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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Departamento de História Mônica de Souza Alves da Cruz O processo de censura à peça teatral Calabar Monografia de Bacharelado apresentada como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em História. Orientador: Prof. Dr. Carlos Fico RIO DE JANEIRO 2002

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Page 1: O processo de censura à peça teatral Calabar · O processo de censura à peça teatral Calabar ... apresentada como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel

Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Departamento de História

Mônica de Souza Alves da Cruz

O processo de censura à peça teatral Calabar

Monografia de Bacharelado apresentada como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em História. Orientador: Prof. Dr. Carlos Fico

RIO DE JANEIRO 2002

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Agradecimentos

Não poderia deixar de expressar a minha gratidão à algumas pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, no processo de elaboração desta monografia.

Ao professor Carlos Fico por toda a atenção e apoio concedidos durante o período de feitura deste trabalho. Não poderei jamais esquecer-me de toda a paciência, compreensão e carinho que demonstrou para comigo. Devo à ele a minha eterna gratidão.

À professora Maria Christina Caldas que me conduziu nos primeiros passos da pesquisa acadêmica, concedendo-me tardes maravilhosas de estudo na qual recebi preciosas informações e conselhos que colaboraram para a minha formação.

À professora Norma Musco Mendes, à professora Neyde Thelm e à toda equipe do LHIA-UFRJ, por todo incentivo recebido à pesquisa e pelos maravilhosos momentos que vivenciamos juntos.

Ao amigo Vicente, pelas palavras de estímulo, pelas leituras dos manuscritos, pelas sugestões e críticas, pelos livros emprestados e, acima de tudo, pela sua grande amizade.

Aos amigos Hélio Ricardo, Simone Victor e Cristina Fontana, porque estiveram caminhando comigo durante os últimos anos e me mostraram a importância de compartilhar sentimentos, angústias e alegrias.

Aos meus pais, pelos ensinamentos e orientações que contribuíram para a minha formação.

A Deus. Sem Ele não teria forças para prosseguir até o final desta jornada.

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Sumário

Introdução............................................... 4

Capítulo 1.............................................. 13

Capítulo 2.............................................. 21

Capítulo 3.............................................. 31

Conclusão............................................... 46

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Introdução

Atores, músicas, figurino, cenário... Tudo já estava

pronto para a estréia do musical Calabar: o elogio da

traição, de Chico Buarque de Holanda e Ruy Guerra, no dia 8

de novembro de 1973, no Teatro João Caetano (RJ). Um clima

de grande expectativa pairava nos bastidores. Os ensaios já

estavam sendo realizados havia dois meses, com duração

diária de quatorze horas. Uma produção orçada em cerca de

300 mil cruzeiros. Naquele momento, era necessário apenas

aguardar a chegada do público e a abertura das cortinas

para o espetáculo começar. No entanto, o que não se

esperava era a chegada da censura que daria um drástico fim

àquela história.

Calabar foi um espetáculo abortado, como inúmeros

outros submetidos à avaliação da Censura Federal no período

da Ditadura Militar. A censura era utilizada como um

instrumento de coerção a qualquer tipo de manifestação

artística que surgisse com um tom de ameaça ao discurso da

ordem e da segurança nacional propagado pelo governo. O

"palco", realmente, estava "amordaçado",1 impossibilitado

de trazer à tona discussões e críticas sobre a realidade

brasileira. A censura influía na própria produção cultural,

realizando cortes e determinando o que podia ou não ser

dito. Por isso, vários autores teatrais utilizavam

metáforas, alegorias e outros recursos de linguagem para

terem suas obras liberadas e apresentadas ao público.

É dentro desse contexto de extrema desconfiança e

rigor quanto à aplicação de medidas restritivas (pós-AI-5)

que pretendemos analisar o processo de censura à peça

Calabar: o elogio da traição, de Chico Buarque e Ruy

1 "Palco amordaçado" é uma expressão utilizada por Yan Michalski e é título de um de seus livros.

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Guerra, utilizando como documento básico o processo que

proibiu a divulgação do livro, com o mesmo nome da peça, em

1974. Buscaremos mostrar como o autor Chico Buarque veicula

idéias na peça que caracterizam a forma de pensar da

esquerda intelectual dos anos 60 e 70. Além disso,

pretendemos sobretudo mostrar como a censura agia no âmbito

da estrutura repressiva montada pelo Regime Militar.

Nos últimos anos ocorreu um aumento significativo de

trabalhos que abordam a temática da Ditadura Militar (pós-

64) e a censura no Brasil. No entanto, a questão da censura

ao teatro brasileiro nesse período ainda carece de

análises, não obstante existam abordagens jornalísticas

como as dos críticos teatrais Yan Michalski, Fernando

Peixoto e Sábato Magaldi.

É importante destacar Yan Michalski como uma

referência fundamental nos estudos sobre o teatro

brasileiro no período militar. No seu livro O palco

amordaçado ele menciona o receio que os militares possuíam

com relação à atuação de um "teatro livre" e registra que o

teatro foi erigido como "um dos inimigos públicos mais

declarados, e por conseguinte, tratado com sistemática

desconfiança, hostilidade, e não raras vezes brutalidade",

devido a um diagnóstico equivocado que o identificou como

uma ameaça à Segurança Nacional.2 Michalski também busca

mostrar a mobilização da classe teatral contra a censura e

o seu declínio após a decretação do AI-5, assim como os

malefícios gerados por esta à própria produção dramatúrgica

brasileira.

Yan Michalski, realmente, apresenta algumas questões

bastante interessantes sobre a censura teatral no período

da Ditadura Militar no Brasil (pós-64). No entanto, ele

2 MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado: 15 anos de censura teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Coleção Depoimentos, 1979. p. 9-11.

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confessa as limitações de seu trabalho quando expõe a sua

impossibilidade de realizar um levantamento mais abrangente

por não ter acesso aos arquivos da própria Censura. O palco

amordaçado é um trabalho significativo, embora bastante

introdutório, sobre a questão.

Fernando Peixoto reúne em seus livros Teatro em

pedaços, Teatro em movimento e Teatro em questão uma

coletânea de artigos, notas, reportagens, entrevistas,

fragmentos etc. escritos por ele ao longo de sua trajetória

pessoal. Segundo o próprio Fernando Peixoto, as informações

contidas nesses trabalhos apenas conseguiriam apontar o

confronto que ele travava em seu cotidiano com o movimento

do teatro nacional3 e instigar um debate cultural

democrático urgente e responsável, permanente e crítico.4

Sem dúvida, os registros de Fernando Peixoto nos servem

como importantes fontes de consulta, mas não se enquadram

na nossa proposta de analisar historicamente a censura e

teatro.

Dessa forma, buscamos a peça Calabar: o elogio da

traição através de uma perspectiva histórica, considerando

a conjuntura política existente no momento de proibição

deste texto, assim como os elementos que possam identificá-

la como sendo um discurso nacionalista característico dos

grupos intelectualizados de esquerda, para que este

específico processo de censura possa iluminar outros

assemelhados.

A partir dos anos 50, a temática nacionalista ganhou

notoriedade entre os diferentes grupos que se propunham a

pensar o Brasil, tais como o Instituto Superior de Estudos

Brasileiros (ISEB), a Escola Superior de Guerra (ESG) e o

Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE. Buscava-se

3 PEIXOTO, Fernando. Teatro em pedaços. São Paulo: Hucitec, 1989. p. 1.

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encontrar as raízes dos problemas que assolavam a nação

brasileira, que a impediam de se estabelecer no patamar dos

países capitalistas desenvolvidos. Havia uma ânsia pelo

progresso, pela civilização, pelo reconhecimento dos

valores e potencialidades da nação e do povo brasileiro.

Aquele era o momento de se refletir sobre o Brasil e o

campo intelectual buscava exatamente elementos que pudessem

responder aos anseios transformadores daquela sociedade.

Carlos Guilherme Mota já mencionou que os anos 50

caracterizam-se pela montagem (ou, no mínimo reforço) de tendência ideológicas nacionalistas que vinham se plasmando em ressonância a processos políticos e sociais marcados pelo desenvolvimento econômico e pela criação de condições para uma possível revolução burguesa.5 Tinha-se como alvo a superação do subdesenvolvimento.

Nesse momento, segundo ele, estruturou-se um profundo

sistema ideológico, onde as idéias de "consciência

nacional", "aspirações nacionais", "cultura brasileira" e

"cultura nacional" constituíram a base das linhas de

pensamento de quase todos os diagnósticos sobre a realidade

do país.

Observa-se que nos meios intelectuais e artísticos o

"povo" era chamado a entrar em cena. O "povo" era tido como

um agente transformador e era na busca do seu passado que

se podia descobrir uma cultura popular genuína. Por isso,

intencionavam uma aproximação com esse agente social para

conscientizá-lo. Manifestações artísticas surgiam visando

alcançar esse objetivo. O CPC da UNE é um importante

exemplo dessa tentativa de aproximação dos intelectuais com

o "povo".

4 PEIXOTO, Fernando. Teatro em movimento. São Paulo: Hucitec, 1989. p. 11. 5 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira: pontos de partida para uma revisão histórica. 3. ed. São Paulo: Ática, 1977. p. 154.

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No livro O nacional e o popular na cultura brasileira:

teatro, José Arrabal expõe as principais idéias defendidas

pelo CPC da UNE. Ele destaca que o CPC tinha o desejo de

alcançar uma aproximação com a massa trabalhadora ("parte

do povo que tem pouca ou nenhuma consciência de seus

próprios interesses, que não se organizou ainda para

defendê-los, que não foi mobilizada ainda para tal fim"6) e

de organizar intelectuais e artistas em torno de uma arte

popular revolucionária ou organizada por estudantes em

torno da UNE.

A "arma" dessa luta é a arte. O teatro é a carabina, o obus, o tanque de guerra mais barulhento. Um teatro de idéias, martelando idéias, bate-estaca de idéias na cabeça do público.7

O autor menciona também como o cepecismo defendia a

necessidade de reformas, no universo da cultura, ou seja,

no mundo das idéias. E cita Ferreira Gullar para apresentar

o conceito de cultura popular, segundo a ideologia do CPC:

A cultura popular é, em suma, a tomada de consciência da realidade brasileira. (...) É compreender, em suma, que todos esses problemas só encontrarão solução se se realizarem profundas transformações na estrutura sócio-economica e, consequentemente, no sistema do poder. Cultura Popular é, portanto, antes de mais nada, consciência revolucionária.8 Portanto, "o CPC se dispunha a desenvolver a

consciência popular, considerada a base da libertação

nacional".9 Por isso, esses intelectuais precisavam buscar

inspiração para sua criação na própria realidade das

classes populares.

6 ARRABAL, José, LIMA, Mariângela Alves. O nacional e o popular na cultura brasileira: teatro. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 47. 7 Idem. p. 122. 8 GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. p. 129. 9 NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2001. p. 38.

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Verificamos que a temática nacionalista não frutifica

apenas nos campos da intelectualidade de esquerda: os

militares também a utilizavam amplamente como uma forma de

legitimação do seu poder. Era, exatamente, o discurso

nacionalista militar que conseguia garantir uma relativa

coesão social necessária à manutenção da estrutura de poder

estabelecida após o Golpe de 64.

No governo Médici, a "linha dura tinha as rédeas nas

mãos".10 Buscou-se estabelecer uma política voltada para o

"desenvolvimento", mas com a manutenção de um estilo de

governo forte e extremamente centralizado. Médici decidiu

intervir até mesmo nas sucessões estaduais, escolhendo

"homens de confiança do sistema revolucionário" e

preferindo "apolítico, o técnico", dentro de uma linha

denominada "militarismo tecnocrata".

Médici não acreditava, como outros partidários da

linha dura, que o Brasil pudesse alcançar o desenvolvimento

econômico com um sistema político aberto. Num discurso

proferido na Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de

Janeiro, em março de 1970, o presidente expôs essa idéia

afirmando que as transformações sociais e econômicas

ocorridas no país no período de 1930 a 1964 não permitiram

a permanência do liberalismo como fonte de orientação

política. Esta doutrina seria incompatível com o

crescimento econômico, sendo o objetivo do seu governo

"manter o desenvolvimento, com segurança". Acrescentou

ainda que os "poderes excepcionais" que lhe haviam sido

conferidos pelo movimento político militar de 1964 seriam

mantidos em seu governo.11

10 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 214. 11 ABREU, Alzira Alves de, BELOCH, Israel, LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemayer e WELTMAN, Fernando Lattman. Dicionário histórico-biográfico brasileiro (1930-1995). 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001.

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Nessa época verificava-se um acirramento das medidas

repressivas e, contraditoriamente, uma crescente

popularidade conquistada pelo governo. Os resultados

positivos alcançados pelo programa econômico patrocinado

pelo ministro da Fazenda, Delfim Neto, geravam um clima de

otimismo em relação ao futuro do país. Acreditava-se no

Brasil como um país do futuro, que iria avançar, alcançando

a categoria dos países desenvolvidos. Conforme afirma

Nadine Habert,

Durante os anos do milagre econômico, Médici procurou criar um clima de triunfalismo ufanista em torno da idéia de que o Brasil era um país próspero e tranqüilo, um país mágico que até o fim do século XX teria garantido o seu ingresso no mundo desenvolvido como Grande Potência.12 Foi através da propagação dessa crença que o governo

Médici conseguiu garantir um amplo apoio de diversos

setores da sociedade brasileira.

A AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas da

Presidência da República), chefiada pelo coronel Otávio

Costa, desenvolvia uma intensa campanha de propaganda em

prol do governo, procurando capitalizar os êxitos obtidos

nos mais diversos setores para transmitir uma imagem

favorável do presidente e suas realizações. A vitória

obtida pela seleção brasileira de futebol (o tricampeonato

conquistado no México em junho de 1970), a música popular e

o progresso brasileiro seriam amplamente utilizados pelas

autoridades oficiais como propaganda favorável ao governo.

A AERP tinha como principal objetivo projetar uma imagem de

otimismo com relação ao Brasil, conforme o jargão utilizado

12 HABERT, Nadine. A década de 70: apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São Paulo: Ed. Ática, 1992. p. 19-20.

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por seus profissionais: "Motivar a vontade coletiva para o

esforço nacional de desenvolvimento".13

Carlos Fico nos mostra que os militares acreditavam que

era necessário estimular a população, mobilizá-la para

participar da luta em prol do desenvolvimento do país. Os

militares desejavam despertar a "vontade coletiva" do povo,

através do fortalecimento de valores brasileiros. Eram os

valores brasileiros que iriam consolidar uma identidade

nacional capaz de infundir no povo a esperança (otimismo)

quanto aos destinos da pátria.14 Dessa forma, os militares

criavam uma atmosfera de aprovação com relação aos rumos

que estavam sendo tomados pelo Brasil, desviando a atenção

da população das atitudes arbitrárias e atrocidades do

regime.

A temática proposta pela peça Calabar: o elogio da

traição incitava o questionamento, o debate. Era um convite

à reflexão que deveria ultrapassar o próprio patamar

estabelecido pela história oficial. Esse tipo de proposta

poderia suscitar o inconformismo e, conseqüentemente, o

conflito. Era isso que os militares tanto temiam. Neste

trabalho, buscaremos analisar a censura sofrida por

Calabar, considerando o contexto geral acima delineado.

Para tanto, adotaremos uma estrutura de três capítulos:

No primeiro capitulo buscaremos descrever brevemente a

trajetória de Chico Buarque de Holanda e Ruy Guerra no

campo artístico e intelectual, notadamente em seus aspectos

políticos. No segundo, faremos uma análise especifica de

alguns trechos da peça Calabar destacando elementos que nos

permitam identificá-los como sendo característicos de um

discurso nacionalista de esquerda. No terceiro capítulo

13 FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. p. 94. 14 Idem. p. 130 e 143.

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abordaremos a atuação da censura no Regime Militar e,

especificamente, à peça Calabar. Buscaremos descrever de

que forma a troca de informações entre os diversos setores

que compunham a comunidade de informações era importante

para a manutenção do discurso legitimador da ordem

estabelecida após o Golpe de 64.

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Capítulo 1

A opção de Chico Buarque e Ruy de Guerra pela

realização de uma peça teatral com temática histórica

rendeu-lhes meses de pesquisa para a elaboração de um

roteiro. Pretendiam revisar o processo no qual Domingos

Fernandes Calabar foi julgado, condenado e enforcado por

traição à coroa portuguesa durante a segunda Invasão

Holandesa, em 1635. Mesmo sabendo que os musicais

brasileiros costumam ter vida curta, os autores empenharam-

se na montagem de Calabar, "uma peça musical com motivo

brasileiro".15 Trabalharam juntos e não mediram esforços

para a concretização de uma idéia que surgiu quando ainda

estavam traduzindo as letras das músicas de O homem de la

mancha, o musical americano de Dale Wasserman e Joe Dario.

Essa não era a primeira experiência de Chico Buarque

no teatro. Além de ter musicado o poema Morte e vida

severina, de João Cabral de Melo Neto, encenado pelo TUCA

(Teatro da Universidade Católica de São Paulo), no início

de 1965, Chico escreveu o polêmico roteiro da peça Roda

viva, em 1967, com montagem de José Celso Martinez Corrêa.

O sucesso de Roda viva foi fulminante, mesmo tendo recebido

protestos e constantes ameaças por parte de grupos de

extrema direita (como o CCC – Comando de Caça Comunista) ao

longo de sua temporada. Alguns consideravam o espetáculo

uma verdadeira afronta à sociedade e à família. Uma matéria

do jornal Folha da Tarde nos mostra claramente isso:

A polêmica em torno da peça Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda, está ganhando proporções que poderá ter resultados desastrosos. Desde que Roda Viva foi apresentada no Rio, em fins

15 "Chico, ou o elogio da criação". Jornal do Brasil. 29 out. 1973.

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do ano passado, falou-se muito de sua "obscenidade e libertinagem".16 No entanto, as ameaças não ficaram apenas na teoria.

Logo foram colocadas em prática. Na noite do dia 17 de

julho de 1968, o CCC invadiu o Teatro Galpão, em São Paulo,

onde estava sendo encenada Roda viva, destruindo cenários e

espancando atores. E, apesar da mobilização da classe

teatral exigindo a apuração do caso e medidas punitivas

contra os responsáveis, nenhuma atitude concreta foi tomada

por parte das autoridades policiais. Em Porto Alegre, a

temporada desse espetáculo se resumiu à estréia. No dia 3

de outubro a repressão cercou o hotel onde o grupo estava

hospedado e seqüestrou dois atores, que foram

posteriormente abandonados num matagal distante. A

apresentação do espetáculo acabou sendo proibida em

território nacional sob a alegação de que provocava

tumulto, assim ameaçando a segurança nacional.17

A descrição dos fatos e do clima inquietante gerado

por Roda viva explica, de certa forma, o motivo pelo qual

Chico Buarque passou da categoria de mocinho a vilão. De

"unanimidade nacional" o compositor de A banda começou a

ser visto como um elemento suspeito por parte dos órgãos de

segurança. A participação de Chico Buarque na Passeata dos

Cem Mil, em junho de 1968, só fez aumentar ainda mais a

desconfiança que se estabelecia com relação a sua mais nova

imagem. O próprio Chico Buarque afirma acreditar que a

implicância que os militares tinham com ele advinha da

Passeata dos Cem Mil e da encenação de Roda viva.18

16 FERNANDES, Rofran. Teatro Ruth Escobar: 20 anos de resistência. São Paulo: Global editora, 1985. p. 65. 17 Dionyso. Teatro Oficina. Ministério da Educação e Cultura. SEC – Serviço Nacional de Teatro. Janeiro de 1982. n. 26. p. 76. 18 ZAPPA, Regina. Chico Buarque: para todos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. p. 100.

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Depois desses dois eventos, foi chamado a depor várias

vezes devido à letra de algumas de suas canções. No dia 20

de dezembro de 1968 (sete dias após a decretação do AI-5)

chegou a ser detido no seu próprio apartamento, sendo

levado para interrogatório no DOPS e de lá mandado para o I

Exército.19 Na letra da música Acorda Amor, Chico Buarque

narra a história de um homem que tem o seu apartamento

invadido pela polícia. O compositor, provavelmente, estava

fazendo menção à situação acima descrita.

Chico Buarque compôs algumas músicas que evidenciavam

um interesse de analisar o contexto social brasileiro.

Através da melodia e da letra de suas canções, buscava

denunciar e criticar a realidade política e social do país.

Essa preocupação política começou a transparecer já na

gravação do seu terceiro LP, Chico Buarque de Holanda, no

qual se insere a gravação da música da peça Roda viva.

Antes disso, Chico Buarque investiu apenas na composição de

músicas despretensiosas e carregadas de lirismo.20

O lançamento de Chega de saudade (1959), de João

Gilberto, foi um fator determinante para influenciá-lo na

sua decisão de trilhar o caminho da música. Para ele, João

tocando e cantando foi uma revolução.21

Chico apenas ganhou notoriedade após o sucesso de A

banda, sendo chamado para realizar programas de rádio e

televisão. Começou a ser um formador de opinião pelo papel

de destaque que ocupava nos meios de comunicação. Por isso,

quando decidiu escrever canções que davam mais ênfase à

questão política, inevitavelmente passou a ser visto como

uma ameaça.

19 Idem. 20 MEDEIROS, Carolina Mary. Cálice: Chico Buarque de Hollanda e a censura à música popular brasileira (1966-1981). UFRJ-IFCS, 1999. p. 22. 21 ZAPPA, Regina. Op. cit. p. 45 e 49.

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Em janeiro de 1968, Chico foi para a Itália. A viagem,

que era prevista com duração de no máximo um mês, estendeu-

se até março de 1970. O exílio foi inevitável, sugerido por

amigos, que diziam que a situação estava se complicando

para ele no Brasil. Numa carta levada por Nelsinho Motta,

Caetano Veloso dizia: "O tenente amigo mandou dizer para

você nem pensar em voltar".22

Quando voltou do exílio, começou a sentir mais

fortemente o peso da censura. Todas as letras de suas

músicas passaram a ser enviadas a Brasília para uma

avaliação prévia. Várias delas foram proibidas e outras

tiveram algum de seus trechos alterados. Nelson Motta

menciona que "suas músicas iam e voltavam da Censura,

cortadas, vetadas, proibidas: ou por subversão ou por

corrupção".23 Mas Chico Buarque "reagia ao sufoco e à

repressão explodindo de criatividade, utilizando a

linguagem como arma e arte, como truque e verdade ao mesmo

tempo".24 O uso de metáforas, do pseudônimo Julinho da

Adelaide, a regravação das músicas de autores antigos da

MPB, o assim chamado "resgate da memória musical

brasileira" ou "a invenção da tradição",25 bem como de

músicas de outros compositores contemporâneos já aprovadas

pela censura, para através delas dizer aquilo que se

pretendia, foram alguns dos instrumentos utilizados por

Chico para não se deixar asfixiar pelas pressões impostas

pelo governo.

Interessante notar que a própria decisão de não deixar

de gravar as músicas que tinham suas letras totalmente

22 Idem. p. 105. 23 MOTTA, Nelson. Noites tropicais: solos improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 268. 24 Idem. p. 268. 25 SILVA, Alberto da Silva. Sinal fechado. A música popular brasileira sob censura (1937-45/1969-78). Rio de Janeiro: Obra Aberta, 1994. p. 156-168.

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censuradas, como foi o caso de Tanto mar, revela uma forma

de protesto por parte de Chico Buarque. Tanto mar teve a

sua gravação instrumental mantida no LP Chico Buarque e

Maria Bethânia (1975). Dessa forma, o compositor

evidenciava para seu público que aquela canção havia sido

censurada.26

Quando surge Calabar, Chico Buarque já não era apenas

um cantor que empolgava o público jovem que lotava os

festivais de música popular. Naquele momento, ele já era

bastante visado pelos órgãos da censura. A obra de Chico

Buarque era em sua essência um elemento de contestação a

toda aquela situação gerada pelo Golpe de 1964. Apregoava a

liberdade, a angústia de ser calado, o medo que batia à

porta daqueles que viviam num constante clima de terror.

Em Calabar, Chico Buarque lança o olhar sobre um fato

histórico do passado para produzir e estimular a reflexão

sobre os dilemas do presente. Pretende-se revisar o passado

e desmistificar o conceito de traidor. Fernando Peixoto

menciona essa pretensão dos autores da peça Calabar num

texto de sua autoria:

A parábola [apresentada na peça Calabar] parte da realidade para chegar ao espectador de forma nítida, num convite à reflexão sobre a transformação desta realidade. [...] Cabe ao espectador observar homens agindo, pesar suas ações e alternativas, ver o que fizeram, onde foram omissos ou responsáveis. O texto não encerra uma solução dogmática, nem o espetáculo pretende fechar as chaves de entendimento sobre os fatos. Cabe ao espectador, diante dos caminhos oferecidos à sua sensibilidade e inteligência, omitir-se ou escolher sua forma de pensar. O espectador diante do espetáculo é livre. O que importa é o diálogo palco-platéia. A realidade, a ser transformada, está fora do teatro. O palco não quer entregar ao público nenhuma verdade, nenhuma certeza. Ao contrário, quer provocar dúvidas, desconfiança e perplexidade.27 Chico Buarque, da mesma forma que Ruy Guerra,

enquadrava-se no campo artístico e intelectual de esquerda.

26 MEDEIROS, Carolina Mary. Op. cit. p. 58

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Utilizando a arte como um instrumento político, buscavam

conscientizar o "povo" do verdadeiro papel que deveriam

ocupar dentro da sociedade. Marcelo Ridenti, em seu livro

Em busca do povo brasileiro, mostra como nos meios

artísticos e intelectuais se tornou central o problema da

identidade nacional e política do povo brasileiro a partir

dos anos 60 e início dos anos 70, e como certos artistas

defendiam a necessidade de uma aproximação com o povo para

transformá-lo em verdadeiro agente histórico. A peça

Calabar surge, exatamente, nesse contexto, e apresenta-se

como uma obra característica dessa forma de pensamento.

É importante destacar também o papel de Ruy Guerra na

elaboração desse espetáculo. Antes de Calabar, ele nunca

havia escrito uma peça teatral, embora tenha estudado arte

dramática com Charles Dullin nos seus tempos de Institut

des Hautes Études Cinematografiques (IDHEC) em Paris (1952-

1954). Numa matéria publicada pelo jornal O Globo, Ruy

Guerra menciona que o aspecto lúdico de Calabar foi o que

mais lhe agradou, uma não preocupação com o estilo teatral,

assim como a sua perspectiva histórica:

Sempre gostei de História do Brasil. Certa vez, fiz um filme sobre Tiradentes e passei semanas em Minas Gerais, pesquisando os locais onde ele viveu. No Calabar, o que mais me apaixona é o fato de que, vista hoje, sua época parece absurda; mas ela fez parte de uma realidade ainda importante para os brasileiros.28 Ruy Guerra nasceu em Lourenço Marques (Maputo), capital

de Moçambique (22/8/1931), mas resolveu se radicar no

Brasil a partir de 1958. Aderiu ao núcleo inicial do Cinema

Novo, colaborando, como montador, em Cinco vezes favela e

Esse mundo é meu, de Sérgio Ricardo (1963), e como ator em

Os mendigos, de Flávio Migliaccio (1962). Estreou como

27 PEIXOTO, Fernando. Programa da peça Calabar, 1980. Disponível na Biblioteca da Funarte no Rio de Janeiro. 28 "Calabar: A ressurreição de um desconhecido". O Globo. 1 nov. 1973.

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diretor com o filme Os cafajestes (1963), provocando o

maior escândalo da fase de afirmação do Cinema Novo por

causa da cena de nu frontal de Norma Bengell e do

amoralismo do filme.

Os fuzis (1969) também foi um filme emblemático do

radicalismo político daquele momento, ao transpor para o

Nordeste uma parábola antimilitarista.29 Nesta obra Ruy

Guerra assume o desafio de integrar os seus personagens na

geografia humana do Nordeste. O cineasta não deixava de

explorar em seus filmes assuntos polêmicos, que buscavam

desvendar aspectos característicos da realidade política e

social brasileira.

Verifica-se que Chico Buarque de Holanda e Ruy Guerra

buscavam utilizar a arte como instrumento de reflexão e

conscientização do povo com relação ao papel que deveriam

exercer no processo de transformação da sociedade

brasileira. Era um pensamento característico do meio

intelectual e artístico de esquerda nos anos 60, e tanto

Chico Buarque como Ruy Guerra estavam inseridos naquele

contexto. Ambos, seja de forma direta (Cinema Novo – Ruy

Guerra) ou de forma indireta (metáforas e alegorias),

pretendiam através de diversas atividades artísticas

desvendar uma realidade que muitas vezes era ocultada pelo

discurso otimista dos militares.

Em Calabar, Chico Buarque e Ruy Guerra buscam incitar o

questionamento a partir da reflexão de um determinado fato

histórico, trazendo à tona a questão da traição. Eles

pretendiam buscar no passado respostas para os problemas do

presente. A abordagem de um tema polêmico já seria um fator

determinante para a proibição de uma peça teatral. No

entanto, não podemos ignorar que a própria imagem

29 RAMOS, Fernão, MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo.: Senac, 2000. p. 288.

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construída pelos militares acerca dos autores de Calabar –

tendo como referência a trajetória por eles percorrida

dentro do campo artístico e intelectual – contribuiu para a

decisão final de proibição da peça. Logo no início do

parecer do Centro de Informações do Exército (CIE), o

censor faz a seguinte afirmação: "A peça teatral em

epígrafe é de autoria dos subversivos CHICO BUARQUE DE

HOLANDA e RUY GUERRA".30

30 Arquivo Nacional. Coordenação de Gestão de Documentos. Seção de Arquivos Intermediários. Fundo "Divisão de Segurança e Informações" do Ministério da Justiça. Série: 1 – Movimentos Contestatórios à Ordem Política e Social. Processo no 63332/73, 22 out. 1973. MC/P. Cx. 593-05133.

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Capítulo 2

O texto da peça Calabar era realmente bastante ousado e

polêmico. Segundo os autores, a peça tinha como objetivo

principal discutir o problema da traição e o conceito de

traidor. Fernando Peixoto, o diretor dessa montagem

teatral, numa entrevista ao Diário de Notícias, declarava:

Quem for assistir nosso trabalho não verá mais uma peça dentro dessa onda cívico-nacionalista. Ela também não é discutida em termos de reabilitar ou condenar Calabar. Nossa peça utiliza a matéria como reflexão de um problema muito mais amplo, que é o problema da traição e o próprio conceito de traidor. Por isso não se trata de uma peça que apresenta uma simples reconstituição histórica. O passado é utilizado como reflexão do presente.31

Da mesma forma, Ruy Guerra, numa entrevista a revista Veja,

dizia:

Calabar é apenas um pretexto para se discutir o exercício de uma certa forma de liberdade e apresentar uma pessoa que vai ao fim dela mesmo. [...] Não uma reabilitação nem discussão em termos históricos. A discussão se estabelece em torno de vários acontecimentos. Mas sempre abordando a dificuldade de definir a traição principalmente numa época em que a nacionalidade era difícil de ser localizada, pois havia um Brasil português e um Brasil holândes.32

A "revisão histórica" proposta pelos autores da peça

trazia à tona uma discussão incômoda para a época sobre a

figura do traidor.

Importante mencionar que o contexto histórico de

Calabar é a invasão holandesa ao Brasil no ano de 1663.

Conforme afirmava uma matéria contida no jornal O Globo de

novembro de 1973:

Durante a peça não são discutidas as razões do personagem-título, mas os acontecimentos que influenciaram sua decisão e a

31 "Calabar, o traidor (ou será que não foi?)". Diário de Notícias. 7 mar. 1973. 32 "Calabar revisado". Veja. 25 jul. 1973.

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dificuldade de se definir traição numa época em que o Brasil estava dividido em dois: português e o holandês.33

Calabar não chega a existir como personagem da peça. Na

verdade, a história é narrada e cantada pelos seguintes

personagens: Mathias de Albuquerque, Henrique Dias, Felipe

Camarão, Frei Manuel Salvador, Souto, Maurício de Nassau,

Bárbara e Ana de Amsterdam (que é o único elemento de

ficção entre as figuras históricas).

Verifica-se logo numa das primeiras cenas da peça a

identificação da figura do traidor com a do torturado.

Mathias, diante de um escrivão, dita uma carta que deverá

ser enviada a Calabar. Mathias menciona as vantagens que

ele poderá ter caso aceite a sua proposta de voltar aos

serviços do rei de Portugal. Ao concluir a frase, Mathias

encara outro personagem, que representaria um torturado. No

texto da peça existe o seguinte comentário entre

parênteses: "Encara o torturado como se dirigisse a Calabar

(sic)".34 O torturado seria o traidor. Ou seja, o traidor é

torturado. Nesse trecho os autores fazem uma referência

direta ao modo de pensar dos militares, tanto que o

ambiente dessa cena sugere um acampamento militar.

Noutro canto, dois soldados apertam o garrote sobre um prisioneiro louro, que solta um grito, lancinante. Soldados adormecidos; fuzis ensarilhados; tudo sugere um acampamento militar.35

Os militares consideravam "traidor" todos aqueles que

de alguma forma se opunham aos ideais da "Revolução" de 64.

Esses mereciam a tortura e até mesmo a morte. Mathias,

personagem utilizado como analogia aos militares, defende a

preponderância das tropas portuguesas (identificação com o

governo) em oposição ao domínio holandês. Calabar opta por

33 "Calabar: A ressurreição de um desconhecido". O Globo. 1 nov. 1973. 34 BUARQUE, Chico, GUERRA, Ruy. Calabar: o elogio da traição. 3. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 10. 35 Idem. p. 8.

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abandonar a causa dos portugueses para lutar ao lado dos

holandeses. Ele trai Mathias, o governo. Por isso, é

considerado traidor. Em vários momentos da peça podemos

observar discussões sendo travadas entre os personagens

sobre esse problema da traição. Na verdade, quem devia ser

considerado traidor? Aquele que trai Portugal ou aquele que

trai a Holanda?

Destacamos um diálogo que aponta essa questão:

SOUTO Governador, talvez não seja o momento, mas fui eu que ... MATHIAS Já sei, você é o traidor. Parabéns, está nomeado alferes. SOUTO Obrigado, mas ... traidor? FREI Não, quem trai a Holanda não trai o papa. Traidor é quem trai Castela. MATHIAS Traidor é quem trai Portugal. FREI Sutilezas históricas, Excelência. CAMARÃO Traidor é quem trai Jesus Cristo DIAS Traidor é quem trai a pátria. SOUTO Traidor é Calabar.36

Souto infiltra-se no acampamento dos holandeses para

descobrir seus planos, entregando-os posteriormente a

Mathias (governador a serviço de Portugal). Dessa forma,

Souto trai a Holanda e o seu próprio amigo Calabar. Sem

dúvida nenhuma Souto é considerado traidor, mas uma

diferença fundamental entre a sua traição e a traição de

Calabar é estabelecida por Bárbara. Vejamos:

BÁRBARA Pobre Sebastião, você não sabe o que é trair. Você não passa de um delator. Um alcagüete. Sebastião, tira as botas. Põe os pés no chão. As mãos no chão, põe, Sebastião, e lambe a terra. O que é que você sente? Calabar sabia o gosto da terra e a terra de Calabar vai ter sempre o mesmo sabor. Quanto a você, você está

36 Idem. p. 41-42.

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engolindo o estrume de passagem. Se você tivesse a dignidade de vomitar, aí sim, talvez eu lhe beijasse a boca. Calabar vomitou o que lhe enfiaram pela goela. Foi essa a sua traição. A terra e não as sobras do rei. A terra, e não a bandeira. Em vez da coroa, a terra.37 Calabar conhecia a sua terra e estava disposto a não se

render a ordens contrárias a sua própria ideologia. Ele se

arriscou a pensar diferente, mesmo respirando ameaças de

morte. A guerra de Calabar não era uma guerra sem sentido,

como a de Souto, não visava satisfazer apenas interesses

pessoais.38 Ela tinha um propósito específico: o

estabelecimento de um outro país, livre. Por isso, ele

continuava vivo, mesmo depois de morto, através da defesa e

da luta mantida por aqueles que defendem os mesmos ideais.

Através da personagem Bárbara, os autores buscam

mostrar como era arriscado defender idéias contrárias às

propostas governamentais no período ditatorial. Aqueles que

ousavam questionar, manifestar, protestar ou denunciar

podiam ser conduzidos à morte:

DIAS Que sigam o meu exemplo. Há sempre um lugar ao sol para quem não é preguiçoso.

BÁRBARA E um lugar na forca para quem não pensa do mesmo jeito.

DIAS Um lugar na forca para quem não sabe o seu lugar.39

CAMARÃO Acreditar no contrário também conduz à morte.

BÁRBARA E a maneira de morrer não conta?

CAMARÃO Não.

BÁRBARA Nem na forca?

Camarão encolhe os ombros BÁRBARA Nem por um ideal?

37 Idem. p. 96. 38 Idem. p. 113. 39 Idem. p. 62.

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CAMARÃO Os ideais são sempre muito confusos. Eu prefiro morrer por uma idéia clara.

BÁRBARA Mesmo errada.

CAMARÃO Mesmo errada. Quero morrer ao meio-dia.40 Podemos também buscar no texto da peça a visão dos

autores com relação ao "povo". Esta era uma preocupação

característica do discurso nacionalista de esquerda. Dentro

dessa concepção, o povo precisava ser conscientizado do

papel fundamental que deveria exercer na transformação da

sociedade brasileira. Era necessário despertá-lo, mobilizá-

lo para agir em defesa de seus próprios interesses.

Intelectuais e artistas de esquerda acreditavam que fazia

parte das tarefas da "vanguarda do povo" (intelectuais

progressistas e revolucionários, parte do povo, "enérgicos

e vibrantes" da classe média41) educar e dirigir as massas

nesse sentido. Os integrantes do CPC/UNE eram um dos

principais propagadores dessa visão. Para eles, a arte

popular era um instrumento de luta para conduzir o homem à

reflexão, à consciência de si mesmo e da sua própria

realidade. Observe-se a seguinte fala de Bárbara:

BÁRBARA Certo, Certo. Não tem culpa arraia-miúda. Não tem culpa a arraia-miúda. Arraia-miúda não muda, Arraia-miúda está muda Carrancuda, tartamuda, Bochechuda, barriguda, Arraia-miúda só ajuda A traição graúda.42 Percebe-se aqui o "povo" inerte aos acontecimentos. Ele

está numa posição de passividade, não reage às pressões

40 Idem. p. 64. 41 ARRABAL, José, LIMA, Mariângela Alves. O nacional e o popular na cultura brasileira: teatro. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 120. 42 BUARQUE, Chico, GUERRA, Ruy. Op. cit. p. 49.

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sofridas. Não está envolvido diretamente no jogo da

traição, mas contribui para a manutenção desta situação por

não manifestar a sua insatisfação. Embora muitos soubessem

das atrocidades que estavam sendo cometidas, preferiam se

omitir. Afinal, era perigoso se opor. Não queriam ao menos

saber o que estava acontecendo. Tinham medo de se envolver,

de serem perseguidos.

Podemos citar também um trecho da peça no qual Bárbara,

Souto, Dias e Camarão, diante dos preparativos para

execução de Calabar, tecem comentários sobre aquela

situação. Aqui os autores fazem alusão a algumas frases

utilizadas pelo "povo" para mostrar a sua omissão frente

aos fatos:

CAMARÃO Eu não disse nada DIAS Eu acabei de chegar. Não vi nada. SOUTO Eu não sei de nada, Bárbara. Cada vez menos, Bárbara. Bárbara parece não prestar atenção aos três guerreiros. DIAS A guerra tem todos os direitos ... Mas a verdade é que eu não vi nada do que se passou. CAMARÃO E daí que visse ... Os meus irmãos caem como moscas e ninguém diz nada. Por que é que eu iria dizer?43 SOUTO Confesso que já não sei mais nada. CAMARÃO E tem alguma coisa pra saber? SOUTO Também não sei. CAMARÃO Eu acho que não tem. DIAS Se tiver, não me interessa.44 CAMARÃO A gente não pode saber de tudo o que acontece. SOUTO Nem querendo. DIAS

43 Idem. p. 54. 44 Idem. p. 57.

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Eu não quero. Quem sabe demais se dá mal. Eu sei o que é preciso. Sei o suficiente. BÁRBARA O suficiente para quê? DIAS Para não ser um traidor, por exemplo.45 SOUTO Achei tudo normal porque não sou louco. Só um louco é que faz perguntas que não se pode responder. Se tem um louco nesta história é ele [Calabar].46 Souto, Camarão e Dias afirmam não saber de nada. Não

queriam se comprometer. Não queriam entrar no rol dos

suspeitos. Preferiam se fazer de cegos, surdos e mudos para

fugir da perseguição. Por isso, esses três personagens são

comparados aos três macaquinhos de marfim.47 Essa é uma

analogia evidente ao posicionamento de uma grande parcela

da população brasileira com relação aos excessos cometidos

pelas autoridades militares na punição daqueles que eram

considerados traidores do regime.

Mas Bárbara não deixa de adverti-los, através da canção

Cuidado. Era necessário mostrar-lhes que a inércia somente

favoreceria a perpetuação daquela situação. O "povo" era,

novamente, chamado à luta:

Ninguém sabe de nada / Ninguém viu nada / Ninguém fez nada / Bichos de estimação, / Nesse jardim, / Cuidado, / Estão todos gordos / Sempre cem por cento cegos, / Cem por cento surdo-mudos / Cem por cento sem perceber / A agonia / Da luz / Do dia / Você, / Seu ventre inchado, / Ainda vai gerar / Um fruto errado / Um bonequinho, / Um macaquinho de marfim, / Castrado.

Chico Buarque e Ruy Guerra tentavam através da

personagem Bárbara disseminar a idéia de que o "povo" era o

agente da transformação social. Seguindo a linha cepecista,

o "povo" era chamado à luta. Dessa forma, podemos afirmar

45 Idem. p. 60. 46 Idem. p. 66. 47 Trecho da peça que faz essa comparação: "Rufo de tambor e morte de Calabar. Os três guerreiros se imobilizam, um ao lado do outro: Camarão, os olhos baixos, as costas da mão cobrindo a boca; Dias, uma das mãos cobrindo os olhos; Souto, a cabeça caída sobre o peito, as

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que os autores da peça tinham a intenção de mostrar a

necessidade de envolvimento e participação do povo para

lutar contra e evitar a morte dos supostos "traidores" do

Brasil (do regime).

Interessante mencionar também que Bárbara continua a

declarar que Calabar estava vivo, mesmo quando ele já havia

sido enforcado. A questão trazida à tona por Chico Buarque

e Ruy Guerra era que os ideais permanecem vivos enquanto

existem pessoas dispostas à propagá-los. Bárbara afirma:

Anna, para Calabar morrer é preciso que também me matem. Porque eu o amo. Para Calabar morrer, é preciso que também me esquartejem. Porque eu o amo demais... E se me matarem, e se me esquartejarem aos pedaços por aí, eu morro... Mas mesmo assim Calabar é capaz de continuar vivo.48 Ela estava disposta a lutar, como Calabar, para

vislumbrar um pais diferente. Segundo Bárbara, Calabar é

cobra-de-vidro e não morre assim facilmente. Ela declara:

Um dia este país vai ser independente. Dos holandeses, dos espanhóis, portugueses... Um dia todos os países poderão ser independentes, seja lá do que for. Mas isso requer muito traidor. Muito Calabar. E não basta enforcar, retalhar, picar... Calabar não morre. Calabar é cobra-de-vidro. E o povo jura que cobra de vidro é uma espécie de lagarto que quando se corta em dois, três, mil pedaços, facilmente se refaz.49 Sem dúvida, o personagem Bárbara seria a representação

daqueles que se mostravam insatisfeitos e incomodados com a

realidade política e social do país, que sonhavam com um

país independente, democrático, livre dos arbítrios

cometidos pelas autoridades. Podiam ser torturados,

esquartejados e até mortos, mas não queriam deixar de lutar

pelo estabelecimento de uma nova sociedade. Como Bárbara,

pretendiam falar mesmo quando lhes pediam para calar.

duas mãos escondendo os ouvidos. O conjunto sugere a imagem dos três macaquinhos de marfim." BUARQUE, Chico, GUERRA, Ruy. Op. cit. p. 69. 48 Idem. p. 72. 49 Idem. p. 133.

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Desejam contagiar as demais pessoas, mostrando o potencial

que poderiam ter se estivessem unidas. Nesse sentido, era

preciso trair (o governo) para ser fiel à pátria. Assim,

Bárbara conclui a peça com a seguinte observação:

Em lugar de epílogo, quero vos oferecer uma sentença: odeio o ouvinte de memória fiel demais. Por isso, sede sãos, aplaudi, vivei, bebei, traí, ó celebérrimos iniciados no mistérios da traição.50 Não é de surpreender o receio da censura quanto à

liberação de Calabar quando fazemos uma análise mais

detalhada do seu texto. A discussão do conceito de traição

e de traidor era considerada uma ameaça para os militares.

Essa proposta poderia gerar questionamentos e críticas ao

regime. Além disso, é importante mencionar que alguns

trechos da peça poderiam também ser considerados

atentatórios à moral e aos bons costumes. Por exemplo:

Anna, no meio da orgia, cantando a canção Anna de

Amsterdam, anuncia:

Eu dormi com um protestante. E um católico depois. Mas a mim ninguém garante. Qual é o melhor dos dois. As Sagradas Escrituras. Não souberam me explicar. Como a dúvida perdura. Continuo a rebolar.51 O discurso militar contrapunha-se obviamente às

manifestações artísticas e culturais de esquerda. Os

militares acreditavam ter como missão zelar pela Segurança

Nacional, impedindo a ação dos inimigos da nação (os

comunistas, os desordeiros, os corruptos etc.). Eles

deveriam garantir a "marcha triunfante" do Brasil rumo ao

desenvolvimento econômico. Qualquer discurso ou atitude de

contestação às medidas que estavam sendo tomadas pelo

governo poderiam incitar protestos e a desordem tão temida.

Nesse sentido, a peça Calabar não era bem-vinda naquele

50 Idem. p. 136.

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momento. Era uma ameaça que precisava ser aniquilada,

evitando a perpetuação de uma mensagem tão perigosa,

"subversiva". Isso se dava apenas porque apresentava uma

reflexão crítica sobre um determinado fato histórico e uma

visão diferente acerca das atitudes que poderiam ser

tomadas frente ao poder.

51 Idem. p. 16-17.

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Capítulo 3

No dia 27 de novembro de 1973, o diretor geral do DPF

(Departamento de Polícia Federal), Antônio Bandeira, enviou

carta ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid,52 solicitando

avaliação do livro Calabar: o elogio da traição, de Chico

Buarque de Holanda e Ruy Guerra, que, segundo ele, tendo

sido editado com a finalidade de divulgar a peça teatral de

mesmo título, desenvolvia tema destinado a "deturpar a

verdade histórica".53 Foi encaminhado, juntamente com essa

carta, um longo parecer do Centro de Informações do

Exército (CIE), com data de 22 de outubro de 1973. Antônio

Bandeira objetivava a abertura de um processo que pudesse

garantir a proibição daquele livro, que ele considerava

subversivo.

A censura de diversões públicas não foi estabelecida

após o Golpe de 64 ou, especificamente, com a decretação do

AI-5. Ela já era praticada pelas autoridades

governamentais, de maneira explícita e com base na lei,

desde muito tempo.54 No período imperial, era o

Conservatório Dramático Brasileiro que realizava a censura

das peças teatrais, buscando fundamentar suas ações na

moral e religiosidade propagada pela Igreja. Esse órgão era

composto por intelectuais destacados na cena cultural,

tendo a polícia também poderes delegados pelo Código

Criminal do Império para tal prática 55.

Com a proclamação da república, mudanças ocorreram na

estrutura censória até então existente no Brasil. Nas três

52 Alfredo Buzaid foi ministro da Justiça no governo Médici e ocupou esse cargo do dia 30/10/69 a 15/3/1974. 53 Arquivo Nacional. Documento já mencionado. 54 FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. Original inédito entilmente cedido pelo autor. 55 KHEDÉ, Sônia Salomão. Censores de pincenê e gravata: dois momentos da censura teatral no Brasil. Rio de Janeiro: CODECRI, 1981. p. 18-19

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primeiras décadas do século XX, eram os delegados de

circunscrição, subordinados ao Serviço Policial do Distrito

Federal, que possuíam a responsabilidade de "inspecionar as

associações públicas de divertimento e recreio, os teatros

e espetáculos públicos de qualquer espécie, não só quanto à

ordem e moralidade, como também com relação a segurança dos

espectadores" p. 83.56 Após a Revolução de 30, a Diretoria

Geral de Publicidade, Comunicações e Transportes – agência

que compunha o Serviço Policial do Distrito Federal – é que

se responsabilizaria pela censura teatral.

A Censura Federal foi criada em 1934, subordinada à

Diretoria Geral de Publicidade, Comunicações e Transportes,

passando a desempenhar o trabalho de censura política e

moral dos textos teatrais, enquanto a Inspetoria Geral de

Policia (IGP) efetuava "a censura policial, repressiva e de

ação ostensiva",57 regulando a ordem pública.

Em 1939, através do Decreto-lei n. 1.915, de

27/12/1939, foram transferidas para o Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP) as atribuições concernentes à

censura teatral e de diversões públicas, então conferidas à

Policia Civil do Distrito Federal. Somente no final do

segundo governo Vargas o DIP extinguiu-se, sendo então

criado o Departamento Nacional de Informações (DNI).

Antes mesmo do DNI ser extinto (setembro de 1946) o

Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) foi criado

(dezembro de 1945), vinculado ao Departamento Federal de

Segurança Pública (DFSP).58 As funções exercidas pela

56 Decreto n. 3.610, de 14 de abril de 1900. Coleção de Leis do Brasil, 1900, vol. 1, p. 439-457. 57 Idem. p. 91. 58 Em março de 1944, a Polícia Civil do Distrito Federal foi reformulada, sendo transformada no Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores (MJNI). O DFSP era composto pela Delegacia de Jogos e Diversões (DJD), a Polícia Especial e outras estâncias. Beatriz Kushnir menciona que as atividades do DJD não entravam em conflito com

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divisão de cinema e teatro do DNI passaram a ser de

responsabilidade desse órgão. Suas atribuições foram

definidas com a edição do decreto n. 20.493/46.59

É interessante observar que os governos militares no

Brasil se preocupavam em reforçar o judiciário para dar

aparência e conteúdo legais ao arbítrio. O arcabouço

legislativo montado foi utilizado para legitimar as medidas

e decisões governamentais. Beatriz Kushnir aponta:

Certamente o mais difícil nesse regime ditatorial civil-militar foi conviver com a violação dos direitos civis e políticos "legalizados" por normas e decretos. (...) Atos como banimento, pena de morte, expulsão do país, censura prévia, são terríveis, mas eram legais.60 Além disso, qualquer meio de comunicação que

mencionasse a existência da censura no Brasil podia ser

censurado. O governo negava os atos de violência e os

desmandos cometidos, buscando construir uma auto-imagem

favorável, que lhe possibilitasse ganhar o apoio cada vez

maior dos vários grupos que compunham a sociedade

brasileira.

A censura de diversões públicas já estava em vigor no

Brasil desde o século XIX. O endurecimento do regime

militar (com o AI-5) apenas tornou a atividade censória

mais sistemática. "A censura era um dos esteios do regime

militar brasileiro",61 afirma Carlos Fico. Os militares

acreditavam que os meios de comunicação poderiam ser

as do DIP, quanto aos atos censórios, pois o DIP não se preocupava com a questão da ordem pública, ao contrário do DJD, que possuía esta preocupação e percebia a censura como sendo domínio da polícia. 59 Foi esse decreto que justificou a grande maioria dos pareceres dos censores até 1988. 60 KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História - Unicamp. Campinas, 2001. p. 122. 61 FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 166.

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utilizados como um veículo de propagação da mensagem

comunista, como também de deturpação da imagem do governo.

A censura era acionada a partir da constatação, ou

simples suspeita, de que uma determinada obra literária,

peça teatral, filme, programa etc. podia ser uma ameaça ao

sistema estabelecido após o golpe de 64. Observar, vigiar e

proibir eram ações praticadas pelos órgãos de informação,

que possuíam uma preocupação constante com os assuntos que

estavam sendo veiculados através da mídia e das atividades

artísticas. Sendo assim, os órgãos de informação tornavam-

se fundamentais para a manutenção da estrutura de poder

constituída pelos militares.

Durante o governo Castelo Branco (1964-1968), logo no

início, o Serviço Nacional de Informações (SNI) foi criado

visando ao estabelecimento de um sistema de coleta de

informações que estivesse em conformidade com a "doutrina

de segurança nacional": "competia-lhe superintender e

coordenar as atividades de informações em todo o território

nacional".62 Era um órgão que produzia e mandava produzir

informações. No entanto, foi apenas com o acirramento das

atividades de oposição ao regime que foram encontradas

"boas justificativas para estruturar, de maneira rigorosa,

as atividades típicas de regimes ditatoriais, criando

organismos próprios e treinando pessoal especializado no

campo da censura da imprensa e das atividades artístico-

culturais".63

A partir de 1968, a necessidade de informações

ultrapassava as demandas existentes num período subseqüente

ao Golpe. Naquele momento não bastava apenas recolher dados

indispensáveis para a tomada de decisões presidenciais.

Mostrava-se também importante estabelecer uma interação com

62 Idem. p. 81. 63 Idem. p. 75.

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35

a polícia política, ou seja, com o sistema de segurança que

defendia a concepção de "guerra revolucionária". Existiam

"inimigos" do regime que precisavam ser espionados e

eliminados. Eram considerados verdadeiros "inimigos de

guerra" e contra eles todas as armas deveriam ser

utilizadas. São esses pressupostos que ampararam o

surgimento do SISNI, que não era uma estrutura simplesmente

voltada para o recolhimento de informações,

era, antes de tudo, um sistema de espionagem e inculpação que partia do pressuposto de que ninguém estava totalmente imune ao comunismo, à subversão e a corrupção.64

O Sistema Nacional de Informações (SISNI) tinha como

função determinar a execução de atividades de informações,

normatizando, supervisionando e fiscalizando todos os

órgãos que compunham o sistema, buscando garantir a sua

eficácia.

O SNI era o órgão central do SISNI. Era composto por

uma Secretaria Administrativa, uma Inspetoria Geral de

Finanças, uma Agência Central e agências regionais. Era a

Agência Central do SNI (localizada em Brasília) que tinha

como função supervisionar os Sistemas Setoriais de

Informações dos Ministérios Civis, assim como sugerir e

executar as principais medidas de contra-informação (que se

caracterizavam pela tentativa de neutralizar as atividades

de informação dos opositores).

É importante mencionar que os sistemas específicos de

informação da Marinha, do Exército e da Aeronáutica

compunham os "Sistemas Setoriais de Informações dos

Ministérios Militares". Eles produziam o mesmo tipo de

informação existente nos ministérios civis, com exceção

daquelas relacionadas as operações militares que eram

64 Idem. p. 100.

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36

tratadas exclusivamente pelos órgãos integrantes do

"Subsistema de Informações Estratégicas Militares"

(SUSIEM).65 Além disso, esses órgãos de informação também

realizavam operações de segurança, sendo assim

caracterizados como "órgãos mistos". Encontravam-se

subordinados aos ministros de cada Força, mas deveriam agir

coordenados pelos centros de operações de defesa

interna(CODI), que era subordinado ao general comandante do

Exército.66

Outros setores eram acionados quando se fazia

necessária a prática da censura da imprensa. O diretor-

geral do Departamento de Polícia Federal, orientado pelo

ministro da Justiça, era quem comandava essa atividade,

buscando atender os pedidos provenientes das diversas

instâncias governamentais.67 Por exemplo: uma autoridade

interessada na censura de um determinado veículo

encaminhava o pedido ao ministro da Justiça, que dava

instruções ao DPF. "Grande parte das proibições vinha do

próprio Ministério da Justiça. Mas o CIE [Centro de

Informações do Exército] também usou freqüentemente o

serviço".68 Quando o assunto era TV, cinema ou teatro,

existia um órgão específico para aplicação das medidas

censórias: a Divisão de Censura de Diversões Públicas

(DCDP). Mas isso não impediu que outros órgãos do governo

manifestassem suas preocupações e suas opiniões com relação

às atividades culturais e artísticas no país. No caso de

Calabar, o CIE foi o primeiro órgão que buscou emitir a sua

65 O SUSIEM era coordenado pelo ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA) e integrado pela 2a Seção do EMFA, pela Subchefia de Informações do Estado-Maior da Armada (M-20), pela 2a Seção do Estado-Maior do Exército (2a/EME), pela Seção de Informações do Estado-Maior da Aeronáutica (2a/EMAer) e pelo Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (CIEx/MRE). Idem. p. 90. 66 Idem. p. 89-92. 67 Idem. p. 168.

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37

opinião sobre a peça através de um parecer encaminhado ao

DPF.

No acervo da extinta DSI do Ministério da Justiça

tivemos acesso a uma pasta referente ao processo de censura

da peça que continha um ofício encaminhado pelo chefe do

DPF, Antônio Bandeira, para o ministro da Justiça, Alfredo

Buzaid, com um parecer em anexo do CIE; outro ofício feito

por um funcionário do Ministério da Justiça com uma análise

detalhada do texto da peça; uma cópia do texto da peça, que

foi encaminhado à DCDP com o pedido de liberação da peça,

com cortes da censura; cópia das fichas com a avaliação da

peça feita por três censores; e cópia de algumas matérias

de jornais sobre a peça e os seus autores. Desde o envio do

pedido de Chico Buarque ao diretor da Divisão de Censura de

Diversões Públicas solicitando a avaliação e liberação do

texto da peça Calabar, em 4 de abril de 1973, até a decisão

final com relação à sua proibição, em 15 de janeiro de

1974, inúmeras correspondências e pareceres circularam

entre diversos setores governamentais. Será através dessa

documentação que buscaremos compreender melhor a ação da

censura naquele momento.

Segundo o parecer do CIE, a peça teatral Calabar: o

elogio da traição estaria inserida no conjunto da

propaganda subversiva. Os militares acreditavam que esta

propaganda estava sendo desenvolvida de forma subliminar

nos diálogos, canções e conceitos emitidos. Através de uma

análise minuciosa do texto daquela peça, o censor buscou

destacar elementos que confirmassem a sua hipótese - de que

Calabar era um perigo eminente, um verdadeiro atentado à

"moral e aos bons costumes", uma ameaça a ordem vigente.

O censor apontava:

68 Idem. p. 169.

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38

O tema-base que fundamenta a peça (...) é conduzido para uma área controvertida com propósitos políticos-ideológicos, dentro do contexto da propaganda subversiva.69 Na sua concepção, os autores estavam explorando o fato

histórico em questão com a finalidade de gerar polêmica

para atrair a opinião pública e, assim, serem bem sucedidos

na divulgação da mensagem subversiva.

Na avaliação do censor, a peça apresenta os vários

heróis de nossa história de forma desmoralizante.

Acreditava que os autores teriam a pretensão de

ridicularizar e chamar de traidores os "nossos heróis",

assim como "achincalhar o sentimento pátrio que se

manifestou vigorosamente entre os nossos combatentes".70

Aponta também o escárnio dos autores quanto às riquezas

existentes no pais, destacando o seguinte trecho da peça:

HOLÂNDES (contorcendo-se de cólicas) Aiaaiaai ... espera aí, espera aí, dá uma trégua (caga, olha o resultado na latrina). É a brasileira. Com um pouquinho mais de verde do que o habitual. MATHIAS São essas matas ... HOLÂNDES Esses céus ... MATHIAS Essa riquezas ... HOLÂNDES Que merda.71

Esse trecho da peça apresentava-se como uma afronta ao

discurso militar, tendo em vista que a idéia de um futuro

promissor para o Brasil, defendida por eles, estava

associada a exaltação das riquezas naturais do país. Carlos

Fico, em seu livro Reinventando o otimismo, menciona que os

militares acreditavam que a exuberância da natureza, o

tamanho continental e as riquezas minerais do Brasil eram

algumas características que o faziam singular e que o

69 Arquivo Nacional. Documento já mencionado 70 FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 22. 71 BUARQUE, Chico, GUERRA, Ruy. Op. cit. p. 34.

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"futuro promissor" estaria reservado a um país como este.

Traçar uma comparação das matas, dos céus e das riquezas do

país com a diarréia de um dos personagens da peça era um

insulto e uma agressão à essa imagem.

Outro fator que sustentaria esse discurso de

singularidade era a identificação de certos "traços

especiais" da nossa história que, conforme uma série de

fábulas, teria sido incruenta e sem conflitos raciais. O

Brasil era um país venturoso, que poderia se vangloriar de

uma história ausente de profundos ódios, frustrações ou

discriminações. Observa-se que era através do discurso de

singularidade que os militares pretendiam reforçar e

incentivar a unidade do povo brasileiro em torno dos ideais

propostos pela Revolução de 64. Naquele momento, "o vigor

do discurso sobre o futuro é sustentado pela unidade de

idéia, pela identidade que propicia essa convicção quanto à

singularidade".72 Sendo assim, não se podia permitir a

veiculação de qualquer tipo de idéia contrária àquela

propagada pelos setores militares, tendo como alegação a

existência de uma ameaça a própria identidade nacional.

Na peça, Mathias de Albuquerque (governo português)

seria a representação do próprio governo, enquanto os

holandeses estariam identificados com os grupos comunistas

e seus ideais. Por isso, quando Calabar deixou as tropas

portuguesas para lutar em prol dos holandeses, ele estava

traindo o governo. Calabar não poderia deixar de ser

traidor. O censor declara: "A posição de Domingos Fernandes

Calabar não deixa qualquer dúvida. Sua traição jamais fora

contestada por ter sido consciente e efetiva(...)"73. Num

ofício endereçado ao ministro da Justiça, com data de 31 de

72 FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. p. 78. 73 Arquivo Nacional. Documento já mencionado.

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janeiro de 1974, Antônio Bandeira74 defende a hipótese de

que os autores buscaram transfigurar a figura de Calabar em

herói e, conseqüentemente, propagar o ideal da "libertação"

a partir do estabelecimento de uma "nova sociedade".

Bandeira afirma:

O título da peça já constitui uma declaração de intenção: transfigurar um traidor em herói. Herói por afrontar o "poder constituído", na busca de uma "libertação" total, a partir da prévia negação de valores fundamentais da vida brasileira, com vistas à implantação de "nova sociedade", tal como subliminarmente flui ao longo da urdidura da peça".75 Nesse mesmo ofício existe uma outra argumentação

utilizada contra a peça Calabar: a identificação de um

paralelismo do personagem principal com a guerrilha

libertadora. Segundo o diretor-geral do DPF: A "libertação"

de tudo isso, a "redenção" está do outro lado. Daí a

exaltação de Calabar, que se passa para o "outro lado" o da

"nova sociedade". Por isso a atitude de Calabar é de

salvação e não de traição. Calabar é a "guerrilha

libertadora".76 Antônio Bandeira traçava uma comparação da

atitude de Calabar, que havia abandonado as tropas

portuguesas para lutar ao lado dos invasores holandeses,

com a dos homens que optavam por combater as propostas do

governo através de ações mais enérgicas, visando à

implantação de uma sociedade democrática.

Do parecer do CIE, que é enviado em anexo ao ofício de

Antônio Bandeira para o ministro da Justiça, em 27 de

novembro de 1973, consta um discurso semelhante àquele

descrito acima. O censor menciona que havia um interesse

pela substituição de Tiradentes por Calabar na propaganda

subversiva. Isso porque, assim como Tiradentes, Calabar

74 Beatriz Kushnir menciona o endurecimento nas visões censórias após o general Antônio Bandeira ser colocado à frente do DPF em 29 de maio de 1973. KUSHNIR, Beatriz. Op. cit. p. 202. 75 Arquivo Nacional. Documento já mencionado. 76 Idem.

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havia sido torturado como uma espécie de "guerrilheiro",

que, ao tomar uma opção contra o poder constituído, foi

torturado e morto. Segundo o censor, este era um princípio

utilizado para o aliciamento e unidade das organizações, de

que "o traidor de hoje poderá ser o herói de amanhã".77

Dentro dessa perspectiva, Antônio Bandeira irá

declarar:

a peça se desenvolve numa lista de conotações que denunciam a intenção dos autores de, invertendo os fatos históricos, estabelecer um paralelismo com a situação atual. Desta maneira se subverte a História, ao mesmo tempo em que se busca eficácia na propaganda subversiva.78

Devemos considerar também que o simples fato dos

autores da peça desejarem propor uma discussão sobre a

temática da traição já era algo que gerava desconforto aos

setores militares. Para eles, "a dissensão, a discórdia, o

debate público eram sintomas de fragilidade, de tensão". Um

exemplo disso era a concepção que possuíam das eleições. As

eleições eram entendidas como momentos de ânimos acirrados,

que interrompiam o fluxo natural da tradição de consenso,

congraçamento e cordialidade do povo brasileiro.79 Por

isso, precisavam estar vigilantes, buscando impedir

qualquer manifestação que pudesse opor-se ao consenso ou

que, de alguma forma, pusesse em risco a segurança

nacional.

Zuleika Santos, Gilberto Pereira Campos e Maria Luiza

Barroso Cavalcante foram os censores responsáveis pela

avaliação do texto da peça Calabar e emitiram o seu parecer

em 16 de maio de 1973. Zuleika Santos e Gilberto Pereira

argumentaram que a mensagem da peça era imprecisa e que os

77 Idem. fl. 3. 78 Idem. fl. 7. 79 FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. p. 127.

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autores abordavam um tema que poderia acirrar polêmica: a

participação de Calabar na briga entre portugueses e

holandeses. Zuleika chama a atenção também para o fato de

que "os responsáveis pela peça ora examinada, se situam

entre aqueles que optariam de bom grado pela colonização

holandesa em detrimento dos portugueses" e que os autores

"ainda, exploram a traição de Calabar, colocando ao nível

do debate, ao justificar a atitude do mameluco em abandonar

seus compatriotas (...)". No entanto, mesmo diante dessas

observações negativas, a peça foi liberada para maiores de

18 anos, com alguns cortes.

O diretor da Divisão de Censura de Diversões Públicas,

Rogério Nunes, informou, numa carta enviada ao

superintendente regional do DPF da Guanabara, em 21 de maio

de 1973, que o ensaio geral poderia ser marcado e que a

remessa dos relatórios dos técnicos designados para

assisti-lo deveria ser providenciada, sendo a validade do

certificado de liberação da peça sujeita ao resultado de

tal avaliação de acordo com o Artigo 11 e seu parágrafo

único da Lei 5.536, de 21 de novembro de 1968.

No entanto, no dia 30 de outubro de 1973, o mesmo

diretor Rogério Nunes enviou um comunicado à empresa

Fernando Torres Produções informando que a direção-geral do

Departamento de Polícia Federal havia solicitado o reexame

da peça e por esse motivo, a DCDP não poderia estabelecer

uma data para o ensaio geral do espetáculo, pois essa

medida ficaria na dependência da autoridade superior que

estava reexaminando a obra.

Essa decisão tomada pelo DCDP arruinou a produção da

peça Calabar. Não se conseguiria esperar tanto tempo pela

liberação do espetáculo e assim garantir a manutenção de

uma montagem tão grandiosa. Fernando Peixoto, no livro

Teatro em movimento, publica um artigo intitulado "Do

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'caderno de notas' de Calabar (1a versão)" registrando suas

impressões sobre o episódio:

A carta praticamente proíbe o espetáculo. Caracteriza uma censura econômica. É datada de 30 de outubro. A censura política chega a ser exercida. A censura foi censurada, proibida de proibir"80. Segundo Sônia Salomão,

E será justamente a censura econômica uma das formas mais ativas de neutralização. É ela responsável pelo término dos grupos teatrais, assim como pela censura a livros, filmes, periódicos e programas. Basta o editor não publicar como bastava proibir um espetáculo no dia de sua estréia, com casa cheia para matar qualquer iniciativa posterior.81

Chico Buarque afirmaria numa entrevista: "Ele [o

espetáculo Calabar] não foi proibido, ele foi falido".82

Não havia sido estabelecido um prazo específico para a

divulgação de um resultado quanto à liberação ou proibição

da peça. Portanto, como se manter toda a estrutura exigida

para a sua apresentação por um tempo indeterminado?

Fernando Peixoto descreveu os dias subseqüentes àquela

decisão da DCDP mostrando que inúmeras vezes a vontade era

de desistir frente à pressão imposta pela censura. Ele

registrou no dia 7 de novembro de 1973: "Continuam os

ensaios e as ameaças (...) Em certos momentos, claro, a

vontade é de largar tudo. Mas é esta a nossa modesta frente

de resistência: continuar".83 O diretor de Calabar

mencionou ainda a ocorrência de dois ensaios de portas

abertas no Teatro João Caetano – um no dia 6 e outro no dia

10 de novembro – tendo platéia lotada.

Embora a proibição oficial da peça tenha sido divulgada

no Diário Oficial apenas no dia 15 de janeiro de 1974,

80 PEIXOTO, Fernando. Teatro em movimento. São Paulo: Hucitec, 1989. p. 192. 81 Idem. p. 112. 82 KHÉDE, Sônia Salomão. Op. cit. p. 180. 83 PEIXOTO, Fernando. Op. cit. p. 192.

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Fernando Peixoto mostra que naquele dia a produção já

estava desfeita:

13.11.73 – Reunião com o elenco. Produção desfeita. (...) Vamos (ele e Chico) buscar livros. O elenco ainda no teatro. O livro está na mão de todos nós! A gente abandona o teatro. Alguns desaparecem. Outros vão para o bar Luís. Depois, para a casa de Chico. A gente ouve a fita do disco, canta junto. Estamos abatidos, mas não derrotados. Sinto no rosto de todos. Lembro imagens vagas desta "festa". Chico andando no parapeito do terraço, por exemplo ...84 Chico Buarque ainda tentou recorrer da decisão da

censura, impetrando um mandato de Segurança, com fundamento

na Constituição Federal, contra o diretor-geral do DPF. O

advogado José Aguiar Dias alegou que a proibição de

representar Calabar seria uma prática de abuso ou desvio de

poder e a lesão de um direito certo e incontestável do

impetrante, utilizando os seguintes argumentos de defesa:

A peça "Calabar" não fere a dignidade nacional. Ela apresenta, em revestimento dramático, um sombrio episódio de nossa história, mas a época tratada não é de modo algum selada pela sacralidade da história nacional, pela definitiva e peremptória razão que o Brasil, a esse tempo, não existia como nação (...)85 Israel Coppio Filho, diretor geral do Departamento de

Polícia Federal, enviou um ofício ao ministro José Neri da

Silveira, do Tribunal de Recursos, utilizando a tese de

alguns historiadores e sociólogos (como José Ferreira da

Costa, Roger Bastide e o próprio Sérgio Buarque de Holanda)

para contestar as declarações do advogado José Dias. O

coronel Israel defende que a hipótese de que o Brasil já

era uma nação no período abordado pela peça e que a atitude

de Calabar não poderia ser considerada uma simples opção

individual (livre arbítrio), mas uma traição. Para ele, o

texto analisado apresentava uma inversão de valores com o

enaltecimento da figura de um traidor.

84 Idem. p. 93. 85 Arquivo Nacional. Documento já mencionado. fl. 1.

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No dia 17 de maio de 1974, o 4o subprocurador-geral da

República, Henrique Fonseca de Araújo, informou à Moacyr

Coelho, diretor-geral do Departamento de Polícia Federal,

que o pedido de mandato de segurança de Chico Buarque havia

sido denegado.

Não restava mais nada a fazer. A censura já havia

frustrado todos os esforços da produção de Calabar para

garantir a apresentação daquele espetáculo. O prejuízo foi

total, "o maior causado pela censura a uma produção

isolada", segundo afirma Yan Mishalki.86

86 MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado: 15 anos de censura teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Coleção Depoimentos, 1979. p. 51.

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Conclusão

Verificamos que a peça teatral Calabar: o elogio da

traição foi idealizada dentro de uma contexto de repressão.

O Golpe de 64 havia imposto à sociedade brasileira uma dura

realidade. Medidas arbitrárias haviam sido tomadas pelo

governo, buscando impedir que vozes contrárias ao discurso

nacionalista militar fossem ouvidas. A marcha triunfante do

Brasil rumo ao desenvolvimento nacional não poderia ser

interrompida. Era necessário se lutar pela manutenção da

ordem e garantir um apoio incondicional da população aos

rumos que estavam sendo traçados para o país. Sendo assim,

os opositores do Regime deveriam ser perseguidos e sempre

que possível eliminados.

Nessa luta contra os "inimigos" da nação, as

atividades artísticas e intelectuais foram especialmente

visadas. Temia-se a utilização dos meios de comunicação

como um veículo de propagação de mensagens subversivas,

assim como a influência que poderiam exercer sobre os

costumes. Acreditava-se que "os comunistas estariam

planejando fragilizar o arcabouço moral da sociedade

brasileira, através da propagação de visões críticas sobre

a família e o convívio, para, assim, facilitar a tomada do

poder".87 Por isso, inúmeras obras literárias, peças

teatrais, filmes, revistas, programas de televisão

tornaram-se vítimas da censura.

Nos anos 70, já havia se formado uma verdadeira rede de

informações entre os diversos órgãos integrantes do SISNI

(Sistema Nacional de Informações), visando a uma maior

eficácia no combate à subversão. No caso de Calabar,

observamos como essa troca de informações não apenas

87 FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001. p.182-183.

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assegurou a proibição da peça, como também contribuiu para

a reafirmação do discurso legitimador da ordem propagado

pelos setores militares.

Através de Calabar, Chico Buarque de Hollanda e Ruy

Guerra colocaram em questão um determinado fato histórico,

trazendo à tona a discussão do conceito de traição.

Buscavam no passado respostas aos questionamentos do

presente. Desejavam utilizar a arte como um instrumento de

reflexão e conscientização do povo quanto ao papel que

deveriam exercer no processo de transformação da sociedade

brasileira.

Mas, como vimos, o elemento crítico era abominado pelos

militares, que o tinham como uma ameaça à própria

identidade nacional. Eles viam com extremo receio qualquer

iniciativa que buscasse levar a população ao questionamento

das atitudes, valores e práticas defendidas pelo regime. Os

ideais da "Revolução" precisavam ser reforçados e não

criticados. Por isso, conforme as próprias palavras de

Fernando Peixoto, Calabar "foi traído e abortado pela

repressão cultural".

Dessa forma, o projeto da peça Calabar apenas pode ser

retomado dentro de um novo contexto: o da "abertura

política". O projeto de "distensão política" proposto pelo

presidente Ernesto Geisel não impediu a atuação da censura,

mas tornou-a mais amena. No entanto, Calabar não poderia

ser mais a mesma. Agora, os tempos eram outros. Num

depoimento concedido nos anos 80, Fernando Peixoto88

declararia: "Meu espetáculo de agora está bem distante da

primeira versão: mudou o país, mudei eu, mudou o teatro

brasileiro, mudou a forma de discutir uma temática que,

88 Diretor da peça teatral Calabar também na segunda versão.

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infelizmente, permanece atual e vigente: traição e

colonização".89

O golpe desferido contra Calabar foi o mesmo que

vitimou inúmeras outras peças teatrais, filmes etc.

Algumas, mesmo ressurgindo num momento posterior,

continuariam com o estigma dos tempos da repressão.

Conforme afirma Yan Michalski:

As obras mais significativas, entre as que foram e continuam proibidas, serão fatalmente representadas um dia; mas é muito possível que o seu impacto já não seja então nem de longe o mesmo que elas teriam produzido logo depois que foram escritas, pois o momento histórico e a concepção do teatro que lhes deram origem já estarão até certo ponto ultrapassados.90

89 Trecho retirado do texto "Depoimento sobre o espetáculo" de Fernando Peixoto (1980) existente no programa da segunda versão da peça. 90 MICHALSKI, Yan. Op. cit. p. 50.

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