expressaramor pelos filhos, transformou a vida desse homem numcaos. Eis um trecho daquilo que ele me escreveu.

Só este ano, por meio da oração e da ajuda de um conselhei-ro cristão, é que estou começando a deixar o passado paratrás. Ainda tenho dificuldade de lidar com a raiva, e talvezaté o ódio, que sinto de meu pai. Precisei ir ao cemitériovisitar o túmulo dos meus pais e ter uma conversa de cercade duas horas com eles para começar a deixar para trás essaraiva que me manteve num estado de tristeza constante aolongo de grande parte da minha vida adulta.

Ele prosseguiu relatando que durante vários anos se dedi-cou a ajudar pessoas, pois sabia como “consertar” pessoas

CURANDO A DOR IMERECIDA 33

e problemas. “Até que os fatos da minha infância me con-frontaram de tal modo que não pudenegá-los e nem ‘consertar’ o que haviaacontecido. Somente Deus poderia fa-zer isso”.

E o primeiro passo foi aprender aperdoar.

Essa história é um ótimo exemplo,pois mostra que, em sua essência, o perdão diz respeito àdisposição interior. Trata-se de uma verdade extremamen-te importante, pois a maioria de nós acredita que o perdãose refere, antes de tudo, àquilo que fazemos ou dizemos.No entanto, é possível proferir palavras de perdão e, aomesmo tempo, guardar raiva e amargura no coração. O per-dão começa no coração para depois se manifestar exterior-mente. Em sentido profundo, todo perdão, mesmo aqueleoferecido a alguém que lhe causou grande mágoa, é algoentre você e Deus. As pessoas podem ou não entender oureconhecer esse fato.

O perdão é fundamentalmente uma decisão interior derecusar-se a viver no passado. É uma escolha conscientede libertar os outros dos pecados cometidos contra vocêpara que você possa ser liberto. Não nega a dor nem mudao passado, mas rompe o ciclo de amargura que o prende àsferidas de outrora. O perdão lhe permite deixar o passadopara trás e avançar para o futuro. E essa história ilustracomo é possível perdoar mesmo quando os outros nadaconfessam. Você pode perdoar sem haver restauração no re-lacionamento. Você pode perdoar mesmo quando a outra

O perdão lhe

permite deixar o

passado para trás

e avançar para

o futuro.

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pessoa não fez coisa alguma para merecer o perdão, poiso perdão é como a salvação — é uma dádiva oferecida gra-tuitamente e que não pode ser merecida. Pode acontecerde você perdoar e a outra pessoa nem ficar sabendo. Vocêpode perdoar sem dizer: “Eu o perdôo”, pois o perdão dizrespeito ao coração.

Isso me leva de volta às palavras de C. S. Lewis: “Todosconsideram o perdão uma idéia muito bonita até precisa-rem perdoar alguém”. Então, o perdão se torna difícil.

TRÊS NÍVEIS DE PERDÃO

De acordo com o falecido Lewis Smedes, existem três ní-veis de perdão. Em primeiro lugar, redescobrimos a naturezahumana de quem nos magoou. Isso significa simplesmen-te que, sem amenizar o pecado dessa pessoa, reconhece-mos que é pecadora como nós. Em segundo lugar, abrimosmão do nosso direito de acertar as contas. Trata-se de algodifícil, pois é natural desejar que alguém pague pelo sofri-mento que a pessoa nos causou. Devemos, porém, deixartodo julgamento nas mãos de nosso Deus justo e misericor-dioso. Em terceiro lugar, reavaliamos nossos sentimentosem relação ao outro. Isso significa abandonar a raiva e co-locar de lado a amargura. Em última análise, significa aten-tar, com seriedade, para as palavras de Jesus quando disse:“Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”(Mt 5:44).

Você saberá que chegou a esse nível final de perdãoquando for capaz de pedir que Deus abençoe aqueles queo feriram de modo tão profundo. Trata-se, de fato, de um

CURANDO A DOR IMERECIDA 35

padrão extremamente elevado — tão elevado que não po-demos alcançá-lo sem Deus. É por isso que Smedes estavacerto ao dizer que o perdão é um milagre. O perdão é nadamenos que um milagre de Deus.6

E esse é o milagre de que precisamos desesperadamente.

DUAS OBSERVAÇÕES FINAIS

Este é apenas o primeiro capítulo. Há muito mais a serdito e muito mais que podemos aprender juntos sobre omilagre do perdão. Por ora, vamos concluir com duas ob-servações:

• O perdão não é opcional na vida cristã. É uma ação neces-sária dentro do conceito de ser cristão. Se desejamosseguir a Jesus verdadeiramente, devemos perdoar.Não temos outra escolha. E devemos perdoar assimcomo Deus nos perdoou — gratuita, livre e totalmen-te. Recebemos um milagre de Deus e o passamosadiante para outros.

• Perdoaremos na mesma proporção que compreendermosquanto fomos perdoados. O melhor incentivo para o per-dão é lembrar do quanto Deus já nos perdoou. Penseem quantos pecados ele cobriu na sua vida. Pense nocastigo que você merecia, mas que não recebeu por-que Deus usou de sua graça. Jesus disse: “Aquele aquem pouco se perdoa, pouco ama” (Lc 7:47). Suadisposição de perdoar é diretamente proporcional àsua consciência do quanto você foi perdoado.

6The art of forgiving. Nova York: Ballantine Books, 1996, p. 5-12.

36 O PODER TERAPÊUTICO DO PERDÃO

Para experimentar o poder terapêutico do perdão, preci-samos de duas coisas: coração sensível e coragem. Alguns denós fomos profundamente magoados por ações de outros.Pessoas nos atacaram, difamaram, maltrataram, abusaramde nós, nos violentaram sexualmente, ridicularizaram, des-prezaram, humilharam publicamente, feriram fisicamen-te, e o fizeram de modo deliberado, repetido e cruel.

Em reação a isso tudo, endurecemos o ser interior paranos proteger de mais dor. Essa dureza, porém, dificulta acapacidade de ouvir o convite suave do Espírito Santo. Pre-cisamos de um coração sensível para ouvir a voz de Deus.E, depois, precisamos de coragem. O perdão não é para ostímidos, mas, sim, para os valentes. Somente os fortes têma coragem de deixar o passado para trás.