o processamento cognitivo de compreensÃo da … · a transferência de significado na compreensão...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
GIEZI ALVES DE OLIVEIRA
PROCESSOS COGNITIVOS QUE OPERAM NA CONFIGURAO DE
NARRATIVAS:
uma pesquisa exploratria dos fenmenos que subjazem a compreenso de textos
Natal
2012
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GIEZI ALVES DE OLIVEIRA
PROCESSOS COGNITIVOS QUE OPERAM NA CONFIGURAO DE NARRATIVAS:
uma pesquisa exploratria dos fenmenos que subjazem compreenso de textos
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Estudos da Linguagem, Centro
de Cincias Humanas Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
rea de concentrao Estudos Lingusticos,
como requisito obteno do ttulo de Mestre
em Lingustica Aplicada. Orientador:
Prof. Dr. Paulo Henrique Duque.
Natal
2012
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Giezi Alves de Oliveira
PROCESSOS COGNITIVOS QUE OPERAM NA CONFIGURAO DE
NARRATIVAS:
uma pesquisa exploratria dos fenmenos que subjazem compreenso de textos
Dissertao submetida ao Programa de Ps-
Graduao em Estudos da Linguagem, como
requisito parcial para obteno do ttulo de
Mestre em Lingustica Aplicada e aprovada
pela seguinte banca examinadora:
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Henrique Duque (Orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Antonio Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Ana Cristina Pelosi
Universidade Federal do Cear
Natal
30/11/2012
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Dedico este trabalho ao meu pai que, mesmo
no estando mais aqui conosco, continua a ser
uma fonte inspiradora de chefe de famlia e
batalhador (eternas saudades).
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AGRADECIMENTOS
A minha esposa Elisangela, companheira de luta e sacrifcios.
Aos meus filhos Gieldson e Jefferson, meus melhores projetos de vida.
A minha me Raimunda Maria de Oliveira que me ensinou o valor da persistncia e da
humildade.
Aos meus irmos mais velhos Joaci e Guido Jr.
Aos meus demais familiares, tios, tias, primos e sobrinhos.
Ao meu amigo Ricardo Yamashita, companheiro de discusses acadmicas e extra-
acadmicas, alm de um grande incentivador do meu trabalho.
Ao meu amigo Vanilto, companheiro de jornada acadmica.
Ao meu orientador, professor Dr. Paulo Henrique Duque, pela amizade e o profissionalismo
com que trata a pesquisa e o ensino no Brasil.
Ao professor Dr. Marcos Antonio Costa, minha primeira referncia acadmica.
Aos colegas do grupo de pesquisa Cognio e Prticas discursivas.
Aos meus chefes e amigos militares pelo apoio nesta misso.
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Estou, no entanto, convencido de que
certamente existem noes comuns a todas as
culturas, e que todas elas referem-se s
posies de nosso corpo no espao.
UMBERTO ECO
what we call mind and what we call body are
not two things, but rather aspects of one
organic process, so that our meaning, thought,
and language emerge from the aesthetic
dimensions of this embody activity.
MARK JOHNSON
Tudo que posso lhes dizer que imagens
surgem na minha cabea e eu escrevo histrias
sobre elas.
C. S. LEWIS
A coisa mais importante de todas que o
corpo o apoio para a mente. No seria
possvel haver uma estrutura mental se no
houvesse uma estrutura corporal.
ANTNIO DAMSIO
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RESUMO
Este trabalho investiga os processos cognitivos que operam na compreenso de narrativas, a
partir do romance Macunama, de Mrio de Andrade. Insere-se no campo da Lingustica
Cognitiva de base Corporificada e, devido sua natureza interdisciplinar, dialoga com alguns
referenciais tericos e metodolgicos da Psicolingustica, da Psicologia Cognitiva e das
Neurocincias. Nesse sentido, adotamos a pesquisa do tipo exploratria, realizando testes do
tipo recall e cloze, adaptados, com estudantes de nvel superior, todos falantes nativos. A
escolha do romance Macunama como motivao inicial da proposta deu-se por se tratar de
uma narrativa fantstica, cuja principal caracterstica est no fato de o romance apresentar
eventos, circunstncias e personagens que, de forma ntida, se distanciam dos tipos
experienciados no cotidiano, o que constitui dados adequados a uma anlise que pretende
investigar a configurao do sentido, num modelo baseado-em-compreenso. Buscamos,
assim, responder a questes que ainda so, de maneira geral, pouco exploradas no campo da
Lingustica Cognitiva, tais como: em que medida o acionamento de modelos mentais
(Esquemas e Frames) est relacionado ao processo de compreenso de narrativas? Como
construmos o sentido, mesmo diante de termos ou expresses que no integram o nosso
repertrio lingustico? Por que nos envolvemos emocionalmente durante a leitura de um
determinado texto, mesmo sabendo que se trata de obra de fico? Para respond-las,
partimos do pressuposto terico de que o significado no est no texto, ele construdo por
meio da linguagem, concebida como resultado da integrao entre o aparato biolgico (que
resulta na criao de Esquemas Imagticos abstratos) e sociocultural (resultando na criao de
frames). Nesse sentido, a percepo, o processamento cognitivo, a recepo e a retransmisso
das informaes descritas esto diretamente relacionadas ao modo como ocorre a
compreenso da linguagem. Acreditamos que os resultados encontrados em nossa pesquisa
possam contribuir para os estudos cognitivos da linguagem e para o desenvolvimento de
metodologia de ensino-aprendizagem de lnguas.
PALAVRAS-CHAVE: Lingustica Cognitiva, Modelos de Situao, Simulao Mental,
Frames e Esquemas.
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ABSTRACT
This paper investigates the cognitive processes that operate in understanding narratives in this
case, the novel Macunama, by Mrio de Andrade. Our work belongs to the field of
Embodied-based Cognitive Linguistics and, due to its interdisciplinary nature, it dialogues
with theoretical and methodological frameworks of Psycholinguistics, Cognitive Psychology
and Neurosciences. Therefore, we adopt an exploratory research design, recall and cloze tests,
adapted, with postgraduation students, all native speakers of Brazilian Portuguese. The choice
of Macunama as the novel and initial motivation for this proposal is due to the fact it is a
fantastic narrative, which consists of events, circumstances and characters that are clearly
distant types from what is experienced in everyday life. Thus, the novel provides adequate
data to investigate the configuration of meaning, within an understanding-based model. We,
therefore, seek, to answer questions that are still, generally, scarcely explored in the field of
Cognitive Linguistics, such as to what extent is the activation of mental models (schemas and
frames) related to the process of understanding narratives? How are we able to build sense
even when words or phrases are not part of our linguistic repertoire? Why do we get
emotionally involved when reading a text, even though it is fiction? To answer them, we
assume the theoretical stance that meaning is not in the text, it is constructed through
language, conceived as a result of the integration between the biological (which results in
creating abstract imagery schemes) and the sociocultural (resulting in creating frames)
apparatus. In this sense, perception, cognitive processing, reception and transmission of the
information described are directly related to how language comprehension occurs. We believe
that the results found in our study may contribute to the cognitive studies of language and to
the development of language learning and teaching methodologies.
KEYWORDS: Cognitive Linguistics, Situation Models, Mental Simulation, Frames and
Schemes.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Esquema do tipo semelhana de famlia segundo Kleiber ........................................ 26
Figura 2: representao grfica e ilustrao do Esquema-I OCM ............................................ 29
Figura 3: representao grfica e ilustrao do Esquema-I CONTINER .............................. 30
Figura 4: representao grfica e ilustrao do Esquema-I CENTRO/PERIFERIA................ 30
Figura 5: representao grfica e ilustrao do Esquema-I LIGAO ................................... 30
Figura 6: representao grfica e ilustrao do Esquema-I PARTE/TODO ............................ 31
Figura 7: papis do Esquema-I CONTINER ......................................................................... 32
Figura 8: papis do Esquema-I OCM ....................................................................................... 32
Figura 9: reas onde as diversas atividades cerebrais so desenvolvidas................................. 65
Figura 10: representao do funcionamento de um sistema simblico perceptual. ................ 66
Figura 11: ilustraes utilizadas nos testes ............................................................................... 79
Figura 12: ilustraes representativas dos Esquemas-I utilizadas no teste .............................. 80
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: percentuais de ocorrncias na compreenso das questes do teste 1 ....................... 82
Tabela 2: sntese dos percentuais obtidos no teste 1 ................................................................ 82
Tabela 3: percentuais divergentes apresentados na compreenso do teste 1 ........................... 83
Tabela 4: acionamento de frames durante o processo de compreenso de sentenas .............. 93
Tabela 5: resultado da tarefa 1 do Teste cloze ....................................................................... 103
Tabela 6: resultado para a questo 1 da tarefa 2 do Teste cloze ............................................. 105
Tabela 7: resultado para a questo 2 da tarefa 2 do Teste cloze ............................................. 107
Tabela 8: resultado para a questo 3 da tarefa 2 do Teste cloze ............................................. 108
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Esquemas-I assinalados na questo 1 ...................................................................... 84
Grfico 2: Esquemas-I assinalados na questo 2 ...................................................................... 84
Grfico 3: Esquemas-I assinalados na questo 3 ...................................................................... 85
Grfico 4: Esquemas-I assinalados na questo 4 ...................................................................... 85
Grfico 5: Esquemas-I assinalados na questo 5 ...................................................................... 86
Grfico 6: Esquemas-I assinalados na questo 6 ...................................................................... 86
Grfico 7: frames assinalados na questo 1 .............................................................................. 94
Grfico 8: frames assinalados na questo 2 .............................................................................. 94
Grfico 9: frames assinalados na questo 3 .............................................................................. 95
Grfico 10: frames acionados na questo 4 .............................................................................. 95
Grfico 11: frames acionados na questo 5 .............................................................................. 96
Grfico 12: frames acionados na questo 6 .............................................................................. 96
Grfico 13: frames acionados na questo 7 .............................................................................. 97
Grfico 14: frames acionados na questo 8 .............................................................................. 97
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SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................ 14
1. DA TEORIA COGNITIVA TEORIA NEURAL DA LINGUAGEM ............. 19
1.1. Linguagem e cognio ......................................................................................... 19
1.2. A categorizao e os estudos da linguagem ........................................................ 23
1.3. Esquemas Imagticos e a ideia de corporalidade da mente. ................................ 29
1.4. Frames ................................................................................................................. 35
1.5. Frame Discursivo e a formao da narrativa....................................................... 40
1.6. A Teoria Neural da Linguagem ........................................................................... 44
2. A SIMULAO MENTAL E A COMPREENSO ............................................. 49
2.1 Modelos de Situao ............................................................................................. 52
2.2. Simulao Mental na compreenso da linguagem .............................................. 59
2.2.1. Sistemas Perceptuais Simblicos.................................................................. 63
2.2.2. Simulao perceptual na compreenso ......................................................... 66
2.2.3. Simulao motora na compreenso .............................................................. 68
3. METODOLOGIA ..................................................................................................... 70
3.1. Pressupostos Metodolgicos ............................................................................... 70
3.2. Recursos Empregados e informantes ................................................................... 74
3.3. Descrio de instrumentos, estmulos e aparatos. ............................................... 75
4. O ACIONAMENTO DE ESQUEMAS E FRAMES NO PROCESO DE
COMPREENSO DE NARRATIVAS. ..................................................................... 77
4.1. Teste I .................................................................................................................. 78
4.1.1 Participantes .................................................................................................. 78
4.1.2. Material utilizado (Apndice A) ................................................................... 78
4.1.3. Procedimentos: ............................................................................................. 78
4.1.4. Predies ....................................................................................................... 79
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4.1.5. Resultados ..................................................................................................... 82
4.1.6. Discusso ......................................................................................................... 88
4.2. Teste II ................................................................................................................. 90
4.2.1. Participantes ................................................................................................. 90
4.2.2. Material utilizado (Apndice B) ................................................................... 90
4.2.3. Procedimentos: ............................................................................................. 91
4.2.4. Predies ....................................................................................................... 91
4.2.6. Discusso ...................................................................................................... 98
4.3. Teste III (teste cloze) ......................................................................................... 100
4.3.1. Participantes ............................................................................................... 100
4.3.2. Material utilizado (Apndice C). ................................................................ 100
4.3.3. Procedimentos: ........................................................................................... 101
4.3.4. Predies ..................................................................................................... 101
4.3.5. Resultados ................................................................................................... 102
4.3.6. Discusso .................................................................................................... 110
5. DISCUSSO GERAL: A COMPREENSO DO TEXTO NARRATIVO ....... 113
6. GUISA DE UMA CONCLUSO ...................................................................... 116
REFERNCIAS ......................................................................................................... 121
APNDICES ............................................................................................................... 130
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INTRODUO
simplesmente surpreendente que possamos
entender tudo o que lemos, dados os vrios
nveis de linguagem e discurso que devem ser
dominados. (GRASSER e MILLIS, p. 02,
2007)1
Como compreendemos narrativas? Como desenvolvemos linguagem? Por que
ao nos depararmos com uma construo lingustica, escrita ou falada, entendemo-na
sem grandes dificuldades? Como fazemos para significar textos predominantemente
narrativos, mesmo quando encontramos termos ou palavras desconhecidas do nosso
repertrio lingustico? Questes como essas ainda so pouco exploradas no interior do
campo da psicolingustica e da lingustica cognitiva. Este estudo visa contribuir para o
debate acerca desses temas, mais especificamente sobre a compreenso de narrativas
ficcionais.
A transferncia de significado na compreenso da linguagem tem sido com
frequncia explorada no interior da semntica de simulao em lingustica cognitiva.
Alguns autores acreditam que durante a compreenso de uma sentena acionamos em
nossa mente imagens. Essas imagens, via de regra, so concebidas pela nossa
capacidade perceptivo-motora de simular aes, episdios e cenas descritas em textos.
Tais pesquisas objetivam verificar a nossa capacidade de compreenso via estudos
comportamentais. As concluses desses estudos so suportadas por imagens neurais e
demonstram que simplesmente imaginar movimentos especficos do corpo, tais como
aes relacionadas s mos, ps e boca, recrutam, sistematicamente, a mesma seo do
crebro, como se realmente estivssemos executando esses mesmos movimentos. Esses
estudos buscam entender como o crebro reage a determinados estmulos e em qual
regio, ou regies do crebro, so formadas as simulaes mentais.
A Simulao Mental inspirou, enormemente, os pesquisadores da era da
Inteligncia Artificial (IA). Esses estudiosos acreditavam que entendendo o
funcionamento do crebro poderiam desenvolver um modelo de inteligncia artificial
1 It is simply astonishing that we can understand anything that we read given the many levels of language
and discourse that must be mastered. (Traduo nossa)
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que simulasse o comportamento humano. Contudo, o complexo mundo mental e o
aparato sensrio-perceptual humano revelaram limitaes importantes para um projeto
to ambicioso. Isso porque, para uma mquina desenvolver a inteligncia humana teria
que pensar e agir como se humano fosse, de maneira tal a projetar intenes, causas e
consequncias durante o processamento de informaes e discursos.
Estudos recentes em neurocincias revelam que o desenvolvimento da
linguagem envolve a integrao entre corpo, mente e crebro. Portanto, desenvolver
uma mquina que reproduza o comportamento humano requer modelos de compreenso
que integrem linguagem, cognio e corporalidade. Nesse sentido, conceber uma
inteligncia artificial humanizada parece estar distante da realidade enquanto questes
como as citadas anteriormente estiverem sendo estudadas de maneira isolada ou
estiverem fundamentadas em um modelo de mente conexionista ou serial.
O modelo conexionista, em linhas gerais, estuda a mente a partir de um modelo
computacional e compreende um conjunto de tarefas seguidas uma aps a outra, ou seja,
em paralelo. Esse modelo favoreceu, nas dcadas de 1940 e 1950, do sculo XX, o
desenvolvimento da ciberntica e, consequentemente, os primeiros modelos de
computador. A mais nova tecnologia fez surgir uma corrida tecnolgica por um modelo
mais eficiente do processamento da linguagem computacional. Assim, o modelo
conexionista foi aos poucos sendo substitudo pelo modelo serial. Este apresentava uma
descrio lgica do processamento cognitivo humano, a partir da dcada de 1950, tendo
por base um conjunto de regras executadas em srie sobre uma memria de trabalho
(KOCH e CUNHA-LIMA, 2007, pp. 265-266). O modelo serial favoreceu o
aparecimento do computador domstico, na dcada de 1980, alm de ser o modelo
adotado pelas cincias cognitivas, entre elas a lingustica, a partir da dcada de 1950.
Os modelos de compreenso da linguagem existentes, ainda hoje, esto
ancorados em representaes simblicas e focados em uma representao da linguagem
em si mesma, ou seja, na estrutura lingustica e semntica. A compreenso de textos
geralmente envolve diversos fatores, dentre eles o acionamento de sentidos por meio de
inferncias, analogias, referncias e representaes mentais, evocados por pistas
lingusticas presentes na formao de constructos mais ou menos convencionalizados.
Essa convencionalidade parece ser fruto da capacidade cognitiva do ser
humano de criar padres discursivos e lingusticos que nos ajudam, enquanto
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compreendedores2, a significar textos, entre eles as narrativas, sejam elas ficcionais ou
no. Segundo Duque e Costa (2012), a existncia de uma estrutura interna em um
padro lingustico integrada por constituintes que instanciam forma e significado.
Alguns autores acreditam, ainda, que o processo de compreenso de textos leva o
compreendedor a criar representaes mentais no momento em que as coisas so
descritas.
No incio dos anos 80, psiclogos cognitivistas viam o texto como uma
construo e recuperao mental do texto em si, em detrimento da situao descrita.
Segundo Garnham e Oakhill (1996), pesquisas sobre compreenso de textos tm
falhado em suas anlises sobre o que poderia estar por trs do significado na
compreenso de textos. Trabalhos como os de Johnson-Laird (1983), sobre modelos
mentais e Van Dijk & Kintsch (1983), sobre Modelos de Situao, redefiniram o modo
de pensar a linguagem. Contudo, esses autores no mudaram a noo de representao
mental do texto em si, mas assumiram que leitores constroem uma representao mental
das situaes descritas ou narradas. Assim, a linguagem deixou de ser concebida a partir
do vis exclusivo da sintaxe e da semntica e ganhou o status de construo mental da
representao de situaes descritas. Sabemos, contudo, que at chegar a essas
representaes mentais, outros elementos podem estar envolvidos no processo de
compreenso.
Assim, adotamos, neste trabalho, o modelo de representao mental de base
corporificada da linguagem. Essa modelo rejeita a ideia de representao como espelho
de um mundo externo pr-dado (LIMA e MACEDO, 2010) e defende que o modo como
percebemos a realidade o resultado da ao de nossos corpos no mundo. Nesse
sentido, o conhecimento emerge a partir da integrao entre corpo, mente e crebro, ou
seja, h uma simbiose entre o aparato biolgico, sociocultural e o mundo.
Buscamos ento, repostas para os seguintes questionamentos: como ocorre a
compreenso de textos narrativos de natureza ficcional? Quais processos cognitivos
esto envolvidos na compreenso desse tipo de texto? Se compreender um texto criar
uma representao mental das coisas descritas, por que as representaes formadas
diferem de leitor para leitor? Como essas representaes so formadas?
2 Estamos chamando de compreendedores pessoas (e mquinas) que constroem simulaes durante o
processo de compreenso de textos escritos ou falados.
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Segundo Fauconnier (1994), quando construmos qualquer interpretao,
mobilizamos conhecimentos prvios frutos de nossa capacidade cognitiva de criar
esquemas que nos auxiliam na emergncia de sentidos. A estrutura lingustica apenas
serve de ancoragem. Tal fato ocorre porque somos seres probabilsticos, ou seja,
criamos probabilidades para eventos que acontecero, com base em experincias
anteriores (Cf.: GOPNICK, 2010; GOLDBERG, 2006).
O objetivo deste trabalho compreender os processos envolvidos na
compreenso da narrativa em textos ficcionais. Para isso, realizamos um conjunto de
testes a partir do texto Macunama, de Mrio de Andrade (2007). A obra
frequentemente categorizada como um romance de temtica pica, cuja trama gira em
torno de um plano mtico, revelando as marcas da cultura regional, com suas lendas,
folclores, mitos, rituais e fbulas. O texto realiza, de maneira geral, uma representao
da cultura brasileira, fazendo com que o enredo oscile entre a realidade e a fantasia.
Percebemos, inicialmente, que a narrativa, assim como qualquer outra, concebida com
base em Esquemas Imagticos e Esquemas de execuo, que trataremos ao longo deste
trabalho.
A escolha desse texto se deu porque acreditamos que ele atende as
expectativas quanto ao modelo de um texto ficcional, uma vez que apresenta
caractersticas peculiares quanto narrativa ficcional, as aes das personagens, os
objetivos e os eventos fantsticos descritos.
Apesar de o processamento da compreenso ser mais lento quando o leitor se
depara com palavras desconhecidas do seu repertrio lingustico, esse fato no parece
ser empecilho para a compreenso do texto, pois tudo indica que os leitores construam
uma representao mental dos eventos narrados (Cf.: ZWANN, 1999).
Uma das nossas predies que a compreenso da narrativa ficcional feita
por meio de representaes mentais. Na base dessas representaes, esto envolvidos
elementos como, por exemplo, Esquemas Imagticos, Frames, Modelos de Situao e
Simulao Mental. Esse aparato cognitivo fruto da integrao entre linguagem e corpo
(LAKOFF, 1987; JOHNSON, 1987; LAKOFF & JOHNSON, 1999), mente e crebro
(DAMSIO, 1996) do compreendedor. Nesse quadro, a compreenso ocorrer
conforme a percepo, recepo, processamento e transmisso das informaes
descritas no texto, de acordo com as nossas experincias no mundo e com o mundo que
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ns mesmos categorizamos. Portanto, o foco deste trabalho o significado: como ele
construdo e acionado pelo compreendedor. Para atingir esse objetivo seguiremos as
seguintes etapas:
No captulo I, faremos uma breve retrospectiva sobre a Lingustica Cognitiva,
seus pressupostos tericos e concepes sobre a linguagem, desde o rompimento com a
Lingustica Gerativa, de natureza modular, assumindo uma perspectiva de base
experiencial, ou seja, corporificada e sensrio-motora, ao estudo neural da linguagem;
No captulo II, verificaremos o envolvimento da Simulao Mental no processo
de compreenso de textos, os sistemas perceptuais, o processamento conceptual e
sensrio-motor durante a compreenso de sentenas.
No captulo III, apresentaremos a metodologia aplicada nossa pesquisa.
No captulo IV, passaremos a descrever os testes desenvolvidos e realizados,
cuja investigao est relacionada ao acionamento de Esquemas e Frames envolvidos
no processo de compreenso de narrativas, os procedimentos, a anlise dos dados e os
resultados alcanados, seguido de uma discusso geral. Por fim, sintetizaremos nas
consideraes finais o que nossas descobertas empricas sugerem sobre a compreenso
de narrativas.
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1. DA TEORIA COGNITIVA TEORIA NEURAL DA LINGUAGEM
1.1. Linguagem e cognio
A Lingustica Cognitiva (LC) teve sua origem, como paradigma cientfico, na
dcada de 1980 com os trabalhos dos norte-americanos Lakoff e Johnson (1980;
LAKOFF 1987), Ronald Langacker (1987, 1990, 1991) e Leonard Talmy (1983, 1988).
De imediato, a LC assumiu que a linguagem seria formada pela interao entre
o aparato biolgico humano e a interao do sujeito em sociedade. Nesse sentido, no
haveria dicotomia entre mente e corpo (Cf.: LAKOFF, 1987; LANGACKER, 1999;
DUQUE e COSTA, 2012). Alm disso, a insatisfao com os resultados do programa
em semntica gerativa, no qual G. Lakoff fez parte como lder, serviu de motivao para
o surgimento da LC. Outro fator que teve papel crucial foram as pesquisas conduzidas
pela psicloga Eleanor Rosch (1976) acerca do papel dos prottipos no processo de
categorizao.
nesse contexto que a LC se desenvolve, da interao com outras abordagens
cognitivas como a psicologia, antropologia, filosofia da cincia, biologia, neurocincia e
outras disciplinas afins, contudo, sem perder de vista suas especificidades dentro dos
estudos da linguagem, conforme Geeraerts (1995) e Peeters (2001, apud SILVA, 2004,
p 13).
Ao assumir que a interao com o mundo mediada por estruturas
informativas na mente, tais como a linguagem, a LC cognitiva no mesmo sentido em
que so as outras cincias cognitivas. Inicialmente, o foco da LC foi a realizao de
anlises mentalistas, retomando assim o modelo gerativista de Chomsky no modo de
pensar a linguagem. Chomsky (1968), por meio de sua base terica sobre a noo de
gramaticalidade, tratava de aquisio, processamento e desenvolvimento da linguagem
humana numa perspectiva inatista, ou seja, a nossa capacidade de desenvolver
linguagem seria inata. Para o gerativismo, a gramtica de uma lngua apresenta um
conjunto finito de regras internalizadas na mente de um falante ideal, a partir do qual
seria possvel a construo de um nmero infinito de frases. Assim sendo, os seguidores
dessa hiptese acreditam que a nossa mente surge de um mdulo lingustico presente no
crebro, dissociado de qualquer aspecto sociocultural da linguagem.
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Estudos sobre a corporalidade da mente humana, categorizao e configurao
de sentido (Cf.: LANGACKER, 1991; JOHNSON, 2007; LAKOFF, 1987; LAKOFF e
JOHNSON, 1999) revelam que a mente trabalha por meio de esquemas criados com e
nas nossas experincias adquiridas no decorrer de nossas vidas. Para os cognitivistas
contemporneos, a cognio humana no um fenmeno meramente racional e/ou
mentalista, como Chomsky defende, mas tambm um fenmeno social, cultural e
contextual. A cognio humana envolve aspectos culturais e formas de interao com o
meio, de onde favorece a criao de esquemas mentais, a partir dos quais percebemos o
mundo e interagimos socialmente com ele. nesse sentido que Clark (1996) considera a
lngua como ao conjunta, negociada em sociedade.
Para a LC nossa concepo de mundo construda a partir da interao do
homem com o meio ambiente, portanto seria difcil imaginar cognio, linguagem e
cultura isoladamente, uma vez que a cultura parece resultar de experincias
esquematizadas na mente. Tais experincias no dizem respeito exclusivamente nossa
experienciao enquanto executores, mas tambm como observadores das aes
desenvolvidas socioculturalmente. Experincias so adquiridas e formadas atravs de
informaes recebidas, apreendidas e processadas na mente. Nesse sentido, poderamos
supor que at mesmo conceitos como o de verdade, por exemplo, seria uma construo
social adquirida por intermdio de formas simblicas cuja estrutura conceitual
manipulada de acordo com a nossa percepo de mundo. Essas percepes tambm so
criadas cognitivamente, concebendo, assim, novas realidades.
Aquilo que os gerativistas chamam de mdulos mentais, os cognitivistas
contemporneos (Cf.: LAKOFF e JOHNSON, 1980, 1999; LAKOFF, 1987, 1993,
GIBBS, 2005) acreditam ser esquemas organizados socioculturalmente. Nesse sentido,
a forma como conceituamos as coisas resulta de nossa interao com o meio em que
vivemos. Desse modo, a cultura parece direcionar o comportamento humano, impondo
o que ou no importante para o convvio em sociedade.
Com o avano dos estudos na rea da cincia cognitiva, a linguagem deixa de
ser meramente um resultado do aparato biolgico humano e passa a ser um processo
cognitivo de construo, envolvendo corpo, mente e crebro.
Em 1999, Lakoff e Johnson apresentam uma viso integradora da linguagem a
partir da hiptese da corporificao da mente - Embodiment hipothesis. Tal estudo parte
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da concepo de linguagem como um reflexo da ao de nossos corpos no mundo (Cf.:
VARELA, THOMPSON e ROSCH, 1991, LAKOFF e JOHNSON, 1999; LAKOFF,
1987; JOHNSON, 1987, GIBBS, 2005) como uma tentativa de conceber respostas aos
processos mentais de emergncia do sentido. Com isso, abrem-se novas perspectivas
nos estudos da linguagem, conjuntamente com outros programas, tais como a teoria da
metfora conceptual, protagonizada, sobretudo, por G. Lakoff e Johnson (LAKOFF e
JOHNSON, 1999; LAKOFF, 1987, 1993); frame semantics (FILLMORE 1985), teoria
dos espaos mentais e da integrao conceptual (FAUCONNIER 1985, 1997;
FAUCONNIER & TURNER 1996, 1998, 2002; COULSON & OAKLEY 2000;
BRANDT 2000, 2001), o estudo de modelos culturais (HOLLAND & QUINN 1987,
PALMER, 1996, LAKOFF, 1996), dentre outros, orientando diversos estudos
lingusticos de base cognitivista.
A esse conjunto de programas, h que se acrescentarem os estudos
neurocognitivos da linguagem. De acordo com Duque (2012), testes envolvendo
modelos computacionais de redes neurais, desenvolvidos por Jerome Feldman,
demonstram evidncias indiretas que conectam nosso sistema conceptual nossa
percepo. Por meio da simulao das estruturas neurais, modelos computacionais
mostram que o nosso crebro, em princpio, realiza tarefas sensrio-motoras e
conceptuais, simultaneamente e que o domnio do significado responsvel pela
restaurao das experincias prvias e cria cenrios alternativos na imaginao, a fim de
antecipar consequncias para as aes que ainda nem foram realizadas. Segundo
Ramachandran (2000), a potencialidade de nosso crebro nos permite fazer
questionamentos sobre o significado de nossa prpria existncia e, para ele, isso seria
uma das coisas mais impressionantes sobre a capacidade cerebral humana.
Pesquisas sobre a atividade cerebral humana, realizadas na universidade da
Califrnia, por exemplo, detectaram a existncia de neurnios especficos envolvidos no
processamento de atividades motoras. Esses neurnios foram identificados,
inicialmente, em macacos (Cf. GALLESE, FADIGA, FOGASSI, & RIZZOLATTI,
1996). O experimento, desenvolvido por esses pesquisadores, consistia na colocao de
eletrodos na cabea dos primatas com o objetivo de gravar as atividades das clulas
nervosas em seus crebros. Contudo, durante os testes eles verificaram que
determinados neurnios eram disparados quando os macacos realizavam aes como
-
pegar uvas-passas, ou quando observava a mesma ao realizada por outro macaco ou
pelo pesquisador. Esses neurnios foram batizados de Neurnios-Espelhos.
Segundo os pesquisadores, Neurnios-Espelhos so disparados quando
executamos ou observamos atividades motoras especficas. Quando algum faz um
movimento, estendendo o brao frente do corpo, na tentativa de pegar algo, por
exemplo, esses neurnios so disparados no crebro, dando um comando para empurrar
ou puxar um objeto. Eles tambm disparam quando algum somente observa a ao. De
acordo com Rizzolatti e Wolpert (2005), como se o observador assumisse o ponto de
vista do executante da ao observada, realizando uma espcie de simulao virtual da
ao. Esses neurnios, tambm, so responsveis pelos sentimentos de EMULAO
(Cf. GALLESE, FADIGA, FOGASSI, & RIZZOLATTI, 1996).
Os cientistas descobriram, ainda, aps testes com ressonncia magntica, que
em humanos os neurnios espelhos so encontrados em quantidade muito superior aos
encontrados nos macacos. Tais descobertas so de extrema importncia para os estudos
da linguagem, porque permite aprofundados sobre a recepo e transmisso de
conhecimentos adquiridos, bem como a capacidade de interpretao e criao de
expectativas sobre atividades, comportamentos e aes humanas, alm de permitir
avanos sobre a Teoria Neural da Linguagem.
Segundo consta, foi George Lakoff, ao reunir uma equipe interdisciplinar
constituda por Jerome Feldman, Eva Sweetzer, e Narayanan, que fundou no Instituto
Internacional de Cincia da Computao de Berkeley o projeto Neural Theory of
Language (NTL) - Teoria Neural da Linguagem que iremos tratar em captulo posterior.
A seguir, abordaremos os principais pressupostos tericos que ancoram os
estudos da linguagem dentro da Lingustica Cognitiva: a categorizao, a noo de
Esquemas-I e Frames, alm dos estudos contemporneos, tais como padres
discursivos, modelos mentais e semntica da simulao. Tais estudos guiaro as nossas
anlises sobre a compreenso de narrativas.
-
1.2. A categorizao e os estudos da linguagem
Os estudos clssicos da linguagem sempre procuraram respostas que nos
levassem a descrever o mundo ao nosso redor. Os estudos filosficos e lingusticos h
tempos se debruam sobre a forma como categorizamos as coisas. Nesse sentido, trs
tericos so caros ao estudo da linguagem: Aristteles (sc. IV a.C. ), que defende a
existncia de uma essncia naquilo que conhecemos e que tal essncia seria anterior a
linguagem, ou seja, que categorizamos o mundo de acordo com a essncia que h nas
coisas e nos objetos que manuseamos ou percebemos ao nosso redor. A categoria co,
por exemplo, apresentaria, como traos essenciais e individuais, a irracionalidade, o fato
de ser quadrpede, possuir pelos e dentes caractersticos. Enfim, h nele traos gerais
que o distingue de outros animais como o papagaio, por exemplo.
Wittgenstein (1953), tomando outro vis, passou a conceber a categorizao a
partir da noo de semelhana de famlia (p.32). O filsofo postulou que os traos de
similaridades so construdos pelo uso que fazemos das coisas e exemplifica sua tese a
partir da palavra JOGO, questionando qual a essncia que essa classe de palavra
apresentaria. Nesse caso, segundo ele, os limites essenciais no fechariam a categoria,
uma vez que haveria inmeras possibilidades encontradas para distinguir os diferentes
tipos de jogos como, por exemplo, peteca, amarelinha, xadrez, domin, jogo de talher,
jogo de loua etc. Assim, a categorizao no deveria ser tratada como um conjunto de
traos do tipo pertence ou no-pertence, como acreditava Aristteles e os adeptos da
viso clssica sobre o tema. Havia de se pensar prottipos como elementos dispostos em
um continuum categorial.
A partir dessa crtica teoria clssica da categorizao, a psicloga Eleonor
Rosch (1978) e outros tericos, na dcada de 1970, apontaram para a noo de
prototipicidade no processo de categorizao.
A Teoria dos Prottipos
A Teoria dos Prottipos postula que as categorias no so estruturas
homogneas. De acordo com evidncias experimentais (LABOV, 1973, ROSCH, 1973,
1975, KEMPTON, 1981 e TAYLOR, 1989), as categorias exibiriam melhor uma
-
estrutura prototpica, ou seja, haveria de ter bons e maus exemplos para definir
conceitos categoriais. Os membros mais representativos, ou seja, aqueles que os falantes
primeiro evocariam ao escutar ou ver o nome de uma categoria seriam os prottipos e
em torno destes que os demais elementos se organizariam. Por exemplo, formiga
seria um membro prototpico da categoria dos INSETOS.
Para se distinguir do enfoque clssico da categorizao e do significado, a
semntica dos prottipos re-empregou a noo de traos (necessrios e suficientes) ou
componente (Anlise Componencial) pela de atributo. Enquanto os traos se
caracterizam por ser binrios e, consequentemente, ter o mesmo status analtico, os
atributos tm como base o efeito. Sendo assim, a existncia de membros mais
representativos implica na existncia de atributos mais prototpicos que outros.
Rosch (1978) props, ento, que os prottipos atuariam como ponto de
referncia cognitivo no processo de classificao dos elementos de nossa experincia.
Os prottipos seriam, portanto, derivados de modelos. Tal proposta ficaria mais clara
com os estudos das cores bsicas3 (BERLIN e KAY, 1969, p. 7). Esses estudos
evidenciaram que percebemos cognitivamente as cores mais prototpicas ao definirmos,
por exemplo, o verde, o amarelo ou azul e suas variantes: verde-claro, azul-anil,
amarelo-ouro etc. Tais propostas possibilitaram chegar s seguintes concluses,
conforme assinala Duque (2003, p. 63):
a) Os membros prototpicos so categorizados mais rapidamente que
os membros no-prototpicos;
b) Os membros prototpicos so os que as crianas aprendem
primeiro;
c) Os membros prototpicos so os primeiros mencionados, quando
solicitamos aos falantes que listem todos os membros de uma
categoria;
d) Os prottipos servem de ponto de referncia cognitivo. Por
exemplo, uma elipse quase um crculo, em que crculo tomado
como referncia;
e) Geralmente, quando o que se pede a enumerao dos primeiros
membros de uma categoria, os prottipos aparecem mencionados em
primeiro lugar.
3 basic colors terms (Traduo nossa).
-
Rosch et al estabeleceram, ainda, a existncia de uma dimenso horizontal, ou
seja, intercategorial e hierrquica, organizada em trs nveis de categorias: um nvel
bsico, um nvel supraordenado e outro subordinado. Com isso, eles estabeleceram uma
hierarquia que determinava um nvel privilegiado dentro da categoria: o nvel bsico,
como demonstra o exemplo abaixo, extrado de Duque (2003, p. 64):
SUPRAORDENADO arma fruta mvel
NVEL BSICO arma de
fogo ma cadeira
NVEL SUBORDINADO revlver ma argentina poltrona
O nvel bsico seria um nvel bastante informativo, j que tem um grande
nmero de atributos comuns como especificado acima, ou seja, os elementos arma,
fruta e mvel, no nvel supraordenado, oferecem menos informaes que os elementos
arma de fogo, maa e cadeira, no nvel bsico, enquanto que revolver, ma argentina
e poltrona, no nvel subordinado, oferecem um aumento de informaes
complementares, mas envolve um esforo mental maior de classificao.
Nessa verso padro, formulada por Eleonor Rosch e seu grupo de pesquisa, o
prottipo considerado o exemplar mais adequado, o representante central em uma
categoria. Contudo, essa perspectiva apresenta limitaes, haja vista que nem todos os
conceitos tm caractersticas de prottipos, tais quais os casos relacionados a elementos
abstratos como regras e crenas, como, por exemplo, os conceitos de heri, amor e dio.
Partindo dos problemas apresentados pela verso padro dos prottipos, os
formuladores dessa teoria ampliaram essa viso para alm do modelo central criando
uma verso ampliada. Segundo esta verso, a ideia de prottipo seria substituda pela
de Efeitos Prototpicos. O modelo padro passa a ser, ento, somente uma alternativa.
Assim, a noo de prottipo como CAUSA substituda pela noo de EFEITO.
-
A verso revisada do prottipo vincula o conceito de Semelhana de Famlia
teoria, sugerindo que os elementos se ligam uns aos outro de forma lateral, e no
central, ou seja, o prottipo como centro, passa a ser substitudo por uma organizao
colateral dos elementos, como nos mostra o esquema sugerido, na figura 1, por Kleiber
(1995, p. 160):
a b c d e
Figura 1: Esquema do tipo semelhana de famlia segundo Kleiber
Segundo Kleiber (1995), ao se anexar a teoria da Semelhana de Famlia de
prottipo, a verso ampliada torna-se muito mais poderosa porque exclui a necessidade
de traos comuns em relao a uma estruturao prototpica. Duque (2003) resume a
Verso Ampliada do Prottipo da seguinte forma:
a) O prottipo se reduziu a um fenmeno de superfcie;
b) O prottipo toma diferentes formas, de acordo com o modelo da categoria que a cria, da a denominao de efeitos prototpicos;
c) Sua extenso, no campo da polissemia, atravs da noo de
semelhana de famlia, favorece o surgimento de uma flexibilidade
que lhe priva do elemento definidor essencial da verso padro, o
prottipo. Ainda que apenas seja considerado como efeito, j no ,
obrigatoriamente, o exemplar reconhecido como o mais idneo
pelos indivduos.
A Verso Ampliada trouxe ganhos substanciais para a teoria, contudo, segundo
Duque (2003), no se trata de uma teoria de categorizao, mas de uma teoria da
semntica do lxico, estabelece as relaes existentes entre as diferentes categorias. Por
isso mesmo, a teoria questionada devido s divergncias advindas do seu carter
polissmico.
Lakoff (1987) aponta para a noo de categorias radiais. Segundo essa teoria,
as categorias podem apresentar vrios membros que esto ligados por meio das
-
propriedades dos membros que as compem, ou seja, elas se ligam umas as outras pelas
caractersticas diretas ou indiretas de seus membros prototpicos. Peguemos como
exemplo a categoria AVE: de acordo com Lakoff (1987), aquele membro da categoria
que apresentasse o maior nmero de caractersticas seria o prottipo, como, por
exemplo, a andorinha, que possui, bico, asas, pem ovos, tem penas e pode voar. Ao
redor deste prottipo, estariam membros como a galinha, por exemplo, que tem bico,
asas, pem ovos, tem pena, mas no voa, e o pinguim, que tem bico e pe ovos. Como
podemos perceber, quanto menor o nmero de caractersticas, mais distante um
componente da categoria estaria do elemento prototpico e quanto maior o nmero de
traos definidores de um componente, maior a sua relao e aproximao com o
prottipo. Por outro lado, tem-se o morcego, que possui asas e pode voar, mas no tem
bico, nem penas e no pem ovos, alm disso, est ligado categoria dos mamferos. Os
atributos de ter asas e voar do morcego podem conduzir o compreendedor a relacionar o
membro de uma categoria outra. Assim, podemos verificar que as categorias AVE e
MAMFERO se ligam por alguns traos, ou caractersticas comuns, mas no de modo
necessrio e suficiente. A relao ocorre por meio de projees focais entre entidades
e atributos, conforme apontam Duque e Costa (2012, p. 35):
As entidades e os atributos, dentro de uma categoria, se ordenam com
diferenas de graus a partir da projeo desses focos cognitivos. Os
membros mais distantes do centro sero casos limites que podem,
inclusive, fazer parte de outras categorias.
Estudos mais recentes apontam para a existncia de prottipos distintos que
dependem das marcas culturais que compem determinada sociedade. De acordo com
Duque e Costa (2012, p. 19), categorizar est na base da organizao do pensamento
humano sendo definido por eles como:
Toda atividade mental que nos permite organizar, em termos de
classes, a imensa variedade de entidades que constituem o ambiente
externo, dando-lhes significaes particulares, com o propsito de
resolvermos certas disponibilidades e atingirmos objetivos
considerados importantes.
-
Em resumo, os estudos semnticos tradicionais postulam que a anlise do
significado est atrelada sua forma. Nesse sentido, a lngua portaria o sentido, ou seja,
o significado estaria na prpria palavra. Fauconnier e Turner (2002), ao contrrio,
postularam que a lngua mediadora da configurao do significado e resultante de
operaes cognitivas complexas e criativas, abstradas no curso do pensamento e da
fala. Para esses autores, categorizar est na base do processo de configurao de sentido
e da organizao do conhecimento.
Mas como o sentido emerge? Que mecanismos utilizamos no processo de
categorizao e produo de narrativas? A lingustica cognitiva busca respostas para
essas e outras questes recorrendo a pesquisas sobre aquisio, processamento e
compreenso da linguagem humana a partir da concepo de mente corporificada,
ampliada por Lakoff e Johnson (1999). Segundo esses autores, a razo humana se
origina da natureza de seus crebros e das experincias sensrio-perceptuais e motoras
de seus corpos no mundo. Essas experincias so organizadas atravs de Esquemas
Imagticos ou Esquemas-I (I-schemas), tais como: PERCURSO,
CONTINENTE/CONTEDO, PARTE/TODO, LIGAO, EM CIMA/EM BAIXO,
FRENTE/ATRS (DUQUE E COSTA, 2012, p. 9) e Frames, concebidos nas nossas
interaes socioculturais.
-
1.3. Esquemas Imagticos e a ideia de corporalidade da mente.
A noo de Esquema Imagtico (Esquema-I), como a noo de metfora
conceitual, foi introduzida em Lingustica Cognitiva por George Lakoff, em sua
colaborao com o filsofo Mark Johnson. Para Lakoff e Johnson (1999), Esquemas-I
so padres abstratos de imagens que se formam em nossa mente a partir da
configurao fsica de nossos corpos e a relao com o ambiente que nos cerca. As
experincias corporais que organizam a nossa memria em termo de Esquemas-I (Image
schemas, JOHNSON, 1987 e LAKOFF, 1987, 1990), nos permitem descrever o mundo
nossa volta e criar padres que nos levam a perceber referentes como: direo e
posio espacial (esquerda e direita; frente e atrs, em cima e em baixo); distncia
(prximo e longe); dentro e fora (continer). Alm disso, os Esquemas-I parecem
organizar o modo como focalizamos as coisas, definem o que so componentes centrais
e perifricos e como reagimos ao nos defrontarmos com foras fsicas que empurram,
puxam, causam movimento, mantm o equilbrio etc.
O ato de caminhar, por exemplo, pode nos levar a desenvolver a ideia de incio,
meio e fim, frente e retaguarda e, em algumas culturas, pode criar a noo de tempo
passado, presente e futuro. Essas atividades bsicas, desenvolvidas ao longo de nossa
vida, definem um esquema-I conhecido como ORIGEM-PERCURSO-DESTINO, ou
ORIGEM-CAMINHO-META (OCM), que Duque e Costa (2012, p. 82) representam
atravs da figura 2 (imagem icnica dos Esquemas):
Figura 2: representao grfica e ilustrao do Esquema-I OCM
A experincia de estar dentro e fora de algo determina outro Esquema-I bsico
conhecido como CONTINER (idem, p. 78). Alm disso, experienciamos o nosso
corpo em termos de CENTRO/PERIFERIA (idem, p. 81), quando tomamos, por
-
exemplo, o crebro como elemento central e os outros rgos como olhos, orelhas e
cabelos perifricos.
Figura 3: representao grfica e ilustrao do Esquema-I CONTINER
Figura 4: representao grfica e ilustrao do Esquema-I CENTRO/PERIFERIA
Outros Esquemas que nos parecem ser bsicos a noo de LIGAO (idem,
p. 80) E PARTE/ TODO (idem, 79), representado, esquematicamente, abaixo por
Duque e Costa (2012):
Figura 5: representao grfica e ilustrao do Esquema-I LIGAO
-
Figura 6: representao grfica e ilustrao do Esquema-I PARTE/TODO
De acordo com Duque e Costa (2012), outros Esquemas representativos so
definidos como: FORA, EQUILBRIO, BLOQUEIO, REMOO,
CONTRAFORA, COMPULSO, CONTACTO, ORDEM LINEAR. Esses Esquemas
so os mais frequentes, encontrados em construes lingusticas das mais diferentes
formas e combinaes. Nesse sentido os Esquemas-I adquirem um papel essencial na
configurao/compreenso de sentenas, expresses, narrativas e eventos.
De acordo com Bergen e Chang (1999), Esquemas-I tm sido amplamente
aplicados na anlise semntica de formas lingusticas com um significado primrio
espacial, a partir de anlises de partculas verbais e preposicionais. De acordo com os
autores, o contedo semntico de preposies tem sido objeto de investigao da
Lingustica Cognitiva h dcadas. O foco dessas pesquisas tem recado sobre como os
sentidos se formam, em termos de relaes espaciais, e como eles so relatados. Para os
pesquisadores, detalhes cruciais de como as sentenas ou frases so interpretadas,
incluindo aquelas que se referem s aes e seu detalhamento4, em que esto envolvidos
um trajetor e um marco, so importantes porque parecem depender da escolha de um
elemento preposicional. Nos exemplos (01) e (02), podemos verificar como isso ocorre:
(01) O heri (...) caminhou pra penso (ANDRADE, 2007, p. 153).
(02) O heri caminhou na penso.
Como podemos verificar em (01) e (02), as duas sentenas so iguais em quase
tudo, diferenciando apenas na escolha dos elementos preposicionais para e em. De
4 Granularity (Traduo nossa)
-
acordo com Bergen e Chang (2000), a escolha de alguns elementos lexicais como
preposies parece exercer um papel fundamental nessa relao entre os Esquemas-I.
Essas escolhas podem nos conduzir ao acionamento de significados diferentes para as
aes descritas. Nessas sentenas, esto envolvidos trajetores, caminhos e metas
atingindas. Em (01) o trajetor percorre um caminho em direo a um objetivo, a
penso, ou seja, um ponto num determinado espao, enquanto que, em (02), o foco est
no CONTINER, onde as aes so desenvolvidas pelo trajetor. A integrao entre
esses Esquemas ocorre quando verificamos que, em (01), a preposio para evoca
tanto o Esquema-I OCM quanto o Esquema-I CONTINER, influenciados pelos
elementos (papis) que os compem. Nesse sentido, uma representao mental
pressupe propriedades linguisticamente relevantes de um Esquema-I, que podem ser
identificadas por meio de certas propriedades que regem as funes desses Esquemas
em termos de papis, cujos autores definem como componentes ou elementos que so
fundamentais no processo de configurao da linguagem. O Esquema-I CONTINER,
por exemplo, instanciado por componentes como interior, exterior, contedo,
fronteira e portal (Figura 7).
Figura 7: papis do Esquema-I CONTINER
O Esquema-I OCM instanciado pelos papis origem, caminho, trajetor e
meta (Figura 8).
Figura 8: papis do Esquema-I OCM
A integrao entre Esquemas possvel ainda quando percebemos que, em
determinas construes lingusticas, as preposies so tomadas como operadores que
-
organizam sentenas em termos de localizao espacial e temporal e guiam o
compreeendor na ativao dos Esquemas: OCM (de, para, em etc.); CONTEINER (em,
no, dentro de, etc.); CENTRO/PERIFERIA (perto de, junto de, beira de, em meio
etc.), LIGAO (com, entre, por etc).
De acordo com Gibbs (1995), Esquemas-I tpicos se repetem de um ponto de
origem (ou domnio fonte) a um ponto final (ou domnio alvo). Para esse autor, as
inferncias que esses Esquemas evocam se referem a ideias de caminho, incluso,
conteno, equilbrio, verticalidade e centro-periferia. A recorrncia de Esquemas-I
pode ser evidencia tambm na relao entre o esquema-I CONTINER e o esquema-I
OCM na estruturao de metforas conceptuais, em que o domnio-fonte (continer 1)
aponta para o domnio-alvo - continer 2 - (Cf.: SANTOS, 2011).
De acordo com Gibbs (2005), muitos dos conceitos que criamos, sejam eles
concretos ou abstratos, so fundamentados ou estruturados por meio das nossas
interaes perceptuais, aes corporificadas e manipulao de objetos (JOHNSON,
1987, LAKOFF, 1987, LAKOFF & JOHNSON, 1999; TALMY, 1988). Segundo Gibbs
(2005, p. 69) experincias como puxar, ser puxado, manusear objetos e mover-se no
meio ambiente criam experincias gestlticas formadoras de Esquemas-I diversos.
Ao analisar metforas corporificadas coletadas de um corpus extenso, Gibbs
(2005, p. 71) demonstrou que partes do corpo e funes corporais tm relao direta
com a fala das pessoas. Isso pode ser verificado em exemplos como vender ou comprar
vista, sair do campo visual, estar dentro do campo visual de algum ou estabelecer um
ponto de vista, ficar com o corao nas mos, enfrentar algo de peito aberto, ter o nariz
em p, falar algo sem p nem cabea etc. Esses exemplos ilustram como os Esquemas-I,
em termos metafricos e psicolgicos, tambm influenciam as construes lingusticas.
Segundo Damsio (1996), se existe uma realidade externa, ela concebida por
intermdio do prprio corpo em ao e representada esquematicamente. Damsio nos
revela que a realidade que temos das coisas de natureza neural, biolgica e mental, e
que os limites de nosso corpo so os limites de nossa mente. Portanto, tudo indica que
compreender seja de fato simular aes descritas por meio de operaes bsicas que
envolvam Esquemas-I e frames internalizados em nossa mente por meio de experincias
corporificadas e culturais, respectivamente. A seguir, veremos a relevncia dos Frames
-
(MINSKY, 1975) no processo de compreenso da linguagem e como eles participam da
integrao dos Esquemas-I nas configuraes de sentidos.
-
1.4. Frames
O termo frame foi introduzido, inicialmente, por Marvin Minsky, em 1974, em
seu trabalho sobre Inteligncia Artificial. Na Lingustica, o termo foi empregado por
Charles Fillmore, em 1977. Para esses autores, frames so representaes mentais
abstratas de objetos, aes e eventos construdos cognitivamente atravs de nossas
experincias socioculturais. Constituem, assim, um conjunto de elementos e estruturas
nas quais esto inseridas propriedades e papeis sociais especficos. A noo de frame
apresenta uma conotao pragmtica, uma vez que diz respeito ao conhecimento de
mundo e experincia do falante numa determinada cultura. Nesse sentido, culturas
diferentes podem acionar significados distintos, tendo em vista suas especificidades e
modos diferentes de ver e agir no mundo.
De acordo como Minsky (1975), frames so estruturas de dados representativos
de uma situao estereotipada, ou seja, configuram um conjunto de informaes sobre
uma dada situao, compreendida como uma organizao de slots, que so preenchidos
durante o processo de compreenso da linguagem. Nesse sentido, frames so
importantes porque permitem aos leitores, estabelecer um modelo adequado para uma
situao descrita. Vejamos o exemplo em (03):
(03) Macunama rezava diariamente. (ANDRADE, 2007. p. 45).
Nessa sentena, um leitor no necessitaria de muitos detalhes para atribuir
sentido situao descrita, ou que se trata de um fragmento de um romance, uma vez
que conhecimentos prvios so acionados. A situao em (03) aponta para um evento
cultural relacionado ao frame religio. O leitor pode vincular esse evento a um espao
destinado prtica da orao, como uma igreja, um templo etc. Alm disso, criamos
coerncia em uma narrativa, no pela associao de palavras, mas pelos eventos
acionados a partir das pistas lingusticas. Um exemplo bastante interessante sobre como
os frames acionam informaes anteriormente experienciadas seria o texto Circuito
Fechado (1) (RAMOS, apud CAMPOS; SILVA, 2007 p. 70-71):
-
(04) Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. gua. Escova, creme dental, gua, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, gua, cortina,
sabonete, gua fria, gua quente, toalha. Creme para cabelo, pente.
Cueca, camisa, abotoaduras, cala, meias, sapatos, telefone, agenda,
copo com lpis, caneta, blocos de notas, esptula, pastas, caixa de
entrada, de sada, vaso com plantas, quadros, papis, cigarro, fsforo.
Bandeja, xcara pequena. Cigarro e fsforo. Papis, telefone,
relatrios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes,
telefone, papis. Relgio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboos
de anncios, fotos, cigarro, fsforo, bloco de papel, caneta, projetos de
filmes, xcara, cartaz, lpis, cigarro, fsforo, quadro-negro, giz, papel.
Mictrio, pia, gua. Txi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos,
talheres, garrafa, guardanapo, xcara. Mao de cigarros, caixa de
fsforos. Escova de dentes, pasta, gua. Mesa e poltrona, papis,
telefone, revista, copo de papel, cigarro, fsforo, telefone interno,
gravata, palet. Carteira, nqueis, documentos, caneta, chaves, leno,
relgio, mao de cigarros, caixa de fsforos. Jornal. Mesa, cadeiras,
xcara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta,
carro. Cigarro, fsforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papis,
externo, papis, prova de anncio, caneta e papel, relgio, papel,
pasta, cigarro, fsforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel,
telefone, papis, folheto, xcara, jornal, cigarro, fsforo, papel e
caneta. Carro. Mao de cigarros, caixa de fsforos. Palet, gravata.
Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres,
copos, guardanapos. Xcaras, cigarro e fsforo. Poltrona, livro.
Cigarro e fsforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fsforo. Abotoaduras,
camisa, sapatos, meias, cala, cueca, pijama, espuma, gua. Chinelos.
Coberta, cama, travesseiro.
Em (04), verificamos que as pistas lingusticas, descritas em uma sequncia de
acontecimentos, constituem um conjunto de slots que se ligam na constituio de um
frame relacionado ao cotidiano de um publicitrio. a noo de frame que nos permite
criar inferncias e expectativas sobre os eventos descritos e/ou situaes comunicativas
como, por exemplo, o ato de pedir licena ou permisso para entrar em um determinado
recinto, fazer silncio durante uma reunio, mandar mensagens em redes sociais,
escrever um bilhete e atender ao telefone. So os frames que direcionam um bate-papo
entre amigos e uma reunio de negcios e/ou de condomnio.
Segundo Duque e Costa (2012, p. 84-86), os frames se configuram em quatro
dimenses:
a) Cenrio tipo de frame que permite conhecermos a configurao de, por
exemplo, uma sala de aula, ou seja, a delimitao do espao e dos papeis
desenvolvidos pelos professores e alunos, o tempo decorrido da explanao ou
-
atividades desenvolvidas no ambiente etc. No caso de (04), as pistas
lingusticas da primeira parte do texto (vaso, descarga, pia etc.) sugerem que o
cenrio seja um banheiro.
b) Roteiro tipo de constructo que obedece a um estado inicial, um sequncia
de eventos e um estado final. Em (04), o roteiro executado pela personagem
favorece a compreenso das atividades realizadas.
c) Categoria tipo de constructo formado por um conjunto de elementos e
caractersticas. A categoria igreja, por exemplo, categorizada como um local
onde se renem fieis em torno de determinada crena, realizando rituais
especficos. Em (04), a sequncia de pistas lingusticas mictrio, pia, gua
sugerem a categoria banheiro, uma vez que aqueles elementos so
componentes tpicos dessa categoria.
d) Taxonomia tipo de constructo responsvel pela organizao das categorias
de maneira hierarquizada. Em (04), por exemplo, as pistas lingusticas pratos,
talheres, copos, guardanapos e xcaras acionam a categoria mesa, que
parece compor a categoria sala de jantar.
Os frames, ou seja, cenrios, roteiros, categorias e taxonomias, fornecem
orientaes de como os Esquemas-I e os Esquemas-X5 devem ser interligados. O
cenrio, por exemplo, favorece a organizao de Esquemas como PARTE/TODO na
compreenso de uma casa formada por cmodos, em que a casa o TODO e os
cmodos so as PARTES. J o Esquema-I CONTINER acionado na compreenso
dos limites que representam cada ambiente de uma sala, por exemplo; e o Esquema-I
LIGAO seria acionado na compreenso das funes desempenhadas pelos membros
de uma famlia, por exemplo.
Segundo Duque e Costa (2012), nosso conhecimento de mundo adquirido e
organizado por meio das experincias corporificadas e pela interao social. Tal
5 De acordo com Feldman et. al. (1996), esquemas de execuo (executing schemas ou x-schemas) so
modelos de eventos, ou representaes dinmicas de eventos que emergem dos nossos sistemas
perceptuais e de movimento.
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mediao essencial no processo de compreenso de um texto. Os autores afirmam que
conhecimentos prvios adquiridos envolvem desde o reconhecimento de objetos, por
meio de seus atributos, identificao de cenrios, at a simulao de procedimentos
como ir ao dentista, portar-se em um restaurante, resolver uma pendncia no trabalho
etc. Dessa forma, Duque e Costa (2012) definem frames como blocos cognitivos de
armazenamento de memria. Para esses autores, os frames apresentam basicamente trs
funes:
a) reconhecer que uma dada situao pertence a certa categoria;
b) interpretar a situao e/ou prever o que surgir em termos da categoria
reconhecida;
c) capturar as propriedades de conhecimentos altamente compartilhados
sobre pessoas, eventos e aes como, por exemplo, a funo do garom em
um restaurante.
Cada vez que acessa Frames e Esquemas, o falante/ ouvinte ativa informaes
obtidas anteriormente por meio de experincia corpreas e socioculturais. Nesse
sentido, a ativao e acionamento desses padres cognitivos garante a interao
comunicativa entre os participantes em dilogos, debates ou compreenso de textos.
Para Duque e Costa (2012), diferentes Frames atuam na emergncia do sentido
e assumem valores padronizados, mas que podem ser ressignificados pelo re-
preenchimento de seus slots. Dessa forma, Frames e Esquemas se associam no processo
de configurao do sentido conforme apontam os autores (2012, p. 84):
O esquema CONTINER, por exemplo, associado compreenso
de que uma coisa pode estar dentro da outra, mas a noo de frames
que nos direciona a procurar uma caixa de leite na geladeira e nos
impede de procur-la dentro do guarda-roupa, por exemplo.
Entender como formamos as imagens em nossa mente pode nos ajudar a
descrever, compreender e criar coerncia para o mundo nossa volta. Parece-nos no
haver dvidas sobre o papel dos Esquemas e dos Frames como base para a configurao
e organizao do pensamento humano. Nesse sentido, a identificao dos mecanismos
-
utilizados no processo de compreenso de textos preponderante para os estudos da
linguagem.
A seguir verificaremos o papel dos frames discursivos no processo de
compreenso de textos. Para isso, demonstraremos que um padro discursivo est
ancorado na emergncia de frames discursivos e que esses frames so responsveis,
tambm, pela variao das diversas configuraes discursivas que temos conhecimento,
tais como romances, contos, receitas etc.
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1.5. Frame Discursivo e a formao da narrativa
As diversas teorias lingusticas que trabalham com anlises de textos utilizam
como suporte analtico a noo de tipos e gneros textuais. De maneira geral, os tipos
textuais envolvem narrao, descrio, dissertao, exposio e injuno. Conforme
Marcuschi (2002), os tipos textuais definem a organizao das sentenas em sequncias
dialogais e os gneros textuais so formas de expresses textuais construdas
socialmente.
Essas formas de expresso so tantas que nos parece ser difcil quantific-las,
pois se destinam a vrias finalidades como diverso, comunicao e orientao. Alguns
desses gneros so: a receita, a carta, o ofcio, a tese, a dissertao, a poesia, o conto, o
romance etc. (Cf.: MARCUSCHI, 2002).
A impossibilidade de categorizarmos os vrios gneros textuais parece ocorrer
pelo fato de que a todo instante estamos criando novos modos de comunicao, por
intermdio das mais diversas e variadas formas de constructos orais e escritos.
De um modo geral, as noes de gneros discursivos so concebidas em funo
dos tipos textuais e isso muitas vezes causa certa confuso, ao tentarmos categoriz-los.
Isso porque essas categorias discursivas no so estanques, elas se combinam para
formar outras categorias. Uma determinada categoria discursiva, por exemplo, pode se
valer do esquema utilizado pelo gnero receita para construir um gnero atpico, como
podemos perceber no texto em (05), que alguns analistas poderiam categorizar como
conto, mandamento, poesia ou crnica, mas o autor preferiu intitular receita:
(05) Receita para criar um marginal
Comece, desde a infncia, a dar criana tudo o que ela pedir. Assim,
ela crescer convencida de que o mundo inteiro lhe pertence e de que
os outros s existem para fazer-lhe as vontades.
Quando ela comear a dizer palavres, mostre admirao, faa elogios
ou, simplesmente, ria. Isso far com que ela se considere muita
engraadinha.
Nunca lhe d ensinamentos espirituais. Menos ainda, exemplos de
prtica religiosa, que acabariam cerceando sua liberdade.
Deixe-a crescer. Quando tiver vinte e um anos, ela que decida por si
mesma.
Recolha tudo o que ela deixa pelo cho: material escolar, roupas,
calados, brinquedos. No lhe permita fazer esforo, para que se
acostume a encarar os outros como seus empregados. Com isso, ela
-
criar o costume de transferir aos outros a culpa de tudo o que est
fora do lugar.
Brigue com seu cnjuge sempre na frente dela. A criana precisa
encarar a vida como a vida . Assim, no sofrer demais no dia em
que os pais se separarem.
D-lhe todo o dinheiro que exigir, sem perguntar como ser gasto.
Nunca lhe permita que seja ela a ganh-lo. Por que fazer a pobrezinha
passar pelas dificuldades que voc enfrentou na sua infncia?
Satisfaa a todos os seus caprichos sobre comida, bebida, roupa, luxo,
diverso e prazeres. A psicologia ensina que a privao poderia
causar-lhe traumas perigosos, no ?
D-lhe sempre total apoio em qualquer discusso que ela tiver. Seja
com vizinhos, com colegas, fornecedores, professores, polcia...
Imagine se o seu filho iria cometer algum deslize! Os outros que tm
raiva ou inveja do coitadinho.
Quando for obrigado a admitir que ele est numa enrascada, desculpe-
se com a frase: Eu sempre fiz tudo por ele, mas nunca pude com esse
menino. Ou repita, com ar dramtico, a surrada pergunta: Onde foi
que eu errei?
Prepare-se para uma vida de amargura e remorso, pois o mais
provvel que a culpa tenha sido toda sua.
(FONTE: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas. Acessado em: 21 Mai. 2012).
Como podemos perceber em (05), a categoria discursiva parece no se fechar
em um nico gnero, dada a criatividade do autor em mesclar elementos de alguns tipos
textuais e gneros discursivos como crnica e receita. O prprio ttulo e a fonte, de onde
foi extrado o texto, evidenciam isso.
Nesse sentido, adotaremos aqui a noo de Padro Discursivo (PD) como
categoria alternativa ao processo de compreenso de textos, porque nos parece ser uma
das ferramentas analticas mais condizentes com a nossa proposta, tendo em vista que
trabalhamos com o processo de compreenso na perspectiva da lingustica cognitiva de
base corporificada.
Segundo Duque e Costa (2012, p. 165), PD, a exemplo das construes
gramaticais, constituem entidades abstratas resultantes do pareamento de formas e
significados:
No caso do Padro Discursivo, o polo da forma estaria associado s
relaes internas, e o polo do sentido, s relaes externas que um
discurso exibe em relao aos contextos sociais e comunicativos. Essa
definio de forma e sentido parece se harmonizar com as noes de
tipos textuais e de gneros discursivos, respectivamente.
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas
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Em outras palavras, PD so construes discursivas mais ou menos
estabilizadas pela frequncia de uso, conforme os fins a que se destinam. Consoante
esses autores um PD no equivalente a tipo textual e/ou um gnero discursivo, uma
vez que a categorizao que os padres realizam no pode ser resumir a qualquer um
dos dois polos que compem as construes gramaticais, a forma e o significado. De
acordo com Duque e Costa (2012, p. 165-166), apesar dos contos e romances terem
como base a narrao, eles podem se combinar para formar outras categorias
discursivas:
Apesar de todos os contos tomarem a forma de um tipo de texto
narrativo, o fazem de diferentes maneiras em diferentes momentos,
com diferentes propsitos e em diferentes culturas: h contos de amor,
contos fantsticos, contos folclricos, contos de fadas etc., cada qual
constituindo um padro discursivo especfico.
devido maleabilidade dos PD que podemos atribuir categorias discursivas
dentro de outras categorias como o caso do PD romance. Fala-se de romance policial,
fantstico, terror etc. Podemos encontrar em um romance como o de Macunama, por
exemplo, a interseco entre diversos PD, tais como um conjunto de contos, adivinhas,
cartas e rezas. Tais constructos discursivos parecem se unir para a formao de um todo
discursivo. A charge, a piada, a receita de bolo entre outras categorias de textos so
padres discursivos porque podem se combinar para formar outros padres. Uma receita
pode ser descritas em forma de narrativa ou no formato de poesia, como dito
anteriormente.
Acreditamos que, assim como o PD parece se harmonizar com os tipos textuais
e gneros discursivos, ele tambm parece estar em consonncia com as noes de
Esquemas e Frames. Nesse sentido, um tipo textual estaria associado aos Esquemas-I e
aos Esquemas-X, constituindo Esquemas Descritivos (ED) e os gneros discursivos a
frames, constituindo, assim, Frames Discursivos (FD).
Os ED se referem s relaes internas de um texto, concebido pelas nossas
experincias corporais (perceptuais), tais como os Esquemas OCM, PARTE/TODO,
LIGAO, CONTINER. Esses Esquemas so responsveis por relatar fatos e aes
discursivas dentro de um PD.
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Os FD so concebidos pelas nossas experincias socioculturais, ou seja, esto
relacionados aos elementos extralingusticos. So os FD que nos fazem captar os
cenrios, os roteiros, as categorias e taxonomias especficas. Esses frames nos permitem
construir, por exemplo, representaes mentais do que venha a ser um PD do tipo
romance fantstico, policial e terror, porque eles seguem determinados roteiros,
delimitam cenrios, categorias e taxonomias especficas.
Os ED parecem ajudar-nos a perceber as ligaes entre os eventos, as partes
que ajudam a compor o texto, as sequncias discursivas etc. Esses Esquemas,
associados aos FD nos permitem construir diversos PD e mescl-los formando infinitos
padres. Nesse sentido, o fato de constructos discursivos serem narrativos tm haver
com os ED e o fato de ser um conto ou romance tem haver com os FD. Dessa forma,
aventamos que PD, em nosso trabalho, so formados pela integrao entre ED e FD.
Dentro de um Padro Discursivo como o romance, a maneira como os
elementos lingusticos so organizados textualmente pode nos levar, enquanto
compreendedores, a criar Modelos de Situao (ZWAAN, 1999) e a realizar simulaes
mentais (BARSALOU, 1999) durante o processo de compreenso de textos.
Nos prximos captulos, descrevemos como os Modelos de Situao e a
Simulao Mental interfere no processo de compreenso de textos. Traremos evidncias
tericas e empricas, bem como resultados de experimentos que demonstram como o
sistema conceptual humano perfila diferentes maneiras de se atribuir significados aos
textos por meio das aes por eles descritas.
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1.6. A Teoria Neural da Linguagem
A Teoria Neural da Linguagem (TNL) um projeto interdisciplinar
desenvolvido pela universidade de Berkeley, na Califrnia, sob a orientao dos
pesquisadores Jerome Feldman e George Lakoff. O objetivo do projeto explicar em
que medida as estruturas neurais do crebro humano formam o pensamento e a
linguagem (Cf.: GIBBS, 2005, p. 194). O projeto busca combinar os resultados obtidos
pelas pesquisas em neurocincia, cincia da computao, lingustica cognitiva e
psicologia cognitiva.
Conforme Lakoff e Johnson (1999) a nossa compreenso da realidade est
diretamente ligada constituio dos nossos corpos e sua interao com o meio em
que vivemos. medida que manipulamos objetos, e nos movimentamos espacialmente,
nosso crebro passa a ser alimentado e produz esquemas cada vez mais abstratos.
Assim, a nossa capacidade de categorizar as coisas passa a ser concebida como uma
consequncia do nosso aparato biolgico e das nossas experincias no mundo.
Segundo Damsio (1996, p. 254), nosso corpo proporciona uma referncia
fundamental para a mente humana. O crebro detecta ameaas, rene opes de
respostas, escolhe uma delas e age no sentido de reduzir ou eliminar os riscos. Para o
autor, a interao corpo, mente e crebro criam memrias ou representaes mentais
que se tornam registros neurais:
No incio foram as aes, e no o verbo. Isso permitia a interao
necessria e a sobrevivncia do ser humano (DAMSIO, 1996,
p.256).
De acordo com Robledo (2008, p. 28),
uma importante descoberta das Cincias Cognitivas que os sistemas
conceptuais que fundamentam as lnguas humanas utilizam um
nmero relativamente pequeno de Esquemas Imagticos que se
combinam, estabelecendo relaes complexas.
Acrescente-se a esse nmero limitado de esquemas, os Esquemas-X
(FELDMAN e NARAYANAN, 2003). Esses autores partem da premissa que as
mesmas representaes de percepo e movimento, que emergem durante a execuo de
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uma determinada ao, so as mesmas acionadas durante o processo de compreenso de
enunciados sobre essa mesma ao. O Esquema-X de LANAR, por exemplo, envolve
uma srie de aes como a maneira de segurar o objeto a ser lanado, a posio ou
postura do corpo para realizao do movimento, o momento inicial, o impulso, a fora
desprendida e a finalizao do movimento.
A combinao desses esquemas parece alimentar as diversas metforas que
conhecemos, tais como as descritas em (06):
(06) A vida corre em minhas veias; as coisas vo de mal a pior; ele o cabea da quadrilha; ele pega muito no p, ele tem o chefe na palma
da mo etc.
Em (06) podemos perceber que o crebro cria representaes do corpo
medida que esse corpo estimulado fsica e socioculturalmente, mas isso, por si s, no
o bastante para o grupo liderado por Feldman e Lakoff. A TNL objetiva responder
seguinte pergunta: como pode um crebro, composto de neurnios, que funcionam
quimicamente, dar origem linguagem e aos conceitos humanos? As pesquisas com
modelagem computacional de redes neurais, desenvolvidas por Feldman, demonstram
que o nosso crebro pode realizar tarefas sensrio-motoras e conceptuais,
simultaneamente (DUQUE, 2012) 6.
De acordo com Gibbs (2005), o processamento da linguagem no se resume
apenas a regies especficas no crebro. O autor acredita que o processamento da
linguagem no deva estar relacionado a algumas poucas reas especializadas, como
creem os adeptos da viso simblica da cognio, cujas razes se encontram na tese de
Descartes. De acordo com Macedo (2008, p. 15), a viso simblica falha nos seguintes
termos:
(...) tentar igualar comportamentos inteligentes em geral e, em
especial, aqueles ligados atuao lingustica, a processamentos
computacionais mecanicamente operacionalizados, a partir de
mdulos mentais isolados e exclusivos, tem se provado explicao
insuficiente e inadequada, especialmente em vista das novas
descobertas a respeito da natureza do crebro humano e da evidncia
da integrao dinmica de outros subsistemas neurais no exclusivos
da linguagem, na emergncia do conhecimento lingustico.
6 Fragmento extrado de https://sites.google.com/site/duquephd/gramatica-de-construcoes, em
24/09/2012, s 22:00.
https://sites.google.com/site/duquephd/gramatica-de-construcoes
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Um projeto desenvolvido por Regier (1996) visa fornecer um modelo neural
para o aprendizado das relaes espaciais em termos da linguagem em uso. O autor
observa que na lngua inglesa h vrios termos que expressam situaes espaciais,
como, por exemplo, aqueles que servem para indicar movimentos concretos e abstratos,
espaciais e no espaciais tais como eu estou em depresso 7, os preos subiram
8 e
ele est fora de si9 (GIBBS, 2005, p. 194). Para Gibbs, o uso desses termos em
representaes no espaciais nascem de metforas conceptuais que preservam a lgica
espacial de um domnio fonte. Nesse sentido, termos que podem ser usados para
acionar significados no espaciais parecem ter origem nos Esquemas-I que designam
localizao e movimento espacial, como podemos perceber em (07) e (08):
(07) Correndo, lgua e meia adiante deram com a casa onde morava o bacharel de Canania. O coroca estava na porta sentado e lia
manuscritos profundos. (ANDRADE, 2007, p. 21) 10
(08) Nem cinco sis eram passados que de vs nos partramos, quando a mais temerosa desdita pesou sobre Ns. (Idem, p. 57).
Em (07) e (08) verificamos que profundos e sobre so termos utilizados,
geralmente, para representar relaes espaciais concretas, mas tambm servem para
relacionar situaes no espaciais e abstratas. Com base em relaes espaciais desse
tipo, Regier (1996, apud GIBBS, 2005, p. 194) realizou experimentos ancorados em
testes neurocientficos. Primeiramente, ele procurou construir um mapeamento do
campo visual de leitores, com a finalidade de computar Esquemas-I. Depois, buscou
verificar os agrupamentos neurais11
, reunidos por meio da associao entre alguns
termos espaciais como, por exemplo, acima, abaixo, ao lado etc. e o
posicionamento corporal (orientao sensvel). Em outro momento, ele realizou testes
para verificar os receptores neurais empregados na caracterizao de conceitos e
7 Im in a depression (traduo nossa).
8 The prices went up. (traduo nossa)
9 he's beside himself (traduo nossa)
10 Extrado de http://download.baixatudo.globo.com/docs/Macunaima.pdf. Acessado em 25 Abr. 2011, s
14:35. 11
Neural Assembly (Traduo nossa).
http://download.baixatudo.globo.com/docs/Macunaima.pdf
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contatos com as mos; por fim, verificou que mecanismos neurais so utilizados na
negociao de emoes e sentimentos reprimidos. Chegou-se concluso que as
categorias conceptuais relacionadas a atividades motoras espaciais so criadas com base
na estrutura cerebral e em nossas experincias corporificadas.
Narayanan (1997) tambm realizou estudos com modelos baseados na teoria
cognitiva da metfora de Lakoff e Johnson. Nesse modelo, o pesquisador objetivava
verificar os mecanismos sensrio-motores de inferncia e os mapeamentos metafricos.
Esse modelo ficou conhecido como KARMA Representaes de aes para metforas
e aspectos baseadas no conhecimento12
(NARAYANAN, 1997). Nesse projeto, o autor
apresentou pela primeira vez um modelo dinmico de representao envolvendo
Esquemas-X motivados, em parte, por sistemas perceptuais e de movimento.
Para o autor, muitas narrativas descrevem planos e eventos em termos de
movimento espacial e de manipulao de objetos. Vejamos em (09) como isso ocorre:
(09) Um silncio imenso dormia a beira-rio do Uraricoera. Uma feita um homem foi l. Era madrugadinha e Vei mandara as filhas visar o passe
das estrelas. O deserto tamanho matava os peixes e os passarinhos de
pavor e a prpria natureza desmaiara e cara num gesto largado por
a. A mudez era to imensa que espichava o tamanho dos paus no
espao. De repente no peito doendo do homem caiu uma voz da
ramaria: Currr-pac, papac! currr-pac, papac!... (ANDRADE, 2007,
p. 213).
Em (09) encontramos expresses como um silncio imenso que dormia;
passe das estrelas; a natureza desmaiara e cara num gesto; mudez imensa que
espichava e caiu uma voz. Todas elas estruturada em termos de dimenso espacial,
ancoradas em uma relao espacial e metaforicamente corporificada.
A hiptese bsica de Narayanan (1997) que leitores entendem narrativas,
como a produzida em (09), com base em seus conhecimentos concebidos pelas
metforas corporificadas. A funo dessas metforas, em linhas gerais, seria a de
projetar caractersticas de movimento espacial, manipulao de planos e eventos
abstratos, conforme uma representao espacial de movimento estruturado por meio de
Esquemas-X, como os gerados pelas pistas lingusticas jogar, correr, andar etc.
12
Knowledge-based Action Representations for Metaphor and Aspect. (Traduo nossa).
-
Esses esquemas codificam a metfora corporificada de maneira a reter a dinmica dos
eventos abstratos (GIBBS, 2006, p. 195), como exemplificado em (09).
Os resultados alcanados na pesquisa de Narayanan permitiram que o trabalho
desenvolvido por Nancy Chang, na TNL, fosse ampliado para a pesquisa em torno da
aprendizagem da gramtica. Esse trabalho reuniu psicolinguistas e linguistas em busca
da implementao de um modelo que respondesse a questes como a aquisio, por
crianas, de construes gramaticais bsicas, lig