o programa nacional biblioteca da escola - universidade federal do rio ... · 8 resumo o estudo...
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SAYONARA FERNANDES DA SILVA
O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA PNBE:
DA GESTO AO LEITOR NA EDUCAO INFANTIL DE NATAL - RN
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Educao do Centro
de Educao da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, como requisito
parcial para obteno do grau de Mestre
em Educao.
Orientadora: Profa. Dra.Marly Amarilha
NATAL-RN
2015
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Catalogao da Publicao na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Silva, Sayonara Fernandes da.
O Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE: da gesto ao leitor na
educao infantil de Natal - RN/ Sayonara Fernandes da Silva. - Natal, RN,
2015.
284 f.
Orientadora: Profa. Dra. Marly Amarilha.
Dissertao (Mestrado em Educao) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Educao. Programa de Ps-graduao em Educao.
1. Educao infantil Natal, RN Dissertao. 2. Gesto Pblica Avaliao - Dissertao. 3. Formao do leitor Educao infantil
Dissertao. 4. Polticas pblicas - Fomento leitura Dissertao. 5.
Programa Nacional Biblioteca da Escola Dissertao. I. Amarilha, Marly. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.
RN/BS/CCSA CDU 373.3:027.52
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SAYONARA FERNANDES DA SILVA
O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA PNBE:
DA GESTO AO LEITOR NA EDUCAO INFANTIL DE NATAL-RN
COMISSO JULGADORA:
Profa. Dra. Marly Amarilha (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Prof. Dr. Messias Holanda Dieb (Examinador Externo)
Universidade Federal do Cear - UFC
Profa. Dra. Alda Maria Duarte Arajo Castro (Examinadora Interna)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Profa. Dra. Alessandra Cardozo de Freitas (Suplente Interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza (Suplente Externo)
Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho - UNESP
Natal, 31 de julho de 2015.
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A Ednice, minha aura de luz e amor.
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AGRADECIMENTOS
O que d o verdadeiro sentido ao encontro a busca,
e preciso andar muito para se alcanar o que est perto.
Jos Saramago
Aprendi que nada acontece por acaso, preciso ir busca do que se deseja. A
tessitura deste trabalho foi feita de buscas por caminhos diversos: uns conhecidos,
outros nem tanto. Havia luz a me guiar.
Ao encerrar esta pesquisa, meus agradecimentos se confundem com descrio
de uma trajetria de sucessivos encontros entre mim e os outros: familiares, amigos,
colegas, parceiros, professores e colaboradores. Por isso, agradeo a todos aqueles que
estiveram envolvidos na construo deste trabalho que para mim no condio
parcial para um ttulo de mestre, mas um sonho realizado.
Agradeo a Deus por ter me mostrado outros caminhos, quando a dor me
consumia, por me fortalecer nas fraquezas, dando-me sabedoria para os novos rumos.
Por todos os encontros permitidos em minha vida, agradeo especialmente:
Aos meus pais, Nilton e Marlene, pelos encontros de amor, carinho e afeto no nosso
lar;
s minhas irms, Sandra e Sanzia, pelos encontros de domingo, pelas partilhas
entusisticas e pelas promessas do sempre;
Ao meu irmo, Joozinho, mediador do meu primeiro encontro com um livro de
literatura;
professora Ana Santana, por ter sido o elo do meu primeiro encontro com a
pesquisa;
Bete e Micarla, pelo encontro do estgio e pela troca de benevolncia: eu acredito
em anjos;
professora Alessandra Cardozo, pelo encontro com as doces lembranas deixadas
na adolescncia e pelo reencontro com a vida acadmica;
professora Marly, por tornar real o meu encontro imaginrio com a literatura; pelo
grande exemplo de professora e pesquisadora que me inspira diariamente; pelo zelo,
carinho, respeito e confiana durante todo o percurso da pesquisa;
Aos colegas do Grupo de Pesquisa Ensino e Linguagem, pelos encontros de estudo,
partilhas e afeto;
Aos amigos de sempre, pelos encontros de alma; aos amigos de ontem, pelos
reencontros sem despedidas e aos amigos de agora, pelos encontros dirios e pela
partilha da vida;
http://pensador.uol.com.br/autor/jose_saramago/
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Aos amigos de profisso, pelos encontros de estudo, planejamento e parcerias no fazer
pedaggico; em especial a Chaguinha e Marliane, minhas maiores incentivadoras e
colaboradoras de referncias e de trabalho no cho da escola;
Aos meus alunos da Educao Infantil que todas as manhs me proporcionam um
encontro festivo na sala, no parque, nas rodas de leitura e no corao. Aos do Ensino
Mdio, que me falam de amor aos livros e biblioteca nos encontros do grupo Papo de
Leitura. E aos do Magistrio, que se tornam crianas nas aulas de Literatura Infantil.
Por vocs vale a pena lutar pelo direito literatura;
A Ednice, por mediar meus incontveis encontros com o refazer lingustico e textual;
pela pacincia, pelo cuidado fsico, pelo olhar crtico para o texto, por acreditar que
sempre posso ser melhor naquilo que fao e pela presena constante em minha vida;
Deuza, pelos longos encontros colaborativos regados a caf, bolo, dilogos e
descobertas materializadas em palavras nas transcries das entrevistas;
Ao artista Ivan Cabral, pela escuta atenta e sensvel da minha ideia materializada na
arte que ilustra a capa deste trabalho;
coordenao e Secretaria do Centro de Educao e do Programa de Ps
Graduao em Educao, pelos encontros de prestezas e minimizao de minhas
dvidas, ao apoio financeiro atravs da concesso da bolsa CAPES, incentivando
pesquisa e possibilitando meu crescimento pessoal;
Aos professores do PPGEd pelo encontros tericos que fundamentaram a pesquisa e
me auxiliaram nas anlises dos dados;
Aos assessores do Ministrio da Educao e do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educao pela resilincia do encontro tumultuado, em meio aos protestos no
Planalto Central- DF, e ainda assim, pacientemente, colaboraram com a pesquisa e
com o acervo de livros do PNBE, indispensveis para este trabalho;
Aos assessores da Secretaria Municipal de Educao e aos gestores dos Centros
Municipais de Educao Infantil de Natal, pelos encontros demorados nas entrevistas
e na maioria acolhedores; todos foram essenciais na coleta de dados para esta
pesquisa;
s professoras que aceitaram compor a banca de avaliao deste trabalho de pesquisa:
Messias Holanda Dieb, Alda Maria Castro, Alessandra Cardozo e Renata Junqueira.
Certamente, nosso encontro se constitui em grande valia para a minha formao de
aprendiz de pesquisadora, para minha docncia e para a ousada construo de um
trabalho futuro.
A todos os que foram atores, escritores e vozes desta trajetria, o meu muito obrigada!
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Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e
assim se faz um livro, um governo, ou uma
revoluo; alguns dizem mesmo que assim
que a natureza comps as suas espcies.
Machado de Assis
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RESUMO
O estudo investiga o processo de implementao do Programa Nacional Biblioteca da
Escola, PNBE e a formao do leitor na Educao Infantil de Natal. certo que a
promoo da leitura literria a oportunidade de insero no mundo ligado
cidadania, aos direitos humanos e justia social, pois a leitura que d sentido vida
e, portanto, um direito de todos. O estudo se caracteriza como uma pesquisa
qualitativa de abordagem avaliativa. O procedimento metodolgico de constituio do
corpus de pesquisa se deu em trs etapas: a primeira foi a anlise das leis e os
documentos de polticas pblicas nacionais de promoo da leitura; os questionrios
aplicados pelo Comit Gestor Natal/RN nos CMEIs e os sites disponveis do MEC
que prestam conta da distribuio do acervo; na segunda etapa, foi adotado como
procedimento metodolgico a entrevista semiestruturada, elaborada com questes
abertas que focam na gesto do programa e no acervo do PNBE; e a terceira etapa foi a
visita a 21 Centros de Educao Infantil de Natal para a realizao das entrevistas e da
etapa da observao exploratria dos espaos de leitura. So atores informantes nesta
pesquisa: os assessores da SME - Natal e do FNDE, gestores dos Centros Municipais
de Educao Infantil e professores, totalizando 30 informantes. Tomou-se como
referencial terico-metodolgico os estudos de Amarilha (1993; 1994; 2002; 2006;
2010; 2012), Bardin (2001), Bogdan; Biklen (1994) Castro (2007; 2008; 2012), Demo
(2000; 2006; 2008), Fischer (2006), Moreira; Caleffe (2008); Paiva (2008; 2012),
Secchi (2010; 2012), Soares (2003; 2008) e Zilberman (2001; 2003; 2008). A anlise
indica que a estratgia de descentralizao adotada no modelo de gesto pblica
transfere as responsabilidades e assuno do PNBE, eximindo os atores do
planejamento de aes que garantam a eficincia e eficcia da implementao da
poltica de leitura em nveis nacional e municipal. O qualificado acervo distribudo
pelo MEC chega a todos os Centros de Educao Infantil independente da vontade ou
da ao dos professores, poucos o conhecem, visto que no tm informao sobre o
PNBE, tampouco recebem formao especfica de maneira a articul-lo prtica de
leitura com as crianas da Educao Infantil. Os projetos de leitura implementados
pela iniciativa privada na Educao Infantil de Natal se sobrepe ao PNBE, tornando-o
invisvel. Os espaos de leitura disponveis para essa etapa de escolarizao se
resumem a cantinhos de leitura. Em alguns Centros Infantis, os livros permanecem
guardados nas caixas ou trancados em armrio fora de uso por professores e
estudantes. Assim, o cuidado com a aquisio, a seleo do acervo, a preocupao com
a oferta da leitura e do livro para esse nvel de educao se perdem em volumes de
caixas fechadas, professores alijados do processo e crianas sem o encantamento da
leitura e do livro. Nesse contexto, este trabalho chama ateno para o quanto ainda se
precisa investigar com o objetivo de compreender as perspectivas, tenses e desafios
sobre as polticas pblicas de promoo da leitura no nosso pas. Espera-se que a
pesquisa possa contribuir para melhorar o modelo de gerenciamento do Programa
Nacional Biblioteca da Escola - PNBE garantindo a democratizao da leitura e, por
conseguinte, a formao do leitor na Educao Infantil.
Palavras Chave: PNBE, Avaliao, Gesto Pblica, Educao Infantil.
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ABSTRACT
This study aims to investigate the process of implementation of Programa Nacional
Biblioteca da Escola, PNBE, and the reader's training on Childhood Education level in
Natal. The promotion of literary reading is the opportunity of inclusion in a world that
is connected to citizenship, to human rights and social justice, because the reading is
the way which gives meaning to the life and, therefore, it is a right for everybody. The
study is characterized as a qualitative research with evaluative approach. The
methodological procedure that constitutes this corpus took place in three stages: the
first one was about the analysis of laws and documents of national public policies for
the reading promotion; questionnaires were applied by Managing Committee -
Natal/RN to CMEIs and the available websites from MEC that provide distribution of
the acquis; in the second stage, we adopted the semi-structured interview as a
methodological procedure elaborated with open questions that focus on the program
management and to the acquis of PNBE; and in the third step we visited the 21 centers
of childhood education in Natal for interviewing and to do the exploratory observation
in places of reading. The Informant actors in this research are: the advisors of SME -
Natal and FNDE, managers and teachers in Municipal Childhood Education Centers
who totalize 30 informants. This theoretical and methodological framework follows
the studies of Amarilha (1993; 1994; 2002; 2006; 2010; 2012), Bardin (2001),
Bogdan; Biklen (1994), Castro (2007; 2008; 2012), Demo (2000; 2006; 2008), Fischer
(2006), Moreira; Caleffe (2008), Paiva (2008; 2012), Secchi (2010; 2012), Soares
(2003; 2008) and Zilberman (2001; 2003; 2008). The analysis indicates that
decentralization strategy which is adopted in public management model will transfer
responsibilities and assumption of the PNBE, exempting the actors to planning actions
ensuring the efficiency and efficacy implementation on reading policy to national and
municipal levels. The qualified acquis that is distributed by MEC reaches every
Childhood Education center and does not depend on teacher's desire or it action, only a
few of them know about it and they do not have information about the PNBE, neither
receive specific training in order to articulate it to the practice of reading with children
from Childhood Education. The reading project implemented by private education
system in Natal overlaps the PNBE, making it invisible. The reading places that are
available for that schooling stage are summarized to the reading corners. In some
CMEI, books remain stored in boxes or they are locked in the closet, out of use to the
teachers and students. Thus, care for the acquisition, selecting acquis, and a
preoccupation to the supply of the reading and books for this education level are lost
into volumes of closed boxes, teachers are jettisoned to this process and children do
not have any enchantment to the reading or books. In this context, this paper draws
attention to how much we should still investigate in order to understanding the
perspectives, stresses and challenges from public policies for the reading promotion in
our country. We hope that the research will help to improve the management model of
the PNBE, ensuring the reading democratization and therefore the reader's training in
early Childhood Education.
Keywords: PNBE, Evaluation, Public Management, Early Childhood Education.
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LISTA DE ILUSTRAES
Ilustrao 1 - Movimento sequencial da instituio do PNBE ....................... 49
Ilustrao 2 - Ciclo de vida das polticas pblicas .......................................... 55
Ilustrao 3 - Rede de ancoragem Trilhas Natura .......................................... 70
Ilustrao 4 - Esquema de anlises das categorias .......................................... 137
Ilustrao 5 - Linha de tempo das polticas que regem o livro e a leitura
entre 1990 e 2012 ..................................................................... 139
Ilustrao 6 - Etapas de seleo dos acervos do PNBE ................................... 173
Ilustrao 7 - Estrutura e funcionamento do Projeto Paralaprac ................... 198
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Distribuio do acervo do PNBE para a Educao Infantil de
Natal - RN 2008-2012 ....................................................................
162
Grfico 2 - Quantidade de acervo distribudo por CMEI ................................. 174
Grfico 3 - Respostas sobre a forma de aquisio dos livros no CMEI ........... 177
Grfico 4 - Gosto pela leitura no Brasil ............................................................ 188
Grfico 5 - Principais formas de acesso ao livro no Brasil .............................. 188
Grfico 6 - Nmero de livros lidos por brasileiros ........................................... 189
Grfico 7 - Formao continuada em prtica de leitura literria para os
professores no CMEI .....................................................................
202
Grfico 8 - Rotina de leitura como prtica pedaggica .................................... 204
Grfico 9 - Formao Continuada em leitura fora do CMEI ............................ 207
Grfico 10 - Espaos de leitura nos CMEIS ....................................................... 219
Grfico 11 - Eventos Literrios .......................................................................... 228
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12
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Diferena entre poltica pblica e deciso poltica ........................... 41
Quadro 2 - Definio dos atores polticos .......................................................... 43
Quadro 3 - Tipos e caractersticas das polticas pblicas ................................... 53
Quadro 4 - Tipos e caractersticas das polticas pblicas sociais ....................... 53
Quadro 5 - Tipos e caractersticas das Polticas Pblicas Educacionais ............ 54
Quadro 6 - Principais documentos, Programas e Leis com diretrizes e
orientaes para implementao das Polticas Pblicas de leitura
no Brasil ...........................................................................................
58
Quadro 7 - Distribuio do acervo por edio com enfoque na Educao
Infantil ..............................................................................................
64
Quadro 8 - Materiais de formao do Professor do Trilhas Natura .................... 71
Quadro 9 - Materiais do Projeto Paralaprac doados para a escola participante 77
Quadro 10 - Dados de abrangncia do Projeto Paralaprac em Natal .................. 80
Quadro 11 - Aes e medidas para democratizao do acesso ao livro e
leitura no Brasil do Sculo XIX .......................................................
90
Quadro 12 - Principais pontos da Lei n 10.753/2003 ........................................ 94
Quadro 13 - Comportamento do Setor Editorial Brasileiro 2014 .,.................... 95
Quadro 14 - Livros comprados pelo Governo para Programas de Leitura ........... 97
Quadro 15 - Investimento em livros de literatura para a Educao Infantil ......... 100
Quadro 16 - Distribuio dos CMEIS por zona administrativa............................ 110
Quadro 17 - Caracterizao das escolas selecionadas para a pesquisa quanto
condio do prdio ...........................................................................
110
Quadro 18 - Atores informantes da pesquisa ........................................................ 113
Quadro 19 - Acervo recebido por edio do PNBE para Educao Infantil ........ 123
Quadro 20 - Documentos, diretrizes e Leis Nacionais para a implementao das
polticas pblicas de leitura ..............................................................
125
Quadro 21 - Documentos, Programas, Leis e Decretos por categoria .................. 142
Quadro 22 - Quadro demonstrativo das categorias ............................................... 144
Quadro 23 - Principais citaes dos documentos sobre biblioteca ....................... 145
Quadro 24 - Investimento financeiro livro /aluno por nmero de escola ............. 160
Quadro 25 - Valores investidos em acervo de literatura pela SME ...................... 181
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LISTA DAS IMAGENS
Imagem 1 - Ba do Projeto Paralaprac .............................................................. 154
Imagem 2 - Livros do PNBE............................................................................... 155
Imagem 3 - Material de literatura e de formao de professor do Trilhas Natura 155
Imagem 4 - Livros de Literatura trancados chave.............................................. 175
Imagem 5 - Acervo do PNBE para a Educao Infantil....................................... 177
Imagem 6 - Livros distribudos pela SME............................................................ 179
Imagem 7 - Acervo do PNAE............................................................................... 182
Imagem 8 - Exposio dos livros do PNAE......................................................... 183
Imagem 9 - Biblioteca no CMEI.......................................................................... 219
Imagem 10 - Almoxarifado com nome de biblioteca............................................. 220
Imagem 11 - Canto da leitura prateleira.............................................................. 228
Imagem 12 - Canto da leitura varal..................................................................... 228
Imagem 13 - Canto da leitura cestos.................................................................... 229
Imagem 14 - Bebeteca............................................................................................ 230
Imagem 15 - Sala de leitura com mediadora.......................................................... 231
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEDAC - Centro de Educao e Documentao para Ao Comunitria
CMEI - Centro Municipal de Educao Infantil
CONSED - Conselho Nacional dos Secretrios de Educao
DAE - Departamento de Ateno ao Educando
DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais
DEF - Departamento de Ensino Fundamental
DEI - Departamento de Ensino Infantil
EJA - Educao de Jovens e Adultos
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
IDE - Instituto de Desenvolvimento da Educao
IDEB - ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao
MEC - Ministrio da Educao
ONG - Organizao No Governamental
PCN - Parmetros Curriculares Nacionais
PELL - Plano Estadual do Livro e da Leitura
PISA - Programa internacional de Avaliao do Estudante
PLD - Programa do Livro Didtico
PMLL - Plano Municipal do Livro e da Leitura
PMLLE - Plano Municipal de Leitura Literria na Escola
PNBE - Programa Nacional da Biblioteca na Escola
PNLD - Programa Nacional do Livro Didtico
PNLL - Plano Nacional do Livro e da Leitura
PROLER - Programa Nacional de Incentivo Leitura
RCNEI - Referencial Curricular Nacional para Educao Infantil
SEMTAS - Secretaria Municipal de Trabalho e Assistncia Social
SME - Secretaria Municipal de Educao
SNEL - Sindicato Nacional dos Editores de Livros
UNDIME - Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao
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15
SUMRIO
1
ONDE ESTO OS LIVROS?................................................................
17
1.1
JUSTIFICATIVA.......................................................................................
19
1.2 OBJETO DE ESTUDO............................................................................... 22
1.3 DELIMITAES DO ESTUDO: QUESTES, PROBLEMAS E
OBJETIVOS DA PESQUISA....................................................................
27
1.4 ESTADO DA ARTE................................................................................... 29
1.5 ORGANIZAO DOS CAPTULOS....................................................... 36
2
O QUE SO POLTICAS PBLICAS?................................................
38
2.1
DEFININDO CONCEITOS......................................................................
41
2.1.1 Polticas Pblicas....................................................................................... 41
2.1.2 Polticas Sociais......................................................................................... 44
2.1.3 Polticas Pblicas Educacionais............................................................... 47
2.2 TIPOLOGIA DAS POLTICAS PBLICAS............................................ 51
2.3 CICLO DAS POLTICAS PBLICAS...................................................... 54
2.4 POLTICAS PBLICAS DE FOMENTO LEITURA........................... 58
2.5 O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA-PNBE........ 60
2.5.1 PNBE: uma longa histria........................................................................ 60
2.5.2 Composio do acervo.............................................................................. 63
2.5.3 Aes norteadoras do PNBE.................................................................... 67
2.6 PARCERIA ENTRE O PODER PBLICO E A INICIATIVA
PRIVADA...................................................................................................
68
2.6.1 O Projeto TRILHAS Natura.................................................................... 69
2.6.2 O Projeto PARALAPRAC.................................................................... 74
3
EXISTE MERCADO PARA A LEITURA NA INFNCIA? .............
81
3.1
PERCURSO HISTRICO..........................................................................
82
3.2 O OBJETO LIVRO COMO MERCADORIA............................................ 87
3.2.1 Uma ideia burguesa da leitura................................................................. 87
3.2.2 O objeto livro e o mercado editorial brasileiro...................................... 92
3.3 O PREO DA LEITURA NO PNBE PARA EDUCAO INFANTIL... 99
4
QUE CAMINHOS PERCORREMOS? QUAIS AS VEREDAS
DESTA JORNADA?........................................................
102
4.1
O CONTEXTO DA PESQUISA................................................................
103
4.2 METODOLOGIA DE PESQUISA QUALITATIVA................................ 105
-
16
4.3 CARACTERIZAO DO CENRIO....................................................... 109
4.3.1 Locus de pesquisa...................................................................................... 109
4.3.2 Os atores da pesquisa................................................................................ 111
4.4 OS INSTRUMENTOS E TCNICAS PARA A COLETA DE DADOS.. 115
4.4.1 Roteiro de Entrevista................................................................................ 115
4.4.2 Questionrio.............................................................................................. 116
4.4.3 Dirio de campo........................................................................................ 117
4.4.4 Entrevista................................................................................................... 118
4.4.5 Observao................................................................................................ 120
4.5 AS ETAPAS DA PESQUISA.................................................................... 122
4.5.1 Desvelando caminhos, traando rotas..................................................... 123
4.5.2 Pedindo informaes, mudando de percurso......................................... 126
4.5.3 Observando o cenrio da trajetria........................................................ 129
4.5.4 Descobertas da viagem............................................................................. 132
5
POSSVEL PROMOVER O ENCONTRO DO LEITOR COM A
LITERATURA NAS RODAS DA EDUCAO INFANTIL?...........
135
5.1
LEIS, DECRETOS, DOCUMENTOS E DIRETRIZES: UMA IDEIA
MUITO BOA..............................................................................................
137
5.2 A PRESENA DO PNBE NA REDE DE ENSINO DE NATAL:
PRECISO MUDAR A NATUREZA DA GESTO...................................
147
5.3 O ACERVO DO PNBE: LIVRO PO DO ESPRITO.............................. 169
5.4 A FORMAO DO MEDIADOR DE LEITURA: PORQUE O LIVRO
EXISTE PARA SER LIDO.........................................................................
201
5.5 BIBLIOTECA ESCOLAR: UM CANTINHO OU UM PUXADINHO
PARA A ENTRADA DOS LIVROS?........................................................
219
6
E AGORA, PARA ONDE VAMOS?...................................................
236
REFERNCIAS........................................................................................
243
APNDICES.............................................................................................
253
ANEXOS....................................................................................................
260
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17
CAPTULO 1
ONDE ESTO OS LIVROS?
O livro traz a vantagem de a gente poder estar s e ao mesmo tempo
acompanhado.
Mario Quintana
Quintana, nos versos intitulados Dupla delcia, foi muito sbio ao escrever
que o livro nos permite estar sozinho e acompanhado simultaneamente. De fato,
assim que ficamos sempre que lemos um livro em um quarto, um parque, uma sala.
Ningum precisa estar ao nosso lado conversando. E mesmo que apenas nossa
respirao, ou o barulho do virar das pginas ao ir de uma a outra, seja capaz de
quebrar o silncio, quando se tem um livro nas mos, a pessoa pode estar,
indubitavelmente, muito bem acompanhada. Essa uma das magias prprias do livro
que, desse modo, encanta leitores.
impossvel negar que por meio das palavras, do contato direto com grupos
de professores e crianas nas escolas, bibliotecas e salas de aula, vivenciamos muitas
experincias inefveis como leitores e professores. Entretanto, ao mesmo tempo em
que h um encantamento, deparamo-nos com o nfimo gosto pela leitura que se
evidencia na maioria das pesquisas que trata desse assunto no nosso pas, a exemplo
da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.
Podemos afirmar que a leitura constitui um dos processos bsicos com o qual
o homem capaz de adquirir novos conhecimentos, trocar informaes e interagir
socialmente, sendo ela essencial formao das pessoas. No entanto, nossos alunos
vm apresentando uma prtica de leitura restrita e limitada, apesar de se perceber que
h um investimento escolar no quesito leitura, ainda que concentrado em atividades
repetitivas, mecnicas ou com fins de cobrana didtica como comprovam as
pesquisas de Amarilha (1991), Cosson (2007) e Silva (2009).
Na experincia profissional acumulada nos ltimos 20 anos como docente da
rede pblica de ensino, lecionando nas duas pontas extremas da educao bsica, da
Educao Infantil ao Ensino Mdio, e tambm no Ensino Superior por meio da
docncia no curso de Pedagogia, percebemos a lacuna na formao leitora dos
estudantes e no repertrio de literatura acumulado durante todo o seu processo de
escolarizao e em todos os nveis de ensino. A respeito da lacuna percebida nos
-
18
estudantes de graduao em Pedagogia, Kramer (2010), atravs de sua pesquisa
Cultura, modernidade e linguagem: o que narram, leem e escrevem os professores,
revela que a escola produz no leitores, devido aos problemas de como se trabalham
a leitura e a literatura em todos os nveis de ensino. Para a autora, a leitura na escola se
encapsula em leitura da escola onde notas, fichas, provas e apostilas com resumos
das histrias ocupam todo o tempo e espao da leitura deleite e fruio.
A promoo da leitura literria sem dvida a oportunidade de reverter as
lacunas apontadas anteriormente e deve envolver temas variados nas instituies de
ensino que abranjam o aprendiz, o educador, a sua formao e o compromisso com a
prtica de educar, os familiares e a escola, alm de fomentar uma viso crtica do
mundo, que permita ao sujeito uma vivncia no mundo mais ligado cidadania, aos
direitos humanos e justia social. A leitura nos ajuda a dar sentido vida. E esse
um direito de todos, est escrito nas polticas pblicas, educacionais e sociais do nosso
pas, embora ainda no tenha se transformado em realidade para os nossos aprendizes
no cotidiano das salas de aula.
Este trabalho chama ateno para o quanto ainda precisamos investigar com o
objetivo de compreender as perspectivas, tenses e desafios sobre as polticas pblicas
de promoo da leitura no nosso pas. Este estudo se situa no campo das Cincias
Humanas, em que se inserem a Educao, por meio de uma pesquisa sobre o Programa
Nacional Biblioteca da Escola - PNBE e a formao do leitor; e da Administrao, por
meio da avaliao dos modelos gerenciais de implementao das polticas pblicas,
educacionais e sociais de promoo da leitura.
Espera-se que a pesquisa contribua para melhorar a qualidade na educao
das crianas pequenas no que diz respeito leitura. Por se tratar, especificamente, da
formao do leitor de literatura na escola de Educao Infantil, considerando as
contribuies do acervo do PNBE para esse nvel de ensino, estabelece em seus
fundamentos tericos avaliao dos modelos de gerenciamento para implementao de
polticas pblicas para a formao do leitor, a formao do professor mediador de
leituras e os espaos de leitura destinados s crianas da Educao Infantil, de acordo
com o que preconiza as leis, decretos e documentos do livro e da leitura no Brasil e em
Natal - RN.
-
19
1.1 JUSTIFICATIVA
Ancorando-se nos estudos de Rego (1990), Coelho (2000), Zilberman (2003),
Silva (2009), e confirmados pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 3 (2012), a
escola, ao lado da famlia, a grande responsvel pela formao do gosto de ler. Por
isso, torna-se necessrio investigar as razes pelas quais nos encontramos em uma
realidade na qual os nveis de leitura dos nossos alunos so insatisfatrios, conforme
apresenta o relatrio do Exame do Programa de Avaliao Internacional de Estudantes
(PISA, 2012), em que os estudantes brasileiros atingiram o nvel 3 de aprendizagem,
em uma escala que vai de 1 a 6 (sendo que 1 o pior resultado e 6, o melhor).
Nesse contexto, cabe investigar de que modo o Programa Nacional Biblioteca
da Escola est sendo implementado nas escolas brasileiras como poltica de formao
de leitores, e em que medida a escola contribui ou no com a formao leitora dos
estudantes utilizando o acervo do PNBE, j que muito se tem investido em programas
de governo e em projetos direcionados ao fomento leitura. Entretanto, o Brasil
ainda no atingiu os nveis de leitura satisfatrios para que possamos afirmar que
temos um pblico comprometido com a leitura (PANSA, 2012, p. 8).
Para este trabalho, entende-se leitura para alm de uma simples
decodificao, o que implica o uso de experincias pessoais, a tnica do olhar que
cada leitor coloca na sua leitura, o enfoque e outros fatores. Conforme nos diz Oliveira
(2005), ler no apenas decifrao ou vocalizao, mas a compreenso do escrito. Por
essa via, no se pode, portanto, adotar o conceito de alfabetizao isoladamente.
Concomitantemente, preciso considerar o conceito de letramento que, ultrapassando
a mera aquisio e domnio do cdigo, diz respeito aos usos sociais que as pessoas
fazem da leitura e da escrita (SOARES, 2003). Ser letrado ser capaz de estabelecer
sentidos linguagem. Por extenso, quando se trata de leitura literria, pode-se falar
em letramento literrio (COSSON, 2007), o que significa se apropriar da literatura de
modo crtico, explorando seu potencial criativo e esttico.
O letramento literrio pode se iniciar antes de se saber ler e escrever, atravs
de contatos com histrias, provrbios, ditos populares, adivinhas e outros textos
ficcionais e poticos da oralidade. Esse processo ter continuidade na escola com o
aprendizado da leitura e da escrita, atravs dos impressos e/ou digitais - livros, jornais,
revistas, receitas, rtulos, entre outros aportes textuais. O trabalho dos professores ,
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20
portanto, imprescindvel para ampliar a cada etapa da escolaridade o letramento
literrio.
O contato com a literatura desde cedo determinante na formao da criana
leitora. Segundo Tuttle e Paquette (1993 apud Amarilha, 2012 p. 56), proporcionar as
nossas crianas o sucesso na relao com a linguagem deve ser uma meta pedaggica
maior. Nos primeiros anos escolares, a autoestima da criana depende em grande parte
de sua relao com a leitura. Assim, continua Amarilha, a leitura deve ser o mais
saudvel possvel, novidadeira, surpreendente, estimulante, ldica e isso tudo a
literatura oferece (AMARILHA, 2012, p. 56).
Ainda refletindo acerca do ensino da leitura de literatura para a infncia,
como objeto de formao da criana leitora, pode-se reiterar que a formao do leitor
se configura como uma grande questo que, paradoxalmente, caracteriza-se como
entrave para muitos professores e para o sistema educacional. Nota-se que os
professores no sabem como trabalhar a leitura, o que podemos comprovar atravs da
pesquisa O ensino de literatura na escola: as respostas do aprendiz, (AMARILHA,
1994), desenvolvida com estudantes do Ensino Fundamental, a qual detectou a
utilizao do texto literrio para fazer exerccios de gramtica, para enriquecer o
vocabulrio, para estmulo redacional, ou ainda para acalmar as crianas, como
atividade sem significado, ou como pretexto para fins avaliativos. Outro exemplo a
pesquisa de Alfalendo (SOARES, 2010), desenvolvida com 25 professores de Belo
Horizonte, a qual confirma que a maioria de creches e pr-escola ainda no usa livros-
brinquedo, por exemplo, para a iniciao recreao ou gosto formador de leitura por
desconhecimento, inacessibilidade, temendo que a criana no consiga manuse-los, e
ainda por que no mercado editorial h poucos ttulos para esse nvel de escolarizao.
Em outros contextos, a leitura da literatura em sala de aula, ao invs de
colaborar no processo de formao do leitor, devido ao potencial que oferece ao
desenvolvimento cognitivo da criana, corriqueiramente abordada como pretexto
para ensinar contedos de diversas reas do conhecimento. Essa prtica decorrente
da cultura escolar em que as atividades de leitura esto vinculadas s atividades
pragmticas de ensinamentos curriculares ou a valores morais.
O Guia do PNBE (2014) para a Educao Infantil considera que a relao do
leitor, dessa faixa de Ensino, com o texto deve ser mediada em uma relao de
cumplicidade e a mais aproximada possvel. Ao mediador cabe escutar as
manifestaes das crianas, como palavras e gestos, uma vez que a escuta
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21
compreensiva pode melhorar o modo de conduzir a mediao. Por isso, a importncia
de se ler com as crianas da Educao Infantil.
importante ainda ressaltar que os documentos norteadores do PNBE em
suas vrias edies enfatizam a necessidade de se investir na capacitao de
professores mediadores de leitura que propiciem prticas e eventos de leitura visando
formao de novos leitores. A propsito disso, podemos citar o relatrio do Programa
Nacional Biblioteca da Escola - PNBE: leitura e literatura nas escolas pblicas
brasileiras, o qual constatou que
qualquer poltica de formao de leitores, alm de investir no
acervo, em estrutura fsica e material (mobilirios) precisa,
fundamentalmente, investir nos profissionais (professores,
coordenadores, diretores e bibliotecrios) que atuam na formao
dos estudantes leitores e escritores, para que possam se tornar
leitores. Esta uma responsabilidade institucional do poder pblico,
haja vista no ser possvel, na contemporaneidade, dada a
complexidade que tambm cerca a carreira docente, partir do
pressuposto de que os profissionais da escola j estariam preparados
para essa forma de trabalho (BRASIL, 2008, p. 103).
Esse relatrio resultante de uma srie de seminrios regionais realizados em
2005 para responder aos questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas da Unio, em
2002, e teve como objetivo contribuir para a reflexo de gestores e professores no que
diz respeito s prticas de leitura que se desenvolvem na escola, formao do
professor e situao do espao fsico para a implantao da biblioteca, de forma a
integr-la dinmica escolar como ambiente central aos processos de aprendizagem e
disseminao de informaes.
Segundo Paiva (2012), nesses seminrios percebeu-se que
os acervos distribudos no estavam sendo usados e que mediadores
de leitura precisavam ser formados, j que, como o Censo Escolar de
2000 indicou: apenas 27,6% das escolas que receberam os acervos
do PNBE em 1998 e/ou 1999, declararam participar do programa.
Ainda assim, consenso entre pesquisadores e docentes atuantes na
educao bsica que as medidas tomadas pelos gestores da poltica
no tm conseguido alcanar os profissionais que sero os
responsveis por lidar com esses acervos (PAIVA, 2012, p. 18).
Diante do exposto, consideramos necessrio investigar questes relacionadas
gesto do PNBE na Rede Municipal de Ensino de Natal. Nesse sentido, a pesquisa
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22
O Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE: da gesto ao leitor na
Educao Infantil de Natal-RN busca responder ao seguinte problema: de que forma
vem sendo implementado o Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE na
Educao Infantil de Natal-RN?
1.2 OBJETO DE ESTUDO
O interesse na investigao est embasado no pressuposto de que a
linguagem e os enredos literrios proporcionam criana a possibilidade de adquirir
autoestima, identidade cultural, independncia e capacidade para lidar com o mundo a
sua volta (TUTTLE; PAQUETT 1993 apud AMARILHA, 2012, p. 55).
A origem dos nossos estudos remonta a vrios caminhos percorridos (2003-
2012) em busca de uma rota que levasse o leitor ao encontro do texto ainda que no
estivesse apto a caminhar sozinho, considerando que os leitores menos experientes tm
a necessidade de uma mediao para poder interagir com o texto de forma
significativa. Nessa metfora, anunciamos os trabalhos investigativos feitos com
crianas da Educao Infantil em trs momentos distintos de qualificao profissional.
O primeiro estudo de natureza bibliogrfica investigou a contribuio das
atividades ldicas na escola para o processo de alfabetizao das crianas de seis anos,
resultando no trabalho monogrfico A importncia do ldico no processo de
alfabetizao das crianas de seis anos (SILVA, 2003), apresentado Universidade
Potiguar para aquisio do ttulo de especialista. Vale ressaltar que no ano de 2003 as
crianas de seis anos ainda estavam na Educao Infantil, pois o Ensino Fundamental
em nove anos s comearia a ser discutido no Brasil em 2004 e efetivado a partir de
2006. O segundo trabalho investigou as prticas de leitura adotadas por professoras na
Educao Infantil em duas escolas de Natal, uma pblica e outra particular, o que
resultou em uma pesquisa qualitativa apresentada ao Instituto de Formao de
Professores Presidente Kennedy como requisito para obteno do ttulo de
especialista, intitulada As prticas pedaggicas e a formao do leitor infantil
(SILVA, 2010). Uma terceira investigao foi uma pesquisa ao desenvolvida em um
Centro de Educao Infantil de Natal, cujo ttulo era Leitor em Formao: uma
experincia na Educao Infantil (SILVA, 2012). Como o prprio nome diz, a
pesquisa ao uma interveno feita pelo pesquisador em pequena escala sobre um
problema diagnosticado; um exame muito de perto dos efeitos dessa interveno;
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23
preocupa-se com o diagnstico, a avaliao e a resoluo do problema dentro do
contexto no qual surgiu. Nessa interveno, o professor pesquisador trabalha em uma
sala de aula para produzir determinadas mudanas ou melhorias no processo de
ensino-aprendizagem.
Os resultados apontados no trabalho intitulado Leitor em formao: uma
experincia na Educao Infantil (SILVA, 2012) nos mostraram que o professor
necessita ter plena conscincia de como a literatura infantil pode figurar no contexto
da rotina escolar para formar a criana leitora, perpassando por polticas pblicas de
fomento leitura e de formao continuada para o professor leitor e mediador de
leituras.
Pelos caminhos dessa trajetria enfrentamos muitos percalos e descobrimos
mistrios que se constituram em motes para pesquisar e dialogar com o objeto de
investigao, o PNBE e a Educao Infantil. A exemplo disso, destacamos a
inexistncia de acervo literrio na escola, as dificuldades enfrentadas pelo professor
para trabalhar literatura com crianas no alfabetizadas, o desconhecimento sobre o
programa nacional de fomento leitura, falta de acessibilidade aos livros do PNBE,
dificuldades com a gesto da escola em liberar os livros guardados nos armrios das
coordenaes e direes e falta de formao continuada para mediao de leitura para
crianas da Educao Infantil.
Acreditamos que ler uma prtica social fundamental formao da
cidadania e importante via de acesso ao conhecimento e cultura. por meio da
leitura de literatura que o sujeito amplia suas possibilidades de insero social e
cidad, ganha condies para o desenvolvimento de habilidades diversas, como
argumentar, criticar, comparar e raciocinar, alm de possibilitar a ampliao do
repertrio cultural e o acesso ao patrimnio universal da humanidade. Contudo, o
gosto pela leitura no inato, ele precisa ser adquirido por meio de uma prtica de
leitura sistemtica e ldica da criana em vrios contextos de leitura. Para tanto, as
crianas
precisam ser fluentes em linguagem. As dificuldades nessa rea
podem desestimular e comprometer uma vida escolar e social bem
sucedida. Para proporcionar o sucesso, no se pede muito, mas
respeito natureza ldica que a infncia demanda. (AMARILHA,
2012, p. 55)
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24
inegvel que nas duas ltimas dcadas houve, por parte do governo, uma
grande investida na distribuio de livros nas escolas pblicas de todo pas por meio
do Programa Nacional Biblioteca da Escola, e, segundo os ltimos dados do
MEC/2014, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
investiu, este ano, R$ 1,3 bilho nos programas do livro. As obras
didticas so escolhidas pelos professores e distribudas
gratuitamente a toda rede pblica de ensino. O FNDE ainda compra
e distribui, todos os anos, livros para compor as bibliotecas das
escolas pblicas. Link Pblico: CD/FNDE/MEC - Resoluo
7/2009, Acesso em: 21/11/2014
No obstante essa dinmica, ainda estamos muito aqum do desejado,
principalmente no que concerne Educao Infantil.
O artigo 208 da Constituio Federal do Brasil (1988) instituiu que a
Educao Bsica deve ser obrigatria dos 4 aos 17 anos e que o atendimento
Educao Infantil deve ser realizado em creches (para crianas de 0 a 4 anos) e em
pr-escolas (para crianas de 4 e 5 anos). Desse modo, a Educao Infantil se
consolida como a primeira etapa da Educao Bsica, tendo como objetivo o
desenvolvimento integral da criana de at cinco anos de idade nos aspectos fsico,
psicolgico, intelectual e social, complementando a ao da famlia e da comunidade
(BRASIL, 2007).
A esse propsito, vemos que no incio do PNBE, em 1997, as crianas
pequenas foram excludas da poltica de formao de leitor e, somente em 2008, onze
anos depois, as escolas de Educao Infantil foram contempladas com o acervo do
Programa Nacional Biblioteca da Escola, iniciativa que tem, segundo Soares (2012),
para alm de seus significativos efeitos pragmticos - propiciar s crianas de zero a
cinco anos acesso ao livro - um tambm significativo valor simblico: sinaliza a
importncia, e mesmo a necessidade, nem sempre reconhecidas, da presena do livro e
da leitura no processo educativo da criana antes que tenha incio sua alfabetizao
formal no Ensino Fundamental. A respeito da importncia da literatura dentro da
escola, Faria salienta que
mesmo vivendo numa sociedade letrada, a grande maioria das
crianas brasileiras no tem a oportunidade de conviver com a
literatura nos seus primeiros anos de vida. Essa constatao nos leva
a inferir sobre o papel fundamental da instituio da Educao
https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000007&seq_ato=000&vlr_ano=2009&sgl_orgao=CD/FNDE/MEChttps://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000007&seq_ato=000&vlr_ano=2009&sgl_orgao=CD/FNDE/MEC
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Infantil como espao privilegiado de aproximao da criana com a
literatura (FARIA, 2006, p.56).
Segundo Pereira (2006), o PNBE foi institudo por meio da Portaria
Ministerial n 584 de 28 de abril de 1997, tendo como objetivo assegurar o acesso de
alunos e professores cultura, formao e aos conhecimentos socialmente
produzidos ao longo da histria da humanidade; isto , incentivar a prtica da leitura
nas escolas pblicas de todo o Brasil por meio da distribuio de livros dos seguintes
gneros textuais: poemas, contos, crnicas, teatro, texto de tradio popular, romance,
memria, dirio, biografia, ensaio, obras clssicas, histrias em quadrinhos.
A seleo dos ttulos diferenciados por cada gnero adquirida por meio de
edital pblico, no qual so adotados alguns critrios (qualidade literria do texto,
adequao temtica e projeto grfico), de acordo com Pereira (2006). Alm disso, so
distribudas colees destinadas formao permanente do professor em todas as reas
do conhecimento (BRASIL, 2006).
Segundo Pereira (2006), o Ministrio da Educao, nas edies de 2000 a
2010, definiu a distribuio dos acervos de obras de referncia enviados para todas as
bibliotecas pblicas considerando o nmero de alunos matriculados. Utilizou-se para
tanto o Censo Escolar para determinar o nmero de livros a ser adquirido em cada ano,
uma vez que os recursos utilizados na viabilizao desse programa so assegurados
pelo MEC por meio dos oramentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educao (FNDE).
O PNBE integra as aes Por uma Poltica de Formao de Leitores,
desenvolvidas pelo MEC, Ministrio da Educao, a partir de trs eixos norteadores:
a) retomar a biblioteca escolar como foco de ao; b) acervos de uso coletivo voltados
para a ampliao das bibliotecas e espaos de leitura e c) atendimento universal s
escolas da Educao Bsica (PEREIRA, 2006). A regulamentao dessa poltica de
formao de leitores se encontra fundamentada em trs volumes, apresentando uma
viso geral sobre o que cada um deles contm, a saber:
volume 1 Por uma Poltica de Formao de Leitores contempla
o que vem sendo desenvolvido no que concerne leitura, ao livro e
biblioteca no processo de formao de leitores e uma discusso
acerca dos dados coletados na pesquisa avaliativa do Programa
Nacional Biblioteca da Escola (BERENBLUM, 2006);
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volume 2 Biblioteca na Escola traz algumas reflexes acerca
dos investimentos aplicados pelo MEC no sentido de assegurar o
acesso leitura na escola, alm de apresentar algumas proposies
de atividades voltadas para o uso das obras distribudas pelo PNBE
(PEREIRA, 2006);
volume 3 Dicionrios em Sala de Aula evidencia a necessidade
de os alunos ampliarem os seus repertrios vocabulares na maioria
das modalidades de ensino da educao bsica, como uma forma de
inseri-los no universo da informao (RANGEL, 2006).
indiscutvel a importncia dos livros, assim como a presena de bibliotecas
em escolas, sendo de Educao Infantil ou no. Portanto, faz-se necessria no s a
discusso dessa temtica, mas tambm a pesquisa sobre esse Programa de tamanha
magnitude focado na distribuio de livros literrios. Essa a maior crtica ao PNBE:
manter-se praticamente na distribuio de livros e no investir na formao de
profissionais que medeiam a leitura. Como salienta Silva (2009), essa estratgia
deveria ser acrescida s polticas pblicas de melhoria e implementao de bibliotecas,
bem como informao nesses espaos.
Os livros de literatura no espao escolar conferem criana uma
multifacetada forma de acesso ao saber, evidenciando-se a importncia da ao
docente. Todavia, para que a formao do pequeno leitor se efetive, preciso a
presena de um mediador preparado como leitor e formador de leitor, permitindo que a
criana participe e desfrute da experincia prazerosa da leitura.
O educador tem a possibilidade de aguar nos alunos a vontade de querer
aprender a ler e escrever, revelando-lhes a importncia desses recursos para um melhor
entendimento dos meios social, cultural e poltico. E justamente pelo que a leitura
literria pode oferecer de possibilidade de sentidos que se deve delimitar o que
possvel ou no fazer nas prticas pedaggicas, para que no se escolarize tanto a
literatura a ponto de se invisibilizar as possibilidades de articulaes prprias da
linguagem oferecidas atravs do texto literrio.
Sobre a linguagem literria em uma concepo contempornea, Amarilha
(2012) acrescenta que
A linguagem literria organiza os fatos em forma diferente da
linguagem oral do cotidiano. Como essa roupagem tem bossa, ritmo,
humor, o leitor mirim percebe que est diante de uma maneira
diferente de ser da lngua. por essa razo que muitas vezes a
criana solicita a repetio de uma mesma histria, principalmente,
crianas pr-escolares (AMARILHA, 2012, p. 49).
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Desse modo, revela-se o valor da linguagem literria como transformadora e
criadora de realidades, contudo, sempre presente no cotidiano das instituies de
Educao Infantil. Evidencia-se, ento, a necessidade de pesquisas que aprofundem
questes especficas, que articulem educao, ensino de leitura e de literatura, e gesto
de polticas pblicas pr-formao de leitor. Pesquisas que, indo alm das reflexes
disciplinares, possam estreitar relaes com outras reas de conhecimento, de forma
que a viso de educao literria seja ampliada, ressignificada.
Considerando essas particularidades da linguagem literria, o PNBE, a gesto
pblica e a formao do leitor na Educao Infantil, urge a necessidade de um estudo
sobre a implementao do Programa Nacional Biblioteca da Escola e suas
contribuies para a formao do leitor de 0 a 5 anos na cidade do Natal-RN.
Sendo assim, este estudo se faz necessrio e fundamental, visto que busca
conhecer aspectos da Poltica Pblica de fomento leitura que no so contemplados
em documentos oficiais. Com este estudo, esperamos verificar como acontece a
implementao, circulao e acessibilidade dos professores e das crianas no que se
refere ao acervo de literatura para infncia a eles destinado.
Por essas razes, justifica-se a inter-relao literatura, polticas pblicas e a
gesto na Educao Infantil no intuito de investigar as contribuies do PNBE para a
formao da criana leitora, considerando o texto literrio como meio privilegiado
para promover o sucesso da criana nas habilidades da linguagem.
1.3 DELIMITAES DO ESTUDO: QUESTES, PROBLEMA E OBJETIVOS DA
PESQUISA
Considerando como eixo norteador desta investigao o ensino de literatura
na Educao Infantil e a formao do leitor por meio do acervo do PNBE
disponibilizado nas Edies de 2008- 2010- 2012 para os Centros Municipais de
Educao Infantil de Natal, consideram-se no contexto deste estudo as seguintes
questes:
como se d a gesto do Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE no
tocante a distribuio, armazenamento e receptividade do acervo na Rede
Municipal de Ensino de Natal para o nvel de escolarizao da Educao
Infantil?
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como esto organizados os espaos de leitura e biblioteca escolar para crianas
da Educao Infantil da Rede Municipal de Ensino de Natal- RN?
Frente a esses questionamentos, a fim de colocar um limite conceitual no
tema e no problema, infere-se como tema de estudo a gesto do PNBE na Educao
Infantil de Natal- RN. Assim, foi feito um recorte de estudo em torno da gesto
pblica na Educao Infantil voltada para a prtica de leitura da criana por meio da
Literatura Infantil disponibilizada nos acervos do PNBE. Em consequncia,
configurou-se o seguinte problema de pesquisa: como se d a implementao do
PNBE na Educao Infantil de Natal - RN?
Para o estudo desse objeto, sero demarcados alguns balizadores sob os quais
a pesquisa deve ser apreciada.
Como etapa inicial da pesquisa, faremos um levantamento das Leis, Decretos,
Documentos e Diretrizes que norteiam, regulam e prestam conta do Programa
Nacional Biblioteca da Escola PNBE. Uma vez que o programa o nosso objeto de
pesquisa, considerando que ele se encontra em vigor, necessrio conhecer, discutir e
avaliar as diretrizes que o pem em funcionamento no pas.
Em seguida, sero feitas entrevistas com os assessores que integram a equipe
de gesto dos rgos responsveis pelo PNBE municipal, especificamente do
Departamento de Educao Infantil (DEI), da Secretaria Municipal de Educao,
responsvel por gerir e administrar as formaes continuadas dos professores da
Educao Infantil, a fim de subsidiar os nortes da pesquisa.
Como terceira etapa da pesquisa, faremos uma visita de campo a 21 Centros
de Educao Infantil da Cidade do Natal que foram contemplados com os acervos do
PNBE desde a sua primeira edio para a Educao Infantil em 2008 at a terceira
edio em 2012, a fim de verificar a presena ou ausncia do acervo de literatura para
infncia, o seu estado de conservao e armazenamento; conhecer como se d a
receptividade dos livros de literatura e os de formao do professor, quando chegam
escola; observar e avaliar os espaos de leitura de cada instituio, e analisar a
acessibilidade das crianas e professores ao material distribudo pelo MEC, atravs do
PNBE.
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Ciente das aes do PNBE, como quarta etapa da pesquisa, sero
aprofundados os estudos sobre os modelos de gesto de polticas pblicas, sociais e
educacionais de leitura, a necessidade da formao do professor mediador de leitura na
inteno de avaliar as possibilidades interativas e formativas do texto literrio
integrante dos acervos do PNBE 2008- 2010- 2012 e os efeitos que este pode provocar
no leitor inserido na escola de educao infantil, bem como os espaos de leitura.
Diante do exposto, objetiva-se com este estudo avaliar o processo de
implementao do Programa Nacional Biblioteca da Escola e a formao do leitor na
Educao Infantil de Natal-RN.
Tendo como norte esse objetivo maior, desdobraram-se os seguintes objetivos
especficos:
investigar os processos de gerenciamento das polticas pblicas de fomento
leitura implementadas na Rede Municipal de Ensino de Natal destinadas
Educao Infantil; e
conhecer os espaos de leitura que abrigam o acervo do PNBE nos Centros
Municipais de Educao Infantil e de que modo eles contribuem para a
democratizao da leitura no mbito escolar.
1.4 O ESTADO DA ARTE
Considerando que a cultura letrada faz parte do cotidiano, desde o
nascimento, entendemos que a leitura de literatura um meio de proporcionar
criana no ambiente escolar uma forma de saber atravs de mltiplas aes
pedaggicas, dentre elas, a mediao de leitura como uma ao que favorece o
encontro entre o leitor e o texto.
Partindo da premissa de que o professor, ator principal desse processo de
mediao, precisa de um acervo para traar o caminho da democratizao da leitura, e
entendendo que todas as escolas brasileiras recebem o acervo do PNBE, mas nem
todas o conhecem, resolvemos investigar as discusses tericas sobre as polticas
pblica, educacional e social de fomento leitura e formao do leitor em interlocuo
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30
com o acervo de literatura destinado Educao Infantil distribudo pelo Ministrio da
Educao.
Desse modo, considerando a necessidade de se compreender o processo
educativo do ensino e aprendizagem da literatura como meio para formar o leitor
infantil pelo vis do PNBE, acervo disponvel para todas as escolas do Brasil, ser
feito, no contexto deste trabalho, um panorama das pesquisas realizadas em torno
dessa temtica que melhor abordam o seu objeto de estudo.
Algumas pesquisas j foram realizadas nas mais diversas regies do Brasil
abordando temas como PNBE, literatura infantil e formao do leitor, mas poucos
trabalhos relacionando essas trs vertentes simultaneamente, ou que dialogassem com
outras reas de conhecimento como administrao e gesto de polticas pblicas.
Diante disso, faz-se necessrio refletir sobre O Programa Nacional de
Biblioteca da Escola e sua aplicabilidade na escola pblica em relao s prticas de
leitura na Educao Infantil, visto que, de acordo com os documentos elaborados pelo
Ministrio de Educao (MEC), (BRASIL, 2006; BERENBLUM, 2006; PEREIRA,
2006; RANGEL, 2006), o PNBE tem se constitudo como um programa que visa
contribuir para uma poltica de formao de leitores dentro e fora do ambiente escolar,
considerando-se a variedade de gneros distribudos por ele e a boa qualidade das
obras, pelo fato de existir a inteno de proporcionar ao leitor um convvio permanente
com a prtica da leitura em vrias situaes comunicativas, concebendo-a como
prtica sociocultural.
Esses dados foram verificados a partir de uma pesquisa no Banco da CAPES.
Foram encontradas uma tese contendo aspectos relativos aos benefcios que o mercado
editorial tem obtido com a implementao desse Programa pelo Governo Federal ao
longo de suas edies e nove dissertaes voltadas para aspectos tnico-raciais,
ambientais, pluralidade cultural, qualidade grfica do catlogo e dos livros, gneros
orais e escritos, poesia, quadrinhos e mediao de leitura. Todos esses trabalhos
citados foram desenvolvidos no ensino fundamental ou mdio, nenhum dedicado aos
estudos das crianas da educao infantil, etapa primeira da Educao Bsica.
O primeiro estudo encontrado acerca do PNBE foi o de Oliveira (2008), uma
tese de doutorado denominada Indstria editorial e Governo Federal: o caso do
programa nacional biblioteca da escola (PNBE) e suas seis primeiras edies,
objetivando analisar como tinham se constitudo os processos de seleo, avaliao do
acervo e execuo desse programa nas edies de 1998 a 2002.
-
31
Para levar a contento a sua pesquisa, Oliveira (2008) optou por uma
metodologia voltada para a anlise de documentos oficiais e comparaes entre eles, a
partir da literatura selecionada ao estudo, a fim de compreender como o dinheiro
pblico foi usado no processo de aquisio de obras, devido ao crescente investimento
ano a ano nesse sentido, principalmente sobre a indstria editorial e suas possveis
relaes com o Governo Federal em termos de valorizao desse mercado.
Nesse mesmo ano, a dissertao de Paiva (2008), denominada A literatura
infanto-juvenil na formao social do leitor: a voz do especialista e a vez do professor
nos discursos do PNBE 2005, descreve e analisa os textos orais e escritos produzidos
pelos professores e especialistas, focando a literatura e o gnero poesia como suporte
para a formao do leitor. Em Paiva (2008), a tica de formao do leitor est centrada
na ao do professor, escolhido a partir de critrios especficos e subjetivos, retirando
o aluno do processo de interao entre o mediador e o texto.
A pesquisa de Ferreira (2008), em nvel de mestrado, que tem por ttulo A
personagem do conto infanto juvenil brasileiro contemporneo: uma anlise a
partir de obras do PNBE/2005, analisa o perfil dos personagens que povoam os contos
brasileiros contemporneos selecionados e distribudos a partir das obras do PNBE,
tomando como base a literatura infanto-juvenil do ponto de vista da pluralidade
cultural, como tambm das questes relacionadas ao autor, ao ilustrador, ao tradutor e
aos dados tcnicos das obras. Nessa pesquisa, embora esteja inscrita no campo da
literatura, no h enfoque para a leitura deleite e fruio, apresentando um cunho
sociolgico com enfoque apurado na anlise das personagens, dialogando com os
temas transversais contidos nos Parmetros Curriculares Nacionais por meio dos
contos contemporneos da literatura brasileira infanto-juvenil.
A dissertao de Rodrigues (2009), intitulada A literatura infanto juvenil
afro-brasileira e a Lei 10.639: um olhar sobre as obras adotadas pelo PNBE/MEC
2005, dialoga com a temtica desenvolvida por Ferreira (2008), quando estuda a
temtica tnico-racial adotada pelo PNBE de 2005, avaliando os elementos grficos e
a suas relaes com a Lei que obriga a incluso da histria e cultura africanas e afro-
brasileiras nos currculos escolares de todas as redes de ensino do pas. Nessa
pesquisa, o enfoque se limita s discusses de valores morais, ticos e de cidadania,
no explorando aspectos que so especficos dos discursos literrios.
Na pesquisa realizada por Montuani (2009), que originou a dissertao de
mestrado denominada O PNBE/2005 na Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte:
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uma discusso sobre os possveis impactos da poltica de livros de literatura na
formao de leitores, a autora destaca trs fatores importantes que contribuem para a
formao do leitor literrio e que se diferenciaram das edies do programa antes de
2005. So eles: o retorno da distribuio dos livros para uso coletivo nas bibliotecas
escolares, a alterao grfico-editorial das obras e a possibilidade de os profissionais
da escola escolherem os acervos a serem recebidos. Nesse trabalho, pode-se identificar
avanos significativos nas proposies tericas que reconhecem a importncia da
leitura no desenvolvimento e na aprendizagem da criana pelo vis da leitura de textos
literrios.
O trabalho desenvolvido pela autora se configura como a primeira
aproximao ao objeto que caracteriza as aes do PNBE e objetiva incentivar o
debate acerca do papel da escola no desenvolvimento da competncia leitora dos
alunos, atravs do fomento das bibliotecas escolares.
A esse respeito, Guimares (2010), ao focar a Biblioteca escolar e polticas
pblicas de incentivo leitura: de museu de livros a espao de saber e leitura,
reconhece que a biblioteca escolar um espao privilegiado para o desenvolvimento
de atividades relacionadas leitura, contribuindo para despertar a criatividade e o
senso critico do aluno, sendo, portanto, fundamental para o processo de aprendizagem.
Corroborando com o pensamento de Guimares, falar de biblioteca falar de
pesquisa, busca de informao, ampliao de conhecimento e, consequentemente, falar
de leitura. E justamente nesse processo de leitura, descoberta e transformao da
informao em conhecimento, que a biblioteca escolar surge como um espao rico em
recursos e possibilidades. A pesquisa investiga se as polticas pblicas de incentivo
leitura tm contribudo para a formao do leitor e a dinamizao dos espaos de
bibliotecas nas escolas.
Caretti (2011), em seu trabalho de dissertao Concepes de relao ser
humano-natureza nos livros de literatura infantil para o ensino fundamental do
Programa Nacional Biblioteca da escola 2008, procura traar uma relao entre os
livros de literatura infantil e a educao ambiental, analisando as obras pertencentes ao
acervo do PNBE 2008 para o Ensino Fundamental, que tratam dessa temtica, tendo
como objetivo compreender quais as concepes de ambiente subjacentes s histrias,
estudando aspectos didtico-metodolgicos em situao de ensino formal e informal.
A pesquisa se alicera no preceito de que a valorizao da vida, a preocupao com as
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geraes futuras, o cuidado com o meio, o desenvolvimento de novas formas de
pensar a realidade so preocupaes da educao ambiental que devem estar presentes
tambm na escola dialogando com os livros de literatura para formao de uma
conscincia ambiental. A proposta da pesquisa no aborda os aspectos tericos
metodolgicos que norteiam a prtica da leitura, sendo traados objetivos
admoestadores como cuidar da natureza e formar cidados capazes de zelar pelo meio
ambiente.
Kich (2011), em sua pesquisa Mediao de leitura literria: o Programa
Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE)/2008, analisa o trajeto dessas obras dentro
do municpio de Caxias do Sul, como esto formados seus professores que atuam
como mediadores de leitura e a qualidade do acervo. O estudo foi feito com base em
apenas quatro obras do acervo de 2008, tendo como objetivo principal analisar a
competncia leitora dos estudantes.
Lima (2011) aborda em sua pesquisa de mestrado O Programa Nacional
Biblioteca da Escola e as vozes dos professores de Lngua Portuguesa do Ensino
Mdio questes concernentes ao Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) no
que diz respeito aos aspectos referentes ao seu histrico, a sua implementao nas
escolas pblicas brasileiras, aos seus eixos norteadores e a sua insero pelo
Ministrio da Educao como poltica direcionada para a formao de leitores. Alm
disso, destaca a importncia da constituio das vozes dos professores de Lngua
Portuguesa do Ensino Mdio da Escola Estadual Berilo Wanderley, da rede pblica de
ensino do Rio Grande do Norte, localizada em Natal/RN, a partir das quais foi possvel
compreender as concepes terico-metodolgicas que norteiam as suas prticas
educativas com a linguagem de HQ e os desafios enfrentados pelos professores no
processo de formao de leitores proficientes em um mundo constitudo por mltiplas
linguagens, que exige mltiplos letramentos.
Todos esses dados, identificados em uma tese de doutorado de Oliveira
(2008) e nas outras dissertaes de mestrado de Paiva (2008), Ferreira (2008),
Rodrigues (2009), Montuani (2009), Guimares (2010), Caretti (2011), Kich (2011) e
Lima (2011), revelam que estudos foram desenvolvidos nas reas da educao sobre a
poltica pblica de leitura do PNBE, mas nenhum desses estudos se revela preocupado
em compreender e avaliar como o programa implementado pelo Governo Federal e
como se d a gesto do PNBE nos municpios e nas instituies de Educao Infantil.
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no contato com o mundo da leitura e da escrita que a criana desenvolve a
linguagem oral, amplia o seu vocabulrio, suas possibilidades de uso da lngua, a
aquisio de estruturas sintticas mais elaboradas. Por isso, de fundamental
importncia para a criana o contato com a leitura de histrias contadas pelas
professoras. Essa troca possibilita na criana a compreenso de que a linguagem oral
se materializa na linguagem escrita.
Quanto abrangncia temtica, buscou-se incluir no apenas os estudos que
tivessem como foco especfico a literatura para infncia na Educao Infantil com o
intuito de fomentar o ensino e aprendizagem da literatura a partir das contribuies
oferecidas pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola para a formao do leitor
infantil, mas identificar tambm os pesquisadores que se dedicavam ao estudo e
pesquisa das questes relacionadas ao PNBE, gesto e avaliao de polticas
pblicas, e acessibilidade da criana aos textos literrios na escola de Educao
Infantil.
Na busca pelas pesquisas, encontramos um livro intitulado LITERATURA
FORA DA CAIXA: O PNBE na escola - Distribuio, circulao e leitura, organizado
pela professora doutora Aparecida Paiva. O livro composto por quatro pesquisas de
ps-graduandos que, sob a orientao da organizadora, discute o PNBE em todas as
instituies de educao da rede municipal de Belo Horizonte. As pesquisas discutem
a formao de leitores nas bibliotecas escolares, a distribuio do acervo do PNBE
pelo MEC, o acervo do programa para jovens e a premiao dos autores, cujas obras
compem o acervo do PNBE.
O referido livro corrobora com este estudo, uma vez que areja reflexes sobre
o que, na voz de Soares (2012), deveria ser a mais promissora poltica pblica na rea
de educao do pas: a poltica de distribuio de livros. Livros que chegam em caixas,
mas lamentavelmente, com frequncia, permanecem nelas.
Cientes de que o estado da arte um processo contnuo de investigao que se
inicia e finda igualmente com a tessitura de uma pesquisa, ao trmino deste trabalho
ainda encontramos um estudo que dialoga com a nossa pesquisa realizada pelo
Departamento de Didtica da Faculdade de Cincias e Letras da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), campus de Marlia, e pelo Departamento de Educao da Faculdade
de Cincias e Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente. A pesquisa em andamento
tem como objetivo organizar uma proposta de atividades leitoras a partir do acervo do
Programa Nacional Biblioteca da Escola, PNBE destinado Educao Infantil,
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considerando as atividades de leitura literria como condio necessria para a
ampliao e criao de hipteses fantsticas, ao enriquecimento da capacidade
imaginativa, compreensiva e criativa na infncia, dentre outras, permitindo que as
crianas sejam protagonistas ativas do momento da rotina diria com a literatura
infantil no mbito educacional.
A referida pesquisa foi realizada em creches de dois municpios do estado de
So Paulo e tem como ponto de intercesso com o nosso o objeto de estudo: PNBE.
Entretanto, ela se distancia, visto que focaliza a recepo das crianas de zero a trs
anos e o desenvolvimento cognitivo diante do texto, enquanto que a nossa tem foco na
gesto do PNBE e sua aplicabilidade para as crianas da Educao Infantil
Nos caminhos percorridos durante esta busca, observamos que vrias
pesquisas se aproximam da nossa quando investigam e discutem o Programa Nacional
Biblioteca da Escola. No entanto, nenhuma delas contempla o PNBE e a gesto
pblica da Educao Infantil. Tal constatao reitera a necessidade desta pesquisa no
campo da educao, uma vez que no basta somente criar programas e distribuir os
livros para as escolas de Educao Infantil do pas, preciso acompanhar o que
acontece com suas aes e proporcionar acessibilidade das crianas leitura literria
na escola buscando compreender como a leitura de literatura contribui para a formao
do leitor na Educao Infantil, considerando que, atravs do trabalho sistemtico e
ldico com o texto literrio, possvel favorecer a formao da criana leitora e a
formao de leitor desde a mais tenra idade dentro das unidades de ensino.
Os aportes tericos que fundamentam este estudo so aqueles que dialogam
com a interface polticas pblicas, leitura e literatura para a infncia. So os principais
aportes tericos de Politicas Pblicas Bobbio (2000), Rua (2009), Santos (2012),
Secchi (2010), Castro (2007; 2012) e Frana (2007); no que concerne leitura,
respaldamo-nos em Jouve (2002), Manguel (1997), Martins (2003), Santos (2003),
Soares (2002); para discutir literatura, ancoramo-nos em Amarilha (2012; 2006),
Coelho (2000), Turchi (2006) e Zilbermam (2001; 2003; 2006; 2008); para orientao
do fazer investigativo, quanto metodologia, ancoramo-nos em Bauer e Gaskel
(2012), Bogdan e Bilklen (1994), Demo (2006), Moreira e Caleffe (2008) e Oliveira
(2012).
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1.5 ORGANIZAO DOS CAPTULOS
Esta dissertao est estruturada em seis captulos. No Captulo 1, Onde esto
os livros? revela a origem de nossos estudos, a justificativa, o objeto e objetivos, as
caractersticas gerais do Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE, seguido do
estado da arte, no qual apresentamos em que contexto se insere este estudo atualmente.
No Captulo 2, O Que so Polticas Pblicas?, apresentamos os conceitos de
Polticas Pblicas, Social e Educacional, e descrevemos as etapas necessrias para a
implantao de uma poltica, bem como o ciclo que a compe, seguido da sesso que
apresenta a poltica pblica de fomento leitura, O Programa Nacional Biblioteca da
Escola, alm do Projeto PARALAPRAC e o TRILHAS NATURA, dois programas
que se constituem em poltica social, implementados na Rede Municipal de Ensino de
Natal, visto que ser necessrio ao leitor conhec-los para compreender algumas
nuances das anlises desta pesquisa.
O Captulo 3, Existe mercado para leitura na infncia?, discute a trajetria
do livro de literatura desde o seu surgimento at a incorporao ao Programa Nacional
Biblioteca da Escola PNBE; o livro como mercadoria e o preo da leitura no
mercado editorial brasileiro.
O Captulo 4, Que caminhos percorremos? Quais as veredas desta jornada?
descreve os procedimentos metodolgicos que delinearam os caminhos percorridos
para a tessitura desta pesquisa. Nele apresentamos a classificao da pesquisa, os
instrumentos de coleta e seleo do corpus analisado, os sujeitos de pesquisa, as
estratgias de tratamento e anlise dos dados.
O Captulo 5, possvel promover o encontro do leitor com a literatura nas
rodas da Educao Infantil?, analisa os resultados da pesquisa a partir das discusses
sobre o Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE, no que se refere a sua
implementao na Educao Infantil e sua gesto na Rede de Ensino de Natal-RN.
Finalmente, no Captulo 6, E agora, para onde vamos? dispomos algumas
reflexes finais referentes pesquisa, recomendaes e proposies de
direcionamentos para a implementao do programa na Rede Municipal de Ensino e
estudos futuros.
As Referncias listam os referenciais tericos e metodolgicos que foram
utilizados para a construo da pesquisa.
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Nos Apndices e Anexos organizamos os documentos elaborados e
consultados que serviram para a construo deste trabalho, como os termos que
autorizam a entrada nas escolas, campo de pesquisa, o roteiro da entrevista, os editais e
leis que regem as polticas de fomento leitura.
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CAPTULO 2
O QUE SO POLTICAS PBLICAS?
Um galo sozinho no tece uma manh:
ele precisar sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manh, desde uma teia tnue,
se v tecendo, entre todos os galos.
Joo Cabral
de Melo Neto
Os versos metafricos de Joo Cabral de Melo Neto no poema Tecendo a
manh fazem-nos refletir sobre a necessidade de unir vozes em favor da coletividade
e da fora constituda. A metfora est para alm de um amanhecer, quando se pensa
na interdependncia e incompletude do homem. O poeta nos permite vislumbrar um
futuro de possibilidades a partir da integrao entre cantos, vontades, ideias, quando
nos diz que um galo sozinho no tece uma manh: ele precisar sempre de outros
galos.
Entre a realidade e a fico existe uma linha tnue: a realidade diverge do
ideal e ns insistimos em divergir da realidade ao lanar nosso grito de luta pela
leitura, para que, como o canto do galo que tece a manh, as nossas crianas possam
desenvolver um aprendizado do sentido para nossa existncia no mundo a partir de
simples ensinamentos soprados aos seus ouvidos pelo contar das histrias no alvorecer
de todas as manhs de leitura e literatura.
Ao nos projetar nos galos de Melo Neto refletimos sobre o carter
colaborativo presente nas relaes reais e estabelecemos uma rede sensvel lanada a
tantos outros homens a quem dada a possibilidade de estabelecer uma teia de
vnculos e de responsabilidades sobre as polticas pblicas e sociais de leitura deste
pas.
A poltica uma rea de conhecimento extremamente complexa. Devido
natureza dos temas e a estrutura das relaes imbricadas na poltica, essa uma rea
que d origem a muitas controvrsias. Por conseguinte, este estudo no pretende
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construir uma verso definitiva sobre o assunto, tampouco nossa inteno produzir
uma smula de conhecimentos sobre esse saber. Ao contrrio, necessrio deixar
registrado que todos os conceitos so polissmicos e que pela fora da palavra h de se
ter uma multiplicidade de interpretaes e, principalmente por isso, reflexes.
Neste captulo discorreremos acerca das principais concepes e abordagens
relativas s polticas pblicas e sociais desde os seus conceitos, implementao, tipo,
gesto e a avaliao, estabelecendo tanto quanto possvel algumas intercesses ou
distines entre eles. Alm dessa temtica, apresentamos uma sntese das principais
polticas e programas de fomento leitura especficos para a Educao Infantil, cerne
deste trabalho.
A palavra poltica recebeu ao longo dos tempos diferentes significados.
Comeando pela Grcia Antiga, onde o termo era utilizado em forma de adjetivo,
quando se referia quilo que era da cidade, at os dias de hoje em que, substantivado,
passou a ser utilizado como saber lidar com as coisas da cidade, da sociedade.
Na Antiguidade, o filsofo Plato se dedicou preferencialmente por fazer
desenhos de construes sociais imaginrias, utpicas, projees sobre qual o melhor
futuro da humanidade. Aristteles, seu discpulo mais famoso, procurou tratar das
coisas reais, dos sistemas polticos existentes na sua poca; a acepo do termo
poltica significava a cincia mais suprema, qual as outras cincias esto
subordinadas e da qual todas as demais se servem em uma cidade.
Contrapondo-se a Plato, Aristteles pensava a poltica a partir das
instituies reais de poder. Para ele, a tarefa da poltica investigar qual a melhor
forma de governo e instituies capazes de garantir a felicidade coletiva. Foi um dos
primeiros a tratar a poltica como uma prtica intrnseca ao homem cidado.
Em tempos modernos, a palavra poltica ganha novos significados com
autores como Noberto Bobbio (2000), Secchi (2010) e Rua (2009), pois se utiliza o
termo para se referir dimenso coletiva, geralmente se voltando para a anlise de
elementos como a relao entre indivduo e a administrao pblica, entre as estruturas
da coletividade e a dos indivduos. Para Bobbio (2000), a viso de poltica se restringe
esfera do poder que o homem exerce sobre o outro e da fora do poder do Estado,
instituio responsvel pela ordem social. Ele nos alerta para a dicotomia da filosofia
poltica ps-clssica em detrimento da filosofia da poltica clssica, pois
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enquanto a filosofia poltica clssica est alicerada sobre o estudo
da estrutura da plis e das vrias formas histricas ou ideias, a
filosofia poltica ps-clssica caracteriza-se pela contnua tentativa
de uma delimitao daquilo que poltico (o reino de Csar) em
relao quilo que no poltico (seja ele o reino de Deus ou o reino
das riquezas), por uma contnua reflexo sobre a esfera da poltica
da esfera da no poltica, o Estado do no Estado. (BOBBIO, 2000,
p. 172).
Assim, pode-se inferir que a poltica na atualidade deve ser compreendida
como atividade ou conjunto de atividades que tm de algum modo como termo de
referncia o Estado.
Nesse sentido, poltica a cincia de bem governar um povo constitudo em
Estado, que se democrtico tem sua governabilidade exercida pelo poder pblico, via
representantes conduzidos ao poder, direta ou indiretamente, pelo povo. Retomando
afirmao de que o termo poltica muito abrangente, e corroborando com o conceito
de Rua, preciso
estabelecer que poltica consiste no conjunto de procedimentos
formais e informais que expressam relaes de poder e que se
destinam resoluo pacfica dos conflitos quanto a bens pblicos.
(RUA, 2009, p.17).
A poltica mostra o corpo de doutrinas indispensveis ao bom governo de um
povo, dentro das quais devem ser regulamentadas as normas jurdicas necessrias ao
bom funcionamento das instituies administrativas do Estado com o objetivo de
estabelecer os princpios que se mostrem eficientes construo de um governo capaz
de conduzir o Estado ao cumprimento de suas essenciais finalidades, isto , em melhor
proveito dos governados.
A palavra poltica na lngua portuguesa, assim como em outras lnguas
latinas, pode assumir duas conotaes principais a partir de um nico significante, que
a lngua inglesa consegue diferenciar usando os termos politics e policy (RUA, 2009;
SECCHI, 2010). O termo politics tem na concepo de Bobbio (2004 apud Secchi
2010, p.1) o sentido de atividade humana ligada a obteno e manuteno dos
recursos necessrios para o exerccio do poder sobre o homem. Quando o termo
poltica assume o sentido expresso pelo termo policy, segundo Secchi (2010), mais
concreto e tem relao com resultados racionais. a cincia da organizao, dos
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direcionamentos para a ao e deciso poltica, vinculando-se a ela o termo poltica
pblica (public policy).
Para um melhor entendimento, torna-se necessrio esclarecermos tambm as
diferenas entre poltica pblica e deciso poltica, pois, segundo afirma Rua (2009),
embora uma poltica pblica implique deciso poltica, nem toda deciso poltica
chega a constituir uma poltica pblica(RUA, 2009, p.20). Vejamos o quadro
elaborado pela autora.
Quadro 1 - Diferena entre poltica pblica e deciso poltica POLTICA PBLICA DECISO POLTICA
Geralmente envolve mais que uma deciso e
requer diversas aes estrategicamente
selecionadas para implementar as decises
tomadas.
Corresponde a uma escolha dentre um
conjunto de possveis alternativas, conforme a
hierarquia das preferncias dos atores
envolvidos, expressando - em maior ou
menor grau -