o prazer da leitura rubem alves
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8/18/2019 O Prazer Da Leitura Rubem Alves
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O prazer da leitura - Rubem Alves
Rubem AlvesGaiolas ou Asas – A arte do voo ou a busca da alegria de aprender Porto, Edições Asa, 2004.
Alfabetizar é esiar a ler. A palavra alfabetizar vem de !alfabeto!.!Alfabeto! é o "o#uto das letras de uma l$%ua, "olo"adas uma "ertaordem. & a mesma "oisa 'ue !abe"ed(rio!. A palavra !alfabeto! é formada"om as duas primeiras letras do alfabeto %re%o) !alfa! e !beta!. E!abe"ed(rio!, "om a #uç*o das 'uatro primeiras letras do osso alfabeto)!a!, !b!, !"! e !d!. Assim sedo, pesei a possibilidade e%raçada de 'ue!abe"edarizar!, palavra ie+istete, pudesse ser siimo de !alfabetizar!...
!Alfabetizar!, palavra aparetemete io"ete, "otém a teoria de "omo seaprede a ler. Aprede-se a ler aprededo-se as letras do alfabeto.
Primeiro as letras. epois, #utado-se as letras, as s$labas. epois, #utado-se as s$labas, apare"em as palavras...
E assim era. embro-me da "riaçada a repetir em "oro, sob a re%/"ia daprofessora) !b/-(-b( b/-e-b/ b/-i-bi b/--b b/-u-bu!... Estou a ol1ar paraum postal, miiatura de um dos "artazes 'ue ati%amete se usavam "omotema de reda"ç*o) uma meia deitada de bruços sobre um div*, 'uei+oapoiado a m*o, tedo sua frete um livro aberto ode se v/ !fa!, !fe!,!3!, !fo!, !fu!...
e é assim 'ue se esia a ler, esiado as letras, ima%io 'ue o esio da
m5si"a se deveria "1amar !dorremizar!) apreder o d, o ré, o mi... 6utam-se as otas e a m5si"a apare"e7 Posso ima%iar, et*o, uma aula deii"iaç*o musi"al em 'ue os aluos 3"assem a repetir as otas, sob are%/"ia da professora, a esperaça de 'ue, da repetiç*o das otas, am5si"a apare"esse...
8odo a %ete sabe 'ue *o é assim 'ue se esia m5si"a. A m*e pe%a obebé e embala-o, "atado uma "aç*o. E a "riaça per"ebe a "aç*o. O'ue o bebé ouve é a m5si"a, e *o "ada ota, separadamete7 E aevid/"ia da sua "omprees*o est( o fa"to de 'ue ele se tra'uiliza e
dorme 9 mesmo ada sabedo sobre otas7Eu apredi a %ostar de m5si"a "l(ssi"a muito ates de saber as otas) ami1a m*e to"ava-as ao piao e elas 3"aram %ravadas a mi1a "abeça.omete depois, #( fas"iado pela m5si"a, fui apreder as otas 9 por'ue'ueria to"ar piao. A aprediza%em da m5si"a "omeça "omo per"epç*o deuma totalidade 9 e u"a "om o "o1e"imeto das partes.
:sto é verdadeiro também sobre apreder a ler. 8udo "omeça 'uado a"riaça 3"a fas"iada "om as "oisas maravil1osas 'ue moram detro dolivro. ;*o s*o as letras, as s$labas e as palavras 'ue fas"iam. & a 1istria. Aaprediza%em da leitura "omeça ates da aprediza%em das letras) 'uadoal%uém l/ e a "riaça es"uta "om prazer. A "riaça volta-se para a'ueles
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siais misteriosos "1amados letras. ese#a de"ifr(-los, "ompreed/-los 9por'ue eles s*o a "1ave 'ue abre o mudo das del$"ias 'ue moram o livro7ese#a autoomia) ser "apaz de "1e%ar ao prazer do te+to sem pre"isar damediaç*o da pessoa 'ue o est( a ler.
;um primeiro mometo, as del$"ias do te+to e"otram-se a fala doprofessor. lei, o professor, o a"to deler para os seus aluos, é o !seio bom!, o mediador 'ue li%a o aluo aoprazer do te+to. ?ofesso u"a ter tido prazer al%um em aulas de%ram(ti"a ou de a(lise sit("ti"a. ;*o foi elas 'ue apredi as del$"ias daliteratura. =as lembro-me "om ale%ria das aulas de leitura. ;a verdade, *oeram aulas. Eram "o"ertos. A professora lia, iterpretava o te+to, e souv$amos, e+tasiados. ;i%uém falava.
Ates de ler =oteiro obato, eu ouvi-o. E o bom era 'ue *o 1avia e+amessobre a'uelas aulas. Era prazer puro. E+iste uma i"ompatibilidade totaletre a e+peri/"ia prazerosa da leitura 9 e+peri/"ia va%abuda7 9 e ae+peri/"ia de ler a 3m de respoder a 'uestio(rios de iterpretaç*o e"omprees*o. Era sempre uma tristeza 'uado a professora fe"1ava olivro...
@e#o, assim, a "ea ori%ial) a m*e ou o pai, livro aberto, a ler para o 3l1o...Essa e+peri/"ia é o aperitivo 'ue 3"ar( para sempre %uardado a memriaafe"tiva da "riaça. ;a aus/"ia da m*e ou do pai, a "riaça ol1ar( para olivro "om dese#o e ive#a. ese#o, por'ue ela 'uer e+perimetar as del$"ias
'ue est*o "otidas as palavras. E ive#a, por'ue ela %ostaria de ter o saberdo pai e da m*e) eles s*o a'ueles 'ue t/m a "1ave 'ue abre as portas deum mudo maravil1oso7
Rolad art1es faz uso de uma lida met(fora poéti"a para des"rever o 'ueele dese#ava fazer, "omo professor) maternagem 9 "otiuar a fazer a'uilo'ue a m*e faz. & isso mesmo) a es"ola, o professor dever( "otiuar opro"esso de leitura afe"tuosa. Ele l/) a "riaça ouve, e+tasiada7 eduzida,ela pedir() Por favor, ensine-me! Eu quero poder entrar no livro por minha
própria conta...
8oda a aprediza%em "omeça "om um pedido. e *o 1ouver o pedido, aaprediza%em *o a"ote"e. B( a'uele vel1o ditado) fcil levar a "guaat" ao meio do ribeir#o. $ dif%cil " convencer a "gua a beber. 8raduzido pelaAdélia Prado) o quero faca nem quei'o. (uero " fome. =et(fora para oprofessor.
8odo o te+to é uma partitura musi"al. As palavras s*o as otas. e a'uele'ue l/ é um artista, se ele domia a té"i"a, se ele desliza sobre aspalavras, se ele est( possu$do pelo te+to 9 a beleza a"ote"e. E o te+toapossa-se do "orpo de 'uem ouve. =as se a'uele 'ue l/ *o domia a
té"i"a, se luta "om as palavras, se *o desliza sobre elas 9 a leitura *oproduz prazer) 'ueremos lo%o 'ue ela a"abe.
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Assim, 'uem esia a ler, isto é, a'uele 'ue l/ para 'ue os seus aluoste1am prazer o te+to, tem de ser um artista. deveria ler a'uele 'ueest( possu$do pelo te+to 'ue l/. Por isso eu a"1o 'ue deveria serestabele"ida as ossas es"olas a pr(ti"a dos !"o"ertos de leitura!. e 1(
"o"ertos de m5si"a erudita, #azz 9 por 'ue *o "o"ertos de leituraCOuvido, os aluos e+perimetar*o o prazer de ler.
E a"ote"er( "om a leitura o mesmo 'ue a"ote"e "om a m5si"a) depois determos sido to"ados pela sua beleza, é imposs$vel es'ue"er. A leitura é umadro%a peri%osa) vi"ia... e os #oves *o %ostam de ler, a "ulpa *o é sdeles. Doram forçados a apreder tatas "oisas sobre os te+tos 9 %ram(ti"a,usos da part$"ula !se!, d$%rafos, e"otros "osoatais, a(lise sit("ti"a 9'ue *o 1ouve tempo para serem ii"iados a 5i"a "oisa 'ue importa) a
beleza musi"al do te+to. E a miss*o do professorC
A"1o 'ue as es"olas s ter*o realizado a sua miss*o se forem "apazes dedesevolver os aluos o prazer da leitura. O prazer da leitura é opressuposto de tudo o mais. uem %osta de ler tem as m*os as "1aves domudo. =as o 'ue ve#o a a"ote"er é o "otr(rio. *o rar$ssimos os "asosde amor leitura desevolvido as aulas de estudo formal da l$%ua.
Paul Foodma, "otroverso pesador orte-ameri"ao, diz) &unca ouvi falar
de nenhum m"todo para ensinar literatura )humanities* que n#o acabasse por mat-la. Parece que a sobreviv+ncia do gosto pela literatura temdependido de milagres aleatórios que s#o cada ve menos frequentes.
@edem-se, as livrarias, livros "om resumos das obras liter(rias 'ue saemos e+ames. uem aprede resumos de obras liter(rias para passar,aprede mais do 'ue isso) aprede a odiar a literatura.
o1o "om o dia em 'ue as "riaças 'ue l/em os meus livri1os *o ter*o
de aalisar d$%rafos e e"otros "osoatais e em 'ue o "o1e"imeto dasobras liter(rias *o se#a ob#e"to de e+ames) os livros ser*o lidos pelosimples prazer da leitura.
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Jovem, eu sonhava ter uma grande biblioteca. E fui assim pela vida, comprando os livros que
podia. Tive de desenvolver métodos para controlar minha voracidade, porque o dinheiro e o
tempo eram poucos. Entrava na livraria, separava todos os livros que desejava comprar e, ao
me aproximar do caixa, colocava-os sobre o balcão e me perguntava diante de cada um !
Tenho necessidade imediata desse livro" Tenho outros, em casa, ainda não lidos" #osso
esperar"$ E assim ia pegando cada um deles e os devolvendo %s prateleiras. & despeito
desse método de controle cheguei a ter uma biblioteca significativa, mais do que suficiente
para as minhas necessidades.
'otei, % medida em que envelhecia, uma mudan(a nas minhas prefer)ncias passei a termais pra*er na se(ão dos livros de arte nas livrarias. +s livros de ci)ncia a gente l) uma ve*,
fica sabendo e não tem necessidade de ler de novo. om os livros de arte acontece diferente.
ada ve* que os abrimos é um encantamento novo reio que meu amor pelos livros de arte
t)m a ver com experi)ncias infantis.
Talve* que os psicanalistas interpretem esse amor como uma manifesta(ão neurtica de
regressão. 'ão me incomodo. #ois, em oposi(ão % psican/lise que considera a inf0ncia como
um per1odo de imaturidade que deve ser ultrapassado para que nos tornemos adultos, eu,
inspirado por telogos e poetas, considero a maturidade como uma doen(a a ser curada.
2em re*a a &délia #rado ! 3eu 4eus, me d/ cinco anos, me cura de ser grande5$ E não
pensem que isso é maluquice de poeta. #eter 2erger, um socilogo inteligente e com senso
de humor, definiu !maturidade$, essa qualidade tão valori*ada, como ! um estado de mente
que se acomodou, ajustou-se ao status quo e abandonou os sonhos selvagens de aventura e
reali*a(ão5$ 3enino de cinco anos, eu passava horas vendo um livro da minha mãe, cheio de
figuras. 6embro-me uma delas era um prédio de de* andares com a seguinte explica(ão
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!'os Estados 7nidos h/ casas de de* andares.$ E havia a figura de um ca(ador de jacarés, e
de crian(as esquims saudando a chegada do sol.
+ fato é que comecei a mudar os meus gostos e chegou um momento em que, olhando para
aquelas estantes cheias de livros, eu me perguntei !J/ sou velho. Terei tempo de ler todos
esses livros" Eu quero ler todos esses livros"$ 'ão, nem tenho tempo e nem quero. Então,
por que guard/-los" 8esolvi dar os livros que eu não amava. ompreendi, então, que não se
pode falar em amor pelos livros, em geral. 7m homem que di* amar todas as mulheres na
verdade não ama nenhuma. 'unca se apaixonar/. + mesmo vale para os livros. &ssim, fui
aos meus livros com a pergunta !9oc) me ama"$ :&cha que estou louco" ; 8oland 2arthes
que declara que o texto tem de dar provas de que me deseja. e não tem cheiro humano, não como.
'iet*sche também cheirava primeiro. 4i*ia s amar os livros escritos com sangue.
6er é um ritual antropof/gico. >abia disso 3urilo 3endes quando escreveu !'o tempo em
que eu não era antropfago, isto é, no tempo em que eu não devorava livros B e os livros
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não são homens, não contém a subst0ncia, o prprio sangue do homem"$ & antropofagia
não se fa*ia por ra*Des alimentares. Ca*ia-se por ra*Des m/gicas. uem come a carne do
sacrificado se apropria das virtudes que moravam no seu corpo. omo na eucaristia cristã,
que é um ritual antropof/gico !Esse pão é a minha carne, esse vinho é o meu sangue5$
ada livro é um sacramento. ada leitura é um ritual m/gico. uem l) um livro escrito com
sangue corre o risco de ficar parecido com o escritor. J/ aconteceu comigo5
8ubem &lves
Sobre Moluscos, Conchas e Belezas #ublished FG novembro, HII conchas e bele*a , >obre moluscos K omments
4esde que o objetivo da educa(ão é permitir que vivamos melhor, nossas escolas deveriam
tomar a nature*a como mestra
9oltamos ao mundo dos moluscos, que fe* #iaget pensar sobre os homens5 4eles a primeira
coisa que vi foram as conchas. Eu vi, simplesmente, sem nada saber sobre suas origens.
Lgnorava que existissem moluscos. 'ão sabia que elas, as conchas, tinham sido feitas para
ser casas daqueles animais de corpo mole que, sem elas, seriam devorados pelos
predadores. 3eus olhos apenas viram. 9iram e se espantaram.
+ espanto -os gregos sabiam que é no espanto que o pensamento come(a. + espanto vem
quando um objeto se coloca diante de ns como um enigma a ser decifrado !4ecifra-me ou
te devoro$. onchas são objetos espantosos.
Coi um espanto estético. Coi a bele*a que exigiu que eu as decifrasse. onchas são objetos
assombrosos, constru1dos segundo rigorosas rela(Des matem/ticas. +s moluscos eram
também artistas, arquitetos. >uas casas tinham de ser belas. >er/ que a nature*a tem uma
alma de artista" oisa estranha essa, com certe*a alucina(ão de poeta, imaginar que a
nature*a seja a casa de um artista
'ão para 2achelard, que não se envergonhava em falar sobre !imagina(ão da matéria$.
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#ensei que a vida não produ* apenas objetos Mteis, ferramentas adequadas % sobreviv)ncia.
& vida não deseja apenas sobreviver, ela não se satisfa* com a utilidade. Ela constri os seus
objetos segundo as normas da bele*a. & vida deseja alegria. &ssim acontece conosco
precisamos sobreviver e, para isso, cultivamos repolhos, nabos e batatas e estabelecemos a
ci)ncia do cultivo de repolhos, nabos e batatas. Esse é um dos sentidos da ci)ncia receitas
para construir ferramentas para a sobreviv)ncia.
3as, por ra*Des que se encontram além das ra*Des cient1ficas, talve* por obra do artista
invis1vel que mora em ns, gastamos nosso tempo e nossas for(as na produ(ão de coisas
inMteis, tais como violetas, orqu1deas e rosas, coisas que não servem para nada e s dão
trabalho5 'osso corpo não se alimenta s de pão. Ele tem fome de bele*a. reio que Jesus
risto não se importaria e até mesmo sorriria se eu fi*esse uma par/frase da sua resposta
ao diabo, que o tentava com a solu(ão pr/tica !'ão s de repolhos, nabos e batatas viver/
o homem, mas também de violetas, orqu1deas e rosas5$.
7me menina perguntou a 3/rio uintana se era verdade que os machados pMblicos iriam
cortar um maravilhoso pé de figueira que havia numa pra(a. Lsso o levou de volta aos seus
tempos de menino. 'o quintal de sua casa havia uma paineira enorme, que, quando
florescia, era uma glria. &té que um dia foi posta abaixo simplesmente !porque prejudicava
o desenvolvimento das /rvores frut1feras. +ra, as /rvores frut1feras 2em sabes,
menina*inha, que os nossos olhos também precisam de alimento5$.
#enso que, desde que o objetivo da educa(ão é permitir que vivamos melhor, nossas escolas
deveriam tomar a nature*a como sua mestra. &ssim, j/ que tanto falam em #iaget, imaginei
que poderiam adotar as conchas como s1mbolos, afinal de contas, foi no estudo dos moluscos
que o seu pensamento sobre educa(ão se iniciou.
E quando indagados por pais e alunos sobre as ra*Des de serem as conchas os s1mbolos da
escola, os professores teriam uma ocasião para lhes dar a primeira aula de filosofia da
educa(ão + objetivo da educa(ão é ensinar as novas gera(Des a construir casas. ; preciso
que as casas sejam slidas, por causa da sobreviv)ncia. #ara isso as escolas ensinam a
ci)ncia. 3as não basta que nossas casas sejam slidas, é preciso que sejam belas. & vida
deseja alegria. #ara isso as escolas ensinam as artes.
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egunda isso que estou ensinando contribui para que o meu aluno se torne mais sens1vel %
bele*a" Educa a sua sensibilidade" &umenta suas possibilidades de alegria e de espanto"
oncluo com as palavras de
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pergunta, sem dar a resposta. #orque se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as
asas do pensamento. + pensamento é como a /guia que s al(a vNo nos espa(os va*ios do
desconhecido. #ensar é voar sobre o que não se sabe. 'ão existe nada mais fatal para o
pensamento que o ensino das respostas certas. #ara isso existem as escolas não para
ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. &s respostas nos permitem andar
sobre a terra firme. 3as somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.
E, no entanto, não podemos viver sem respostas. &s asas, para o impulso inicial do vNo,
dependem dos pés apoiados na terra firme. +s p/ssaros, antes de saber voar, aprendem a se
apoiar sobre os seus pés. Também as crian(as, antes de aprender a voar t)m de aprender a
caminhar sobre a terra firme.
Terra firme as milhares de perguntas para as quais as gera(Des passadas j/ descobriram as
respostas. + primeiro momento da educa(ão é a transmissão desse saber. 'as palavras de
8oland 2arthes !ei amarrar os
meus sapatos, automaticamente, sei dar o n na minha gravata automaticamente as mãos
fa*em o trabalho com destre*a enquanto as idéias andam por outros lugares. &quilo que um
dia eu não sabia me foi ensinado@ eu aprendi com o corpo e esqueci com a cabe(a. E a
condi(ão para que as minhas mãos saibam bem é que a cabe(a não pense sobre o que elas
estão fa*endo. 7m pianista que, na hora da execu(ão, pensa sobre os caminhos que seus
dedos deverão seguir, trope(ar/ fatalmente.
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corpo aquilo que a cabe(a esqueceu. E assim escrevemos, lemos, andamos de bicicleta,
nadamos, pregamos prego, guiamos carros sem saber com a cabe(a, porque o corpo sabe
melhor. ; um conhecimento que se tornou parte inconsciente de mim mesmo. E isso me
poupa do trabalho de pensar o j/ sabido. Ensinar, aqui, é inconscienti*ar.
+ sabido é o não pensado, que fica guardado, pronto para ser usado como receita, na
memria deste computador que se chama cérebro. 2asta apertar a tecla adequada para que
a receita apare(a no v1deo da consci)ncia. &perto a tecla moqueca. & receita aparecer/ no
meu v1deo cerebral panela de barro, a*eite, peixe, tomate, cebola, coentro, cheiro-verde,
urucum, sal, pimenta, seguidos de uma série de instru(Des sobre o que fa*er.
'ão é coisa que eu tenha inventado. 3e foi ensinado. 'ão precisei pensar. Oostei. Coi para a
memria. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano s vai
para a memria aquilo que é objeto do desejo. & tarefa primordial do professor sedu*ir o
aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda.
E o saber fica memori*ado de cor B etimologicamente, no cora(ão -, % espera de que o
teclado desejo de novo o chame de seu lugar de esquecimento.
3emria um saber que o passado sedimentou. Lndispens/vel para se repetir as receitas que
os mortos nos legaram. E elas são boas. Tão boas que nos fa*em esquecer que é preciso
voar. #ermitem que andemos pelas trilhas batidas. 3as nada t)m a di*er sobre os mares
desconhecidos. 3uitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de /guias
em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universit/rios. &qui se
encontra o perigo das escolas de tanto ensinar o que o passado legou B e ensinou bem B
fa*em os alunos se esquecer de que o seu destino não é passado cristali*ado em saber, mas
um futuro que se abre como va*io, um não-saber que somente pode ser explorado com as
asas do pensamento. ompreende-se então, que 2arthes tenha dito que, seguindo-se ao
tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo em que se ensina o que não se
sabe.
Escola e Sofrimento #ublished P outubro, HII Escola e sofrimento H omments
Estou com medo de que as crian(as me chamem de mentiroso. #ois eu disse que o negcio
dos professores é ensinar a felicidade. &contece que eu não conhe(o nenhuma crian(a que
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concorde com isto. >e elas j/ tivessem aprendido as li(Des da pol1tica, me acusariam de
porta vo* da classe dominante. #ois, como todos sabem, mas ninguém tem coragem de
di*er, toda escola tem uma classe dominante e uma classe dominada a primeira, formada
por professores e administradores, e que detém o monoplio do saber, e a segunda, formada
pelos alunos, que detém o monoplio da ignor0ncia, e que deve submeter o seu
comportamento e o seu pensamento aos seus superiores, se desejam passar de ano.
2asta contemplar os olhos amedrontados das crian(as e os seus rostos cheios de ansiedade
para compreender que a escola lhes tra* sofrimento. + meu palpite é que, se se fi*er uma
pesquisa entre as crian(as e os adolescentes sobre as suas experi)ncias de alegria na escola,
eles terão muito que falar sobre a ami*ade e o companheirismo entre eles, mas
pouqu1ssimas serão as refer)ncias % alegria de estudar, compreender e aprender.
& classe dominante argumentar/ que o testemunho dos alunos não deve ser levado em
considera(ão. Eles não sabem, ainda5 uem sabe são os professores e os administradores.
&contece que as crian(as não estão so*inhas neste julgamento. Eu mesmo s me lembro
com alegria de dois professores dos meus tempos de grupo, gin/sio e cient1fico. & primeira,
uma gorda e maternal senhora, professora do curso de admissão, tratava-nos a todos como
filhos. om ela era como se todos fNssemos uma grande fam1lia. + outro, professor de
6iteratura, foi a primeira pessoa a me introdu*ir nas del1cias da leitura. Ele falava sobre os
grandes cl/ssicos com tal amor que deles nunca pude me esquecer. uanto aos outros, a
minha impressão era a de que nos consideravam como inimigos a serem confundidos e
torturados por um saber cujas finalidade e utilidade nunca se deram ao trabalho de nos
explicar. ompreende-se, portanto, que entre as nossas maiores alegrias estava a not1cia de
que o professor estava doente e não poderia dar a aula. E até mesmo uma dor de barriga ouum resfriado era motivo de alegria, quando a doen(a nos dava uma desculpa aceit/vel para
não ir % escola.
'ão me espanto, portanto, que tenha aprendido tão pouco na escola. + que aprendi foi fora
dela e contra ela. Jorge 6u1s 2orges passou por experi)ncia semelhante. 4eclarou que
estudou a vida inteira, menos nos anos em que esteve na escola. Era, de fato, dif1cil amar as
disciplinas representadas por rostos e vo*es que não queriam ser amados.
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Esta situa(ão, ao que parece, tem sido a norma, tanto que e assim que aparece
freqQentemente relatada na literatura. 8omain 8olland conta a experi)ncia de um aluno !5
afinal de contas, não entender nada j/ é um h/bito. Tr)s quartas partes do que se di* e do
que me fa*em escrever na escola a gram/tica, ci)ncias, a moral e mais um ter(o das
palavras que leio, que me ditam, que eu mesmo emprego B eu não sei o que elas querem
di*er. J/ observei que em minhas reda(Des as que eu menos compreendo são as que levam
mais chances de ser classificadas em primeiro lugar$. 3as nem precisar1amos ler 8omain
8olland bastaria ler os textos que os nossos filhos t)m de ler e aprender. oncordo com #aul
Ooodmann na sua afirma(ão de que a maioria dos estudantes nos colégios e universidades
não desejam estar l/.
Estão l/ porque são obrigados.
+s métodos cl/ssicos de tortura escolar como a palmatria e a vara j/ foram abolidos. 3as
poder/ haver sofrimento maior para uma crian(a ou um adolescente que ser for(ado a
mover-se numa floresta de informa(Des que ele não consegue compreender, e que nenhuma
rela(ão parecem ter com sua vida"
ompreende-se que, com o passar do tempo a intelig)ncia se encolha por medo e horror
diante dos desafios intelectuais., e que o aluno passe a se considerar como um burro.
uando a verdade é outra a sua intelig)ncia foi intimidada pelos professores e, por isto,
ficou paralisada.
+s técnicos em educa(ão desenvolveram métodos de avaliar a aprendi*agem e, a partir dos
seus resultados, classificam os alunos. 3as ninguém jamais pensou em avaliar a alegria dos
estudantes B mesmo porque não h/ métodos objetivos para tal. #orque a alegria é uma
condi(ão interior, uma experi)ncia de rique*a e de liberdade de pensamentos e sentimentos.& educa(ão, fascinada pelo conhecimento do mundo, esqueceu-se de que sua voca(ão é
despertar o potencial Mnico que ja* adormecido em cada estudante. 4a1 o paradoxo com que
sempre nos defrontamos quanto maior o conhecimento, menor a sabedoria. T. >. Eliot fa*ia
esta terr1vel pergunta, que deveria ser motivo de medita(ão para todos os professores
!+nde est/ a sabedoria que perdemos no conhecimento"$
9ai aqui este pedido aos professores, pedido de alguém que sofre ao ver o rosto aflito das
crian(as, dos adolescentes lembrem-se de que voc)s são pastores da alegria, e que a sua
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responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes fa* um pedido !#or favor, me
ajude a ser feli*5$
A Alegria de Ensinar #ublished P outubro, HII & alegria de ensinar H omments
3uito se tem falado sobre o sofrimento dos professores.
Eu, que ando sempre na dire(ão oposta, e acredito que a verdade se encontra no avesso das
coisas, quero falar sobre o contr/rio a alegria de ser professor, pois o sofrimento de se ser
um professor é semelhante ao sofrimento das dores de parto a mãe o aceita e logo dele se
esquece, pela alegria de dar % lu* um filho.
8eli, fa* poucos dias, o livro de
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&o ler o texto de eus olhos procuram mãos estendidas que possam receber a sua
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rique*a. Aaratustra, o s/bio, se transforma em mestre. #ois ser mestre e isso ensinar a
felicidade.
!&h$, retrucarão os professores, !a felicidade não é a disciplina que ensino. Ensino ci)ncias,
ensino literatura, ensino histria, ensino matem/tica5$ 3as ser/ que voc)s não percebem
que essas coisas que se chamam !disciplinamSS, e que voc)s devem ensinar, nada mais são
que ta(as multiformes coloridas, que devem estar cheias de alegria"
#ois o que voc)s ensinam não e um deleite para a alma" >e não fosse, voc)s não deveriam
ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, os seus alunos, sintam pra*er
igual ao que voc)s sentem. >e isso não acontecer, voc)s terão fracassado na sua missão,
como a co*inheira que queria oferecer pra*er, mas a comida saiu salgada e queimada5
+ mestre nasce da exuber0ncia da felicidade. E, por isso mesmo, quando perguntados sobre
a sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar a absurda resposta !>ou um
pastor da alegria5$ 3as, e claro, somente os seus alunos poderão atestar da verdade da sua
declara(ão5
Não é prprio falar sobre os alunos #ublished FG agosto, HII 'ão é prprio falar dos alunos F omment
Oosto de ouvir conversas. 3ania de psicanalista. ; que nas conversas moram mundos
diferentes do meu. Thomas 3ann, no seu livro !José do Egito$, conta um di/logo entre José e
o mercador que o comprara para vend)-lo como escravo, no Egito !Estamos a um metro de
dist0ncia um do outro. E, no entanto, ao teu redor gira um universo do qual o centro és tu, e
não eu. E ao meu redor gira um universo do qual o centro sou eu, e não tu$. Cascinam-me
esses universos que me tangenciam e que, no entanto, estão distantes de mim. Oosto de
ouvir conversas para viajar por outros mundos.
#or v/rios anos eu viajei diariamente de trem, de ampinas para 8io laro, no Estado de >ão
#aulo, onde eu era professor na antiga Caculdade de Cilosofia. 'o mesmo vagão viajavam
também muitos professores a caminho das escolas onde trabalhavam. Lam juntos, alegres e
falantes5 #or anos escutei o que falavam. Calavam sempre sobre as escolas. Era ao redor
delas que giravam os seus universos. Calavam sobre diretores, colegas, sal/rios, reuniDes,
relatrios, férias, programas, provas. 3as nunca, nunca mesmo, eu os ouvi falar sobre os
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seus alunos. #arece que nos universos em que viviam não havia alunos, embora houvesse
escolas. >e não falavam sobre alunos é porque os alunos não tinham import0ncia.
#articipei da banca que examinou uma tese de doutoramento cujo tema eram os livros em
que, nas escolas, são registradas as reuniDes de diretores e professores. & candidata se dera
ao trabalho de examinar tais reuniDes para saber sobre o que falavam diretores e
professores. &s coisas registradas eram as coisas importantes que mereciam ser guardadas
para a posteridade. 'os livros estavam registradas discussDes sobre leis, portarias,
relatrios, assuntos administrativos e burocr/ticos, eventos, festas. 3as não havia registros
de coisas relativas aos alunos. +s alunos, aqueles para os quais as escolas foram criadas,
para os quais diretores e professoras existem ausentes. 'ão, não era bem assim os alunos
estavam presentes quando se constitu1am em perturba(Des da ordem administrativa. +s
alunos, meninos e meninas, alegres, brincalhDes, curiosos, querendo aprender, alunos como
companheiros dessa brincadeira que se chama ensinar e aprender sobre tais alunos o
sil)ncio era total.
Essa aus)ncia do aluno não do aluno a quem o discurso administrativo das escolas se
refere como o !o perfil dos nossos alunos$, nem esse nem aquele, todos, aluno abstrato
não esse, mas aquele aluno de rosto inconfund1vel e nome Mnico, esse aluno de carne e osso
que é a ra*ão de ser das escolas. &h, é importante nunca se esquecer disso alunos não são
unidades biopsicolgicas mveis sobre os quais se devem gravar os mesmos saberes, não
importando que sejam meninos nas praias do 'ordeste, nas montanhas de 3inas, %s
margens do &ma*onas, ou nas favelas do 8io. +s alunos são crian(as de carne e osso que
sofrem, riem, gostam de brincar, t)m o direito de ter alegrias no presente e não vão % escola
para serem transformados em unidades produtivas no futuro. E é essa aus)ncia do aluno de
carne e osso que est/ progressivamente marcando os universos que giram em torno da
escola. +s professores não falam sobre os alunos. 'a verdade, não é prprio que os
professores falem com entusiasmo e alegria sobre os alunos. +s alunos não são tema de
suas conversas. &contece nas escolas prim/rias :ainda escrevo do jeito antigo porque não
acredito que a mudan(a de nomes mude a realidade5=. 3as não s nelas. 6embro-me de
uma brincadeira séria que corria entre os professores de uma de nossas universidades mais
respeitadas. 4i*iam os professores que, para que a dita universidade fosse perfeita, s
faltava uma coisa acabar com os alunos5 2rincadeira" #sicanalista não acredita na
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inoc)ncia das brincadeiras. om isso concordam os critérios de avalia(ão dos docentes,
impostos pelos rgãos governamentais o que se computa, para fins de avalia(ão de um
docente, não são as suas atividades docentes, a rela(ão com os alunos, mas a publica(ão de
artigos em revistas indexadas internacionais. + que esses critérios estão di*endo aos
professores é o seguinte !9oc)s valem os artigos que publicam publish or perish$ 'um
universo assim definido pelo discurso dos burocratas, o aluno, esse em particular, cujo
pensamento é obriga(ão do professor provocar e educar, esse aluno se constitui num
empecilho % atividade que realmente importa. +s raros professores que t)m pra*er e se
dedicam aos seus alunos estão perdendo o tempo precioso que poderiam dedicar aos seus
artigos.
!&quele que é um verdadeiro professor toma a sério somente as coisas que estão
relacionadas com os seus estudantes inclusive a si mesmo$, afirmou 'iet*sche. Eu sonho
com o dia em que os professores, em suas conversas, falarão menos sobre os programas e
as pesquisas e terão mais pra*er em falar sobre os seus alunos.
Curiosidade é uma coceira nas idéias #ublished FG agosto, HII uriosidade é uma coceira nas idéias 6eave a omment
Eu estava com a cabe(a quente. ueria descansar, parar de pensar. #ara parar de pensar
nada melhor que trabalhar com as mãos. #eguei minha caixa de ferramentas, a serra circular
e a furadeira e fui para o terceiro andar, onde guardo os meus livros.
Lria fa*er umas estantes. &s t/buas j/ estavam l/. 'em bem comecei a trabalhar de
carpinteiro e fui interrompido com a chegada da faxineira. om ela, sua filhinha de anos,
4ionéia. arinha redonda, sorriso mostrando os dentes brancos, trancinhas estilo afro.
+ que se era de esperar numa menina da idade dela era que ela ficasse com a mãe. 'ão
ficou. #referiu ficar comigo, vendo o que eu fa*ia. #or que ela fe* isso" uriosidade.
uriosidade é uma coceira que d/ nas idéias5 &quelas ferramentas e o que eu estava
fa*endo a fascinavam. Ela queria aprender.
U+ que é isso que voc) tem na mão"U, ela perguntou. U; uma trenaU, respondi. U#ara que serve
a trena", ela continuou. U& trena serve para medir. #reciso de uma t/bua de um metro e
vinte. &ssim, vou medir um metro e vinte. 9ejaU
https://rubemalves.wordpress.com/2007/08/16/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/https://rubemalves.wordpress.com/category/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/https://rubemalves.wordpress.com/category/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/https://rubemalves.wordpress.com/2007/08/16/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/#respondhttps://rubemalves.wordpress.com/2007/08/16/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/#respondhttps://rubemalves.wordpress.com/2007/08/16/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/https://rubemalves.wordpress.com/category/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/https://rubemalves.wordpress.com/2007/08/16/curiosidade-e-uma-coceira-nas-ideias/#respond
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#uxei a l0mina da trena e lhe mostrei os nMmeros. Ela olhou atentamente. U9oc) j/ sabe os
nMmeros"U, perguntei. U>eiU, ela respondeu. ontinuei U9eja esses nMmeros sobre os
risquinhos. + espa(o entre esses risquinhos mais compridos é um cent1metro. 7m metro tem
cem cent1metros, cem desses pedacinhos. 9eja que de de* em de* cent1metros o nMmero
aparece escrito em vermelho. ; que, para facilitar, os cent1metros são amarrados em
pacotinhos de de*. 7m metro é feito com de* pacotinhos de de* cent1metros.. 7m metro e
vinte são de* desses pacotinhos, para fa*er um metro, mais dois, para completar os vinte
cent1metros que faltamU. 3arquei um metro e vinte na t/bua com um lapis me preparei para
riscar a t/bua.
&ssim se iniciou uma das mais alegres experi)ncias de ensino e aprendi*agem que tive na
minha vida. & 4ionéia queria saber de tudo. 'ão precisei fa*er uso de nenhum artif1cio de
!motiva(ão$ para que ela estivesse motivada. + que a motivava era o fasc1nio daquilo que eu
estava fa*endo e das ferramentas que eu estava usando. >eus olhos e pensamentos estavam
co(ando de curiosidade. Ela queria aprender para se curar da coceira5 +s Oregos di*iam que
a cabe(a come(a a pensar quando os olhos ficam estupidificados diante de um objeto.
#ensamos para decifrar o enigma da visão. #ensamos para compreender o que vemos. E as
perguntas se sucediam. #ara que serve o esquadro" omo é que as serras serram" #orque éque a serra gira quando se aperta o botão" + que é a eletricidade"
6embrei-me de Joseph Vnecht, o mestre supremo da ordem mon/stica Uast/liaU, do livro de
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&cho que &ristteles errou. Lsso não é verdade dos adultos. +s adultos j/ foram deformados.
&cho que ele estaria mais prximo da verdade se tivesse dito UTodos os homens, enquanto
crian(as, t)m, por nature*a, desejo de conhecer5U
#ara as crian(as o mundo é um vasto parque de diversDes. &s coisas são fascinantes,
provoca(Des ao olhar. ada coisa é um convite.
&1 a 4ioneia sumiu. #ensei que ela tivesse voltado para a mãe. Engano. &lguns minutos
depois ela voltou. Estivera examinando uma cole(ão de livros. U>abe aqueles livros, todos de
capa parecida" +s tr)s primeiros livros estão de cabe(a para baixo.U 8etruquei U#ois ponha
os livros de cabe(a para cimaU
Ela saiu e logo depois voltou. UJ/ pus os livros de cabe(a para cima.U E acrescentou U>abe de
uma coisa" + livro com o nMmero PK est/ fora do lugar.U &1 aconteceu comigo fui eu quem
ficou estupidificado5Ela, que não sabia escrever, j/ sabia os nMmeros. E sabia mais, que os
nMmeros indicam uma ordem.
Ciquei a imaginar o que vai acontecer com a 4ionéia quando, na escola, os seus olhinhos
curiosos vão ser subtra1dos do fascinio das coisas do mundo que a cerca, e vão ser obrigados
a seguir aquilo a que os programas obrigam. >er/ poss1vel aprender sem que os olhos
estejam fascinados pelo objeto misterioso que os desafia"
#ois sabe de uma coisa" &cho que vou fa*er com a 4ionéia aquilo que Joseph Vnecht tinha
vontade de fa*er5
Bos!ues sombrios e lanternas #ublished FG agosto, HII 2osques sombrios e lanternas 6eave a omment
'ão se pode ensinar as del1cias do amor com aulas de anatomia e fisiologia dos rgãos
sexuais. >e assim fosse o livro !0ntico dos 0nticos$, das >agradas Escrituras, nunca teria
sido escrito. 'ão se pode ensinar o pra*er da leitura com aulas sobre as ci)ncias da
linguagem. + conhecimento da gram/tica e das ci)ncias da interpreta(ão não fa*em poetas.
'oel 8osa sabia disso e cantou !>amba não se aprende no colégio5$
Tomei o livro de poemas de 8obert Crost e li um dos seus mais famosos poemas. !+s
bosques são belos, sombrios, fundos. 3as h/ muitas milhas a andar e muitas promessas a
guardar antes de se poder dormir. >im, antes de se poder dormir.$ 6i vagarosamente. #orque
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cada poema tem um andamento que lhe é prprio. omo na mMsica. >e o primeiro
movimento da !>onata ao 6uar$, de 2eethoven, que todos j/ ouviram e desejam ouvir de
novo, !adagio sostenuto$, fosse tocado como !presto$, rapidamente B exatamente as
mesmas notas B a sua bele*a se iria.
Cicaria rid1culo. #orque o !presto$ é incompat1vel com aquilo que o primeiro movimento est/
di*endo. + tempo de uma pe(a musical pertence % sua prpria ess)ncia. Eu até j/ sugeri que
os escritores imitassem os compositores que, como medida protetora da bele*a, colocam, ao
in1cio de uma pe(a, uma informa(ão sobre o !tempo$ em que ela deve ser tocada grave,
andante, vivace, mestoso, allegro. ada texto liter/rio tem também o seu prprio tempo.
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!3as o que, no poema, lhe deu triste*a"$ !'ão sei professor. > sei que esse poema me fa*
chorar5$
6embrei-me de Cernando #essoa !5 e a melodia que não havia, se agora a lembro, fa*-me
chorar.$ Orande mistério esse é o que não h/ que provoca o choro. omo disse 9alér?,
vivemos pelo poder das coisas que não existem. #or isso os deuses são tão poderosos5
:Essa jovem, que assim me marcou de forma inesquec1vel, pouco tempo depois morreu num
desastre de carro. Espero que ela, no outro mundo, tenha visitado os bosques !belos,
sombrios e fundos$ de 8obert Crost=.
e o meu
propsito fosse interpretar o poema de Crost, para aproveitar o tempo eu o teria lido um
pouco mais depressa, teria despre*ado o sil)ncio e não teria repetido a leitura. Essas coisas
nada tem a ver com a interpreta(ão. & interpreta(ão acontece a partir daquilo que est/
escrito, se devagar ou depressa não importa. 3inha primeira pergunta teria sido !+ que é
que 8obert Crost queria di*er"$ Toda interpreta(ão come(a com essa pergunta. ; a pergunta
que surge numa *ona de obscuridade h/ sombras no texto. + intérprete é um ser luminoso.
'ão suporta sombras. Ele tr/s então suas lanternas, suas idéias claras e distintas, e trata de
iluminar os bosques sombrios5 'ão percebe que ao tentar iluminar os bosques, dele fogem
as criaturas encantadas que habitam as sombras. Esquecem-se do que disse 2achelard
!#arece que existe em ns cantos sombrios que toleram apenas uma lu* bruxoleante5$ +
inconsciente é um bosque sombrio5 : 3)s que vem continuamos a conversa5=
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