o quarto espírito
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Lançamento do primeiro capítulo de O Quarto Espírito, segundo livro da série Cinco Luas.TRANSCRIPT
Ronaldo Cavalcante
O Quarto Espírito
RECOMEÇO A DOR QUE NÃO CESSA
- Você já está aí há dez dias, Luciana. – diz Rafael agachado olhando o rosto
sereno da Guardiã. Como esperado ela não o responde. O acontecimento já é rotina.
Está a poucos centímetros de seu rosto, olha bem para ela apreciando sua
encantadora beleza. Ela tem os olhos fechados e mantém uma postura impecável de
concentração. Medita há dez dias sem parar em posição de lótus completo, suas mãos
permanecem em mudra cósmico, dorso da mão esquerda sobre a palma da direita, as
juntas dos dedos médios encostadas umas sobre as outras, as pontas dos polegares
tocando-se levemente. As mãos posicionadas na altura do umbigo. É de onde a energia
flui. Uma grande força que cresce a cada dia.
Rafael fecha os olhos também e como faz diariamente desde o início da
meditação da amiga, começa a sondá-la com suas habilidades. Não é bom nisso como
ela, mas no momento é o suficiente. Só precisa saber se suas funções vitais estão
normais. Preocupação desnecessária desde o começo, já que Luciana é detentora das
mais poderosas habilidades de cura.
Rafael abre os olhos e levanta-se ainda a encarando. Não sabe como está se
aguentando lúcida sem água e sem comida. Em suas sondagens não vê nada de anormal,
na verdade mal pode sentir sua presença, a não ser pela força crescente que emana de
suas mãos ao longo dos dias. Vinícius, o Guardião do Fogo, e também com a habilidade
de ler emoções, não percebeu nenhuma alteração em seu humor, nenhuma perturbação
em suas vontades.
Fotossíntese.
É a explicação que encontraram para a boa disposição corporal de Luciana, e
totalmente plausível visto que é senhora da natureza, plantas e animais são seus servos.
Exímios guerreiros e guardiões a serviço de Luciana. Um exército cheio de fúria e vida.
De fato, várias plantas crescem ao seu redor. Crescem em pujança por todos os
lados. O chão está coberto por estevas, pequenas flores brancas com detalhes pretos em
suas pétalas, formam ramos grandes por toda parte se espalhando enquanto crescem, às
suas costas um pinheiro manso lhe faz sombra quando o sol está em seu auge. É
pequeno e frondoso.
O Guardião senta-se e olha para o pinheiro, depois olha paras as flores bonitas
que circundam Luciana em um abraço protetor. Tudo aquilo é quase um santuário,
transmite muita paz. Borboletas azuis turquesa com as fimbrias das asas passando do
azul escuro para o negro freqüentam esse pequeno santuário, apareceram há três dias,
são bonitas de se ver e pousam em Luciana como se ela fosse uma flor gigante no meio
de tudo. Insetos diversos e alguns pássaros a visitam vez ou outra. Não sabem dizer se
ela mesma os invoca ou são apenas atraídos pelo ambiente aprazível. O grupo se
questiona se ela se comunica com eles, ou mesmo eles com ela, coisa que eles mesmos
não conseguem fazer desde que começou com a meditação. Rafael olha para o céu se
perguntando até quando ela ficará ali. Pensa às vezes em pedir para Caçador, sua
entidade, para entrar em contato novamente com Os Gêmeos, entidades de Luciana.
Mas tenta ao máximo não conversar com ele, não gosta dele, de sua postura, de seus
atos. Sabe também que a resposta seria a mesma. “Os Gêmeos e a Guardiã não querem
ser perturbados”.
Desejo um paraíso parecido com este a você, William, onde quer que esteja.
Pensa Rafael e logo em seguida balança a cabeça afastando pesamentos tristes.
Desvia a cabeça para o lado e vê duas enormes luas tentando se mostrar pelas
fartas nuvens brancas que se ajuntam no céu azul de dez da manhã. Cuzco e Idan Ha
permanecem na órbita da Terra.
Permanecem lá, mesmo dois meses depois da retirada dos outros invasores, os
hostis. Balor e Daisuke recuaram com suas luas depois de serem rechaçados na última
batalha. Abriram seus portais negros tampando a luminosidade terrestre e sumiram pela
fenda, não houve impacto gravitacional assim como na chegada deles. Apenas foram.
Cuzco e Idan Ha ficaram porque provavelmente nem mesmo podem voltar a
seus impérios. São traidores do Conselho depois que ajudaram os Guardiões a se
defenderem, depois de formarem uma aliança com a Terra e eliminarem as bases que
precediam a ocupação em si dos impérios adversários. Permanecem ali refugiados
esperando suas sentenças, apesar de já saberem suas penas. Apenas esperam a decisão
formal do Conselho para tomarem uma ação.
A demora no julgamento não é um bom sinal segundo os capitães dos impérios
aliados. Portanto esperam o pior. E por isso permanecem na órbita terráquea caso um
ataque imprevisto aconteça. Se forem caçados, logo a Terra estará em apuros
novamente, e isso não poderá acontecer agora. Não depois do que conseguiram.
Rafael lembra-se de uma situação dias atrás, um dia específico onde ele
observava o trabalho de seus amigos. A memória lhe engolfa enquanto observa o céu de
muitas nuvens. Nuvens tão brancas que ardem a vista.
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Antes de começar a meditação, Luciana trabalhava com Luc nos laboratórios de
Cuzco e Idan Ha. Localizados em Brasília, capital do Brasil. Terra natal dos Guardiões.
Usaram as instalações de uma base inimiga antiga que foi tomada pelo exército na
última batalha. Adaptaram o espaço para trabalharem em suas pesquisas.
Experimentavam todo o tipo de combinações possíveis tentando achar
primeiramente o material, ou para ser mais preciso, o mineral que permitiria os encaixes
cibernéticos na população da Terra. Um atraso na evolução da praga, uma chance de
vitória sobre a Extinção.
O processo era trabalhoso e muitas vezes tinham de partir do nada, porque a
quantidade de combinações parecia infinita, Luciana percebeu nesse tempo trabalhando
com Luc como o universo é grande, como não conhecem uma mínima parte do todo.
Foi bombardeada com tanta informação que Luc teve de dar espaço e tempo a ela para
que respirasse e assimilasse tanta informação. A quantidade de elementos, minerais e
substâncias novas eram absurdamente impossíveis. Cientistas da Terra podiam jurar que
entraram em êxtase ao saberem do novo arsenal que os aliados alienígenas traziam. Não
traziam tudo, pois seria impossível, mas traziam tantos que a simples idéia de haver
mais era de arrepiar a espinha de um pesquisador.
Trabalhavam no escuro porque não achavam nada compatível com a estrutura
terráquea. Luc literalmente perguntava aos minerais. Com sua formidável habilidade de
entender qualquer organismo inorgânico, e não conseguiam se juntar de forma coerente
para uma fusão eficaz. Isso sempre frustrava o Guardião.
- Como pode haver tantas substâncias e ainda assim não acharmos uma
combinação que pactue com um organismo? – disse ele a Luciana depois de uma análise
frustrante de um dia inteiro. Olhou para Rafael com um ar cansado, o Guardião estava
ali somente para observar, sentiu-se pequeno com a pergunta, não entendia nada
daquilo. – Porque consegui achar tão rápido o mineral para meu povo?
- Faz sentido quando você é o Guardião do planeta agredido. – Luciana olhou
para cima pensando. Talvez tenhamos que achar um meio por nós mesmos. Talvez seja
essa a meta de cada Guardião. – e se sentou exausta de um dia de tentativas. Olhou para
o lado, para o nada, e Rafael soube na mesma hora o que ela pensava porque ele mesmo
também pensava o mesmo nas horas que o cérebro não estava ocupado. – Se ao menos
ele estivesse aqui...
- Combinamos em não comentar mais sobre ele por enquanto, Luciana. – Luc
tentou ser gentil. Mas as palavras saíram como uma admoestação. Rafael permaneceu
calado. Não gostava mais de tocar no assunto. – E sim, se ele estivesse aqui seria
mais fácil, na verdade, - soltou o que estava segurando e cerrou os punhos. – seria
instantâneo.
Todos sabiam que se William estivesse ali tudo seria mais fácil, Luciana poderia
ligá-lo mentalmente com Luc e o mineral seria encontrado em segundos, ou como Luc
havia dito, instantaneamente. As habilidades de William de controlar a terra e todos os
seus componentes, junto à habilidade de Luc de entender os materiais sem vida, os
mostrariam o caminho para o mineral compatível, ele só teria de conhecer todas as
substâncias já catalogadas. As que não tinham acesso no momento poderiam ser feitas
ali mesmo com o arsenal que dispunham, William podia fundir qualquer substância que
tivesse sapiência sobre, poderia tentar até mesmo criar outras novas.
Luc sabia disso e se arrepiou com a idéia, Rafael percebeu, não sabia o que o
Guardião pensava no momento, mas viu seu corpo se eriçar, seus olhos se abriram em
esperteza e curiosidade, era também um pesquisador e as chances disso acontecer eram
estimulantes. Mas para isso precisavam do Guardião. O Pilar que até o momento era
dado como morto.
O Pilar que Luciana tanto ama, e medita agora mesmo tentando sondá-lo além
das fronteiras de seu planeta, além de todas as fronteiras que conhece. É a última
estratégia da Guardiã para encontrar William, seu pilar, seu ponto de equilíbrio. A
certeza que seu amado está vivo é o único motivo de Luciana manter-se sã, é o que a
move. É o que provavelmente a impede de destruir tudo a sua volta. Ela sabe disso, seus
amigos sabem disso, e temem por sua companheira caso sua certeza seja somente uma
perturbação da mente.
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Rafael sai de seus pensamentos, os olhos marejados da lembrança. Não quer
lembrar de William. Não de novo. Perdeu o amigo há apenas dois meses. Muito recente
para lembranças idiotas. Esperanças idiotas.
Olha novamente para Luciana e sua expressão é de paz. Não sabe como pode
permanecer assim, ele mesmo sabe que não ama o amigo tanto quanto ela, são amores
diferentes, lógico, mas nesse caso a mensuração é óbvia. Senta-se novamente lembrando
da crença estranha da amiga, a certeza incólume de que William ainda está vivo.
Depois de dois dias da retirada das tropas inimigas da Terra, Luciana contou aos
outros o que suas entidades, Os Gêmeos, lhe contaram quando estava semi-inconsciente
no campo de batalha. Todos ficaram sem saber o que falar. Muitos duvidaram em
silêncio, Vinicius a sondava procurando por dúvidas, mas não havia nenhuma, apenas
uma certeza irrefutável. Entraram em contato com suas próprias entidades e todos
confirmaram a mesma coisa. Sentinela, a entidade de William, não havia retornado ao
plano psíquico que compartilhavam. Portanto, William ainda estava de certa forma vivo,
ou Sentinela já teria retornado. Assim foi explicado a eles.
Mas Rafael, mesmo com sua mente sempre receptiva ao novo e ao fantástico não
engoliu essa. Viu William no chão, viu seu sangue. Viu sua cabeça separada do corpo e
seu peito mutilado, aberto a facadas. A cena o irava, lhe embrulhava o estômago e
roubava noites de sono. Luciana já o havia alertado para não se ater a memórias vindas
da visão. “Elas podem trazer truques perversos com elas”.
Com mais reflexão, Rafael entende que o que não deixa que acredite que seu
amigo ainda estava vivo é sua certeza pela cena incrustada em sua mente. Rafael
acredita muito no que viu, e o que viu não sai de sua mente. Acreditar o contrário é
muito difícil. Por mais que tente não dá total credibilidade a Luciana, nem mesmo às
entidades.
O sol começa a castigar. Rafael anda até uma sombra. Sem nem mesmo notar, a
pequena árvore cheia de folhas novas já lança uma sombra protetora sobre sua
invocadora. Guarda-a do calor intenso deixando que se concentre plenamente.
O sol é forte naquela época do ano em Brasília. Chegaram ali pelas habilidades
de Luciana. Descansada e sem perigos aparentes ela os levou por um portal feito na
mesma Alfarrobeira que a Guardiã e Luc haviam chegado. A árvore parecia intacta dos
danos da batalha nos Emirados Árabes, tudo em volta era destruição, mas
aparentemente a grande árvore não sofreu muito. Luciana ficou radiante quando a viu
viva e praticamente intocada.
A sombra lhe parece tão fresca que o Guardião deita na grama quase seca e volta
a fitar o céu, e antes que possa perceber perde-se novamente em memórias.
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Voltaram para sua querida cidade, lembra ele. Os guardiões que nunca tinham
experimentado o "portal" da amiga acharam muito estranho entrarem em uma árvore e
saírem em outra, em outro continente. Era demais até para Rafael que sorria bobamente
olhando para os lados quando saiu de uma enorme figueira situada no meio de duas
pistas que separavam o conjunto de quadras da cidade. Era grande, enorme e sinistra.
De seus galhos e caules desciam inúmeros cipós que se ligavam a terra formando raízes
aéreas, tinha um aspecto um pouco sombrio pela quantidade dessas raízes que desciam
como se estivessem possuindo todo o solo em volta. Esses cipós eram duros como
galhos, a árvore parecia cada vez mais aumentar seu sustento, criando uma base cada
vez mais larga e firme. De longe sua vista era fascinante, tão frondosa que era difícil
não pensar que era um conjunto de três árvores ou mais.
Alguns carros frearam quando viram quatro jovens sendo vomitados pela árvore.
Olharam ao redor e não demorou muito para terem certeza que estavam de volta,
estavam em casa. Voltaram, como dizia a crença popular, justamente na época em que
as cigarras saíam do solo para chamar a chuva, o aviso da natureza que a ajuda do céu
está a caminho, eram audíveis em toda a cidade com seus diferentes cantos.
A figueira parecia viva com as cigarras em seus galhos e folhas largas, os mais
atenciosos poderiam jurar que a árvore pulsava com o canto uníssono dos insetos
barulhentos. Rafael sorriu ao ouvir as cigarras e em seguida fez uma careta de dor. O
som tornou-se insuportável para ele. Parou para prestar atenção no canto dos insetos que
tanto gostava, justamente porque anunciavam a chuva, e tapou os ouvidos regulando sua
habilidade sonora. Percebeu que algumas cigarras emitiam sons não captados pelo
ouvido humano comum, tão agudos que simplesmente passam despercebidos pelos
menos dotados, mas que ardiam seus tímpanos como brasa.
Fez sinal aos amigos indicando que estava bem depois de olhares preocupados.
Explicou rapidamente seu desconforto e voltaram a mirar a cidade. Ouviam as cigarras,
mas tudo estava seco, e geralmente a chuva não tardava a cair depois do aparecimento
delas.
Ficaram felizes de ver a cidade apenas atormentada pela seca, pelo que já
presenciaram, poderia estar pior. Excetuando algumas áreas destruídas pelo ataque de
Daisuke e algumas bases formadas pelos inimigos, incluindo uma enorme situada na
Esplanada dos Ministérios, sede do governo, a mesma base que Luc e Luciana
reocuparam, a cidade estava ótima.
Rafael os tirou dali para que não causassem mais transtornos já que o trânsito
engarrafou com os curiosos que paravam para observá-los e ovacioná-los pelos feitos.
Saíram tentando não ser rudes com o povo que os adorava agora. A última e grande
batalha aconteceu em outro continente, nos Emirados Árabes, mas todo o mundo sabia
dos acontecimentos, o planeta andava muito integrado ultimamente, as pessoas se unem
quando suas vidas correm perigo.
O ano particularmente estava mais seco, os nativos já estavam acostumados ao
clima quase árido de cerrado, mas esse ano em especial estava insuportável. Com mais
de cento e trinta dias sem chuva a cidade estava feia, cinza e marrom. A vegetação
sempre presente no grande centro estava com essas cores, era de dar dó para os
acostumados ao sempre verde. Pequenas plantas e árvores acostumadas ao clima e com
raízes tão grandes quanto elas mesmas, ou o dobro, faziam o que podiam para
manterem-se vivas. O sofrimento delas era evidente, assim como dos habitantes da
cidade que sonhavam com a tão aguardada chuva.
Quando retornaram à cidade para descansarem e discutirem sobre o que fazer
dali em diante, a primeira coisa foi dar à casa um presente. Rafael se encarregou disso.
Voou por toda a cidade reunindo as massas de ar. Voou com Vinícius que o ajudava
com as massas quentes. Nunca tinham visto a cidade tão maltratada, o lago artificial
criado para justamente amenizar o clima e logicamente criar um belo cartão postal
estava vários centímetros mais baixo. Tanto que em algumas bordas mal tocava os
clubes que o margeava.
Os Guardiões não sabiam dizer se aquilo era reflexo das mudanças ambientais
que aconteciam em todo o globo ano após ano, ou se era algo mais imediato.
Suspeitavam fortemente que já era reflexo das extrações de tam’a’shi há meses atrás.
Os Guardiões trouxeram chuva pesada a cidade, mesmo com os avisos
metereológicos de chuva próxima, avisos estes adiados semana após semana. A
população parou para olhar para o céu quando o barulho do vôo dos dois foi ouvido
como uma esquadrilha de aviões em teste, ao mesmo tempo em que os meios de
comunicação davam a notícia de que os Guardiões estavam de volta, programas de
televisão eram interrompidos, assim como avisos nos rádios e uma enchente de
postagens nas redes sociais deixavam a internet mais lenta. Celulares e todo o tipo de
sites de relacionamento mandavam notícias sobre os quatro e o recado mais divulgado
era: #HeroisNaCasa. A notícia se espalhava para outros estados, países e continentes.
Logo o mundo todo sabia onde os quatro se encontravam.
Todos queriam os milagres.
Trouxeram chuva à sua terra, mas sabiam como todo resto do mundo reagiria
àquilo. Áreas muito piores precisavam daquela chuva, muito mais que Brasília. E
justamente elas começaram com as solicitações, e logo a nova mensagem mais
publicada era: #TambemQueremosChuva. Chuva para a seca, para as plantações. Água
para o necessitados. Proteção aos povos agredidos por combate interno e externo. Cura
para as enfermidades.
Com a falsa sensação de conforto que a população mundial sentia com a saída
dos hostis, logo os problemas comuns retornaram rapidamente. O sentimento de união
que invadiu o mundo com a guerra contra os invasores logo se dissipou, traços de
intolerância e violência logo retornaram ao cotidiano humano. Mesmo com a doença
latente em seus corpos. Os Pilares se enfureciam com as notícias de novos conflitos em
tão pouco tempo depois da última guerra. Por vezes se perguntavam se seus esforços
realmente teriam algum sucesso, por sorte Coatl os auxiliava com essa dúvida, seu
mundo hoje soberano. Passaram por situações bem similares. A vitória de Cuzco sobre a
doença e sobre os conflitos internos é uma âncora para os Guardiões da Terra.
E de certa forma a Terra estava melhor, mas precisava muito ainda da ajuda de
seus heróis.
E agora com as habilidades dos Guardiões pipocando pela internet e por toda a
parte, o mundo queria seus dons. O mundo queria a ação efetiva de heróis para os
problemas antigos.
Foi aí que tiveram de se esconder.
Foram ver suas famílias primeiro. O intuito da viagem foi mascarado pela
grande vontade de ver como seus familiares estavam. Todos, menos Rafael, ficaram
infinitamente felizes em visitar suas famílias, passaram menos de um dia com eles, mas
era como estar em um sonho. Todas as famílias com ligação direta com os Guardiões
estavam em um alojamento feito pelas defesas do governo de seu país. Era um lugar
amplo e com ótimas instalações. Descobriram onde estavam depois que tentaram voltar
para suas velhas casas e não encontraram nada, ou apenas vizinhos saudosos que lhe
informaram do paradeiro da família, ou destroços agourentos. Todas as famílias
estavam ali, juntas, menos a de Rafael.
Finalmente tiveram de lidar com os familiares de William. Seus pais não
estavam irados e nem revoltados com a perda. Pareciam orgulhosos com as proezas do
filho, mas mesmo assim as lágrimas desciam de saudade. Antes de chegar ao local os
Pilares conversaram sobre contarem ou não da possível volta do amigo. Da suspeita
quase certa de que Luciana tinha que seu namorado ainda estava vivo. Acharam
crueldade lhes dar uma noticia dessas, era uma esperança desmedida, que, para a
família, era algo inimaginável. Dar a eles isso e depois William não voltar os tornariam
mentirosos inescrupulosos. Seria como se os Guardiões o matassem dessa vez.
Por mais que Luciana insistisse e ficasse chateada com a incredulidade dos
amigos, concordou em não contar nada. Ficou de coração partido ao ver tanto choro por
algo que, a seu ver, não era real, não tinha fundamento. Simulou uma tristeza contida e
deixou o teatro continuar, a contragosto, mas fez.
Rafael ficou o tempo todo como o estranho do grupo, ninguém sabia quem sua
família era, sua origem, nacionalidade, duvidavam até mesmo que era terráqueo. Depois
de usar o Brilho Cego, artefato de Idan-Ha que apaga documentos, registros e até
mesmo memórias de um indivíduo, Rafael optou pelo anonimato para proteger sua
família de qualquer ameaça que os invasores pudessem criar. Até hoje não se arrepende
disso, apesar da saudade as vezes ser tão grande que é capaz de jurar que seu peito vai
estourar.
O Guardião insistiu várias vezes para que os amigos fizessem o mesmo, mas
nenhum deles concordou, Rafael parou de insistir sentindo que estava incomodando.
Não julgava os amigos por não quererem proteger suas famílias como ele, pois a medida
era extrema e sem volta. Leo certa vez explicou que para ele era inconcebível ser um
estranho para sua família, fazer isso era a mesma coisa que perdê-los para sempre, isso
ficou marcado na mente de Rafael. Na tentativa de proteger minha família a perdi para
sempre? Rafael sabia que não, podia reverter isso de algum modo e se não conseguisse
queria de todo o coração a felicidade e vida longa de seus entes amados ainda que
vivesse como uma sombra. Mas a saudade doía, e sempre voltava a machucar.
Rafael não quis contato algum com o público com receio de ver um familiar,
alegou não estar passando bem, os amigos sabiam de sua frustração e o deixaram
isolado, sofriam com ele sempre. Não era de conhecimento geral que Guardiões não
sofrem de "mal estar" então o público não insistiu.
Logo foram assaltados por repórteres e outras pessoas influentes do meio
político. O mundo novamente lhes cobrava ajuda para os problemas mundanos.
Deixaram suas casas mais uma vez.
No início ajudaram como puderam, mas o fardo parecia maior do que a invasão
alienígena. O mundo queria soluções imediatas para suas aflições, e os Guardiões não
estavam ali para consertar o mundo, seus propósitos eram outros e suas missões ainda
não tinham terminado. A praga, a Extinção, ainda estava ativa, mas sete bilhões de
humanos pareciam ter esquecido disso.
Luciana foi a mais sobrecarregada. Foram praticamente quinze dias viajando
sem parar. Ficava um dia em um centro comum de cada região que precisava de seus
cuidados. Geralmente na capital do país que a recebia, tudo era organizado pelo governo
local para que as pessoas pudessem ser atendidas por Luciana, e ela curava de tudo.
Desde amputações a doenças até então incuráveis, como a AIDS e o Alzheimer. Como
Rafael e Leo estavam ocupados em outras partes do mundo, Vinícius se ofereceu para
acompanhar a amiga. Na verdade, Rafael achou que Luciana precisaria de uma proteção
a mais se fosse levar aquilo a sério, estaria exausta das sessões e de forma alguma a
deixaria desprotegida. A medida se mostrou muito sensata posteriormente.
Mesmo com a ajuda política de cada país houve bastante confusão quanto a
organização das sessões. A miríade de pessoas era descomunal ante apenas uma
milagreira, e com toda expectativa e demora nos atendimentos as pessoas começaram a
tentar furar fila, dar ataques simulando uma urgência, tudo para serem atendidos
primeiro. Muitas brigas fizeram com que a segurança local entrasse em ação. Pessoas
fingiam ter parentes, como velhos e crianças, muito doentes para ter acesso mais rápido
à Guardiã. Várias pessoas mais graves deixaram de ser atendidas por causa dessas farsas
que se desfaziam na fila sem fim que esperava sua vez. Pessoas morreram nessas filas,
vítimas de um atraso provocado pela mentira desmedida. A guardiã nada sabia disso, se
empenhava completamente em suas habilidades.
Viu que era inútil insistir em alguns tratamentos.
Parou de curar os amputados pela demora. O processo não era nada rápido e a
fila quilométrica. Lá pelo terceiro dia pediu para que a notícia se espalhasse, pessoas
que precisassem de um novo membro teriam de esperar para uma nova visita. Mesmo
assim a fila pareceu não diminuir, e no décimo dia em diante atendeu somente os casos
muito graves, pessoas com dez a quinze dias de vida ou menos. No décimo quinto dia
estava exausta e as pessoas não paravam de chegar. No décimo sexto dia tentou
descansar um pouco.
O povo se exasperou.
O povo revoltado se agitava tentando chegar até onde Luciana estava, uma tenda
montada no meio de um parque em Nova York. Chegaram ali depois de visitar a
Zâmbia, na África, onde seus cuidados eram urgentes e mesmo assim era um local para
ser visitado dezenas de vezes. Sabia que o problema ali era muito mais sério do que
aparentava, mas não estava ali para julgar ninguém. Não ainda.
Curou tantos quanto pôde do terrível vírus da AIDS. No entanto, curou apenas
os que estavam em estágio terminal, onde a doença deixava o corpo tão débil que outras
doenças oportunistas entravam em ação sem resistência alguma. Os que estavam em
estado de latência, denominados apenas como portadores do vírus HIV+, ou apenas soro
positivo, foram deixados para um tratamento posterior.
Luciana sabia dos problemas daquela terra, as falhas no governo, na educação,
na saúde e outros. Sabia ainda das atrocidades que os habitantes daquelas terras faziam
procurando cura para a doença que se mantinha presente em quase cada rosto.
Atrocidades como estupro de virgens, incluindo crianças e bebês, acreditando-se que era
uma maneira de matar o vírus. Na opinião dela uma loucura, uma atrocidade pervertida
de alguma seita ou tribo. Algo não muito difícil de se ver na região. Mas Luciana
engolia tudo aquilo, tinha que ignorar. Fazia pelas crianças, pelas meninas estupradas.
Pelas crianças órfãs que perdiam seus pais para a doença até então fatal. Na Zâmbia
mesmo, uma em cada quatro crianças menores de quinze anos era órfã decorrente da
doença.
Após curar os mais necessitados depois de um dia completo sem pausas, rumou
para Nova York, a cidade mais populosa dos Estados Unidos. Onde pelo menos um
milhão e meio de pessoas já aguardava a chegada de Luciana. A Guardiã já pensou ter
visto uma multidão, mas a hoste do lugar a surpreendeu. Seu corpo reclamou com
antecedência do esforço que faria, foi o bastante para compreender que estava no seu
limite, tantos dias usando sua habilidade cobravam seu preço. O aglomerado que já
acampava ali não compreendia isso.
- Não pode dar continuidade nessa loucura, Luciana. – disse Vinicius impaciente
vendo a amiga sofrer de cansaço. Viu seu desespero ao perceber que seu trabalho
parecia infinito.
- Tenho que fazer, Vinicius. Sabe que tenho. – Luciana parecia não convencer
nem ela mesma. Tinha olheiras e sua aparência estava péssima. Parecia uma humana
normal, sua beleza de Guardiã parecia ter sido sugada de seu corpo.
A tenda bem guarnecida tinha problemas em controlar a multidão que gritava o
nome de Luciana. Ela os escutava claramente em seu aposento. A tenda tinha vários
outros compartimentos, tudo o que Luciana e Vinicius precisavam estava ali, o que
precisassem podia ser providenciado. No aposento principal, apenas uma parte maior da
tenda ladeada por lonas espessas e brancas, ficava uma espécie de altar, o local onde
Luciana ficava para tratar os enfermos, Vinicius sempre ficava com ela caso precisasse
de amparo nas sessões árduas, ou se algum maluco tentasse algo contra a amiga. Não se
pode vacilar quando se trata de fanáticos. A política de Vinicius sempre foi que todos
eram culpados, até que se provasse o contrário, por isso não relaxava, nem mesmo com
a mais adorável criança. O cuidado parecia exagerado, nem mesmo Luciana
enfraquecida corria perigo contra um humano.
Mas milhares deles era outra história.
A grande sala estava vazia. Os dois estavam em outro aposento. Luciana tentava
se levantar. Vinicius a impedia.
- Deixe-me ao menos tentar, Vinny. – disse com esforço virando o corpo de
lado, abraçou os ombros como se os músculos estivessem doloridos.
- Você não consegue ficar nem de pé sozinha, Luciana. – o Guardião ajoelhou
perto dela e a tocou na face. – Descanse hoje, deixe que cuido deles.
- Mas são muitos, acho que posso atender pelo menos um punhado deles, pelo
menos saberão que tentei.
- Eles podem esperar, Luciana.
- Alguns deles não podem. - disse ela tentando se levantar de novo. Tinha
certeza do que falava. - Tenho que pelo menos tentar salvar alguns desses. Sabe que não
posso ignorar. – estendeu a mão ao amigo para que ele a ajudasse. Ele apenas ficou
olhando para sua mão trêmula.
Vinicius sabia que era difícil deixar de lado os impulsos vindos de suas
habilidades, eram mais forte que eles e martelavam em suas cabeças até a tarefa estar
pronta. Estendeu a mão em resposta e a ajudou a se levantar.
- Sabe que muitos deles estão furiosos, não sabe? – Vinicius a tomou no colo e
caminhou até o aposento principal. – Violentos. Não conseguem conceber sua demora e
fraqueza. Querem ser salvos, mas não se importam com as conseqüências. Nem que seja
sua própria morte, a morte de quem está os salvando.
- Sei disso. Não preciso ler emoções como você para saber que são egoístas. Já
tenho percebido desde muitos países atrás, mas não devo julgá-los e não posso negar
ajuda a quem precisa.
- Estão agora mesmo tentando invadir este local, Luciana. Estão ferindo uns aos
outros para chegar até aqui. – o Guardião sondava o lado de fora e colocava Luciana no
altar acolchoado e confortável. Ela se sentou e cruzou as pernas. – Alguns deles têm
intenções assassinas, o velho pensamento de que se não podem ter, então ninguém terá.
- Sentiu isso antes, não sentiu? – Luciana o encarou e suspirou alto. Ele não
respondeu de imediato, o silêncio respondeu por si. – Sei que não estou a salvo aqui, e
sei que nunca estive, mas não creio que meu fim será por um ataque vindo deles. Me
recuso. Estão desesperados por segurança, Coatl e Luc já tinham me alertado do
comportamento agressivo que poderiam ter com tantas decepções em suas vidas. Parece
que nenhum povo difere do outro quando o que está em jogo são suas vidas. Escutar
isso deles foi bom, me fez acreditar mais em nosso povo. Se fossemos a única raça no
universo com pensamentos e atos tão egoístas e mesquinhos já tinha desistido disso tudo
e estaria procurando um império ensolarado que me adotasse. – Vinicius escutou tudo
calado, nem mesmo sorriu da piada da amiga.
- Espero que lembre-se também da Guardiã que morreu tentando salvar seu
mundo, aquela que possuía um escudo. – Vinicius se referia a heroína de um mundo
hoje colonizado. Tinha a habilidade de criar um escudo intransponível, mesmo escudo
que posteriormente os impérios soberanos tentariam copiar para aumentar suas defesas.
O mesmo artifício usado a favor da Terra para atrasar as tropas inimigas. A Guardiã
morreu de esforço, feneceu depois de dias sustentando suas habilidades. No final, como
sempre, a Pilar apenas se mostrou um atraso a ocupação.
- Já disse que não vão me vencer, Vinicius. E não acho que eu possa morrer de
cansaço, não sei nem mesmo se posso morrer. Não acha que seria antagônico a Guardiã
da Vida morrer? – Luciana tentava ser descontraída. Segurou a cabeça nas mãos e
começou a se concentrar. Vinicius fechou o cenho.
- Se quer fazer o teste, hoje é um bom dia. Temos uma turba raivosa e muitos
para curar. – ironizou Vinicius se dirigindo a entrada da tenda, alguns guardas
mantinham vigilância, esperavam pela confirmação dos dois para deixar alguém entrar.
– Mas fique ciente que se desmaiar acabo com as sessões na mesma hora, ok?
Não esperou qualquer resposta da amiga que se encontrava em silêncio e ainda
em postura de concentração, saiu pela abertura passando pelos guardas, ela assentiu
pequeno, voltou a se concentrar. Vinicius parou na porta da tenda e virou-se para
Luciana:
- Sei que está fazendo isso para ocupar a mente, Luciana, todos nós estamos,
para não pensar em William, saiba que estamos com você sempre que precisar.
- Obrigada, não sei o que faria sem vocês me apoiando... Mas dentro em breve
o teremos de volta, não se preocupe.
O Guardião deu um sorriso meio triste, meio condescendente. A dúvida ainda
presente, preocupava-se muito sobre a sanidade da amiga ás vezes. Saiu da tenda e
sentiu, antes de ver, a revolta do povo que esperava pelos atendimentos da Pilar. A
guarda de proteção cercava toda a área em uma espessa barreira de escudos e gente,
cinco fileiras de proteção separavam a hoste de Luciana. Estavam ali a polícia de Nova
York, e mais alguns agentes do FBI e do serviço secreto, sempre encarregados na
proteção de líderes estrangeiros que chegam aos Estados Unidos.
Vinicius viu a confusão se espalhar, estavam tentando achar uma brecha na
barreira de soldados, pela quantidade de gente apenas aquelas fileiras não seriam
suficientes se os esforços da turba evoluíssem. Vinicius sentiu a tensão aumentando,
tanto dos guardas quanto dos revoltados, sabia que aquilo não era bom. Se os revoltosos
insistissem mais a guarda teria de reagir com violência, e o revide do mar de gente que
se formava seria esmagador.
Resolveu agir quando sentiu as emoções em nível bélico.
O ar se aqueceu em volta de suas mãos e chamas vermelhas irromperam dos
dedos e das palmas. Duas esferas vermelhas rodopiavam em cada mão, pareciam
maciças como duas bolas de lava pura. Vinicius as soltou no ar e elas subiram
rapidamente como uma balão de ar quente. Subiram uns vinte metros, pararam, e com
um comando de Vinicius se chocaram fazendo um barulho grande e um brilho cegante.
A turba e a guarda olharam para cima quando o brilho diminuiu, no céu, em letras
gigantes, estava escrito em vermelho pulsante “STOP”. As chamas se mantiveram
acesas por vários minutos até a algazarra diminuir e as emoções esfriarem. Ardia
avisando os mais audaciosos.
Vinicius se dirigiu a um oficial e pediu para que falassem com o povo por
megafones. Como não havia nada tão potente no local a mensagem deveria ser passada
para os outros pelos que estavam mais perto.
Disse ao responsável para espalhar a notícia que Luciana não estava bem
disposta no momento devido ao uso excessivo de suas habilidades, que atenderia
somente os que corriam perigo de vida iminente.
A hoste se enfureceu novamente, e tinham suas razões, não eram muito éticas,
mas como julgar algo que não podemos sentir? Estavam de fato a maioria doentes e
estavam ali há muitas horas, souberam pelos diversos meios de comunicação que a
curandeira atuava ininterrupta por onde passava. Porque na visita a sua cidade haveria
de passar mal? Começaram a duvidar que estava de fato ali. A dúvida se espalhou e
ficou claro para Vinicius que não acreditavam no que dizia. Queriam vê-la. Vinicius não
iria colocá-la a mostra somente para que acreditassem no que dizia. Era ultrajante.
Repetiu para que dispersassem e se reorganizassem trazendo somente os
moribundos para o atendimento. Se movimentaram sem muita dedicação, filas inteiras
organizadas eram desfeitas por conflitos sem motivo. Duas horas ao todo para enfim
começarem a se organizar prontamente. Vinicius impaciente ia começar a pedir para
que os primeiros entrassem.
Na mesma hora sentiu algo estranho, sua ligação de Guardião captou algo dentro
da tenda. A presença de Luciana findou como uma vela há muito acesa. Vinicius correu
tenda adentro não se importando com os berros de fora. Nessa hora várias falhas na
barreira de policiais foram galgadas e fileiras inteiras adentraram no perímetro de
segurança. A polícia teve de usar a força e tiros foram ouvidos quando Vinicius
segurava Luciana inerte no chão, apenas respirava com dificuldade. O Guardião sentiu a
presença térmica de várias pessoas chegando perto da tenda, não acreditou que aquilo
estava mesmo acontecendo.
De todos os lugares que já visitaram, este era o mais urbanizado de todos, talvez
com os melhores recursos possíveis e com a maior quantidade de pessoas ditas, letradas
e de boa educação, mas era o pior lugar que já pisaram até agora. Vinicius nunca sentiu
tanta raiva de sua própria raça como nesse dia. Não passavam fome, não tinham uma
guerra explodindo ao mesmo tempo em que tentavam uma audição com a Guardiã, e
nem de perto todos eles estavam a beira da morte. Mas nada disso importava para os
animais gananciosos.
Olhou para o buraco recém feito em uma das paredes de lona branca, uma turba
barulhenta ameaçava invadir. Vinícius olhou bem para eles e os olhos do Guardião
estavam marejados de ódio. Sua amiga estava ali por eles e eles não davam a mínima.
Concentrou-se para não fazer uma besteira ali mesmo.
Agarrou Luciana com sua rapidez inumana e subiram furando o teto da tenda.
Fugiram do local em um rastro vermelho.
Precisava chegar até seus amigos.
Vinicius seguia a emanação das presenças de Leo e Rafael. Leo estava mais
“perto”. Foi em direção a ele. Nesse mesmo dia mostraram a algazarra em Nova York
pela mídia. Presos que invadiram o perímetro pediam desculpas pelo ocorrido, diziam
ter saído de si, muitas deles nem doentes estavam, com exceção da praga que em
algumas semanas seria também detectada mais evoluída nos homens. Ninguém estava a
salvo. O governo, forças de defesa e responsáveis por todo o evento pediam desculpas
pelo ocorrido e prometeram tomar as medidas necessárias.
Mais de quatrocentas pessoas morreram ali, vítimas dos policiais que revidaram
com força necessária, vítimas de brigas internas no meio da confusão, mas
principalmente, vítimas do egoísmo e descaso com o próximo. Se tivessem se
organizado a tempo, dezenas poderiam ter sido salvas e talvez algumas brigas internas
nunca tivessem acontecido.
Luciana acordou em pleno vôo, atordoada. Vinicius instintivamente a abraçou
mais forte tentando acalmá-la. Diminuiu a velocidade para que pudesse ouvir a amiga.
- O que? Porque estamos voando? – falou com um ar esgotado na voz.
- Você desmaiou, sem nem mesmo atender um enfermo. Como prometido
suspendi as sessões. – Vinicius falava sério.
- Mas não tinha necessidade de me tirar de lá, Vinny. – tentou se desprender do
abraço como se fosse capaz de realizar uma queda livre perfeita. Conscientizou-se
novamente que estava voando e ela mesma abraçou o tronco do amigo. – Nos leve de
volta.
- Não! - disse ainda imperativo.
- O que está fazendo, Vinicius? Me leve de volta. – tentou ser agressiva, mas as
forças lhe escapavam a cada palavra.
- Tentaram te atacar, sua doida! – disse ele aumentando um pouco a velocidade.
– Tentei acalmá-los enquanto você meditava. Estavam apenas baixando as defesas do
perímetro de segurança para tentar invadir a tenda e fazer não sei o que com você.
- Então não chegaram a me atacar. – disse ela olhando para seu rosto com
dificuldade. Vinicius olhou para ela incrédulo. Não acreditava que ela iria defendê-los
depois daquilo.
- Senti suas intenções, Luciana. – para Vinicius era irritante ter de explicar
aquilo. – Não rasgaram as paredes da tenda para se prostrarem perto de você, moça.
- Sei que os sondou, Vinicius. – Luciana colocou a cabeça de lado no peito do
amigo e falou o mais alto que pôde. – mas pensamentos e algumas emoções são
irrefreáveis. Se não fizeram o ato, você não pode condená-los ainda.
- É. Tentativa de assassinato é um erro grave em nossas leis, né? – Vinicius
zombou. – Eles só tentaram, só ameaçaram. Não é crime isso.
Luciana ficou em silêncio e Vinicius não quis prolongar com aquilo. Não fazia
sentido mudar o que Luciana sentia ali em pleno vôo onde mal podiam se escutar
direito. Sabia que fazia parte de sua essência agora, a vida era inerente a sua amiga.
Qualquer forma de atacá-la com palavras era inútil.
Encontraram Leo no percurso. Um longo percurso apenas diminuído pela super
velocidade de Vinicius. Tanto o Guardião da água quanto Rafael estavam no continente
africano, porém, em países muito distantes um do outro. Antes de verem Leo,
avistaram uma massa de água flutuante que obviamente não devia estar ali. Ela partia do
oceano e percorria centenas de quilômetros até se ramificar infinitamente para vários
pontos.
Os dois olharam identificando o belo trabalho de Leo. Chegando mais perto
viram que não era uma massa flutuante de água mas um grande cano de água feito pelo
Guardião. As paredes do tubo eram congeladas não deixando com que a água salgada se
espalhasse. Um trabalho muito habilidoso. Para qualquer lugar que Leo quisesse que a
água chegasse um novo tubo se esticava da massa original e ia se petrificando até o
local escolhido, depois de pronto, Leo abria passagem no novo tubo com sua vontade e
a nova área recebia o líquido abençoado. Porém salgado. Detalhe mínimo para ele.
- Leo superou...
- Todos os níveis de concentração? – cortou Vinicius quando Luciana olhava
pasma para a quantidade de detalhes que Leo precisava controlar ao mesmo tempo. –
Nem me atrevo a imaginar seu esforço. Pode sondá-lo?
- Sim. - disse ela fechando os olhos por segundos. – Ele está cansado, mas está
ótimo. Era para estar mais exausto que eu.
- Não se culpe Luciana. – Vinicius percebeu o sentimento da amiga. Se sentia
uma inútil. – Devemos fazer somente o que conseguimos fazer.
- Reformule suas palavras, Vinny. – Luciana espiou novamente para o
monumento gélido e vítreo arquitetônico que Leo criara. – Acha mesmo que ele fez,
somente, o que conseguia fazer? Somos donos de nossos próprios limites. Devemos nos
esforçar como ele.
Vinicius não disse nada. Estava certa. Suas palavras valiam para pessoas
normais. Ser um Guardião não tinha nada a ver com limites. Não conheciam os seus.
Sabiam que tinham um, mas não sabiam como explorar aquilo. Leo parecia entender
muito bem suas habilidades, sempre tentou entendê-las. Desde a se forçar a adquirir a
Arma até estender as habilidades a outros níveis. Seus esforços aumentaram com a
perda do amigo. Via em William uma figura de força. Precisava ser forte como ele.
Precisava ser excelente ou a mágoa dentro de seu peito o engoliria.
Vinicius seguiu o rastro de Leo. Logo chegaram onde estava. Em uma cidade
chamada Bo, em Serra Leoa, África. Uma das cidades mais pobres do mundo. Leo
estava sentado de pernas cruzadas com os cotovelos apoiados em cada coxa, a cabeça
estava apoiada nas mãos, de seu corpo emanava um frio sobrenatural. Sua cabeleira
estava um pouco grande e caía para os lados escondendo completamente sua face. Um
círculo populoso o rodeava, prostravam- se em reverência, estava começando a ficar
comum para os Guardiões esse tipo de tratamento. Não gostavam disso, no entanto.
Vinicius pousou e Luciana tentou ficar de pé. Não conseguiu. Vinicius balançou
a cabeça e a segurou novamente. Caminhou olhando para a multidão.
- Devemos mesmo conhecer nossos limites. – ironizou o Guardião. – Mesmo
sendo Guardiões podemos identificar isso ainda, sabia?
- Não vou discutir isso com você, Vinicius, estou no meu limite. – riu Luciana
tentando se manter acordada. Um sono impossível a tomava agora. Mas com certeza
devemos aprender a controlar nossas habilidades como ele. – apontou com um aceno
para Leo imóvel. – consegue sentir a fluência de suas habilidades?
- Sim, pensei que eram inerentes a sua natureza. Mas agora que você
mencionou...- suspirou alto. – não há excesso de energia, não é mesmo?
- Já suspeitava disso antes. – Luciana arrumou melhor a cabeça no braço do
amigo. – sempre sentia uma explosão quando vocês, rapazes, usavam suas habilidades,
essa explosão era menor em Leo. Talvez sempre conseguisse usar menos energia para as
coisas, e interpretávamos erroneamente.
- Também sentia isso, por isso pensei que era parte de suas habilidades, mas vejo
agora que pode ser ligação com sua harmonia com o próprio elemento.
Luciana fechou os olhos minimamente com idéias que explodiam em sua mente.
Mal podia esperar para conversar com Leo.
Andaram até serem notados fisicamente pelos aldeões. Viram Vinicius
caminhando segurando Luciana nos braços. Já de prontidão uma equipe de defesa já se
reunia para interceptar os até então intrusos na Terra da Meditação. Era assim que
chamavam agora o local de concentração de Leo.
Sem levantar a cabeça Leo ordenou que deixassem vir. Falou na língua deles, o
Krio, já acomodado com suas habilidades linguísticas. Lhes disse que eram seus
amigos, Guardiões como ele. Logo as posturas ameaçadoras tornaram-se prostrações
coreografadas. Vinicius caminhou reto até Leo que ainda esperava de cabeça baixa.
- Como vai, amigo? – começou Vinicius olhando para o topo da cabeça de Leo.
sua cabeleira farta reluzia no sol quente que não chegava ali. A aura fria era potente.
- Ocupado. – disse Leo seco, mas não arrogante. – O que os trazem aqui? Porque
Luciana está em seu colo?
Vinicius nem Luciana souberam responder, mas Leo podia vê-los, ou de certa
forma podia senti-los mais detalhadamente.
- Cansada. Desmaiou depois de uma quinzena sem descanso. Quase foi linchada
por isso. – Luciana lhe deu um tapa sem força. Vinicius sorriu com a tentativa da amiga
de agredi-lo.
- Não tentaram me linchar. Ele está contando coisas que não aconteceram na
verdade. – Luciana pediu com um gesto para que Vinicius a colocasse no chão perto de
Leo. Vinicius obedeceu balançando a cabeça com a ingenuidade da amiga.
- São uns animais. – disse Leo sem olhar para ninguém ainda. – Ajudei em duas
represas no sul dos Estados Unidos. Sofreram um atentado terrorista e estavam prestes a
destruir várias cidades. – os dois concordaram com que Leo disse. Todo o mundo sabia
o que os Guardiões faziam pelo globo. - Pensam que somos máquinas. Pensam que
somos feitos para ajudá-los a qualquer custo. A ingratidão e egoísmos deles é palpável.
Se puder, não volto pra ajudar de novo naquelas terras, prefiro estas. Eles sim precisam
de ajuda, e muita. Deveria ficar aqui comigo, Luciana. Seus dons são mais requeridos
nessas terras doentes. E finalmente olhou para ela.
Passou as mãos pelo rosto levando os cabelos soltos para trás, logo algumas
mechas voltaram à testa montando uma franja desgrenhada. Seus olhos azuis ardósia
miraram o rosto belo de Luciana e retornaram ao preto normal. Sorriu aos dois.
- O que está fazendo aqui é grandioso, Leo. Como consegue? – Luciana tocou
sua face e Leo fechou os olhos com o toque gentil.
- Apenas estou fazendo o que combinamos. Tentando ajudar o máximo que
posso até prosseguirmos com nossos planos originais.
- Mas olhe para mim. Estou exausta. Você parece nem suar e locomove sozinho
essa massa absurda de água.
- Não podemos medir isso, podemos? Você cura doenças terríveis, Luciana. Só
você sabe a quantidade de energia despendida no processo. Você restaura membros. –
Leo sorriu e fez um gesto com seu braço restaurado, amputado em batalha contra o
Guardião Lemar das tropas inimigas de Balor. Luciana fez crescer outro em um
processo efetivo e doloroso. Nem mesmo uma marca no local restaurado.
O gesto liquefez parte da aura gélida e tocou Luciana em pontos específicos. A
Guardiã tremeu com o toque da água gelada, ela se espalhou pela pele e assumiu um
tom azulado e bruxuleante.
- Isso é cura, Leo. – disse ela fechando os olhos e sentindo um frescor
maravilhoso. Quando aprendeu a curar outros?
- Alguns dias atrás quando me trouxeram algumas crianças a beira da morte,
estavam tão desnutridas que só um milagre as salvaria. – Leo olhou para o povo que os
cercava em silêncio. Vinicius sondou o amigo. Sentia muita pena de todos ali e ao
mesmo tempo um carinho muito grande. Vinicius se arrepiou com a sensação
compartilhada e se sentiu um pouco inútil por não fazer nada além de destruir. – Pedi
para que Vespa me ensinasse, ela não gostou muito, selvagem como só ela pode ser,
mas era isso ou morreriam. Eu não poderia suportar.
O silêncio se fez presente na vila Bo. Um lugar miserável. Não sabiam da
disciplina daquele povo, mas nem mesmo o choro de crianças era ouvido. Não falariam
nada até que lhes fosse ordenado. Um tanto quanto exagerado na opinião dos três.
Vinicius e Luciana sabiam do que Leo falava. Depois da morte de William, não
suportavam mais perder sequer uma vida animal. Tudo era difícil. Porém, para Luciana
era diferente. Não encarava como uma morte como os outros, mas como uma perda
difícil. Algo a ser encontrado em breve.
- Me treine, Leo. – disse ela decidida. Leo a fitou curioso. – Quero seu nível de
concentração. Sei que gastamos energias diferentes para feitos diferentes, mas tenho
certeza, e vim conversando com Vinicius sobre isso. – o Guardião do fogo acenou
brevemente. - Seu nível de fusão com seu elemento é altíssimo. É fluente e natural.
Percebemos isso ao sentir e ver seus canos de água improvisados. – Luciana gaguejou
um pouco não sabendo nomear o monumento gélido.
Leo ponderou por um momento. Não tinha certeza do que falavam, mas podiam
estar certos. Sempre achou a utilização de suas habilidades mais harmoniosa que a de
seus amigos, mas pensou que fosse resultado direto de seu próprio elemento, a água
como um elemento fluido, maleável e calmo. Quando preciso.
- Descanse sob os cuidados de minha nova habilidade, Luty. Em seguida ajudo
vocês nisso. Acho que podem ter razão. Para começar sentem-se como estou. Aprendi
essa posição quando estive na Índia.
E os ensinamentos começaram.
Treinaram com Leo enquanto ele próprio aumentava sua concentração nunca
deixando seus afazeres. Rafael no sul da África percebeu a reunião dos três e mandou
uma mensagem pelo ar para saber o que estava acontecendo, já pensava o pior. Ficou
mais relaxado quando soube que estavam apenas reunidos. Não entendeu muito bem o
porquê da reunião, deviam estar separados tentando acalmar o mundo das várias
demandas que, a Terra achava, eram obrigados a resolver.
Reuniu-se com eles depois de dez dias e ficou assombrado com os feitos de Leo.
encontrou Luciana e Vinicius sentados, concentrados, emanando energia.
Recebeu os ensinamentos de Leo e também aprimorou suas habilidades. Teve
um contato diferente com seu elemento.
Com quase dois meses depois da batalha que decidira o destino da Terra,
resolveram finalmente retornar a sua terra natal, visitar novamente suas famílias,
atender um chamado de Luc, que dizia que os esperava urgentemente no Brasil.
Foi aí que depois de dias pesquisando com Luc, Luciana decidiu apenas meditar.
Tinha certeza que podia encontrar William com a meditação, decidiu meditar depois
que concluíram que William era necessário para encontrar o mineral que precisavam. A
inconclusão das pesquisas levou Luciana a interpretar aquilo como um sinal para
procurar o amado, com todas as forças. Se o encontrasse e pudesse resgatá-lo de onde
for que estivesse cativo, poderia, talvez, dar mais tempo a seu povo.
Começou com a meditação que Leo a ensinou.
Refugiados em um condomínio nobre, os Guardiões atenderam ao apelo da
amiga. Dessa vez Rafael e Vinicius ficaram com ela. Leo continuou vagando pela
África, continuou ajudando as terras devastadas pela seca sem trégua. Com sua ajuda
milhares de pessoas tinham abastecimento próprio de água, água o suficiente para
meses, para suas plantações, afazeres domésticos e higiene pessoal. O povo daquelas
terras nunca viu tanta água em suas vidas. Nunca tiveram tanta fartura e expectativa de
produção. A água era fator determinante na vida daquela população, dependiam dela
para tudo.
Leo peregrinava e tinha vários seguidores o ajudando. Estava contente assim.
E assim ficaram por semanas.
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Rafael continua em seus devaneios olhando para o céu hipnotizante. Luciana
continua em sua meditação, o pinheiro manso que a cobre parece estar corcunda sobre
ela, a protege do sol com eficácia. Rafael dá mais uma olhada para a amiga e já se
prepara para levantar e procurar algo para fazer. Não consegue ficar muito tempo
entediado. Sente a presença de Vinicius se aproximando rápido vindo da grande casa
onde habitam agora. A casa é escondida em um condomínio recluso e de difícil acesso.
Ninguém, além do dono, sabe onde estão. Como não saem do terreno o mundo procura
pelos outros Guardiões, Leo por outro lado tem toda a atenção só para ele. Sabe lidar
com isso.
- O que está acontecendo? – Vinicius vem correndo com um ar surpreso no
rosto.
- Nada? – responde Rafael confuso olhando instantaneamente para Luciana que
permanece como uma estátua.
- Ela teve uma oscilação de humor, a primeira depois que começou com essa
loucura.
- Estava monitorando ela? – Rafael cruza os braços indignado.
- Monitoro todos vocês, Rafael. Não é surpresa para ninguém, pode me ajudar
aqui? – Vinicius parece impaciente e aponta para Luciana.
- O que quer que eu faça? Monitora até o Leo?
- Não sei bem o que fazer. – responde o Guardião do fogo colocando uma das
mãos na boca e ignorando a segunda pergunta de Rafael. – Está angustiada e se
esforçando demais. É quase... dor.
- Têm certeza? – Rafael olha a expressão calma de Luciana e não entende o que
o amigo fala.
- Adoro quando vocês me perguntam se tenho certeza. – Vinicius irritado tenta
sacudir Luciana gentilmente para que acorde. O pinheiro sacode levemente e uma
gavinha rápida bate em sua mão deixando um vergão vermelho.
- Filha da... - começa Vinicius caindo sentado com o susto. A gavinha ainda
tenta acertá-lo mais uma vez, mas não tem êxito. – Temos de acordá-la, Rafael. Ela está
com dor. Muita dor.
- Mas o que está acontecendo? – Rafael fica parado no lugar sem saber o que
fazer. Toca a garganta e em seguida coloca as mãos na boca em forma de cone. Grita o
nome da amiga.
Vinicius tampa os ouvidos tamanha é a altura do grito de Rafael. Os cabelos da
amiga balançam com o som absurdo e o pinheiro sacode de novo tentando achar o
agressor que tenta tirar a concentração de sua mestra.
Luciana começa a sangrar pelos ouvidos e nariz.
- Ai meu Deus! – Vinicius grita. – Você furou os tímpanos dela?
- Claro que não. – Rafael responde assumindo uma postura de luta. Espalma uma
das mãos à frente e joga um vento absurdo contra Luciana, ao mesmo tempo que tenta
curar qualquer ferimento que lhe injurie. Lâminas de ar cortam o pinheiro que se sacode
no chão ainda tentando defender sua invocadora.
O tapete de estevas que a circunda explode em raízes de um verde azinhavre,
grossas e fortes, que tentam atacar Rafael. São dizimadas com as chamas de Vinicius
que as queimam antes de tocar o amigo. Rafael aproveita a chance para formar uma
redoma em volta da cabeça de Luciana. A redoma esverdeada tira todo o ar de seu
núcleo deixando a Guardiã sem nada.
Suas mãos começam a tremer. Seus olhos, além dos ouvidos e nariz, começam a
sangrar também.
- Rafael. – Vinicius alerta.
- Sei o que estou fazendo. – Rafael o corta seguro.
- William! – grita Luciana abrindo os olhos. Olha em volta desesperada e parece
decepcionada com algo. Coloca as mãos no rosto e começa a chorar copiosamente.
- Luciana. Você está bem? – Rafael a abraça. Vinicius mantém distância. Sonda-
a por precaução.
- Eu o encontrei. – diz ela em lágrimas. - Eu o encontrei! - e se deixa abraçar por
Rafael. Chora até sua face ficar quase limpa. As lágrimas verdadeiras limpam o sangue.
Em Balor 06, o gigante azul, muito, muito longe dali, William abre os olhos.