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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
MONICA LOPES FOLENA ARAÚJO
O QUEFAZER DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICO-
HUMANIZADORA NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES DE BIOLOGIA NA UNIVERSIDADE
Recife
2012
Monica Lopes Folena Araújo
O quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora na formação inicial de
professores de biologia na universidade
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco, junto à linha de
pesquisa Formação de Professores e Prática
Pedagógica, como parte dos requisitos exigidos
para a obtenção do título de Doutor em
Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Tereza Luiza de
França
Recife
2012
Catalogação na fonte
Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460
A663q Araújo, Monica Lopes Folena.
O quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora na
formação inicial de professores de biologia na universidade / Monica
Lopes Folena Araújo. – Recife: O autor, 2012.
240 f : il. ; 30 cm.
Orientadora: Tereza Luiza de França.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.
Programa de Pós-graduação em Educação, 2012.
Inclui bibliografia e apêndices.
1. Quefazer. 2. Prática docente. 3. Formação de professores –
Biologia. 4. EA crítico-humanizadora. 5. UFPE - Pós-graduação. I.
França, Tereza Luisa de. II. Título.
CDD 378.125 (22. ed.) UFPE (CE2012-58)
Monica Lopes Folena Araújo
O quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora na formação inicial de
professores de biologia na universidade
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco - UFPE, como parte
dos requisitos exigidos para a obtenção do
título de Doutor em Educação.
Aprovada em: _____/_____/2012.
Profa. Dra. Tereza Luiza de França - Orientadora
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Prof. Dr. Ernesto Jacob Keim
Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB
Profa. Dra. Márcia Maria de Oliveira Melo
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Prof. Dra. Vanice Santiago Fragoso Selva
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Prof. Dra. Maria Eliete Santiago
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Prof. Dr. José Batista Neto
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
AGRADECIMENTOS
Não sei...
Se a vida é curta ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido
Se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço
que envolve, palavra que conforta, silêncio
que respeita, alegria que contagia, lágrima
que corre, olhar que acaricia, desejo que
sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo.
É o que dá sentido à vida.
(CORA CORALINA )
A Deus, Pai eterno e amoroso, presença constante em minha vida.
Aos meus filhos, bênçãos de Deus que me fazem sentir todos os dias o amor incondicional de
mãe.
Ao meu marido, pai dedicado, companheiro de todas as horas com quem compartilho minha
vida há mais de vinte anos.
À minha avó materna, presença e lembrança fundamental em minha infância.
Ao meu pai, homem cuja maior lição a mim deixada foi a de sempre ter um coração
generoso.
À minha mãe agradeço pelo maior presente: a vida. Que é bonita, é bonita e é bonita...
À minha orientadora, Profa. Tereza França, porto seguro de coração imenso e abraço que
acolhe.
À Profa. Eliete Santiago, inspiração de todas as horas.
A todos e todas que integram a Cátedra Paulo Freire e o NIEL da UFPE, nossos momentos
de estudo foram inesquecíveis.
Aos amigos dos Departamentos de Educação e de Biologia da UFRPE. Obrigada pelo apoio
e incentivo!
À Profa. Solange Coutinho, que tão gentilmente compartilhou comigo suas pesquisas na
FUNDAJ.
À Profa. Vanice Selva, seus ensinamentos fortaleceram meu caminhar na Educação
Ambiental.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, em especial
aos professores José Batista, Eliete Santiago, Tereza França, Márcia Melo, Eliana
Albuquerque e Ferdinand Röhr.
Aos professores Maria Isabel da Cunha, Márcia Melo, José Batista e Vanice Selva que
fizeram parte da banca de qualificação e deram valiosas contribuições ao trabalho doutoral.
Aos professores que compõem a banca examinadora da tese. Obrigada por terem aceito
compartilhar comigo este momento especial.
A todos os amigos da caminhada no Doutorado.
A todos os meus licenciandos, em vocês eu renovo minha esperança no futuro.
Aos professores-atores de minha pesquisa, que comigo compartilharam suas trajetórias
formativas, práticas docentes e o que são como pessoas. Sem vocês meu trabalho não teria
sentido nem teria sido construído.
Obrigada.
Canção Óbvia
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
Trabalharei os campos e conversarei com os homens.
Suarei meu corpo, que o sol queimará,
meus pés aprenderão os mistérios dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais;
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque o meu tempo de espera é um
tempo de quefazer.
(FREIRE, 2000c, p. 5)
RESUMO
Estudar o quefazer de professores universitários em relação à educação ambiental (EA)
crítico-humanizadora significa compreender esta prática docente como objeto de estudo de
relevância científica em que a universidade é o universo da pesquisa. No estudo deste
quefazer, a formação inicial de professores, a educação ambiental e a prática docente
constituem-se conceitos teóricos e a criticidade e a humanização, as categorias de análise.
Quefazer, conceito criado e aprofundado por Paulo Freire, imprime a indissociabilidade
teoria-prática que se efetiva por seres de reflexão-ação. Em meio à relação prática docente na
universidade - formação de professores de biologia - EA, elencamos algumas questões
pertinentes que nos remeteram ao problema central da pesquisa: que concepções de quefazer
da educação ambiental crítico-humanizadora norteiam a formação de professores de biologia?
Que práticas de educação ambiental crítico-humanizadora são construídas ou sistematizadas
por professores universitários? Quais são os indícios de processo de humanização do humano
e de formação de cidadãos críticos no trabalho docente realizado na formação inicial? As
contribuições resultantes do processo reflexivo acerca de questões deste porte ampliaram e
potencializaram a formulação do problema da pesquisa na seguinte direção: como a prática
docente da EA crítico-humanizadora se materializa no processo de formação inicial de
professores de biologia? Esta questão orientou a delimitação do objetivo geral no sentido de
analisar como a prática docente da EA crítico-humanizadora se materializa no processo de
formação inicial de professores de biologia das universidades federais em Pernambuco. Tendo
por opção metodológica a etnometodologia, olhamos e escutamos o objeto com base nos seus
conceitos-chave, que são: prática, realização; indexalidade, indicialidade; reflexividade;
accountability e noção de membro. Com o aporte desta abordagem e inspiradas pelo universo
natural da educação ambiental, optamos pelo uso da metáfora da árvore para trazer cores,
leveza e boniteza ao escrever o texto e respeitar o anonimato dos participantes da pesquisa. A
base epistêmica, num diálogo frequente com os princípios da etnometodologia, orientou a
realização de uma pesquisa para nutrir a pesquisa. Este estudo exploratório apontou a
Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal Rural de Pernambuco como
campo de pesquisa e desvelou os sete professores-atores do estudo. Como etnométodos,
utilizamos a entrevista narrativa, a observação participante e o círculo de cultura, os quais
possibilitaram um vasto cenário de dados. Os resultados apontam que há abordagem
superficial ou negligenciada da EA nos projetos político-pedagógicos dos cursos estudados, o
que nos indica sua necessária revisão diante dos problemas socioambientais que se constituem
demandas e/ou necessidades socioambientais atuais. O quefazer da EA crítico-humanizadora
que norteia a formação de professores de biologia foi compreendido a partir dos fios
condutores que orientaram este trabalho, quais sejam: relação professor-aluno, unidade teoria-
prática, relação sujeito-mundo, relação educação-sociedade, relação ensino-pesquisa e
interdisciplinaridade. Os indícios de processo de humanização do humano e de formação de
cidadãos críticos identificados foram: reflexão, ética, respeito e coerência. Consideramos que
estes são os indícios base, precursores, fundantes do quefazer da EA crítico-humanizadora,
pois são eles que sustentam a visão de mundo dos professores-atores que se materializa no seu
quefazer.
Palavras-chave: Quefazer; EA crítico-humanizadora; Prática Docente; Formação de
professores de biologia; Universidade.
ABSTRACT
Studying university professors’ quefazer in relation to a critical-humanizing environmental
education (EE) means to comprehend this teaching practice as object of study of scientific
relevance in which the university acts as the research’ universe. In the study of this quefazer,
the initial teachers’ education, environmental education and teaching practice are the
theoretical concepts and criticality and humanization are categories of analysis. Quefazer, a
concept created and deepened by Paulo Freire, emphasizes the inseparability of theory and
practice that is effective by beings of reflection-action. In the midst of this relation teaching
practice in university - biology teachers’ education – EE, we selected some pertinent
questions that forwarded to the central problem of the search: what conceptions of quefazer of
critical-humanizing environmental education guide biology teachers’ education? What
practices of critical-humanizing environmental education are built or systematized by
university professors? What are the signs of humanization process of human beings and of
critical citizen’s formation in teaching in initial education? The contributions resulting from
the reflective process on matters of this scale expanded and worsened the problem
formulation of the research in the following way: how the teaching practice of critical-
humanizing EE materializes in the process of biology teachers’ initial education? This issue
led to the construction of the overall objective in order to analyze how the teaching practice of
critical-humanizing EE materializes in the process of biology teachers’ initial education at the
federal universities of Pernambuco. Having ethnomethodology as the methodological option,
we looked and listened to the object based on its key concepts that are: practical, realization;
indexicality; reflexivity; accountability and the sense of membership. With the contribution of
this approach and inspired by the natural universe of environmental education, we decided to
use the metaphor of the tree to bring color, lightness and beauty to write the text and to
respect the anonymity of research participants. The epistemic base, in a frequent dialogue
with the principles of ethnomethodology, guided the conduct of a research to foster research. This exploratory study pointed to the Universidade Federal de Pernambuco and Universidade
Federal Rural de Pernambuco as the research field and unveiled the seven teachers-actors in
the study. As ethnomethods we used the narrative interview, participant observation, and
culture circle, which allowed a huge amount of data. The results indicate that there is a
superficial or neglected approach of EA in the political pedagogic projects of the teaching
courses studied, which shows us its necessary review before the social and environmental
problems which are current demands and / or social and environmental needs. The quefazer of
critical-humanizing EE that guides biology teachers´ education was understood from the wires
that guided this work, namely: teacher-student relationship, unity of theory and practice, the
subject-world relationship, the education-society relationship, the relation between teaching
and research and interdisciplinarity. The signs of humanization process of human and of
critical citizens’ formation that we identified were: reflection, ethics, respect and consistency.
We believe that these are the basic signs, precursors, the ones that found the quefazer of
critical-humanizing EE, because they support the teachers-actors’ worldview that are
materialized in their quefazer.
Keywords: Quefazer; Critical-humanizing environmental education; Teaching practice;
Biology teachers’ education; University.
RESUMEN
Estudiar el quehacer de profesores universitarios en relación a la educación ambiental (EA)
críticohumanizadora significa comprender esta práctica docente como objeto de estudio de
relevancia científica en que la universidad es el universo de investigación. En el estudio de
este quehacer, la formación inicial de profesores, la educación ambiental y la práctica
docente se constituyen en conceptos teóricos y la criticidad y la humanización, las categorías
de análisis. Quehacer, concepto creado y desarrollado por Paulo Freire, imprime la
indisociabilidad teoría-práctica que se efectiva por seres de reflexión-acción. En medio a la
relación práctica docente en la universidad - formación de profesores de biología - EA,
presentamos algunas cuestiones pertinentes que nos remitieron al problema central de la
investigación: ¿qué concepciones de quehacer de la educación ambiental críticohumanizadora
orientan la formación de profesores de biología? ¿Qué prácticas de educación ambiental
críticohumanizadora son construídas o sistematizadas por profesores universitarios? ¿Cuáles
son los indicios de proceso de humanización del ser humano y de formación de ciudadanos
críticos en el trabajo docente realizado en la formación inicial? Las contribuciones resultantes
del proceso reflexivo acerca de cuestiones de este porte ampliaron y potencializaron la
formulación del problema de la investigación en la dirección siguiente: ¿cómo la práctica
docente de la EA críticohumanizadora se materializa en el proceso de formación inicial de
profesores de biología? Esta cuestión orientó la delimitación del objetivo general en el sentido
de analizar cómo la práctica docente de la EA críticohumanizadora se materializa en el
proceso de formación inicial de profesores de biología de las universidades federales en
Pernambuco. Teniendo por opción metodológica la etnometodologia, observamos y
escuchamos al objeto con base en sus conceptos clave, que son: práctica, realización;
indexalidad, indicialidad; reflexividad; responsabilidad y noción de miembro. Con el aporte
de este abordaje e inspiradas por el universo natural de la educación ambiental, optamos por
el uso de la metáfora del árbol para aportar color, delicadeza y belleza al escribir el texto y
respetar el anonimato de los participantes de la investigación. La base epistémica, en un
diálogo frecuente con los principios de la etnometodologia, guió la realización de una
investigación para nutrir la misma. Este estudio de exploración apuntó a la Universidad
Federal de Pernambuco y a la Universidad Federal Rural de Pernambuco como campo de
investigación y desveló los siete profesores actores del estudio. Como etnométodos,
utilizamos la entrevista narrativa, la observación participante y el círculo de cultura, los cuales
proporcionaron un vasto panorama de datos. Los resultados apuntan a que existe un abordaje
superficial o negligenciado de la EA en los proyectos políticopedagógicos de los cursos
estudiados,lo que nos indica su necesaria revisión ante los problemas socioambientales que
constituyen demandas y/o necesidades socioambientales actuales. El quehacer de la EA
críticohumanizadora que guía la formación de profesores de biología fue comprendido a partir
de los hilos conductores que orientaron este trabajo, que son: relación profesor y alumno,
unidad de la teoría y práctica, relación del sujeto y el mundo, relación de la educación y la
sociedad, relación de la enseñanza y la investigación e interdisciplinaridad. Los indicios del
proceso de humanización del ser humano y de formación de ciudadanos críticos identificados
fueron: reflexión, ética, respeto y coherencia. Consideramos que éstos son los indicios base,
precursores, fundamentales del quehacer de la EA críticohumanizadora,ya que sostienen la
visión del mundo de los profesores actores que se materializa en su quehacer.
Palavras-clave: Quehacer; EA críticohumanizadora; Práctica Docente; Formación de
profesores de biología; Universidad.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Delimitação do objeto de estudo 20
Figura 2 Conceitos teóricos e categorias 25
Figura 3 Concepções reformista e transformadora da EA 34
Figura 4 Relações universidade/humanidade/mundo 48
Figura 5 Metas da universidade voltada ao trabalho com EA crítico-
humanizadora
50
Figura 6 Propostas para os cursos de graduação 70
Figura 7 Características da EA crítico-humanizadora 79
Figura 8 Vertentes da prática pedagógica 83
Figura 9 Mapa conceitual da pedagogia freireana 84
Figura 10 Relações dos conceitos chave da etnometodologia 97
Figura 11 Ciclos do caminho etnometodológico 99
Figura 12 Mapeamento documental 105
Figura 13 Concepções de EA de licenciandos da UFPE 115
Figura 14 Concepções de EA de licenciandos da UFRPE 117
Figura 15 Componentes curriculares que abordam a EA na UFPE 120
Figura 16 Componentes curriculares que abordam a EA na UFRPE 122
Figura 17 Componentes curriculares que abordam a EA crítico-humanizadora
na UFPE
124
Figura 18 Formas de abordagem da EA crítico-humanizadora na UFPE 126
Figura 19 Formas de abordagem da EA crítico-humanizadora na UFRPE 128
Figura 20 Cartaz utilizado no círculo de cultura 146
Figura 21 Cartaz utilizado no círculo de cultura 146
Figura 22 Dinâmica do barbante no círculo de cultura 147
Figura 23 Momento da problematização 148
Figura 24 Intervalo para café e diálogo 149
Figura 25 Intervalo para café e diálogo 149
Figura 26 Momento de diálogo e síntese 149
Figura 27 Cartaz síntese do círculo de cultura 150
Figura 28 Concepções de educação e de EA 167
Figura 29 Motivações para a inserção da EA crítico-humanizadora 178
LISTA DE ABREVIATURAS
ANPEd Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
APC Academia Pernambucana de Ciência
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
EA Educação Ambiental
ENPEC Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências
FFPNM Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata
FFPP Faculdade de Formação de Professores de Petrolina
FUNDAJ Fundação Joaquim Nabuco
GT Grupo de Trabalho
IES Instituição de Ensino Superior
IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MMA Ministério do Meio Ambiente
PAIGC Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde
PDI Plano de Desenvolvimento Institucional
PNEA Política Nacional de Educação Ambiental
PNUD Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PPP Projeto Político Pedagógico
PPPI Projeto Político Pedagógico Institucional
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UPE Universidade de Pernambuco
SUMÁRIO
INTRODUZINDO O ESTUDO: SEMENTES EM TERRA FÉRTIL 15
CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZANDO O PROBLEMA DE PESQUISA: LANÇANDO
SEMENTES
Erro! Indicador não definido.
1.1 Objetivos 40
1.1.1 Geral 40
1.1.2 Específicos 40
CAPÍTULO 2 O NECESSÁRIO DIÁLOGO UNIVERSIDADE - EDUCAÇÃO
AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA: NASCIMENTO DA
PLANTA 42
2.1 Universidade e educação ambiental: brotam as sementes 43
2.2 Formação de professores de biologia na universidade: raiz primeira 51
2.3 Aspectos curriculares da educação ambiental na formação inicial de professores de
biologia: fixando no solo 57
CAPÍTULO 3 QUEFAZER DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICO-HUMANIZADORA
NA FORMAÇÃO INICIAL: RAÍZES INOVADORAS 66
3.1 Sentido e significado da docência: penetrando no solo 66
3.2 Educação ambiental crítico-humanizadora: fixando no solo de forma inovadora 73
3.3 Práxis docente para a formação em educação ambiental crítico-humanizadora: tropismo
inovador da raiz 82
CAPÍTULO 4 A ABORDAGEM METODOLÓGICA: CAULE DA PLANTA 90
4.1 Ciclos do caminho etnometodológico 97
4.1.1 Pesquisa nutriente da pesquisa: documentos desvelam caminhos para a colheita 100
4.1.2 Pesquisa nutriente da pesquisa: flores desvelam caminhos para a colheita 114
4.1.2.1 Concepções de educação ambiental 114
4.1.2.2 Professores que abordam a educação ambiental 119
4.1.2.3 Professores que abordam a educação ambiental crítico-humanizadora 123
4.1.2.4 Formas de abordagem da educação ambiental crítico-humanizadora 125
4.1.2.5 Satisfação com as formas de abordagem da educação ambiental crítico-
humanizadora 130
4.2 O campo de estudo: galhos da árvore 133
4.3 Os atores da pesquisa: folhas fotossintetizantes 135
4.4 Os etnométodos: transportando a seiva 143
CAPÍTULO 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES: A COLHEITA DOS FRUTOS 152
5.1 A educação ambiental crítico-humanizadora nos PPP: frutos verdes 152
5.2 Quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora que norteia a formação de
professores de biologia 156
5.2.1 Concepções dos professores: indicialidade do quefazer no limbo 157
5.2.2 A educação ambiental crítico-humanizadora: reflexividade e descritibilidade do
quefazer fotossintetizante 169
5.2.2.1 Motivação para a inserção da educação ambiental crítico-humanizadora 170
5.2.2.2 Quefazer fotossintetizante 178
5.3 Indícios de processo de humanização do humano e de formação de cidadãos críticos:
frutos maduros 207
CONSIDERAÇÕES FINAIS: SEMENTES A GERMINAR 213
REFERÊNCIAS 218
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO AOS LICENCIANDOS 233
APÊNDICE B – ENTREVISTA NARRATIVA 234
APÊNDICE C - TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA ENTREVISTA E
OBSERVAÇÃO 237
APÊNDICE D - QUADRO PARA OBSERVAÇÕES 238
APÊNDICE E – PLANEJAMENTO DO CÍRCULO DE CULTURA 239
APÊNDICE F – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGEM 240
15
INTRODUZINDO O ESTUDO: SEMENTES EM TERRA FÉRTIL
Falar, pois, do papel do trabalhador social implica na análise da mudança e da
estabilidade como expressões da forma de ser da estrutura social. Estrutura social
que se lhe oferece como campo de seu quefazer (FREIRE, 1983, p. 47).
Falar no quefazer de professores universitários, que são trabalhadores sociais1, em
relação à educação ambiental (EA) é assumir a prática docente como objeto de estudo e a
universidade como chão da pesquisa. Quefazer é um conceito que faz parte do universo
freireano e, do mesmo modo que boniteza e dodiscência, nasce da busca de o autor ser
coerente em expressar-se. Realidade, pensamento e linguagem trazem o quefazer como
unidade teoria-prática que se efetivam por seres de reflexão-ação, humanizados, críticos e
transformadores.
O quefazer em relação à EA tem sido amplamente discutido nos últimos anos, em
razão, entre outros fatores, do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança
Climática (IPCC), que divulga a situação de desgaste do planeta Terra. De acordo com o
relatório, só a mudança de atitudes e de valores da população mundial pode conter, de forma
significativa, os efeitos de tal desgaste. Nesse sentido, pensamos que as universidades são
locais de fomento e alicerce de discussões socioambientais que contribuem para a formação
de cidadãos críticos, reflexivos e capazes de intervir nas realidades local, regional e global.
Em outras palavras, um dos caminhos para o efetivo implemento da EA é a educação.
A educação comprometida com a realidade socioambiental constitui prática social que
requer um conjunto de ações intencionais em prol da sustentabilidade; e uma de suas
finalidades é contribuir para a humanização e emancipação do homem e para a formação de
cidadãos críticos. Segundo Souza (2007), vamo-nos tornando humanos ou nos desumanizando
no decorrer de nossa vida, conforme não só as nossas experiências, mas também as condições
que construímos para a vida pessoal e na coletividade. De acordo com o referido autor, a
humanização implica: pensar, emocionar-se e fazer no interior de determinadas relações
sociais com a natureza. O ser humano é um ser de relações, e as estabelecidas com o meio
natural e social não obedecem a padrões, elas estão em constante mudança, transformação.
1 Consideramos os professores como trabalhadores sociais porque eles são profissionais que têm o compromisso
social de educar. O trabalho do professor é práxis humana e, seguindo a perspectiva freireana, tal trabalho é
orientado por uma perspectiva de emancipação social, o que torna coerente compreender tal trabalho como social
e os que o desempenham como trabalhadores sociais. Ademais, o professor, enquanto trabalhador social, cria
condições sociais, educacionais, políticas, econômicas, culturais e ambientais que podem favorecer sua condição
ontológica de ser mais, assim como a de seus estudantes.
16
Nessa perspectiva, Röhr (2006, p. 7) nos diz: “A intenção educacional é tornar o
homem homem [...] de desenvolver nele o que tem de mais humano e que não é simplesmente
resultado da sua maturação natural”. Assim compreendida, a educação é ato de amor, vista
como compromisso sensível do ato político de educar; ato de coragem, entendida como forma
de resistência à educação bancária e à manutenção de um status quo. Para Freire (2000a), na
educação não se pode temer o debate, a análise da realidade; não se pode fugir à discussão
criadora, sob pena de tornar-se uma farsa.
Isso não significa que seja possível desenvolver todas as potencialidades humanas,
mas aponta para a possibilidade da formação de sujeitos socioambientais, os quais seriam
pessoas com jeito socioambiental de ser, novo estilo de vida, com modos próprios de pensar
no e com o mundo e, principalmente, de pensar a si mesmos e as relações com os outros neste
mundo. Tal jeito de ser é a disposição em buscar responder aos dilemas socioambientais2
atuais mediante a transformação das relações entre sociedade e natureza.
Além das características já explicitadas, os sujeitos socioambientais apresentam
postura ética de crítica à ordem social pautada na produtividade material baseada na
exploração da natureza de forma utilitária e pragmática bem como na manutenção da
desigualdade e da exclusão social e ambiental. Ademais, tais sujeitos se caracterizam como
seres comprometidos com a integralidade da vida.
Com esta compreensão, vislumbramos que a EA possibilita contribuir para a
constituição de atitudes socioambientais que transformem as relações da sociedade com ela
própria e da sociedade com a natureza. E, à luz desse pensamento, compreendemos que os
professores comprometidos com a educação humanizadora - quanto ao implemento de ideias
e ideais socioambientais em sua prática docente - contribuem para a formação de sujeitos
socioambientais.
Daí se percebe que os referidos sujeitos vão constituindo-se à medida que assumem
comportamentos e atitudes socioambientalmente defendidos por educadores que percebem a
tarefa educacional na perspectiva crítica e humanizadora, contribuindo, dessa forma, para a
formação de cidadãos conscientes de sua relação e responsabilidades no e com o mundo.
2 Compreendemos que os maiores dilemas socioambientais na atualidade, ou seja, as maiores situações
embaraçosas que vivenciamos, referem-se ao fato de decidir se o meio natural continuará sendo encarado como
mercadoria para atender às exigências do mercado moderno ou se este será reconhecido como patrimônio da
humanidade necessário à manutenção da vida; e também decidir as relações no mundo social e de produção. Isto
implica a decisão de rever os padrões de consumo e a distribuição de bens na sociedade. A transformação das
relações entre sociedade e natureza representa, neste sentido, passo importante para a sustentabilidade ambiental
e social que cabe ser iniciada pela renovação da visão de mundo das pessoas, pois sociedade e natureza formam
um único mundo que é, então, socioambiental.
17
Educador, educando e tarefa educacional constituem, então, uma tríade seminal na formação
de sujeitos socioambientais.
O educador, o educando e a tarefa educacional são considerados por Röhr (2006)
elementos fundamentais indispensáveis à educação como prática social. Para o autor, o
educador é o principal responsável pela tarefa educacional, embora não se deva isentar dessa
tarefa outras esferas da sociedade, como o Estado e a família. Entende-se o educando, por sua
vez, como ser único e insubstituível. Já a tarefa educacional, conforme o mesmo autor, se
define em função da meta educacional, que não pode constituir-se em mera aquisição de
conhecimentos. Essa forma de o autor entender os elementos faz-nos perceber que a intenção
educacional vai além da hominização, ou seja, considera também a afetividade, a liberdade e
outros aspectos que dão sentido à vida humana, contribuindo, portanto, para a humanização.
Educador e educando, seres inacabados empenhados na meta maior de humanização,
exigem-nos novo olhar para a educação: um (re)educar constante de ambos, pautado no
diálogo; uma (re)educação processual construída e conquistada no cotidiano docente e para a
qual a formação de professores é fundamental na medida em que atua na formação de
profissionais com compromisso sociopolítico. Mas, segundo estudos de Gisi e Eyng (2006),
Campos (2003), Freitas (2002), Scheibe (2002) e Vieira (2002), destaca-se, na formação
docente, a preocupação com a formação técnica distante de proposta humanizadora e crítica,
capaz de propiciar a compreensão da realidade e o compromisso com as mudanças sociais.
Nessa perspectiva, de acordo com Nóvoa (1995), na formação de professores, se tem
ignorado o desenvolvimento pessoal – confunde-se “formar” com “formar-se”. Isso significa
que está voltada para a instrumentalização técnica em que não se priorizam análises críticas,
por consequência não contribui para uma sociedade mais justa, humana e
socioambientalmente sustentável, embora haja esforços de renovação. Então, o problema da
formação de professores não é específico da EA, segundo preconiza Guimarães (2005). Em
nosso entender, tal problema advém do afastamento do sentido e significado de cidadania que
vivenciamos na atualidade.
Pensar sobre cidadania é pensar sobre EA e vice-versa, pois como cidadãos, convém
que nos preocupemos com nossos direitos e deveres neste mundo compartilhado com outros
humanos e outros seres vivos. Assim, o conceito de cidadania implica solidariedade, respeito
para com as pessoas que convivemos e para com todas as outras formas de vida e luta por
melhores condições socioambientais. Todas estas questões, que deveriam permear a formação
de professores, por vezes são esquecidas.
18
A formação destes profissionais e, mais especificamente, a formação de professores de
biologia, vem sendo objeto de nossas pesquisas desde o mestrado concluído no Programa de
Pós-graduação em Ensino das Ciências da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Em
nossa dissertação, intitulada Tecendo conexões entre a trajetória formativa dos professores de
biologia e a prática docente a partir da educação ambiental, entrevistamos professores de
biologia que atuavam em escola pública estadual de Recife.
O estudo demonstrou que a formação inicial deles não estava contribuindo para suas
práticas docentes em relação à EA, pois, nestas, predominavam atividades teóricas e com
reduzida contribuição do componente curricular ecologia (ARAÚJO, 2008). A formação
continuada é que vinha constituindo-se para eles no único caminho no sentido de remediar
essa falha da formação inicial que apresenta reflexos diretos em suas práticas docentes.
Constatamos no referido trabalho que as questões ambientais ainda estão muito
atreladas à ecologia, o que pode distorcer a visão da EA, pois esta insere o ambiente humano
em seu foco, consequentemente, extrapola a abordagem de temas apenas ecológicos, como
nos ensinam Tanner (1978) e Layrargues (2002). Além disso, percebemos o predomínio de
formações inicial e continuada caracterizadas como teoricistas. Nesse sentido, identificamos
no referido estudo o enfoque enciclopédico, em que, segundo Sato e Zakrzevski (2003), se vê
o professor como detentor do conhecimento; logo, ele deve debruçar-se sobre livros e
concentrar-se nas explicações dadas em aulas teóricas, para, mais tarde, transmitir seu
conhecimento.
Ainda em relação à formação continuada, os professores alegaram contar com
reduzida contribuição institucional, o que os tem obrigado a buscar cursos de pós-graduação
por iniciativa própria; as contribuições oferecidas pela Secretaria de Educação resumem-se a
palestras pontuais e descontextualizadas, pronunciadas por professores universitários.
O trabalho realizado com a EA nas escolas foi caracterizado pelos professores
participantes da pesquisa como sendo pontual - efetivou-se só em datas comemorativas ou nas
feiras de conhecimentos -, voltado à sensibilização e com predomínio da perspectiva
teoricista. O trabalho interdisciplinar, também pontual, quando feito, ocorreu com a
cooperação apenas entre as disciplinas biologia e geografia. Assim, a perspectiva das
formações inicial e continuada dos docentes influenciou diretamente suas práticas, porque há
tendência em se repetir o que vivenciaram nas referidas formações.
Os dados da pesquisa desenvolvida no mestrado nos instigaram a continuar
investigando a EA na formação de professores de biologia no doutorado. Porém, neste estudo,
mergulhamos na prática docente, no quefazer dos professores universitários que atuam na
19
formação de professores de biologia. Neste mergulho, optamos por buscar não qualquer
quefazer, mas aquele comprometido com uma visão crítica e humanizadora da EA por
acreditarmos que a mesma contribui efetivamente para a formação de sujeitos
socioambientais. Nasce, de tal mergulho, uma lacuna a ser investigada: o quefazer da EA
crítico-humanizadora na formação do professor de biologia nas universidades – que se
constitui nosso objeto de estudo.
Este quefazer surge da necessidade de inovar de professores que acreditam em um
sonho possível decorrente de práxis diferenciada construída em situações-limites, tidas por
Paulo Freire como aquelas nas quais começam as possibilidades frente a não aceitação passiva
de uma situação. Segundo o autor, “nas situações-limites, mais além das quais se acha o
inédito viável às vezes perceptível, às vezes não, se encontram razões de ser para ambas as
posições: a esperançosa e a desesperançosa” (1996, p. 138).
A postura esperançosa em relação a um mundo socioambientalmente sustentável guia
os professores na busca pelo inédito viável3, por novos projetos e possibilidades de atuar com
a EA crítico-humanizadora em sua prática docente; que representam novas sementes sendo
plantadas na universidade as quais nos propomos estudar.
Na figura 1, apontamos as conexões na delimitação do nosso objeto, que tem como
lócus as universidades públicas federais de Pernambuco. Tal lócus deve-se aos resultados
obtidos em nosso estudo exploratório, no qual constatamos que nessas universidades há
professores preocupados e comprometidos com a EA na perspectiva da criticidade e da
humanização. Nas universidades, o objeto de estudo situa-se em cursos de licenciatura em
ciências biológicas e, mais especificamente, nas práticas docentes dos formadores: trata-se da
prática docente crítico-humanizadora em EA.
3 Inédito viável é uma categoria freireana que implica práxis efetiva em prol de sonhos utópicos, valores e
aspirações de homens e mulheres que lutam para transcender situações-limites e transformar o mundo.
20
Figura 1
Delimitação do objeto de estudo
Nosso objeto de estudo, conforme esquematizamos e delineamos nesta introdução, é
construído, e não um objeto percebido (DESLANDES, 2007). Enquanto este é o que vemos e
sentimos e, na maioria das vezes, se apresenta ao pesquisador como objeto real intimamente
ligado à sua visão de mundo, aquele resulta de um processo de objetivação teórica. Segundo
Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999), um objeto de pesquisa “[...] só pode ser definido
e construído em função de uma problemática teórica que permita submeter a uma interrogação
sistemática os aspectos da realidade colocados em relação entre si pela questão que lhes é
formulada” (p. 48).
No processo de definição e delimitação do objeto, o pesquisador trabalha com três
dimensões: a técnica, a ideológica e a científica. Na dimensão técnica, vê-se o projeto como
instrumento de investigação; na ideológica, atuam as escolhas feitas pelo pesquisador; na
científica, para Deslandes (2007), o pesquisador social consegue articular as duas primeiras
dimensões. Estas três dimensões estão entrelaçadas no trabalho do pesquisador e possibilitam
que o objeto seja construído a partir da análise e da reflexão da realidade.
A construção do objeto na pesquisa qualitativa em educação é, pois, tarefa complexa e
se contrapõe à ideia de que os objetos estão expostos na realidade, bastando ao pesquisador
prestar atenção ao cotidiano. A sociologia espontânea, criticada por Bourdieu, Chamboredon
formação de professores de biologia
universidade
prática docente
prática docente crítico-
humanizadora em EA
21
e Passeron (1999), precisa ser superada; para isso, cabe ao pesquisador estar em, como dizem
os autores, “vigilância epistemológica” constante.
De acordo com Bourdieu (2004, p. 27), a construção do objeto é a operação mais
importante e implica “um trabalho de grande fôlego”; no entanto, parece a mais ignorada.
Muitas vezes, o pesquisador deixa de relatar o processo de construção do seu objeto da
pesquisa qualitativa, como se este já estivesse separado e pronto para ser coletado e analisado.
No processo de delimitação do objeto aqui pesquisado, buscamos a produção
científica em relação ao tema formação de professores. Estudos de Brzezinski e Garrido
(2001) que examinaram os trabalhos apresentados no grupo de trabalho (GT) Formação de
Professores da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no
período 1992 a 1998, confirmaram que temas da formação inicial, da formação continuada e
da profissionalização docente foram privilegiados naquele período. Nesses estudos, as autoras
apontaram também as temáticas silenciadas ou pouco investigadas como, por exemplo, o
professor formador de professores.
Já Ramalho, Núñez, Terrazan e Prada (2002), ao analisarem a produção da pós-
graduação em educação no Brasil no ano 2000, constataram a forte incidência de trabalhos
sobre os professores e/ou sua formação. Verificaram que a profissionalização docente, o
desenvolvimento profissional, a identidade dos professores, a prática pedagógica e os saberes
docentes constituíram as temáticas predominantes. Segundo tais pesquisadores, o alvo do
maior número de estudos sobre os professores tem sido a educação básica; a educação
superior tem sido pouco estudada, incluindo-se aí as questões relacionadas aos formadores de
professores. Nesse contexto, a formação de professores de biologia é uma área ainda menos
investigada, pois, geralmente, os profissionais que se dedicam a ela são biólogos que abraçam
mestrados e doutorados em educação ou em ensino das ciências.
Em Pernambuco, há dois programas de pós-graduação nos quais encontramos
trabalhos sobre a prática docente na formação de professores: o curso de mestrado e
doutorado em educação, que funciona no Centro de Educação da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e o curso de mestrado e doutorado em ensino das ciências, no
Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Em
levantamento de trabalhos defendidos nos referidos cursos no período de 2000 a 2011, não
encontramos registro de dissertações e/ou teses defendidas acerca da formação do professor
de biologia, levando-se em consideração a docência na educação superior. Encontramos, sim,
trabalhos referentes às formações inicial e continuada de docentes que já atuam em escolas,
trabalhos que investigam como ocorre a formação de conceitos relacionados à biologia na
22
formação inicial e outros que versam sobre o estágio supervisionado na formação inicial.
Também não identificamos trabalho defendido sobre o quefazer dos professores universitários
na formação docente em relação à EA.
Buscamos, ainda, no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), teses e dissertações que abordassem a temática ambiental defendidas em
programas de pós-graduação em educação, em outros locais do país. Então, constatamos a
existência, até o ano de 2010, de 143 dissertações de mestrado e 24 teses de doutorado.
Entre esses trabalhos acadêmicos, encontramos três voltados à análise da formação de
professores, 42 relacionados às práticas pedagógicas, 19 ao ensino fundamental, 15 à escola
pública, três ao ensino de ciências e 11 à análise de propostas curriculares; os demais se
referiam à gestão e outras temáticas.
A atividade científica da EA, percebemos, está profundamente relacionada ao campo
educacional e grande parte das pesquisas tem sido realizada em escolas públicas. Tais fatos
nos apontam a necessidade de se ampliar, estimular e diversificar a pesquisa em EA nos
cursos de pós-graduação. Como afirma Reigota (2007), a produção de conhecimento na área
ambiental pode subsidiar ações políticas e pedagógicas mais sólidas. Ademais há necessidade
de investigações sobre a formação inicial de professores, pois esses, na condição de sujeitos
atuantes nas escolas, podem contribuir para a ressignificação da EA.
Ainda na busca a trabalhos defendidos em outras universidades brasileiras,
encontramos o de Araújo (2004), que, em tese defendida sob o título A dimensão ambiental
nos currículos de formação de professores de biologia, na Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP), investigou as concepções e as práticas desenvolvidas pelos
professores universitários no curso de licenciatura em ciências biológicas da Universidade de
São Paulo, as quais evidenciam condições essenciais e factíveis para se inserir a dimensão
ambiental nos currículos e, como efeito, a implementação da EA no ensino formal.
A mencionada pesquisadora concluiu que, mesmo havendo iniciativas para contemplar
as questões ambientais e a necessidade de formação profissional para as exigências atuais, é
necessário investimento na divulgação dessas iniciativas e introdução no meio acadêmico de
nova mentalidade sobre formação profissional.
Ver o professor de biologia como profissional implica considerar igualmente
importantes os componentes curriculares de conhecimentos específicos - microbiologia,
genética, fisiologia, ecologia, botânica, zoologia e outros - e os componentes pedagógicos -
didática, metodologia, prática de ensino e estágios supervisionados. Além disso, implica
23
conceber que a EA, devido a sua importância para a sociedade, pode ser trabalhada em todos
os componentes curriculares.
No entanto, em pesquisa feita com estudantes do curso de licenciatura em ciências
biológicas da UFRPE, foram identificados apenas cinco componentes curriculares abordando
a EA na época: ecologia, botânica econômica, sistemática de criptógamos, fisiologia vegetal e
biofísica4 (ARAÚJO; FRANÇA, 2008). Tal fato é preocupante, pois, concebemos a
universidade como instituição que tem como uma de suas funções promover discussões que
gerem a construção de ações contínuas capazes de questionar o modelo de sociedade atual e
estimular a possível transformação socioambiental dele. Partimos também da compreensão de
universidade como lócus da formação de professores, da produção científica e do quefazer da
EA.
Frente ao exposto, cabe à universidade formar sujeitos socioambientais. Tal formação,
dentre outras categorias que a qualificam, está baseada em duas categorias fundamentais à
prática docente: a humanização do humano e a criticidade, as quais favorecem o
reconhecimento da sociedade e da natureza como dimensões indissociáveis. Ademais,
percebemos como docentes que, embora poucos professores universitários trabalhem com a
EA, há práticas diferenciadas, reinventadas sendo utilizadas por eles: novo quefazer da EA.
Escolhemos as duas categorias, baseando-nos na vida e obra de Paulo Freire, educador
pernambucano que, convicto do papel de uma educação humanizada e crítica, tem um legado
que contribui para a construção de um mundo mais humanizado e crítico. Entendemos que o
legado freireano tem por princípio a luta contra todo tipo de desumanização e a tomada de
consciência crítica como maneira de mudar a forma de o humano encarar a vida e as relações
que estabelece consigo mesmo, com o outro e com o mundo.
A concepção educacional de Freire tem indicado subsídios para trabalhos que trazem a
EA como objeto de pesquisa. Torres e Delizoicov (2009) fizeram um levantamento de estudos
que articulam os fundamentos freireanos de educação às pesquisas de EA no contexto formal,
apresentados nas seis edições (1997, 1999, 2001, 2003, 2005 e 2007) do Encontro Nacional
de Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC). Os referidos autores constataram que os
trabalhos que contemplam Freire e EA na educação formal vêm aumentando ao longo do
tempo.
4 Destacamos que, na aludida pesquisa, o objetivo era identificar componentes curriculares que abordassem a EA
e não a EA crítico-humanizadora, pois essa identidade é fruto de reflexões teóricas e dos resultados obtidos no
estudo exploratório do presente trabalho doutoral.
24
Enquanto, em 1997, nenhum foi encontrado, no ano de 2005, em um total de 679
trabalhos apresentados na forma de comunicação oral e pôster, oito traziam a articulação dos
fundamentos freireanos com a EA; e, no ano de 2006, dos 601 trabalhos, sete seguiam a
mesma orientação. Como resultado total do levantamento, nas seis edições pesquisadas,
identificaram-se 18 trabalhos em um total de 2.366 apresentados. As categorias freireanas
encontradas naqueles 18 trabalhos foram: relação educador-educando, diálogo, tema gerador,
o papel do conhecimento, o papel da escola, relação sujeito-objeto, consciência e educação
libertadora.
Com o objetivo de ampliar este estudo da arte feito pelos autores, analisamos os anais
do VII ENPEC, ocorrido em 2009, em Florianópolis. Para esse evento, foram submetidos
1.140 trabalhos, dos quais 425 foram aceitos para comunicação oral e 374 na modalidade
pôster. Dentre aqueles apresentados em forma de comunicação oral e nos quais a EA era
objeto de pesquisa, encontramos quatro com a concepção educacional de Freire. Nestes, as
categorias freireanas identificadas foram: papel da escola (em dois estudos), educação
libertadora (em dois estudos), educação problematizadora e contextualização (ambas em um
mesmo trabalho).
Na modalidade pôster, identificamos apenas três trabalhos em que encontramos as
seguintes categorias freireanas: contextualização, diálogo, educação libertadora, consciência,
criatividade e papel da universidade. Como se vê, algumas categorias freireanas são
recorrentes em estudos que envolvem a EA, como o diálogo, o papel da escola, a consciência
e a educação libertadora; e novas categorias freireanas surgiram nos trabalhos do VII ENPEC,
como a contextualização e a educação problematizadora. Isso indica ampliação de percepções
quanto à prática em EA, no campo do ensino das ciências.
Analisando os anais do evento, encontramos estudo de Kawasaki e colaboradores
(2009) acerca dos contextos educacionais e focos temáticos que têm predominado na pesquisa
em EA nos ENPEC. Em relação aos contextos educacionais, conforme tais autores, há
predomínio de trabalhos referentes a contextos escolares (72,9%), dos quais grande parte se
relaciona ao ensino fundamental.
Quanto aos focos temáticos, os autores verificaram que 31,5% dos estudos em EA se
referem a programas, projetos e currículos; 18,6%, a conteúdos e métodos; 17,6%, a
características do estudante; 15,8%, a recursos didáticos; 14,9%, a características do formador
em EA; 13,9%, a concepções de EA e meio ambiente e ao estado da arte em EA; 10,2%, ao
trabalho e formação de professores em EA; 4,7%, à formação de conceitos em EA e 2,8%, a
políticas públicas em EA.
25
Os resultados demonstram que criticidade e humanização representam categorias não
exploradas nos trabalhos que envolvem EA e que fazem parte dos objetivos de nossa
pesquisa. Demonstram também que a prática do professor que atua na formação docente na
universidade ainda representa contexto temático e foco pouco explorados. Esse mapeamento
aponta-nos a relevância do trabalho doutoral realizado, porém a escolha do quefazer docente
com a EA crítico-humanizadora não se deu por sua ausência nos estudos já desenvolvidos,
mas, sim, pelo teor, sentido e significado inerentes aos conceitos e às concepções que
sustentam o quefazer.
No estudo deste quefazer, temos como conceitos teóricos5: formação inicial de
professores, educação ambiental e prática docente; e, como categorias, temos a criticidade e a
humanização na prática docente com EA. Na figura 2, esquematizamos esses conceitos e
essas categorias que se entrecruzam e que têm uma dinâmica articuladora, dialógica. Por este
motivo, os limites das elipses que trazem os conceitos teóricos são apenas pontilhados.
Figura 2
Conceitos teóricos e categorias
5 Minayo (2004, 2007a) esclarece que conceitos são os termos mais importantes de um discurso científico, pois
neles há sentidos carregados de história e ação social. Os conceitos teóricos são “os que compõem e estruturam o
discurso da pesquisa” (idem, 2007a, p. 20).
humanização
criticidade
formação inicial de
professores
prática docente
educação
ambiental
26
Recorremos à etnometodologia no desvelar do objeto de pesquisa, pois esta nos diz
que o mundo social descreve a si mesmo de forma permanente - é o accountability natural do
mundo social, mas, para escutá-lo, convém perceber o que muitas vezes é somente visto,
como, por exemplo, o quefazer docente. Para investigá-lo, utilizamos o estudo exploratório, a
pesquisa de campo e a análise dos dados coletados.
Nosso estudo acerca do quefazer docente com a EA crítico-humanizadora pode ser
visto como árvore frutífera. Em Recife, há muitas mangueiras retratadas por Paulo Freire
como árvores frondosas que o acolhiam em sua meninice e que foram referenciadas pelo autor
no livro À sombra desta mangueira. Por isso as elegemos para representar nossa metáfora ao
longo do trabalho e, por meio de fotografias de nossa autoria, trazemos a beleza desta árvore
para a tese.
A introdução representa o solo fértil no qual vislumbramos a possibilidade de iniciar o
plantio de sementes. No capítulo 1º lançamos as sementes na forma de objetivos, problema
de pesquisa e sua contextualização. As sementes, bem cuidadas e mantidas em constante
vigilância epistemológica, aos poucos foram germinando, crescendo e florescendo na forma
de ideias, desejos e escritos, permitindo o surgimento de novas sementes ao longo de todo
trabalho.
A fundamentação teórica representa as raízes porque sustenta e alimenta a pesquisa,
constituindo as bases do estudo. Os conhecimentos adquiridos em leituras diversas
representam a água e os sais minerais absorvidos pelas raízes, os quais chegam ao xilema6 e lá
se forma a seiva bruta, que é distribuída das raízes até as folhas.
Como a seiva, o diálogo com os autores que elegemos perpassam toda a pesquisa,
desde o solo onde são plantadas as sementes até a beleza das flores, folhas e frutos presos aos
galhos. Nossas raízes estão apresentadas nos capítulos 2º e 3
º, nos quais discutimos o
necessário diálogo entre a universidade e a EA, a formação dos professores de biologia e o
quefazer da EA crítico-humanizadora na educação superior.
A abordagem metodológica é o caule, pois conduz e media à concretização das ideias
e dos estudos realizados. Ele, pelo qual circulam a seiva bruta advinda das raízes e a seiva
elaborada produzida nas folhas pelo processo fotossintético, articula-se com as raízes e com
os galhos. Trata-se de parte importante, pois qualquer interrupção de seiva bruta ou elaborada
pode causar a morte da árvore. O caule de nossa pesquisa é apresentado no capítulo 4º.
6 Xilema e floema são tecidos responsáveis pelo transporte em vegetais. O xilema é responsável pelo transporte
de seiva bruta (água e sais minerais) e o floema é um tecido condutor de seiva elaborada (rica em substâncias
orgânicas derivadas da fotossíntese).
27
O campo de estudo são os galhos da mangueira, as universidades que estudamos, pois
neles se prendem e se desenvolvem as folhas, que são os professores da educação superior e
atores da presente pesquisa. Nas folhas, processa-se a fotossíntese, fase vital à planta.
Nenhuma é igual à outra, pois diferem em tonalidades de cores, bordas de limbo e ápices, em
texturas, nervuras, cheiros e tamanhos - são únicas. Os galhos estão descritos no item 4.2 e as
folhas, identificadas no estudo exploratório, foram caracterizadas no item 4.3. As folhas
utilizadas para identificar os professores-atores7 foram escolhidas após conhecê-los para
garantirmos nelas algum traço da identidade dos mesmos.
Os galhos sustentam também as flores, que são os licenciandos dos cursos de
licenciatura em ciências biológicas das universidades estudadas. As flores também diferem
umas das outras e são únicas, mas levam adiante o que construíram na universidade. Por
intermédio dos questionários aplicados às flores, desvelamos caminhos para a colheita no
campo de estudo. O estudo exploratório realizado com as flores tornou-se fundamental à
continuidade da pesquisa e à consequente entrada no campo. A metáfora utilizada para
identificar licenciandos foram flores de árvores frutíferas que, de forma única, apontaram os
indícios necessários para a identificação de professores com quefazer da EA crítico-
humanizadora.
Nos galhos, além de folhas e flores, há também os frutos, que se constituem nos
resultados colhidos a partir do trabalho realizado e socializado com a comunidade acadêmica,
com os cursos de ciências biológicas das universidades e com a sociedade de forma mais
ampla. Os frutos, principalmente em plantas angiospermas8, como é o caso da mangueira,
protegem as sementes e auxiliam em sua disseminação, processo que renova e movimenta as
pesquisas em todas as áreas do conhecimento.
Inspirando-nos na metáfora da árvore, cada capítulo deste trabalho traz em destaque
fotografias, todas de nossa autoria, de partes da mangueira, árvore por nós escolhida para
representar as demais árvores frutíferas encontradas no Brasil, um país rico em
biodiversidade. No seu solo fértil, lançamos nossas sementes. Daí, a necessidade de
contextualizarmos, a seguir, o problema de pesquisa.
7 Para garantir o anonimato dos professores e professoras optamos por identificá-los no texto por professor-ator
ou professores-atores, sempre no masculino. Do mesmo modo, quando recorremos à metáfora da folha para
identificá-los, utilizamos o gênero feminino. 8 Angiospermas são plantas que possuem sementes abrigadas no interior de frutos, que são resultantes do
desenvolvimento do ovário da flor. Alguns exemplos de angiospermas: figueira, laranjeira e mangueira. Elas
diferem das gimnospermas, que são plantas que possuem sementes, mas não formam frutos. Neste caso, as
sementes são denominadas de “nuas”, pois não estão no interior de frutos. É o caso dos pinheiros.
29
CAPÍTULO 1
CONTEXTUALIZANDO O PROBLEMA DE PESQUISA: LANÇANDO SEMENTES
Na contextualização do problema de pesquisa, consideramos pertinente trazer, de
forma breve, como a EA se expandiu no ensino formal brasileiro e passou a constituir-se tema
de estudos em programas de pós-graduação; como ela envolve o contexto socioambiental que
urge ter perspectiva sustentável e o necessário processo de (re)construção sobre ela baseado
no assumir da concepção transformadora. Afinal, foi diante dos limites da concepção
reformista da EA que vislumbramos o apontar de novo quefazer docente que levou-nos ao
problema de pesquisa.
A temática EA, aqui no Brasil, ganhou expansão na década de 1970. As primeiras
preocupações na fase inicial recaíram na revisão de projetos curriculares como tentativa de se
implementar a EA na escola. Segundo Krasilchick (2001), esses projetos tinham cunho
ecológico, diferenciavam medidas do rendimento educacional de cursos para professores e
alunos e estabeleciam testes e provas para se avaliar o aprendizado.
A limitação de tais instrumentos verificadores da aprendizagem na área cognitiva era
facilmente detectável, pois não conseguiam constatar mudanças de atitudes e valores, as quais
se constituíam em um dos objetivos dos projetos curriculares. Desse modo, constatou-se que o
modelo tradicional de ensino mostrava-se insuficiente perante a natureza e os objetivos
próprios da EA, o que levou pesquisadores de diferentes origens a contribuir para a discussão
acerca de possíveis metodologias na abordagem da EA.
De acordo com Reigota (2007), só a partir de 1984, a EA se tornou tema de
dissertações e teses no Brasil e, desde a segunda metade dos anos 1990, institucionalizou-se
em diferentes cursos de pós-graduação, principalmente aqueles de cunho educacional. Isso se
deveu, dentre outros fatores, a políticas públicas resultantes de texto legal, como a Lei nº
9.795, de abril de 1999, a qual define, em seu artigo 1º, a EA como sendo:
Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores
sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do Meio Ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade.
A referida lei também estabelece, no artigo 10º, capítulo II, que a EA não deve ser
implantada como disciplina específica no currículo e enfatiza, no artigo 11º, que ela deve
constar nos currículos dos cursos de formação de professores, em todos os níveis e em todas
30
as disciplinas. Corroborando esta lei, pensamos que a EA ultrapassa a fronteira disciplinar e,
neste sentido, se a tratarmos como uma disciplina, corremos o risco de fragmentá-la, de
reduzir-lhe a complexidade.
A EA envolve todo um contexto socioambiental que tem seguido padrão civilizatório
sem perspectiva de sustentabilidade. Segundo Quintas (2009), podemos verificar o fato nas
dimensões social, cultural, ecológica, econômica e ética. Em razão da importância dessas
dimensões para se compreender a complexidade da EA, optamos por explicitar o que as
caracteriza.
Na dimensão social, a desigualdade e a exploração são fatores estruturantes. Nesse
sentido, concordamos com Guimarães (2007), para quem o desafio da sociedade na atualidade
está no crescimento econômico qualitativo, capaz de reduzir as desigualdades
socioeconômicas e promover o bem-estar social. Não pensar no humano, nas condições de
vida humana significa não pensar na dimensão ambiental, pois as desigualdades sociais,
políticas e ambientais contribuem para a desintegração social e, consequentemente, para a
insustentabilidade, como destaca Layrargues (2009).
O trabalho de Keim (2010) ajuda-nos a compreender que a insustentabilidade na
dimensão social está atrelada ao descuido da ética planetária, pois, para o autor, o ser humano
pode sobreviver, mesmo em condições adversas, sem deixar de priorizar o coletivo planetário,
sem esquecer o compromisso social pela vida. Assim, a ética é por ele considerada agente de
resgate e revitalização da humanidade na medida em que garante ao homem romper com a
miséria e a marginalização.
Na dimensão cultural, cresce o movimento no sentido da homogeneização e a não
valorização das diferenças, quando o próprio conceito de cultura implica a diferença. Freire
(1983) no livro Educação e mudança chama-nos a atenção para o fato de cultura ser tudo que
é criado pelo homem: “A cultura consiste em criar e não em repetir. O homem pode fazê-lo
porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo” (p. 30). O referido
autor, no livro Educação como prática da liberdade, retoma a discussão acerca da cultura e
nos ajuda a compreender que o esforço criador e o recriador garantem a dimensão humanista
da cultura. A cultura, então, resulta do trabalho humano, “[...] como aquisição sistemática da
experiência humana. Como uma incorporação, por isso crítica e criadora [...]” (FREIRE,
2000a, p. 116-117).
Quando pensamos em dimensão ecológica, vem-nos à mente a destruição dos
ecossistemas e do uso indiscriminado dos recursos naturais. Mas pensar em EA supera a
ênfase na dimensão ecológica, ou seja, significa assumir visceralmente a interface com a
31
questão social, com a humanização, com a transformação radical das relações dos seres
humanos entre si e com a natureza. Conforme destaca Layrargues (2009), a mudança
ambiental provavelmente seja a mudança de maior importância para o destino da história
humana.
Porém, ressaltamos, EA não é sinônimo de ecologia, porque “[...] vai além do
aprendizado sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas ecológicos” (LAYRARGUES,
2009, p. 26), das relações ecológicas e de outros conceitos relativos à ecologia, que é uma
área da biologia. A EA envolve o aprendizado sobre os sistemas sociais e as relações entre o
ambiental e o social. Tais relações são complexas e não podem ser entendidas de forma
cartesiana. Por esse motivo, sustenta Quintas (2009), um dos objetivos do processo de ensino-
aprendizagem em EA é superar a visão fragmentada da realidade por meio da construção e
reconstrução do conhecimento sobre esta, num processo de ação e reflexão, de modo
dialógico, com os sujeitos envolvidos.
O processo (re)construtivo sobre a EA tem alicerces na concepção de mundo, de
ciência e de homem que se defende e encontra acolhida em paradigmas. Para Capra (1988),
paradigma é a totalidade de pensamentos, percepções e valores que formam uma visão de
realidade de determinada sociedade. Já passamos pela fase em que a promessa da dominação
da natureza e do seu uso indiscriminado gerava a exploração abusiva e despreocupada dos
recursos naturais. Por outro lado, a ciência moderna que poderia erradicar riscos à sociedade,
entre eles o ecológico, está de fato a recriá-los, como alerta Santos (2000).
Faz-se necessário, então, um paradigma emergente9 para se entender a EA, o qual
possibilite superar a dicotomia ciências naturais-ciências sociais, pois entendemos que “a
natureza é a segunda natureza da sociedade e que, inversamente, não há uma natureza humana
porque toda a natureza é humana” (Ibidem, p. 89).
Conhecimentos científico-natural e científico-social são indissociáveis - compreensão
epistemológica decisiva para a atual transição de paradigmas e particularmente difícil para
todos os envolvidos no processo. Essa transição é necessária às ciências que optam pela não
separação entre sujeito e objeto, natureza e cultura, meio ambiente e educação, e que preferem
compreender o mundo em vez de manipulá-lo.
9 O paradigma emergente é caracterizado por Santos (2003) e por Moraes (2004) como inovador e como aquele
que visa a atender às mudanças necessárias à sociedade atual. Nele a ciência está pautada nas concepções de
complexidade, de interdisciplinaridade e valorização das questões éticas, ecológicas e ambientais. As práticas
pedagógicas, nesse sentido, valorizam a participação do discente no processo formativo, sendo o mesmo
encarado como sujeito ativo. Tal paradigma contrapõe-se ao dominante no qual predomina a concepção da vida
em sociedade como luta competitiva pela existência e a crença do progresso material ilimitado a ser alcançado
por meio do crescimento econômico e tecnológico (CAPRA, 2007). As práticas pedagógicas, neste caso,
baseiam-se na memorização e na repetição.
32
No paradigma emergente, o conhecimento é construído por professores e alunos e é
uma prática inventiva – e não repetitiva como no paradigma dominante. Naquele, vê-se o
homem como ser de relações e inacabado; o mundo é local onde ele vive, sonha e deixa suas
marcas no outro, nele mesmo e no próprio mundo; aí ele humaniza-se e desumaniza-se.
A transição paradigmática atinge obviamente as universidades, locais de inserção de
quefazer docente com a EA e estas vêm enfrentando crises em razão da necessidade de
transformarem-se. Santos (2003, p. 226) escreveu 11 teses para uma universidade baseada no
pós-modernismo10
, entre as quais destacamos: “em uma sociedade à beira do desastre
ecológico, a universidade deve desenvolver uma apurada consciência ecológica”.
Diante das discussões acerca de ecologia e EA, parece-nos importante considerar que a
universidade problematize saberes para contribuir com elementos teóricos na direção da
consciência ecológica, desde que tal consciência seja também socioambiental. A universidade,
convém lembrar, forma os professores da educação básica das redes pública e privada de todo
o país; portanto, é razoável que esses profissionais entendam e desenvolvam atitudes
socioambientais em seu cotidiano e em seu quefazer formador.
Segundo Araújo (2004), o entendimento inicial da EA na escola era o de equivalência
dessa a aulas dinâmicas de ecologia. Assim, os problemas ambientais eram trabalhados em
sala de aula com o objetivo de sensibilizar os alunos, pois se acreditava, ingenuamente, que
boas aulas de ecologia seriam suficientes para mudar o comportamento deles e,
consequentemente, o planeta poderia ser salvo.
Daí, complementa a referida autora, uma segunda interpretação foi instituída: a EA
seria responsabilidade das disciplinas biologia e geografia, já que estas estudam o meio
ambiente. Conforme se percebe, pensava-se a EA sem a necessária articulação de diferentes
saberes e fazeres necessários ao entendimento da complexidade ambiental e da sua
contribuição para a construção de sociedade mais justa, democrática, solidária e sustentável.
Na dimensão econômica, percebemos, há bens e serviços que atendem a poucos,
contribuindo para a desigualdade social. O Relatório de Desenvolvimento Humano 2007-
2008, que teve como foco o combate às alterações climáticas (PNUD, 2007), destaca que, em
um mundo desigual, a vulnerabilidade ambiental constitui desafio a ser enfrentado. Se
considerarmos a relação entre pobreza e sustentabilidade ambiental, constatamos que os
pobres tendem a ocupar terras marginais, como afirma Guimarães (2007), áreas mais
10 As 11 teses podem ser encontradas em: SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 223-226. Na obra compreendemos que no mundo pós-moderno
predominam a incerteza, o consumo gerado pelo capitalismo e a globalização rompendo fronteiras. Como efeito
disso vemos a fragilização das relações sociais e a crise socioambiental, dentre outras mudanças.
33
suscetíveis a inundações, alagamentos, desmoronamentos, secas e processos de desertificação,
como por exemplo, Salgueiro e Cabrobó em Pernambuco. Todos esses fatores e o fato de as
referidas áreas serem, na maioria das vezes, impróprias ao plantio, contribuem para a
manutenção de condições de vida insustentáveis aos humanos que lá vivem. Logo,
desigualdade social e desigualdade ambiental estão intimamente ligadas.
Na dimensão ética, é mister construir relação de ética com a Terra e com todas as
formas de vida nela presentes, inclusive a ética para com os humanos. Para Freire (2002, p.
37), “[...] Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer da ética, quanto mais fora
dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão
[...]”.
Construir relação de ética planetária é, para Keim (2010), tarefa inadiável de cuidar do
mundo. Tarefa esta que o autor considera exequível ao considerarem-se princípios ecovitais
que se contrapõem à primazia do consumismo e do individualismo. Alguns destes princípios
são: alimento, abrigo, ocupação, afeto e cuidado. Todos estes, devidamente associados ao
respeito à natureza, propiciam condições de sobrevivência humana digna.
Todavia, a lógica mundial contemporânea que guia os investimentos, a circulação de
riquezas e a produção de mercadorias materiais e simbólicas conduz-nos a um ambiente
natural e social cada vez mais degradado em prol do desenvolvimento econômico. Vemos
pessoas vivendo em condições subumanas e má qualidade de vida provocada por poluição de
todos os tipos, violência, ritmo de vida acelerado e outros fatores. Sobre esse assunto, Capra
(2002, p. 5) nos diz que
A economia global está produzindo impactos socioambientais de forma intensiva
nos últimos anos, a exemplo o aumento da desigualdade social, o fim da
democracia, a deterioração rápida do ambiente natural, aumento da pobreza e da
alienação, precisando passar por uma mudança profunda, pois o futuro planetário só
será possível se for projetado para ser ecologicamente sustentável, respeitando os
direitos e valores humanos.
Compreendidas as dimensões social, cultural, ecológica, econômica e ética,
percebemos que a EA, no âmbito da formação de professores na universidade, pode superar a
concepção reformista, cuja visão quanto à EA é ingênua, e buscar a concepção transformadora
caracterizada pela visão crítica, na qual se pode vislumbrar a construção de nova ordem social
que conduza à sustentabilidade. As diferenças entre ambas as concepções veem-se na figura 3,
na qual percebemos que as concepções de sociedade, de crise ambiental, de prevenção e
solução de problemas ambientais e também da prática pedagógica emergem por esses dois
tipos de olhares, segundo Quintas (2009).
34
Concepção reformista Concepção transformadora
A sociedade é lugar de harmonia e os
conflitos constituem disfunção no seu
funcionamento. Os problemas ambientais
resultam de disfunção que dificulta
compatibilizar desenvolvimento e proteção
ao meio ambiente.
A sociedade é lugar dos conflitos e a existência deles
é inerente à dinâmica social. Os problemas ambientais
são inerentes ao caráter não sustentável da atual
ordem social. Portanto, não há possibilidade de
compatibilização, mas apenas de mitigação.
A crise é estritamente ambiental. Sua
superação depende da adoção de padrões de
produção e consumo que compatibilizem o
desenvolvimento com proteção ambiental. E
a sustentabilidade será alcançada quando se
atingir a compatibilidade plena.
A crise ambiental é a manifestação da crise de
determinada concepção de civilização. Sua superação
depende do rompimento com a matriz de
racionalidades que a produz. E a sustentabilidade
resultará do processo de construção coletiva de nova
ordem social justa, democrática e ambientalmente
sustentável.
Prevenção e solução dos problemas
ambientais dependem de cada um fazer a
sua parte.
Cada um fazer sua parte não garante a prevenção nem
a solução dos problemas ambientais. Isso depende da
construção de consensos na sociedade, ou seja, de
ação política.
Transformar-se para transformar. Transformar-se transformando.
Prática pedagógica prescritiva e
reprodutiva.
Prática pedagógica crítica, transformadora e
emancipatória.
Figura 3
Concepções reformista e transformadora da educação ambiental
Fonte: Quintas (2009, p. 48)
Há, entretanto, que se considerar também que, com a sistematização expressa no
quadro 3 não visamos estabelecer o binarismo entre as concepções reformista e
transformadora. Existe lugar para hibridismos, sempre possíveis, sempre factíveis em
contextos como os das concepções que orientam a prática docente. Assim, fazendo o uso da
ludicidade, não descartamos a possibilidade de concepções reformadoras e transformistas que
demonstram não o pertencimento a uma ou a outra concepção, mas sim aproximações com
essa ou aquela.
Refletindo sobre as concepções trazidas no quadro e as possibilidades de hibridismo
entre ambas, percebemos que a preocupação na educação superior pode ultrapassar a ideia de
aula como momento de transmissão de informações e experiências consolidadas aos
estudantes com a pretensão de fazê-los retê-las, absorvê-las e reproduzi-las por ocasião de
35
exames e provas avaliativas, conforme relata Masetto (2003b). Professores e estudantes são
sujeitos históricos do processo de ensino-aprendizagem; então, com esse entendimento, é
possível conceber a práxis docente com EA crítico-humanizadora.
Práxis, aqui, compreendemo-la como capacidade humana de atuar, operar, transformar
a realidade; logo, é indissociável da capacidade de refletir. Para Freire (1987, p. 121), “[...] se
os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão”. Tal qual
Freire, para Konder (1992), a práxis constitui atividade concreta pela qual os humanos se
afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva, e, nesse processo, transformam a si
mesmos.
Na mesma direção destes dois autores, Vásquez (2007, p. 219) utiliza-se da
comparação entre atividade e práxis para esclarecê-la: “Toda práxis é atividade, mas nem toda
atividade é práxis”. Atividade, segundo o autor, é sinônimo de ação, entendida também como
ato ou conjunto de atos que modificam uma matéria exterior ou imanente ao agente. Já a
práxis é atividade material, transformadora e adequada a fins. Entretanto, o autor ressalta que
não há práxis puramente material, pois esta é indissociável da atividade teórica.
A discussão em torno da essência de práxis nos ajuda a delimitar a ambiental
necessária ao docente em formação. Trata-se de uma práxis humana em proveito de humanos;
sua premissa é a unidade teoria-prática. Essa práxis traz consigo a coerência entre o discurso e
a ação do professor, pois se trata de agir-refletir-agir na universidade para o quefazer com EA
crítico-humanizadora.
Esse quefazer resulta de nova leitura da EA como prática educativa que reconhece as
diversas opções político-pedagógicas e que percebe, em tal diversidade, o despontar de duas
posturas pedagógicas carregadas de intencionalidade: a reprodução da sociedade tal como está
(concepção reformista) ou a sua transformação (concepção transformadora).
Antes de nos atermos aos sentidos e significados da identidade crítico-humanizadora
da EA (fizemos isso em capítulo à parte), consideramos importante entender a origem e o
significado do termo educação ambiental e nossa opção em investigar a EA crítico-
humanizadora na formação de professores de biologia. Para Layrargues (2004, p. 7),
Educação Ambiental é um vocábulo composto por um substantivo e um adjetivo,
que envolvem, respectivamente, o campo da Educação e o campo Ambiental.
Enquanto o substantivo Educação confere a essência do vocábulo “Educação
Ambiental”, definindo os próprios fazeres pedagógicos necessários a esta prática
educativa, o adjetivo Ambiental anuncia o contexto desta prática educativa, ou seja,
o enquadramento motivador da ação pedagógica.
36
Concordamos com Layrargues quanto ao termo educação ambiental, mas alertamos
que o ambiental não pode ter uma função adjetival ingênua, pois traz, em sua essência, uma
identidade que mobiliza atores sociais envolvidos e comprometidos com uma nova visão
educacional. Nesse contexto, compreendemos que o adjetivo ambiental designa um rol de
características qualificadoras de prática educativa inovadora e traz consigo a responsabilidade
de romper com a educação tradicional, a qual tem colaborado pouco para a sustentabilidade.
Assim, educação ambiental designa qualidade especial que define características que,
juntas, permitem o reconhecimento de sua identidade diante de uma educação com
dimensões, por vezes esquecidas historicamente, quanto ao entendimento da vida, como
criticidade e a humanização na relação sociedade-sociedade e sociedade-natureza.
A EA crítica na formação inicial do licenciando em biologia é importante, porque a
criticidade é condição para a emancipação dos sujeitos, para a formação de sujeitos autores de
sua história de vida, capazes de identificar e problematizar questões socioambientais e agir-
refletir-agir sobre elas. Para Quintas (2009), a EA é crítica na medida em que discute o atual
modelo de civilização e das relações estabelecidas entre os humanos e estes com a natureza.
Paulo Freire, considerado por Carvalho (2006) uma das referências fundadoras da educação
crítica no Brasil, defende, em toda sua obra, que a captação e a leitura que o homem faz dos
dados objetivos de sua realidade precisam ser necessariamente críticas, por isso “[...] é
reflexiva e não reflexa [...]” (FREIRE, 2000a, p. 48).
Porém não basta a EA crítica na formação do professor de biologia; pensamos que a
mesma necessita ser crítico-humanizadora – compreendida, neste trabalho, no quefazer
docente orientador e incentivador de mudanças de atitudes e valores. Essas mudanças não são
processos naturais, mas, sim, resultantes de escolha após análise e reflexão crítica pessoal e
com os outros - afinal, os homens são seres de relação. Assim,
[...] consciência de e ação sobre a realidade são inseparáveis constituintes do ato
transformador pelo qual homens e mulheres se fazem seres de relação. A prática
consciente dos seres humanos, envolvendo reflexão, intencionalidade,
temporalidade e transcendência11, é diferente dos meros contatos dos animais com o
mundo (FREIRE, 2007, p. 78).
O quefazer docente da EA crítico-humanizadora se explicita em práticas intencionais,
até por estarem inseridas em contexto de educação vista como “um processo de humanização,
11 Freire explica-nos que transcendência, no contexto utilizado, significa a capacidade da consciência humana de
superar os limites da configuração objetiva. Sem essa capacidade, seria impossível a consciência do próprio
limite. Estou consciente, por exemplo, dos limites do computador no qual escrevo porque sou capaz de
transcendê-lo.
37
que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os indivíduos em
participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-lo adiante” (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2008, p. 80).
Esse quefazer na formação inicial de professores de biologia contribui para o
reconhecimento do próprio sentido de homem como ser da práxis, da ação e da reflexão sobre
a realidade socioambiental, pois, nas relações com e sobre o mundo, ele é sujeito ativo e
passivo. Segundo afirma Freire (1992, p. 28),
[...] o homem encontra-se marcado pelos resultados de sua própria ação. Atuando,
transforma; transformando, cria uma realidade que, por sua vez, envolve-o,
condiciona sua forma de atuar. Não há, por isto mesmo, possibilidade de
dicotomizar o homem do mundo, porque não existe um sem o outro.
A universidade, como instituição formadora de professores de biologia da educação
básica, não é/está omissa ao paradigma educacional voltado à sustentabilidade. As mudanças
curriculares nos cursos de licenciatura, em parte, revelam a preocupação com as novas
necessidades e exigências sociais, porém são insuficientes para garantir a efetivação do
quefazer da EA crítico-humanizadora na formação inicial de professores, pois mudanças
curriculares não são garantia de mudanças na prática pedagógica.
Em meio a essa relação prática docente na universidade - formação de professores de
biologia - Educação Ambiental, elencamos algumas questões pertinentes que nos remetem ao
problema central da pesquisa:
Que concepções de quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora norteiam a
formação de professores de biologia?
Que práticas de educação ambiental crítico-humanizadora são construídas ou
sistematizadas por professores universitários?
Quais são os indícios de processo de humanização do humano e de formação de
cidadãos críticos no trabalho docente realizado na formação inicial?
Desses questionamentos emerge o problema que norteia nossa pesquisa no doutorado:
Como a prática docente da EA crítico-humanizadora se materializa no processo de
formação inicial de professores de biologia?
38
Nossa tese é que, independentemente da inserção ou não da EA como disciplina, o
quefazer da EA crítico-humanizadora se materializa no processo de formação inicial de
professores de biologia a partir da inclusão de novos encaminhamentos dos professores
formadores em uma era planetária e da construção/assunção de concepções socioambientais
diferenciadas em relação à EA. Essa mudança gera a ruptura na estrutura tradicional,
reformista, e o professor inova12
. No processo inovador, o professor tenta romper com a
dicotomia formação científica e pedagógica da leitura de mundo, comprometendo-se a
assumir prática docente crítico-humanizadora que depende de tal leitura para pronunciá-la.
Os fios condutores da análise para a compreensão do quefazer docente da EA crítico-
humanizadora foram: a concepção de educação e de educação ambiental, a
interdisciplinaridade, a relação professor-aluno, a unidade teoria-prática, a relação educação-
sociedade, a relação ensino-pesquisa e a relação sujeito-mundo. Este conjunto articulado de
fios condutores permitiu-nos ver a materialização do referido quefazer docente e são eles os
conceitos de observação direta13
que orientaram nosso olhar. A escolha destes fios condutores
está devidamente justificada no item 3.3 da tese, o qual se refere à práxis docente para a
formação em EA crítico-humanizadora.
O problema que move esta tese e a trajetória formativa das pesquisadoras se identifica
com a teoria crítica, enfoque compreendido por Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999)
como sendo
[...] essencialmente relacional: procura-se investigar o que ocorre nos grupos e
instituições, relacionando as ações humanas com a cultura e as estruturas sociais e
políticas, tentando compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e
transformadas. Parte-se do pressuposto que nenhum processo social pode ser
compreendido de forma isolada, como uma instância neutra acima dos conflitos
ideológicos da sociedade. Ao contrário, esses processos estão sempre
profundamente vinculados às desigualdades culturais, econômicas e políticas que
dominam nossa sociedade (p. 139).
A teoria crítica surgiu como “uma estrutura seminal para entender educação, currículo
e instrução, práticas de ensino e políticas educacionais” (TORRES, 2003, p. 111). E, segundo
Morrow e Torres (2003), essa teoria tem envolvido esforço complexo de ligação com as
práticas educativas como entendidas por Paulo Freire: emancipadoras, críticas, libertadoras,
transformadoras da realidade social. Simultaneamente, a teoria crítica reconhece
12 Filiamo-nos à concepção de Cunha (2006) sobre o inovar. Para a autora, a inovação é uma posição de busca do
novo para encaminhar soluções, o que significa que inovar “é fazer rupturas [...] inventar” (p. 49). 13 Minayo (2007a, p. 20) define os conceitos de observação direta como aqueles que definem os termos com os
quais o pesquisador trabalha em campo ou nas análises documentais – sentido que os utilizamos neste trabalho.
39
características da investigação, como a inconclusão e a provisoriedade, as quais permitem (e
induzem) o distanciamento para o reexaminar das práticas educativas à luz de novas
evidências e vivências acumuladas.
Além de favorecer a compreensão da educação, a referida teoria tem sido utilizada, de
forma recorrente, em trabalhos de Guimarães (2005) e Loureiro (2003) e considerada
indispensável ao entendimento do debate e embate no campo ambiental, pois sociedade e
natureza se fundem por uma práxis histórica. O modo de vida social em interação com as
condições ecológicas define a situação planetária. Assim, “a visão que o marco teórico crítico
tem da humanidade é que esta é a unidade dialética com a natureza. Somos, portanto,
humanamente naturais e naturalmente humanos” (LOUREIRO, 2003, p. 48).
A humanidade interage com e na natureza; somos parte dela e, em função das relações
sociais e de produção adotadas, podemos conviver em harmonia ou ameaçar a vida na Terra.
Concordamos com Loureiro, Layrargues e Castro (2002) quanto ao entendimento de que não
há ecossistemas imutáveis e a espécie humana neles atua. É ingenuidade pensar que podemos
parar de interagir com o planeta, mas podemos fazê-lo de forma diferente, mudando o padrão
da sociedade contemporânea com base em nova visão de mundo.
Encontramos em Guba (1990) alguns pressupostos da teoria crítica os quais também
nos auxiliam a apontá-la como base da EA. Segundo o referido autor, a tarefa do pesquisador
nesse paradigma seria fazer os sujeitos da pesquisa atingirem novos níveis de consciência
necessários à transformação do mundo; os valores do pesquisador estão presentes em todo o
processo de investigação, desde a construção do problema; e a metodologia adotada seria
dialógica, no sentido da transformação social.
1.1 Objetivos
1.1.1 Geral
Analisar como a prática docente da EA crítico-humanizadora se materializa no
processo de formação inicial de professores de biologia.
40
1.1.2 Específicos
Identificar em que medida a educação ambiental crítico-humanizadora está presente
nos projetos político-pedagógicos dos cursos de formação de professores de biologia.
Compreender o quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora que norteia a
formação de professores de biologia.
Identificar, no quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora na formação
inicial, indícios de processo de humanização do humano e de formação de cidadãos críticos.
42
CAPÍTULO 2
O NECESSÁRIO DIÁLOGO UNIVERSIDADE - EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA: NASCIMENTO DA PLANTA
Em qualquer parte da Terra
Um homem estará sempre plantando,
Recriando a vida (CORALINA, 2006, p. 161).
A universidade, instituição plantada e replantada pelo homem, vive momentos de
criação e recriação frente às necessidades sociais de cada época, de cada contexto histórico
vivido. Nessa perspectiva, ela desempenha papel político-educacional que a torna vibrante,
latente e revolucionária numa sistemática relação dialética de inconclusão e inacabamento
com a sociedade e, como tal, exige investimento de todas as formas.
Encontramos em Freire (2003) a preocupação com o investimento na universidade
haja vista que tal instituição conduz o sujeito a reformular pensamentos e a refletir
criticamente sobre suas ações no e com o mundo. De acordo com o mencionado autor,
A universidade, no fundo, como tenho dito em trabalhos anteriores, mas que posso e
devo repetir, tem de girar em torno de duas preocupações fundamentais, de que se
derivam outras e que têm que ver com o ciclo de conhecimento. Este, por sua vez,
tem apenas dois momentos que se relacionam permanentemente: um é o momento
em que conhecemos o conhecimento existente; o outro, o em que produzimos o
novo conhecimento [...] O papel da universidade, seja ela progressista ou
conservadora, é viver com seriedade os momentos desse ciclo. É ensinar, é formar, é
pesquisar. [...] O que se quer é diminuir a distância entre a universidade ou o que se
faz nela e as classes populares, mas sem a perda da seriedade e do rigor. Sem
negligenciar diante do dever de ensinar e de pesquisar (Ibidem, p. 175).
Assim, urge que a pesquisa e todas as demais funções da universidade considerem a
necessária interação desta com a sociedade. As pessoas que nela exercem atividades docentes,
administrativas e discentes emergem da sociedade e os produtos da universidade devem
destinar-se no sentido de se construir sociedade mais justa e igualitária. Isso porque o sentido
mais amplo da educação é possibilitar que sujeitos humanizados e críticos participem e
desfrutem dos avanços culturais, sociais e tecnológicos, entre outros, mas também assumam o
compromisso de solucionar problemas gerados por tais avanços. Os problemas
socioambientais representam um exemplo do compromisso a ser assumido pela sociedade e,
consequentemente, pela universidade.
43
Reconhecer tal compromisso significa ver a universidade, principalmente a pública,
sob nova perspectiva que carrega consigo a mudança da visão relacionada à educação no país,
pois se a consideramos um direito, e não um privilégio, encaramos o investimento nela como
algo extremamente positivo, e não apenas mais um gasto público. Chauí (2003) assinala
alguns pontos necessários à mudança da universidade pública pela perspectiva da formação e
da democratização do ensino público. São eles: colocar-se claramente contra a exclusão como
forma da relação social definida pelo neoliberalismo e pela globalização; definir a autonomia
universitária não pelo critério dos chamados contratos de gestão, mas pelo direito e pelo poder
de definir suas normas de formação, docência e pesquisa; desfazer a confusão entre
democratização da educação superior e massificação e revalorizar a docência e a pesquisa.
Todos estes pontos representam desafios à universidade, originados no processo
histórico de sua criação e recriação no país. Entretanto, eles não têm contribuído para o
afastamento da universidade das questões de caráter emergencial, como, por exemplo, a
socioambiental. A instituição realiza pesquisas a respeito de problemas socioambientais e não
está alheia a eles; dando significativas contribuições ao entendimento de mecanismos de
mudanças possíveis, previsão e explicação de fenômenos que acometem nosso planeta
constantemente. Além do mais, a criação de novos cursos de graduação e pós-graduação na
área demonstra a preocupação em formar profissionais aptos a contribuir com a busca de
saídas à crise socioambiental instaurada.
Na formação destes profissionais convém que a universidade tenha um novo foco:
humanizar-se a si mesma com base na EA. Afinal, tal formação exige uma nova concepção
homem-mundo - assunto presente nas discussões da seção 2.1.
2.1 Universidade e educação ambiental: brotam as sementes
A Terra pode oferecer o suficiente para satisfazer as necessidades de todos os
homens, mas não a ganância de todos os homens (Mahatma Gandhi).
As catástrofes anunciadas em jornais, revistas e outros meios de comunicação
lembram-nos, todos os dias, o desequilíbrio ecológico e ambiental, que afeta diretamente o
universo social, político, educacional e econômico no planeta. Furacões, tornados, chuvas
ininterruptas castigam São Paulo, Mato Grosso e vários outros Estados brasileiros. E ainda: a
desertificação no Nordeste, a violência causada pela desumanização do humano, o desrespeito
às diferenças, a corrupção, a fome e a miséria em todo o mundo todos nós testemunhamos.
44
Grande parte de tais problemas resulta da agressão à natureza, a qual, por vezes,
aparece transvertida do entendimento de desenvolvimento como sinônimo de crescimento
econômico. Vivemos em uma sociedade em que produção e conservação de recursos naturais
caminham em direções contrárias ou, mesmo tomando idênticos rumos, sem estabelecer
diálogos de cuidado e valorização do natural e do social. O mercado de consumo global
aumenta e carrega consigo registros frequentes da insustentabilidade, muitas vezes, causada
pela ganância dos homens. A coisificação já não é termo que se restringe a coisas, estende-se
também às pessoas, pois marca, muitas vezes, as relações humanas. Como nos diz Seabra
(2009a, p. 1), “o desenvolvimento sustentável está francamente em desacordo com o modelo
de consumo global”.
Refletir, analisar e propor possibilidades de superação dos problemas identificados em
tal cenário é uma tarefa que exige leituras e ações interdisciplinares e intersetoriais. Para
tanto, com certeza, a EA oferece campo fértil no sentido de provocar mudanças processuais
que contribuam significativamente para a melhoria social de vida do ser humano e melhorem
as relações ser humano-natureza e ser humano-ser humano.
Mas por onde começar? Na verdade, tamanha tarefa compete à casa, à escola, à
universidade, enfim, a todos os espaços próprios para a materialidade da educação. “É nas
relações entre ser humano, sociedade e natureza, entre as partes e o todo, que se constrói o
processo de educação de educandos e educadores como cidadãos críticos, capazes de
contribuir para uma sociedade planetária ambientalmente sustentável” (ARAÚJO;
OLIVEIRA, 2008b, p. 18). Como o lócus desta pesquisa é a universidade, aqui objetivamos
expor proposições acerca do papel da referida instituição na inserção da EA em uma
sociedade marcada pelo mercado do consumo global.
Na Constituição da República Federativa do Brasil, o artigo 225 enfatiza: “todos têm
direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. No parágrafo 1º, o inciso VI
determina: “Promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e conscientização
pública para a preservação do Meio Ambiente”. Já a Lei nº 9795/99 instituiu a PNEA,
oferecendo amparo legal à EA, responsabilizando e envolvendo todos os setores da sociedade
e incorporando oficialmente a EA nos sistemas de ensino.
Em Pernambuco, o Programa de Educação Ambiental do Estado (PEA/PE) estabelece
como um de seus objetivos a conexão com os princípios norteadores determinados na PNEA e
com a política de educação do Estado. Evidencia-se, dessa forma, que as ações e práticas
45
educativas devem respaldar a necessidade da conservação dos recursos ambientais, elo
indispensável à construção de sociedade justa e ecologicamente equilibrada
(PERNAMBUCO, 2006).
Assim, o Poder Público e a coletividade devem preservar a qualidade do meio
ambiente, trabalhando juntos em favor da vida planetária, pois a organização social e
econômica vigente nos oprime e promove a alienação materializada na subjugação pelo
capital e “coisificação” de tudo e de todos, o que estabelece dicotomia na relação sociedade-
natureza e na relação entre humanos. Logo, o pacto para garantir a qualidade de vida e do
ambiente não pode ser mediado pela ideologia de mercado, mas sim pela ideia de
sustentabilidade, que, segundo Freire P. (2001), é a racionalidade impregnada de emoção e,
para Morin, Ciurana e Motta (2003), uma lógica do vivente.
Entretanto, como nos alerta Seabra (2009b), o modelo de desenvolvimento atual está
fundamentado no consumismo massificado. Consumir, para muitos em nossa sociedade,
significa fortalecimento ou, até mesmo, construção de identidade. Mas, somos uma sociedade
de consumo ou uma sociedade ideologizada pelo consumo?
Para Zacarias (2009), a segunda opção parece corresponder mais ao tipo de sociedade
contemporânea já que somente pequena parte da população mundial tem acesso à sociedade
de consumo. A autora defende a centralidade da produção como “fator organizador da
sociedade e não do consumo” (p. 120). Então, podemos entender o consumo como uma das
fases do mesmo processo que inclui a produção, a distribuição, a circulação e o consumo
propriamente dito. Este seria, portanto, a concretização da produção e também do trabalho.
Porém, sob a ótica do capitalismo, a produção deixa de ser concebida como processo
que leva à satisfação das necessidades humanas e passa a ser desempenhada com o propósito
de obtenção de lucro. Em tal contexto, o consumo pode tornar-se alienado, levar as pessoas a
colecionar mercadorias. O ato de consumir assume o significado de encontrar felicidade e
deteriora as relações sociais.
As relações capitalistas são, de acordo com Zacarias (2009), as causas da crise
ambiental, pois fundam-se na exploração do trabalho pelo capital, no lucro, na exploração da
força de trabalho e dos recursos naturais e no acúmulo do capital. Esses argumentos nos
levam a constatar que os padrões de produção e de consumo na sociedade são “injustos
socialmente e insustentáveis ecologicamente” (Ibidem, p. 135).
A EA, nesse cenário, exerce influência na construção de mudanças e na preservação
ambiental e figura como campo de conhecimento na materialidade de mudanças sociais. Com
base em opções político-pedagógicas, ela pode contribuir para a “reprodução da sociedade tal
46
qual está, ou a sua transformação” (LAYRARGUES, 2009, p. 11). A EA, inserida em todos
os níveis de ensino, pode ser potencializada na Década da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável e assim promover a transformação social. Segundo o documento proposto pela
UNESCO (2005),
O objetivo maior da Década é integrar princípios, valores e práticas de
desenvolvimento sustentável em todos os aspectos da educação e do ensino. Esse
esforço educacional deve encorajar mudanças no comportamento para criar um
futuro mais sustentável em termos de integridade do meio ambiente, da viabilidade
econômica e de uma sociedade justa para as atuais e futuras gerações (p. 57).
Nesse sentido, o Programa Educação para o Desenvolvimento Sustentável exige a
reorientação da educação desde o jardim de infância até a universidade, afinal a educação “é
um elemento indispensável para que se atinja o desenvolvimento sustentável” (Ibidem, p. 27).
O que nos parece problemático no documento mencionado - e faz-nos concordar com Gadotti
(2008) - é a relação entre educação para o desenvolvimento sustentável e educação ambiental:
nele se propõe que aquela não deve ser equiparada a esta e define-se a EA como disciplina
que enfatiza a relação dos homens com o ambiente natural. Portanto, “desenvolvimento
sustentável engloba a educação ambiental, colocando-a no contexto mais amplo dos fatores
socioculturais e questões sociopolíticas de igualdade, pobreza, democracia e qualidade de
vida” (UNESCO, 2005, p. 46).
De acordo com as discussões até hoje estabelecidas nos grandes fóruns mundiais,
considerar a EA como disciplina é um retrocesso, pois ela já engloba elementos sociais,
culturais, políticos, econômicos e educacionais, portanto, percebemos, não há razão de se
substituir um termo por outro. E mais: por meio da prática pedagógica da EA em todos os
níveis de ensino, podemos alcançar o desenvolvimento sustentável. Debrucemo-nos, então,
sobre o papel da universidade na inserção da EA.
O artigo 52 da LDB esclarece: “as universidades são instituições pluridisciplinares de
formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e
cultivo do saber humano [...]”. Logo, cabe-lhes a responsabilidade pela formação dos
professores da educação básica e dela própria e pela formação de profissionais das mais
diferentes áreas que atuam diretamente com temas ligados à EA, como engenheiros,
agrônomos, biólogos, administradores de empresas e outros.
A formação dos referidos profissionais vai além da aquisição de competências
técnicas, superando assim a visão utilitarista dos recursos naturais. Isso implica compreender
as realidades sociais - como ressalta Souza (2001) - e também as ambientais. A
47
indissociabilidade ensino-pesquisa na universidade potencializa a proposição teórico-
metodológica de formação esperada já que a pesquisa cria novos conhecimentos e apresenta-
se como “mola propulsora do progresso cultural, científico e tecnológico da humanidade”
(Ibidem, p. 152). Desse modo, tal instituição assume papel fundamental na transformação
ambiental e social da sociedade.
A universidade constitui-se no potencial local de formação de professores. Entretanto,
ela demorou a reconhecer a importância da EA e a inseri-la em seu espaço. Mesmo diante
desse déficit, é incontestável a sua responsabilidade na formação e na atuação profissional dos
professores. Além da formação inicial que contemple princípios básicos da EA e
metodologias diferenciadas de trabalho neste campo, a universidade pode tornar-se um lugar
para onde o professor possa continuamente retornar a fim de atualizar-se nas pesquisas
realizadas em sua área de trabalho. A parceria escola-universidade é vantajosa para todos,
pois o professor se atualiza e, ao mesmo tempo, pode contribuir na formação do licenciando.
Formar professores é tarefa complexa e exige a conscientização de que, desde o
primeiro momento vivido na escola - na educação infantil ou no ensino fundamental -
começamos a construir referências de formação e atuação do professor em toda e qualquer
área do conhecimento, as quais refletem na prática da docência. Assim, o papel de formar
professores para atuar efetivamente com a EA, em todos os níveis de ensino, impõe às
instituições formadoras uma política que contemple a humanização e a criticidade como eixos
norteadores alimentados pela compreensão de elas serem agentes de transformação para o
desenvolvimento sustentável.
Sob esta égide as universidades podem atuar: sensibilizando licenciandos, funcionários
e professores de sua responsabilidade em introduzir mudanças positivas na sociedade;
incentivando valores, comportamentos e estilos de vida adequados para um futuro sustentável;
fortalecendo a capacidade de reflexão orientada para o futuro e valorizando a diversidade
humana e natural como nossa principal riqueza.
Amaro Lins, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, em painel apresentado
durante o seminário Educação no Brasil: Fator de Desenvolvimento Sustentável, organizado
pela Academia Pernambucana de Ciência (APC) no ano de 2009, trouxe-nos à reflexão uma
importante meta das universidades, entendidas como espaços de produção e socialização do
conhecimento: a de contribuir para a discussão de temas prioritários ao desenvolvimento
sustentável. Entre os temas citados pelo então reitor, destacamos: cidades sustentáveis,
energia e sustentabilidade, empreendedorismo e tecnologias sociais, ecoeficiência e produção
48
mais limpa, políticas públicas e sustentabilidade, ética e sustentabilidade e mudanças
climáticas.
No mesmo evento, o senador e ex-ministro da educação Cristóvão Buarque apontou
outras metas da universidade que tem por compromisso a sustentabilidade: ocupar-se dos
problemas locais; ser universal; harmonizar-se com a natureza; criar um ambiente saudável;
recuperar sonhos éticos, controlando a técnica e unindo-a à humanidade; redescobrir o valor
da espiritualidade e transgredir os conceitos e as práticas obsoletas, o que implica mudanças
permanentes na sua estrutura, currículos e temas de estudo.
A universidade comprometida com a EA crítico-humanizadora estabelece diversas
relações com a humanidade, até porque é constituída por seres humanos, e influencia as várias
relações que a humanidade mantém consigo própria e com o mundo, aqui entendido como
ambiente social e ambiental no qual o ser humano vive, pesquisa, projeta e realiza sonhos.
A figura 4 representa a forma que concebemos as relações estabelecidas entre tal
universidade, a humanidade e o mundo. São relações dinâmicas demonstrando um limite
tênue que propicia que a universidade influencie a humanidade e o mundo, assim como este
sugestiona a universidade e a humanidade. É no mundo que o ser humano, formado em uma
universidade que tem a EA crítico-humanizadora como compromisso, participa de sua
construção e reconstrução tendo a sustentabilidade socioambiental como projeto.
Figura 4
Relações universidade-humanidade-mundo
humanidade
universidade
mundo
49
O compromisso acadêmico da universidade para inserir a EA na sociedade atual
constitui-se em tema que exige reflexão no sentido de torná-lo concretizável. Um processo de
discussão e reflexão ampla acerca das questões socioambientais traz o fortalecimento da
instituição e, como resultado, a sociedade conta com conhecimento, ciência e tecnologia a
favor da vida em todas as suas formas, o que inclui luta contra as desigualdades sociais,
respeito às culturas e às raças, novos padrões de vida, enfim, a construção de um mundo
sustentável.
Esse compromisso, tomando por base princípios do desenvolvimento sustentável, tem
por objetivo reverter a perda de recursos ambientais e contribuir para outras ações concretas a
fim de manter as condições objetivas de existência para as pessoas e outras espécies, tendo em
conta a habitabilidade, a boniteza14
da vida e o respeito à mesma em todas as suas formas.
Todas as metas aqui expostas para se desenvolver um processo reflexivo sobre a
responsabilidade da universidade na formação humana no interior da sociedade - e,
consequentemente, a concretização do desenvolvimento sustentável - estão contidas em uma
função a ser desempenhada por professores universitários: servir ao bem público, produzindo
conhecimento e contribuindo para a construção de processo civilizatório e crítico como
compromisso social. Nessa perspectiva, as metas apontadas neste trabalho são
desdobramentos do papel ou função social da universidade.
Contudo, para tais metas serem desempenhadas, convém à EA ocupar espaços
formativos crítico-reflexivos de caráter sustentável, em especial, na universidade -
professores, alunos e funcionários envolvidos em atmosfera diferente, em ambiente que
promova e contribua para a vida, por exemplo, novos padrões comportamentais e atitudinais,
como a preocupação com o gasto de energia, com o consumo, com a quantidade e o destino
dos resíduos produzidos por ela.
Sem dúvida, a universidade é um dos maiores patrimônios da sociedade, pois é lócus
de formação de profissionais que alimentam o mercado, fazem o desenvolvimento e
determinam o futuro. Então, parece necessário definir o rumo pela via da qualidade
revolucionária de vida em sociedade. Dentre as certezas e as incertezas que as reflexões de
caráter radical, rigoroso e de conjunto trazidas neste trabalho sustentam está a argumentação
afirmativa de que a humanidade assumiu um estágio de conhecimento capaz de responder a
14 Boniteza, neste trabalho, tem o significado de vida com amorosidade, bem querer, solidariedade, estética,
ética, alegria, esperança e rigorosa formação. Segundo nos diz Freire (2002), decência e boniteza andam de mãos
dadas. Temos diferentes possibilidades para o nosso futuro comum, mas o ser humano tem o compromisso de
“comparecer à História não apenas como objeto, mas também como sujeito” (FREIRE, 2000c, p. 119). Ele
intervém no e com o mundo e deixa suas marcas de sujeito histórico. O compromisso da universidade é ajudar o
ser humano nesse sentido, evitando que ele deixe apenas pegadas ecológicas, como se fosse puro objeto.
50
quase todas as suas necessidades. Por conseguinte, impõe-se concretizar e efetivar a
acessibilidade desse estágio de conhecimento para a grande maioria da população mundial.
Entretanto, o campo das relações está seriamente comprometido. Isso nos leva a
pensar que a humanidade tem à frente uma missão ainda maior que passa pela universidade:
humanizar-se a si mesma. Pensá-la toma por referência um paradigma complexo, uma vez que
o ser humano não pode ser visto e vivido com base em visão unilateral (FRANÇA, 2000),
pois, conforme nos alerta Morin (2010), ele é complexo. Em toda parte testemunhamos o
complexo homo ludens, poeticus, cosumans, imaginarius, demens.
De caráter muitas vezes propositivo, o texto aqui exposto sugere pensar a universidade
de forma complexa, superar sua forma departamentalizada. É assim que concebemos a
universidade recriadora da própria história, pensando na sustentabilidade no sentido plural.
Isso implica viver o contraditório com atitudes éticas sobre questões fundamentais, como
ampliar a inserção da EA no âmbito interdisciplinar e intersetorial, visando à sustentabilidade
ambiental, social, política, econômica e educacional.
Vivemos em um mundo onde o conhecimento, a ciência e a tecnologia ocupam lugar
de destaque. Nesse contexto, o desenvolvimento e o fortalecimento da educação superior
constituem elemento imprescindível para o avanço social, a geração de riqueza, o
fortalecimento das identidades culturais, a coesão social, a luta contra a pobreza e a fome, a
prevenção da mudança climática e a crise energética, assim como para a promoção da cultura
de paz, segundo preconiza o relatório da UNESCO (2005). Assim, esquematizamos algumas
outras metas da universidade voltadas ao trabalho com a EA crítico-humanizadora na figura 5.
Tais metas representam sementes que já podem ser percebidas na universidade, local
onde há prática docente intencional voltada à formação de bacharéis e licenciandos em
igualdade de reconhecimento e valorização profissional. Além disso, percebemo-la – tal qual
Pimenta e Anastasiou (2008) - como instituição cuja finalidade é o exercício da crítica, que se
sustenta na pesquisa, no ensino e na extensão.
51
Figura 5
Metas da universidade voltada ao trabalho com a EA crítico-humanizadora
Inseridos na universidade e, por conseguinte, influenciando e sendo por ela
influenciados, estão os professores e os futuros professores. A docência é uma forma de
intervir na realidade social, política, econômica e ambiental mediante a educação. É sobre a
formação do professor de biologia na educação superior que nos debruçamos no próximo
item, para melhor compreender o quefazer docente em prol da EA.
2.2 Formação de professores de biologia na universidade: raiz primeira
Não existe formação momentânea, formação do começo, formação do fim de
carreira. Nada disso. Formação é uma experiência permanente, que não pára nunca
(FREIRE apud FREIRE, A., 2001, p. 245).
Em plantas como a mangueira, o sistema radicular encontrado é o pivotante ou axial,
em que há uma raiz principal correspondente à primeira raiz que surge na germinação da
semente. Pois bem: a formação de professores de biologia representa essa raiz principal,
porque no cenário da formação é que encontramos diversas práticas docentes, dentre as quais
nos interessa as referentes à EA crítico-humanizadora. Tal quefazer corresponde às raízes
possibilitar que cada sujeito tenha o
poder e a responsabilidade de
introduzir mudanças em escala global.
servir ao bem
público, tendo o
compromisso social
como base.
ampliar o sentido
e o significado
de aula, pois a
atual sala de aula
tem que ser o
mundo.
considerar a complexidade, questionar as
racionalidades e ensinar ética
centralizada no humano.
universidade –
EA crítico-
humanizadora
52
inovadoras nas laterais da raiz primeira que também penetram no solo, do qual absorvem
nutrientes e água.
Para acompanharmos o crescimento da raiz primeira, consideramos pertinente tecer
algumas considerações sobre o conceito de formação. Para Donato (2002), formar como
verbo transitivo significa dar forma e como verbo intransitivo significa colocar-se em
formação. Já conforme Veiga (2006), formar é dar forma a algo, ter a forma, pôr em ordem,
fabricar, educar. Porém, quando pensamos em formação humana, torna-se inviável dar forma
a alguém ou fabricá-lo. A formação humana requer caminhada pessoal, pois esta não se faz
por meio do consumo de conhecimentos, atitudes e valores, mas sim da construção desses em
um processo que não para nunca.
Convém tecermos também algumas reflexões acerca do conceito de formação de
professores para posteriormente expormos como o entendemos. Encontramos em Veiga
(2006), que a formação de professores constitui o ato de formar o docente, educar o futuro
profissional para o exercício do magistério, ela envolve ação a ser desenvolvida com sujeitos
que vão desempenhar a tarefa de educar, de ensinar, de aprender, de pesquisar e de avaliar.
Tardif (2008), ao refletir sobre o ensino como ofício moral, entende que a formação
para o ensino não pode limitar-se a conhecimentos e competências; deve envolver também
valores, compromissos normativos e convicções éticas, já que o professor trabalha “[...] com,
sobre e para seres humanos em desenvolvimento e aprendizado. Trata-se, no sentido forte, de
um trabalho de interações humanas” (p. 41).
Ampliando ainda mais tal conceito, Cunha (2010b) a considera um processo na
trajetória do professor que agrega elementos pessoais, profissionais e sociais na sua
constituição profissional. Sob essa égide, o professor é visto como profissional e pessoa que
vai formando-se permanentemente, ao longo da vida. A autora também nos traz que a
formação do professor é uma conquista feita com muitas ajudas, como a dos professores
formadores, das aulas, dos livros e outras, mas dependente de investimento pessoal.
Aqui, consideramo-la, na sua essência, um compromisso com a educação consciente,
crítica, reflexiva e comprometida com a realidade do mundo. Tal compromisso não pode ser
passivo, mas “[...] práxis – ação reflexão sobre a realidade” (FREIRE, 1983, p. 21). E ainda: a
formação de professores, tanto a inicial quanto a continuada15
, é processo, pois estamos
permanentemente nos educando com outros humanos com os quais partilhamos o mundo com
responsabilidades e compromissos socioambientais. Nessa perspectiva, parece-nos acertado
15 Entendemos que a formação continuada tem como pressuposto a consciência de inconclusão do ser (FREIRE,
2002) e constitui-se direito garantido por lei ao professor.
53
concluir que a universidade não se constitui no único lugar de formação; há muitos espaços de
aprendizagem da docência, mas ali, institucionalizada, ela deixa marcas epistemológicas e
representações de docência significativas na vida pessoal e profissional do futuro professor.
Para Imbernón (2006), na formação inicial ocorre a aquisição do conhecimento
profissional básico, estágio durante o qual, segundo o referido autor, os professores atuam
como um currículo oculto por meio de suas condutas socioculturais, políticas, profissionais,
pessoais e valorativas explícitas ou implícitas. Leite (2004) com sua pesquisa sobre a
formação de professores de ciências e biologia corrobora esse pensamento, ao descobrir que
os ex-alunos de um curso de licenciatura16
esquecem os conteúdos de muitas disciplinas, mas
mantêm a lembrança de atitudes e valores adquiridos no convívio e no exemplo de seus
professores de graduação. Quanto a tal assunto, Cunha (2008, p. 469) nos diz: “as pesquisas
na área da formação de professores têm sido recorrentes ao apontar que os docentes
reconhecem nos seus ex-professores a inspiração mais forte da sua configuração profissional”.
Podemos encontrar ainda nos estudos da autora (2001) que as experiências de
aprendizagens consideradas mais significativas por alunos concluintes de cursos de
licenciatura de uma universidade pública são, na maioria, as que favorecem ao licenciando
situações de contato com a realidade sócio-profissional.
As contribuições dos mencionados autores acerca do currículo oculto representado
pelos professores formadores e as vivências propiciadas no campo de inserção sócio-
profissional do licenciando levam-nos a destacar a necessária integração entre a formação
docente em relação aos conteúdos acadêmicos e disciplinares e a formação pedagógica dos
futuros professores. Garcia (1999) refere-se a essa integração como conhecimento didático do
conteúdo, uma espécie de amálgama de pedagogia e conteúdo que consideramos essencial no
trabalho com EA crítico-humanizadora para que esta se materialize na prática docente do
futuro professor.
Do mesmo modo, os dados levantados por Imbernón (2006), Leite (2004), Tardif e
Lessard (2007) e Cunha (2001, 2008) ajudam-nos a perceber a sala de aula como espaço de
interações humanas no qual o conhecimento específico dos docentes é importante, mas
também suas atitudes e seus valores constituem referenciais marcantes. No caso dos cursos de
licenciatura, a aula influencia diretamente a formação do futuro profissional, pois nela os
16 A licenciatura é a licença, ou seja, trata-se da autorização, permissão ou concessão dada por autoridade
pública competente para o exercício de uma atividade profissional, em conformidade com a legislação vigente. O
diploma de licenciado pelo ensino superior é o documento oficial que atesta a concessão dessa licença. No caso
em questão, trata-se do título acadêmico obtido em curso superior que faculta ao portador o exercício do
magistério na educação básica dos sistemas de ensino (Despacho do ministro em 17/1/2002, publicado no Diário
Oficial da União de 18/1/2002, Seção 1, p. 31).
54
formadores passam ainda suas visões de homem, de mundo e das relações nele estabelecidas
com outros homens ou com o ambiente natural. Assim, dados de pesquisa ajudam-nos
também a reconhecer que os limites físicos da sala de aula podem ser extrapolados, espaços
sócio-profissionais precisam ser explorados, o que significa que novas racionalidades são
possibilidades à formação do professor no contexto contemporâneo (CUNHA, 2008).
Essas novas racionalidades não mais condizem com modelos como o encontrado nos
estudos de McDermott (1990), segundo os quais a formação de professores de física e de
outras ciências afins seria a soma de conteúdos específicos - ministrados pelos departamentos
de ciências correspondentes - e de cursos sobre educação ministrados para prepará-los para a
carreira docente. Tal modelo, muito comum nas licenciaturas desde a década de 1930, é
conhecido como “3+1”, porque consiste em três anos de estudo de conteúdos específicos e um
ano de componentes curriculares voltados à educação. Para Pereira (1999) e Goedert, Leyser e
Delizoicov (2006), esse modo de conceber a formação docente é consoante com o modelo
denominado racionalidade técnica.
De acordo com essa concepção, o professor é visto como um técnico, “[...] um
especialista que aplica com rigor, na sua prática cotidiana, as regras que derivam do
conhecimento científico e do conhecimento pedagógico” (PEREIRA, 1999, p. 111). Assim, a
base para a formação docente está no conteúdo específico e o conteúdo pedagógico assume
papel secundário. Alguns componentes curriculares responsáveis pela formação pedagógica
do professor de biologia são: didática, metodologia do ensino da biologia e prática de ensino
da biologia.
Então, o modelo de racionalidade técnica é insuficiente para responder aos dilemas e
às ambiguidades do processo educativo; daí a relevância da multiplicidade que compõe a
dimensão humana. Neste sentido, conforme Santos (2000) e Cunha (2008), a racionalidade
técnica mostra sinais claros de esgotamento, assim como não se cumprem as promessas de
desenvolvimento e felicidade anunciadas pela modernidade. A crítica ao paradigma da ciência
moderna ajuda no delineamento de novas formas de fazer ciência, ou seja, considerar, pelo
menos, que o diálogo epistemológico está associado ao diálogo afetivo, haja vista razão e
emoção integrarem o humano. Os novos diálogos permitem novas compreensões da prática do
professor e, consequentemente, do seu processo formativo.
Tal discussão permeia atualmente as decisões tomadas em relação à quantidade de
horas destinadas ao contato do licenciando com o caráter pedagógico da formação inicial.
Nesse contexto, estabeleceram-se 300 horas de estágio supervisionado como o mínimo
necessário para se atender às exigências de qualidade na formação pedagógica do professor.
55
Então, tornou-se procedente acrescentar ao tempo mínimo já estabelecido em lei (300 horas)
mais um terço (1/3), perfazendo um total de 400 horas de estágio supervisionado17
.
As Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação
básica e as leis e resoluções que delas advêm, como a Lei nº 11.788, de 25 de setembro de
2008, dispõem sobre o estágio de licenciandos. A referida lei nos diz em seu artigo primeiro
que
O Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de
trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam
frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação
profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino
fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
O estágio supervisionado é, portanto, fundamental à formação do professor e deve
perpassar o processo formativo, criando relação efetiva entre a formação inicial e o espaço do
trabalho profissional, sob a supervisão e orientação de professores da universidade e das
escolas campo de estágio. Nesse sentido, conforme assegura Röhr (2006), a tarefa educacional
não se esgota na aquisição de conhecimentos; abrange também as ações, o lado afetivo, as
posturas, as convicções e tudo o que as sustenta. Logo, acreditamos, o aumento da carga
horária destinada ao pedagógico na formação docente pode não ser suficiente para provocar
melhorias no processo formativo.
No entendimento de Freire (1983), na educação, o amor é fundamental para que
homens e mulheres, seres inacabados e em constante aperfeiçoamento, possam aprender.
Segundo ele, “Não há educação sem amor. [...] Não há educação imposta, como não há amor
imposto. Quem não ama o próximo, não o respeita” (Ibidem, p. 29).
Outra crítica lançada ao modelo de racionalidade técnica diz respeito à separação entre
teoria e prática. De acordo com Gatti (2000), muitas deficiências apontadas na literatura
quanto à formação dos professores se devem à ausência da concepção de unidade nas relações
teoria-prática. Na visão da autora, qualquer teoria se origina na prática social humana, em que
estão sempre explícitos pressupostos teóricos.
Nessa perspectiva, Freire (2000b) nos chama a atenção para o fato de que não é
possível prática sem sua programação, que pode ser refeita durante o processo permanente de
avaliação: “Praticar implica programar e avaliar a prática. E a prática de programar, que se
alonga na de avaliar a prática, é uma prática teórica” (p. 109). E prática teorizada, refletida e
ressignificada é práxis.
17 Fonte: parecer do Conselho Nacional de Educação em 17/1/2002, publicado no Diário Oficial da União de
18/1/2002, Seção 1, p. 31).
56
Diante das considerações tecidas acerca da insuficiência do modelo da racionalidade
técnica na formação de professores e de nossa trajetória como docentes da educação superior
compreendemos que novas racionalidades, visões inovadoras ganham força nas universidades.
Percebemos isso não somente na ação docente, no quefazer docente, mas também nos
sentidos que os docentes atribuem a suas práticas, aos valores que constroem, o que nos faz
entender que o pedagógico não se reduz ao ensino, mas se liga a uma concepção de educação.
Esta, como grãos de pólen, fertiliza o quefazer docente levando-o à inovação. Por este
motivo, no presente trabalho, ao olharmos para o quefazer docente interessa-nos: a concepção
de educação e de educação ambiental, a interdisciplinaridade, a relação professor-aluno, a
unidade teoria-prática, a relação educação-sociedade, a relação ensino-pesquisa e a relação
sujeito-mundo. Estes se configuram, como já trazido na introdução, como os nossos fios
condutores.
Os fazeres inovadores na formação inicial podem alicerçar a prática do professor com
a construção de conhecimentos, mas, também, favorecendo as aprendizagens da experiência,
da reflexão, das tensões e das contradições existentes no contexto educacional. A sociedade
está requerendo profissionais aptos a atuar na docência que enfrenta tensões no campo do
trabalho docente, o que exige conhecimentos aliados ao compromisso profissional, que é
também social.
A formação do professor, nesta perspectiva, voltar-se-ia à atividade profissional; pois,
“deve servir para melhor preparar os professores para o exercício de seu trabalho cotidiano e
oferecer-lhe saberes e competências para a ação” (TARDIF, 2002, p. 92). Talvez por esse
motivo as reformas educacionais estejam tão empenhadas em garantir a inserção do futuro
professor no ambiente escolar desde a segunda metade dos cursos de graduação, o que tem
trazido aumento na carga horária dos estágios supervisionados.
Outro ponto destacado pelo autor é que a formação do professor está ainda estruturada
em torno de construções e territórios disciplinares por vezes muito rígidos e sem relações
entre si. Neste contexto, ele sugere que as disciplinas devem unir-se para tratar as realidades
escolares e contribuir para explicá-las. Só assim, os futuros professores teriam subsídios para
melhor entender seu campo profissional e desenvolver seu trabalho.
Problemas como o fracasso escolar, a violência, as drogas, a exclusão, os desastres
socioambientais que atingem vários dos alunos das escolas – por exemplo, os ocorridos todos
os anos, na época das chuvas, e outros - são temáticas cotidianas, realidades do dia a dia.
Porém, além de recorrentes, são complexos, difíceis de resolver. Os professores, no entanto,
preparados ou não, os enfrentam diariamente nas escolas.
57
Para dar conta dessas especificidades profissionais, convém compreender que o
exercício da docência
[...] não pode se resumir à aplicação de modelos previamente estabelecidos, devendo
dar conta da complexidade que se manifesta no contexto da prática concreta
desenvolvida pelo professor, posto que o entendemos como um profissional que
toma as decisões que sustentam os encaminhamentos de suas ações (ALMEIDA,
2008, p. 477).
A formação do professor é, desse modo, um campo profissional movido por muitas
necessidades formativas no sentido de preparar pessoas com conhecimentos e atividades
profissionais específicas. Todavia, em nossa sociedade, testemunhamos todos os dias a
situação de pouco poder e prestígio profissional dos professores da educação básica, o que
provoca tensões na sua formação inicial. Não raro, encontramos licenciandos que
confidenciam sua antipatia pela docência e o desejo de não exercê-la.
Recorremos a Leite (2004) com o intuito de identificar mais uma necessidade
formativa do professor de biologia: ter habilidades para estabelecer relações significativas
entre a biologia e os problemas socioambientais relevantes. E Santos (2000) parece corroborar
tal pensamento ao destacar que todo conhecimento científico-natural é científico-social; daí,
propõe uma ruptura com a distinção entre ciências naturais e ciências sociais, entre natureza e
cultura. Nesse sentido, a temática ambiental merece ser abordada nos cursos de licenciatura
em ciências biológicas, pois significa elo fundamental entre o científico e o social - assunto
sobre o qual nos debruçamos na próxima seção.
2.3 Aspectos curriculares da educação ambiental na formação inicial de professores de
biologia: fixando no solo
A EA tem fixado suas raízes, ou seja, tem se configurado de duas formas na formação
inicial de professores de biologia: a partir da transversalidade da temática ou da inserção de
uma disciplina específica. Segundo Ferraro (2004), a inserção parece ser a forma mais
adotada até então.
Em pesquisa realizada por Andrade (2008) com educadores ambientais, professores de
IES e pesquisadores da ANPEd sobre a inclusão de disciplinas específicas nos currículos da
educação superior, percebemos que os resultados encontrados foram divergentes. Em outras
palavras, as recomendações de leis, como a de nº 9795/99, sugerem a não inclusão da EA
como disciplina, mas não há consenso sobre a pertinência ou não de incluí-la como disciplina
58
no currículo. Na seção II da referida lei, há algumas diretrizes para a inserção da EA no
ensino formal. Vejamos algumas particularmente importantes ao nosso estudo:
Art. 9º Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desenvolvida no
âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando:
I – educação básica:
a) educação infantil;
b) ensino fundamental e
c) ensino médio;
II – educação superior;
III – educação especial;
IV – educação profissional;
V – educação de jovens e adultos
Art. 10º A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa
integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino
formal.
§1º A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no
currículo de ensino.
§ 2º Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto
metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a
criação de disciplina específica.
Art. 11º A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de
professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas.
Parágrafo único: Os professores em atividade devem receber formação
complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente
ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação
Ambiental (PNEA, 1999; grifos nossos).
Nas diretrizes trazidas para este trabalho, destacamos: a necessária inserção da EA na
educação superior, o que fortifica o indispensável diálogo EA-universidade; a recomendação
de a EA não se constituir em disciplina nos cursos de graduação, a menos que se objetive
trazer diferentes metodologias que auxiliem os futuros professores a trabalhar com ela na
educação básica e a necessidade de a EA constar nos cursos de formação de professores.
Isso põe a universidade diante do desafio de refletir sobre as mudanças exigidas na
atualidade. A produção de conhecimentos, a docência e as atividades de extensão continuam
como preocupações inerentes à universidade, mas não se pode esquecer um compromisso:
formar para a cidadania em uma era planetária. Por conseguinte, o quefazer docente na
universidade, independente do componente curricular lecionado, pode ser inovado a fim de
ele atuar na formação de homens e mulheres comprometidos em auxiliar na qualidade de vida
local, regional, nacional e global.
Mesmo com o que foi explicitado na Lei nº 9795/99, a pesquisa de Andrade (2008)
mostrou que disciplinas de EA são oferecidas como eletivas, obrigatórias e optativas nas
diferentes licenciaturas – entre as quais ciências biológicas - e as ementas trazem bibliografias
diferenciadas conforme o curso, porém alguns autores são recorrentes. Em relação à
59
metodologia utilizada, o autor identificou a prevalência da exposição oral e do uso de vídeos.
Quanto ao conteúdo trabalhado, o autor identificou a abordagem de problemas ambientais
locais nas aulas. Entretanto, pensamos que disciplinas de EA não garantem a ideia da mesma
como prática educativa integrada, contínua e permanente; como preconiza o artigo 10º da Lei
9795/99. São as concepções dos professores e suas práticas docentes, assim como as metas
definidas pelas universidades que podem garanti-la como recomenda a lei.
Embora aqui nosso objetivo não seja analisar a inserção da EA como disciplina na
formação inicial do professor de biologia, trata-se de discussão pertinente, já que estamos
investigando a prática docente com a EA crítico-humanizadora em cursos de licenciatura. E,
pelo exposto, ela pode ocorrer na forma de disciplina de EA ou de outras que tragam a EA de
forma transversal ou interdisciplinar. Como afirmam Cunha e Tavares Jr. (2010, p. 62),
[...] a inserção de uma disciplina de EA na formação inicial dos professores garante
a abordagem da temática, mas sua legitimidade e sua influência nos cursos de
graduação, dependerá de uma conjuntura de fatores os quais, a seu tempo, serão
merecedores de outras escutas sensíveis.
Em busca de escutas sensíveis sobre a EA na formação de professores de biologia
recorremos às Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de ciências biológicas,
aprovadas pelo Ministério da Educação, parecer 1301/2001. Lá encontramos que a biologia é
a “ciência que estuda os seres vivos, a relação entre eles e o meio ambiente, além dos
processos e mecanismos que regulam a vida”. Notamos assim que o meio ambiente é visto
como algo apartado dos seres vivos e o estudo das relações destes com o meio ambiente
sugere estudos ecológicos que não são, necessariamente, ambientais.
As Diretrizes apontam para um perfil de formandos que contempla a responsabilidade
como educador apto a atuar multi e interdisciplinarmente, consciente da necessidade de atuar
com qualidade e responsabilidade em prol do meio ambiente, dentre outras coisas. Porém, em
nenhum momento, o documento apresenta referenciais que demonstrem qual a dimensão
atribuída ao meio ambiente.
Na impossibilidade de reconhecermos esta dimensão na forma como o documento está
redigido, há poucos subsídios para o planejamento de currículos de cursos de formação de
professores. Ademais, de forma geral, a redação das Diretrizes não estabelece e não garante a
identidade própria aos cursos de bacharelado e licenciatura, o que também dificulta o
planejamento de currículos.
60
Na parte referente aos conteúdos curriculares, as Diretrizes nos dizem que estes devem
englobar conteúdos básicos e específicos. Os conteúdos básicos lá elencados são: biologia
celular, molecular e evolução; diversidade biológica; ecologia; fundamentos das ciências
exatas e da terra e fundamentos filosóficos e sociais. Já os conteúdos específicos contemplam
os necessários à formação pedagógica, considerando-se as Diretrizes curriculares nacionais
para a formação de professores da educação básica18
.
Percebemos assim que as Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de ciências
biológicas não explicitam e não dão pistas à compreensão da EA no currículo dos cursos de
formação de professores de biologia, o que dá margem a compreensões distintas da mesma.
Porém, como este documento abre vistas às Diretrizes curriculares nacionais para a
formação de professores da educação básica, decidimos recorrer a estas na busca por um
melhor posicionamento de documentos oficiais em relação à EA no currículo.
Nas referidas Diretrizes encontramos eixos estruturadores importantes à organização
dos currículos dos cursos de formação de professores como: a pesquisa, a articulação
disciplinaridade e interdisciplinaridade, a articulação das dimensões teóricas e práticas e
outros. Contudo, as Diretrizes não auxiliam no dever que foi instituído ao Estado (artigo 225
da Constituição) de promover a EA em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente, pois não abordam a EA, não trazem sequer indícios de
como a temática pode inserir-se nos cursos de formação de professores.
Verificamos, desse modo, que há um perigoso silenciar nos documentos que regem os
cursos de formação de professores de biologia, ficando a cargo do bom senso das instituições
a inserção da EA nos currículos em uma era de enfrentamento de desafios socioambientais
que, por serem complexos e emergenciais, exigem adequações na organização das matrizes
curriculares que garantam a formação de professores aptos a atuarem com a EA na educação
básica. Este é um dos motivos que levou-nos, neste trabalho, a analisar os projetos político-
pedagógicos dos cursos de licenciatura em ciências biológicas estudados.
Em busca de escutas sensíveis sobre a EA na formação de professores de biologia no
estado de Pernambuco, encontramos a pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj) sob a coordenação da professora Solange Fernandes Soares Coutinho. Intitulada A
inserção da educação ambiental nas faculdades de formação de professores, ela foi realizada
com alunos concluintes de cursos de licenciatura no ano de 2005, professores da educação
18 As Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica constituem-se de um
conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e
curricular de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação básica
(resolução do Conselho Nacional de Educação, nº 1, de 18 de fevereiro de 2002).
61
superior, chefes ou gerentes de departamentos, diretores de IES ou chefes de centros
acadêmicos dos cursos de formação de professores.
A pesquisa teve como objetivo geral avaliar como a EA estava sendo trabalhada na
formação de professores no estado de Pernambuco, uma vez que as leis e as diretrizes da
educação básica no Brasil têm recomendado a transversalidade da EA no ensino formal,
independente da disciplina lecionada. Foram analisados os cursos de formação de professores
em letras, história, geografia, matemática, pedagogia, biologia, física, química e educação
física.
Para alcançar esse objetivo, estabeleceram-se os seguintes objetivos específicos:
verificar, por segmento da comunidade universitária e curso, a percepção da necessidade de
inserção da EA na formação de professores; identificar o grau de conhecimento dos diversos
grupos pesquisados sobre os fundamentos da EA; detectar o conhecimento e a compreensão
dos diversos atores pesquisados sobre a PNEA e conhecer a expectativa do(a) aluno(a)
concluinte quanto à sua capacidade de inserir a EA nas suas futuras práticas pedagógicas a
partir da formação que está obtendo nos cursos de licenciatura.
No relatório final da pesquisa, concluída no ano de 2007, consta que a motivação para
se fazer a pesquisa nasceu da constatação de que graduandos e egressos dos cursos de
formação de professores “[...] apresentavam insegurança para inserir a educação ambiental
nas suas práticas pedagógicas, quando havia uma série de instrumentos legais que lhes
garantiam a inserção da educação ambiental nas suas formações acadêmicas” (COUTINHO,
2007, p. 8).
Cento e sessenta e sete alunos concluintes e 35 representantes dos docentes e gestores
educacionais de IES localizadas na região metropolitana do Recife, na zona da mata
pernambucana e sertão de Pernambuco foram entrevistados. As instituições campo da
pesquisa foram: a Universidade Federal de Pernambuco; a Faculdade de Formação de
Professores de Nazaré da Mata (FFPNM), unidade de ensino superior da Universidade de
Pernambuco (UPE), e a Faculdade de Formação de Professores de Petrolina (FFPP), unidade
de ensino superior da UPE.
A análise dos dados primários obtidos nas respostas aos 167 questionários dirigidos
aos alunos concluintes dos diversos cursos mostrou que 98,2% julgaram necessário obter
conhecimentos sobre a EA durante a formação acadêmica, apesar de somente 53,3% terem
tido oportunidade de discutir temas ambientais durante a graduação; 85,6% gostariam que a
EA fosse destacada no seu curso; e 34,1% julgaram-se preparados para inseri-la em suas
práticas docentes.
62
Os concluintes dos cursos de biologia e geografia aparecem como aqueles que mais
tiveram oportunidade de discutir temas relacionados às questões ambientais, 96,1% e 95,6%
respectivamente; já os alunos do curso de física não tiveram essa oportunidade. Percentuais
baixos também foram verificados nos cursos de letras, 8,3%, e educação física, 20%.
No relatório de Coutinho (2007), encontramos outros dados importantes referentes aos
cursos de formação de professores de biologia. Por exemplo: a EA foi considerada importante
para a formação de professores por 100% dos concluintes; 96,1% gostariam que a EA fosse
destacada em seu curso e 50% deles julgaram-se preparados para trabalhá-la no exercício da
profissão, enquanto 42,3% não se consideram preparados e 7,7% não responderam.
Esses dados sugerem que investigações devem ser feitas quanto à prática docente da
EA nos cursos de formação de professores, pois, embora a EA esteja sendo trabalhada, não
vem preparando-os efetivamente para o trabalho com a EA na escola. Este fato é comprovado
pela insegurança demonstrada pelos concluintes na resposta aos questionários.
A pesquisa coordenada por Coutinho (2007), então, explicita que nosso trabalho no
doutorado pode contribuir para o preenchimento dessa lacuna na formação inicial dos
professores de biologia. Convém destacar também que a UFRPE, uma das universidades
definidas como campo de nossa pesquisa, não foi investigada pela Fundaj, embora conte com
quantidade expressiva de cursos de licenciatura.
Outro dado relevante encontramos na referida pesquisa: o conceito vago e
frequentemente equivocado de EA dos alunos pesquisados. Cerca de 60% deles dizem ser o
modo pelo qual o homem deverá preservar o meio ambiente ou algo semelhante. A minoria,
porém, demonstrou maior conhecimento ao relacionar a EA à sustentabilidade, ao manejo
adequado na utilização dos recursos naturais, à interferência no meio ambiente com base na
organização social e à conexão da vida humana com os fatores ecológicos. Esses dados
revelam que os concluintes dos cursos de licenciatura levam consigo uma concepção
preservacionista do meio ambiente a qual tem repercussões em sua prática docente.
A referida pesquisa revelou, ainda, que dos 78,3% dos gestores e professores que
afirmaram ser a EA trabalhada no curso de graduação, nas suas respectivas unidades de
ensino superior, 18,2% disseram ter ocorrido por meio de disciplina obrigatória ou eletiva; o
mesmo percentual de pesquisados alegou que o trabalho é feito por meio de projetos,
palestras, oficinas e mini-cursos; e 22,7% afirmaram ser de forma transversal e
interdisciplinar. O restante não soube precisar, mas disse acreditar que a EA estivesse inserida
nos cursos de geografia, biologia e química.
63
Agora, convém lembrar, a inserção da EA como disciplina não é recomendada pela
PNEA, porém o fato de muitas pessoas que trabalham em instituições de ensino ainda não a
conhecerem pode favorecer sua implantação como disciplina tanto na educação superior
quanto na educação básica.
O desconhecimento da PNEA contribui para significativo entrave à inserção da EA na
formação de professores. A esse respeito, o estudo da Fundaj demonstrou que 46,9% dos
gestores e professores sujeitos da pesquisa admitiram não conhecer a PNEA, e, de acordo com
o relatório, analisando-se as respostas abertas, tal percentual aumenta para mais de 60%, pois
Equívocos conceituais e discordâncias entre a alegação de conhecer a Política
Nacional de Educação Ambiental, mas não saber destacar seus principais pontos
também foram constatados nas respostas de alguns professores e gestores
educacionais (COUTINHO, 2007, p. 60).
Com efeito, o fato de a EA não estar sendo introduzida plenamente na formação de
professores de biologia, conforme recomenda a PNEA, responde pela necessidade de novas
formações quando eles iniciam sua prática profissional, uma vez que na mesma lhes são
requeridas a transversalidade e a interdisciplinaridade da EA nas disciplinas a serem
lecionadas, o que produz custos pessoais ou aos cofres públicos, para remediar lacunas
advindas das formações iniciais.
Outro estudo que coopera no entendimento da EA na formação inicial de professores
de biologia em Pernambuco é o realizado por Silva (2009). Seu objetivo foi analisar a
representação social de natureza no contexto da EA, envolvendo professores e alunos da
educação superior e do ensino médio. Os professores da educação superior sujeitos da
pesquisa somaram 235 e pertenciam às seguintes áreas do conhecimento: biologia, geografia,
matemática, português e sociologia.
A autora relata que as representações sociais dos professores da educação superior
evidenciaram os seguintes elementos centrais: ecologia, homens, florestas, mar, água e vida;
entre os quais vida e homem apareceram com maior frequência. Os resultados da pesquisa
apontam que os sujeitos compartilharam quatro significados atribuídos à natureza: como
provedora da vida humana; como biodiversidade; como fator de interação homem-natureza e
no contexto da preocupação com o futuro.
Dentre os resultados obtidos, a pesquisadora percebeu, ainda, que os professores de
geografia e de sociologia apresentavam maior preocupação com as interações sociedade-
natureza, enquanto os da área de biologia centravam-se no conceito de biodiversidade. Isso
reforça nosso interesse em pesquisar práticas docentes na formação inicial de professores de
64
biologia que abracem a humanização e a criticidade, já que EA não é ecologia e,
consequentemente, vai além dos limites de estudos sobre conceitos ecológicos, como o de
biodiversidade.
O estudo de Silva (2009) também revela que na prática docente do professor de ensino
médio emergem ideias, valores, crenças e atitudes que muitas vezes não estão “sintonizados
com o que está cientificamente proposto para a educação ambiental” (p. 270). Daí as
dificuldades encontradas para o trabalho com a EA na escola.
Dificuldades que a princípio estão na relação com a formação do professor para o
exame da questão ambiental, numa perspectiva integrada que considere a
interdisciplinaridade, o envolvimento com a comunidade e o encaminhamento de
soluções para as questões ambientais concretas (Ibidem, p. 270).
Pelo exposto, a EA, além de não estar plenamente inserida nos cursos de formação de
professores de biologia estudados, quando ocorre a inserção, é acolhida na disciplinaridade e
no não envolvimento das questões socioambientais com a comunidade. Tal situação cria
dificuldades à decifração e à interpretação crítica e analítica da realidade socioambiental, ou
seja, compromete a leitura do mundo.
Freire (2002), ao referir-se à necessária leitura do mundo feita por professores, infere
que ela envolve a compreensão de sua própria presença no mundo. E é essa “[...] leitura do
mundo exatamente a que vai possibilitando a decifração cada vez mais crítica da ou das
situações-limites” (FREIRE, 1996, p. 106). Entretanto, o silêncio mantido a respeito do
mundo é muitas vezes característico da escola e da universidade.
Quando a formação do professor de biologia dicotomiza a formação científica e a
pedagógica da leitura do mundo, dos fatos e da vida, compromete a prática docente e a
postura humanizadora e crítica do futuro professor como profissional e pessoa. A
humanização e a criticidade dependem de tal leitura para pronunciá-las. Essa leitura pode ser
estimulada pela inserção dos licenciandos no mundo da vida não apenas como seres de ação,
mas também como seres pesquisadores deste mundo em razão da própria compreensão de que
somos inconclusos. Assim, vemos que o quefazer docente da EA crítico-humanizadora
constitui raízes inovadoras e necessárias à formação do professor de biologia.
66
CAPÍTULO 3
QUEFAZER DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICO-HUMANIZADORA NA
FORMAÇÃO INICIAL: RAÍZES INOVADORAS
Uma das raízes da educação, e que a faz
especificamente humana, se acha na radicalidade da
inconclusão que se percebe como tal (FREIRE, P.,
2001, p. 75).
Neste trabalho, consideramos o quefazer da EA crítico-humanizadora como raízes
inovadoras na medida em que os professores, como seres humanos inconclusos, buscam
novas formas de abordar a EA, ou seja, modificam sua prática docente. Tais raízes fixam-se
no solo fértil da universidade e, mais especificamente, da formação de professores e conferem
à EA identidade ainda inexplorada.
A prática docente, segundo Souza (2007), é uma vertente da práxis pedagógica, que se
efetiva nas relações e ações que ocorrem entre professores (prática docente), alunos (prática
discente) e gestores (prática gestora), mediados pelos conhecimentos ou conteúdos
pedagógicos (prática gnosiológica e/ou epistemológica).
Abordar a prática da EA crítico-humanizadora desenvolvida por professores na
universidade exige que as raízes de nossa árvore penetrem e fixem-se no solo de forma
inovadora com base no pensar sobre uma práxis docente diferenciada. Porém, antes de nos
dedicarmos à discussão desta, optamos por compreender alguns aspectos da docência, pois
nela a prática docente se materializa.
3.1 Sentido e significado da docência: penetrando no solo
De acordo com Veiga (2006), no sentido etimológico, docência tem raízes no latim
“docere”, que significa “ensinar, instruir, mostrar, indicar, dar a entender”. Mas a etimologia
da palavra parece-nos insuficiente para dar conta da ação desempenhada por professores.
Cunha (2010a, p. 25) define-a como “uma atividade complexa”, que “exige tanto uma
preparação cuidadosa como singulares condições de exercício”, o que nos leva a pensar na
importância da formação do professor e nas suas condições de trabalho.
Pimenta e Anastasiou (2008) entendem a docência como a profissão na qual ocorre um
processo mediador entre professor e aluno, sujeitos essencialmente diferentes no confronto e
67
na conquista do conhecimento. Cunha (2006) entende-a como uma ação que “exige saberes de
diferentes naturezas, alicerçados tanto na cultura que o professor produz, como na
compreensão teórica que lhe possibilita justificar suas opções” (p. 28). Nos alicerces de sua
formação, teoria e prática constituem uma unidade.
Aqui entendemo-la como ação complexa e em movimento constante permeada por
tensões na formação e no trabalho docente, e este compreende muito mais que ministrar aulas.
Os professores universitários dedicam-se ao ensino, à pesquisa, à extensão e, muitas vezes,
desempenham atividades administrativas. A docência, como ação em movimento, não é alheia
aos aspectos sociais, políticos, econômicos, educacionais e ambientais.
Neste contexto, a EA apresenta-se como temática relevante e emergencial que insere
docentes no trilhar de novos caminhos epistemológicos e metodológicos. Na trilha inovadora,
eles têm concepções de educação e de EA diferenciadas, o que produz reflexos no seu
quefazer, como: a busca pela interdisciplinaridade, novas perspectivas na relação professor-
aluno, na unidade teoria-prática, na relação educação-sociedade, na relação ensino-pesquisa e
na relação sujeito-mundo.
A própria concepção de profissionalidade na docência tem provocado discussões e
reflexões no sentido de se garantir que a profissão está continuamente em processo, em
movimento. Cunha (2006) tem contribuído para esta nova perspectiva da docência: processo e
mudança efetivados na relação professor-aluno, os principais atores do processo educativo. A
este respeito Freire (1996, p. 23-24) explicita:
[...] não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das
diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro.
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender [...] Ensinar
inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que,
historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar.
Tal concepção freireana contraria o pilar da regulação trazido na modernidade19
,
porque a função do professor não se resume a transmitir conhecimentos legitimados pela
ciência, nem tampouco o professor é reconhecido por sua produção acadêmica. Novos valores
são considerados, novos caminhos há a serem trilhados, (re)significados e (re)construídos.
19 A própria modernidade, segundo Santos (2000), traz dois pilares: o da regulação e o da emancipação. O autor
sugere que o equilíbrio entre estas duas forças é que pode trazer uma sociedade democrática. Se o equilíbrio for
rompido, em favor da hegemonia da regulação, voltamos a ter a dicotomia sujeito-objeto e também a dicotomia
do conhecimento científico-natural do científico-social, o que pode trazer reflexos diretos nos quefazeres
docentes.
68
A docência é vista por Paulo Freire como construção, pois nos tornamos professores
por meio das construções feitas com os alunos no contexto de atuação. O autor, em diálogo
com Shor, disse que aprendeu “como ensinar na medida em que mais amava ensinar e mais
estudava a respeito” (FREIRE; SHOR, 1986, p. 38). Assim, tornar-se professor é um processo
que não finda com a conquista de um diploma de graduação. Entretanto, essa postura não
significa desconsiderar a importância da formação inicial, considerada por Santiago (2006) o
chão da formação, ou seja, alicerce do professor.
Docência e discência caminhando juntas exigem humildade, amorosidade, respeito ao
outro - condições necessárias ao diálogo como encontro dos seres humanos para a tarefa
comum de educarem-se uns aos outros, de humanizarem-se, de serem mais. Por acreditar e
defender docência e discência em comunhão e, por que não dizer, em simbiose, Freire (2002)
traz-nos o termo dodiscência.
A docência está, assim, impregnada pelo sentido de aprender e realiza-se em qualquer
nível de educação, da infantil à universitária. Esta pode ser exercida em universidades, centros
universitários, faculdades integradas e institutos ou escolas superiores20
. De acordo com o tipo
de instituição a que o profissional estiver vinculado, ele desenvolverá atividades de pesquisa e
extensão, além de ensino, que é atividade comum a todas.
No caso da universidade - lócus de nossa pesquisa -, o docente desenvolve atividades
de ensino, pesquisa e extensão. A escolha do referido profissional se faz por meio de
concursos públicos, nos quais se analisam suas produções, conhecimento específico e
habilidades didáticas. Isso representa ganho às instituições, pois anteriormente só se exigia e
valorizava o conhecimento específico.
As provas didáticas valorizam o aspecto pedagógico, o que traz a necessária ênfase na
ensinagem21
no processo de formação do professor universitário, e representam mudança nas
exigências em relação ao profissional que atua na educação superior. Isso porque, até a
20 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - 9394/96) faz a seguinte diferenciação entre as
instituições: as universidades caracterizam-se por autonomia didática, administrativa e financeira; encontram-se
pautadas no tripé ensino-pesquisa-extensão e, consequentemente, contam, em sua maioria, com professores
mestres e doutores; os centros universitários gozam de autonomia para abrir e fechar cursos e caracterizam-se
por atuar em uma ou mais áreas; as faculdades integradas agrupam instituições de diferentes áreas do
conhecimento e oferecem ensino e, às vezes, extensão e pesquisa; institutos ou escolas superiores não têm
autonomia para criação de novos cursos, atuam em área específica do conhecimento e podem ou não oferecer
pesquisa. 21 Pimenta e Anastasiou (2008) defendem que ensino e aprendizagem coexistem denominando o processo de
ensinagem. Para as referidas autoras, “na ensinagem, a ação de ensinar é definida na relação com a ação de
aprender, pois, para além da meta que revela a intencionalidade, o ensino desencadeia necessariamente a ação de
aprender” (p. 205). O professor, vivenciando a ensinagem em seu processo formativo, terá melhores condições
de demonstrar sua formação pedagógica diferenciada, pois, embora a prova didática de concurso público para
recrutamento de professor pela educação superior seja uma aula magistral, o plano de aula apresentado poderá
trazer indícios de uma prática docente que valorize a ensinagem.
69
década de 1970 - como explica Masetto (2002) -, embora já houvesse universidades no Brasil
que investiam em pesquisa, a exigência para a docência concentrava-se na apresentação do
título de bacharel e no exercício de profissão relacionada à área em que o candidato
lecionaria. Predominava, pois, a ideia de que quem sabe pode ensinar. Nesse contexto, ensinar
significava ministrar aulas expositivas ou palestras em que o notório saber do conferencista
seria transmitido aos futuros profissionais.
Todavia, a docência na educação superior não se restringe a possuir bacharelado, ou
mesmo mestrado e doutorado, pois estes últimos, na maioria das vezes, oferecem o estágio à
docência como único contato dos futuros mestres e doutores com a docência. Aliás, o objetivo
maior dos cursos de mestrado e doutorado é a “prática sistemática da pesquisa” (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2008, p. 190). Entretanto, tornar-se bom pesquisador não garante ser bom
professor. Talvez, por isso, a disciplina didática do ensino superior, embora eletiva, seja
procurada por elevado número de mestrandos e doutorandos todos os semestres na UFPE. O
mesmo ocorre com a disciplina metodologia do ensino superior no Programa de Pós-
graduação em Ensino das Ciências da UFRPE. Embora os conteúdos trabalhados nas referidas
disciplinas não encerrem a formação de um professor para a educação superior, elas
representam possibilidade de estudo singular acerca da prática docente universitária.
Trazemos tais discussões porque a prática docente com a EA crítico-humanizadora
exige do professor métodos e técnicas de ensino que respeitem o ouvir, o ponderar, o dividir
coletivamente, o construir. Os componentes curriculares pedagógicos da formação inicial têm
esse papel. Segundo Cunha (2010b, p. 141), “uma boa formação inicial alicerça a trajetória do
professor”. Assim, “mais do que conteúdos, essa formação precisa favorecer a construção de
conhecimentos” (Ibidem), os quais envolvem conteúdos conceituais, procedimentais e
atitudinais em relação à docência.
Desse modo, a docência alia conhecimentos ao compromisso e à responsabilidade
ambiental e social. Afinal, a EA crítico-humanizadora não dissocia teoria e prática, ensino e
aprendizagem, global e local, ser humano e mundo, universidade e meio ambiente,
contrariando a concepção positivista da ciência.
Cunha (2002) destaca, porém, que, na educação superior, ainda é frequente a
influência da concepção positivista do conhecimento, a qual termina por presidir a prática
docente, inclusive, o currículo. Este, conforme a mencionada autora, é organizado de forma
linear, ou seja, tal qual o conhecimento acadêmico: “do geral para o particular, do teórico para
o prático, do ciclo básico para o profissionalizante” (Ibidem, p. 28). Assim, o estudante,
70
primeiro domina a teoria; depois entende a prática para nela intervir; “a prática é vista como
uma aplicação da teoria e não como um cenário gerador de teorias” (Ibidem, p. 31).
Masetto (2003a) corrobora o pensamento de Cunha e atesta que, na educação superior,
a preocupação predominante tem sido transmitir informações aos educandos. Para o referido
autor, tal preocupação está baseada em três pilares: na organização curricular que privilegia
disciplinas conteudísticas e técnicas; no corpo docente universitário, em sua maioria,
constituído por mestres e doutores, mas nem sempre com domínio na área pedagógica e em
metodologia que permita dar conta do programa a ser cumprido.
Com base na leitura e na análise do texto de Cunha (2005), percebemos que a
docência na educação superior, muitas vezes, apresenta-se calcada no modelo positivista da
ciência, cujo reflexo é o ensino tradicional. Daí, a referida autora aponta nova proposta a
contrapor-se a tal ensino. Elaboramos a figura 6 tendo por inspiração as colocações feitas por
ela, que explicita as diferenças entre essas duas propostas de ensino.
Ensino tradicional Nova proposta
Conhecimento tido como acabado e sem raízes,
isto é, descontextualizado historicamente.
Conhecimento contextualizado e percebido
como provisório e relativo.
Disciplina intelectual tomada como reprodução
das palavras, textos e experiências do professor.
Valorização das habilidades intelectuais de
compreensão e reinterpretação do que já foi
descoberto e dito.
Privilégio da memória, valorização da precisão. Estímulo à análise, à capacidade de compor e
recompor dados, informações, argumentos,
ideias.
Destaque ao pensamento convergente, à resposta
única e verdadeira.
Destaque à curiosidade, ao questionamento
exigente e à incerteza, valorização do
pensamento divergente.
Concepção de cada disciplina como espaço
próprio de domínio do conhecimento; luta por
quantidade de aulas para se dar conta de “toda a
matéria”.
Conhecimento percebido de forma
interdisciplinar, o qual propõe pontes de
relações entre os conhecimentos e atribui
significados próprios aos conteúdos em função
dos objetivos sociais e acadêmicos.
Professor como principal fonte de informação, o
qual se sente desconfortável quando não tem
todas as respostas prontas para os alunos.
Valorização das habilidades socio-intelectuais
tanto quanto dos conteúdos, o que exige que
professores e alunos juntos se debrucem sobre
os problemas da prática social.
Pesquisa vista como atividade para iniciados,
fora do alcance de alunos de graduação, na qual
o aparato metodológico e os instrumentos de
certezas se sobrepõem à capacidade intelectiva
de trabalhar com a dúvida.
Pesquisa tida como instrumento do ensino e a
extensão como ponto de partida e de chegada
da apreensão da realidade.
Figura 6
Propostas para os cursos de graduação
Fonte: Cunha (2005, p.10-15)
71
Embora tenhamos ciência do elevado número de trabalhos que discutem as diferenças
entre as duas propostas de ensino, consideramos conveniente trazê-las, a fim de enfatizarmos
que o quefazer docente da EA crítico-humanizadora encontra acolhida na nova proposta.
Entretanto, aqui não cabe a demonização do ensino tradicional, até porque Amaral (2010) nos
alerta dos perigos da negação de métodos e técnicas tradicionais na escola e na universidade:
o “desmonte” da pedagogia provoca resistência nos professores da educação superior à
procura de aperfeiçoamento pedagógico. Tal fato nos remete a considerar que hibridismos
entre as propostas trazidas na figura 6 são possíveis. Essa e outras nuances da docência
contribuem para que ela torne-se objeto de estudos diversos.
A propósito, Melo (2007), Cunha (2002, 2005, 2010a, 2010b) e Zabalza (2004) são
autores cujos trabalhos ajudam no desvelar da profissão docente universitária, a qual se
desenvolve “por meio de processos de formação inicial e continuada, articulados à pesquisa, à
extensão e a outras atividades socioculturais” (MELO, 2007, p. 95).
Visando entender a repercussão formativa dos conhecimentos didático-pedagógicos
aprendidos e/ou apreendidos e/ou recontextualizados pelos professores universitários, durante
um curso de atualização didático-pedagógica para professores da UFPE, quanto à
compreensão do processo formativo e da docência desenvolvida por professores-formadores e
sobre suas próprias práticas, Melo (2007) analisou os discursos dos participantes escritos na
forma de cartas a um colega.
Cinco concepções de docência estavam subentendidas nos discursos pedagógicos
analisados, sobre os quais eles se projetaram, diferenciadamente, a favor ou contra (MELO,
2007). As concepções encontradas foram: docência como atividade de mediações, relações
comunicativas e interações compartilhadas e interdisciplinares, reduzindo as distâncias entre
professores e alunos; docência como atividade profissional flexível e descontraída, que dá
abertura para criar; docência como atividade coletiva, estimuladora da reflexão na ação e
sobre a ação e o conhecimento; docência como atividade técnica e articulada às dimensões
epistemológicas, humana e política; e, docência como atividade estimuladora de afetos,
sensibilidades, desejos, satisfação pessoal e profissional, com mobilização de energia criativa.
Tais concepções revelam que docentes universitários estão filiando-se a novas
propostas de ensino e, assim como outros professores de outros níveis de ensino, estão
constantemente em processo de construção de suas identidades profissionais. Nesse sentido, a
formação para eles é primordial. Voltemos nossa atenção ao profissional da docência: o
professor.
72
Em geral, vê-se o professor universitário como um ser detentor do saber, do
conhecimento. E, com certeza, aquele que conhece os conteúdos dos componentes
curriculares por ele ministrados, apresenta maior segurança no processo de ensinagem
(ZABALZA, 2004). Porém, outros fatores precisam ser considerados. Para Gil (2009), a
prática efetiva do professor universitário repousa sobre um tripé que envolve os
conhecimentos específicos relacionados ao componente curricular pelo qual é responsável, às
habilidades pedagógicas e à motivação.
O reconhecimento deste tripé nos leva a concordar com Vidal (2010), para quem a
docência é uma experiência coletiva. Embora a formação inicial e a continuada do professor
aconteçam em instituições de educação superior, há que se reconhecer que a docência se
constrói em outros espaços ao longo da vida.
Segundo a autora antes referida, podemos considerar a docência como sendo
experiência coletiva com base em quatro elementos: trajetória escolar dos professores, relação
intersubjetiva estabelecida com diferentes atores sociais, confrontação dos sujeitos com as
condições materiais da existência e do trabalho docente, e a prática docente como uma
tradição inventada.
A trajetória escolar como construtora da docência significa que, antes de se tornarem
professores, estes foram alunos e, ao longo desse processo, foram construindo modelos de
docência. A interação intersubjetiva estabelecida com atores sociais em ambientes escolares e
não escolares traz-nos a percepção de que a docência se constrói nas relações do professor
com ele mesmo, com o outro e com o mundo. O confronto dos professores com as condições
materiais da existência e do trabalho docente também participa do processo de construção da
docência. O professor tem instrumentos de trabalho e espaços dos quais necessita e, muitas
vezes, não dispõe. Finalmente, a prática docente como tradição inventada é vista por Vidal
(2010, p. 724-726) como “efeito de uma memorização do passado [...] as experiências, apesar
de únicas, não são individuais”. Em outras palavras, ela tem raízes profundas fortalecidas por
valores construídos nos mais diversos locais e momentos da vida do professor.
Em síntese, o estudo da mencionada autora ajuda-nos a perceber que a prática docente
com EA é também uma experiência coletiva, que se faz na trajetória escolar dos professores,
na relação intersubjetiva estabelecida com diferentes atores sociais, no confronto dos sujeitos
com as condições materiais da existência e do trabalho docente e na prática docente como
uma tradição inventada.
Tal prática em construção contínua influencia as concepções dos professores quanto à
educação e quanto à EA, e as novas concepções construídas a realimentam. Nesse sentido, as
73
concepções deles têm efeito direto sobre sua prática, e ambas (concepção e prática) se
modificam nas experiências vividas por eles mesmos. Ação e reflexão caminham juntas,
práxis docente.
A práxis docente dos professores universitários para a formação em EA crítico-
humanizadora implica a fixação das raízes de nossa mangueira no solo, de forma inovadora.
Uma nova concepção da EA influencia e alimenta o quefazer docente: trata-se da EA crítico-
humanizadora, descoberta epistêmica deste trabalho doutoral que tem como fonte de
argumento o trabalho do educador Paulo Freire.
3.2 Educação ambiental crítico-humanizadora: fixando no solo de forma inovadora
Eu gostaria de ser lembrado como alguém que amou o
mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, a terra, a água,
a vida! (FREIRE, 2001, p. 25).
A educação ambiental crítico-humanizadora encontra acolhida na própria vida de
Paulo Freire22
. Menino crescido em quintais de Recife tornou-se um homem amorosamente
atento à natureza, por isso plantas e animais estão presentes em seus escritos. Vemos o autor e
sua vida em suas obras. Em A importância do ato de ler, ele discorre sobre a casa em que
nasceu rodeada de árvores, “[...] algumas delas como se fossem gente” (FREIRE, 2005, p.
12), tal a intimidade entre eles.
Textos, palavras e letras de um mundo natural se encarnavam em sua prática docente.
Segundo ele mesmo, o mundo lhe aparecia “[...] no assobio do vento, nas nuvens do céu, nas
suas cores, nos seus movimentos, na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das
flores [...]” (Ibidem). Mundo natural e social interagem na formação do homem, na sua
humanização.
Em À sombra desta mangueira, Freire se volta igualmente à natureza e ao seu
primeiro mundo: o quintal de casa com suas mangueiras, cajueiros e outras árvores e animais
22 Na construção desta parte de nosso trabalho doutoral, precisamos fazer escolhas nas diversas obras de Paulo
Freire que trazem a humanização e a criticidade, categorias por nós eleitas para guiar nossos olhares sobre EA.
Tomamos as contribuições do trabalho de dissertação intitulado Pedagogia da práxis: o conceito do humano e
da educação no pensamento de Paulo Freire, de autoria de Patrocínio Solon Freire, no sentido de esclarecer que
na obra freireana, encontramos escritos chamados fundantes, por apresentarem as categorias iniciais da teoria do
autor, e escritos ampliadores, por evidenciarem lapidações da teoria. Assim, debruçamo-nos sobre as seguintes
obras fundantes: Educação como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido. As obras ampliadoras por nós
consultadas foram: Cartas à Guiné-Bissau, A importância do ato de ler, Educação na cidade, Educação e
mudança e À sombra desta mangueira. Na construção do texto, dialogamos com as obras fundantes e
ampliadoras da teoria freireana e com outros autores que trazem contribuições ampliadoras e complementares à
discussão sobre a EA crítico-humanizadora.
74
que faziam parte desse universo. Mas não só no contato com a natureza identificamos a EA
crítico-humanizadora em Paulo Freire. O fazemos também ao longo de sua vida profissional
pelo respeito aos estudantes; pelo ensinar a perguntar e pelo viver a pergunta, a indagação, a
curiosidade e testemunhá-la; pelo partir sempre da realidade como ela estava sendo e não
como ele gostaria que ela fosse.
Nossas vivências ao longo da vida nos humanizam ou desumanizam. Freire, por sua
meninice em contato com a natureza, aprendeu a respeitá-la e a considerá-la parte dele. Nada
mais óbvio, já que, aproximadamente, 70% do nosso corpo são constituídos por água, um
elemento natural; porém muitas pessoas não se dão conta disso. Além disso, seu caminhar
pelo mundo na condição de exilado ou de convidado a ajudar na reconstrução de outros países
– por exemplo, na Guiné-Bissau23
-, ensinou-o a respeitar as gentes.
É traço marcante da pedagogia freireana o reconhecer os sujeitos da educação como
construtores de conhecimento, e não meros consumidores. Nessa perspectiva, vivenciar tal
pedagogia “é relacionar-se com os sujeitos da educação como seres históricos, situados, de
relação, críticos, criativos e curiosos cujos conteúdos da educação emergem da análise da
realidade política e social” (SANTIAGO, 2006, p. 76).
Humanização e desumanização inscrevem os seres humanos em processo de busca
permanente em contextos diferenciados. A humanização constitui categoria fundante da
pedagogia freireana e nos diz que o ser humano é ontologicamente vocacionado para ser mais.
Logo, a desumanização seria a distorção dessa vocação: “Nem uma nem outra (humanização
ou desumanização) são destinos certos, dado dado, sina ou fato. Por isso mesmo é que uma é
vocação e outra, distorção da vocação” (FREIRE, 1996, p. 99).
Tal dimensão ontológica afirma a “práxis humana como um compromisso histórico
que, ao endereçar os sujeitos ao mundo, possibilita, ao mesmo tempo, a transformação da
realidade e dos próprios seres humanos” (MENDONÇA, 2008, p. 21). O pensar e o agir
fazem da educação um quefazer permanente, já que somos seres inconclusos e inacabados em
realidade sempre em transformação.
23 O país da Guiné-Bissau, durante o período de 1697-1967, foi colonizado por Portugal. Na luta pela libertação,
em 1956, criou-se ali o Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Nesse contexto,
sob a liderança de Amílcar Cabral, expulsaram-se os portugueses. Em 1974, o país teve sua independência
reconhecida pelos colonizadores. Nesse mesmo ano, o governo, por intermédio do Comissariado de Educação,
convidou Paulo Freire e sua equipe para, “em uma primeira visita, discutir as bases de nossa colaboração, no
campo da alfabetização de adultos” (FREIRE, 1984, p. 15). Eles partiram com a consciência de que iriam
trabalhar com um povo empenhado na reconstrução do seu país e convicto de que a educação seria um caminho
privilegiado para retomar sua história, cultura, riquezas, embora materialmente arrasado pelos invasores.
Chegaram àquele país com a postura da educação dialógica; com a experiência acumulada em diversos
contextos; com a capacidade da escuta paciente, atenciosa, respeitosa; com a atitude da problematização, a fim
de se construir uma prática educativa que respondesse às necessidades e às aspirações daquela realidade.
75
Assim sendo, concordamos com Souza (2007) no sentido de que a educação é chave
para a humanização do ser humano a qual só se pode construir no coletivo, pois a identidade
de cada sujeito se constrói na relação com o outro. Segundo o aludido autor, a humanização
implica em
[...] ideias, pensamentos, reflexões, ciências, artes (pensar), afetos, vontades,
paixões, experiências (emocionar-se), bem como atividades, ações, práticas (fazer),
no interior de determinadas relações sociais (meio cultural) com a natureza (meio
natural) (p. 361).
O processo educativo, visto como aquele que historiciza, desaliena e engaja o sujeito
no e com o mundo, tem o compromisso com a emersão da consciência ao desvelar a realidade
com a prática humanizada, portanto, humanizadora. Conforme nos alerta Freire (1983, p. 19),
Este compromisso com a humanização do homem, que implica uma
responsabilidade histórica, não pode realizar-se através do palavrório [...] O
compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com a
realidade, de cujas ‘águas’ os homens verdadeiramente comprometidos foram
‘molhados’, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro.
Para o homem assumir seus compromissos, como ser histórico, torna-se necessário
que o mesmo se conscientize. A esse respeito, lembramos que “a conscientização é o
aprofundamento da tomada de consciência [...] nem toda tomada de consciência se alonga
obrigatoriamente em conscientização” (FREIRE, 2000b, p. 112) e que o homem pode assumir
a consciência intransitiva ou a transitiva.
Na primeira, há a aceitação dos fatos, encarados como destino. “[...] a intransitividade
representa um quase incompromisso do homem com a existência” (FREIRE, 2000a, p. 68).
Na segunda, identificamos duas fases: a ingênua e a crítica. Na transitividade ingênua, o
homem interpreta problemas de forma simples, predominam explicações mágicas e os
argumentos são frágeis. Na transitividade crítica, aprofunda-se a interpretação dos problemas
e considera-se mutável a realidade.
A transitividade leva o ser humano ao compromisso com o ambiente a partir do
momento em que ele ultrapasse a consciência ingênua, pois problemas ambientais são
complexos e a realidade ambiental que ora se coloca é passível de mudança desde que haja
aprofundamento na interpretação desta. O homem, por sua vocação ontológica de ser mais,
não pode continuar alheio aos compromissos ambientais com a sociedade e consigo.
A EA nesse contexto tem o compromisso de ajudar o homem a superar a consciência
ingênua centrada em danos ambientais imediatos e em respostas imediatas a tais danos.
Ensinar a jogar o lixo no lixo, feiras de conhecimento e/ou de ciências ou ações coletivas para
76
limpeza de rios e córregos, que se configuram como ações comuns em escolas e os eventos
promovidos por IES acerca da EA, são apenas paliativos que podem não contribuir para se
formar uma consciência crítica e humanizadora.
Isso porque a conscientização, mais que somente a tomada da realidade, exige rigorosa
compreensão e a prática conscientizadora exige, por sua vez, rigorosidade no processo de
conhecer. “Mais ainda, a prática conscientizadora verdadeira, precisamente porque não
dicotomiza a leitura do texto da leitura do contexto [...] jamais aceita ser reduzida a simples
discurso vazio” (FREIRE, 2000b, p. 113).
Freire (2006) explica-nos que só o ser humano é capaz de tomar distância frente ao
mundo. No primeiro momento, a realidade não se mostra ao homem como objeto cognoscível
por sua consciência crítica. A primeira aproximação do objeto é ingênua.
Esta tomada de consciência não é ainda conscientização, porque esta consiste no
desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois,
que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a
uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o
homem assume uma posição epistemológica (FREIRE, 2006, p. 30).
Quanto mais conscientização ambiental, mais o homem consegue desvelar a realidade
com base na práxis, ação e reflexão de sujeitos que fazem e refazem o mundo e por este são
feitos e refeitos. A ação pela ação, descontextualizada, desenraizada de consciência crítica,
contribui pouco para o “ser mais” e para a sustentabilidade.
A sustentabilidade não se resume a um problema técnico solucionável por meio da
escolha de práticas sustentavelmente adequadas. Quando se fala em sustentabilidade há
sempre que se perguntar: sustentabilidade do quê? para quem? quando? onde? por quê? por
quanto tempo? Isso nos leva a concordar com Gadotti (2008, p. 57) quanto à sua defesa de
que existem “diversos modos sustentáveis de viver”.
A EA crítico-humanizadora ajuda a considerar a sustentabilidade como processo de
transformação ambiental, social, político, econômico e educacional no sentido de manter a
vida em todas as suas formas. Segundo Layrargues (2002, p. 189), a EA “é um processo
educativo eminentemente político, que visa ao desenvolvimento nos educandos de uma
consciência crítica acerca das instituições, atores e fatores sociais geradores de riscos e
respectivos conflitos socioambientais”.
Pimenta e Anastasiou (2008), ao trazerem a educação como processo de humanização,
explicam que desta se solicita a formação de seres humanos capazes de criar e oferecer
respostas aos desafios produzidos por diferentes contextos. Assim, ao pensarmos na EA
77
crítico-humanizadora, acreditamos que esta seja capaz de educar seres humanos na
perspectiva de inserção social crítica e transformadora. Humanização e criticidade são, sob
esse aspecto, categorias indissociáveis.
As referidas categorias, além de encontrar guarida na vida e pedagogia freireanas,
podem ser associadas aos quatro pilares básicos essenciais a novo conceito de educação:
aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e aprender a ser. O relatório
Jacques Delors aponta que sem esta base epistemológica para a educação será difícil
responder à multiplicidade de questões e desafios que se colocam a cada um de nós todos os
dias; e, nesse sentido, destacamos que muitos deles estão relacionados à EA.
Segundo o relatório Delors, feito para a UNESCO pela Comissão Internacional sobre a
Educação para o Século XXI, sob o título Educação: um tesouro a descobrir, as quatro
aprendizagens são pilares do conhecimento:
[...] aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender
a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de
participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente
aprender a ser, via essencial que integra os três precedentes (DELORS, 2003, p.
90).
A concepção ampliada da educação trazida pelo relatório, ao ultrapassar a visão
puramente instrumental e a consequente ênfase nos resultados, no saber fazer, considera a
realização do humano, o aprender a ser. Considerar esses pilares na EA significa caminhar em
prol da humanização e da criticidade, pois não basta conhecer e fazer, é preciso também viver
junto com outros seres humanos e com outras formas de vida, respeitar o mundo, tornar-se
melhor, ser mais.
A EA crítico-humanizadora contém esperança, pois admite que os homens são sujeitos
que se superam pela conscientização do seu inacabamento e pela necessidade de não se render
à imobilidade. Olham o passado para construir um futuro melhor apoiados nas novas relações
homem-mundo e, com base no diálogo, orientam-se para agir e refletir no mundo, que se deve
transformar e humanizar.
Carvalho (2006) aponta alguns objetivos da EA crítica, dentre os quais destacamos:
promover a compreensão dos problemas socioambientais em suas múltiplas dimensões
(geográfica, histórica, biológica e social); contribuir para a transformação dos atuais padrões
de uso e distribuição dos recursos naturais; implicar os sujeitos da educação na solução ou
redução de problemas e conflitos que afetam o meio ambiente. Os objetivos propostos pela
autora trazem a intenção de contribuir para mudança de valores e atitudes, no sentido de
78
formar sujeitos capazes de agir criticamente sobre questões ambientais, que são sempre
socioambientais. EA crítico-humanizadora implica a tomada de responsabilidade com e pelo
mundo natural e social; nessa perspectiva, é fundamental à formação de professores, pois
implica pensar a educação com vistas à cidadania.
Freire (1987, p. 45) define a cidadania como “condição de cidadão, quer dizer, com o
uso dos direitos e o direito de ter deveres de cidadão”. Este é um dos motivos que nos leva a
investigar o quefazer da EA crítico-humanizadora tendo como um dos fios condutores a
concepção de educação e de EA dos professores formadores, pois estas, quando atreladas à
cidadania, permitem olhar para a EA não como algo que venha de fora da atividade docente,
mas que faz parte dela; afinal, trata-se de uma prática ética, respeitosa, conscientizadora e
transformadora da realidade que contribui na formação de cidadãos.
Pelo que expusemos até aqui podemos afirmar: a EA crítico-humanizadora é uma
prática educativa que se posiciona no campo da concepção transformadora (conforme figura
3) e que gera diferentes orientações pedagógicas ou, dito de outro modo, influi na formação
de novo quefazer docente. Ademais ela traz consigo valores, como a solidariedade, a
igualdade e o respeito à vida. Ela integra conhecimentos específicos e pedagógicos, valores,
atitudes e ações com base na consciência ética, na consciência também local e planetária que
possibilita o tratamento das questões socioambientais, suas causas e inter-relações em
perspectiva complexa. Fundamentadas nessa concepção, elaboramos a figura 7.
Solidariedade, igualdade e respeito à vida são valores inerentes à vida e à obra de
Paulo Freire os quais nos ajudam a delinear a EA crítico-humanizadora. Freire (2002, p. 121)
nos ensina que jamais teve “[...] medo de apostar na liberdade, na seriedade, na amorosidade,
na solidariedade [...]”. A solidariedade pode gerar intervenções na sociedade em prol de
economia mais solidária, da melhora nas relações humanas, da busca pela igualdade do direito
ao trabalho, à terra, à educação, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Portanto, trata-se de “[...] solidariedade social e política de que precisamos para construir a
sociedade menos feia e menos arestosa [...]” (Ibidem, p. 47).
79
Figura 7
Características da EA crítico-humanizadora
A igualdade de direitos como valor norteador de uma vida movia o professor Paulo
Freire contra a miséria da fartura, considerada por ele uma aberração criada pela ordem
capitalista. Há poucos que vivem com muito e muitos, com pouco; há locais limpos e bem
cuidados nos quais se vive em ambiente salutar à saúde física e à psicológica e outros nos
quais predomina o descaso da sociedade - lixões que poluem o meio ambiente e,
consequentemente, atingem as pessoas que inalam odores tóxicos, convivem com insetos e
roedores e, por vezes, dali extraem seu sustento sem qualquer proteção para lidar, até mesmo,
com lixo hospitalar.
Consideramos a EA crítico-humanizadora como aquela que caminha no sentido
freireano de não “[...] cruzar os braços fatalisticamente diante da miséria, esvaziando, desta
maneira, minha responsabilidade no discurso cínico e morno, que fala da impossibilidade de
mudar porque a realidade é assim mesmo” (FREIRE, 2002, p. 84).
questões socioambientais em
uma perspectiva complexa
EA crítico-
humanizadora
respeito à vida
solidariedade igualdade
conhecimentos comportamentos atitudes
possibilita o tratamento das
80
Nada justifica minimizar os seres humanos e permitir que vivam em condições
socioambientais insalubres, pois a boniteza de ser gente reside na solidariedade, na igualdade
de direitos e também de deveres e no respeito à vida em todas as suas formas.
O respeito à vida é um valor que Paulo Freire destaca na obra À sombra desta
mangueira ao revelar que gostaria de ser lembrado como alguém que amou os bichos, os rios,
as plantas, as gentes. E, em Pedagogia da autonomia, o respeito ao estudante ganha destaque:
o respeito o impedia, na condição de professor, de subestimar o que o estudante trazia consigo
para a escola ou para a universidade. Esse respeito à vida como valor na EA crítico-
humanizadora se reflete em atitudes em favor da vida, no contexto local e planetário.
A EA crítico-humanizadora integra os valores discutidos e também conhecimentos
específicos e pedagógicos, principalmente, na formação do professor, pois a própria coerência
na prática docente do formador indica quefazer aos licenciandos. Freire (2002), ao falar sobre
a educação como forma de intervenção no mundo, nos lembra que, na condição de
professores, não podemos reduzir nossa prática docente ao puro ensino de conteúdos, pois, tão
importante quanto isso, é o testemunho ético ao ensiná-los.
Logo, os conhecimentos específicos tratados na abordagem da EA na formação
docente, quando atrelados a conhecimentos pedagógicos, possibilitam a materialização da EA
crítico-humanizadora na prática docente dos futuros professores da educação básica.
A materialização dessa EA se expressa em atitudes e comportamentos respaldados na
consciência ética, local e planetária. Aqui concebemos atitudes e comportamentos como
coisas diferentes. Atitudes são procedimentos organizados e coerentes de pensar e sentir em
relação às questões socioambientais que poderão levar ou não a uma ação, ou seja, a um
comportamento ativo de intervenção no e com o mundo. Deste modo, não defendemos a
correspondência direta entre atitudes e comportamentos.
Carvalho (2006) auxilia-nos a exemplificar esta não correspondência. Para a referida
autora, atitudes são “predisposições para que um indivíduo se comporte de tal ou qual
maneira, e assim podem ser preditivas de comportamento” (p. 177), o qual constitui ação
observável, efetivamente realizada que pode estar ou não de acordo com as atitudes do
sujeito, pois não há relação direta de causa e efeito entre atitudes e comportamentos.
Ela exemplifica a não correspondência entre atitudes e comportamentos: certo
estudante tinha comportamento exemplar na escola, em relação às atividades de EA
promovidas pela instituição. Porém jogava o lixo de sua casa, sem qualquer separação, no
terreno baldio, ao lado da escola. Temos, aí, um exemplo concreto de dissonância de
comportamento do estudante em relação ao lixo de sua casa e de sua escola. Isso nos indica
81
que ele apenas se ajustava às regras da escola e às de sua casa e que não havia dissonância de
atitudes.
No exemplo de Carvalho (2006), percebemos que atitude é mais que a soma de bons
comportamentos; logo, a EA crítico-humanizadora tem como desafio ir além da aprendizagem
comportamental. Promover a formação de atitudes de cuidado, de atenção, de
responsabilidade, de respeito, de compreensão e tolerância é fundamental a ações em prol de
melhorias socioambientais locais, regionais e globais. Tais atitudes podem gerar novos modos
de pensar e sentir em relação às questões socioambientais, os quais poderão gerar outras
visões de mundo que incentivem novas escolhas e comportamentos por parte dos sujeitos.
A EA crítico-humanizadora, conforme a concebemos neste estudo, permite que o olhar
para as questões socioambientais ocorra de forma diferenciada, por meio do pensamento
complexo. Este é capaz de nos ajudar a repensar a multidimensionalidade dos seres humanos,
pois somos, ao mesmo tempo, individuais e coletivos, biológicos, sociais, culturais e
espirituais. Assim, quando tratamos questões socioambientais sob a ótica da EA crítico-
humanizadora, percebemos a complementaridade entre ser humano, sociedade e natureza;
bem como a capacidade de renovação destes e das relações estabelecidas entre eles.
Segundo Moraes (2004), o pensamento ecossistêmico nos ajuda a tomar consciência
de que nossas relações fundamentais com o outro, com a natureza, com a vida dependem de
nossa maneira de conhecer, de aprender, de ser e de viver/conviver. Entretanto, consideramos
que o pensamento sistêmico não é suficiente para lidar com a diversidade e as especificidades
dos sistemas socioambientais. Assim, concordamos com Mariotti (2000) para quem esse
modo de pensar, fora da ideia de complexidade, diminui sua eficácia e potencialidades, pois
as relações socioambientais são complexas.
O pensamento complexo, no entendimento de Morin, Ciurana e Motta (2003), é o
método de aprendizagem pelo erro e pela incerteza humana e se constitui no grande desafio da
atualidade para a educação em e para a era planetária, pois ele “[...] não rejeita o pensamento
simplificador, mas reconfigura suas consequências através de crítica a uma modalidade de
pensar que mutila, reduz, unidimensionaliza a realidade” (p. 58).
Erro e incerteza fazem parte do homem, do seu caminhar; logo, tê-los como método de
aprendizagem significa reaprender a aprender como forma de conhecer a si mesmo,
conhecendo. Assim, o pensamento complexo permite-nos considerar a humanização e a
criticidade essenciais à formação humana, ao admitir que o conhecimento é parte do que
somos e parte do que somos é o conhecimento por nós construído.
82
Essas novas bases epistemológicas, ao mesmo tempo, encontram afinidades com e se
fortalecem na EA crítico-humanizadora. Além do mais, subsidiam a construção de práticas
docentes diferenciadas, inovadoras, que permitem a superação da visão fragmentada da
realidade, do conhecimento e da vida.
A EA crítico-humanizadora está presente em uma práxis docente humanizadora e
crítica que traga convivência humana diferenciada em sala de aula (relação professor-aluno);
unidade teoria-prática, ensino-pesquisa, educação-sociedade, sujeito- mundo; concepção de
educação e de EA e na interdisciplinaridade. Tais características nos permitem fazer analogia
com o tropismo da raiz de uma árvore24
. O crescimento da raiz da EA crítico-humanizadora
dá-se por um tropismo inovador de uma raiz inovadora.
3.3 Práxis docente para a formação em educação ambiental crítico-humanizadora:
tropismo inovador da raiz
Diante dos fatos da inconclusão do ser humano e de sua
vocação de ser mais, como os entende Paulo Freire, a
práxis pedagógica está desafiada a buscar
cotidianamente sua própria renovação, sua
refundamentação, sua reinvenção (SOUZA, 2007, p.
211).
Ao aceitarmos o desafio de buscar e investigar a prática docente para formação em EA
crítico-humanizadora, buscamos uma práxis renovada, reinventada na qual “[...] ação e
reflexão, solidárias, se iluminam constante e mutuamente [...]” (FREIRE, 1992, p. 80) com a
participação de gestores, discentes e docentes mediados pelo conhecimento. Desse modo,
vemos a prática docente como vertente da prática pedagógica encontrada em escolas e
universidades (na figura 8, esquematizamos a concepção de prática docente adotada neste
trabalho).
24 Tropismo é um movimento da raiz da planta durante o crescimento que pode ser provocado e orientado pela
terra (geotropismo) ou pela água (hidrotropismo).
83
Figura 8
Vertentes da prática pedagógica
Fonte: Souza (2007, p. 201).
A prática docente refletida e teorizada é práxis que tem por finalidade última
contribuir para a formação de humano mais humanizado e crítico, inserido em uma sociedade
que tem problemas socioambientais diversos. Assim, a práxis pedagógica na formação de
professores que traga a EA crítico-humanizadora é fundamental para eles se tornarem
multiplicadores dessa formação nas instituições de ensino nas quais atuarem.
Os professores em formação, quando provocados a refletir sobre as bases de práxis
docente e pedagógica, ajudam na construção e na disseminação da EA crítico-humanizadora.
Reflexão e ação juntas podem dar nova direção ao quefazer docente, fazendo-o voltar-se ao
natural e ao social, ao local e ao planetário, a si mesmo e ao outro. A intervenção no cotidiano
e no mundo qualifica-se nessa perspectiva. Concordamos com Souza (2009, p. 82) no sentido
de que isso “exige disciplina, rigor e persistência”, mas garante crescimento pessoal e
profissional ao professor.
prática pedagógica
instituição
prática gestora
sujeito docente/
prática docente
sujeito discente
prática discente
conhecimento/
conteúdo
pedagógico
84
Professores, alunos e gestores são projetos a serem construídos “[...] cuja realização
depende de nossas opções axiológicas. O problema central do ser humano é a sua construção
humana ou a sua desumanização” (SOUZA, 2009, p. 90). Eis aí um dilema central na
formação de professores que possam atuar com a EA crítico-humanizadora. Professores
formadores humanizados, críticos e sensibilizados com as questões socioambientais podem
assumir e/ou construir concepções diferenciadas em relação à EA e trabalhar na formação de
professores de forma inovadora.
Encontramos na obra de Paulo Freire contribuições significativas à compreensão da
práxis docente para formação em EA crítico-humanizadora: a própria concepção de educação
trazida pelo autor possibilita-nos encará-la como processo de humanização de um sujeito
histórico, que vai criticamente inserindo-se no e com o mundo e neste intervém.
Santiago (2006) afirma que a contribuição do pensamento de Paulo Freire para o
currículo pode ser visualizada em um esquema conceitual25
“no qual a relação das categorias
gerais e fundantes do pensar freireano” (p. 79) pode ser mostrada em um mapa teórico. O
esquema elaborado pela autora (ver figura 9) mostra três dimensões do pensamento freireano
que podem contribuir para a estruturação do currículo e para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas: a dimensão relacional, a dinâmica e a utópica (Ibidem, p. 80).
O campo conceitual do pensamento freireano construído pela autora possibilita-nos
compreender que a categoria relação é o centro da dimensão relacional. De acordo com a
autora, essa categoria
[...] aproxima e explica os termos sujeito-mundo, educação-sociedade, teoria-prática,
docente-discente com a intenção de ajudar na sistematização de uma construção
teórica útil à seleção, à discussão e à decisão de princípios e de conteúdos
educacionais, escolares e de ensino, para a orientação de currículo, que partindo do
significado conceitual promova formulações e práticas que respondam aos desafios
da diversidade cultural (SANTIAGO, 2006, p. 80).
25 A teoria dos campos conceituais advém de Vergnaud (1991). Segundo Santiago (2006, p. 79), em um campo
conceitual, “esquemas e conceitos que mostram relações e conexões” contribuem para a elaboração de um
mapa teórico. Para mais informações sobre mapas conceituais, podemos consultar: VERGNAUD, G. La
théorie dês camps conceptuels. Recherches em Didactique des Mathématiques. Grenoble: Editions La
Pensée Sauvage, Cedex, 1991, p. 133-169.
85
Figura 9 - Mapa conceitual da pedagogia freireana
Fonte: Santiago (2006, p. 80)
A práxis docente com EA crítico-humanizadora encontra na dimensão relacional do
pensamento freireano algumas pistas que nos levaram aos fios condutores consideráveis no
processo de coleta e análise de dados deste trabalho. Percebemos, por exemplo, que a relação
professor-aluno merece análise, porque, nessa práxis, professor e alunos constroem
conhecimento juntos; logo, rompe-se com a postura do professor detentor de conhecimentos e
de alunos passivos. Cunha (2005), ao analisar professores universitários com práticas
inovadoras, constatou que a relação estabelecida entre eles e seus alunos se baseava no
respeito, na aceitação e na valorização do conhecimento prévio dos alunos.
Os achados da autora, ao analisar a sala de aula, levam-nos a perceber que o respeito, a
aceitação e a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos os incentivam à participação.
Além disso, outro ponto fundamental que contribui para uma práxis em EA crítico-
humanizadora é o exemplo dado pelo professor.
O respeito, a aceitação e a valorização do conhecimento do outro são elementos que
muitas vezes estão ausentes na compreensão de questões socioambientais e na busca por
soluções. Assim, palavras sobre EA crítico-humanizadora podem convencer alunos, mas
exemplos de atitudes não só convencem, mas também geram a perspectiva de seguir um
RELAÇÃO
Humanização
Criticidade
Autonomia
Criatividade
DIÁLOGO
RELAÇÃO Sujeito-mundo Docente-discente
Teoria-prática
Educação-sociedade
86
exemplo positivo e vivo. A propósito disso, Freire (2002, p. 72) nos diz: “a prática docente,
especificamente humana, é profundamente formadora [...]”.
A unidade teoria-prática também deve ser considerada na práxis com EA crítico-
humanizadora, pois não há como dissociar a apropriação do conhecimento ambiental de
questões socioambientais reais. A discussão e a análise dessas questões contribuem para a
formação de um sujeito humanizado e crítico - sujeito consciente da realidade ambiental e
social, da indissociabilidade entre essas e da sua condição de ser transformador, que pode
nelas intervir. Uma das formas de propiciar a imersão na realidade socioambiental é a
pesquisa.
A práxis em EA crítico-humanizadora na qual a relação professor-aluno é diferenciada
e a unidade teoria-prática aborda questões socioambientais reais traz consigo, implicitamente,
duas outras categorias: a relação sujeito-mundo e a relação educação-sociedade.
Quanto à primeira, o sujeito está no e com o mundo - nele o homem vive, busca,
sonha, realiza projetos e, na condição de ser inacabado, vê-se também como projeto. No
mundo, o sujeito se humaniza ou desumaniza; nele também, as questões socioambientais
podem ser lidas de forma crítica ou ingênua. Então, a tarefa do professor é a de “[...]
problematizando a seus alunos, possibilitar-lhes o ir-se exercitando em pensar criticamente,
tirando suas próprias interpretações do porquê dos fatos” (FREIRE, 2000b, p. 52-53).
Quanto à segunda (relação educação-sociedade), nessa perspectiva, é mola mestra na
formação de sujeitos críticos e humanizados. A educação interfere e influencia na sociedade e
a recíproca também ocorre. A práxis docente com EA crítico-humanizadora problematiza as
questões socioambientais de forma que a realidade dessa sociedade é refletida, é exposta, é
pesquisada. Portanto, é uma práxis comprometida com a educação problematizadora.
Mais uma vez, a pesquisa surge como norteadora da práxis docente com EA crítico-
humanizadora. A relação ensino-pesquisa é, pois, mais uma categoria a ser investigada na
práxis inovadora. Segundo Cunha (2005, p. 84), as práticas encontradas em professores
inovadores que atuam na educação superior
[...] estimulam os alunos a fazerem de cada trabalho, de cada texto construído,
pequenos processos de investigação, não apenas no sentido de descrição da
realidade, mas principalmente no sentido de duvidar, de perguntar para a realidade,
tentando ultrapassar as visões mais superficiais.
Considerando as relações professor-aluno, teoria-prática, sujeito-mundo, educação-
sociedade e ensino-pesquisa como fios condutores e categorias analisáveis com base em
87
nossas construções teóricas nesta seção do trabalho, vislumbramos outra categoria implícita
em todas as anteriores: a concepção de educação e de EA do professor – conforme a
concepção, a práxis docente com EA crítico-humanizadora ocorrerá ou não.
Em tal práxis não se transfere conhecimento, de forma mecânica, do professor aos
licenciandos, porque ele é construído através das relações professor-aluno, teoria-prática,
sujeito-mundo, educação-sociedade e ensino-pesquisa. A propósito, Freire (2000b, p. 27) nos
adverte: “[...] Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente
enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer”.
Terminado nosso mergulho na dimensão relacional do campo conceitual do
pensamento freireano e nas suas contribuições para a definição de categorias a serem
analisadas neste estudo, iniciemos novo mergulho, desta vez na dimensão dinâmica da
pedagogia freireana. Esta é instituída pela categoria diálogo, pois ele “vai sendo concretizado
enquanto intencionalidade, atitude de pessoas, opções e responsabilidades coletivas. Essa
categoria mediatiza a relação sujeito-sujeito e sujeito-contexto” (SANTIAGO, 2006, p. 80-
81). A autora complementa seu pensamento atestando que a categoria relação “[...] é traduzida
na dinâmica do diálogo” (Ibidem, p. 81).
O diálogo em Paulo Freire é ato amoroso, mas não como tática para tornar os alunos
amigos dos professores. Na verdade, ele impulsiona o pensamento crítico-problematizador.
Na práxis docente com EA crítico-humanizadora, o diálogo permite ver as questões
socioambientais na perspectiva da práxis social, que é o compromisso entre a reflexão, que
permite ver a sociedade e o mundo, e a prática transformadora.
O autor, em Pedagogia da autonomia, fala-nos sobre a importância da postura
dialógica do professor na educação humanizadora. Tal postura precisa estar corporificada no
exemplo. Para o mesmo, “testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida,
a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa” (FREIRE, 2002, p. 153).
As relações sujeito-sujeito e sujeito-contexto mediadas pelo diálogo são fundamentais
para se compreender a práxis docente com EA crítico-humanizadora, porque nos levam a
identificar nova categoria a ser analisada neste trabalho: a interdisciplinaridade, o diálogo
necessário entre áreas e disciplinas diferentes que favorecem o pensamento sistêmico, a
leitura mais globalizada da realidade socioambiental.
Na pesquisa realizada por Cunha (2005), a interdisciplinaridade, mesmo quando não
estava presente na proposta inicial dos professores universitários que planejavam seus
componentes curriculares com foco disciplinar, constituía-se condição de trabalho. Nesse
sentido, de acordo com a autora, a interdisciplinaridade ”[...] é fator e produto do ensino e da
88
aprendizagem e mostra, claramente, que a disciplinaridade decorre de uma visão de mundo,
de ciência e de controle da distribuição do conhecimento” (Ibidem, p. 95).
No trabalho da referida autora, percebemos algumas dificuldades citadas pelos
professores para implementar a interdisciplinaridade: falta de recursos, de oficinas, de livros e
outros, porém a principal relacionava-se aos currículos, à forma de se organizar o
conhecimento dentro de cada curso e na universidade de modo geral. Assim, o diálogo, como
categoria da dimensão dinâmica no mapa conceitual da pedagogia freireana traz contribuições
efetivas ao currículo e à prática pedagógica.
A dimensão utópica do campo conceitual do pensamento freireano oferece bases
teóricas para o currículo e a prática pedagógica na medida em que traz a humanização como
finalidade da educação. Conforme nos diz Santiago (2006, p. 82), “a dimensão utópica do
currículo corresponde à intencionalidade da ação educativa [...] Na verdade, é o projeto social
de homem e de mulher que se deseja para uma nação, que se persegue com o trabalho
educativo”.
Autonomia, criatividade, criticidade e humanização como categorias teóricas e
posturas éticas contribuem para a formação de sujeitos humanizados e críticos que consigam
refletir e agir sobre questões socioambientais reais. Entretanto, cabe-nos ressaltar, tais
categorias inseridas na aludida dimensão utópica não significam que são irrealizáveis; o
sentido é o de esperança crítica, que não é jamais pura espera.
O exercício de reinventar o ser humano, que é projeto, e, como tal, não o é, mas está
sendo, implica o desenvolver da autonomia, da criatividade, da criticidade e da humanização.
Porém, neste trabalho com a práxis docente na formação de professores de biologia para a EA
crítico-humanizadora, debruçamo-nos sobre as categorias humanização e criticidade, não
por considerarmo-las mais importantes que as outras duas, mas sim por vivenciarmos, na
atualidade, exemplos constantes de questões socioambientais que exigem sujeitos mais
humanizados e críticos.
Esses sujeitos precisam ser formados e, para tal, vemos na humanização e na
criticidade, como categorias da dimensão utópica do pensamento freireano, uma forma de
“[...] diminuir a distância entre o sonho e sua materialização” (FREIRE, 2000b, p. 126). Em
busca dessa diminuição é que estamos investigando não qualquer prática docente, mas sim
experiências inovadoras na formação de professores de biologia que tragam a EA crítico-
humanizadora como possibilidade de formação de sujeitos socioambientais, comprometidos
com o entendimento e a solução de questões socioambientais e com a formação de novos
sujeitos.
90
CAPÍTULO 4
A ABORDAGEM METODOLÓGICA: CAULE DA PLANTA
O presente trabalho de pesquisa de cunho qualitativo tem como norte metodológico de
construção as categorias da abordagem etnometodológica. Para Coulon (1998, p. 32),
La etnometodología es la búsqueda empírica de los métodos empleados por los
individuos para dar sentido y, al mismo tiempo, realizar sus acciones de todos los
díaz: comunicarse, tomar decisiones, razonar [...] La Etnometodología analiza las
creencias y los comportamientos de sentido común como componentes necesarios
para toda conducta socialmente organizada.
A escolha por essa abordagem metodológica ancora-se no fato de identificarmos a
necessidade de concepção teórica que possibilite compreender a ação cotidiana dos atores
sociais da pesquisa, as mensagens emitidas nas diversas formas de comunicação, as
objetividades e as subjetividades presentes em seu quefazer da EA crítico-humanizadora.
A possibilidade de nos aventurarmos na criação investigativa, a fim de cercar o objeto
de investigação para garantir meios consistentes e com rigor científico para compreendê-lo e
explicá-lo, nos anima e nos instiga a buscar as respostas e as possíveis contribuições ao longo
do processo de produção, reconhecendo que
No jogo estratégico da produção de conhecimento, princípios epistemológicos
desvelam o mundo com novas cores, outros sentidos e outros significados, sem,
contudo, negar ou negligenciar sua realidade concreta, da qual afloram informações,
promovendo uma metamorfose vital ao surgimento de novos conhecimentos [...]
(FRANÇA, 2003, p. 73).
O processo de produção de conhecimento é aqui entendido como resultante de apurada
percepção do mundo social, de exercício interpretativo na busca de olhar e escutar
criticamente o quefazer docente em relação à EA, para compreendê-lo e descrevê-lo. O
mundo social tem extraordinária capacidade de se descrever pelos atores sociais. Isso não
significa ser desnecessário perguntar, dialogar, mas indica que precisamos educar o nosso
olhar pesquisador.
A forma de olhar o objeto de pesquisa necessita ser criteriosa. Nesta direção, Chauí
(1997, p. 33-35) traz-nos contribuições significativas. Segundo a autora, “[...] o olhar é, ao
mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si [...] a visão depende das coisas e
nasce lá fora, no grande teatro do mundo [...] ver é olhar para tomar conhecimento e para ter
conhecimento”.
91
O olhar cognoscitivo voltado ao objeto permitiu-nos vê-lo, observá-lo, conhecê-lo no
mundo social. Desvelar o quefazer docente da EA crítico-humanizadora permite o avanço no
processo de humanização e criticidade no mundo social; para tanto, faz-se necessário olhar e
escutar. Somos, por natureza, seres falantes e fazedores. Descrevemos constantemente o
pensamento, as ações.
Essa descrição permanente nos permite refletir sobre uma questão central: o mundo se
apresenta a si mesmo aos olhos daqueles que não são meros espectadores. Segundo Ghedin e
Franco (2008, p. 79), “o olhar [...] possibilita a criação do ser, ao mesmo tempo em que
permite a recriação do mundo segundo as formas de que se dispõe para interpretá-lo”.
Porém, convém educá-lo de modo que se torne crítico e cognoscente, para se afastar o
risco de reprodução das representações do mundo. O olhar atento permite o desvelar de
sentidos e significados do objeto de pesquisa, que é complexo, na complexidade da realidade,
do mundo. Temos aí um dos desafios da abordagem etnometodológica: captar o dinamismo
da realidade educacional. Optar por ela implica atitudes, posições e procedimentos
coerentemente escolhidos, evitando discrepâncias teórico-metodológicas.
A etnometodologia começou com os trabalhos do sociólogo Garfinkel, que, em 1949,
publicou artigo referente a pesquisas realizadas com homicídios inter e intrarraciais. Ali ele
defendeu que os atores sociais tomam parte ativa na definição da situação. Para Coulon
(1998), aceitar esse fato significa compreender que os atores sociais definem
permanentemente as instituições nas quais vivem em sua vida cotidiana.
Com o surgimento da etnometodologia, os estudos no campo sociológico tomam
novas dimensões, rompendo com um paradigma considerado tradicionalista, no sentido de
não abrir e estabelecer diálogos teórico-metodológicos entre objeto, atores pesquisados e
contexto. Neste sentido, Garfinkel provocou uma ruptura com o que a sociologia promovia na
época: saber o modo de as pessoas atuarem em situações previamente definidas. Com sua
abordagem metodológica, o autor buscava compreender como as pessoas, juntas, percebem,
descrevem e propõem uma definição de determinada situação. Podemos daí inferir que a
etnometodologia privilegia a abordagem microssocial, como defende Silva (2002).
Para o referido autor, enquanto a sociologia tradicional despreza as descrições dos
fatos sociais circundantes feitas pelos atores, a etnometodologia valoriza-as e considera-as
elementos essenciais da pesquisa. Segundo alerta Coulon (1995), privilegiar a visão micro não
significa condenar a macro; pelo contrário, a busca etnometodológica é pelo “[...]
indispensável, mas difícil, diálogo micro-macro” (Ibidem, p. 45).
92
Em 1967, Garfinkel publicou o livro precursor da ampla disseminação da
etnometodologia na sociologia e na antropologia: Studies in ethnomethodology. Na referida
obra, o autor defende que os sociólogos precisam considerar os fatos sociais como realizações
práticas e estes não são objetos estáveis, porque produtos da atividade humana. Heritage,
outro estudioso adepto da mesma abordagem metodológica, acentua: “[...] cada situação de
ação difere – em maior ou menor grau – de todas as outras e que, em princípio, portanto, o
mundo social consiste em um número indefinidamente grande de situações de ação
diferenciáveis” (1999, p. 348).
O quefazer da EA crítico-humanizadora é produto da atividade humana e os docentes
elaboram sentidos e significados para tal quefazer no mundo social. Portanto, a
etnometodologia nos permite analisar as universidades que constituem campo desta pesquisa
no contexto histórico-educativo-social, no qual os professores-atores são sujeitos
historicamente situados.
Considerando a coerência teórico-metodológica, concebemos nossos atores como
autores, pois, de acordo com Silva (2002), o papel por eles representado não foi imposto pela
sociedade, mas construído por eles. Os atores da pesquisa agem ativamente no ambiente onde
estão inseridos; suas descrições e compreensões da realidade são fundamentais em estudos
que elegem a etnometodologia como abordagem metodológica. Contudo, “como para a
etnometodologia é preciso que o pesquisador seja testemunha do que se dispõe a investigar
[...]” (RIVERO, 2010, p. 7), a observação insere o pesquisador na realidade, promovendo o
acesso direto ao fenômeno investigado.
A etnometodologia – cabe-nos ressaltar -, não é um ramo separado do conjunto da
pesquisa em ciências sociais, como esclarece Coulon (1995, p. 8): “Pelo contrário, acha-se em
relação, mediante múltiplas ligações, com outras correntes que, como o marxismo, a
fenomenologia, o existencialismo e o interacionismo, alimentam a reflexão contemporânea
sobre a nossa sociedade”.26
As ligações dessa abordagem metodológica com outras correntes e a liberdade criativa
que provoca no pesquisador contribuem para que ela ocupe espaços significativos no universo
acadêmico através de pesquisas realizadas em programas de pós-graduação das universidades
brasileiras. Em pesquisa feita no site da CAPES, buscamos dissertações e teses defendidas
entre os anos de 2001 e 2010 nas quais foi utilizada a etnometodologia. Encontramos em 2001
26 Para melhor compreensão das raízes da etnometodologia em interações diversas e adversas com as correntes
citadas, consultar: COULON, A. La Etnometodologia. 2. ed. Espanha, Madri: Edições Cátedra, 1998.
GARFINKEL, H. Studies in ethnomethodology. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall, 1967.
93
apenas uma dissertação defendida no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal da Bahia. Ampliando esse universo, em 2007, 17 trabalhos foram
defendidos em todo o Brasil - o maior número de dissertações e teses defendidas com tal
abordagem metodológica no período investigado. No ano de 2008 encontramos 11 trabalhos
defendidos.
Somando-se os anos de 2007 e 2008, percebemos que os programas com maior
quantidade de trabalhos defendidos com a etnometodologia foram os de educação, totalizando
19. Nesse contexto, destacamos a contribuição de Pernambuco: cinco dissertações defendidas
no Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE; uma dissertação defendida no
Programa de Pós-graduação em Direito e outra defendida no Programa de Psicologia, ambas
da UFPE; e uma dissertação defendida no Programa de Ensino das Ciências da UFRPE.
Em relação aos objetos de estudo das aludidas dissertações defendidas em
Pernambuco, constatamos que: dois se referiam à prática docente de professores de educação
física; um referia-se à formação continuada de professores de língua inglesa; dois, à prática
pedagógica em educação física; um, à decisão judicial; um, às salas de bate-papo na internet e
outro à prática pedagógica de professores de ciências.
Em 2009 foram defendidas 18 dissertações em todo o Brasil sendo que apenas 1 tinha
como objeto a prática pedagogia. Tal dissertação, que tem por título: “O (re) encantar da
prática pedagógica por princípios de lazer”, foi defendida no Programa de Pós-graduação em
Educação da UFPE. Neste mesmo ano, 7 teses foram defendidas com a etnometodologia, mas
nenhuma trazia a prática pedagógica como objeto de pesquisa.
Já em 2010 foram encontradas 28 dissertações que tinham por objeto: a saúde, a
violência na escola, comunidades virtuais de aprendizagem, dimensões culturais da festa
junina e outros. Destas dissertações, duas traziam a prática pedagógica como objeto, sendo
que uma, defendida no Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE, trazia a prática
docente participativa como objeto. Em relação a teses, dez foram defendidas em 2010, mas
nenhuma se refere à prática pedagógica.
Essa investigação acerca dos objetos de pesquisa permite-nos vislumbrar que a prática
docente com EA crítico-humanizadora na formação de professores de biologia é um campo
ainda não explorado nos trabalhos em que se utilizou a etnometodologia defendidos em
Pernambuco.
Buscar compreender o quefazer docente da EA crítico-humanizadora, objeto ainda
inexplorado, tendo por opção metodológica a etnometodologia, significa olhá-lo e escutá-lo
com base nos seus conceitos-chave, que são: prática, realização; indexalidade, indicialidade;
94
reflexividade; accountability e noção de membro - vocabulário restrito a essa abordagem
metodológica, que traz os princípios para melhor compreendê-la. Passemos a entendê-los.
A prática/realização assegura compreender o pressuposto de que a realidade social é a
prática construída no cotidiano27
pelos atores sociais. Segundo Coulon (1998), as atividades
práticas dos membros em suas atividades concretas revelam as regras e os procedimentos por
eles adotados e a observação atenta das referidas atividades, além da leitura criteriosa da fala
dos atores, permite compreendê-las e interpretar a micro e a macrorrealidade social.
A prática docente na perspectiva da EA crítico-humanizadora não é um dado
preexistente, mas sim prática construída no dia a dia dos professores em instituições de
ensino, o que implica processos, técnicas, desafios e tensões permanentes entre os membros
envolvidos, entre teoria e prática, entre ensino e pesquisa. Assim, a etnometodologia mostra-
nos que o pesquisador, para compreender a prática, vai além de coletar dados: há
(re)construção, (re)descoberta, (re)elaboração e também (re)ressignificação do social se
fazendo.
Com a indexalidade, também denominada por França (2003) de indicialidade, é
possível compreender que a vida social se constrói no cotidiano por meio da linguagem. De
acordo com Coulon (1998, p. 35), “[...] La indexicalidad son todas as circunstancias que
rodean a uma palabra, a uma situación”. Portanto, o autor esclarece a insuficiência das
palavras que somente tomam sentido pleno em determinado contexto social. Uma expressão
ou frase só pode ser entendida em um contexto; e, assim como a língua, as ações sociais
precisam ser indexadas.
No estudo do quefazer docente da EA crítico-humanizadora, a indexalidade vem
orientar-nos no sentido de reconhecermos que palavras e frases coletadas em entrevistas ou
questionários não podem ser consideradas sem o pesquisador compreender o contexto em que
foram proferidas. Assim, para o estudo de tal quefazer, a análise das falas é insuficiente; por
isso o pesquisador precisa encarnar, penetrar no contexto social estudado.
Quanto à reflexividade, ela designa práticas que descrevem e constituem o quadro
social e não pode ser confundida com reflexão28
. À medida que falamos, estamos construindo
o sentido, a ordem e a racionalidade do que estamos fazendo naquele momento. Macedo
(2006) exemplifica a reflexividade, citando entrevista do poeta Mário Quintana. Este, quando
27 Aqui destacamos que a etnometodologia não estuda o cotidiano, mas sim os fatos sociais, as realizações
práticas que ocorrem cotidianamente no mundo social. 28 Coulon (1998) nos adverte: quando se diz que as pessoas têm práticas reflexivas, não significa haver a
reflexividade sobre o que fazem, pois a reflexividade traz a noção de que as pessoas se constituem e são
constituídas no e com o mundo social.
95
interrogado sobre sua poesia, respondia: “a minha poesia [...] a minha poesia sou eu”. Assim,
Macedo (2006, p. 75 – 76) conclui:
[...] as descrições são sempre encarnadas, isto é, elas portam a própria ‘matéria’
daquele que narra. Enfim, elas se encarnam na pessoa que descreve. O que a noção
de reflexividade evidencia é que no processo de ação social se constitui e se é
constituído.
Os professores, ao falarem de seu quefazer docente, descrevem-no e, ao mesmo
tempo, constroem e reconstroem a realidade. Segundo defende Freire (1996, p. 97), convém
conceber homens e mulheres como seres fazedores de seu caminho. Professores fazem, no
quefazer docente seus caminhos aos quais ficam expostos, o que indica que por eles são
também refeitos. Ao falarem e descreverem seu quefazer docente fazem descrições
encarnadas em um processo de ação-reflexão, trazendo à tona suas marcas de sujeito no e com
o mundo micro e macrossocial. Por esse motivo, na etnometodologia, a descrição é um
instrumento poderoso de análise.
Coulon (1995, 1998) prefere não traduzir o conceito-chave accountability, mas, ao
tentarmos entendê-lo, escolhemos descritibilidade como tradução. O mundo social está em
descritibilidade permanente. Ao pesquisador cabe escutar a sala de aula, a universidade e
outros espaços sociais. Entretanto, não se trata de escutar pessoas falando com outras; e sim,
de escutar pessoas descrevendo ações, o mundo – aí está o accountability.
Esse conceito é o que mais influenciou a etnometodologia, porque mudou a noção de
mundo social que se pretende explorar. O accountability nos permite perceber coisas vistas,
mas não percebidas. As análises de fracasso escolar, por exemplo, são citadas por Coulon
(2008) por negligenciarem as relações sociais vistas, mas, muitas vezes não percebidas. O
autor comprovou isso ao analisar estudantes recém-ingressos na educação superior na França
e constatar que muitos abandonam seus cursos por considerarem difícil a transição ensino
médio – educação superior. Os estudantes, em geral, sentem-se isolados e anônimos no meio
de um mundo novo cheio de pessoas novas.
O quefazer docente da EA crítico-humanizadora é objeto descritível, inteligível e
analisável que exige ser visto e percebido em estudos criteriosos. Quefazer que está em
constante fazer-se no mundo frente à realidade socioambiental planetária. Por meio das
descrições e dos relatos feitos acerca dele podemos perceber a reflexividade dos sujeitos que
descrevem e constroem a realidade.
A noção de membro como conceito-chave nos traz a compreensão de que o membro é
não só uma pessoa no mundo, mas, também, um sujeito historicamente situado dotado de
96
procedimentos, de métodos, de quefazer que os capacita a criar “[...] dispositivos de
adaptação para dar sentido ao mundo que os cerca” (COULON, 1995, p. 159). O membro
tem, por consequência, domínio crítico-reflexivo da linguagem natural do mundo que o
rodeia, que o torna atuante nas e para as relações sociais.
Professores, como seres de relação, são membros de grupos micro e macro sociais que
leem o mundo socioambiental e nele devem buscar a sustentabilidade. Seu quefazer docente
revela as filiações que trazem, os saberes que mobilizam, a intenção educativa que possuem.
Após discorrermos sobre os conceitos-chave, concordamos com Macedo (2006) no
sentido de que etnometodologia e educação fundam um encontro tão seminal quanto urgente e
percebemos que o quefazer docente da EA crítico-humanizadora pode ser desvelado mediante
essa abordagem metodológica no contexto de nosso problema de pesquisa, qual seja:
Como a prática docente da EA crítico-humanizadora se materializa no processo de formação
inicial de professores de biologia?
Esquematizamos, na figura 10, as relações dos conceitos-chave da etnometodologia
com nosso objeto de estudo e conceitos de observação direta que guiaram nosso olhar para tal
objeto. Nela evidenciamos a centralidade do objeto, para o qual voltamos olhar e escuta atenta
através dos fios condutores ou conceitos de observação direta, tudo isso construído, tecido,
pelos conceitos-chave da etnometodologia que nos indicaram verdadeiros ciclos do caminho
metodológico.
97
Figura 10
Relações dos conceitos-chave da etnometodologia com o objeto de estudo e conceitos de observação direta
Fonte: França (2003) – Figura adaptada
4.1 Ciclos do caminho etnometodológico
Antes do trabalho de campo, optamos por realizar estudo exploratório tal como orienta
Minayo (2007b). A autora divide o processo de trabalho científico em pesquisa qualitativa em
três partes: fase exploratória, trabalho de campo e análise e tratamento do material empírico e
documental.
Tal divisão demonstra esforço teórico-metodológico na organização da pesquisa, mas
não convém considerar as partes como etapas rígidas e sem diálogo entre si. Por este motivo,
optamos por considerar tais partes como pertencentes a ciclos do caminho etnometodológico.
A ideia de ciclo rompe com a visão etapista e desconectada entre as partes, pois, em um ciclo,
há a ideia de sucessão entre as partes do trabalho científico, mas não é algo fechado e
98
rigidamente definido. Assim, a ideia de ciclo traz o necessário diálogo entre as partes, a
coerência entre elas e a possibilidade de retorno à fase anterior.
A fase exploratória, que compreende uma das partes do ciclo, exige empenho e
dedicação, pois, segundo Minayo (2007b, p. 26), “consiste na produção do projeto de
pesquisa e de todos os procedimentos necessários para preparar a entrada em campo”.
Seguindo tais orientações, nessa fase do ciclo, dedicamo-nos a procedimentos exploratórios a
fim de:
Definir o campo de pesquisa – universidade pública federal em Recife que
atuasse na perspectiva de formação de professores de ciências biológicas com
EA crítico-humanizadora;
Identificar os professores universitários do campo de pesquisa que adotassem a
prática da EA crítico-humanizadora no curso de licenciatura em ciências
biológicas.
Primeiramente, analisamos os documentos institucionais que nos indicassem a
possibilidade de encontrarmos abordagens socioambientais nos perfis de formação adotados
pelas duas universidades públicas federais de Pernambuco. Para a escolha dos documentos,
seguimos a regra da pertinência, e, neste contexto, fizemos a análise de conteúdo do Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI) e do Projeto Político Pedagógico Institucional (PPPI) da
UFPE e da UFRPE.
Para isso, seguimos as orientações de Bardin (1977) em relação ao desenvolvimento
de uma análise. Então, organizamo-la em três fases: a pré-análise; a exploração do material e
o tratamento dos resultados; inferência e interpretação. Na primeira, efetuamos a leitura
flutuante, “deixando-nos invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 1977, p. 122).
Após o preparo do material, procedemos à sua exploração e ao posterior tratamento
dos resultados e interpretação. Na fase de tratamento e interpretação dos dados, optamos pela
análise temática - o tema foi utilizado como unidade de registro. Com o intuito de perceber o
contexto, recorremos a partes maiores do texto, ou seja, a parágrafos dos documentos, que
permitissem a compreensão do tema.
Além da análise dos documentos, encontrada no item 4.1.1, aplicamos questionários
aos licenciandos de último período das duas instituições (38 estudantes da UFPE e 34 da
UFRPE) no mês de outubro de 2010 (apêndice A). Desse modo, para delimitar o campo de
estudo, recorremos a dois critérios primordiais: haver a indicação em documentos oficiais de
que a formação de professores agregasse valores e atitudes em EA e haver a indicação (por
99
parte de licenciandos) de professores que tivessem quefazer com EA crítico-humanizadora no
curso de licenciatura em ciências biológicas.
Os licenciandos constituíram as flores do estudo, como explicado na introdução da
tese, e indicaram os atores da pesquisa, bem como outros dados pertinentes à formação que
recebem nos cursos de licenciatura em ciências biológicas dos quais fazem parte.
Selecionamo-los tendo por critérios: estar no último período e ter disponibilidade e desejo de
colaborar com a pesquisa. Os dados desvelados pelas flores podem ser conferidos no item
4.1.2.
Esquematizamos na figura 11, os ciclos do caminho etnometodológico da presente
tese. Na mesma é possível verificar que os pressupostos teórico-metodológicos indicaram a
necessária pesquisa exploratória que nutriu o trabalho de campo de forma significativa
propiciando o mergulho no campo da investigação com confiança.
Seguindo a ideia de ciclos do caminho etnometodológico, o conhecimento produzido
na fase exploratória esteve todo o tempo latente no conhecimento construído no trabalho de
campo. Ademais, podemos considerar que a pesquisa nutriente da pesquisa permitiu pôr-nos a
caminho do desvelar do objeto de pesquisa, constituindo-se porto seguro.
Pressupostos teórico-metodológicos indicaram
estudo dos
documentos
estudo através de
questionários a licenciandos
campo de estudo:
UFPE e UFRPE professores da educação
superior com quefazer da EA
crítico-humanizadora
indicaram indicaram
PP
mergulho no campo
pesquisas nutriram pesquisa para
prática docente da EA crítico-humanizadora na
formação inicial de professores de biologia
(objeto)
100
Figura 11
Ciclos do caminho etnometodológico
4.1.1 Pesquisa nutriente da pesquisa: documentos desvelam caminhos para a colheita
A análise do PDI e do PPI da UFPE e da UFRPE representou os primeiros cuidados
para a colheita, pois foram estes que nos indicaram a presença de indícios de encontrarmos a
EA crítico-humanizadora nas IES e a consequente busca por flores e folhas.
Os conceitos de observação direta que direcionaram nosso olhar nesta fase de análise
foram: relação teoria-prática, relação educação-sociedade, relação ensino-pesquisa, relação
professor-aluno, relação sujeito-mundo, interdisciplinaridade e concepção de educação e de
EA. Contudo, nossa leitura buscou primeiramente identificar se as instituições traziam, nos
documentos que as regem, indícios de preocupação e atuação com a EA crítico-
humanizadora. Neste sentido, buscamos também compreender a concepção de conhecimento,
de universidade e de ser humano em ambas as IES. Optamos por apresentar a análise do PDI e
do PPPI da UFPE e, posteriormente, do PDI e do PPPI da UFRPE para facilitar a
compreensão de cada IES acerca da EA.
No PDI da UFPE encontramos que a missão da IES é promover ambiente adequado
“ao desenvolvimento de pessoas e à construção de conhecimentos e competências que
contribuam para a sustentabilidade da sociedade, através do ensino, pesquisa, extensão e
gestão” (UFPE, 2009, p. 17). Assim, identificamos elo indispensável entre educação,
sustentabilidade e sociedade, o que indica consciência ética local na formação de humanos.
Na missão da referida IES há um silenciar em relação à EA, porém, na parte referente
à responsabilidade social da mesma encontramos que o seu papel é de “indutora, alavancadora
e difusora do desenvolvimento econômico, social e ambiental” (Ibidem, p. 17). Além disso, a
IES, ao delinear o perfil de seus egressos, nos diz que objetiva proporcionar aos mesmos:
conduta pautada pela ética e preocupação com as questões sociais e ambientais, competência
para a atuação profissional com respeito pelo meio ambiente, capacidade de atuar de forma
crítica, autônoma e criativa, trabalho integrado e contributivo em equipes transdisciplinares,
dentre outras coisas.
Deste modo, percebemos a preocupação na formação de profissionais atentos ao social
e ao ambiental, com valores éticos que se reflitam nas atitudes e ações respeitosas tomadas a
partir de um pensar crítico, que pode ser fruto de trabalho no qual haja a valorização dos
diferentes conhecimentos construídos ao longo das diferentes formações de profissionais de
101
campos diferentes. As teias tecidas por estes diferentes profissionais permitem entender a
problemática socioambiental de modo complexo.
No PPPI da UFPE encontramos reformulações na missão da IES, pois lá é apontado
que a UFPE tem como missão a produção e a disseminação do conhecimento contribuindo na
formação profissional para a apropriação de tecnologias e inovação de instrumentos, de
produtos e processos, de pesquisa básica para o desenvolvimento sustentável
[...] transformando o conhecimento acadêmico em possibilidades de
desenvolvimento humano e sócio profissional, com o compromisso social de
melhorar a vida na sociedade, agregando na democratização de oportunidades os
valores da liberdade, da responsabilidade e cooperação comunitária, do respeito à
diversidade, do sentido de justiça, da honestidade e da ética (Ibidem, p. 4 - grifos
nossos).
Ainda neste documento há explícito que a UFPE está “preocupada com a qualidade de
vida no planeta Terra, de modo geral, e com a qualidade social da população da região
Nordeste do Brasil em particular” (Ibidem, p. 10), fato este que evidencia o olhar para o
planetário e o local, que indica o desenvolvimento sustentável como possibilidade de
melhores condições de vida no Nordeste e no mundo.
Na missão da UFPE encontramos o respeito e a ética como valor a serviço da vida na
sociedade e a pesquisa associada ao ensino em prol do desenvolvimento sustentável,
desenvolvimento este que, para ser sustentável, convém atender a todas as classes e, assim,
fazer com que a universidade realmente diminua a distância entre o que se faz nela e as
classes populares, como nos adverte Freire (2003) ao referir-se ao papel desta instituição.
Ainda no PPPI da UFPE há a opção desta em ser entendida como “academia de
formação de novos profissionais, qualificados para a atuação a favor da humanização”
(Ibidem, p. 14 - grifo nosso) e “instância de discussão das grandes temáticas que afligem a
sociedade e a vida cotidiana” (Ibidem, p. 15). A temática socioambiental, com certeza, aflige a
sociedade e a vida cotidiana no Nordeste, no Brasil e no mundo. As mudanças climáticas têm
provocado catástrofes socioambientais que atingem, com maior intensidade, as classes menos
favorecidas, como discutido neste trabalho.
Mas o que nos chama a atenção de forma especial no documento da UFPE é a
humanização trazida como preocupação na formação do profissional, a preocupação em
formar profissionais que contribuam no reconhecimento de nossa vocação ontológica de ser
mais. Pensa-se assim em uma educação que “[...] ao invés de reforçar os mitos com os quais
se pretende manter o homem desumanizado, esforça-se no sentido da desocultação da
realidade” (FREIRE, 2000c, p. 12), possibilitando ao homem transformar a realidade. Neste
102
sentido, acreditamos que o caminho para formar profissionais qualificados para atuar a favor
da humanização envolve propiciar-lhes formação profissional de forma humanizada, pois se
faz necessária a coerência entre discurso e prática.
Dando prosseguimento à análise do PPPI encontramos, na delimitação da dimensão
institucional da UFPE, um item intitulado “A Universidade e o desenvolvimento sustentável”.
Entretanto, este item reduz-se à citação de conferências, documentos produzidos nas mesmas
e leis que justificam a importância das universidades inserirem a EA nas mesmas.
No PPPI consta que o documento construído sob a orientação da UNESCO sobre as
estratégias desenvolvidas por alguns países por estarmos na Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) serviram como “base no qual a UFPE nivela-se
àquelas universidades que protagonizam a mudança rumo ao Desenvolvimento Sustentável,
como ocorre em vários países” (UFPE, 2010a, p. 27).
No item que se refere ao currículo e aos processos de ensino e aprendizagem
encontramos que a EA, assim como direitos humanos, sociologia, empreendedorismo e
projetos de extensão serão incluídos como componentes curriculares em todos os cursos da
UFPE. Contudo, não há reflexões sobre como e quando a UFPE vai adotar medidas para
inserir a EA nos cursos de formação inicial e continuada e como a IES vai vivenciar a EA
também na pesquisa, na extensão e na própria vida acadêmica cotidiana.
Destacamos também que a inserção da EA como componente curricular em cursos de
formação inicial não é recomendada pela PNEA e, como encontrado na pesquisa de Coutinho
(2007), trazida nesse trabalho, não é garantia de real preparo profissional para a atuação com a
EA, principalmente no caso da formação de professores, pois neste caso é preciso
conhecimento específico e pedagógico da EA.
O PDI da UFRPE anuncia que a mesma está voltada para a busca do conhecimento
científico e para a inovação tecnológica, atendendo aos anseios postos pela sociedade. No
cumprimento desta missão, a UFRPE “tem como visão desenvolver políticas educacionais
[...] e proporcionar através da responsabilidade social o desenvolvimento sustentável e o
empreendedorismo” (UFRPE, 2006, p. 24).
Esta responsabilidade social com o desenvolvimento sustentável e o
empreendedorismo podem advir da própria origem da UFRPE, pois se trata de uma IES que
teve, desde os primórdios de sua criação, uma preocupação com a atuação no setor
agroecológico e agroindustrial voltada para o fortalecimento do segmento rural.
Assim, percebemos no PDI que os profissionais egressos da UFRPE levavam e levam
inovação às áreas rurais, mas respeitando o meio ambiente, motivados pelas próprias
103
oportunidades advindas do ambiente externo à universidade, dentre eles o desenvolvimento de
trabalhos na área ambiental. Reforçando esta nossa percepção, destacamos que no PDI a
“importância histórica da instituição para o contexto social, econômico, político e ambiental
de Pernambuco e do Nordeste do Brasil” (Ibidem, p. 34) é citada como um dos pontos fortes
da UFRPE.
Em relação a objetivos futuros da UFRPE na área ambiental encontramos que a
mesma pretende “conceber e implementar uma política de Desenvolvimento para a
Responsabilidade Social e a Gestão Ambiental” (Ibidem, p. 37), sendo que, um dos objetivos
desta política é fazer com que a UFRPE se consolide como uma instituição caracterizada por
uma visão socioambiental permanente, contribuindo para a consolidação de ações inovadoras
no desenvolvimento regional.
Este reconhecimento dos pontos fortes da instituição e também daqueles a serem
melhorados contribui para a visão de uma universidade se fazendo no diálogo com a
sociedade e com as demandas que dela emergem. A demanda de formação de profissionais
engajados com problemas socioambientais é uma delas.
Além do PDI apontar tal política, indica também estratégias para que a mesma seja
implementada. Algumas delas são: ampliar o grau de reciclagem dos resíduos sólidos nos
campi, melhorar a eficiência no consumo da energia elétrica e articular soluções para o uso de
fontes alternativas de energia nos campi. Estas estratégias mostram que há interesse da
instituição em vivenciar mudanças efetivas na vida acadêmica, é a coerência tão citada por
Paulo Freire em várias de suas obras. Há que haver coerência entre o que a universidade
oferece na formação e o que pratica no seu cotidiano.
Porém, encontramos uma estratégia no PDI que nos leva a pensar que a EA possa estar
sendo compreendida como sinônimo de ecologia. A mesma diz o seguinte: “oferecer cursos
de capacitação de professores [...] dentro de uma visão ecológica e conservacionista” (Ibidem,
p. 55). Pensamos que o objetivo maior destes cursos deveria ser o de superar a abordagem de
temas ecológicos na formação de professores, como aponta Loureiro (2004).
O PPPI da UFRPE esclarece que a mesma não mais objetiva unicamente o
desenvolvimento agrícola, mas atender às demandas da sociedade a partir da formação de
profissionais de outras áreas. Desta forma, a UFRPE está “contribuindo na redução das
desigualdades sociais e compatibilizando crescimento sustentável com justiça social” (Ibidem,
p. 10 - grifo nosso). Tal proposta formativa assemelha-se ao que Quintas (2004) sugere como
EA transformadora e emancipatória.
104
O desenvolvimento sustentável está presente também na própria concepção de
educação trazida no documento, pois a mesma é vista como “processo articulador/mediador,
indispensável a todas as propostas de desenvolvimento sustentável, em médio e longo prazo”
(Ibidem, p. 11).
Esta concepção de educação pode ser também percebida quando a universidade define
a política de pesquisa da mesma. Encontramos no PPPI que “para que a pesquisa cumpra seu
papel no desenvolvimento social sustentável e responsável, ela não pode estar dissociada das
atividades de ensino e de extensão” (Ibidem, p. 16).
Estes dados apreendidos no PPPI da UFRPE mostram-nos que a mesma apresenta
preocupação com o desenvolvimento sustentável que extrapola os limites do campo
ambiental. Por este motivo, encontramos referência no documento ao desenvolvimento social;
ambiente e sociedade não podem ser dissociados, pois, como aponta Capra (2002), os
impactos são sempre socioambientais.
No referido projeto institucional, percebemos também o envolvimento da instituição
na formação humana baseada na construção de atitudes e valores “para a mudança e para a
atuação solidária” (UFRPE, 2008a, p. 10) do profissional. A responsabilidade, o compromisso
e a solidariedade social são trazidos como princípios metodológicos que norteiam o processo
de ensino-aprendizagem.
É destacada no documento a formação de profissionais críticos, criativos e reflexivos
que se educam ao longo da vida. Esta educação “organiza-se em torno de quatro
aprendizagens fundamentais, que constituem os pilares do conhecimento” (Ibidem, p. 15).
Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, que são os
pilares básicos destacados por Delors (2003) para a educação do futuro e que foram por nós
destacados neste trabalho como indicadores de uma EA crítico-humanizadora, ganham
destaque na política de ensino da UFRPE.
Nesta primeira parte de análise constatamos que ambas as instituições apresentam em
seus documentos indícios de que o trabalho realizado nas mesmas com a formação de
profissionais envolve preocupação com a sustentabilidade socioambiental. Há indícios
também de preocupação com a formação profissional e humana, contribuindo na
humanização e na tomada de consciência crítica por parte dos sujeitos.
Na fase de categorização da análise documental, emergiram as seguintes categorias
que constituem verdadeiros núcleos de sentido para melhor compreender se as IES estudadas
trabalham na perspectiva de uma práxis com EA crítico-humanizadora: concepção de
educação, concepção de conhecimento, concepção de universidade, concepção de ser
105
humano, perfil do egresso, relação teoria-prática, relação ensino-pesquisa e
interdisciplinaridade. Apresentamos na figura 12 o mapeamento que fizemos dos documentos.
CATEGORIAS UFPE UFRPE
Concepção de
educação
- educação para formação humana e
profissional.
- educação para intervenção social.
- educação para formação humana e
profissional.
- educação para intervenção social.
Concepção de
conhecimento
- conhecimento avança através da pesquisa.
- conhecimento se transforma em
possibilidades de desenvolvimento.
- conhecimento alicerçado em quatro
pilares.
- conhecimento como atividade humana
e processualmente construído.
Concepção de
universidade
- local de compromisso social que:
constrói a cidadania e a convivência
cidadã.
inclui.
contribui na modernização econômica e
no desenvolvimento sustentável.
é lócus de produção do conhecimento.
- local de compromisso social que:
contribui para o pleno
desenvolvimento do estudante.
potencializa a formação humana e
profissional.
potencializa o mercado.
é lócus de produção de
conhecimento.
Concepção de ser
humano
- homem como ser social crítico e reflexivo.
- homem como maior patrimônio da IES.
- homem como ser social crítico e
transformador.
- homem como ser global.
Perfil do egresso - egresso que tem conduta pautada pela ética
e preocupação com as questões sociais e
ambientais.
- egresso que respeita o meio ambiente.
- egresso que trabalha em equipes
transdisciplinares.
- egresso que atua de forma crítica,
autônoma e criativa.
- egresso que atua a favor da humanização.
- egresso que atua em prol do
desenvolvimento social, cultural,
econômico e ambiental.
- egresso com sólida base de
conhecimento teórico, científico e
humano.
- egresso com formação ética que
explicita valores e atitudes por meio de
atividades que desenvolvam a vida
coletiva, a solidariedade e o respeito às
diferenças.
- egresso que atua de forma crítica e
autônoma.
Relação teoria-
prática
- buscada no PIBID e na formação de
professores.
- promovida na formação profissional.
- pauta a política de ensino.
Relação ensino-
pesquisa
- contribui ao desenvolvimento cultural,
social e econômico.
- contribui para a formação de
profissionais aptos a propor soluções.
106
- dicotomização. - indispensável ao desenvolvimento
sustentável.
Interdisciplina-
ridade
- permite que se articule teoria e prática.
- há programa de extensão de natureza
interdisciplinar.
- necessita fortalecimento.
- valor adotado no cumprimento da
missão da IES.
- princípio metodológico que norteia o
processo ensino-aprendizagem.
- necessita fortalecimento.
Figura 12
Mapeamento documental.
A concepção de educação refere-se à compreensão das duas universidades quanto ao
papel desenvolvido pela educação para os sujeitos e para a sociedade. Os documentos das
duas instituições ressaltam a função da educação para a melhoria da sociedade e para o
desenvolvimento sustentável, ou seja, a educação é primordial na intervenção social. O PDI
da UFPE destaca que a contribuição ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da
sociedade deve ser preservada, consolidada e ampliada na educação superior.
O referido documento destaca também que a educação desempenha “papel na
identificação e no encaminhamento de soluções de questões que influem na qualidade de vida
das comunidades, nações e sociedade global” (UFPE, 2009, p. 10), o que reforça a concepção
da educação como promotora de intervenção social.
Desta forma, os documentos analisados destacam a educação como prioridade à
intervenção no mundo, o que vem ao encontro do pensamento freireano, pois, segundo o
autor, saúde e educação são prioridades de uma nação inteira (FREIRE, 1987). Mas, nesta
formação de sujeitos para intervir no mundo, os documentos destacam uma educação que
precisa ser profissional e humana.
Priorizam-se em ambas as IES “a formação de profissionais altamente qualificados”
(UFPE, 2009, p. 10) que tenham “conhecimento dinâmico do mundo, dos outros e de si
mesmos” (UFRPE, 2008a, p. 15). E, neste contexto, encontramos mais uma vez acolhida no
pensamento de Freire (2002), segundo o qual a educação, por ser especificamente humana, é
uma forma de intervenção no mundo.
A concepção de conhecimento revela a compreensão das IES estudadas quanto ao
conhecimento construído nas mesmas. No PDI da UFPE percebemos que o conhecimento
avança “através da pesquisa em ciência, artes e humanidades e a disseminação dos seus
resultados” (p. 10). Este conhecimento acadêmico se transforma em “possibilidades de
107
desenvolvimento humano e sócio profissional, com o compromisso social de melhorar a vida
na sociedade [...]” (UFPE, 2010a, p. 4).
A pesquisa, vista como mola mestra para o avanço e construção do conhecimento,
precisa ter seus resultados socializados, empregados em prol da sociedade e da própria prática
do professor universitário. Freire (2002), ao referir-se a sua prática docente enquanto
professor em um curso de formação de professores nos diz que não pode esgotá-la
discursando sobre a teoria da não extensão do conhecimento, mas sim, “ao falar da construção
do conhecimento, criticando sua extensão” (p. 53) já deve estar inserido nesta construção e
nela estar envolvendo os alunos.
O PPPI da UFRPE ressalta que a educação, que deve ocorrer ao longo da vida,
“organiza-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais, que constituem os pilares do
conhecimento” (2008a, p. 15). O documento esclarece que aprender a conhecer significa o
aprendizado dos métodos que auxiliam na distinção do real e do ilusório, sendo assim, “o
acesso aos saberes de nossa época” (Ibidem, p. 15). Aprender a fazer é compreendido como
“um aprendizado da criatividade [...] do criar algo novo” (Ibidem, p. 15).
Aprender a viver juntos significa ir além da simples tolerância ao outro, implicando o
respeito às normas “que regulamentam as relações entre os seres que compõem uma
coletividade” (Ibidem, p. 15). Aprender a ser significa descobrir os próprios
condicionamentos e “a harmonia ou desarmonia entre a vida individual e social” (Ibidem, p.
15). O referido documento também explicita que o conhecimento é “atividade humana e
processualmente construído na produção da vida material” (Ibidem, p. 16).
Percebemos que o ser humano é visto como ser construtor de conhecimento, como ser
que, movido pela curiosidade, busca saber, constrói e transforma. Lembrando que “o saber se
faz através de uma superação constante [...] todo saber humano tem em si o testemunho do
novo saber que já anuncia” (FREIRE, 1983, p. 28).
A concepção de universidade trata do papel desenvolvido por estas instituições de
educação superior. Nos documentos de ambas as IES identificamos fortes argumentos que
indicam o compromisso social desempenhado pelas mesmas que se desdobram em outros.
Nos documentos da UFPE os desdobramentos encontrados são: a universidade como
construtora da cidadania e da convivência cidadã; a universidade que inclui por ampliar “as
possibilidades para a demanda retraída de alunos do interior do estado egressos do ensino
médio” (UFPE, 2009, p. 15), por reduzir “a evasão e retenção escolar” (Ibidem) e outros; a
universidade contribui “para a modernização econômica e o desenvolvimento sustentável dos
108
municípios do estado de Pernambuco” (Ibidem, p. 16) e que difunde o conhecimento
produzido; e a universidade como “lócus de produção do conhecimento” (Idem, 2010a, p. 8).
Nos documentos da UFRPE destacamos os seguintes desdobramentos da concepção de
universidade como local de compromisso social: a universidade que contribui “para o pleno
desenvolvimento do estudante, seu preparo para a cidadania e sua formação profissional”
(UFRPE, 2008a, p. 14); a universidade que interage com a sociedade “reafirmando o seu
compromisso como potencializadora da formação humana e profissional” (Ibidem, p. 15); a
universidade que possibilita o crescimento de uma região “potencializando o mercado” (Idem,
2006, p. 8); e a universidade que, credencia-se junto à sociedade “como espaço privilegiado
de produção de conhecimento prático e científico significativo para a superação das
desigualdades sociais existentes” (Ibidem, p. 7). A inclusão é uma temática silenciada nos
documentos desta IES, pois não há referência explícita às políticas inclusivas, porém
verificamos que a mesma tem a concepção de uma universidade que inclui a partir da
ampliação das “oportunidades de acesso à educação a uma clientela menos favorecida”
(Ibidem, 2006, p. 16) através da interiorização e da criação de cursos de Educação à Distância.
Todas estas concepções de universidade levam-nos a perceber que as duas IES
preocupam-se em garantir a proximidade da realidade social, o que pode significar um
redimensionamento da universidade pública. A universidade parece não estar mais
exclusivamente centrada na produção científica, mas sim se inserindo nas demandas da
sociedade e desempenhando importante papel no desenvolvimento social, político, econômico
e ambiental do país, o que indica que a mesma está diminuindo a distância entre o que se faz
nela e as classes populares, que é uma preocupação expressa por Freire (2003) e por Chauí
(2003) em relação ao papel desta instituição.
A categoria concepção de ser humano diz respeito às diferentes ideias presentes nos
documentos institucionais acerca deste ser que está na e com as IES. O PPPI da UFPE revela
a concepção de seres humanos como sujeitos sociais críticos e reflexivos que precisam ser
formados na IES a partir do cuidado com a “dimensão ética e política na formação
profissional” (UFPE, 2010a, p. 9), o que revela ao mesmo tempo a concepção de egresso. Já
no PDI, na parte referente ao histórico da UFPE, encontramos que em meio às várias
conquistas alcançadas pela IES, “o seu grande patrimônio, entretanto, são as pessoas [...]
todos eles responsáveis por esta evolução e incremento institucional” (Idem, 2009, p. 15). As
pessoas as quais o documento se refere são explicitadas no mesmo como sendo: os
professores efetivos, os alunos de graduação e de pós-graduação e os técnico-administrativos.
109
O homem como ser social crítico e transformador é a concepção encontrada no PPPI
da UFRPE, um ser “capaz de interferir construtivamente na sociedade para transformá-la”
(UFRPE, 2008a, p. 11). O homem é também visto como um ser global nos fundamentos que
pautaram a identificação das bases de sustentação da política de graduação da IES,
“considerando o estudante como ser global” (Ibidem, p. 12).
O homem como ser crítico, que foi uma concepção encontrada em ambas as
instituições, reflete sobre si mesmo e sobre as atividades que realiza no e com o mundo. Freire
(1992, p. 31) nos diz que o homem consegue afastar-se do mundo “para ficar nele e com ele.
Somente o homem é capaz de realizar esta operação, de que resulta sua inserção crítica na
realidade”. O homem encarado como patrimônio maior que alavanca melhorias é um homem
que transforma. Assim, o homem é visto como ser transformador em ambas as IES, “[...] um
ser do trabalho e da transformação do mundo” (Ibidem, p. 28).
O homem visto como ser global convida-nos a perceber que a plenitude se expressa na
integralidade das dimensões básicas e temáticas que fazem parte do humano, como destaca
Röhr (2006). No texto do autor podemos verificar as dimensões básicas humanas organizadas
pela densidade material que as mesmas assumem. Essa organização seria então (da área mais
densa para a mais sutil): dimensão física, dimensão sensorial, dimensão emocional, dimensão
mental e dimensão espiritual.
Refletindo sobre os movimentos que se dão nessas dimensões do ser humano,
compreendemos que o efeito é mais rápido no sentido área mais densa para área mais sutil
(exemplo: da dimensão física para a emocional). Por outro lado, o efeito é mais lento da área
mais sutil para a mais densa (exemplo: da dimensão emocional para a sensorial). Frente ao
exposto, torna-se nítido que precisamos considerar esse duplo movimento no ser humano e
considerar que há dois processos envolvidos nessas dimensões básicas: o de hominização,
aqui compreendido como o amadurecimento natural das dimensões; e o de humanização,
compreendido como o desenvolver das dimensões mais sutis para que essas atuem nas
dimensões mais densas do ser humano.
As dimensões temáticas (político-econômica, étnica, ecológica e outras) perpassam
todas as dimensões básicas e constituem tarefas educacionais específicas, “trata-se do lugar
sistemático das chamadas didáticas de conteúdos específicos” (RÖHR, 2006, p. 15). A
importância da tarefa educacional estaria então em reconhecer essas dimensões temáticas e
redirecioná-las, e, optando por uma delas, jamais perder de vista as outras.
O perfil do egresso corresponde ao perfil delineado pelas universidades estudadas para
os estudantes que concluam os cursos de graduação nas mesmas. Em ambas as IES
110
identificamos o perfil de profissionais que atuam em prol de uma EA crítico-humanizadora,
tal como a concebemos neste trabalho, o que significa que em ambas temos a possibilidade de
encontrar professores universitários que tenham a práxis com EA crítico-humanizadora.
No PDI da UFPE temos que o ensino de graduação da UFPE “deve possibilitar a
conquista de instrumentos para a autonomia profissional, técnica e ética, e para a prática da
cidadania” (UFPE, 2009, p. 21). Assim, a IES objetiva proporcionar aos seus egressos:
“conduta pautada pela ética e preocupação com as questões sociais e ambientais” (Ibidem, p.
21), atuação que respeite o meio ambiente, trabalho em equipes transdisciplinares,
“capacidade de atuar de forma crítica, autônoma e criativa” (Ibidem) e qualificação “para a
atuação a favor da humanização” (Idem, 2010a, p. 14).
Na UFRPE o perfil do egresso é de um profissional capaz de “atuar em prol do
desenvolvimento social, cultural e econômico sustentado, com a interação de conteúdos com
aspectos inerentes às questões sociais, jurídicas e ambientais exigidas no mundo atual”
(UFRPE, 2008a, p. 11).
Além disso, o egresso tem “sólida base de conhecimento teórico, científico e
humano” (UFRPE, 2008a, p. 10), formação ética que explicita valores e atitudes por meio “de
atividades que desenvolvam a vida coletiva, a solidariedade e o respeito às diferenças
culturalmente contextualizadas” (Ibidem, p. 11) e “espírito crítico e a autonomia intelectual’’
para que possa “contribuir para o atendimento das necessidades sociais” (Ibidem, p. 13).
A categoria relação teoria-prática evidencia como as duas universidades concebem
esta relação e, a este respeito, concordamos com Cunha (2005, p. 81) que tratar da relação que
se estabelece entre teoria e prática é tratar das formas de conceber como se constrói o
conhecimento: “a concepção dicotômica que compartimentaliza o conhecimento e trata-o de
forma estática; e outra, de sentido dinâmico, que articula dialeticamente ação (prática) e
reflexão (teoria)”.
Nos documentos da UFPE analisados constatamos um silenciar quanto à relação
teoria-prática. Esta não aparece de forma explícita nas políticas de ensino, de pesquisa e de
extensão, nem nas concepções institucionais. Porém, encontramos no PDI da IES que a
mesma “aderiu ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID”
(UFPE, 2009, p. 19), o que é destacado neste documento como ação social de “fortalecimento
da educação básica” (Ibidem). Compreendemos que este programa fortalece sim a educação
básica, mas também representa importante possibilidade de iniciação à docência aos
licenciandos dos cursos de “física, matemática, biologia, ciências e química” (Ibidem) e, nesta
111
perspectiva, inferimos que representa oportunidade ímpar de unidade teoria-prática na
formação inicial de professores.
No PPPI da UFRPE encontramos que a relação teoria-prática está presente na
formação dos profissionais que serão capazes de atuar “em diferentes níveis, e de integrar
criticamente conhecimentos teóricos, práticos e realidade sócio-econômica, cultural e
política” (UFRPE, 2008a, p. 13). Na parte do documento que se refere à política de ensino
identificamos que a mesma está pautada em várias diretrizes, dentre elas: o “fortalecimento da
articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como
os estágios, as atividades complementares e a participação em atividades de extensão”
(Ibidem, p. 15). Destacamos que o PIBID é também um programa que funciona na UFRPE,
representando mais um indício da unidade teoria-prática nas ações da universidade na
formação de professores. Entretanto, este programa teve início no ano de 2009 e os
documentos que regem a IES e que foram analisados neste estudo exploratório datam de 2008
(PPPI) e 2006 (PDI), o que leva-nos a compreender o silenciar de ambos os documentos em
relação ao mesmo.
A relação ensino-pesquisa revela como as universidades entendem a relação que se
estabelece entre estes dois pilares que, juntamente com a extensão, representam o tripé que
sustenta as universidades brasileiras. Nessa concepção é que a pesquisa é necessidade
formativa dos professores de biologia, em concordância com Leite (2004), e destacamos que a
consideramos igualmente necessária à formação de todos os profissionais.
As referências institucionais presentes no PDI da UFPE desvelam que a relação
ensino-pesquisa na universidade contribui para o desenvolvimento cultural, social e
econômico das sociedades a partir do conhecimento que é produzido e disseminado pela
pesquisa. Contudo, encontramos no documento que há dicotomização entre ensino e pesquisa,
pois no mesmo consta que
Embora a extensão na UFPE tenha nos últimos anos avançado na perspectiva de
consolidar uma concepção e uma prática de efetiva integração entre o ensino e a
pesquisa, as ações desenvolvidas pela comunidade acadêmica ainda refletem a
dicotomia, fruto de uma cultura fragmentada (UFPE, 2009, p. 14).
Esta cultura fragmentada que dicotomiza ensino e pesquisa não contribui para a
formação de profissionais que precisam integrar-se a uma sociedade com problemas
complexos como os socioambientais e que precisam buscar soluções para os mesmos. Ensino
e pesquisa em diálogo constante tornam a formação do futuro profissional mais consistente e
112
prazerosa. Como nos lembra Cunha (2005, p. 88) “aprender é aprender a criar e o que faz da
aprendizagem algo criativo é a pesquisa”.
A relação ensino-pesquisa é evidenciada no PPPI da UFRPE ao abordar a política de
pesquisa desta IES. A base desta política é “o fortalecimento do desenvolvimento da pesquisa
como apoio necessário à qualificação do ensino” (UFRPE, 2008a, p. 16). A relação ensino-
pesquisa contribui para a formação de profissionais aptos a propor soluções “alternativas e
criativas face às transformações sociais” (Ibidem), desenvolvendo nos estudantes várias
habilidades como a percepção crítica da realidade e a “reflexão de caráter interdisciplinar”
(Ibidem).
A pesquisa é compreendida neste documento como aquela que se reverte em
benefícios para a IES ao promover o ensino, e para a comunidade em geral, ao promover a
extensão. Segundo o documento, “para que a pesquisa cumpra seu papel no desenvolvimento
social sustentável e responsável, ela não pode estar dissociada das atividades de ensino e de
extensão” (Ibidem, p. 16). Deste modo, inferimos que ensino, pesquisa e extensão contribuem
para que a universidade cumpra seu papel social e se insira nas demandas que imanam na
sociedade local, regional e global.
A categoria interdisciplinaridade retrata as preocupações institucionais em adotar um
paradigma de ciência que rompa com barreiras e limites impostos pelas diferentes áreas do
conhecimento. Como afirma Cunha (2005), a realidade é interdisciplinar por natureza, já a
“disciplinaridade decorre de uma visão de mundo, de ciência e de controle da distribuição do
conhecimento” (p. 95).
No PPPI da UFPE verificamos que há programa de extensão de natureza
interdisciplinar na mesma cuja “ação interdisciplinar permite que se articule teoria e prática e
se congreguem áreas afins” (UFPE, 2010a, p. 10). Porém, não há registro de
interdisciplinaridade nas políticas de ensino, nem nas de pesquisa, o que nos fez inferir que
esta é uma categoria que necessita fortalecimento na IES. Outro indício que nos levou a esta
compreensão é que,
Mesmo nos cursos em que há uma tentativa estruturada de articulação
interdisciplinar mais estreita entre teoria e prática, evidencia-se que os ensaios ainda
são embrionários. Um exemplo concreto dessa situação ocorre no curso de
Pedagogia, em que a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica propõe essa inter-
relação, mas é vista pelos estudantes como também engessando a formação, na
medida em que a pesquisa na prática não permite a troca com o professor, após a
observação em sala de aula (Idem, 2010a, p. 44).
113
Neste sentido, os professores da educação básica que participam de pesquisa através
do preenchimento de questionários, da concessão de entrevistas ou do fato de serem
observados pelos licenciandos não têm retorno algum, retorno este que poderia “contribuir no
trabalho deles, mas a organização da disciplina impede essa interação” (Ibidem, p. 44).
Ao analisarmos a interdisciplinaridade e constatarmos que a mesma é ainda uma
lacuna na formação profissional, automaticamente nos remetemos ao perfil do egresso
proposto pela IES e discutido anteriormente. Este é o do profissional que atua em equipes
transdisciplinares, entretanto, percebemos aí um descompasso, pois, para que o profissional
atue transdisciplinarmente, é importante que o mesmo vivencie a transdisciplinaridade em sua
formação. Como a IES revela em seus documentos que a interdisciplinaridade ainda necessita
ser fortalecida, percebemos um descompasso entre a realidade da IES e o perfil do egresso.
No PDI da UFRPE são definidos valores no cumprimento da sua missão, um deles é o
de “investir na formação acadêmica interdisciplinar dos discentes” (UFRPE, 2006, p. 25). Já o
PPPI da universidade traz a interdisciplinaridade como um dos princípios metodológicos que
norteiam o processo ensino-aprendizagem, juntamente com: a formação profissional para a
cidadania, o estímulo à autonomia intelectual, a responsabilidade, o compromisso, a
solidariedade social e a diversificação dos cenários de ensino-aprendizagem.
A interdisciplinaridade é concebida como princípio metodológico porque “possibilita a
análise dos objetos de estudo sob diversos olhares, constituindo-se questionamentos
permanentes que permitam a (re) criação do conhecimento” (Ibidem, p. 13). Contudo, a
interdisciplinaridade não consta no perfil do egresso da IES e, assim como na UFPE,
inferimos que a mesma necessita também de fortalecimento na UFRPE. Acreditamos que a
própria UFRPE assim o reconheça já que a traz como ponto fraco da IES.
No PDI da UFRPE é esclarecido que pontos fracos “são fatores do ambiente interno
que podem constituir-se em obstáculos para a organização” (Ibidem, p. 35). Um dos pontos
fracos citados é a “rede de parcerias internas ainda pequena, com pequeno número de projetos
interdisciplinares” (Ibidem, p. 35 - grifos nossos). No mesmo documento encontramos a
interdisciplinaridade proposta como estratégia de reestruturação da graduação nos seguintes
termos: “promover projetos de ensino e pesquisa dentro de uma visão interdisciplinar cujas
áreas e disciplinas afins compartilhem objetivos comuns, realizando inclusive práticas de
campo e de laboratório em conjunto” (Ibidem, p. 45).
Em síntese, a análise dos documentos oficiais das duas IES apontou que podemos
encontrar prática docente com EA crítico-humanizadora nos cursos de graduação das mesmas,
haja vista as categorias que elencamos e discutimos nesta parte de nosso estudo exploratório.
114
Todavia, para realmente definirmos nosso campo de estudo e professores universitários que
foram nossos atores de pesquisa, ouvimos também os licenciandos de último período do curso
de licenciatura em ciências biológicas de ambas das IES.
4.1.2 Pesquisa nutriente da pesquisa: flores desvelam caminhos para a colheita
Participaram desta pesquisa base 38 licenciandos de oitavo período da UFPE e 34
licenciandos do oitavo período da UFRPE, todos estudantes do curso de licenciatura em
ciências biológicas. Os questionários foram aplicados nas salas de aula das duas IES, pois o
momento de aula em componentes curriculares obrigatórios foi o mais propício ao encontro
dos licenciandos. As questões presentes no questionário aplicado podem ser conferidas no
apêndice A do presente trabalho.
4.1.2.1 Concepções de educação ambiental
Conhecer as concepções de EA ajuda-nos a identificar o que foi construído pelos
licenciandos ao longo do curso de graduação em relação à EA. Neste sentido, identificamos
uma variedade de concepções nas duas IES, o que nos permite inferir que a EA é um campo
amplo e no qual, muitas vezes, o expressar de concepções exige mais de um foco temático.
Exatamente por este motivo, ressaltamos que os resultados ultrapassam a porcentagem de
100%, porque esta, como todas as demais questões do questionário, era uma questão aberta e,
portanto, os licenciandos podiam escrever livremente.
As respostas dadas pelos licenciandos da UFPE e da UFRPE estão explicitadas nas
figuras 13 e 14 respectivamente. Na primeira podemos verificar que nos licenciandos da
UFPE há predomínio das concepções de EA como uma educação voltada ao meio ambiente
(52,63%), da EA como estudo de temas relacionados ao meio ambiente (31,58%) e da EA
como área que atua em defesa do meio ambiente, na sua preservação (31,58%). Percebemos
também a concepção de EA como conscientização (21,1%), de EA como área que trabalha
com processo de ensino/aprendizagem (15,79%), de EA como ramo das ciências ambientais
(10,52%) e outras em menor porcentagem.
A EA encarada como educação voltada ao meio ambiente vem ao encontro do que
autores como Layrargues (2004) defendem, a EA seria composta por um substantivo que é a
educação e por um adjetivo que é o ambiental. A EA é a “educação voltada para o meio
ambiente, que relaciona o dia a dia do ser humano com a postura, comportamento que possui
115
diante da natureza e do meio ambiente” (Flor de Jambeiro). Percebemos então que a EA
insere-se em contexto educacional, ideia esta que é reforçada ao encontramos a concepção de
EA como aquela que trabalha com o processo de ensino-aprendizagem.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
concepção
Estudo de temas relacionados
ao meio ambiente
Defesa/preservação do meio
ambiente
Trabalhada coletivamente
Contribui para melhorar a
natureza
Trabalha com o processo de
ensino/aprendizagem
Educação voltada ao meio
ambiente
Conscientização
Problemas ambientais
Ramo das ciências ambientais
Figura 13
Concepções de EA de licenciandos da UFPE
As concepções referentes ao estudo de temas relacionados ao meio ambiente e da EA
como a que atua em defesa/preservação deste meio demonstram o caráter ativo da EA, pois
esta não se faz apenas a partir da conscientização, que também foi uma concepção encontrada
(21,1%), mas também com estudos que possibilitam identificar mudanças em nosso planeta,
fazer projeções futuras e pensar em possíveis formas de intervenção; um exemplo disso é o
IPCC. Em relação à EA como conscientização a licencianda Flor de Ameixeira nos disse que
a EA: “É a forma de conscientizar as pessoas sobre a importância do meio ambiente e
conscientizar as pessoas a como conviver com ele da melhor forma possível”.
A concepção de EA como ramo das ciências ambientais possivelmente está atrelada ao
fato da UFPE ofertar o bacharelado em ciências biológicas na modalidade ciências ambientais
e muitos dos componentes curriculares deste curso serem eletivas para a licenciatura. Esta
116
concepção de EA pode reduzir a compreensão da EA trazida em documentos oficiais
discutidos e criados no âmbito nacional e global, como o Tratado de educação ambiental
para sociedades sustentáveis e responsabilidade global29
. Nesse, a EA é inserida no contexto
da educação, compreendida como direito de todos. Porém, embora 10,52% dos licenciandos
apresentem a concepção de EA como ramo das ciências ambientais, percebemos nas respostas
que a EA tem como objetivo “orientar e reeducar ambientalmente as pessoas” (Flor de
Goiabeira) o que insere a EA no campo educacional.
A visão da EA como aquela que discute problemas ambientais leva-nos a perceber que
podemos encontrar saídas, soluções para os mesmos. Estas discussões perpassam áreas
diferentes do conhecimento, pois problemas ambientais exigem análise na perspectiva
complexa. Nesta direção, a concepção de EA como aquela que é trabalhada coletivamente
(5,26%) expressa a necessidade deste pensar complexo e coletivo na EA.
A concepção de EA como aquela que contribui para melhorar a natureza distancia-se
da compreensão de EA em seu sentido mais amplo, pois esta concepção, já encontrada por
Sato (2003), refere-se à visão da natureza como dádiva; alguns autores trazem esta concepção
ao referir-se ao planeta Terra como mãe, como Leonardo Boff. Acreditamos que esta não seja
a melhor maneira de ver nosso planeta, pois a ideia de mãe generosa que tudo concede
definitivamente não corresponde às relações estabelecidas entre o mesmo e os seres humanos.
Os licenciandos da UFRPE também apresentam concepções diversas em relação à EA,
tendo-se destacado a concepção de EA como educação para a sustentabilidade (41,18%), EA
como disciplina que nos ajuda a cuidar do meio ambiente (35,29%) e EA como instrumento
de sensibilização e conscientização (29,41%). Todas as concepções relatadas encontram-se na
figura 14.
29 O Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e responsabilidade global resultou da
Primeira Jornada de Educação Ambiental realizada no Rio de Janeiro, em 1992, durante o Fórum Global, evento
paralelo à Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92 ou Eco
92. O referido tratado contou com a participação de professores que atuavam com crianças, jovens e adultos em
diferentes regiões do mundo, entre elas: América Latina, América do Norte, Caribe, Europa, Ásia, Estados
Árabes, África e Pacífico. Como destacam Sorrentino, Portugal e Viezzer (2009), além de servir de apoio à ação
educativa, o tratado inspirou a criação de organizações da sociedade civil e redes de educação ambiental. Alguns
princípios constantes no aludido tratado podem inspirar e nortear o trabalho com a EA no Brasil: a educação é
um direito de todos, somos todos aprendizes e educadores; a EA tem como base o pensamento crítico e inovador,
por isso promove a transformação e a construção da sociedade; a EA ajuda a formar cidadãos com a consciência
local e planetária; ela constitui um ato político; envolve perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser
humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar; a EA estimula a solidariedade, a igualdade e o
respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as culturas; ela ajuda a
desenvolver a consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, a
respeitar-lhes os ciclos vitais e a impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos.
117
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
concepção
EA é disciplina
Educação para a
sustentabilidade
Preservação do meio ambiente
Novas formas de ver o mundo
Instrumento de sensibilização
e conscientização
EA é área da Biologia
Figura 14
Concepções de EA de licenciandos da UFRPE
A concepção de EA como educação para a sustentabilidade encontra acolhida na obra
Educar para a sustentabilidade, de autoria de Moacir Gadotti. Para o autor, a categoria
sustentabilidade deve ser associada à planetaridade, pois a Terra precisa ser vista “como um
novo paradigma” (GADOTTI, 2008, p. 47). Assim, na concepção de EA como educação para
a sustentabilidade, identificamos uma das identidades da EA já encontradas em estudo
organizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA): trata-se da ecopedagogia.
A ecopedagogia - considerada um movimento pedagógico (GADOTTI, 2000a) de
crítica da modernidade e de superação de padrões atuais de consumo - propõe-se a ultrapassar
o limite de ações pontuais no cotidiano, inserir a crítica à sociedade atual em diversos
aspectos, projetar nova relação com a natureza fundamentada em outra relação entre os seres
humanos e compreender tudo isso como um processo pedagógico e um movimento social.
Para Ruscheinsky (2004a, p. 56), a ecopedagogia
[...] leva em consideração os principais conflitos explicitados através do discurso
sobre a ação política no intuito de veicular uma educação ambiental amparada na
crítica, bem como a observação de eventos significativos pela sua visibilidade
pública através dos quais se configura uma rede de organismos que se visualizam
como atores sociais.
118
Ela envolve movimento, energia e paixão que forja um trabalho para a educação
comunitária e solidária, segundo destacam Gadotti (2000b) e Ruscheinsky (2004b). Portanto,
caracteriza-se decididamente como o inverso do modelo concorrencial, fratricida, excludente.
Assim, consolida a ideia do futuro com base no desenvolvimento pautado na sustentabilidade,
do ponto de vista social, ambiental, econômico e cultural. Em âmbito local, pode privilegiar
projetos de geração de renda ecologicamente sustentáveis desde a produção ao consumo
solidário.
Dois autores se destacam na defesa da ecopedagogia: Gutiérrez e Prado (2000).
Apoiados na visão de cidadania planetária, eles atestam que precisamos de novos princípios,
atitudes, valores e comportamentos que demonstrem nova percepção da Terra como nossa
comunidade comum. Nosso planeta é considerado como Gaia, um superorganismo vivo e em
evolução, desse modo, o que lhe for feito repercutirá em todos os seres que nele habitam.
Na concepção dos licenciandos de EA como educação para a sustentabilidade
identificamos que: 41,18% referiam-se à EA como educação para a sustentabilidade
ambiental; 5,88% referiam-se à sustentabilidade social; 5,88% referiam-se à sustentabilidade
política e 5,88% destacaram a sustentabilidade ambiental, social, política e econômica.
Percebemos então que a EA ainda é vista, primordialmente, como aquela que educa para a
“sustentabilidade ambiental, para melhorarmos nossas relações com o planeta” (Flor de
Pinha). Contudo, “a EA é a educação para a sustentabilidade ambiental, econômica, política e
social; pois tudo está interligado” (Flor de Abiu).
A concepção de EA como disciplina que nos ajuda a cuidar do meio ambiente pode
advir da própria vivência destes licenciandos, pois estes encontram a EA ofertada como
componente curricular eletivo em suas matrizes curriculares na graduação. Além disso, a
própria Secretaria de Educação do Estado também oferece a EA como disciplina na educação
básica. Neste sentido, destacamos que ambas as esferas de ensino, educação superior e
educação básica, estão contrariando a Lei nº 9795/99 já que esta destaca que a EA não deve
ser implantada como disciplina.
A EA como instrumento de sensibilização e conscientização nos adverte que “a EA
precisa sensibilizar e conscientizar para conseguirmos mudança de atitudes e comportamentos
em relação ao meio ambiente” (Flor de Limoeiro). Esta conscientização, se compreendida na
perspectiva freireana, leva os seres humanos à consciência crítica e à intervenção no mundo
representada pela “preservação do meio ambiente” (Flor de Jabuticabeira) e pela luta por
condições socioambientais melhores para todos.
119
Dentre os licenciandos, 17,65% afirmaram que a EA deve ou precisa cuidar da
preservação do meio ambiente. Porém, identificamos que o meio ambiente é por eles
compreendido não somente como natureza, mas também como seres humanos e as relações
estabelecidas entre estes e outros seres vivos. De acordo com Flor de Macieira, “preservar o
meio ambiente é cuidar de nós mesmos e das relações que estabelecemos entre nós mesmos e
com outras espécies”.
A concepção de EA como novas formas de ver o mundo (5,88%) vem na perspectiva
de que “não podemos mais olhar este mundo de forma simplificadora, pois a vida é
complexa” (Flor de Pitombeira). Assim, o trabalho em EA na formação de professores traz
consigo o trabalho com a complexidade, pois esta “amplia a capacidade de percepção, de
visão e de compreensão não apenas do docente, mas também do discente [...]” (MORAES;
NAVAS, 2010, p. 16). Os resultados deste estudo exploratório com os licenciandos
demonstram que trabalhar com a EA é laborar com a complexidade e com concepções
diversas de EA.
A EA como área da biologia “já que os biólogos são mais bem preparados para atuar
com as questões ambientais” (Flor de Pessegueiro) foi também uma concepção encontrada. A
este respeito lembramos que pesquisas de Araújo (2008) demonstraram que os professores de
biologia da educação básica encontram dificuldades para trabalhar com a EA nas escolas e
tiveram formação inicial que pouco contribuiu para seu trabalho docente com a EA.
Além disso, a complexidade das questões ambientais e a importância das mesmas para
manutenção da vida na Terra exigem a formação de profissionais aptos a trabalhar de forma
inter e transdisciplinar. Considerar a EA como área da biologia significa reduzi-la aos
conceitos desta área do conhecimento e afastá-la da área educacional, o que contraria o
entendimento de teóricos que abordam esta temática, como Layrargues (2004) e Carvalho
(2010).
4.1.2.2 Professores que abordam a educação ambiental
Nesta parte do questionário buscamos saber se os licenciandos têm ou tiveram
professores que abordam ou abordaram a EA, quem são ou eram estes professores e em quais
componentes curriculares trabalham ou trabalharam com a EA. Na UFPE, 94,74% dos
licenciandos apontaram que têm ou tiveram professores que trabalham com a EA e na UFRPE
todos os licenciandos (100%) deram a mesma resposta. Apenas 5,26% dos licenciandos da
UFPE atestaram não ter professores que abordam a EA.
120
Estes dados revelam que a EA configura-se como campo de conhecimento
reconhecido pelos professores que atuam nos cursos de licenciatura em ciências biológicas de
ambas as IES. Dado bastante interessante é perceber que na UFPE e na UFRPE há
componentes curriculares diferenciados que abordam a EA, como podemos visualizar nas
figuras 15 e 16, e, mesmo na UFRPE, instituição na qual há EA como componente curricular
eletivo, esta não é a única a trabalhar com a EA. Destacamos que nas figuras os dados
ultrapassam os 100% porque alguns licenciandos indicaram mais de um componente
curricular e professor.
Na figura 15 podemos perceber que o componente curricular ecologia, ministrado por
professora do Departamento de Botânica, foi o mais citado pelos licenciandos por abordar a
EA (78,95%); em seguida temos o componente curricular natureza, sociedade e educação
ambiental, com 68,42%; o componente curricular ecologia, ministrada por professora do
Departamento de Zoologia, com 63,16%; o componente curricular atuação profissional do
biólogo, ministrada por esta mesma professora, com 15,79%; o componente curricular
botânica de fanerógamas, com 5,26%; e os componentes curriculares micologia médica e
parasitologia humana, ambas ministradas pelo mesmo professor e cada uma com 5,26%.
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
Componentes curriculares
Ecologia - Profa. Botânica
Natureza, Sociedade e EA
Ecologia - Profa. Zoologia
Atuação Profissional do
Biólogo
Botânica de Fanerógamas
Micologia Médica
Parasitologia Humana
Figura 15
Componentes curriculares que abordam a EA na UFPE
121
Para melhor compreender os componentes curriculares citados pelos licenciandos
recorremos ao relatório de perfil curricular presente na página on-line da IES. Dentre os
componentes curriculares citados, apenas ecologia e botânica de fanerógamas são obrigatórias
à formação do licenciado em ciências biológicas na UFPE. Deste modo, os licenciandos
citaram mais componentes curriculares eletivos que abordam a EA do que obrigatórios, o que
significa que, caso estes eletivos não sejam cursados pelos estudantes, haverá contato com a
EA apenas nos dois obrigatórios.
Outro dado a ser destacado é que nenhum dos componentes curriculares citados refere-
se aos tidos como pedagógicos. Assim, eles têm como ementa apenas o conteúdo específico
da formação do profissional, dados estes que confirmam os estudos de Araújo e Oliveira
(2008a) e Guimarães (2005). Por exemplo: na ementa de botânica de fanerógamos,
componente curricular de 60 horas/aula, consta apenas “estudo taxonômico dos fanerógamos,
com ênfase para a flora do Brasil”. Já em ecologia, componente curricular também de 60
horas/aula, encontramos na ementa conteúdos como: ecossistema, cadeias alimentares,
homeostasia, controle biológico, biogeografia e outros.
Na página da IES o componente curricular eletivo natureza, sociedade e educação
ambiental, de 60 horas/aula, e o componente curricular atuação profissional do biólogo, de 30
horas/aula não apresentam ementa. O componente curricular parasitologia humana, de 45
horas/aula, tem como ementa o “estudo da sistemática, morfologia, biologia (transmissão),
diagnóstico e profilaxia de parasitas intestinais, do sangue, dos tecidos e artrópodes de
interesse médico”. O componente curricular micologia médica não foi encontrado no perfil
curricular do licenciando em ciências biológicas.
Na figura 16 podemos visualizar os componentes curriculares da UFRPE que foram
citados pelos licenciandos por abordarem a EA. O componente curricular educação ambiental
foi o mais citado pelos licenciandos, totalizando 89%. Em seguida, ficou o componente
curricular ecologia geral (79,40%); o componente curricular botânica econômica (44,10%); o
componente curricular sistemática de criptógamos (11,70%); o componente curricular
fisiologia vegetal (8,80%) e o componente curricular física e biofísica (2,90%).
122
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Componentes curriculares
Educação Ambiental
Ecologia Geral
Botânica Econômica
Sistemática de
Criptógamos
Fisiologia Vegetal
Física e Biofísica
Figura 16
Componentes curriculares que abordam a EA na UFRPE
Da mesma forma que procedemos com a UFPE, buscamos informações sobre estes
componentes curriculares citados na página da UFRPE. Percebemos que, dos seis
componentes curriculares citados, quatro são obrigatórios, quais sejam: ecologia geral,
sistemática de criptógamos, fisiologia vegetal e física e biofísica. Apenas educação ambiental
e botânica econômica são eletivos.
Assim como na UFPE, os componentes curriculares citados por abordar a EA são
todos de conteúdos específicos e em suas ementas não são explicitados conteúdos
pedagógicos. O componente curricular ecologia geral, com carga horária de 60 horas/aula,
apresenta conteúdos em sua ementa como as inter-relações que ocorrem na natureza e a
interdependência entre os seres vivos. Em sistemática de criptógamos, componente curricular
de 60 horas/aula, há o estudo da origem e evolução das criptogamae, bem como o
reconhecimento, dentro destas, dos principais representantes de interesse científico e
econômico de ocorrência em Pernambuco.
Em fisiologia vegetal, componente curricular de 60 horas/aula, a ênfase dá-se na célula
vegetal, na respiração, no suprimento hídrico dos vegetais superiores e na fisiologia do
crescimento e da reprodução, entre outros conteúdos. Já em física e biofísica, componente
curricular com carga horária também de 60 horas/aula, a ementa traz as bases da
termodinâmica e suas aplicações aos processos homeostáticos que caracterizam os seres vivos
e a biofísica das estruturas fundamentais para organização dos seres vivos.
123
Em relação aos dois componentes curriculares eletivos, quais sejam: educação
ambiental e botânica econômica, não conseguimos informações sobre suas ementas no site da
IES, apenas consta que ambos são componentes curriculares de 60 horas/aula.
Nos componentes curriculares citados pelos licenciandos da UFPE e da UFRPE
constatamos que não há nas ementas disponibilizadas a EA de forma explícita, excetuando-se
o componente curricular educação ambiental da UFRPE, na qual o próprio nome indica que
os conteúdos nele trabalhados trazem a EA. Este fato indica-nos que os professores dos
componentes curriculares citados conseguem relacionar os conteúdos específicos dos mesmos
às temáticas ambientais, o que significa que podemos ter a EA trabalhada em componentes
curriculares sem temo-la institucionalizada como disciplina, que é a recomendação da Lei nº
9795/99.
4.1.2.3 Professores que abordam a educação ambiental crítico-humanizadora
Para identificarmos quais professores da educação superior das duas universidades
investigadas abordam e/ou abordaram a EA crítico-humanizadora, perguntamos aos
licenciandos quais professores abordam e/ou abordaram a EA destacando valores como o
respeito à vida, à solidariedade e à igualdade, promovendo a compreensão dos problemas
socioambientais em suas múltiplas dimensões (geográfica, histórica, biológica e social);
características estas que foram utilizadas para caracterizar a EA crítico-humanizadora no
presente trabalho.
Na UFPE, o professor do componente curricular natureza, sociedade e educação
ambiental foi o mais citado pelos licenciandos, totalizando 57,89%. As professoras do
componente curricular ecologia foram citadas, cada uma, por 52,63% dos sujeitos da
pesquisa. Em menor proporção, o professor do componente curricular botânica de
fanerógamos, e o professor do componente curricular parasitologia humana, foram citados por
5,26% dos licenciandos. Ainda nesta questão, 10,52% dos estudantes alegaram que nenhum
professor aborda e/ou abordou a EA crítico-humanizadora no curso de licenciatura em
ciências biológicas. Estes resultados podem ser visualizados na figura 17.
124
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Componentes curriculares
Natureza, Sociedade e
Educação Ambiental
Ecologia
Ecologia
Botânica de Fanerógamos
Parasitologia Humana
Nenhuma
Figura 17
Componentes curriculares que abordam a EA crítico-humanizadora na UFPE
Dos sete componentes curriculares citados pelos licenciandos por abordar a EA na
UFPE, cinco destes trabalham a EA crítico-humanizadora. Destacamos que o percentual
obtido nesta resposta ultrapassa os 100% porque os licenciandos podiam citar mais de um
componente curricular. Explicitamos também que, embora os sete componentes curriculares
citados por abordar a EA fossem ministrados por cinco professores, a quantidade de
professores que abordam a EA crítico-humanizadora permanece o mesmo, pois dois deles (a
de ecologia e o de parasitologia humana) foram citados anteriormente por abordar a EA em
mais de um componente curricular.
Na UFRPE, dos seis componentes curriculares citados por abordarem a EA, apenas
três foram considerados pelos licenciandos como componentes curriculares que abordam ou
abordaram a EA na perspectiva da humanização e da criticidade, quais sejam: educação
ambiental, ecologia e botânica econômica. Esse último foi o mais citado pelos licenciandos,
totalizando 87%; educação ambiental foi o segundo mais citado, totalizando 61% dos
estudantes; e ecologia foi mencionada por 51% destes.
Os dados nos mostram que os dois componentes curriculares eletivos, educação
ambiental e botânica econômica, são os que mais foram citados por abordar a EA crítico-
humanizadora, enquanto que o componente curricular obrigatório, ecologia, teve um
percentual menor. Nesta perspectiva, apenas os licenciandos que optarem por cursar estes
eletivos terão contato mais efetivo com a EA crítico-humanizadora.
125
Outro dado a ser destacado é o fato de o componente curricular botânica econômica
ser apontado por maior número de licenciandos por abordar a EA baseada em valores e
promovendo a compreensão dos problemas ambientais em várias dimensões. Este dado nos
aponta que a inserção da EA como componente curricular na educação superior não é garantia
de uma EA que destaque valores, atitudes e ações diferenciadas na formação do professor, o
que reforça a compreensão da Lei nº 9795/99 em não recomendar a implantação da EA como
disciplina.
Nas duas IES, o componente curricular ecologia foi citado por elevado número de
licenciandos, o que nos leva a inferir que os próprios conteúdos deste componente curricular
podem favorecer o trabalho com a EA, já que estão ligados ao meio ambiente. Porém, este
dado revela que, embora a ecologia seja um componente curricular já identificado por Araújo
e Oliveira (2008a) por ser o que mais tem contribuído na formação de professores de ciências
biológicas para o trabalho docente com EA na escola, a perspectiva formativa parece estar
mudando.
No trabalho das autoras, este componente curricular foi citado por contribuir de forma
teoricista na formação do professor, entretanto, os dados desta pesquisa apontam para um
componente curricular que destaca o valor à vida e outros valores intrinsecamente ligados a
formas diferenciadas de abordagem do conteúdo. Vejamos então o que nos disseram os
licenciandos quanto a estas formas de abordagem da EA.
4.1.2.4 Formas de abordagem da educação ambiental crítico-humanizadora
Buscamos também nos questionários aplicados aos licenciandos conhecer quais as
formas de abordagem da EA crítico-humanizadora pelos professores dos cursos de ciências
biológicas que foram citados por trabalhar com esta EA. A figura 18 apresenta as formas
citadas pelos licenciandos da UFPE. Relembramos que nesta questão os totais ultrapassam os
100% porque os licenciandos podiam citar mais de uma forma de abordagem.
126
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
Formas de abordagem
Reflexão sobre a relação
homem-natureza
Com clareza e objetividade
Sensibilização para a
importância da preservação
ambiental
Aula expositiva dialogada
Aula de campo
Debates e discussões
Diálogo sobre fatos atuais do
cotidiano
Vídeo
Com idéias, sugestões e
alternativas para trabalhar a EA
no cotidiano
Figura 18
Formas de abordagem da EA crítico- humanizadora na UFPE
A forma de abordagem mais citada pelos licenciandos (26,36%) foi “levando os
alunos a refletirem sobre a relação homem/natureza, fazendo um resgate dos valores da
natureza” (Flor de Abacateiro). A EA, como destaca Carvalho (2006), fomenta sensibilidades
afetivas e capacidades cognitivas para uma nova leitura do mundo. Desta forma,
compreendemos que esta leitura leva os seres humanos a refletirem sobre suas relações com a
natureza e também com o ambiente e a mediação do professor na leitura do mundo do ponto
de vista socioambiental é imprescindível, pois, no trabalho com EA no qual o foco é a
natureza, se corre o risco de reduzir o meio ambiente a esta, o que vai de encontro às práticas
de EA crítica.
A abordagem da EA de “forma clara e objetiva” (Flor de Acerola) e também
“dinâmica” (Flor de Cajueiro) foi citada por 21,10% dos licenciandos, indicando que no
trabalho com EA crítico-humanizadora são necessários exemplos e práticas objetivas que, se
trabalhadas de forma dinâmica, despertam o interesse dos estudantes para a EA. A educação
127
dinâmica opõe-se à educação bancária na qual “[...] a única margem de ação que se oferece
aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los [...]” (FREIRE, 1987,
p. 59).
A mesma porcentagem de licenciandos (21,10%) citou a abordagem da EA crítico-
humanizadora através da “sensibilização para a importância de se preservar o meio ambiente”
(Flor de Caramboleira). A sensibilização é considerada por Sato (2003) como o primeiro
passo para a mudança de atitudes em relação ao meio ambiente. Porém, neste processo de
sensibilização é preciso atentar para a necessidade de diálogo permanente entre o ambiental e
o social, ou seja, a sensibilização na EA crítico-humanizadora é socioambiental.
A “aula expositiva dialogada” (Flor de Fruteiro Pão) “em sala de aula” (Flor de
Goiabeira) e a “excursão para o campo” (Flor de Goiabeira), ou seja, a “aula de campo” (Flor
de Graviola) foram citadas por 15,79% dos licenciandos. O diálogo, categoria freireana
abordada neste trabalho no item referente à práxis docente para uma formação em EA crítico-
humanizadora, é ato que fomenta o pensamento crítico, reflexivo e problematizador. Diálogo
este que pode realizar-se em sala de aula, mas também no campo, nas excursões didáticas,
pois estas representam momentos ímpares de inserção na realidade socioambiental.
A abordagem da EA crítico-humanizadora através de “debates e discussões” (Flor de
Jaqueira) foi citada por 15,76% dos licenciandos. Estas discussões e debates com os
estudantes referem-se “às questões do dia-a-dia e à importância da educação ambiental” (Flor
de Jambeiro). Discutir a importância da EA em um curso de formação de professores é ato
significativo para sensibilizar os futuros professores sobre a necessária abordagem desta em
suas práticas docentes na educação básica.
As discussões e os debates sobre questões do cotidiano foram reafirmadas por 10,52%
dos licenciandos que citaram o diálogo sobre fatos atuais do cotidiano e por 5,26% dos
estudantes que mencionaram a construção de ideias, sugestões e alternativas para trabalhar a
EA no cotidiano como forma de abordagem da EA crítico-humanizadora. Uma das
licenciandas respondeu-nos que a abordagem ocorre
Considerando fatos atuais, ocorridos no cotidiano com ideias, sugestões, alternativas
para conseguir trabalhar com educação ambiental no nosso dia-a-dia sejam em casa,
no trabalho, na rua, no ônibus... De modo a tentar sensibilizar os cidadãos para a
importância de se preservar o meio ambiente (Flor de Laranjeira).
O diálogo sobre fatos atuais do cotidiano faz com que educar-se se torne “[...] uma
aventura pela qual o sujeito e os sentidos do mundo vivido estão-se constituindo mutuamente
128
na dialética da compreensão/interpretação” (CARVALHO, 2006, p. 83). O cotidiano, que em
nossos dados constitui-se como conteúdo, pois a forma de abordagem é o diálogo, refaz-se e
com ele o sujeito; deste modo, a EA crítico-humanizadora o tem como ponto de partida e de
chegada. O estudo da EA parte de contextos diversos, como a casa, o trabalho, a rua e o
ônibus e as ideias, as sugestões e as alternativas dialogadas ajudam-nos a melhor compreender
e atuar neste cotidiano.
O vídeo foi também citado por 5,26% dos licenciandos como forma de abordagem da
EA na perspectiva da humanização e da criticidade. Gil (2009) atesta que o vídeo cassete e o
DVD constituem as tecnologias de áudio e vídeo mais utilizadas na educação superior. No
contexto da EA, dispomos atualmente de uma gama de vídeos que estão diretamente
relacionados com este objeto de ensinagem, como Ponto de mutação, Uma verdade
inconveniente e outros.
Na UFRPE, verificamos que há predomínio de aulas teóricas/expositivas e voltadas ao
conteúdo específico do componente curricular (32,35%), mas também foram citadas aulas de
campo (29,41%), textos (26,47%), debates (23,53%), filmes (14,71%), pesquisa (14,71%) e
seminários (14,71%). A figura 19 explicita as formas de abordagem da EA crítico-
humanizadora na UFRPE.
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
Formas de abordagem
Aulas teóricas /
expositivas
Aulas de campo
Textos
Debates
Filmes
Pesquisa
Seminários
Figura 19
Formas de abordagem da EA crítico- humanizadora na UFRPE
As aulas teóricas/expositivas com EA crítico-humanizadora são citadas como
predominantemente voltadas ao conteúdo específico do componente curricular, “como
129
ecologia de populações e fatores ecológicos” (Flor de Limoeiro). Nesta perspectiva,
compreendemos mais uma vez que a EA pode ser trabalhada em componentes curriculares de
conteúdos específicos da biologia sem se reduzir a um repasse de conhecimentos advindos das
ciências naturais.
Porém, as aulas expositivas parecem fazer mais sentido quando trazem a realidade, o
cotidiano associado ao conteúdo específico. Percebemos isto na fala de Flor de Tangerineira:
“O meio ambiente foi abordado de forma bastante teórica, sem muita relação da realidade
atual com as teorias clássicas”.
Ainda em relação às aulas expositivas, alguns licenciandos citaram recursos didáticos
utilizados, como “quadro, retroprojetor e data-show” (Flor de Jabuticabeira). Os quadros são
considerados por Gil (2009) como um dos mais eficazes recursos visuais disponíveis porque
aliam vantagens como acessibilidade, praticidade e versatilidade. O retroprojetor é um recurso
ainda bastante utilizado em universidades porque seu custo é baixo em relação à data-show,
porém esse apresenta inúmeras vantagens em relação ao primeiro, como: a qualidade de
imagens, a possibilidade do uso de som, permite o deslocamento do professor e outras.
As “aulas de campo com um ou mais professores” (Flor de Cupuaçu) indicam que o
trabalho com EA crítico-humanizadora pode estar ocorrendo de forma interdisciplinar nesta
IES. As aulas de campo podem permitir que os licenciandos consigam dominar a realidade
socioambiental e humanizem-na. É criando, recriando e decidindo que o ser humano dinamiza
o mundo socioambiental, em um processo que Paulo Freire denomina de integração, pois, “na
medida em que cria, recria e decide, vão se conformando às épocas históricas” (FREIRE,
2000a, p. 51).
A abordagem da EA “através de textos com discussão em sala de aula” (Flor de
Limoeiro) propicia aos licenciandos a leitura de textos extraídos de livros, revistas científicas
impressas e on-line, jornais e anais de eventos. Na perspectiva de Gil (2009, p. 201), “a leitura
continua sendo o principal meio de obtenção de conhecimentos”. Porém, esta leitura para ser
verdadeira, precisa ser crítica, pois ler não é passear pelas palavras, mas sim tornar-se sujeito
do que se lê. Ler um texto “é tarefa de sujeito crítico, humilde e determinado” (FREIRE,
1996, p. 76).
Os “debates em sala de aula” (Flor de Umbuzeiro) propiciam o diálogo a partir “de
textos e de vídeos” (Flor de Pitombeira) e podem ampliar a compreensão dos licenciandos
acerca dos assuntos abordados, “encorajam a ouvir de forma atenta e respeitosa” (GIL, 2009,
p. 154), favorecem o respeito à diversidade de opiniões, estimulam o expressar de ideias e a
comunicabilidade oral, além de outras vantagens.
130
A abordagem “através de filmes da atualidade que retratam a situação de desgaste do
planeta” (Flor de Cajazeira) pode estimular os licenciandos ao debate acerca da EA, porém,
convém vigilância do professor para que a realidade apresentada e discutida não seja somente
ambiental, mas sim socioambiental. Mundo natural e mundo social se autoinfluenciam, sendo
impossível dissociá-los.
A “pesquisa sobre comunidades do entorno da universidade” (Flor de Tangerineira) e
a “pesquisa sobre a concepção de educação ambiental na universidade” (Flor de Araçazeiro)
demonstram que a pesquisa está inserida na prática docente dos professores universitários que
atuam com EA crítico-humanizadora. A pesquisa sobre comunidades do entorno indicam que
a EA está sendo trabalhada na perspectiva socioambiental e aponta também a inserção dos
licenciandos na realidade.
Já a pesquisa sobre a concepção de EA na universidade indica a tentativa do professor
da educação superior em sensibilizar os licenciandos para a necessidade do trabalho com EA
neste nível de ensino. Em ambos os casos, a pesquisa atua como propulsora do conhecimento
que nasce da curiosidade, concebida por Freire e Faundez (2002) como pergunta. “Todo
conhecimento começa pela pergunta” (Ibidem, p. 46), assim “é profundamente democrático
começar a aprender a perguntar” (Ibidem, p. 45).
Os “seminários em grupos” (Flor de Mamoeiro) foram também citados como formas
de abordagem da EA crítico-humanizadora. Estes são considerados por Gil (2009) como um
tipo de discussão que auxilia os estudantes a desenvolver várias habilidades, dentre elas: o
trabalho em equipe, a produção de conhecimento e a argumentação. Todavia, o autor
apresenta-nos que os estudantes muitas vezes veem esta estratégia didática de forma negativa
quando estas se restringem a aulas expositivas dadas pelos mesmos.
As formas de abordagem da EA crítico-humanizadora podem agradar ou não os
licenciandos levando-os a participar mais efetivamente ou não das aulas em sala ou no campo.
Por este motivo, dedicamo-nos na questão seguinte a conhecer se os licenciandos gostam das
formas como seus professores a abordam ou abordaram.
4.1.2.5 Satisfação com as formas de abordagem da educação ambiental crítico-
humanizadora
Em ambas as IES, os licenciandos afirmaram estar satisfeitos com as formas de
abordagem da EA crítico-humanizadora. Na UFPE, 94,74% dos licenciandos afirmaram
gostar da forma como os professores trabalham e apenas 5,26% alegaram o contrário.
131
Perguntamos-lhes também quais os motivos que os levam a gostar ou não das formas de
abordagem selecionadas pelos professores.
A contribuição com a formação pedagógica foi um dos pontos positivos atestados
pelos licenciandos porque houve a “apresentação de ideias” (Flor de Acerola) para trabalhar
nas escolas e também a “demonstração de alternativas didáticas para trabalhar com a
educação ambiental” (Flor de Caramboleiro). Esta associação conhecimento específico e
conhecimento pedagógico, embora bastante pertinente em um curso de formação de
professores, foi citada por somente três, dos trinta e quatro atores de pesquisa desta IES.
A unidade teoria-prática foi também citada como motivo de satisfação, pois na “aula
que reúne teoria e prática podemos não só idealizar os problemas, mas vivê-los” (Flor de
Jaqueira) e os professores “trabalharam problemas atuais e como enfrentá-los” (Flor de
Limoeiro). Teoria e prática vivenciadas de forma associada representam exemplo de quefazer
que pode representar forte inspiração aos professores em formação, como revela Cunha (2001
e 2008).
Os licenciandos aprovam também a iniciativa dos professores em despertá-los para a
necessária preservação ambiental, por mostrarem a “importância da educação ambiental”
(Flor de Fruteiro Pão), por incentivarem “a pesquisa e o debate” (Flor de Limoeiro), por
“abordarem aspectos importantes do cotidiano” (Flor de Abacateiro), por “incentivarem uma
visão crítica da sociedade” (Flor de Limoeiro) e por estimularem “o criar e o pensar” (Flor de
Jambeiro).
Todas estas formas de abordagem da EA podem estimular o desenvolvimento de
atitudes, comportamentos e valores socioambientais. É o estudo do cotidiano, da realidade
socioambiental que incentiva a visão crítica da sociedade, estimulando o criar e o recriar das
relações que estabelecemos no mundo natural e social. Neste contexto de pesquisa e de
debate, a importância da EA deixa de ser algo somente teorizado para ser vivenciado,
contribuindo, segundo Carvalho (2006), para um dos objetivos mais perseguidos e
reafirmados pela EA crítica: a formação de uma atitude ecológica, que preferimos chamar de
ambiental pela abrangência da temática.
Os licenciandos que alegaram não gostar das formas de abordagem da EA crítico-
humanizadora na UFPE afirmaram que deveriam “ter a prática em relação à educação
ambiental, não ficando somente na sala de aula” (Flor de Caquizeiro) e “ter mais diálogo na
disciplina” (Flor de Amoreira). Estes dados reforçam a importância da necessária unidade
teoria-prática a partir da inserção na realidade e também do diálogo como elemento fundante
na prática docente com EA crítico-humanizadora.
132
Na UFRPE, 94,73% dos licenciandos atestaram gostar da forma que seus professores
abordam a EA crítico-humanizadora e apenas 5,27% mostraram-se insatisfeitos. “A
criatividade nas aulas, há sempre algo novo” (Flor de Umbuzeiro), “os trabalhos que são
solicitados não levam somente à cópia” (Flor de Ingazeiro), “o estímulo à pesquisa” (Flor de
Araçazeiro) que “nos leva a descobrir coisas novas e a aprender a pesquisar” (Flor de
Tangerineira) e a “relação aberta com o professor” (Flor de Cupuaçu) que “deixa o ambiente
mais leve, mesmo sendo uma disciplina pesada” (Flor de Pessegueiro) foram alguns dos
motivos apresentados para a satisfação com a forma de abordagem.
Nas respostas apresentadas pelos licenciandos aparecem categorias do campo
conceitual da pedagogia freireana apresentados por Santiago (2006), quais sejam: a categoria
criatividade, que identificamos no inovar do professor; as categorias criticidade e autonomia,
que verificamos na negação à cópia e no estímulo à pesquisa; e a categoria relação, expressa
na fala dos licenciandos a partir da relação docente-discente.
A resposta da licencianda Flor de Pessegueiro demonstra que a relação dialógica “não
anula, como às vezes se pensa, a possibilidade do ato de ensinar. Pelo contrário, ela funda este
ato, que se completa e se sela no outro, o de aprender [...]” (FREIRE, 1996, p. 118). Neste
sentido, mesmo o componente curricular trazendo conceitos e assuntos de difícil
compreensão, a postura dialógica do professor pode atenuar a caminhada através da
aproximação desarmada da intenção de transferir conhecimento, mas esperançosa de
construção.
Outros motivos de satisfação com a abordagem da EA crítico-humanizadora citados
pelos licenciandos da UFRPE foram: as aulas de campo que propiciam conhecer o entorno, os
textos sobre educação ambiental são considerados bons, os filmes porque fazem a aula sair da
rotina e os trabalhos em grupo que aproximam mais os estudantes.
Já os dois licenciandos que alegaram não gostar da forma de abordagem promovida
pelos professores atestaram que “os textos são longos e cansativos” (Flor de Abiu) e “as
pesquisas solicitadas exigem muito tempo e muitas vezes não o tenho” (Flor de Ameixeira).
Os dois argumentos apresentados pelos licenciandos parecem recair sobre a mesma
justificativa: a falta de tempo dos licenciandos para leitura e para dedicarem-se a atividades
que exijam maior dedicação de seu tempo, como a pesquisa, principalmente se esta envolver a
coleta de dados em ambiente externo à universidade. Esta realidade é comum entre
licenciandos que estudam à noite, pois, na maioria das vezes, já desempenham alguma
atividade profissional durante o dia. Neste caso, o professor da educação superior, sem
133
prejudicar a qualidade do trabalho realizado, pode rever os objetivos de suas aulas e a seleção
do material textual, como recomenda Gil (2009).
Finalizamos esta seção refletindo que os resultados obtidos nos estudos exploratórios
foram cruciais para a redefinição e a reconstrução de nosso objeto e de nossa tese, bem como
para a identificação das duas IES - UFPE e UFRPE - que se constituem como campo da
presente pesquisa e dos professores da educação superior que foram nossos atores de
pesquisa. De posse destes resultados demos continuidade à construção de nosso trabalho
doutoral com subsídios sólidos que nos levaram ao campo de pesquisa e aos atores sociais.
Apresentamos, no item seguinte, a caracterização das universidades campo de pesquisa e dos
professores-atores.
4.2 O campo de estudo: galhos da árvore
A UFPE - IES cujo início de seu funcionamento data de 1946 - era denominada
Universidade do Recife. Na época, oferecia os cursos de direito, engenharia, medicina,
farmácia, odontologia, filosofia e belas artes, pois foi formada pela união de faculdades e
escolas específicas desses cursos. Atualmente, sua sede está localizada no bairro Cidade
Universitária e dois campi estão localizados em Vitória de Santo Antão e Caruaru. Ela oferece
70 cursos de graduação, 96 de pós-graduação stricto sensu e 64 de pós-graduação lato sensu
(UFPE, 2009). Além do salto quantitativo, houve o salto qualitativo, pois a UFPE é
considerada pela CAPES como a IES com maior número de programas de qualidade, dentre
as localizadas nas regiões Nordeste e Norte.
Dentre os cursos de graduação ofertados, está o de licenciatura em ciências biológicas.
O referido curso foi criado no final da década de 40 e era intitulado curso de história natural.
Somente em 1979, com a regulamentação da profissão de biólogo pela Lei nº 6684, o curso
passou a denominar-se curso de ciências biológicas e, em 1994, foi realizada reforma
curricular no mesmo, criando-se dois perfis: licenciatura e bacharelado.
Estes tinham uma matriz curricular comum e as disciplinas específicas da licenciatura
eram ofertadas no final do curso. Tal modelo de formação estendeu-se até 1996, quando os
cursos de licenciatura e bacharelado foram desmembrados, passando a ter matrizes
independentes. O atual perfil do curso de licenciatura é resultante de alterações implantadas
no ano de 2010 por uma comissão de reforma do curso que visou adequá-lo às exigências das
leis atuais que regulamentam a formação de professores para a educação básica, vincula-se ao
134
centro de ciências biológicas e oferece 100 vagas anuais para o turno da noite (50 na primeira
entrada e 50 na segunda). A duração mínima do curso é de oito semestres em 3300 horas.
Em relação à EA, pudemos verificar, no relatório do perfil curricular do curso,
disponibilizado no site da IES, que ela não é ofertada na forma de componente curricular
isolado. Localizamos os seguintes componentes curriculares eletivos que trazem a EA:
conservação e educação ambiental; educação e avaliação ambiental; e natureza, sociedade e
educação ambiental. Em relação às duas primeiras, constatamos que as respectivas ementas
privilegiam a metodologia da EA, o que é aceito na Lei nº 9795/99. À medida que fornecem
meios à elaboração de propostas de trabalho em EA, tais componentes curriculares podem ser
úteis à formação de professores de biologia.
A UFRPE iniciou suas atividades acadêmicas em 1912 e, assim como a UFPE,
constituiu-se pela união de escolas superiores. Entretanto, assumiu cursos que beneficiavam o
modelo agrícola do momento histórico de sua implantação: agronomia e medicina veterinária.
Com o passar do tempo e as novas demandas da sociedade, a UFRPE manteve o foco na
formação de profissionais das ciências agrárias, mas sua linha de ação ampliou-se com a
oferta de cursos de bacharelado e licenciatura em diversas áreas.
Atualmente sua sede está localizada no bairro Dois Irmãos e há mais duas unidades
acadêmicas que respondem pela formação de profissionais no interior de Pernambuco:
Unidade Acadêmica de Garanhuns e Unidade Acadêmica de Serra Talhada. Somados os
cursos oferecidos na sede e nas unidades acadêmicas, a IES oferece 42 cursos de graduação,
34 de pós-graduação stricto sensu e dois de pós-graduação lato sensu30
.
Em 1975 surgiu o curso de licenciatura em ciências com as modalidades ou
habilitações em biologia, física, matemática e química, sendo o departamento de biologia o
responsável pela habilitação em biologia. Em 1989, houve o processo de separação do antigo
currículo de ciências em quatro licenciaturas em diferentes departamentos. E, em 2006, o
curso de licenciatura em ciências biológicas foi reformulado visando, assim como a UFPE,
atender à legislação vigente. Ele oferece anualmente 80 vagas (40 na primeira entrada e 40 na
segunda) e há turmas vespertinas e noturnas. A carga horária total do curso é de 2900 horas e
o período mínimo para integralização curricular é de oito semestres.
A EA é oferecida nesse curso como componente curricular eletivo e é
responsabilidade da área de ecologia do departamento de biologia. Neste sentido, vemos a
30 Tais informações foram obtidas no site da UFRPE.
135
compreensão da EA como parte da ecologia, o que pode representar empecilhos e equívocos
ao se trabalhar com a EA.
Neste breve histórico de nossos galhos, vemos que os cursos de licenciatura em
ciências biológicas em ambas as IES tiveram sua origem vinculada ao desmembramento ou
mesmo à extinção de outros cursos, como é o caso do curso de ciências naturais. Trata-se de
cursos que foram mudando suas identidades, suas fisionomias frente ao contexto social e à
própria compreensão de ciências biológicas, que foi se consolidando como área de
conhecimento específico ao longo do tempo.
4.3 Os atores da pesquisa: folhas fotossintetizantes
A seleção dos atores da pesquisa foi feita à luz dos objetivos de estudo com base nos
seguintes critérios:
Ser professor do curso de ciências biológicas das instituições campo de estudo
e
Ter sido indicado pelos licenciandos por atuar com EA crítico-humanizadora.
Perante os resultados obtidos com os licenciandos, os professores-atores com quem
realizamos o trabalho de campo foram31
:
Professor do componente curricular natureza, sociedade e educação ambiental;
Professoras (duas) do componente curricular ecologia;
Professor do componente curricular botânica de fanerógamos;
Professor do componente curricular parasitologia humana;
Professora do componente curricular educação ambiental;
Professor do componente curricular botânica econômica.
Para garantir o anonimato dos professores-atores não os identificamos pelos
componentes curriculares lecionados pelos mesmos, nem por suas IES de origem. Seguindo a
lógica da metáfora da árvore, os mesmos foram identificados por folhas. Cada professor-ator
31 Outra professora do curso de licenciatura em ciências biológicas também atendia aos nossos critérios de
escolha de atores de pesquisa. Porém, ao fazermos contato com a mesma, descobrimos que ela estava em licença
e não mais voltaria a lecionar, pois já iria aposentar-se. Assim, por não ser possível observar suas aulas e por
considerarmos a observação primordial em um trabalho que investiga a prática docente, optamos por não incluí-
la na pesquisa.
136
pôde escolher qual folha seria utilizada em sua identificação, pois nosso objetivo foi o de
garantir-lhes algum traço de identidade32
.
Os professores optaram por serem identificados por: Folha de Jabuticabeira, Folha de
Jambeiro, Folha de Ingazeiro, Folha de Cajueiro, Folha de Pitangueira, Folha de Mangueira e
Folha de Umbuzeiro. Esta identificação foi possível através da entrevista narrativa (apêndice
B), na qual conhecemos o porquê das escolhas das folhas, suas identidades, trajetórias
formativas, como chegaram à universidade pública onde trabalham atualmente, concepções de
educação e de EA, motivações para inserir a EA em suas aulas e seus quefazeres da EA
crítico-humanizadora. Nesta parte do trabalho utilizamos apenas os dados que contribuíram
para a caracterização dos professores-atores. Os demais dados foram discutidos e analisados
no capítulo que traz os resultados da pesquisa.
Na entrevista narrativa utilizamos um texto norteador que teve por objetivo
sensibilizar os professores-atores quanto à indissociabilidade ambiente natural-ambiente
social que se reflete nos traços de identidade de cada um. Assim, o texto orientou a
materialidade da entrevista narrativa e, somente após a leitura do mesmo, foram apresentadas
aos professores as questões norteadoras da entrevista. O texto norteador selecionado é
produção de Brandão (2002) e encontra-se disponível no apêndice B.
Por entendermos que a descrição dos professores-atores é parte fundante em uma
pesquisa etnometodológica, contribuindo, inclusive, para melhor compreendermos a escolha
dos licenciandos, procedemos à caracterização dos mesmos utilizando partes de suas
narrativas. Essas se encontram entre aspas ou destacadas no texto que se segue.
Folha de Jabuticabeira escolheu ser assim reconhecida porque quando pequena “vivia
comendo jabuticabas direto da árvore” e isso a fez perceber o elo fundamental entre sua
“infância em contato com a natureza e o trabalho” que realiza atualmente na universidade.
Esse elo é reforçado quando a mesma reflete que “a jabuticabeira pode ser encontrada em
qualquer lugar e eu me vejo como uma professora que trabalha em qualquer espaço para falar
em educação ambiental: na escola, na universidade, nas comunidades”.
Sua trajetória docente na universidade teve início aos seus vinte e dois anos de idade,
mas trabalhou anteriormente em escolas públicas do estado e do município, em cursinhos
preparatórios para vestibular, em escolas de bairro e em cursos de formação de oficiais das
32 Para Nóvoa (1992), a identidade é um lugar de lutas e conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e
de estar na profissão. Dessa forma, o modo de cada professor exercer a docência depende do que cada um é
como pessoa, e também do como ocorreu a construção do profissional. Sob esta égide, a entrevista narrativa
buscou constituir-se como elemento de retorno a experiências docentes e vivências formativas dos professores
em relação à EA.
137
forças armadas. Na universidade pública federal na qual leciona, tem trinta e três anos de
serviços prestados. Segundo a professora, “eu acho que o ensino é a minha vocação, a minha
paixão é ensino; inclusive eu amo mais a graduação do que a pós, porque na pós você informa
e na graduação você forma. Existe essa vertente muito clara na minha cabeça”.
É bacharel e licenciada em ciências biológicas, com mestrado em zoologia e em
ecologia e doutorado em ecologia. Em sua graduação não teve a oportunidade de estudar a EA
e o mesmo ocorreu no mestrado em zoologia. No mestrado em ecologia trabalhou com
ecologia humana, pois sua vocação “era sempre trabalhar com o humano”, mas “era muito
conservador”. Em 1978, “não se falava em educação ambiental, só se falava em ecologia”. No
doutorado realizado no México em 1986 teve os primeiros contatos com a EA, pois lá “já se
começava a falar das questões da educação ambiental”. Considerou fascinante essa inovação e
prontificou-se a trabalhar gratuitamente em um grupo que tinha por foco a avaliação do
impacto ambiental. Seu objetivo era “aprender sobre educação ambiental”.
Folha de Jambeiro optou por ser identificado como folha desta árvore porque ela é
“muito certinha, organizada”. Além disso, ele atestou: “Eu acho tão bonito um pé de jambo!”
Considera-se ainda estudante e diz “nunca vou parar de estudar”. Vê-se atualmente “mais
como professor do que como pesquisador”, pois não consegue “separar a vida como professor
da vida como um cidadão, uma pessoa comum, uma pessoa que tem lazer, se diverte, prepara
aula, corrige prova”. Então diz que é uma pessoa com várias vertentes e conclui: “Eu não sou
apenas uma pessoa, sou professor”.
O texto que oferecemos aos atores para leitura durante a entrevista narrativa ajudou o
professor a encontrar mais traços de sua identidade, pois o mesmo nos disse:
Pensando no texto que você me deu para ler, eu gosto muito de ler a imagem a partir
do contexto que a natureza mostra, eu sou também uma pessoa que reflete o que eu
estou sentindo. Então se eu estiver cansado, você sabe que eu estou cansado; se eu
estiver indignado com algumas coisas, você sabe que eu estou indignado.
Folha de Jambeiro foi professor do ensino fundamental e médio e também de museu
de ciência, antes de ingressar na educação superior. Atuou em faculdades privadas e foi
professor substituto de 2006 a 2008. Foi aprovado em concurso público em 2009 e desde
então atua nos cursos de licenciatura e bacharelado em ciências biológicas, biomedicina e
ciências ambientais.
Com licenciatura em ciências biológicas teve contato com a EA do terceiro período ao
oitavo período “lá no Espaço Ciência, área de biologia, como monitor”. Assim, o mesmo não
teve contato com a EA nos componentes curriculares que cursou na universidade, mas no
138
estágio que realizou em ambiente externo. Ao terminar a graduação, ingressou no mestrado
em micologia e continuou no Espaço Ciência como “coordenador da área de meio ambiente,
manguezal e do laboratório de biologia”. O doutorado foi em microbiologia e neste o
professor trabalhou “com própolis e alguns extratos de plantas pra tentar tirar do ambiente
alguma coisa que desse resultado” no tratamento de doenças vaginais. Fala que “a questão
ambiental que eu trabalhei no doutorado foi isso, foi a questão dos produtos naturais que
podem ser utilizados pelas pessoas a baixo custo. É a medicina popular”.
Folha de Ingazeiro, que estuda folhas da mata ciliar que caem na água e o processo de
degradação das mesmas, “precisa conhecer as folhas, saber se elas são maleáveis ou não, se
têm metabólitos secundários” e outras características das mesmas; escolheu ser identificado
como uma folha de ingazeiro porque vem “trabalhando desde o sul com esta espécie”. De
origem gaúcha ressalta que o ingá “vem acompanhando” seus estudos há bastante tempo.
Folha de Ingazeiro gostou do texto da entrevista narrativa, pediu para ficar com o
mesmo, pois se identificou com o lago de águas calmas e límpidas descrito por Brandão
(2002) e nos revelou que
Sempre teve uma relação muito grande entre a água e o sujeito, o seu psicológico. Eu
desde cedo, desde a graduação, sabia muito bem que eu gostaria de trabalhar com
água. Então os meus estágios eram todos voltados a mexer um pouco com isso. Não
me interessa muito os micro-organismos ou os ecossistemas terrestres ou outros; só
me interessava o aquático.
Considerou difícil falar de si e sentiu-se mais à vontade descrevendo quem era a partir
de sua formação. Disse que sempre soube que “tinha que estar com o pé na água” e seguiu
cursos que propiciassem isso. É licenciado em ciências biológicas e fez mestrado “em
ecologia, com foco em ecologia aquática”, tendo trabalhado com lagos rasos. O doutorado,
também em ecologia, foi cursado na Alemanha e também envolveu água, só que desta vez
foram “lagos profundos, lagos ácidos com PH 2, 3”. O pós-doutorado foi realizado “com
cursos de água, com riachos e rios”. Folha de Ingazeiro considera que seu processo formativo
contribuiu para o trabalho que realiza atualmente com EA na universidade porque, segundo
ele, “através da pesquisa eu fui descobrindo o que me motivava pra eu poder atuar como
profissional”.
Ele não soube explicitar ao certo quantos anos tem de experiência na educação
superior, mas já atuava no Rio Grande do Sul antes de vir para o Recife concorrer ao cargo de
professor que ocupa atualmente. Na IES de Recife atua com os cursos de licenciatura e
bacharelado em ciências biológicas.
139
Folha de Cajueiro identifica-se com a folha desta árvore, mais especificamente com
um cajueiro que existe em uma fazenda na Bahia, onde leva seus alunos para vivenciarem
contato maior com o meio ambiente, porque neste lugar descobriu que “nós seres humanos
somos capazes de nos comunicarmos também com outros seres, que não são humanos”.
Revelou ter “um caderno de diálogos com esse cajueiro que são muito profundos” e, para
lembrá-lo e senti-lo mais próximo, “trouxe um pedacinho da folha dele” consigo. Após a
entrevista, disse-nos que pegou esta folha do chão e pediu autorização ao cajueiro e à natureza
para trazer a folha para Recife, pois jamais a arrancaria da árvore.
Identificou-se como sendo “mineira, nascida em Belo Horizonte, de uma mãe
professora e de um pai escrivão da polícia civil”. Tendo que contribuir para o sustento do lar
desde jovem, sonhava em cursar computação, mas, por julgar ser difícil o ingresso na
universidade em um curso tão concorrido, decidiu cursar matemática. Estando neste curso,
experienciou cursar um componente curricular da biologia e mudou de curso, voltando,
segundo a mesma “às suas origens”, pois, “desde criança falava que queria estudar os bichos,
trabalhar com os bichos”. Cursou, então, o curso de bacharelado em ciências biológicas em
busca de “estar no meio da natureza, trabalhar com os animais”, pois essa era sua “motivação
principal”.
Sua formação na universidade ultrapassou os muros da mesma, pois viajava
constantemente com um grupo de estudantes de sua turma. Ao conhecer a Amazônia disse
que descobriu o que era “a exuberância da natureza” e desde a graduação sabia que seu “alvo
era chegar à universidade e ser pesquisadora e professora”. Terminando a graduação fez
imediatamente mestrado e doutorado em ecologia e atestou que em sua trajetória formativa
não encontrou a EA “mesmo fazendo mestrado e doutorado em ecologia, é uma ecologia
extremamente acadêmica e desvinculada de seu cotidiano, da sua forma de agir e ser”.
Folha de Cajueiro considera que sua trajetória docente iniciou desde os quatro anos de
idade, quando brincava de lecionar para galinhas e, posteriormente, por ajudar seus primos e
irmãos mais jovens com as tarefas. Quando estava no doutorado ajudou a “fundar um
cursinho pré-vestibular para alunos carentes”, ministrou aulas no mesmo e deu “alguma aula
esporádica, palestra para o ensino superior, alguma coisa que o orientador pedia”. Terminando
o doutorado, foi professora substituta por seis meses em São Paulo e veio a Recife concorrer
ao cargo que ocupa. Está na universidade há cinco anos e atua com os cursos de licenciatura e
bacharelado em ciências biológicas e também no de ciências ambientais.
Folha de Pitangueira atestou que se sente todas as folhas, pois também trabalha com
plantas e ama o que faz. Entretanto, “a mais legal” de todas em sua opinião é a “folha de
140
pitangueira” e é assim que quis ser identificado em nossa pesquisa. A escolha deu-se pelos
seguintes motivos: “as pitangas ocorrem próximas do mar” e ele considera-se “um ser do
mar”, pois é carioca e disse ter escolhido Recife para prestar concurso e viver porque há o
mar, assim como em sua terra natal; “as pitangas são deliciosas”; ao serem comidas suas
sementes são jogadas e isso permite sua disseminação; além disso, “as folhas das pitangueiras
são lindas! Elas brilham ao sol e o odor de pitanga é inebriante”. Concluindo, Folha de
Pitangueira disse que esta árvore “não é a maior da floresta, mas é forte, resistente, robusta,
bonita, os frutos são deliciosos e as pessoas sempre cospem a semente pra nascer outra
pitangueira”.
Definiu-se como sendo um professor que “é a construção de várias histórias de vida”,
pois possui bisavós que foram professores, sua mãe é professora; “então é uma coisa familiar
que foi construída”. Alegou também ter uma preocupação grande com a responsabilidade que
tem perante seus alunos, pois é “uma figura que transmite valores profissionais e pessoais”.
Ademais, considera que “traz uma carga de obsessão de construção do conhecimento pelo
aluno muito grande e da importância do estudar”.
Folha de Pitangueira cursou bacharelado em ciências biológicas e, posteriormente,
motivado por sua mãe, fez também a licenciatura. Seu mestrado e doutorado são em botânica
e sua atividade profissional se iniciou na educação superior não porque ele assim o desejasse,
mas “é onde se contrata mestres e doutores”. Atuou dois anos em uma universidade pública
na região norte do país e passou a lecionar na atual IES em Recife desde 1995. Em sua
trajetória formativa e docente é considerado “um pesquisador muito bom” porque publica
muito em sua área, mas disse-nos: “Eu sou professor. Eu não sou pesquisador. Meu prazer
profissional é muito mais ensinando do que pesquisando. Eu sou pesquisador por
contingência da situação, porque quando você faz mestrado e doutorado, você faz pesquisa”.
Contou-nos que em sua trajetória formativa jamais teve contato com a EA e que
“nunca foi treinado para dar aula no ensino superior”. Ele considera isso “uma falha imensa
dos cursos de pós-graduação” e disse ter construído sua trajetória docente em meio a erros e
acertos. Atualmente atua nos cursos de licenciatura e bacharelado em ciências biológicas.
Folha de Mangueira rememorou sua infância ao fazer sua escolha e disse-nos que na
casa de seus pais há uma mangueira desde sua infância: “a minha vida inteira eu convivi com
mangueira”. Assim a mangueira “é a ligação que a gente tem com subir em árvore, de fazer
tudo”. Esta relação estabelecida com a árvore frutífera faz a professora afirmar que há uma
em sua casa que ela ama, adora.
Folha de Mangueira reconheceu-se da seguinte forma:
141
Eu sou professora de biologia e há muito tempo eu venho trabalhando com esses
temas da educação ambiental, não sei nem porque começou essa história. Eu tenho
uma formação de pesquisadora realmente, mestrado e doutorado [...] até na
graduação foi bacharelado.
O bacharelado em ciências biológicas foi cursado na universidade na qual exerce suas
atividades atualmente e, neste processo de formação inicial, sempre teve “a intenção de
trabalhar como professora da universidade”. O mestrado é em botânica e o doutorado em
ecologia, “mas sempre analisando plantas aquáticas, marinhas”. No bacharelado teve
contribuições da ecologia para o entendimento que tem hoje de EA, embora tenha afirmado
que “a disciplina não entrou com esse perfil de educação ambiental, mas acabava ligando
porque era solo, água, biodiversidade, minerais”. Então os estudantes terminavam “querendo
ou não, puxando para os problemas ambientais”.
Sua trajetória docente iniciou na universidade quando assumiu por dois anos o cargo
de professora substituta em IES pública federal. Para participar do concurso foi motivada por
sua professora orientadora no mestrado a qual insistia para que a mesma tivesse a prática em
sala de aula. Ao terminar o doutorado foi professora substituta por mais dois anos na mesma
IES, com aprovação logo em seguida em concurso para professora efetiva e atua nos cursos
de licenciatura e bacharelado em ciências biológicas.
Folha de Umbuzeiro explicou-nos que o umbu
[...] é uma planta interessante, é uma planta endêmica da caatinga, da região
Nordeste do Brasil. O fruto é muito saboroso e Euclides da Cunha a chamava de
árvore sagrada do sertão. No livro “Os Sertões” ele a chamava de árvore sagrada
porque é uma planta mitigadora de fome, porque, enquanto toda a paisagem da
caatinga está seca, ela é a única que está frutificando, florindo e frutificando, é a
única. Então imagine que para o sertanejo, para as pessoas que vivem nestas regiões,
ela mitiga a fome nos momentos de escassez.
Disse que gostaria de ser identificado como folha de umbuzeiro porque ser professor
ou professora
[...] é um trabalho de resistência, é todo dia tentar vencer as adversidades pra
frutificar. Não que o fruto seja você, mas que, no conjunto lá dos seus alunos, um
frutifique, um germine, um tenha escutado você. Isso é um desafio constante e um
desafio para não murchar, para não perecer diante das decepções, das frustrações.
Então pra mim esse é o maior ensino de resistência, de força, porque entra a seca e
sai seca, tudo morre ao redor e ela se mantém forte.
Folha de Umbuzeiro tem bacharelado e licenciatura em ciências biológicas, mestrado e
doutorado em biologia vegetal. Alegou ter paixão pela biologia, embora a considere
desconectada do ser humano. Então, como pessoal e como profissional, considera que se
142
constituiu “na angústia, no sofrimento de gostar de uma biologia, mas não encontrar o ser
humano nessa biologia” até o momento em que encontrou a etnobotânica que o “redefiniu
como pessoa e como profissional”, pois “foi a oportunidade de interagir com as pessoas”, de
ver que a ciência que pratica “não é hegemônica, ela não é soberana e que a voz do cientista é
apenas mais uma voz dentro das milhares de vozes que existem”. Além disso, atestou que sua
formação contribuiu pouco para a compreensão que tem de EA.
Começou sua trajetória docente “atuando como professor substituto” e veio a ser
“professor efetivo da universidade em 2002”. Sua trajetória como professor “também foi um
pouco sofrida porque nós não somos treinados pra sermos professores, nós somos treinados
para sermos pesquisadores, cientistas”. Assim, “chegar à sala de aula é um desafio imenso e é
sofrível tentar vencer essa carência de formação nossa como professores”. Folha de
Umbuzeiro atua nos cursos de licenciatura e bacharelado em ciências biológicas e confessa
que está “um pouco desmotivado para a carreira docente por muitas e muitas razões”.
Identificar os professores-atores desta pesquisa a partir de quem eles se consideram e
com qual folha gostariam de ser reconhecidos fez diferença significativa no trabalho.
Poderíamos ter caracterizado nossos atores somente pelo que fazem, pelos cursos de
concluíram, ou por qualquer outra forma de identificação. Mas o modo pelo qual optamos por
trabalhar permitiu que conhecêssemos o que são como profissionais e como pessoas, pois,
como discutido neste trabalho, é incoerente dissociar o que somos como pessoas do que
somos como profissionais. Na descrição feita por eles próprios, percebemos suas escolhas
profissionais e pessoais, suas conquistas e frustrações, suas memórias e até mesmo a forma
como se percebem no e com o mundo.
As razões e os argumentos apresentados pelos professores-atores para justificarem sua
escolha da folha da árvore frutífera foram gerados pelo pensar-agir-sentir, que aflorou ao
lembrarem-se do passado, das experiências marcantes em suas vidas, ou por reconhecerem
nas características da árvore suas características próprias.
Sem sombra de dúvida, o momento inicial da entrevista narrativa que permitiu a
leitura do texto de Brandão (2002) e a identificação dos professores-atores por eles mesmos
propiciou um diálogo mais aberto entre pesquisados e pesquisadora que foi fundamental ao
restante da entrevista, à observação das aulas dos professores e ao círculo de cultura.
143
4.4 Os etnométodos: transportando a seiva
Segundo Macedo (2006), a etnometodologia é uma teoria do social que se concentra
em compreender como a ordem social se realiza mediante as ações cotidianas e, desse modo,
consubstancia-se numa teoria dos etnométodos. Para o referido autor, as elaborações de
Garfinkel sobre os etnométodos nos fazem concluir que a constituição social do saber e os
contextos da atividade institucionalizada que o produz e mantém não podem ser analisados de
forma independente.
Concordamos com o autor no sentido de que os etnométodos lutam pelo acolhimento
da natureza do mundo empírico habitado por seres humanos culturalmente situados e
situantes. Assim, buscamos neste trabalho de pesquisa aqueles que refletissem esse
acolhimento e nos permitissem sermos fiéis aos objetivos aqui determinados.
Ademais, orientadas pelos princípios da etnometodologia, buscamos etnométodos que
permitissem a coleta e a análise de dados com sentido e significado para a pesquisa. Há
intencionalidade na escolha dos etnométodos, pois estes garantem a construção e a
reconstrução “[...] do caminhar e do proceder metodológico, sem, contudo, perder a coerência,
a lógica e a radicalidade científica” (FRANÇA, 2003, p. 98).
Um dos etnométodos utilizados foi a análise dos PPP dos cursos de licenciatura
estudados para perceber a valorização e o compromisso com a EA e com a EA crítico-
humanizadora. Outro etnométodo que utilizamos foi a entrevista narrativa. De acordo com
Macedo (2006), a entrevista, na etnopesquisa, ultrapassa a simples função de coleta
instrumental de dados. Ela é considerada uma forma de entrevista estruturada, de
profundidade, na qual a influência do entrevistador deve ser mínima e um ambiente deve ser
preparado para possibilitar tal redução da influência do pesquisador (JOVCHELOVITCH;
BAUER, 2007). Assim, a entrevista narrativa supera o esquema de entrevistas baseado em
pergunta-resposta, ao se empregar o contar e o escutar história a fim de alcançar objetivos.
A entrevista narrativa foi realizada com os professores-atores nos meses de maio e
junho de 2011. Para realizarmos a entrevista fizemos contato prévio com os professores,
explicamos nossa pesquisa, os ciclos etnometodológicos da mesma e, neste contexto, o modo
como chegamos até eles. Após eles concordarem em participar da pesquisa, procedemos ao
agendamento. Todos os professores optaram por serem entrevistados nas universidades nas
quais trabalham. As entrevistas foram gravadas e transcritas após obtermos de nossos
professores-atores autorização por escrito para gravar, descrever, analisar, interpretar e tornar
144
públicas suas palavras, resultantes da entrevista narrativa (apêndice C). As mesmas duraram
em média trinta e sete minutos.
Buscamos aproximação mais efetiva no quefazer da EA crítico-humanizadora por
meio da observação participante nas aulas dos docentes nos componentes curriculares citados
no estudo exploratório. Minayo (2007b, p. 70) define este tipo de observação como um
processo “[...] pelo qual o pesquisador se coloca como observador de uma situação social [...]
com a finalidade de colher dados e compreender o contexto da pesquisa”. Assim, a
observação participante é importante na investigação do quefazer docente, pois permite a
aproximação do pesquisador da realidade concreta, no chão da sala de aula, no local onde
docente e discente agem, pensam, inserem-se como sujeitos históricos.
Foram observadas quatro aulas de cada professor-ator e, para as mesmas, utilizamos
um quadro que garantiu o registro sistemático (apêndice D) dos dados observados. O objetivo
foi garantir uma parte descritiva e outra reflexiva nas observações e assim assegurar o
accountability. Na descritiva, pensamos ser importante descrever: o modo de agir dos
professores-atores nas aulas; a reconstrução de diálogos por meio de frases ou gestos; o
espaço físico onde se realizam as aulas e as atividades desempenhadas pelo docente ao
abordar a EA. Na reflexiva, constaram observações pessoais da pesquisadora, impressões e
sentimentos.
Na construção reflexiva do caminho metodológico, optamos por promover um círculo
de cultura33
, após a entrevista narrativa e a observação participante. O mesmo foi promovido
em novembro de 2011, para favorecer o diálogo entre os professores-atores das duas IES
acerca de seu quefazer. Neste diálogo foi possível aprofundar nossas análises sobre os
indícios de processo de humanização e de formação de cidadãos críticos no quefazer da EA
crítico-humanizadora. Para Freire (2000a), círculo de cultura é um ambiente no qual, em lugar
do professor, há o coordenador de debates; em lugar de aula discursiva, há o diálogo; em
lugar de pessoas com tradições passivas, há o participante de grupo.
Em Cartas à Cristina, Freire retoma sua concepção de círculo de cultura e explica
que se tratava de
[...] espaços em que dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em que se conhecia
em lugar de se fazer transferência de conhecimento. Em que se produzia
conhecimento em lugar da justaposição ou da superposição de conhecimento feitas
33 Lima (1981) destaca que Paulo Freire identificava o círculo de cultura com “o contexto teórico, em oposição
ao contexto concreto”. De acordo com aquele autor esse posicionamento de Freire é influência da obra de Karel
Kosik intitulada Dialética do concreto. Os círculos de cultura nasceram do trabalho de Freire realizado no Sesi e
na Universidade do Recife. Nos círculos, quais os temas a serem debatidos eram estabelecidos pelo grupo, mas
outros podiam ser sugeridos pelo mediador para esclarecer ou iluminar a temática sugerida.
145
pelo educador [...] Em que se construíam novas hipóteses de leitura do mundo
(FREIRE, 2003, p. 155).
No círculo de cultura há, mediante o diálogo, novas descobertas individuais e coletivas
que preparam e contribuem para “a vida crítica em sociedade” (PADILHA, 2004, p. 171). A
partir do encontro e do confronto consigo próprio e com o outro, o ator enxerga melhor a si
mesmo e as situações que a ele se colocam, podendo, com base nesse diálogo, intervir
criticamente na realidade.
Durante o trabalho com o círculo de cultura, os professores-atores dos cursos de
graduação estudados forneceram dados para pesquisa em um ambiente onde a própria
pesquisadora foi membro do grupo, pois fez parte do círculo. Nesse sentido, há o que Macedo
(2006) chama de “envolvimento deliberado do investigador na situação da pesquisa”. Além
do mais, tal participação no círculo de cultura colocou os professores em contato com a
realidade do outro e das práticas com EA nos cursos de formação estudados, permitindo
aprender e ensinar a criação e a recriação de quefazeres. Esse espaço privilegiado favoreceu o
encontro para troca, conhecimento, reconhecimento e superação, configurando-se, portanto,
como espaço que potencializa mudanças. Segundo Padilha (2004, p. 250), os círculos
[...] Transformam-se em espaços privilegiados de encontros culturais e educacionais,
potencializando a realização de pesquisas, de eventos populares e comunitários
dos mais variados, de reuniões de confraternização reflexivas, de decisões coletivas
[...] é justamente nessas ocasiões citadas, em que as pessoas buscam aprender,
ensinar, reconhecer as suas subjetividades e objetividades [...] (grifos nossos).
Seguindo as orientações que são dadas aos coordenadores dos círculos de cultura,
realizados durante os Colóquios Internacionais Paulo Freire, promovidos pelo Centro Paulo
Freire da UFPE, o círculo de cultura foi organizado em momentos distintos (apêndice E),
quais sejam: acolhimento, problematização (elaboração da questão problematizadora), diálogo
sobre a questão problematizadora e momento de síntese. Neste sentido, destacamos que
compreendemo-los como momentos que se complementam e que, portanto, não seguem
lógica linear ou etapista.
O referido círculo aconteceu na Oficina Brennand34
e foi uma decisão tomada junto
com os professores-atores, pois se trata de um local propício ao contato com a natureza, à
34 Descobrimos que houve estreita relação entre Paulo Freire e Francisco de Paula Coimbra de Almeida
Brennand, proprietário da oficina. Eles se conheceram no Colégio Osvaldo Cruz, em Recife. Francisco
Brennand, como é conhecido, é ceramista, pintor e escultor reconhecido internacionalmente e transformou a
oficina de cerâmica de seu pai em local privilegiado de exposição de suas esculturas. Segundo Vale (2005),
Francisco Brennand produziu, a pedido de Paulo Freire, pinturas que foram utilizadas por ele nos círculos de
cultura para alfabetização de adultos.
146
reflexão perante a beleza natural e cultural e sua localização próxima às duas universidades
estudadas favoreceu o deslocamento dos professores ao mesmo.
O local foi devidamente agendado para a realização do círculo e os convites aos
professores-atores para a participação no círculo de cultura foram feitos por telefone e por e-
mail. Apenas um dos professores atestou estar em coleta de dados em outra região do país, o
que impossibilitaria sua participação. Apesar disso, no dia do círculo – dia 22 de novembro de
2011 – outros dois professores não puderam comparecer por motivos profissionais
inesperados. Dessa forma, quatro professores-atores participaram do círculo de cultura: Folha
de Mangueira, Folha de Cajueiro, Folha de Umbuzeiro e Folha de Pitangueira. Estes
professores deram-nos autorização (apêndice F) para utilizar suas imagens em fotografias
resultantes do círculo de cultura. O registro do círculo foi feito também em gravador e em
computador, no qual a professora orientadora da tese fez anotações das falas dos professores-
atores.
No primeiro momento promovemos o acolhimento dos professores-atores através de
recepção carinhosa com a preparação do ambiente/auditório com músicas que traziam sons da
natureza e cartolinas que continham os indícios de processo de humanização do humano e de
formação de cidadãos críticos no quefazer da EA crítico-humanizadora na formação inicial de
professores de biologia – identificados nas entrevistas narrativas e nas observações realizadas
(figuras 20 e 21). Neste primeiro momento também explicamos o planejamento do círculo de
cultura entregando-o a cada professor-ator (apêndice E).
Figuras 20 e 21 – cartazes utilizados no círculo de cultura
Fonte: A autora
Consideramos importante que, desde o momento inicial, os professores-atores
tivessem um retorno do trabalho de pesquisa através dos indícios identificados em cada fio
condutor, quais sejam: relação professor-aluno, unidade teoria-prática, relação sujeito-mundo,
147
relação educação-sociedade, relação ensino-pesquisa e interdisciplinaridade. Todos os
indícios podem ser encontrados no capítulo que traz os resultados do presente trabalho.
Assim, a análise dos dados coletados na entrevista e na observação foi levada aos professores-
atores durante o círculo de cultura.
Através da dinâmica do barbante (figura 22), os professores-atores apresentavam-se e
diziam uma palavra que os remetesse aos quefazeres da EA crítico-humanizadora. Em tal
dinâmica, o professor, após dizer a palavra, jogava o barbante e mantinha uma das
extremidades consigo, o que promoveu, ao final da dinâmica, que todos os participantes
estivessem conectados, dando a ideia de complexidade, de que o quefazer da EA crítico-
humanizadora está tecido junto, por todos eles.
Figura 22 – Dinâmica do barbante no círculo de cultura
Fonte: A autora
No decorrer do círculo de cultura a problematização foi sendo construída pelos
professores-atores que, em dois pequenos círculos/grupos, elaboraram uma
questão/problematização sobre a materialização da EA crítico-humanizadora no seu quefazer
docente na formação inicial de professores de biologia. Entretanto, os quatro professores, após
diálogo, identificaram-se com uma problemática única e propuseram que o diálogo para
148
elaboração da problematização ocorresse em um único círculo. Para tanto, optaram por sentar-
se no chão para dialogar (figura 23). A problematização eleita pelo grupo foi:
O que garante a materialização da EA crítico-humanizadora no quefazer docente?
Figura 23 – Momento da problematização
Fonte: A autora
O momento de problematização constituiu-se como momento de reflexão acerca do
que os professores detectaram em suas falas iniciais sobre a EA crítico-humanizadora e
também daquilo que fazem como pessoas e como professores, o que permitiu o repensar da
realidade pessoal-profissional na forma de problema. De acordo com Freire (1992, p. 82-83):
“No fundo, em seu processo, a problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um
conteúdo, fruto de um ato, ou sobre o próprio ato, para agir melhor, com os demais, na
realidade”.
Após o momento da problematização fizemos um intervalo de quinze minutos para
café e conversa/diálogo informal (figuras 24 e 25), com o objetivo de aproximar mais os
professores-atores antes do momento de diálogo amoroso e construtivo acerca da
problematização eleita. Segundo Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 187), “Nós humanos
existimos na linguagem, e todo o ser e todos os afazeres humanos ocorrem, portanto, no
conversar – resultado do entrelaçamento do emocionar com o linguajar”.
149
Figuras 24 e 25 – Intervalo para café e diálogo
Fonte: A autora
No momento do diálogo e síntese sobre a problematização, mais uma vez os
professores-atores optaram por acomodar-se no chão (figura 26) para elaborar uma síntese
escrita com: texto crítico-reflexivo, poema, cordel, desenho, paródia e/ou outras formas de
linguagens. Escolheram a construção de um cartaz em cartolina na qual foram colocados
desenhos e palavras que expressavam a materialização da EA crítico-humanizadora no
quefazer docente.
Figura 26 – Momento de diálogo e síntese
Fonte: A autora
150
A articulação final foi realizada durante o momento de diálogo e síntese. Nesta foi
explicitado o processo de construção do cartaz síntese – ver figura 27 - havendo, na
sequência, a avaliação final do círculo de cultura, no qual foi possível que os professores-
atores expressassem como se sentiram fazendo parte do mesmo.
Figura 27 – cartaz síntese do círculo de cultura
Fonte: a autora
Após o rico e produtivo círculo de cultura, houve mais uma vez a oportunidade de
estreitar laços profissionais e pessoais durante um almoço de confraternização no restaurante
da Oficina Brennand.
Entendemos que o círculo de cultura veio a contribuir com a tese pela possibilidade de
substanciar a coleta de dados na materialização de uma pesquisa crítico-humanizadora. O
próprio caminhar etnometodológico apontou-nos que, na pesquisa, para garantirmos a
coerência no processo de construção de conhecimento socializado seria oportuno trazer o
círculo de cultura como fechamento de um ciclo para continuidade de outros.
152
CAPÍTULO 5
RESULTADOS E DISCUSSÕES: A COLHEITA DOS FRUTOS
A formação de quaisquer pessoas ou profissionais, inclusive da educação, não
resulta de uma prática docente, mas de uma práxis pedagógica não apenas de uma
instituição, mas de várias. Uma professora ou um professor não se forma por meio
da prática de um docente, ainda que um ou outro possa ter sido decisivo nesse
processo. A formação de um professor também não provém da ação, ainda que
conjunta, de docentes da Educação Superior, mas da práxis pedagógica de várias
instituições formadoras e de muitas outras experiências formativas que vai vivendo
ao longo da vida e de seus ambientes culturais (SOUZA, 2009, p. 23).
Esta afirmação é importante, pois traz que a prática docente universitária não é a única
que determina a formação dos professores. Há vários espaços nos quais o professor vai se
formando ao longo da vida. Na escola, por exemplo, desde a educação infantil, o futuro
professor vai construindo imagens da docência.
Na educação superior o mesmo ocorre, porém com uma diferença: a possibilidade de
escolha. O estudante tem opções de cursos universitários e de IES, ele decide sua profissão
futura. Tal escolha passa por preferências pessoais e/ou vocações, influência familiar, da
mídia, da situação econômica do país, a facilidade ou não de inserção profissional e outros
fatores. Entretanto, independente da escolha feita, são no mínimo quatro anos de vivência
universitária e, esse período, certamente, tem muitas influências na formação do profissional,
o que torna importante investigá-la com relação a vários aspectos.
No presente trabalho, para estudarmos o quefazer docente da educação ambiental
crítico-humanizadora na formação inicial de professores de biologia traçamos um caminho
etnometodológico desde nossos estudos exploratórios. Nesta parte do trabalho, nos dedicamos
a apresentar os dados coletados posteriormente a tal estudo, frutos colhidos de galhos de
árvores frondosas localizadas no Recife, responsáveis pela formação de diversas flores que
atuam na capital e no interior de Pernambuco. Iniciemos pela análise dos PPP, pois estes nos
permitiram olhar o chão, a terra que é base de referência dos professores-atores que têm
quefazer com a EA crítico-humanizadora.
5.1 A educação ambiental crítico-humanizadora nos PPP: frutos verdes
O PPP do curso de licenciatura em ciências biológicas da UFPE foi reformulado em
2010 e no mesmo encontramos que um dos objetivos específicos do curso é “disseminar
153
conhecimentos sobre a natureza e o meio ambiente, visando à melhoria da qualidade de vida”
(p. 8). Tal melhoria é expressa também no perfil do profissional formado no curso. Segundo
consta no PPP,
O futuro professor de biologia deve ser um mediador capaz de orientar o processo de
aprendizagem de seus alunos, consciente do seu papel na formação de cidadãos
críticos e da sua contribuição e responsabilidade na transformação da realidade, na
busca da melhoria da qualidade de vida da população. Sua atuação deverá ser
preponderante na preservação do meio ambiente (p. 9; grifos nossos).
Entretanto, a formação do professor que visa à formação de cidadãos críticos não tem
correspondência direta com o fato de este profissional atuar preponderante na preservação do
meio ambiente. A transformação da realidade e a busca pela melhoria da qualidade de vida
passam por outras questões que extrapolam a preservação ambiental e a resolução de
problemas que advenham desta não preservação. Promover tal correspondência direta é
reduzir as lentes, ao invés de ampliá-las para ver o todo e as partes, ou seja, ver o mundo
como um cidadão socioambiental.
A redução das lentes pôde também ser encontrada no documento quando são definidas
as competências, as atitudes e as habilidades do profissional formado na IES. Dentre as
principais citadas no PPP encontramos: “Ser capaz de trabalhar em grupos interdisciplinares
para a resolução de questões ambientais” (Ibidem, p. 10). Essas questões, exatamente por
ultrapassarem o ambiental, o natural, é que exigem equipes inter e transdisciplinares atuando
na sua resolução dentro da universidade e assim promovendo a formação de professores e de
cidadãos capazes de levar adiante tal formação diferenciada.
Isto porque, a nosso ver, ser cidadão é apropriar-se da realidade socioambiental no e
com o mundo para nela intervir. Assim, cidadania e meio ambiente caminham de mãos dadas,
formando uma cidadania que é socioambiental e que se constrói a partir da EA. Entretanto,
não encontramos no documento nenhuma referência à EA. Dissociar o ambiental do social e
estes da EA é dissociar as partes que formam o todo, é ver com lentes que fragmentam, o que
fere a compreensão de complexidade, de um mundo que é complexo e cujos problemas não
são isolados de um todo, da teia da vida.
Seguindo este pensamento podemos inferir que o próprio processo de apropriação de
ser cidadão e de cidadania vai sofrendo ajustes ao longo do tempo para acompanhar o
contexto histórico vivenciado. Cidadania é um conceito que por vezes pode receber
conotações que a desviam deste contexto, talvez, como evidenciam Pequeno e Silva (2010, p.
1), pela própria história da cidadania que “desde os primórdios da humanidade confunde-se
154
com a história da luta das gentes pelos direitos humanos básicos” como liberdade, justiça e
dignidade, dentre outros. Nos tempos atuais, cidadania é socioambiental, sociedade e meio
ambiente como direito e como dever de todos e todas.
O PPP do curso de licenciatura em ciências biológicas da UFRPE foi reformulado no
ano de 2008 e nele encontramos que o mesmo foi uma construção coletiva de professores e
alunos de forma que “a interação refletida no projeto foi resultante de um processo exaustivo
de análise dos conteúdos curriculares visando a sua adequação às Diretrizes Curriculares para
os Cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas” (p. 2).
Porém, como discutido no item 2.3 deste trabalho, tais Diretrizes não explicitam qual
dimensão é atribuída ao meio ambiente, contribuindo pouco para o planejamento de
currículos; além disso, o documento não apresenta subsídios que garantam identidades
diferenciadas à licenciatura e ao bacharelado. Deste modo concluímos que a adequação às
Diretrizes não garante a inserção da EA no PPP.
Na abordagem das habilidades pessoais e profissionais do licenciado em ciências
biológicas na UFRPE, encontramos que é imprescindível que o licenciado manifeste ou
reflita, na sua prática como profissional e como cidadão, a seguinte habilidade: “Compreender
e avaliar criticamente os aspectos sociais, tecnológicos, ambientais, políticos e éticos
relacionados às aplicações da biologia na sociedade” (p. 27). Este é o único ponto do
documento no qual encontramos referência à questão ambiental, mas sem trazer, em sua
essência, a EA e, muito menos, a EA crítico-humanizadora.
Entretanto, o documento aponta que uma das habilidades profissionais do licenciado
em ciências biológicas é “assumir conscientemente a tarefa educativa, cumprindo o papel
social de preparar pessoas para o exercício consciente da cidadania” (p. 28). Se entendermos
cidadania como exercício pleno de cidadão que tem direitos e deveres para com a história de
determinada sociedade, e, para além disso, compreendermos que a história é tempo de
possibilidades, não de estagnação, como nos lembra Freire (apud FREIRE, A., 2001),
percebemos que o conceito de cidadania não pode correr o risco de ser utilizado sem sentido e
significado bem definidos em um PPP.
Para que um professor eduque pessoas para o exercício da cidadania, convém não
faltar a ele a vivência da EA na perspectiva da humanização e da criticidade, pois a cidadania
é também socioambiental em uma era em que falamos de cidadania planetária, em dimensão
planetária. Tal dimensão exige uma tomada de consciência socioambiental que se reflete em
atitudes e valores em favor da vida, em favor de um mundo socioambientalmente melhor.
Gutiérrez e Prado (2000) ao pensarem em um plano de ação que assegure as mudanças
155
necessárias para construirmos caminhos que levem a uma cidadania planetária trazem como
meta a formação de pessoas capazes de desenvolver formas de vida consoantes “com a nova
cultura social do desenvolvimento sustentável” (p. 40).
Desenvolvimento sustentável e EA estão intimamente ligados, pois, segundo Carvalho
(2006), a EA faz parte de uma tentativa de responder aos sinais de falência de todo um modo
de vida, a qual já não mais sustenta as promessas de felicidade, progresso e desenvolvimento.
Para tal resposta, cabe associar desenvolvimento econômico ao desenvolvimento
socioambiental. Aí está a união necessária e garantidora da vida, a semente que pode tornar-se
árvore frutífera produtiva.
Compreendemos que urge uma visão socioambiental que corresponde a uma EA
crítico-humanizadora que implica “uma visão de educação como processo de humanização
socialmente situado” (CARVALHO, 2006, p. 155). Nessa perspectiva, a educação consiste na
formação do indivíduo em relação com o mundo no qual ele vive e pelo qual é responsável e,
dessa forma, rompe com a visão de educação determinante da difusão e do repasse de
conhecimentos para assumir uma postura crítica.
Essa postura é necessária para a formação de cidadãos que pensem e ajam
criticamente, que sejam questionadores e transformadores da sua própria realidade, que
disseminem novas e boas sementes. Enfim, que tenham consciência crítica, aqui
compreendida no sentido proposto por Freire (1987), que implica o movimento dialético entre
o desvelamento crítico da realidade e a ação social transformadora, segundo o princípio de
que os seres humanos se educam reciprocamente e mediados pelo mundo.
Entretanto, nos PPP dos cursos de licenciatura investigados, identificamos que a
temática ambiental é pouco discutida, pouco abordada. Neste sentido, pensamos, torna-se
fundamental a compreensão de que o projeto político pedagógico de um curso de licenciatura
situa seus protagonistas em um horizonte de caminhos possíveis, imprimindo direções
oriundas do refletir coletivo sobre que educação, que cidadão, que semente se deseja plantar e
cultivar na sociedade. A abordagem superficial ou negligenciada da EA nos PPP indica-nos
sua necessária revisão diante dos problemas socioambientais que se constituem demandas
e/ou necessidades socioambientais atuais, pois a semeadura continua e a colheita necessita ser
farta.
Garantir a EA crítico-humanizadora no PPP dos cursos de licenciatura em ciências
biológicas é garantir nos mesmos diretrizes concretas que fundamentam a prática pedagógica
e os colocam a serviço da sociedade, na qual urge o desenvolvimento sustentável que tem a
vida como centro e razão. Como nos fala Lampert (2010, p. 39), “cabe à universidade
156
contribuir no desenvolvimento sustentável [...] tendo sempre presente que somente através de
formação humanizada ter-se-á um homem humano, condição para redimensionar a
sociedade”.
É na universidade que são formados recursos humanos que atuarão em toda a
sociedade, que podem mudar ou reconstruir sua história, criar oportunidades de ações de EA
crítico-humanizadora que melhorem as condições de vida das presentes e futuras gerações.
Contudo, Zabalza (2004, p. 43) destaca que há um “esvaziamento progressivo de tudo que
significa enriquecimento pessoal e melhora da qualidade de vida das pessoas”; tal autor ainda
complementa que é como se isso “não tivesse relação com a formação universitária e com a
forma de realizá-la” (Ibidem, p. 43).
No caso dos PPP estudados, como estes não norteiam o quefazer docente nos
caminhos de uma EA crítico-humanizadora, mas que encontramos nos relatos dos
licenciandos, refletimos que tal quefazer emerge da iniciativa pessoal dos docentes, o que
explicita o descompromisso nestes documentos com a sustentabilidade socioambiental.
Explicita também que há um descompasso com os próprios documentos que regem as duas
IES estudadas (o PDI e o PPPI), pois, como analisado em nosso estudo exploratório, ambos
trazem indícios de trabalho com a EA crítico-humanizadora.
As análises feitas levam-nos a considerar que os PPP estudados constituem-se frutos
verdes, frutos que podem ser repensados, reelaborados, rediscutidos por uma equipe
interdisciplinar. Afinal, o PPP não é um documento estanque, ele pode ser modificado para
atender demandas sociais, educacionais, políticas e ambientais da comunidade acadêmica e da
sociedade de forma mais ampla. É um processo de amadurecimento necessário que tem a
possibilidade de dar origem a frutos maduros, doces e suculentos, como os encontrados em
árvores frutíferas do Recife.
5.2 Quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora que norteia a formação de
professores de biologia
O quefazer docente da EA crítico-humanizadora é reflexo de concepções, de atitudes e
de valores que foram e estão sendo construídos pelos professores na vida cotidiana. Para
entrarmos no contexto do quefazer docente fomos então escutar os professores-atores,
provocar as folhas a socializar suas concepções, atitudes e valores através da linguagem.
Oliveira (2011, p. 181) defende que “é a linguagem que nos possibilita as interações com o
mundo e é por ela que a comunicação se instala”.
157
Coulon (1995) reforça que a vida social se constitui através da linguagem, através da
indicialidade. Percebemos que, ao falarem de suas concepções, as folhas oxigenaram a tese e
trouxeram energia fotossintetizante à mesma, pois suas falas permitiram-nos vê-las como
professores e como pessoas, indo ao encontro do lar do sentido de seu quefazer. E, visando à
valorização de suas falas, as trazemos na íntegra neste trabalho. As mesmas podem ser
identificadas pelas aspas ou pelo texto destacado.
5.2.1 Concepções dos professores: indicialidade do quefazer no limbo
Estudos sobre a morfologia de folhas afirmam que o limbo é a parte mais ampla da
mesma e é a principal responsável pela fotossíntese. As folhas da presente pesquisa
apresentam limbo que se prende ao ramo caulinar através de um pecíolo e suas nervuras são
ramificadas.
Assim, estudar as concepções de tais folhas é mergulhar na prática/realização, na
indicialidade/indexalidade, no accountability, na reflexividade e na noção de membro, que
estão em sua parte mais ampla, mas nem por isso mais fáceis de serem apreendidas e
desveladas, pois as nervuras se cruzam e entrecruzam, como as concepções e o quefazer dos
professores-atores da pesquisa.
Como defendem Moraes e Torre (2004, p. 22), “As concepções existentes dentro de
cada um de nós se revelam também em nossa maneira de conhecer, de aprender e de educar”.
Do mesmo modo, a forma de agir, de ser, os valores e atitudes expressos no ato de conhecer,
de aprender e de ensinar refletem as concepções asseguradas pelos professores-atores.
Quanto à concepção de educação, Folha de Jabuticabeira nos disse: “Educação pra
mim é educação. Ela é educação e deveria ser assumida pela educação”. Esta resposta nos
leva a perceber que a educação é prioridade e deveria ser trabalhada por profissionais
qualificados. A referida professora demonstra indignação ao afirmar que não entende “como
os centros de educação não assumem como sua responsabilidade a educação e deixam que
todo mundo queira ser educador ambiental35
”.
Assim, Folha de Jabuticabeira tem a concepção de intrínseca relação entre educação e
educação ambiental, o que reforça a definição de Layrargues (2004) de que o ambiental
adjetiva, qualifica a educação. A partir desta compreensão, a professora deduz que a formação
35 Aqui destacamos que se trata da narrativa da professora, pois nossa concepção é ampliada em relação aos
educadores, que são socioambientais, e em relação à necessária diferença entre educadores e professores.
158
para a prática docente com EA deveria ser responsabilidade dos centros ou departamentos de
educação na universidade.
A este respeito refletimos que a EA não é área restrita de centros ou departamentos de
educação, até por seu objeto de estudo constituir-se a relação sociedade-natureza. É por isso
que atualmente encontramos a EA sendo trabalhada nos departamentos de biologia, de
química, de engenharia e outros. Dissociar sociedade e natureza é fragilizar a EA na
universidade e em qualquer outro espaço formativo.
Pensamos, então, que Folha de Jabuticabeira tenha delimitado os centros de educação
como espaços responsáveis pela formação de “educadores ambientais porque se perdeu o
conceito” da EA e não temos, “com raras exceções, um trabalho continuado que dê bons
frutos”. Ademais a EA terminou sendo “pega como uma gelatina sem forma nenhuma e foi
sendo usada por diversos segmentos sociais e políticos, então ficamos com a EA com N
fisionomias e, no frigir dos ovos, todas fracassadas”.
Guimarães (2005) ao analisar a formação de educadores ambientais no Brasil
constatou a fragilidade da EA pela pontualidade dos trabalhos que são realizados, e afirma a
necessidade de se efetuar uma EA crítica, articulada ao exercício da cidadania. O autor
também aponta alguns pontos que fragilizam a prática da EA: abordagem interdisciplinar não
favorecida, foco na perspectiva comportamentalista, finalidade conteudística e informativa,
atividades que desconsideram a realidade socioambiental.
Contudo, cabe-nos destacar que há diferença entre educadores ambientais e
professores que trabalham com a EA em seu quefazer docente. Por educadores ambientais
podem ser denominadas pessoas que tenham cursado graduação ou especialização na área
ambiental ou afins, como a biologia, ou cursos ofertados nos mais diversos espaços, como o
MMA. Este ministério oferta cursos que formam educadores ambientais para atuarem, por
exemplo, na gestão ambiental de unidades de conservação. Entretanto, o professor é aquele
que tem licenciatura, que concluiu um curso de formação de professores na educação
superior. Nesta compreensão, todo professor pode ser um educador socioambiental36
, mas
nem todo educador socioambiental é professor.
Dessa forma, os centros e os departamentos de educação têm compromisso com a
formação de professores que trabalhem a EA, assim como os demais centros e departamentos
nos quais haja tal formação. Isso porque os professores necessitam de formação técnica-
36 Utilizamos o termo educador socioambiental porque este amplia o entendimento do sujeito formador e em
formação, tendo em vista a necessária formação socioambiental.
159
metodológica, ou seja, de conteúdos específicos e pedagógicos, mas também de formação
político-filosófica.
Falar em educadores ambientais no Brasil é algo confuso, e daí pode advir a narrativa
da professora, visto que ainda não há um consenso sobre que formação é necessária para o
exercício deste cargo. Textos que versam sobre esta temática, como o de Guimarães (2005),
não explicitam diferenças entre educadores ambientais e professores. E, ao buscarmos na
internet concursos para educadores ambientais encontramos a exigência da educação básica
ou da educação superior. Em relação a essa última, os concursos aceitam candidatos que
tenham cursado o bacharelado ou a licenciatura em: ciências biológicas, ciências da natureza,
ciências sociais, ecologia, engenharia agronômica, engenharia florestal, geografia, gestão
ambiental, pedagogia ou turismo. O que se espera dos educadores ambientais, de modo geral,
é que desenvolvam projetos e atividades socioeducativas de enfoque ambiental.
A concepção da professora sobre educação e sobre EA tem também toda uma
influência do que ela vivenciou na década de 90 na universidade em que trabalha. Segundo a
mesma, neste período, a “universidade estava sendo descaracterizada”, pois o “papel desta
universidade é formar, mas ela estava deixando para os cursos de capacitação e especialização
formar educadores ambientais”. Desde este período ela disse: “Eu quero a educação ambiental
como educação, eu quero trazer a educação ambiental para a cátedra, porque ela é educação”.
Desta vivência relatada é que surgiram indícios na fala da professora dos links que ela
faz entre educação e EA. Para a mesma, “ou você é educado e é exemplo de educação
ambiental, ou você não é educado”; e ainda: “a educação tem que incorporar que a educação
ambiental é educação e, portanto, parte também do ambiente doméstico”.
Encontramos subsídios em Trindade (2000) e em Chauí (2000) para compreender a
universidade brasileira na década de 90, e, dessa forma, entender a narrativa da professora em
relação aos tempos difíceis vivenciados pelas universidades. Podemos destacar uma sucessão
de problemas relevantes como obstáculos ao desenvolvimento universitário brasileiro nesta
década: estruturas obsoletas, bibliotecas insatisfatórias, existência de cursos sem avaliação do
mercado de trabalho, currículos pouco flexíveis, baixo rendimento dos alunos, reduzido
número de vagas, tempo parcial de alunos e docentes e ausência de um planejamento que
norteasse a expansão do sistema de ensino superior no país.
Para Chauí (Ibidem, p. 220) a universidade dos anos 90 “estava virada para dentro de
si mesma”, entretanto, isso não significava um retorno a si, mas sim, uma perda de si. Isto
porque, além das características já citadas, a autora enfatiza ainda: a docência era entendida
como transmissão rápida de conhecimentos para graduandos, o que provocou o
160
desaparecimento da formação, entendida como marca essencial da docência. Tal fato, como
narrou Folha de Jabuticabeira, trouxe a descaracterização da universidade a partir da
desvalorização da docência. E, neste sentido, não somente a formação para EA estava
comprometida, mas também a formação do professor de forma ampla.
Folha de Cajueiro compartilha pensamento similar ao de Folha de Jabuticabeira, pois,
para a professora, não há diferença entre educação e EA. De acordo com a mesma; “Eu acho
que se a gente precisa disso hoje é por causa de uma crise de percepção enorme que a
humanidade vive, mas deveria ser a mesma coisa”.
Frente às concepções de Folha de Cajueiro e de Folha de Jabuticabeira podemos
inferir que, se há fragilização da EA na universidade na formação de professores de ciências
biológicas, isto pode ser lido também como um indicador de que se está perdendo a noção de
educação como promotora de transformações socioambientais. Tal fato remete-nos a pensar
que a educação ambiental e a educação que transformam encontram acolhida na pedagogia
freireana tendo a criticidade e a humanização como categorias chave, pois nela encontramos
subsídios para promover a emancipação e a autonomia na formação de cidadãos.
Para Folha de Jambeiro a educação transformadora invade “todos os setores, invade
todas as esferas da sociedade, invade sua vida”. Desse modo “a educação tá na sua casa, tá na
escola, tá na igreja, tá na rua, tá dentro do ônibus”. Coerente com esta forma de pensar ela nos
diz que a EA não é “aquela questão do lixo, jogar lixo no lixo”, também “não pode ir muito
para o lado emotivo”, embora ele considere “que o ser humano é um ser afetivo”. Para o
professor, o importante na EA é que o estudante considere-se “um ser que também transforma
o local em que ele está inserido”.
Entendemos que Folha de Jambeiro também traz concepções de educação e de EA que
se entrecruzam, pois se a educação invade nossas vidas, ela transforma. Os homens, como
seres da práxis, são seres que transformam, que recriam, reinventam a realidade
socioambiental. Tais seres são formados em vários espaços, como os descritos por Folha de
Jambeiro. Freire (apud FREIRE, A., 2001, p. 75) comenta que: “É importante que saibamos
que o tempo limitado da sala de aula representa apenas um momento da experiência social e
individual total do aluno”. Por isso mesmo, pensamos, os momentos formativos na
universidade se bem planejados, se tiverem sentido e significado na formação de futuros
professores e de pessoas, são fundantes para as transformações socioambientais a nível local,
regional, nacional e planetário.
A educação é compreendida como caminho para “a transformação de pessoas” por
Folha de Pitangueira. Para ela, a educação é “oferecer os caminhos para que as pessoas”
161
sigam e “construam seu próprio conhecimento”. A educação também “permite a formação de
pessoas profissionalmente melhores, pessoalmente mais habilitadas”. Educar é, pois,
contribuir na formação de pessoas-profissionais melhores, educar é um fenômeno holístico,
como nos dizem Moraes e Torre (2004) e Röhr (2006), que traz implicações com repercussões
em todas as dimensões do humano. Ademais, a ideia de seguir e construir conhecimentos
ultrapassa os limites de compreensão da educação como aquela que permite a formação. A
educação é crítica e, como tal
[...] afima que os homens são seres que se superam, que vão para a frente e olham
para o futuro, seres para os quais a imobilidade representa ameaça fatal, para os
quais ver o passado não deve ser mais que um meio para compreender claramente
quem são e o que são, a fim de construir o futuro com mais sabedoria (FREIRE,
2006, p. 95).
Folha de Pitangueira, ao refletir sobre sua concepção de educação, parou por alguns
momentos, como que conversando com si própria, e retomou sua fala destacando a
importância do professor na educação das pessoas. Segundo ela, é muito difícil ser professor,
pois ela tem uma preocupação “muito grande com os valores”. Por vezes o professor não
percebe o quanto “pode influenciar, tanto faz se no nível superior ou na educação básica”.
Educar então envolve, além da construção de conhecimentos, a construção de valores
e de atitudes. Assim, não são as informações, as verdades absolutas transmitidas através de
aulas que mais parecem discursos que dão sentido à vida. Esta, incluindo a boniteza e também
os problemas socioambientais, envolve construções diárias, cotidianas, o que nos permite
veicular educação e EA. Aliás, para Folha de Pitangueira: “o que a gente faz no nosso dia-a-
dia é educação ambiental [...] mas o que a gente vê é que se fala na sala de aula sem se ter
como atitude no cotidiano [...] o que adianta eu falar em reciclar o lixo e salvar o planeta se eu
próprio não estou fazendo isso?”
Coerência e ética aparecem na fala de Folha de Pitangueira que, em um ímpeto de
reflexividade, começou a relacionar suas concepções com seu quefazer docente, dizendo-nos
que a EA está em suas aulas de “forma enviesada porque permeia toda a disciplina, mas não
de maneira formalizada”. Ela explica que no componente curricular são abordados os
ecossistemas do Brasil, “as ameaças dos ecossistemas, a sistemática de plantas, famílias que
ocorrem nesses ecossistemas, os produtos de importância econômica”. Assim, embora a EA
não esteja no conteúdo programático nem na ementa do componente curricular, ele consegue
transversalizar e também contextualizar. Segundo esta folha,
162
Então, eu falo nas aulas: “Porque que a gente come maçã e não come umbu que é
daqui?” Isso é EA na minha concepção. Você come uma maçã, ela viajou 3 mil
quilômetros de avião pra chegar aqui madura, e a gente não come a uva que tá
produzindo no São Francisco, por que? Isso é EA, essa concepção de você acreditar
que o local pode ser utilizado, entendeu?
O modo pelo qual Folha de Pitangueira desvela as concepções e o quefazer que se
entrecruzam em suas nervuras mostra-nos que ela traz reflexões críticas e éticas sobre o
cotidiano do professor em formação para as aulas. Exemplo disso são as reflexões acerca dos
valores dados ao que vem de fora. A EA, neste quefazer docente, significa impregnar de
sentido os fazeres cotidianos: o que comemos, o que lemos, o que ouvimos, o que
compramos, enfim, nosso quefazer reflete escolhas que são construções pessoais e coletivas.
Nesta perspectiva, corroboramos Freire (apud FREIRE, A., 2001, p. 98) segundo o qual é
importante “reconhecer que a educação, não sendo a chave, a alavanca da transformação
social, como tanto se vem afirmando, é, porém, indispensável à transformação social”.
Para Folha de Ingazeiro educação é processo. Ela explicou sua concepção com um
exemplo pessoal vivenciado em sua formação inicial no curso de licenciatura em ciências
biológicas.
Eu lembro que quando eu tava na graduação ainda e eu tinha que fazer estágio
supervisionado ou prática de ensino, eu trabalhava já com ecologia na época. E tinha
um professor que dizia o seguinte: “A melhor didática que tem é amar os alunos”. E
eu me lembro dele, ele era um professor bem antigo já. E eu achava isso tão
romântico! (risos) Pra quem tava entrando numa sala de aula de um curso noturno, o
pessoal já cansado, vindo do trabalho, com toda uma carga de coisas assim... Ia
desprender de mim algo que era muito.
Nesta fala encontramos indícios de desconfiança em relação ao professor que
orientava seus licenciandos a amar os estudantes, mas também a reflexão de que a docência
exige muito de quem a exerce com compromisso. Contudo, Folha de Ingazeiro descobriu, ao
experienciar a docência, que amar não é romantizar ou fantasiar. A educação então, como
processo, não é, mas está sendo, e permitiu que algo discutido na graduação só tivesse sentido
e significado anos depois. Folha de Ingazeiro revelou-nos que
Quando a gente começa a trabalhar com pessoas, tem esse fator que o estudante
deixa de ser o grupo, deixa de ser o coletivo, a gente passa a individualizar, a
procurar entender a postura de cada um, a forma de cada um participar das aulas, a
forma em que eles trazem suas experiências.
Como explicam Moraes e Torre (2004) faz-se necessário um novo paradigma
educacional no qual haja o encontro entre razão e sentimento. Já Maturana (1999) fala-nos da
163
importância dos seres humanos se desenvolverem na biologia do amor; este sentimento é tido
pelo autor como sustentáculo das relações sociais.
Neste contexto, complementamos, o amor é indispensável às transformações
socioambientais. Pensar sociedade e meio ambiente com amor significa respeitar a si mesmo e
ao outro, bem como a todas as formas de vida. Isto implica reforma do pensamento que traga
a complexidade como possibilidade de ver as inter-relações, as conexões, por vezes ocultas,
entre as partes e o todo que constituem o mundo.
Mariotti (2000) traz o saber amar como um dos cinco saberes do pensamento
complexo37
. Para o autor, “amar o outro significa conhecê-lo e legitimá-lo, sem que ele
precise de nenhum modo justificar a sua humanidade” (Ibidem, p. 312). Assim, o amor é
resultado do pensamento que agrega, que inclui, que amplia horizontes nas relações homem-
homem e sociedade-meio ambiente; e a docência exercida com amor amplia horizontes dos
envolvidos no processo ensino-aprendizagem porque é fundamentada no diálogo “que não
pode existir sem esperança” (FREIRE, 2006, p. 97).
O diálogo foi também desvelado nas nervuras de Folha de Ingazeiro quanto a sua
concepção de EA, pois ela nos disse que esta é “uma grande troca” e que não acredita que
“alguém conscientiza alguém”. Para o mesmo, “a gente faz uma grande troca” e esta é
“genial, quando a gente consegue dialogar com o outro, cada um dentro da sua área, cada um
com o seu pensamento, com a sua ideologia, com a sua religião [...]”.
As ideias do professor aproximam-se das freireanas em relação a este poder que não
temos de conscientizar o outro e também das inúmeras possibilidades de mudança quando nos
abrimos ao diálogo. Folha de Ingazeira complementou que através do diálogo
A EA passa por esse processo de ser algo transformador pra esses dois sujeitos, pra
esses dois elementos que estão tentando dialogar. Então passa a ser algo que
realmente transforma os dois. O diálogo flui. Então, no momento em que acontece
isso é a transformação, é a metamorfose, é passar de um riacho para uma nascente.
O diálogo entre pessoas de diferentes áreas é o caminho para os problemas
socioambientais que afligem a humanidade, pois estes são “problemas de alta complexidade
que não aceitam respostas reducionistas e disciplinares” (LIMA, 2011, p. 21). O pensamento
complexo defendido por Morin (2010), Morin, Ciurana e Mota (2003), Moraes e Navas
(2010) e outros autores é inerente à EA já que entendê-la e tê-la como quefazer exige o
rompimento com pensamentos simplistas.
37 Os outros saberes são: saber ver, saber esperar, saber conversar e saber abraçar.
164
A complexidade foi citada por Folha de Mangueira em sua concepção de educação.
Para a professora, “educação é muito mais complexo do que só ensinar o aluno que a+b=c”.
Então, “a educação da genética, da ecologia [...] em tudo a gente tem que tentar entrar no que
a gente tá aprendendo e tentar transformar os nossos conceitos para uma coisa mais útil”.
Isto significa que vivenciar o que se está aprendendo, corporificar novos
conhecimentos, faz com que o estudante leve a vida para a universidade e esta para sua vida.
Em nossa concepção este é um dos papéis do professor, desde a educação básica até a
educação superior: contribuir para que os estudantes corporifiquem os conhecimentos
construídos em suas vidas cotidianas.
Tal função independe de que área específica seja o professor, de que disciplina ou
componente curricular ele ou ela seja responsável. Trata-se de postura de profissionais que
têm o sonho, a utopia de viver e construir uma sociedade menos arestosa. Freire (apud
FREIRE, A., 2001, p. 234) apresenta-nos a seguinte reflexão:
Você já imaginou um professor que pouco se interessa, diante de sua classe, com o
sonho de uma sociedade menos injusta, e nada faz pela criação de uma sociedade
menos injusta só porque o que ele ensina é a biologia, como se fosse possível
ensinar biologia, o fenômeno vital, sem considerar o social?
Quanto à EA, Folha de Mangueira atestou que “A educação ambiental não é o homem
vendo a natureza, mas o homem como parte da natureza. Então, a gente tem que se educar
para conviver no meio ambiente, que faz parte, querendo ou não, faz parte da gente”. Educar-
se, neste sentido, inclui a renovação de atitudes e valores individuais e coletivos, além do
repensar das relações estabelecidas no interior da sociedade e entre esta e o meio ambiente.
Assim, cabe repensar as relações socioambientais na perspectiva de aprendermos a
viver juntos, trazida por Delors (2003) e também por Mariotti (2000). Esse, ao referir-se ao
que se aprende por meio do pensamento complexo cita dois pontos que reforçam a ideia de
vivermos junto e de juntos buscarmos o entendimento de fenômenos: só podemos nos
conhecer no convívio com os outros e os melhores resultados vêm da conversação e do
respeito à diversidade de opiniões.
Folha de Umbuzeiro, assim como Folha de Ingazeiro, concebe a educação como um
processo “de construção em que duas pessoas interagem, cada uma com suas experiências,
com suas vivências, e constroem um novo conhecimento”. Neste sentido, Folha de
Umbuzeiro revelou-nos não acreditar na educação como “aquele processo em que o professor
165
se coloca como detentor único do saber e alguém vai ter que aprender ou decorar aquilo que
aquela pessoa tem a dizer”.
Desse modo, educação é movimento, é ensinar e aprender, ensinagem mesmo, como
nos trazem Pimenta e Anastasiou (2008). Esse movimento, no qual conhecimentos são
construídos, exige diálogo, disponibilidade para as pessoas e para o mundo, pois este também
fala. Abrir-se ao saber do estudante, à sua forma de pensar é assumir a postura dialógica
defendida por Paulo Freire. É querer bem aos estudantes e demonstrar este bem querer na
escuta atenta, respeitosa aos seus saberes que se constituem ponto de partida no processo de
construção de novos conhecimentos.
Folha de Umbuzeiro complementou que não vê a educação
Como um processo de instrução de pessoas, como um processo de conscientização
de pessoas, primeiro porque eu não acredito que você seja capaz de conscientizar
ninguém. Mas eu acho que nós somos capazes de sensibilizar as pessoas.
A sensibilização tem sido considerada por Guimarães (2005) e Carvalho (2006) como
o primeiro passo na prática educativa com EA. A este respeito, Folha de Umbuzeiro
assegurou que “educação ambiental não é o ato de conseguir conscientizar, nem de ensinar as
pessoas a reciclar papel, a reciclar lixo; mas sim a formação de cidadãos que sejam
conscientes da sua posição no planeta e das suas responsabilidades”.
Com esta compreensão ela afirmou que não vê “sentido na disciplina educação
ambiental”, pois a EA “estaria atravessando todas as disciplinas, todas as matérias, todos os
conteúdos e seria uma forma de sensibilizar os cidadãos para suas responsabilidades
socioambientais”.
A transversalidade do tema meio ambiente é assunto tratado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) que orientam professores da educação básica a trazer
este tema, assim como outros de igual relevância em nossa sociedade, como, por exemplo:
saúde, orientação sexual e ética atravessando os conteúdos de todas as disciplinas. Sob esta
égide, a transversalidade possibilita o estabelecimento, no quefazer docente, de uma relação
entre aprender sobre, na e da realidade socioambiental. Entretanto, ela não traz como
pressuposto o trabalho conjunto entre professores na superação do pensamento fragmentador
e simplificador desta realidade.
166
Zabala (2002), ao explicitar as diferenças entre os tipos de relações possíveis entre as
disciplinas38
, situa os temas transversais na metadisciplinaridade,
[...] que não implica nenhuma relação entre disciplinas. Ela se refere ao ponto de
vista ou à perspectiva sobre qualquer situação ou objeto, mas não é acondicionada
por apriorismos disciplinares. Na escola deveríamos entendê-la como a ação de se
aproximar dos objetos de estudo a partir de uma ótica global que tenta reconhecer
sua essência e na qual as disciplinas não são o ponto de partida, mas sim o meio de
que dispomos para conhecer uma realidade que é global ou holística (Ibidem, p. 34).
Pensamos que a transversalidade, ou a metadisciplinaridade, é também um caminho
para a EA nas universidades, mas esta não inclui, obrigatoriamente, o diálogo entre pessoas de
diferentes áreas do conhecimento, pessoas com diferentes saberes e práticas. E, pela
complexidade inerente à EA, este diálogo é necessário e indispensável. Assim, a
interdisciplinaridade parece-nos melhor recomendável ao quefazer docente com a EA, pois
ela é princípio mediador e dialógico que ao mesmo tempo garante a diferença entre as áreas
específicas do conhecimento.
Nesta parte de análise, a indicialidade constituiu-se a categoria etnometodológica que
melhor possibilitou-nos compreender as narrativas, mergulhar nas concepções dos
professores-atores acerca da educação e da educação ambiental; já a reflexividade propiciou o
anúncio do quefazer docente a partir delas, o link entre o pensar e o atuar. A prática/realização
permitiu-nos entender que as concepções impregnam a prática de sentido, o accountability
ajudou-nos a perceber o contexto educacional e socioambiental descrito, percebido pelos
professores-atores e a noção de membro tornou possível perceber que eles fazem parte de um
grupo que tem concepções que se cruzam e entrecruzam e do intento, do propósito
educacional que os move. Todos estes princípios etnometodológicos levaram-nos a perceber a
intrínseca relação entre educação e educação ambiental no agitar de nossas folhas.
Esquematizamos tal relação na figura 28.
38 O autor considera os seguintes tipos de relações entre as disciplinas: multidisciplinaridade, que é a
justaposição de diferentes disciplinas; pluridisciplinaridade, que se configura como a justaposição de disciplinas
mais ou menos próximas, como, por exemplo, biologia e química; interdisciplinaridade, entendida como a
interação de duas ou mais disciplinas; transdiciplinaridade, que é o grau máximo de relações entre disciplinas.
167
Figura 28
Concepções de educação e de EA
Na figura, percebemos que as concepções de educação e de EA dialogam, indicando
que as mesmas coexistem, apresentam conexões e se relacionam. O pensamento de quem
apresenta quefazer docente com a EA crítico-humanizadora é, portanto, relacional, aberto e
traz a ideia de complexidade, a ideia de que educação e EA estão intrinsecamente
relacionadas. Neste sentido, Moraes e Torre (2004, p. 41) nos dizem que, “sendo um fator
constitutivo da vida, a complexidade deve, portanto, constituir-se como um princípio
articulador do novo pensamento e de novas práticas pedagógicas e vivências educacionais”.
Ao elencarmos as concepções dos professores-atores acerca da EA nesta parte do
estudo e termos também as concepções dos licenciandos nos estudos exploratórios, optamos
por fazer algumas análises que podem nos ajudar a desvelar a influência do quefazer docente
com a EA crítico-humanizadora.
Neste processo de análise, podemos compreender que as concepções dos professores,
embora melhor elaboradas pela própria vivência formativa, coincidem com a maioria das
concepções dos estudantes. Em relação às concepções de EA dos licenciandos da UFPE (ver
figura 13) notamos que as que obtiveram maiores percentuais foram: educação voltada ao
meio ambiente, estudo de temas relacionados ao meio ambiente e defesa/preservação do meio
ambiente.
educação EA
invade a vida
autoeducação
complexa
caminho para transformação
de pessoas
construção de conhecimentos
processo
homem é parte da
natureza
não deve ser
disciplina
o que fazemos no
cotidiano
troca, diálogo
processo
formação de
cidadãos
transformam a
sociedade
168
Estas concepções estão intrinsecamente relacionadas à concepção dos professores-
atores que afirmaram que EA é educação e que envolve a formação de cidadãos, pois a
educação, o estudo da temática socioambiental, forma sujeitos socioambientais, cidadãos
educados socioambientalmente. Tais cidadãos podem transformar a sociedade defendendo e
preservando o meio ambiente através de uma cultura que valorize a sustentabilidade
socioambiental que pode mudar a história.
Apoiando-nos em Brandão (2002, p. 40), percebemos que “como ser histórico o
homem é um ser cultural. Compreendendo e transformando a natureza ele a humaniza;
reconhecendo o outro ele se humaniza. Assim ele cria o mundo propriamente humano que é o
mundo da cultura, o mundo histórico”.
A partir de uma cultura em prol da sustentabilidade o homem, ser histórico e cultural,
pode transformar as relações que estabelece com a natureza, com outros seres vivos e com ele
próprio. Trata-se de uma mudança cultural possível e necessária à vida, afinal, a cultura é
recriada, como nos lembra Freire (1983). O homem pode ressignificar o mundo, mas, para tal,
precisa ressignificar conscientemente a si mesmo, aos seus atos em favor da vida, pois “o
homem – sujeito que produz cultura – define-se mais por significá-la como um ato consciente
de afirmação de si mesmo” (BRANDÃO, 2002, p. 39).
Em relação às concepções de EA dos licenciandos da UFRPE (ver figura 14) as mais
frequentes foram: educação para a sustentabilidade, EA é disciplina e EA é instrumento de
sensibilização e conscientização. A primeira e a terceira concepções aproximam-se da
concepção de EA como educação, encontrada nas narrativas dos professores-atores. Contudo,
a segunda é antagônica às concepções dos mesmos.
Outras concepções antagônicas às dos professores-atores são: EA é área da Biologia –
de um licenciando da UFRPE - e EA é ramo das ciências ambientais – de um licenciando da
UFPE. Tais concepções demonstram que, mesmo com o quefazer docente com EA crítico-
humanizadora, há vários outros fatores que influenciam as concepções dos estudantes.
No caso da UFPE, como já mencionado em nossos estudos exploratórios, esta
concepção pode advir do fato dos licenciandos cursarem disciplinas eletivas sobre meio
ambiente que são do curso de bacharelado em ciências ambientais. Já na UFRPE, a EA é
ofertada como disciplina eletiva, o que pode levar os estudantes a concluírem que EA é uma
disciplina e que pertence à área de biologia.
Somando-se os percentuais de licenciandos com concepções antagônicas às dos
professores-atores temos: quatro estudantes da UFPE e treze estudantes da UFRPE. Estes
169
números não podem ser desconsiderados, pois são dezessete futuros professores que iniciarão
suas atividades docentes na educação básica sendo influenciados por tais concepções.
Estas análises permitem-nos desvelar que, embora alguns professores inovem e
apresentem práticas diferenciadas com a EA, há obstáculos na organização, no funcionamento
dos cursos de licenciatura estudados, que influenciam as concepções dos estudantes de forma
a desconstruir o que é trabalhado em aulas que envolvam a EA.
Neste sentido, corroboramos Broilo, Pedroso e Fraga (2006, p. 125) que se faz
necessário “(re) ver as condições que reforçariam a iniciativa dos professores universitários e
de como a universidade pode inovar”. Os professores-atores de nossa pesquisa apresentam
concepções que fundamentam, embasam quefazer inovador com a EA que pode ser
potencializado na formação de professores de ciências biológicas, pois
Quando ensinamos e pesquisamos na universidade, estamos preparando os
estudantes para enfrentar os desafios do mundo profissional e nós, docentes, estamos
buscando caminhos novos, que estão dentro de cada curso, de cada disciplina, de
cada realidade e que podem ser potencializados (Ibidem, p. 125).
Em busca do entendimento do quefazer dos professores-atores dentro dos cursos de
ciências biológicas estudados e dentro dos componentes curriculares que ministram,
continuamos nosso processo de análise. Tal processo incluiu a análise do que nos foi narrado
pelos professores-atores em relação às concepções de educação e de EA e ao quefazer docente
fotossintetizante; do que foi observado em relação a tal quefazer; e do que foi construído no
círculo de cultura.
5.2.2 A educação ambiental crítico-humanizadora: reflexividade e descritibilidade do
quefazer fotossintetizante
Denominamos o quefazer da EA crítico-humanizadora como fotossintetizante porque
este é realizado pelos professores-atores, ou seja, pelas folhas, e também pelo fato da
fotossíntese produzir gás que é fundamental à vida - o oxigênio. Tal quefazer representa
oxigenação, renovação, inovação da práxis com EA na formação de professores de ciências
biológicas. Entretanto, antes de mergulharmos neste quefazer, consideramos conveniente
compreender o que leva as folhas a inserir a EA em suas aulas na universidade.
170
5.2.2.1 Motivação para a inserção da educação ambiental crítico-humanizadora
Motivadas por este processo fotossintetizante, cinco folhas disseram-nos inserir a EA
porque ela faz parte de suas vidas como pessoas e elas – as folhas – não conseguem dissociar
o que são como pessoas do que são como profissionais. São elas: Folha de Pitangueira, Folha
de Mangueira, Folha de Jabuticabeira, Folha de Cajueiro e Folha de Ingazeiro.
Folha de Pitangueira afirmou que faz a inserção
Porque eu sou muito visceral na minha aula. Eu sou eu, dando aula. Eu não consigo
pensar, eu, (nome do professor-ator), sem ter uma preocupação ambiental na minha
vida cotidiana. Então, a temática educação ambiental tá na minha disciplina porque
eu acho que isso é parte do meu cotidiano. E parte do meu cotidiano está dentro da
disciplina que eu ministro. Se eu tivesse ministrando outra disciplina, ela teria que
estar inserida porque faz parte do meu dia-a-dia, porque isso é parte da minha vida.
Sabe aquela coisa assim: você é o que você come, você é o que você respira, você é
o que você acredita! Eu sou o que eu acredito e por isso que a educação ambiental tá
dentro do contexto da minha aula.
Notamos que o sentido de nossas escolhas como pessoas não se dissocia das escolhas
que fazemos como professores. Podemos nem sempre ter nossas escolhas de forma tão clara,
quanto às expressas por Folha de Pitangueira, mas, se refletirmos, podemos concluir que
nossas escolhas definem quem somos, o que ensinamos e como ensinamos. Assim,
corroboramos o alerta de Gadotti (2008, p. 62): “[...] Precisamos ter consciência das
implicações de nossas escolhas”.
O professor-ator enfatizou que a EA entra em suas aulas pelo que ele “acredita como
pessoa” e não porque “teve uma formação para isso”. Então, embora o professor seja
influenciado pelo que vivenciou como estudante, como destaca Imbernón (2006), ele pode
criar e recriar seu quefazer e o que é como pessoa. Aí está implícita a visão de incompletude.
Reconhecendo-nos inconclusos e inacabados podemos aprender sempre, mudar, dar
outros rumos às nossas vidas pessoais e profissionais; são escolhas. E isto permite o
vislumbrar de algo fundamental que se apreende com o estudo do pensamento complexo: a
flexibilidade. Ela permite a abertura ao diálogo, o repensar das escolhas e a retomada de
caminhos. Por outro lado, o seu oposto, ou seja, a inflexibilidade, representa “os primeiros
passos para o subdesenvolvimento, seja ele pessoal, grupal ou cultural” (MARIOTTI, 2000, p.
350).
Folha de Mangueira relaciona a dissociação pessoa-professora rememorando que o
que é como pessoa e que a faz inserir a EA em suas aulas é a educação doméstica. Ela nos
disse que
171
Eu me lembro que quando eu era pequena eu ia com minha mãe no centro da cidade,
não tinha shopping, essas coisas [...] E a gente andava na rua e eu nunca joguei papel
no chão. Ela me ensinava a colocar o papel na bolsa e eu ficava com aquela coisa.
Meu pai era do interior, ele adorava plantar tudo. A gente morava em casa e não
podia colocar cimento no chão. Então eu acho que isso tudo vai formando as ideias
da pessoa.
As vivências em família representam, sem sombra de dúvida, um verdadeiro
patrimônio a ser considerado quando falamos em EA. Gutiérrez e Prado (2000, p. 33)
afirmam que “o desafio da sociedade sustentável de hoje é criar novas formas de ser e de estar
neste mundo”. Esta criação passa pela família - célula menor e mais importante em uma
sociedade. Nela são construídos os valores e as atitudes primeiras em direção à humanização
ou à desumanização, em direção ao respeito ou ao desrespeito à vida.
Quando Folha de Mangueira afirma que as vivências no seio familiar vão formando as
ideias da pessoa, percebemos que na família há um processo educativo que permeia a
formação de sujeitos socioambientais atuantes no seio familiar e no mundo. A este respeito
Bonachela e Marta (2010, p. 236) afirmam que:
A função educativa da família atende a satisfação das necessidades dos seus
membros e, como extensão da educação familiar, encontra-se a educação
ambiental, que deve permear as nossas ações no cotidiano quando de nosso
relacionamento com o meio ambiente. Todos dependem de todos para
sobreviver. Portanto, a ação local de cada família poderá trazer consequências
globais para toda a sociedade e determinar a existência da vida.
Entretanto, nem sempre a família cumpre este papel de educar socioambientalmente,
como aconteceu com Folha de Mangueira. Leite e Galiazzi (2008) ao buscarem compreender
as manifestações das culturas de infância no ambiente escolar evidenciaram que há uma
diversidade de infâncias que se manifestam na escola, sendo uma delas a infância capitalista.
Nesta, as crianças estão imersas em uma rede de consumo e competem por levar para a escola
brinquedos novos e caros, provavelmente levadas por suas famílias que cederam aos apelos
do consumismo, da era do ter.
Família, escola e universidade são, pois, esferas que precisam atuar juntas. A família
com a educação de base, educação que se leva para a vida, construção e desenvolvimento de
valores, atitudes e sentimentos como: amor, solidariedade, compaixão, respeito, ética. A
escola que resgata o que é construído em família para, a partir de diálogo coletivo, construir
e/ou reafirmar estes valores, atitudes e sentimentos. A universidade forma os professores que
atuam nas escolas, priorizando nesta formação valores, atitudes e sentimentos em prol da
172
vida. Nestas esferas podem ser geradas mudanças socioambientais que comecem, por
exemplo, com ações de resistência ao modelo consumista imposto.
Educar socioambientalmente é, neste sentido, educar para a vida e é essencial à sua
manutenção. Folha de Jabuticabeira compartilha deste pensamento e afirmou que insere a EA
em suas aulas porque não consegue “ver o mundo sem educação ambiental”, porque ela vê “a
educação ambiental como educação”. Assim,
Você não pode pensar em educação ambiental sem educação. Você não pode pensar
em um professor universitário que passe por uma árvore na rua e puxe uma folhinha
e continue conversando por aí. Aquele que chupa o bombom, disfarça e joga. [...] Eu
acho que a educação ambiental faz com que as pessoas sejam melhores, que o
mundo se torne melhor.
Folha de Jabuticabeira traz-nos, de forma evidente e clara, a questão da coerência no
contexto da educação e da EA, coerência no sentido freireano de diminuir a distância entre o
discurso e a prática que, consequentemente, exige o assumir de novas posturas. Um professor
universitário, bem como todos os professores que atuam em outros níveis de ensino, trazendo
a coerência como busca incessante, apresenta atrelada a esta virtude a possibilidade de ensinar
pelo exemplo e não somente pelo palavrório.
A referida folha também faz referência à possibilidade de termos um mundo melhor
feito por pessoas melhores, pessoas que corporificam a EA. Ela tem a EA e a melhoria do
mundo como utopia, entendida como necessidade fundamental do ser humano que pensa, que
sonha, que espera. Em suas reflexões em torno da utopia, Freire (apud FREIRE, A., 2001, p.
85) expressa que “[...] Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança,
sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que viabilizem a sua
concretização”. Desse modo, utopia implica esperança e trabalho.
Folha de Cajueiro também espera e trabalha inserindo a EA em suas aulas por não
conseguir dissociar a pessoa da profissional. Descrevendo seu mundo pessoal e profissional
de forma reflexiva ela narrou que
Quando você passa a vivenciar a educação, não há como desatrelar ela do cotidiano,
do seu modo de lidar com as pessoas, do seu consumo, do que você compra, se você
prefere um suco ou prefere um refrigerante. Não tem jeito de desatrelar, então isso
entra nas aulas, e entra de uma forma tão natural que às vezes até eu fico
impressionada comigo. Por exemplo, quando eu assumi essa disciplina de ecologia
para a licenciatura, os temas que eu tinha que dar eram aparentemente tão
quadrados! Eu tinha que dar: fluxo de energia no ecossistema, ciclos
biogeoquímicos [...] E isso virou uma coisa tão aplicável ao cotidiano que eu mesma
fico impressionada, sabe?
173
A fala da mencionada folha reforça os achados anteriores em relação à percepção de
que a EA é parte do cotidiano destes professores-atores, folhas de árvores frutíferas em nosso
trabalho, e também a constatação que a EA envolve escolhas pessoais e profissionais,
escolhas que transformam seu modo de agir no e com o mundo, com outras pessoas e com
você mesmo, escolhas que te fazem ter hábitos mais saudáveis que, seguramente, trazem
melhor qualidade de vida, escolhas que refletem seres socioambientalmente melhores, como
pessoas e como profissionais.
A prática docente, por ser especificamente humana, como defende Freire (2002), é
profundamente transformadora ou mantenedora do hoje. O esforço de Folha de Cajueiro em
tornar temas, aparentemente quadrados, em coisas aplicáveis ao cotidiano revela um quefazer
que busca transformar. Para ela, “a aula perfeita é aquela que quando termina o aluno já sai
dali mudando alguma coisa no jeito dele pensar ou, melhor ainda, no jeito dele agir”. A
relação entre mudança no pensar e no agir é discutida por Maturana (1999) que nos fala da
importância da formação do indivíduo tendo como foco o ser e o fazer, pois esses estão
intimamente imbricados para este autor.
Folha de Ingazeiro enxerga exatamente esta conexão entre o ser e o fazer e diz que
insere a EA em suas aulas porque percebe que a EA consegue motivar as pessoas a refletirem
pessoalmente e profissionalmente sobre o assunto e que esta reflexão leva à construção de
novos pensamentos e de novos fazeres. O professor afirmou que
Quando a gente reflete, consegue entender alguma coisa e consegue passar isso, essa
construção desse conhecimento que foi trabalhada de alguma forma, fazer com que o
outro também consiga entender e consiga trabalhar a sua forma de lidar com um
evento, de lidar com um fenômeno, de lidar com seus sentimentos, com suas
emoções, com o seu conhecimento.
Nesta perspectiva, o professor não atua com a EA apenas preocupado com a formação
cognitiva dos licenciandos em ciências biológicas, mas também com valores e atitudes que
formam para a vida. Moraes e Torre (2004) contribuem nesta discussão por entenderem que
se torna necessário na atualidade a ressignificação da vida nos ambientes educacionais. Para
os autores, isso “implica em se criar circunstâncias de aprendizagens, emocionais e
mentalmente sadias, capazes de deixar fluir a criatividade, a sensibilidade, a amorosidade e a
cooperação” (Ibidem, p. 40). Estas circunstâncias criadas podem contribuir para que os
estudantes consigam lidar melhor com o cognitivo, mas também com o afetivo.
174
A EA traz consigo este caráter de afetividade, de sentimentos, de emoções que muitas
vezes são negligenciados na prática docente. Neste sentido, corroboramos Freire (2002) que a
afetividade não exclui, nem pode interferir negativamente nos deveres do professor. A
afetividade, o conhecimento específico e o pedagógico estão no quefazer respeitoso e alegre
dos que buscam a formação socioambiental.
Além da impossibilidade de dissociar o que são como pessoas do que são como
profissionais e, nesta perspectiva, a EA, fazendo parte do cotidiano dos professores, também
faz parte do quefazer docente; outras motivações foram citadas por nossas folhas para
inserirem a EA em suas aulas. Folha de Umbuzeiro nos disse que “em nenhum momento” das
aulas ele fala em EA, mas, ao longo da entrevista, ela deu-nos diversos indícios do porque traz
princípios da EA para as aulas e de como o faz.
A folha acha que a temática ambiental “é mais uma questão de formar cidadãos pra
viver nesse mundo” e considera que “o biólogo é o profissional que cuida da vida, cuida da
vida do planeta”, incluindo aí “também as pessoas, os seres humanos”. Logo, o professor-ator
compreende a vida do homem como parte da vida da Terra, e isto nos exige pensar, sentir,
viver de forma respeitosa no e com o mundo. O sentido da formação de cidadãos expande-se,
a cidadania hoje inclui ter direitos e deveres em relação ao destino da vida na Terra.
Gutiérrez e Prado (2000) ao discutirem sobre a noção de cidadania planetária – que se
sustenta na visão unificadora do planeta, na compreensão da Terra como superorganismo vivo
e em evolução e de uma sociedade planetária – afirmam que esta “supõe o reconhecimento e a
prática da planetariedade, isto é, tratar o planeta como um ser vivo e inteligente” (p. 22). E
Keim (2003), ao refletir sobre planetariedade e educação, propõe “[...] uma mudança radical a
favor de uma educação que deixe de ser reflexo da sociedade, mas que passe a ser um agente
que participe ativamente de sua dinâmica organizativa, para emancipação da autonomia e da
qualidade de vida dos humanos” (p. 7).
Ao considerar o biólogo como profissional que cuida da vida, inclusive a humana,
Folha de Umbuzeiro mostra-se como membro de um grupo que pesquisa, ensina e faz
extensão seguindo os princípios da etnobiologia39
. O professor-ator nos disse que se identifica
“mais como etnobiólogo, que junta a cultura e a biologia”.
Brandão (2002) ao escrever sobre o mundo que criamos nos diz que não podemos nos
ver apenas como seres da natureza, mas também como sujeitos da cultura, sujeitos que
39 Entendida por Albuquerque (2005) como o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por
qualquer cultura sobre os seres vivos e os fenômenos biológicos. Mais informações sobre etnobiologia consultar:
ALBUQUERQUE, U. P. de. Etnobiologia e biodiversidade. Recife: NEPEEA/Sociedade Brasileira de
Etnobiologia e Etnoecologia, 2005.
175
pertencem também ao mundo que criamos para viver. Nesta escolha de Folha de Umbuzeiro
em unir cultura e biologia ela aprendeu “a ouvir o que outros diferentes” dela “com outra
formação, com outra visão de mundo tinham a dizer a respeito da vida”.
Através da etnobiologia o professor-ator demonstra que há formas de ensinar,
pesquisar e fazer extensão que não dissociam, não fragmentam, mas somam-se e fortalecem a
formação da pessoa e do profissional por uma visão de mundo e de ciência que agrega, que
traz como pressuposto o diálogo e o respeito.
Folha de Umbuzeiro dedica-se mais ao ramo da etnobotânica e foi “aprendendo a
respeitar outras culturas [...] a escutar e a entender que a opinião” da sua ciência “era apenas
mais uma opinião [...] existem outras vozes que merecem ser escutadas” sobre as plantas. Este
respeito ao saber do outro, à cultura do outro, é que ele leva para a sala de aula. Descrevendo
seu quefazer ele nos disse que
O que eu faço com meus alunos é uma reflexão em cima disso. A reflexão de que
nós não somos detentores do saber e que nós temos que nos abrir para outras vozes,
escutar o que os outros têm a dizer, e que a nossa “verdade” não é absoluta, nem é a
única.
Deste modo, o quefazer do professor-ator está impregnado de suas concepções
construídas e reconstruídas ao longo da vida. O diálogo é fundante no seu quefazer que
conduz seus estudantes à reflexão a partir de perguntas como: “como falar em conservação da
biodiversidade para uma pessoa que precisa, por exemplo, viver da extração de lenha na
floresta? E que sem essa lenha não consegue produzir os alimentos para o sustento da sua
família?”.
Neste e em outros momentos ele insere a questão social e, como profissional que atua
na formação de professores de ciências biológicas, motiva-os a perceber que não é só
conservar por conservar. É tentar entender que, às vezes, por trás daquela pessoa que está
utilizando um recurso natural, “existe todo um problema sociocultural que requer
sensibilidade [...] não é só dizer: não corte porque isso é errado, porque a legislação proíbe”. É
ter sensibilidade para tratar a questão com a sensibilidade que ela merece.
Trabalhar com a EA crítico-humanizadora é, então, ensinar a pensar certo, descobrir a
razão dos fatos, dos acontecimentos, aprofundar os conhecimentos que, se não trabalhados a
partir do estímulo ao pensar crítico, reflexivo, a partir de uma pedagogia da pergunta e não da
resposta, pode deixar os estudantes na superficialidade, na consciência ingênua e restrita da
temática socioambiental.
176
Em Pedagogia da Autonomia, Freire fala-nos do pensar certo ao discorrer sobre o fato
de que ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação.
Ter sensibilidade para abordar temáticas socioambientais é rejeitar a discriminação de outras
formas de pensar e de agir, o que não significa aceitá-las, mas sim tentar compreender os
porquês, os motivos de determinadas formas de pensar e agir.
A tarefa do professor que pensa certo não é transferir este pensar, mas desafiar o
estudante a participar de uma construção feita coletivamente, dialogicamente em aula a partir
da leitura do mundo. Ademais, “pensar certo é fazer certo” (FREIRE, 2002, p. 38), o que nos
lembra da necessidade do professor corporificar a palavra pelo exemplo.
Outro ponto a ser destacado na entrevista narrativa de Folha de Umbuzeiro é o elo, a
conexão que ela consegue fazer dos conteúdos do componente curricular que ministra com a
EA de forma tão natural que, ao final de sua narrativa sobre suas motivações para levar a EA
para sua aula ela nos disse que “se isso for educação ambiental, eu faço em minha sala de
aula”. Esta mesma naturalidade em trabalhar a EA associada aos conteúdos específicos foi
percebida na narrativa de Folha de Jambeiro. De acordo com este professor-ator,
Eu dou micologia médica, que é a parte de micose, que tem a questão ambiental, a
questão de higiene [...] Mas a que eu insiro, assim, de forma mais enfática, é em
parasitologia humana. A primeira aula que eu dou, que é a parte de relações
parasito-hospedeiro, é praticamente uma aula de ecologia. Eu dou toda aquela
questão ambiental, trabalho muito com todas as parasitoses intestinais, com outras
parasitoses como a filariose, a questão do mosquito [...] São coisas que estão
inseridas na nossa vida, na nossa região.
A realidade socioambiental, pela sua complexidade, interconecta saberes que estão
dentro e fora da universidade; que são locais e globais; que são sociais, ambientais, culturais,
políticos, econômicos e educacionais. Trazê-la para a sala de aula vai além da tentativa de
sensibilizar os licenciandos para a questão da higiene, por exemplo. O sentido de trabalhá-la é
mobilização social, é a construção de uma sociedade socioambientalmente sustentável, sem
problemas parasitários que afligem, principalmente, a população de baixa renda.
Conectar a EA aos conteúdos dos componentes curriculares diversos que constituem a
matriz curricular dos cursos de licenciatura em ciências biológicas é conectá-los à vida a
partir do quefazer docente. Os problemas socioambientais, como demonstrados nas narrativas
de Folha de Umbuzeiro e de Folha de Jambeiro, ultrapassam as fronteiras da fragmentação de
saberes. Eles invadem dimensões diferentes da realidade, do cotidiano de professores e de
estudantes, e convidam à reflexão socioambiental e ao desafio do diálogo de saberes realizado
por um único professor ou, melhor ainda, por uma equipe interdisciplinar.
177
Cabe-nos esclarecer que o diálogo entre saberes feito por uma única pessoa é fecundo
quando se trata da transversalidade de temáticas, como a socioambiental e é a transversalidade
é que se desvela nas narrativas de nossos professores-atores e não a interdisciplinaridade.
Nesta orientação, concordamos com Follari (2011, p. 109) que “é impossível centrar a
interdisciplina num sujeito, que apareceria multiplamente dotado”, e que corre o risco de
diminuir a especificidade dos campos ou áreas do conhecimento.
Encontramos também em Jantsch e Bianchetti (2011) que a interdisciplinaridade não
está centrada em um sujeito, mas na soma, no trabalho conjunto de sujeitos pensantes.
Segundo os autores:
A soma de sujeitos pensantes que, com base em sua vontade, decidem superar o
conhecimento fragmentado é, pressupõe-se a fórmula acertada. Expressando-nos de
outro modo, podemos dizer que a interdisciplinaridade só é fecunda no trabalho de
equipe, onde se forma uma espécie de sujeito coletivo (Ibidem, p. 26).
A indicialidade e a reflexividade nas narrativas dos professores-atores nos permitiram
analisar que as motivações para a inserção da EA crítico-humanizadora são: a
indissociabilidade pessoa-professor, a percepção de que o biólogo é um profissional que cuida
da vida, a compreensão de que a EA forma cidadãos e a possibilidade de estabelecer relação
entre os conteúdos específicos dos componentes curriculares e a EA.
Em relação à indissociabilidade pessoa-professor percebemos que ela está atrelada à
educação doméstica e às vivências em outros espaços educativos que permitiram aos
professores-atores compreender que a EA é parte do cotidiano; envolve escolhas; ajuda a lidar
com sentimentos, emoções e conhecimentos; é utopia; é indispensável ao mundo e envolve
quefazer que busca transformar socioambientalmente a sociedade.
Organizamos nossos achados em relação às motivações para a inserção da EA crítico-
humanizadora na figura 29. Desvelá-las fez toda a diferença na apreensão dos sentidos e dos
significados do quefazer fotossintetizante.
178
Figura 29
Motivações para a inserção da EA crítico-humanizadora
5.2.2.2 Quefazer fotossintetizante
Cada uma das folhas estudadas tem um modo particular, especial de trabalhar com a
EA, é um quefazer único. Entretanto, a entrevista narrativa e a observação de suas aulas
permitiram-nos perceber fios condutores que são comuns no quefazer docente, além de
permitir a identificação de indícios de processo de humanização do humano e de formação de
cidadãos críticos na formação dos licenciandos em ciências biológicas de ambas as
instituições.
Para facilitar a compreensão dos dados encontrados, optamos por apresentar a análise
do quefazer de cada docente a partir dos fios condutores que orientam este trabalho, quais
sejam: relação professor-aluno, unidade teoria-prática, relação sujeito-mundo, relação
educação-sociedade, relação ensino-pesquisa e interdisciplinaridade. Mas destacamos que
estes fios fazem parte de um contexto de sala de aula, ganhando vida, sentido e significado
quando vistos e analisados dentro deste contexto global que os agrega.
motivações
biólogo cuida da
vida
indissociabilidade
pessoa-professor
EA forma
cidadãos
relação
conteúdos - EA
educação doméstica
vivências em outros espaços educativos
são
origem
envolve escolhas
é quefazer que busca
transformação
é
utopia
é parte do
cotidiano
ajuda a lidar com
sentimentos, emoções e
conhecimentos
permitem compreender que a EA
179
Relação professor-aluno
A construção de conhecimentos, atitudes e valores em EA crítico-humanizadora está
diretamente relacionada à relação professor-aluno porque nesta relação há a inscrição
cognitiva, a afetiva e também a espiritual. Todas estas ativam sentimentos, pensamentos e
emoções que não podem ser desconsiderados no processo ensino-aprendizagem e foram
identificados no quefazer da EA crítico-humanizadora de nossas folhas.
A partir de relação dialógica com os estudantes, Folha de Jabuticabeira trabalhou
temas como coevolução de forma dinâmica, buscando a participação dos alunos que sentavam
no fundo da sala e, embora não soubesse ainda seus nomes, pois foram suas primeiras aulas
com a turma, ela esforçava-se em conhecê-los.
A dedicação da professora fazia com que a relação professor-aluno, embora recente,
fluísse de forma amistosa, contribuindo na formação de professores e de pessoas, na medida
em que sua ação didática não se restringe ao despejar de conteúdos específicos, mas sim à
construção de saberes e fazeres indispensáveis à sociedade. Como ela própria afirmou, sua
preocupação “com a educação ambiental na licenciatura não é somente o conteúdo, mas sim a
modificação pessoal”.
Nesta perspectiva, o quefazer docente da EA crítico-humanizadora supera a ênfase nos
aspectos puramente cognitivos. Há, ao invés disso, a preocupação em formar pessoas que
sejam mais, que tenham atitudes e valores em prol de uma cidadania planetária. Tal formação
traz a afetividade na relação professor-aluno.
Moraes (2006), ao escrever sobre seu entendimento de currículo como sistema aberto
e em permanente auto-organização, nos diz que até mesmo a organização dos conteúdos deve
ir além dos aspectos cognitivos. Isso “significa procurar atingir os sujeitos aprendizes em seu
todo, não apenas no sentido de seus conhecimentos” (Ibidem, p. 31), trabalhando também
aspectos afetivos, atitudinais, éticos e de valores.
A afetividade foi traço marcante encontrado na relação professor-aluno no presente
estudo e a percebemos em diferentes situações. Folha de Umbuzeiro demonstrou em suas
aulas a afetividade conectada à rigorosidade, nas intervenções sempre construtivas que fazia
enquanto os licenciandos apresentavam os trabalhos em grupo. Neste caso, percebemos o
preceito freireano que nos diz que a prática do professor envolve rigorosidade com
amorosidade.
Afetividade-rigorosidade foi também observada no quefazer de Folha de Jambeiro,
pois este professor-ator, ao promover uma exposição dos vídeos que foram construídos pelos
180
alunos ao longo de todo o semestre com a sua orientação, ia corrigindo, aplaudindo e
estimulando os licenciandos a novas construções. Os vídeos, confeccionados em duplas,
tinham títulos diversos, por exemplo: “Cara a cara com a micose”, “Melô da micetona40
”,
“Estomatite na base do beijo” e “O terrível Histoplasma capsulatum41”.
A referida folha conhece seus estudantes todos pelo nome, embora a turma estivesse
lotada. Somente no dia da apresentação dos vídeos havia quarenta e três estudantes em sala de
aula e todos comprometidos com as apresentações. No quefazer com a EA deste professor há,
nitidamente, um querer bem aos estudantes que se reflete em atitudes diversas: no tratar pelo
nome, nas conversas pelos corredores no início e no fim das aulas, nos saquinhos de pipoca
levados pelo professor para cada licenciando na exposição dos vídeos e na fala do professor
ao final do semestre letivo: “não é porque a disciplina terminou que o elo entre a gente precisa
terminar”.
Freire (2002) alerta-nos que a abertura ao querer bem é uma das maneiras de selar o
compromisso com os estudantes, “numa prática específica do ser humano” (p. 159). Assim,
não há uma separação entre seriedade e afetividade, o quefazer docente da EA crítico-
humanizadora associa as duas coisas e sela o compromisso com a formação de professores de
biologia que são cidadãos planetários.
Tal compromisso foi também verificado no quefazer de Folha de Cajueiro, pois esta
folha, além de conhecer seus estudantes pelo nome, demonstra profundo respeito aos
interesses dos mesmos, além de preocupar-se com seu bem estar físico e mental no
componente curricular que ministra.
O respeito começa desde os primeiros contatos com os estudantes, pois a professora
nos disse que todo início de semestre ela conversa com os mesmos sobre a disciplina dos
sonhos, como eles gostariam que a disciplina fosse. Ela enfatiza que eles podem “voar,
sonhar”, na disciplina pode ter o que eles quiserem “porque no sonho tudo tem jeito”. Ela
anota todas as sugestões no quadro e diz: “Agora vamos ver o que a gente consegue
materializar nesse semestre”. Além de planejarem a disciplina dos sonhos, no primeiro dia de
aula eles fazem também “acordos de convivência” que incluem a discussão sobre uso de
celular, tolerância com o atraso, comer na sala e outros assuntos.
Esta abertura ao diálogo com os futuros professores coloca-os como participantes no
planejamento do componente curricular ministrado, há uma reconstrução do que pode ser
40 Micetona é uma doença subcutânea causada por fungos. Caracteriza-se pela tumoração das áreas lesionadas e
pela drenagem de grãos. Esses são constituídos por filamentos dos micélios. 41 Histoplasma capsulatum é uma espécie de fungo que infecta o homem pela inalação de esporos. Pode
provocar infecção pulmonar e de outros órgãos internos.
181
melhorado todos os semestres. Cada grupo de estudantes tem características próprias,
interesses próprios, que podem ser levados em consideração pelo professor sem desviá-lo dos
conteúdos a serem trabalhados.
Há, no quefazer de Folha de Cajueiro, a tentativa de contribuir com os licenciandos na
produção de seus projetos pessoais de vida, de cooperar para a construção da autonomia. A
formação do professor é, neste sentido, um processo de formação de sujeitos autônomos, que
possam decidir e assumir as responsabilidades advindas de suas decisões, inclusive as
socioambientais. Segundo Moraes e Torre (2004, p. 46), “toda proposta pedagógica deve
refletir que o aluno seja o verdadeiro artífice de seu próprio processo de aprendizagem”.
Os projetos de vida de todos e de cada um se misturam na construção da disciplina dos
sonhos o que nos permite perceber que o quefazer da EA crítico-humanizadora na formação
de professores constitui um sistema complexo que não negligencia a diversidade, mas a
agrega. A complexidade é como um pano de fundo que rege este quefazer inovador,
colaborando para uma visão de mundo não fragmentada e simplista que se reflete no quefazer
docente.
A preocupação com o bem estar físico e mental dos estudantes foi percebida nas
observações das aulas da professora. Ministrando aulas no curso noturno, ela inicia as mesmas
com os alunos de pé, com olhos fechados, em roda. A professora pergunta como eles estão, o
que estão sentindo. Algumas palavras surgem como: sufoco da semana e cansaço.
A professora ensina-os exercícios de respiração, de captura do pensamento42
,
massagem e outros. Os estudantes, na medida em que os realizam, ficam visivelmente mais
tranquilos, suas fisionomias vão mudando. Após os exercícios, eles cantam uma música que
diz o seguinte:
[...] Te ofereço a paz, te ofereço amor, te ofereço a luz, te ofereço amizade, ouço
suas necessidades, vejo sua beleza, sinto seus sentimentos, minha sabedoria flui de
uma fonte superior, reconheço esta fonte, trabalhemos juntos, trabalhemos juntos.
Folha de Cajueiro então conclui dizendo: “Então, vamos trabalhar!” e começa as
atividades previstas para a aula. Neste momento o clima já está completamente diferente do
início da aula. Os estudantes sorriem mais, estão visivelmente mais bem dispostos para
enfrentar quatro aulas seguidas com a mesma professora em uma sexta-feira à noite.
42 Consiste em ter atenção plena para perceber novos pensamentos. A professora solicita que os estudantes
contem nos dedos quantos pensamentos vão surgindo. Depois ela vai perguntando quantos pensamentos foram
capturados. Quanto mais pensamentos, mais a mente está agitada.
182
Paz, amor, luz, amizade, sentimentos, sabedoria que flui de uma fonte superior não são
coisas comumente tratadas e aceitas nas salas de aula. Muitos professores optam por não
trabalhar conceitos ou mesmo abordar assuntos que remetam ao lado espiritual e emocional
dos seres humanos. Contudo, estas são dimensões que nos constituem e que, se trabalhadas,
podem contribuir na construção de valores e atitudes de cooperação e solidariedade no âmbito
da educação superior.
Ressaltamos que estamos nos referindo à espiritualidade e não à religião e que a
compreendemos como forma de considerar a integralidade do ser humano (RÖHR, 2010).
Para este autor, a formação humana compreendida como humanização é o “trabalho árduo de
fazer valer a voz do lado mais sutil do ser humano, o espiritual” (Ibidem, p. 17).
A EA crítico-humanizadora traz a espiritualidade associada ao processo educativo na
medida em que estimula e promove o repensar das nossas atitudes, dos valores, dos
sentimentos e dos propósitos de vida de cada um. Tal compreensão leva-nos a considerar que
se os professores formadores não incorporarem minimamente a compreensão da
espiritualidade, dificilmente a EA poderá promover intencionalmente a humanização dos seus
licenciandos.
Baseando-nos em Moraes (2004) e em Moraes e Torres (2004) podemos dizer que há
um novo paradigma educacional emergente – o eco-sistêmico - que se apóia
Na ação do aprendiz sobre o mundo, na atuação sobre a sua realidade, no
reconhecimento de sua interação com o mundo e no desenvolvimento de diferentes
diálogos que o indivíduo estabelece consigo mesmo, com os outros, com a natureza
e com o sagrado (MORAES, 2004, p. 282).
Estes autores, ao estudarem Maturana e Varela, perceberam que o paradigma eco-
sistêmico não leva em consideração apenas o que ocorre no cérebro humano, mas sim na
totalidade, na integralidade do humano, sendo necessário considerar os sentimentos e as
emoções.
Todos os professores-atores observados trazem em seu quefazer da EA crítico-
humanizadora a preocupação com os sentimentos e emoções dos estudantes, isso pôde ser
percebido desde o fato dos mesmos conhecerem os licenciandos pelos nomes até as
metodologias que recorrem para trabalhar a EA relacionando-a aos conteúdos específicos dos
componentes curriculares que ministram.
Em relação a conhecer os estudantes pelos nomes, Folha de Pitangueira nos disse que
183
[...] uma coisa que eu sentia falta quando eu era aluno de graduação e eu percebo
que os alunos sentem uma falta muito grande, e talvez isso seja um grande
diferencial na minha aula, é eles serem chamados pelo nome. Nenhum professor
nunca falou pra mim que isso era uma coisa importante. Nenhum professor em
nenhuma dessas disciplinas de educação que eu tive. Eu acho que elas me ensinaram
na prática praticamente nada. Nenhum deles nunca me falou o quanto é importante
tratar os alunos pelo nome, por mais dificuldade que você tenha para saber o nome
de todos. E eu percebo que, na minha experiência dando aula, isso é uma coisa que
faz a diferença [...] A pessoa se sente prestigiada.
Nas aulas assistidas deste professor-ator percebemos que sua relação com a turma é
dialógica, respeitosa e muito comprometida com o processo de formação do licenciando como
futuro professor. Em uma aula, que compreendia a revisão de assuntos para prova, os
estudantes tentaram negociar pontos com o professor e ele, de forma descontraída, disse que
“o importante é construir conhecimento e não ganhar ponto”.
Lição importante, pois traz valores no contexto educacional que convêm serem
perpetuados, pois é um feedback positivo. Mariotti (2000), ao escrever sobre os princípios do
pensamento complexo, afirma que toda ação implica um feedback e que todo feedback resulta
em novas ações. Assim, na formação de professores, os professores formadores têm
responsabilidade naquilo que influenciam, sendo que os círculos complexos e dinâmicos de
feedback “podem surgir bem longe da ação inicial, em termos de tempo e espaço”
(MARIOTTI, 2000, p. 349).
Nas aulas de Folha de Ingazeiro percebemos que a mesma tem uma relação muito boa
com os estudantes, mas não sabe os nomes de todos. Ela sempre traz exemplos reais que
envolvem a turma, é bem humorada, descontraída, aberta ao diálogo. Todas estas
características tornam a aula dialógica, dinâmica e desafiadora. Sobre esse assunto, Freire
(2002) diz que a aula desafiadora é característica de um bom professor. Para o referido autor,
[...] o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade
do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma “cantiga
de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e
vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.
(Ibidem, p. 96)
Outro ponto percebido no quefazer de Folha de Ingazeiro e de Folha de Pitangueira foi
a relação professor-aluno por internet. Ambos os professores têm por hábito enviar material
com antecedência para os e-mails das turmas, de forma que os licenciandos têm como estudar,
explorar o material encaminhado e dialogar com os professores pela internet antes e depois
das aulas. No caso de Folha de Ingazeiro, toda a aula preparada em power point sobre
ecossistemas havia sido enviada.
184
Assim, seja pessoalmente ou por internet, o quefazer docente da EA crítico-
humanizadora envolve disponibilidade para abertura ao diálogo. Freire (2002, p. 153) nos diz
que “viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento,
tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto da reflexão crítica deveria fazer parte
da aventura docente”. Entretanto, a disponibilidade ao diálogo exige também abrir-se “à
realidade desses alunos com quem partilho a minha atividade pedagógica” (Ibidem, p. 155)
reduzindo a distância que separa a realidade deles da do professor.
Percebemos nitidamente esta busca pela superação das distâncias entre as realidades,
além da postura de respeito às diferentes realidades, nas aulas de Folha de Mangueira. A
mesma conhece seus estudantes pelos nomes e, embora poucos tenham comparecido à aula,
apenas nove, a professora ministrou-a, optando pela revisão de conteúdo já trabalhado. A
pequena quantidade de estudantes deveu-se ao fato de estar chovendo torrencialmente em
Recife. Deste modo, houve respeito aos que compareceram e também aos que estavam
ausentes por motivos alheios à sua vontade.
Em relação ainda ao quefazer docente da EA crítico-humanizadora destacamos o uso
de jogos e de atividades que envolvem ludicidade como promotoras de uma relação professor-
aluno dialógica. Embora poucas de nossas folhas tenham narrado os jogos e outras atividades
lúdicas em sua prática docente, pudemos observá-los nas aulas de Folha de Cajueiro, de Folha
de Jabuticabeira, de Folha de Mangueira e de Folha de Pitangueira.
Mais uma vez nos reportamos ao paradigma eco-sistêmico para o qual mediante o uso
de filmes, imagens, músicas, cores e jogos é possível “ampliar ou criar um novo espaço de
ação/reflexão fundado nas emoções que circulam” (MORAES; TORRE, 2004, p. 64)
aumentando a possibilidade de o estudante construir valores e atitudes socioambientais.
Em um esforço de síntese, podemos concluir que nossas análises indicam-nos que no
quefazer docente da EA crítico-humanizadora a relação professor-aluno caracteriza-se por:
Ser dialógica;
Valorizar a participação dos licenciandos;
Superar as distâncias entre as realidades;
Buscar a mudança profissional e pessoal;
Ser amorosa e rigorosa;
Ter abertura ao querer bem;
Ser respeitosa;
Construir autonomia;
Considerar a integralidade do humano.
185
Unidade teoria-prática
Verificamos a unidade teoria-prática no quefazer da EA crítico-humanizadora pela
importância dada pelos professores-atores à construção do conhecimento que partisse de
reflexões, de questionamentos e de análise de situações reais relacionadas à vida dos
licenciandos ou ao contexto socioambiental atual.
Tais professores distanciam-se da prática pedagógica prescritiva e reprodutiva
característica da concepção reformista da EA (ver figura 3) e inserem-se na concepção
transformadora ao contextualizar, ao promover a revisão da teoria pensada a partir da prática e
vice-versa.
Nesta perspectiva, as folhas estudadas têm quefazer inovador, já identificado por
Cunha (2005), ao analisar a aula de professores universitários e considerá-la como espaço da
nova construção paradigmática. Segundo a autora, as práticas inovadoras dos professores por
ela analisadas “[...] fazem da relação da teoria com a prática e/ou da prática relacionada com a
teoria, um verdadeiro processo dialético” (p. 83).
Nas aulas de Folha de Mangueira ela tenta “unir o social ao ambiental” e fez-nos o
relato de uma experiência que considera exitosa em seu quefazer da EA: trata-se de aula
teórico-prática sobre ecossistemas. Segundo a referida folha, “os alunos tinham dificuldade de
visualizar o funcionamento de um ecossistema como um todo. Então um dia eu cheguei e
disse assim: Vamos fazer diferente”.
A experiência exitosa consiste em tentar “entender o planeta como um ser só”, pois
“tudo está interagindo entre si”. Após Folha de Mangueira discutir com os licenciandos sobre
ecossistemas, ela divide a turma em grupos, cada grupo pensa em um ecossistema diferente
“em termos de estrutura e de funcionamento”, por exemplo: floresta, fazenda, cidade, estuário
e oceano. Cada grupo desenha seu ecossistema no quadro de forma que todos os desenhos
caibam neste recurso didático e explica sua estrutura e funcionamento. Após esta etapa a
professora nos disse:
Eu começo a destruir o desenho deles e eles ficam revoltados (risos). Então naquela
floresta ali, eu coloco um rio ligando. Aí depois eu destruo a floresta e digo: “Eu
tenho muita grana e conheço o prefeito, então eu vou fazer uma empresa aqui”.
Depois eu pergunto: “Lá no oceano, vai sentir?” Aí começa: chuva ácida,
sedimentação [...] cada um vai ligando os problemas nos seus ecossistemas, ou seja,
no fim eles mesmos dizem: “Puxa vida! Tudo que eu faço aqui tem consequência em
outro canto”.
186
Teoria e prática aparecem como unidade no quefazer docente da EA crítico-
humanizadora pela própria complexidade inerente à EA. A realidade socioambiental é
complexa, integrada por fatos, situações, contextos e pessoas, como podemos verificar no
quefazer de Folha de Mangueira.
O paradigma complexo ou eco-sistêmico traz teoria e prática como unidade, “teoria e
prática como dois processos enredados, sincronizados, entranhados e coniventes um com o
outro e que participam, solidariamente, do processo de construção do conhecimento”
(MORAES; TORRE, 2004, p. 43).
A prática narrada por Folha de Mangueira também associa teoria e prática ao
problematizar, estimulando os estudantes à criatividade e a um processo de reflexão sobre a
realidade, “respondendo assim à vocação dos homens que não são seres autênticos senão
quando se comprometem na procura e na transformação criadoras” (FREIRE, 2006, p. 94).
A unidade teoria-prática promovida na formação de professores de ciências biológicas
tem repercussões na prática futura destes professores na educação básica, como nos relatou a
mencionada folha em relação à sua prática exitosa com EA:
Esta é a prática que mais adoro, porque eles conseguem entender de uma forma que
eu encontro alunos dois anos depois e eles dizem: “Professora, eu fiz aquilo com os
meus alunos e eles adoraram, entenderam tudo que eu estava falando”. Então eu
acho que essa é a mais exitosa que eu tenho, porque eles reproduzem para os alunos
deles e eles trazem para mim de volta e eu acho que isso é compensador.
A sensação de recompensa, de dever cumprido pôde ser observada também no
quefazer de outros professores ao associarem teoria e prática. Folha de Pitangueira, por
exemplo, explicou-nos que suas práticas exitosas com EA são ao ar livre, em ambiente real.
Esta folha costuma levar seus estudantes para o Jardim Botânico e para o Horto Dois Irmãos,
em Recife, além de outros locais, como o Parque das Dunas, em Natal. Em relação a tais
práticas ela nos afirmou que
Talvez o mais legal seja quando algum aluno me encontra, e já está trabalhando, e
diz assim: “Ah! Eu tô fazendo uma coisa parecida com o que você fazia”. “Ah!
Lembra do negócio que a gente fez? Tá dando certo, eu tô fazendo de novo”. Então
eu acho que isso acaba sendo uma coisa bem, bem legal. Às vezes eu encontro com
eles e eles dizem: “Ah! Eu levei os meus alunos lá no Jardim Botânico e eles
adoraram, se sujaram de terra”. É isso que eu acho que é EA.
O quefazer docente da EA crítico-humanizadora traz a unidade teoria-prática em
práticas realizadas fora das paredes de uma sala de aula, fazendo os licenciandos interagirem
com o ambiente e com eles próprios. A descoberta do ambiente natural, muitas vezes distante
187
de suas realidades como moradores de um grande centro, pode quebrar a distância homem-
natureza e favorecer a construção de uma visão mais sustentável. Ademais, práticas que os
levem a conviver junto podem contribuir para a construção de novas relações com si mesmo e
com os outros.
Assim, o quefazer da EA crítico-humanizadora, a partir da unidade teoria-prática, traz
a perspectiva de formação integral do ser humano ao reconhecer e valorizar que o ser humano
é um ser de relação que, como nos lembra Freire (apud FREIRE, A., 2001), está se tornando
cada vez mais desumanizado pelas prioridades do mercado.
Folha de Jabuticabeira atestou que “o objetivo da educação ambiental dentro das
ciências modernas é a integralidade, o homem integral”. Tendo a integralidade como
premissa, em suas aulas os alunos foram estimulados a pensar em questões como: a evolução
promove coexistência ou desestabiliza a interação e leva à extinção? Espécies antagônicas
evoluem indefinidamente em uma luta evolutiva ou chegam a um equilíbrio evolutivo? Qual o
papel do homem neste mundo em evolução?
Tais questionamentos fizeram os licenciandos ir da teoria à prática e desta à teoria em
pensamentos que surpreendiam pela profundidade das reflexões e pela curiosidade epistêmica
que envolveu a todos. Neste sentido, o quefazer da EA crítico-humanizadora apresenta a
unidade teoria-prática promovida pela escuta, pois, tendo Freire como referencial teórico,
entendemos que ensinar exige saber escutar quando consideramos esta ação como sendo
especificidade humana.
O processo de escuta atenta no quefazer da EA crítico-humanizadora faz parte de
diálogo respeitoso no qual há momentos para escutar e para falar. Sob este enfoque,
inspiradas em Nóvoa (1998), podemos comparar o papel do professor ao do jardineiro. Este
teria então que criar condições propícias à formação do professor, assim como o jardineiro
oferece condições favoráveis ao crescimento de plantas.
Neste processo criativo, o professor vai fazendo escolhas, opções que refletem suas
concepções, sua visão de mundo. Para Nóvoa (Ibidem, p. 35), o processo educativo obriga-
nos a opções: “as opções que cada um de nós tem de fazer, e que cruzam a nossa maneira de
ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa
maneira de ser”. Assim, o professor é um ser integral que sente, pensa, reflete, toma decisões
e age.
Folha de Cajueiro promoveu reflexões sobre o homem como ser integral na excursão
didática que organizou para a Fazenda Marizá, na Bahia. Para a professora, “eu acho que hoje,
de tudo que eu faço, é o que toca mais profundo. Porque quando você encontra uma vez por
188
semana o seu estudante, é uma coisa. Agora, quando você passa nove dias com ele, é outra
história”.
Nesta fazenda os estudantes têm várias vivências de agricultura e de respeito às
relações que precisam estabelecer com a natureza, com eles próprios e com os outros. “Eles
plantam, colhem o alimento [...] são nove dias em que eles têm uma alimentação saudável”.
Além disso,
De manhãzinha, para aqueles que querem, eu dou aula de Yoga com o sol nascendo.
Aí à noite tem fogueira, tem filmes também à noite que a gente debate, tem um
monte de coisas! No final do curso, cada um prepara, pode ser em grupo ou
individualmente, uma forma de compartilhar os conhecimentos e os talentos deles
com a comunidade local. Então, a comunidade local vai e a gente faz um show de
talentos no último dia, é bem bacana! Pra mim, é uma das coisas que eles mais me
dão retorno de que mudou a vida deles.
Compartilhar conhecimentos construídos na universidade com as comunidades faz-nos
perceber a importância da extensão na universidade. Compartilhar é a possibilidade de
contribuir para a mudança socioambiental na sociedade, afinal, “mais do que ter uma história,
nós fazemos a história da gente” (FREIRE, apud FREIRE, A., 2001, p. 168).
O quefazer docente da EA crítico-humanizadora busca fazer história e contribuir para
que os licenciandos façam história ao assumirem a profissão de professor. É como se este
quefazer buscasse a construção de um presente capaz de projetar um futuro melhor na
perpetuação do mesmo no quefazer dos professores de ciências e biologia em formação.
Assim, o quefazer da EA crítico-humanizadora, ao trazer teoria e prática como unidade
indissociável, retroalimenta um processo formativo capaz de provocar mudanças
socioambientais.
Percebemos também no quefazer de Folha de Jambeiro a motivação em promover a
associação teoria-prática na produção de algo que os licenciandos pudessem compartilhar com
suas futuras turmas ou com outros segmentos da sociedade na busca pela promoção de uma
sociedade sustentável. A citada folha, ao solicitar a “produção de um material audiovisual
com a temática saneamento básico”, o faz com a intenção de que os estudantes “utilizem
depois”. De acordo com ela:
Muitas vezes o aluno tem trabalho para produzir algo! Mas aí ele entrega para o
professor avaliar e não tem mais o que fazer com aquilo. Com o pessoal da
licenciatura, eles produzem e eu devolvo os vídeos com sugestões para que eles
possam usar na sala de aula, na escola, em qualquer lugar. E eu me preocupo com o
que a gente quer atingir e digo: “vamos deixar de lado o cientifiquês, falem a língua
do povo.
189
Os vídeos produzidos pelos licenciandos como produto de um esforço significativo
dos mesmos representam a materialização de algo palpável que pode ser utilizado no quefazer
dos futuros docentes. Isto nos leva a compreender que o quefazer docente da EA crítico-
humanizadora, além de retroalimentar o quefazer desta natureza, traz sentido ao mesmo.
Gutiérrez e Prado (2000) ao escreverem sobre novas práticas necessárias à formação
de cidadãos planetários destacam o entendimento de que a educação, como promotora do
desenvolvimento sustentável, precisa ser vista com processo dotado de sentido. Para estes
autores, “[...] Quando os participantes de um grupo encontram sentido para seu agir, para o
seu caminhar, o processo tem sua meta assegurada. Ou o processo tem sentido para os
participantes ou não é processo” (Ibidem, p. 53).
Folha de Ingazeiro, ao nos dizer que usa “o que tem nas mãos para trabalhar com os
estudantes”, demonstra que se esforça em encontrar sentido no cotidiano, pois este pode ser
contextualizado, utilizado para provocar reflexões teórico-práticas. Em uma das aulas que
assistimos desta folha ela levou uma maçã, mostrou aos estudantes e explicou aos mesmos
que precisa comer a cada duas horas porque é diabética.
Então perguntou: “O que vocês pensam ao olhar para esta maçã?” Os licenciandos
responderam: “Branca de Neve, alimentos, cadeia alimentar, pirâmide alimentar, bruxa
[...]43
”. Vários outros questionamentos foram utilizados para que os mesmos refletissem que o
olfato está diretamente ligado ao gosto e que isto é importante nas relações entre espécies e
nas relações que estabelecemos com o mundo.
Toda esta contextualização nos permite compreender que as relações entre teoria e
prática não podem ser vistas de modo mecânico ou linear; estas relações complexas nos fazem
transitar da teoria à prática, e, outras vezes, desta para a teoria. Isto porque “a história da
teoria (do saber humano em seu conjunto) e da práxis (das atividades práticas do homem) são
abstrações de uma única e verdadeira história: a história humana” (VÁSQUEZ, 2007, p. 256).
Sintetizando nossos achados em relação à unidade teoria-prática no quefazer docente
da EA crítico-humanizadora, apontamos que neste:
A construção do conhecimento parte de reflexões, de questionamentos e de análises de
situações reais;
Há processo dialético e dialógico;
A realidade socioambiental é concebida no paradigma complexo;
Há sensação de recompensa na retroalimentação do processo formativo;
43 Os licenciandos brincaram ao responder o professor, mas de forma respeitosa. A relação estabelecida entre
eles permite momentos para brincar como forma de garantir leveza no processo de construção de conhecimentos.
190
Existe a perspectiva de formação integral do ser humano;
A educação é processo impregnado de sentido.
Relação sujeito-mundo
Perceber a relação sujeito-mundo no quefazer da EA crítico-humanizadora é
mergulhar em um mundo que pode ser feito e refeito constantemente por sujeitos históricos –
os professores-atores - que buscam tornar possível aos licenciandos olhar o mundo com novas
lentes. Cada qual, à sua maneira, busca desvelar a relação sujeito-mundo aos estudantes.
Nóvoa (1998, p. 28) contribui para esta discussão ao afirmar que:
A forma como cada um de nós constrói a sua identidade profissional define modos
distintos de ser professor, marcados pela definição de ideais educativos próprios,
pela adoção de métodos e práticas que colam melhor com a nossa maneira de ser,
pela escolha de estilos pessoais de reflexão sobre a ação.
Em uma aula sobre coevolução, Folha de Jabuticabeira estimulou e sensibilizou os
alunos a pensar sobre a necessária evolução do homem junto com os outros seres vivos para
sobreviver. Assim, ela destacou a necessária interação sujeito-mundo, tão significativa quando
se trabalha a EA, pela própria compreensão de que estamos no mundo e o mundo está em nós.
O quefazer desta folha demonstra uma nítida preocupação com o que Zabalza (2004)
denomina de dimensões da oferta formativa na universidade. O autor defende que a ação
universitária deveria garantir aos estudantes a oferta de uma formação que considerasse três
dimensões: o aprimoramento dos conhecimentos e das capacidades dos indivíduos (o que
aprenderam de novo nos anos de universidade), a referência ao mundo do trabalho (o que
aprenderam em relação à inserção neste mundo) e a dinâmica geral do desenvolvimento
pessoal (o que amadureceram como pessoas).
A primeira dimensão é garantida no desenvolvimento dos conhecimentos específicos
próprios do componente curricular. A segunda dimensão pôde ser verificada na ênfase de
Folha de Jabuticabeira em estimular os estudantes a pensarem, a refletirem suas ações como
professores, garantindo o pensar sobre sua inserção profissional.
Em relação a esta dimensão, trazemos o seguinte exemplo observado nas aulas da
referida folha: ao terminar de trabalhar com os estudantes sobre coevolução ela distribuiu para
os alunos o texto A produção de jogos didáticos para o ensino de ciências e biologia: uma
proposta para favorecer a aprendizagem, de autoria de Luciana Maria Lunardi Campos. O
191
texto tem por objetivos elaborar, confeccionar, avaliar e divulgar jogos didáticos que auxiliem
na compreensão e aprendizagem do conteúdo de genética e de evolução dos vertebrados. A
partir deste texto, ela solicitou que os licenciandos construíssem em grupo um jogo sobre
coevolução que fosse aplicável à educação básica, favorecendo, nesse sentido, a unidade
teoria-prática na formação dos mesmos.
A dinâmica geral do desenvolvimento pessoal aparece desde sua preocupação em
conhecê-los pelo nome, pois é uma forma de ensinar pelo exemplo, pelo comprometimento na
formação de pessoas. Passa também pelo quefazer que envolve práticas como o varal pessoal
e a própria percepção de Folha de Jabuticabeira em relação ao cansaço dos estudantes, o que a
faz buscar práticas para despertá-los, para mobilizá-los a algo diferente.
As dimensões apontadas por Zabalza (2004) puderam ser observadas no quefazer de
todos os professores-atores na medida em que estes, além de garantirem o desenvolvimento
dos conteúdos, propiciavam que os estudantes refletissem criticamente sobre sua inserção na
sociedade como profissionais da educação, tendo por foco a humanização.
Folha de Umbuzeiro, ao destacar com seus estudantes o quão importante é reconhecer
que não somos detentores do saber e que precisamos ouvir “outras vozes” ao pensarmos na
botânica e no uso de recursos naturais, leva os mesmos a refletirem que há vários sujeitos no e
com o mundo, cada um com suas expectativas, com seus sonhos, com suas realidades. Cabe a
todos e a cada um de nós respeitarmo-nos mutuamente e buscarmos juntos saídas
socioambientais aos problemas, pois estes são socioambientais. O quefazer da mencionada
folha explicita que pensar em saídas somente ecológicas é insuficiente para a realidade atual.
Desta feita, viver no e com o mundo e promover a reflexão sujeito-mundo significa
reconhecer este espaço como sendo de conhecimento, de aproximação crítica da realidade
socioambiental para o planejamento e a execução de ações que possam modificá-la. Isto nos
leva a concluir que o quefazer da EA crítico-humanizadora contribui para que os estudantes
objetivem o mundo.
De acordo com Freire (2006, p. 29-30), somente o homem
[...] é capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-
se do objeto para admirá-lo. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no
sentido filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a
realidade objetivada. É precisamente isto, a práxis humana, a unidade indissolúvel
entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo.
Objetivando o mundo, os sujeitos pensam e agem criticamente; ultrapassando a
apreensão ingênua e espontânea da realidade socioambiental os sujeitos têm condições de
192
assumir o papel de homens e mulheres que fazem e refazem o mundo continuamente. Para
objetivá-lo, torna-se necessário o adotar de uma postura epistemológica diante da realidade. E
é no sentido da assunção de tal postura que percebemos o quefazer dos professores-atores.
No quefazer de Folha de Jambeiro notamos a objetivação da realidade socioambiental
quando a mesma aborda parasitologia humana. Segundo ela,
Eu trabalho muito a questão da poluição, ou seja, aquele dejeto, aquela família que
faz as necessidades e não tem rede de esgoto, não tem água encanada, não tem
também a noção de lavar a mão, de preparar alimentos e se contaminar com a água
daquele rio, com a água daquele açude, pode pegar uma doença, uma verminose. O
que você gasta, por exemplo, uma média de R$3,00 para cuidar de uma pessoa
internada porque pegou uma doença de veiculação ambiental, você gasta R$1,00
para fazer a prevenção.
A questão ambiental, no caso exemplificado pela referida folha, poderia ser analisada
somente levando-se em consideração a falta de higiene da população ou somente a parte de
infraestrutura que envolve políticas públicas. Contudo, ela associou as duas coisas: há o
problema da higiene, mas há também a necessidade do poder público fornecer água encanada,
esgoto, saneamento básico e outras coisas necessárias a um cidadão, que são consideradas por
Keim (2010) como princípios ecovitais.
Problemáticas relacionadas ao meio ambiente, à educação, à política e à sociedade se
entrecruzam, constituem fios que se cruzam e entrecruzam diariamente, cotidianamente em
uma realidade que é complexa. Assim, olhar apenas um destes fios é negligenciar o todo, é
fragmentar o que está tecido junto, o que nos leva a concordar com Carvalho (2006) em
relação à necessária troca de lentes para reexaminarmos a realidade socioambiental.
Tal troca é proposta por Folha de Ingazeiro na excursão didática que promove a uma
tribo indígena na região de Águas Belas, quando propicia que os licenciandos vivenciem a
relação natureza-sociedade-educação ambiental crítico-humanizadora. Os estudantes
aprendem sobre outra cultura, o respeito à mesma, como a tribo se relaciona com a natureza e
com outras comunidades do entorno e muito mais. Para o professor é uma atividade “bem
interessante [...] há valores que estão ocultos” como a comercialização de produtos artesanais
dos índios promovida nestas visitas autorizadas. Isto é proporcionar que o sujeito reflita sobre,
no e com o mundo.
Folha de Cajueiro, com a experiência exitosa na Fazenda Marizá, já descrita
anteriormente, também promove esta troca de lentes ao propor práticas diferenciadas que
oportunizam os licenciandos a repensarem a relação sujeito-mundo que protagonizam. Este
repensar pôde ser observado em uma das práticas propostas pela folha em sala de aula, o que
193
nos indica que o quefazer da EA crítico-humanizadora pode trazer a relação sujeito-mundo
em práticas ao ar livre ou em sala de aula.
A referida prática consistiu, em um primeiro momento, em fazer os licenciandos
rememorarem a rua na qual moraram em sua infância. Folha de Cajueiro pediu que eles, de
olhos fechados, andassem pela rua e observassem como era o lugar que eles estavam pisando,
quais eram os barulhos, como era a vizinhança, se havia casas ou prédios, e orientou-os a irem
se aproximando mais do local onde eles moravam, percebendo as coisas e as pessoas com
detalhes.
Depois, ela entregou folhas aos estudantes para que eles desenhassem o que viram do
local onde moravam e que, se possível, mostrassem alguma particularidade deste local.
Distribuiu giz de cera e hidrocor para a realização da prática. O giz de cera foi partido para
que pudesse ser compartilhado - isso tem sentido e significado para todos na sala. Ao
terminarem, ela pediu que eles desenhassem como está o local no qual eles moravam
atualmente.
Enquanto os alunos desenhavam, Folha de Cajueiro colocou um CD que falava de
cachoeiras, de rios, de águas; havia sons de pássaros na música. Alguns licenciandos iam
desenhando e movendo a cabeça ou os pés seguindo o ritmo da música que enchia a sala de
vida e gerava ambiente propício à criação. Um estudante comenta ao desenhar: “me deu
saudade da minha infância, eu falava com todo mundo. Hoje, no local no qual moro, não falo
com ninguém”.
Os desenhos foram colocados no chão, no centro do círculo formado pela turma. Um a
um eles faziam a comparação do ontem e do hoje, do ambiente natural e social de sua época
de infância e de agora. O grupo aos poucos encaminhava para as mesmas conclusões:
tínhamos mais verde, mais contato com a natureza no passado; além disso, as relações entre as
pessoas eram melhores, as crianças brincavam juntas na rua, na frente de suas casas.
Atualmente muita coisa mudou. A população cresceu e com ela vieram problemas de
saneamento, da necessidade de mais apartamentos cada vez menores, a desigualdade social
acirrou ainda mais a violência e as pessoas se fecham em suas casas. Este cenário convida os
professores a redescobrir a função social da utopia, dos pequenos e grandes sonhos possíveis
que dão sentido ao trabalho docente.
Após as reflexões de todos os estudantes e também das suas próprias, a professora os
convidou a mais reflexões sobre a relação sujeito-mundo:
194
Quanta mudança ocorre na vida psíquica das pessoas em menos de vinte anos! Eu
comia fruta do pé, conhecia as pessoas... Hoje compramos tudo, não falamos com
ninguém. Que vida é essa? O que estamos fazendo neste espaço de tempo neste
planeta? Qual é o nosso papel neste mundo? Onde estão as crianças? No vídeo
game, na internet? Olhem o tamanho da mudança. Estamos falando de uma coisa
que está acontecendo a nível mundial: este distanciamento do ser humano, este
individualismo. Como cada um de nós pode começar a mudar isso?
Ao fazer este questionamento final após tantas reflexões que partiram das realidades
dos estudantes, percebemos que o quefazer da EA crítico-humanizadora baseia-se em uma
concepção de inacabamento do sujeito e de sua possibilidade de transformar – como cada um
de nós pode começar a mudar isso?
Tal quefazer é portador de esperança em dias melhores a partir da análise e reflexão
sobre o passado e o presente. É neste processo de análise-reflexão que novos sujeitos podem
construir novas relações sujeito-mundo, relações menos arestosas e tecidas com mais
sabedoria e respeito a todas as formas de vida do planeta. Assim, o ponto de partida para a
mudança na direção de sujeitos socioambientais está no próprio sujeito, na relação homem-
mundo, já que este, como nos lembra Freire (2006), não existe fora do mundo.
Novas relações sujeito-mundo são também discutidas nas aulas de Folha de
Mangueira, pois ela, ao abordar a temática água, motiva os licenciandos a reflexões como:
“economizamos água somente para pagar menos na conta? Por que economizamos água? [...]
O que vale mais votos: levar água limpa às pessoas ou matar Osama?”
Os questionamentos da mencionada folha levaram a turma a perceber que muitas de
nossas ações são apenas individualistas, muitas pessoas não se preocupam em economizar
água para o mundo, mas somente para economizar seu próprio dinheiro. Levaram-na também
a pensar o quanto os fatores políticos estão imbricados aos ambientais.
As relações sujeito-mundo, sob novas lentes, implicam em pensar no próximo, em
valorizar sujeitos coletivos, em integrar vidas por meio da solidariedade, da sensibilidade, do
amor à vida, da humanização e da criticidade. As ações decorrentes deste olhar sob novas
lentes dinamizam o mundo no sentido da humanização. A este respeito, Freire (2000a, p. 51)
afirma que
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de
estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu
mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela
algo de que ele próprio é o fazedor.
195
Humanizar a realidade envolve promover a relação sujeito-mundo também através da
relação sujeito-natureza. Percebemos este quefazer da EA crítico-humanizadora nas aulas de
todos os professores-atores, mas de forma mais evidente nas aulas de Folha de Cajueiro e de
Folha de Pitangueira. Essa folha, ao levar seus alunos ao Jardim Botânico, solicita que os
mesmos toquem as árvores para quebrar uma barreira sujeito-natureza. Para ela,
[...] o aluno não consegue interagir, ele tem uma barreira natural àquele diferente,
aquele ambiente que é verde, que é sombrio porque a floresta é escura. Lógico que a
educação ambiental não é só salvar a árvore, não é isso. Mas, essa interação é que tá
difícil pro aluno. E aí nesse contato, ele consegue perceber; quebra, entendeu?
Quebra o gelo. Eu acho que isso é uma coisa muito legal. Acho que funciona. Pelo
menos pra mim tem sido sempre muito proveitoso como educador.
O quefazer da EA crítico-humanizadora contribui na relação sujeito-mundo ao
permitir o experienciar de novas vivências homem-natureza e homem-homem. Trata-se de
uma nova relação ética e estética que traz a vida como eixo integrador. A vida das plantas, dos
mamíferos, das aves, dos répteis, dos anfíbios, dos poríferos e todos os outros grupos vivos,
sejam estes microscópicos ou macroscópicos; todos estão interligados e a vida de todos
depende de ética.
A respeito da ética, Freire (apud FREIRE, A., 2001, p. 192) pensa que podemos
caminhar
[...] rumo a uma ética na qual – e a partir da qual – constituiríamos posturas
integradoras da saúde da vida, daquela árvore, para citar um exemplo próximo, que
mesmo nossa identidade mais pessoal sinta-se afetada pelo desenvolvimento dela, a
árvore.
Frente ao analisado, no quefazer docente da EA crítico-humanizadora quanto à relação
sujeito-mundo:
Há a compreensão de que estamos no mundo e que este está em nós;
Existe o desenvolvimento dos conteúdos, a inserção dos futuros professores no mundo
do trabalho e o amadurecimento destes como pessoas;
O pensar sobre saídas socioambientais parte da objetivação do mundo;
A relação sujeito-mundo é trabalhada em sala de aula e outros espaços.
196
Relação educação-sociedade
Folha de Jabuticabeira nos disse que na graduação ela tem “experiências das mais
bizarras desde a utilização de jogos”. Ela também afirmou que recorre a práticas de teatro
para levar os licenciandos “à reflexão, ao escutar, ao perceber, para que eles possam perceber
os seus futuros alunos; porque aí eu estou formando pessoas”. Na busca por esta formação de
pessoas, a referida folha utiliza, dentre outras estratégias didáticas, “do varal pessoal”. Ela nos
explicou que este varal funciona da seguinte forma:
Eu pego cordões, barbante, e faço com que eles pensem a rua em que eles moram, e
eles pegam papel, esse papel tipo madeira, no qual eles recortam e desenham as
casas e constroem com os cordões a sua rua. E eles começam a observar o que fazem
em sua rua, a sua responsabilidade. E é surpreendente quando você os vê dizendo:
“Puxa, eu não conheço ninguém!” Eles não conhecem os vizinhos. Então eu estou a
cinco metros de um cara que sai todo dia na minha frente e eu não conheço. Então,
eles começam a fazer reflexão e eu acredito que a EA, mais que definições, é
conceito de moral e de ética, porque ela tem a educação [...] Essa é a educação
transformadora que eu acredito (grifos nossos).
O quefazer de Folha de Jabuticabeira caminha no sentido de provocar reflexões e
mudanças pessoais nos licenciandos, não somente como futuros professores, mas como
pessoas. Há uma preocupação com a formação de pessoas que constituem a sociedade, com as
relações que se estabelecem no interior da sociedade e entre sociedade e meio ambiente, já
que somos meio ambiente.
Desse modo, a relação educação-sociedade é uma prioridade no quefazer docente
desta folha que leva para a sala de aula a reflexão crítica sobre problemáticas socioambientais
que têm início no indivíduo, no ser que pode apreender novas finalidades para sua vida a
partir de como se relaciona em sociedade. Prioridade esta também compartilhada por Folha de
Umbuzeiro que propõe desafios constantes a seus estudantes que os levam a abrir-se a novas
possibilidades trazidas por culturas diversas, como a indígena e a quilombola, no que diz
respeito à utilização de plantas.
Percebemos então que a educação e a EA são processos de dentro para fora que podem
ser estimulados a partir do aprender a amar. Aprendizagem do amor que significa o
compromisso de comprometer-se consigo e com o outro (FREIRE apud FREIRE, A., 2001) e
que se expressa no desenvolvimento de atitudes e valores de conhecimento pessoal e
interpessoal que favorece a valorização de si mesmo e do outro, seja este um vizinho, um
parente, um estudante ou um professor.
197
Marcomin, Mendonça e Mazzuco (2008, p. 76) afirmam que na EA, “Talvez, mais do
que lutar por tratados seja preciso lutar pelo resgate, pela reestruturação e pela estruturação de
valores básicos [...]”, pois, na sociedade atual, há um desgaste de valores fundamentais que
ajudem as pessoas a caminharem com mais solidariedade, respeito, tolerância e amor para
consigo próprias e para com os outros.
Na obra Pedagogia dos Sonhos Possíveis, encontramos entrevista concedida por Paulo
Freire publicada na revista Elle de abril de 1989 com o título O mestre do bê-a-bá. Nela é
feita a seguinte pergunta: “Se a vida fosse terminar agora, que balanço faria de sua passagem
pela Terra?”. Paulo Freire respondeu: “Eu diria: procurei amar. E, tendo procurado amar,
nunca deixei de querer conhecer” (FREIRE apud FREIRE, A., 2001, p. 200). Deste modo, o
amor a que aqui nos referimos não é ingênuo, não imobiliza, mas sim move professores
formadores e licenciandos no caminho da mudança, da inovação.
A educação é, neste sentido, promotora do processo de mudança socioambiental na
sociedade, pois contribui para a construção e reconstrução de valores, do senso de
responsabilidade de cidadãos comprometidos com a ética socioambiental, que é planetária. E
a universidade, local de formação de professores de diversas áreas, insere-se neste processo de
mudança com missão social elevada de formar protagonistas comprometidos com a edificação
de uma educação vista como processo de humanização, o que torna indissociável a relação
educação-sociedade.
Na observação das aulas de Folha de Jabuticabeira verificamos que ela estabelece a
relação educação-sociedade trazendo aos alunos a importância de estudar temas ecológicos e
ambientais na licenciatura. Ademais, ela destaca a importância desta modalidade de
graduação, do papel do professor na transformação da sociedade, busca a participação dos
alunos, diz que eles serão professores, portanto, não podem se omitir, precisam participar
ativamente das decisões tomadas na sociedade.
Percebemos assim que o quefazer docente da EA crítico-humanizadora na formação
inicial de professores de biologia articula a formação profissional com o compromisso social e
ético. Tal achado é significativo ao considerarmos que a responsabilidade do professor, seja
na educação básica ou na superior, “é formar o cidadão [...] e isto é particularmente
importante para o professor de ciências, uma vez que ciência e tecnologia são marcas da
sociedade moderna” (D´AMBRÓSIO, 1998, p. 239).
A preocupação com a formação de professores que atuarão na educação básica foi por
nós também encontrada no quefazer de todos os demais professores-atores. Folha de
Jambeiro, por exemplo, destacou em suas aulas que no ensino fundamental e médio “não há
198
um espaço grande para trabalhar fungos e muito menos micologia, mas eles, enquanto
docentes, podem trazer estes conteúdos de forma diferente, mais voltados à sociedade, ao bem
estar”. E esta colocação do professor reflete-se nos trabalhos com vídeos solicitados aos
estudantes, demonstrando que em seu quefazer há coerência entre o que diz e o que faz.
Esta coerência faz com que o licenciando perceba-se “parte do processo de EA na
sociedade”, como nos disse Folha de Pitangueira. Em sua concepção há saída estratégica para
os problemas socioambientais, “[...] mas a gente precisa perceber que é parte do processo.
Não só ser contra ou a favor da destruição da floresta para a construção de uma hidrelétrica
[...] A gente tem que fazer a nossa parte”.
Fazer a nossa parte lembra ação. É notório percebermos que muitas informações a
respeito de temáticas socioambientais estão disponíveis, mas, mesmo assim, não agimos.
Paramos no que Pelizzoli (2011) considera o primeiro momento na luta socioambiental – a
informação. E esta, embora por vezes divulgada pela mídia, não traz todas as nuances
necessárias ao despertar da consciência crítica. Por exemplo: se uma grande rede de
supermercados ou de farmácias necessita derrubar árvores centenárias para se instalar, a
informação pode girar apenas em torno do dano ambiental, negligenciando o dano social,
como o fechamento de pequenos supermercados e farmácias locais, o que enfraquece a
acumulação de capital no local.
Para o referido autor a luta socioambiental se efetiva em três tempos, a saber (Ibidem,
p. 121):
1. Informação: significa que precisamos ter acesso a informações e dados sobre o
que está acontecendo realmente a nossa volta, e todo o espectro de impacto que
causamos com nosso modelo de consumo e socialização [...] 2. Conscientização e
sensibilização: para lembrar diretamente Paulo Freire, pois aqui se trata de um
grande processo de Educação (com razão e emoção) para o tempo ecológico e o
novo humanismo inseparável dele [...] 3. Ação: depende dos pontos anteriores,
especialmente o 2, pois a motivação é que a move (grifos nossos).
Daí a importância do quefazer docente da EA crítico-humanizadora como gerador de
sensibilidade e tomada de consciência de sujeitos historicamente situados. Folha de
Mangueira aposta em colocar seus estudantes como seres que estão e são parte do processo de
transformação socioambiental. Em uma das aulas observadas, ela trouxe para discussão a
questão da produção de cana-de-açúcar em Pernambuco e questionou-os quanto ao que
acontece aos homens e mulheres que trabalham na colheita da cana quando sua produtividade
reduz devido à idade ou mesmo à saúde perdida em anos de trabalho com condições precárias.
199
Algumas das perguntas por ela feitas foram: “E daí, o que acontece com esse homem? Busca
trabalho fora de Pernambuco? Por que tem tantos nordestinos nas favelas do Rio e de São
Paulo? O que eu, cidadão, futuro professor, posso fazer nesta situação?”.
As reflexões provocadas contribuem no desenvolvimento de atitudes e valores de
corresponsabilidade para com a situação socioambiental do planeta. Assim, o quefazer da EA
crítico-humanizadora traz a compreensão de que a relação educação-sociedade é uma
construção diária que envolve a valorização do respeito, do cuidado, da corresponsabilidade
pelo que acontece local e globalmente. Afinal, como nos lembra Morin (2010), cada parte do
mundo faz cada vez mais parte dele, mas ele, enquanto todo, está cada vez mais presente em
suas partes.
Como nos alertou Folha de Cajueiro: “A desumanização, a falta de tempo para ter
criticidade, para aprofundar nas informações que nos são passadas, podem nos levar à
criticidade ingênua”. Tal criticidade foi também mencionada por Folha de Ingazeiro ao narrar
a aula campo na qual promove a interação de seus estudantes com os índios que residem em
Águas Belas. Segundo o professor, os índios recebem visitantes visando à venda de produtos
artesanais produzidos por eles e “perceber isso e analisar criticamente faz parte do processo
de aprendizagem nesta visita”.
Diante do exposto, sinteticamente atestamos que a relação educação-sociedade se
expressa no quefazer da EA crítico-humanizadora:
Na percepção de que a EA é de dentro para fora;
Na coerência discurso-ação;
Na reflexão crítica sobre problemáticas socioambientais;
No entendimento da educação como instrumento de transformação da sociedade.
Relação ensino-pesquisa
Freire (2002, p. 31) afirma que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.
Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro”. E foi o que encontramos em nossa
pesquisa: ensino e pesquisa indissociáveis no quefazer docente da EA crítico-humanizadora.
As pesquisas propostas pelos professores-atores nos componentes curriculares que ministram
visam à formação de professores de biologia que intervenham educando e se eduquem. Como
destaca Freire (Ibidem, p. 32):
200
[...] Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco,
porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando,
intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade.
Cada uma das folhas tem um jeito específico de trabalhar o ensino associado à
pesquisa. Folha de Jabuticabeira, Folha de Pitangueira, Folha de Ingazeiro, Folha de
Mangueira e Folha de Jambeiro buscam esta associação em trabalhos nos quais os estudantes
partem de conteúdos específicos abordados nos componentes curriculares e fazem o link com
o contexto socioambiental da própria universidade e da sociedade.
Trazemos aqui o exemplo de Folha de Mangueira: seus estudantes pesquisam o
problema dos animais dentro da universidade na qual estudam. Segundo a professora,
O que é que eu estou fazendo com os animais: os alunos reclamam demais dos
animais aqui na biologia e tem uma professora que traz comida para eles. Então eu
estou tentando fazer o seguinte: ao invés de atiçar os alunos para odiarem aquilo ali,
o que é que eu falo: “Vamos fazer um estudo!”
Então eu tenho uma aluna que está começando, a gente está planejando ainda, a
investigar: quais os riscos? Como está a saúde destes animais? O ambiente é
propício ou não?
Muitos dos trabalhos produzidos pelos licenciandos são transformados em resumos
expandidos publicados e apresentados em eventos locais e regionais. Para que estes trabalhos
sejam possíveis, Folha de Jambeiro destaca a importância de acompanhar uma turma durante
todo o semestre. Talvez esta reflexão advenha do fato de ser comum em seu departamento a
divisão dos componentes curriculares entre dois, três e até quatro professores. Ela nos disse
que
[...] normalmente, eu tenho a sorte de ter uma disciplina do início ao fim. Então eu
tenho como criar um vínculo com o aluno. É diferente de você chegar, dar uma aula
e ir embora. Então, no início do semestre eu já passo um projeto. O que seria esse
projeto?
Eu passo uma atividade e procuro não repetir. No primeiro ano eles fizeram análise
do livro didático. Então eu dividi em grupos, cada grupo ficou responsável por um
autor e eles tiveram que fazer a análise de tudo: conteúdo, a parte de prevenção,
diagnóstico, a relação com o meio ambiente [...] tudo. E apresentaram isso. Então é
diferente de pegar uma coisa já pronta e apresentar. E agora, nos dois últimos
semestres, eu estou trabalhando com a inserção de vídeo. Eu divido em grupos e eles
têm que produzir um material audiovisual na temática de saneamento básico.
Na aula na qual os vídeos foram apresentados foi possível perceber o quanto os
estudantes tiveram que pesquisar e trabalhar em conjunto para a sua produção. Além disso, o
ambiente criado por Folha de Jambeiro – luz apagada, telão, pipoca – favoreceu e valorizou as
produções.
201
Nos trabalhos solicitados por Folha de Mangueira e por Folha de Jambeiro é possível
perceber que a pesquisa promove a compreensão dos problemas socioambientais e contribui
para a formação de professores críticos, conhecedores da realidade e aptos a nela intervir.
Conhecer a realidade, no contexto da EA, é denominado por Carvalho (2006) de leitura do
meio ambiente. Para lê-lo “[...] não basta observar passivamente o entorno, mas é importante
certa educação do olhar, aprender a ler e compreender o que se passa a nossa volta” (Ibidem,
p. 86). Ademais, pensamos ser importante o registro desta leitura, que pode ser solicitado
pelos professores formadores na forma resumos expandidos, vídeos e outras produções.
Folha de Pitangueira é outro professor-ator que solicita vídeo para os alunos. Em uma
das aulas observadas foi possível acompanhar a solicitação da produção de um vídeo que
envolve pesquisa. Em um primeiro momento, o professor-ator apresentou um vídeo aos
estudantes sobre polinização. Há abelhas, borboletas, morcegos, beija-flores. Ele explorou o
vídeo extraindo dos estudantes aspectos da polinização: a língua longa do morcego e as
espirotrombas das borboletas, por exemplo. Ele também pediu que os licenciandos
identificassem as espécies vegetais que apareciam no vídeo e destacou a importância dos
morcegos na natureza desmistificando a ideia de que estes animais são somente hematófagos.
A partir do vídeo apresentado, ele explicou como é o vídeo que os estudantes
deveriam produzir como trabalho avaliativo do componente curricular. “O vídeo solicitado”,
explicou o professor-ator, “deve ser um instrumento que possa ser utilizado na educação
básica”. Isso demonstra que o mesmo relaciona os conteúdos específicos trabalhados no
componente curricular, que é específico da área de ciências biológicas, com a formação do
professor.
Tardif (2008) aponta como uma das vantagens da pesquisa na formação do professor a
oferta a licenciandos e a professores formadores de uma imagem rica e cheia de nuances da
condição do trabalho docente. Além do mais ajuda a compreender essa condição no futuro,
propiciando mudanças na formação a fim de preparar o futuro professor para os desafios que
estarão postos à época.
A EA crítico-humanizadora, tal como concebida neste trabalho, requer a pesquisa
como fonte realimentadora dos quefazeres docentes, exatamente por promover a imersão dos
futuros professores no universo do conhecimento específico dos componentes curriculares
associado à prática docente realizada na educação básica e nas condições que favorecem ou
dificultam o trabalho deles com a EA. Quanto mais crítica e humanamente o futuro professor
perceber a EA e pesquisá-la, mais condição terá para exercê-la em sua prática docente.
202
Folha de Umbuzeiro, ao acreditar que no trabalho com EA é preciso “abrir novas
possibilidades”, solicita de seus estudantes que estes produzam pratos com plantas que não
são habitualmente usadas em nossa culinária. A referida folha nos disse que: “eu os desafiei a
desafiar o próprio paladar e a provar coisas diferentes, a preparar comida com plantas que não
são usuais, pra mostrar que existem outras possibilidades”.
Obviamente, eles tiveram que fazer pesquisas sobre as plantas que utilizariam e, na
observação da aula na qual as iguarias foram apresentadas, percebemos que alguns grupos
pesquisaram também em comunidades indígenas qual era o uso daquela planta e outros
consultaram nutricionistas para melhor conhecer suas propriedades nutricionais. Folha de
Umbuzeiro afirmou que os licenciandos “fizeram até coisas gostosas, fizeram uns doces”. O
doce que tivemos a oportunidade de experimentar foi de cacto e, embora diferente, era
saboroso.
Ainda que todos os professores-atores invistam na pesquisa no processo ensino-
aprendizagem, eles destacaram a sua não formação para atuar desta forma como professores,
o que lhes exigiu esforço maior para exercer a docência tal como o fazem. Folha de
Umbuzeiro atestou que não foi preparada para atuar deste modo no mestrado, nem no
doutorado.
Estudos de Cunha (2005) e de Fernandes, Bastos e Selbach (2010) mostram que a
formação pedagógica do professor universitário apresenta lacunas oriundas do processo
formativo institucionalizado, ou seja, dos cursos de mestrado e doutorado. Contudo, as
referidas pesquisas também apontam para a inovação na docência universitária oriunda de
investimentos pessoais dos professores; o que indica um compromisso assumido por estes
profissionais para melhorar seu quefazer. Neste sentido, convém que as universidades reflitam
sobre a formação dos professores nos cursos de mestrado e doutorado, já que vários mestres e
doutores têm a universidade como espaço de inserção profissional.
A lacuna na formação causa até mesmo angústia nos professores-atores, não só no que
se refere à formação pedagógica, mas também pelo paradigma no qual ocorreu o processo
formativo para a pesquisa. Folha de Cajueiro nos confessou que:
Eu acho que [...] de tudo [...] o que não encaixou ainda no meu quebra-cabeça de
mudança de paradigma é a questão da pesquisa, sabe? Isso é uma busca minha ainda
porque eu percebo que a minha pesquisa ainda tem um pé muito no que eu fiz no
mestrado e doutorado. E eu percebo o quanto isso é superficial para o que eu
gostaria. Só que eu ainda não sei como é que eu mudo a minha pesquisa de
paradigma sem abandonar tudo que eu aprendi.
203
Este processo de mudança de paradigma na forma de pesquisar e no como orientar
pesquisas na formação de professores, embora doloroso, parece não paralisar Folha de
Cajueiro, pois a mesma o encara como processo, como algo a construir com os estudantes, o
que os insere no processo formativo da professora. Para ela,
Isso tá sendo um processo a construir. E assim [...] às vezes alguns alunos da
licenciatura me procuram com essa perspectiva de fazer pesquisa, e aí eu mesma
tenho quase que uma [...] insatisfação de contar pra eles como eu trabalho, sabe? É
como se eu tivesse dizendo pra eles assim: “Vocês tão achando minha aula muito
legal, mas eu trabalho com um negócio muito quadrado”. Então, isso pra mim eu
não sei ainda, mas eu já tô dando um passo importante: esse semestre eu falei com
meus estagiários assim: “Olha, vamos parar um pouco com essa pesquisa de campo.
Aproveita agora que começou a chover e o campo fica difícil, vamos parar com isso.
E vamos começar a estudar uma coisa que eu tô muito interessada, que é a visão
sistêmica. A gente tá precisando fazer essa ciência sair do paradigma cartesiano e ir
para um paradigma ecológico, sistêmico”.
Castanho (2005), ao abordar a formação do professor da educação superior, afirma que
aí começam as dificuldades para o ensino com pesquisa na graduação. O autor destaca que,
nos cursos de mestrado e doutorado, enfatizam-se conteúdos específicos e pesquisas em áreas
também específicas, mas há pouca ou nenhuma preocupação com os aspectos didático-
pedagógicos. Em outras palavras, “[...] Não se forma o professor para o ensino superior, pelo
menos com o rigor pedagógico com que tal formação deve ser entendida” (Ibidem, p. 85).
Entretanto, esse profissional é contratado pelas universidades como professor;
portanto, vai ensinar. Por sua vez, o professor dos cursos de licenciatura, que é também
pesquisador, sente-se muitas vezes motivado a orientar os licenciandos, pela própria coerência
exercida na docência, a investigar, a construir novos conhecimentos com base no que
descobriram, a associar na pesquisa os conhecimentos específicos de sua área e a prática
profissional dos futuros professores. Isso foi observado em nossa pesquisa, mas destacamos
que se trata de um esforço dos professores-atores em ter um quefazer inovador com a EA.
Sinteticamente, constatamos que a relação ensino-pesquisa no quefazer da EA crítico-
humanizadora se expressa:
Em trabalhos com temáticas que partem dos conteúdos específicos associados ao
contexto socioambiental da universidade e da sociedade;
Na busca pela mudança do paradigma cartesiano para o sistêmico;
Nas produções geradas pela pesquisa (vídeos, resumos expandidos e outras);
Na compreensão da pesquisa como fonte realimentadora dos quefazeres docentes.
204
Interdisciplinaridade
Folha de Jabuticabeira afirmou que consegue trabalhar interdisciplinarmente e que isso
Foi fruto de treinamento pessoal [...] Porque a cátedra, no Brasil e no mundo, não
prepara para a interdisciplinaridade. Ela prepara especialidades. Então eu tive que
me tornar generalista, contra a corrente da cátedra especialista, para poder ter a visão
do todo, uma visão holística para poder trabalhar a interdisciplinaridade.
Na fala da referida folha percebemos a lacuna formativa em relação à
interdisciplinaridade e o movimento contra-hegemônico por ela feito para conseguir trabalhar
de forma interdisciplinar. Folha de Ingazeiro corrobora o pensamento expresso por Folha de
Jabuticabeira e atestou que só consegue trabalhar de forma interdisciplinar em suas pesquisas,
mas não no ensino. Segundo o mesmo,
A estrutura da universidade é disciplinar. Então, toda universidade é disciplinar. Por
mais que eu tente, que a gente tente, que um grupo de pessoas tente trabalhar a
interdisciplinaridade, a gente sempre vai barrar em algum momento porque a
instituição é disciplinar.
As universidades estudadas, organizadas por departamentos, isolam de certo modo
professores, funcionários e estudantes academicamente e administrativamente, dificultando o
diálogo. Entretanto, o diálogo abre a possibilidade de conseguirmos exercitar a tolerância, o
respeito e a abertura aos saberes construídos por outros.
Assim, a possibilidade de vivência interdisciplinar é restringida pela própria estrutura
das universidades. Follari (2011, p. 111) argumenta que “para haver interdisciplinaridade
deve haver estruturas permanentes que a possibilitem, isto é, lugares de pesquisa
interdisciplinar”. O autor sustenta que os estudantes de graduação deveriam ser vinculados a
projetos ou a núcleos de pesquisa que funcionariam em uma estrutura acadêmica central e os
currículos seriam, então, adaptados à interdisciplinaridade, propiciando que os estudantes, nos
últimos anos do curso, se dedicassem à resolução de problemas concretos.
Esta estrutura proposta pelo autor parece-nos viável, pois os estudantes construiriam
conhecimentos no interior de componentes curriculares nos primeiros anos dos cursos e
dialogariam com estudantes e professores de outros cursos nos anos finais visando à resolução
de problemas interdisciplinares, como os socioambientais, através da pesquisa. Percebemos
esta possibilidade nas narrativas de Folha de Mangueira, Folha de Jambeiro e Folha de
Umbuzeiro que alegaram ser mais tranquilo o trabalho interdisciplinar nos grupos de pesquisa
dos quais fazem parte.
205
Tais professores-atores atestaram tentar trabalhar interdisciplinarmente no ensino, mas
enfatizaram que é difícil o diálogo com alguns professores. Segundo Folha de Umbuzeiro,
Às vezes você está disposto ao diálogo interdisciplinar, mas não encontra colegas
que estejam dispostos ao diálogo. E, às vezes, trabalhar com outro profissional é
justamente o desafio, a possibilidade das duas pessoas se abrirem porque, como eu
disse a você, nós, os cientistas, nós somos arrogantes demais. Então, muitas vezes
não queremos abrir mão das nossas verdades em favor da opinião do outro colega,
que também pode ser tão legítima quanto a nossa, é outro olhar sobre o mesmo
problema. Isso dificulta parcerias, dificulta o trabalho. Então, quando a gente
encontra alguém para fazer uma parceria, alguém que pensa da mesma forma, no
sentido de estar aberto para o diálogo, é raro.
A pequena quantidade de professores dispostos a dialogar é uma barreira significativa
ao trabalho interdisciplinar com a EA, pois este se funda no diálogo. Desse modo, para além
das fronteiras impostas pela organização das universidades, há também fronteiras humanas
estabelecidas. Não é à toa que Moraes (2004) elenca a intersubjetividade – relação entre
sujeitos - como um dos pressupostos epistemológicos do pensamento eco-sistêmico44
.
Folha de Umbuzeiro aponta um dos fatores que dificulta o diálogo interdisciplinar:
“Nós não somos, enquanto professores, treinados ou incentivados ao diálogo interdisciplinar”.
Investir na formação dos professores universitários parece-nos, pois, essencial à mudança na
educação e na EA. Tal formação, tendo por base a humanização e a criticidade, ganha força
no sentido de transformação da sociedade a partir do compromisso teórico-prático da
interdisciplinaridade que pode ser vivenciado na universidade.
Enquanto este compromisso não existir encontraremos professores que almejam
trabalhar interdisciplinarmente, mas que conseguem com dificuldades, como os descritos
anteriormente, ou simplesmente não conseguem, como é o caso de Folha de Pitangueira e de
Folha de Cajueiro. De acordo com Folha de Pitangueira,
Nunca consegui. Assim: não é porque eu não queira, eu até quero. Mas também eu
nunca me esforcei para e nunca senti reciprocidade para. A universidade não
propicia um ambiente para isso, para a interdisciplinaridade nas disciplinas da
graduação, não propicia.
A busca, a procura de pares que se disponham ao diálogo interdisciplinar exige
mudança na estrutura da universidade, mas, como já destacamos anteriormente, exige também
a melhoria na relação entre os sujeitos. Tal relação pode evitar que professores sintam-se
44 Além da intersubjetividade, a autora destaca os seguintes pressupostos epistemológicos do pensamento eco-
sistêmico: interatividade, complexidade, emergência, auto-organização, autonomia, mudança, incerteza,
causalidade circular, inter e transdisciplinaridade. Para compreensão destes pressupostos, consultar: MORAES,
M. C. Pensamento eco-sistêmico: educação, aprendizagem e cidadania no século XXI. Petrópolis, RJ: Vozes,
2004.
206
como nos descreve Folha de Cajueiro: “Aqui na academia eu ainda me sinto um peixe fora da
água”.
Nesta perspectiva, um processo educativo interdisciplinar que envolva a EA crítico-
humanizadora não fica reduzido à dimensão da racionalidade, mas engloba todas as
dimensões de seres que são biológicos, psicológicos, antropológicos, culturais e sociais.
Afinal, como identificado no relatório Delors (2003), dentre os pilares da educação do futuro
está o aprender a viver juntos que pressupõe a disposição em aprender a ser, sentir-se
inacabado e abrir-se ao diálogo amoroso, respeitoso e construtivo.
Aprendendo a ser e a sentirem-se inacabados, professores formadores podem optar
pela decisão de busca pela superação do conhecimento fragmentado no ensino, na pesquisa ou
na extensão. Esta decisão intencional de homens e mulheres que desejem formar equipes de
trabalho pode redimensionar o sentido da formação de professores nas universidades,
permitindo que sejam formados não só professores melhores, pois está em jogo a formação de
um cidadão que convive em uma sociedade na qual tudo está conectado.
A este respeito, Folha de Umbuzeiro nos disse que gostaria muito de trabalhar de
forma interdisciplinar porque
[...] o grande problema pra mim na biologia, como talvez também nas outras
ciências, é que o nosso aluno vê as coisas desconectadas. Ele vê a botânica
desconectada da zoologia, da geologia, da paleontologia, da educação; e depois,
quando ele se forma, se exige que ele junte tudo na cabeça para poder exercer o
ofício de professor. E a gente não faz isso na universidade durante a formação dele.
Então, é um desafio.
Desafio este que pode fazer com que alguns professores sintam-se peixes fora da água
por tentarem trabalhar de forma interdisciplinar, por tentarem inovar e não serem
compreendidos ou correspondidos. Mas também desafio que inquieta, que impulsiona a
mudança na vida acadêmica e pessoal dos sujeitos envolvidos, por decisão própria, na busca
da interdisciplinaridade como princípio que media o diálogo entre diferentes saberes e fazeres
que se complementam na diversidade.
Finalizando, percebemos que em relação à interdisciplinaridade no quefazer da EA
crítico-humanizadora:
Há a busca necessária do diálogo alcançada com muito esforço, pois a universidade
não propicia o trabalho interdisciplinar.
Alguns professores não estão dispostos ao diálogo.
Não há formação para a interdisciplinaridade.
207
5.3 Indícios de processo de humanização do humano e de formação de cidadãos críticos:
frutos maduros
Consideramos os indícios de processo de humanização do humano e de formação de
cidadãos críticos no quefazer da EA crítico-humanizadora na formação inicial de professores
de biologia como frutos maduros porque representam o resultado expresso nas entrevistas
narrativas concedidas pelos professores-atores, nas observações das aulas destes e no círculo
de cultura vivenciado. São frutos, portanto, teorizados, refletidos e que podem ser colhidos
pelos estudantes e pela sociedade. Frutos doces construídos por professores-atores que
inovam, que se mobilizam em prol da educação e da EA diferenciada na universidade.
O círculo de cultura possibilitou o aprofundar dos indícios apontados no item anterior,
no qual analisamos o quefazer dos professores-atores e conseguimos sistematizá-lo quanto à
relação professor-aluno, à unidade teoria-prática, à relação sujeito-mundo, à relação
educação-sociedade, à relação ensino-pesquisa e à interdisciplinaridade.
Tais indícios foram registrados no cartaz síntese produzido pelos professores-atores
(figura 27) e pelas falas dos mesmos durante o círculo de cultura – falas estas que nos
auxiliaram a compreender e a analisar os desenhos e palavras presentes no cartaz. Os indícios
que identificamos foram: reflexão, ética, respeito e coerência. Consideramos que estes são os
indícios base, precursores, fundantes do quefazer da EA crítico-humanizadora, pois são eles
que sustentam a visão de mundo dos professores-atores que se materializa no seu quefazer.
A reflexão é um indício que desvelamos na autorreflexão dos professores-atores e na
reflexão que estes promovem em suas aulas sobre questões socioambientais. A autorreflexão
de suas práticas docentes e de sua condição de seres vivos no mundo leva-os ao
reconhecimento de seu inacabamento, de sua inconclusão no mundo, que termina por
conduzi-los a um posicionamento diferenciado. Segundo Folha de Umbuzeiro,
[...] passando por um processo de autorreflexão em torno de sua prática, em torno de
estar no mundo, o homem se posiciona no mundo. Eu acho que é isso que passa por
esta questão crítico-humanizadora: o processo de autorreflexão em torno de onde
estou, o que eu faço e porque eu faço, como eu interajo com os outros elementos no
mundo em que eu vivo.
Nesta perspectiva, a EA crítico-humanizadora integra saberes e valores que são
construídos continuamente e que abrem possibilidades de autorreflexão sobre as relações que
estabelecemos com outros seres, sejam eles humanos ou não. Carvalho (2006, p. 137) afirma
que a EA ao evidenciar a relação com os seres não humanos como parte de nossa
208
humanidade, “[...] amplia nossa humanização. Assim, pode construir ideais de convivência
amistosa, respeitosa e prudente com o ambiente natural e social”.
O processo de autorreflexão promovido pelos professores-atores é evidenciado em
suas aulas, pois os mesmos fazem questão de afirmar que “são viscerais” e que estimulam
seus estudantes a refletirem de modo autônomo. No diálogo estabelecido entre Folha de
Umbuzeiro e Folha de Mangueira percebemos a importância que os professores-atores dão ao
estímulo à reflexão e de que forma a reflexão e a autorreflexão são estimuladas:
O professor precisa ser esse indivíduo que leva o outro à reflexão. Eu,
particularmente digo: eu não quero robôs. Eu não quero ninguém repetindo o que eu
disse em sala de aula. Eu tô colocando uma visão pra que vocês avaliem e critiquem.
Não acreditem no que eu digo, me questionem. Faço isso exatamente para estimular
a crítica, a autorreflexão (Folha de Umbuzeiro).
Quando discuto com meus alunos a questão da ingestão da carne, eu não imponho
que eles devem reduzir isso. Mas a gente começa a refletir: quantos hectares são
ocupados com a criação de gado? A devastação da Amazônia para esta criação.
Então a gente faz umas contas e eles geralmente saem da aula dizendo: vou reduzir a
quantidade de carne que como (Folha de Mangueira).
O quefazer docente da EA crítico-humanizadora instiga os licenciandos à reflexão de
seus atos como compromisso de seres históricos que se preocupam e se engajam na busca pela
transformação da realidade não pela imposição, mas pela promoção da reflexão salutar que
pode levar o cidadão a novos caminhos, a rumos socioambientalmente sustentáveis. É o
caminhar para a conscientização no sentido defendido por Freire (2006), que permite aos
sujeitos históricos fazer e refazer sua visão de mundo e seu quefazer.
Refletir sobre temáticas como a ingestão de carne, aquecimento global, cumprimento
da legislação ambiental, bioconstruções e outras, é importante na formação de professores,
pois estes atuarão na formação de novos sujeitos socioambientais. Estas reflexões são
consideradas por Pelizzoli (2011) como necessárias à promoção da cidadania planetária, da
esperança na humanidade, do respeito à vida não humana e à humildade, ou seja, “[...]
respeito ao húmus, respeito à terra, de onde todos viemos e para onde retornaremos” (Ibidem,
p. 27).
A reflexão esteve presente em todos os momentos do círculo de cultura nos quais os
professores-atores foram desvelando sua visão de mundo e seu quefazer. Nos desenhos por
eles feitos (figura 27) encontramos elementos naturais (sol, pássaros, plantas e o homem) e
elementos construídos (casa, livro e torre de energia), o que possibilita compreender que o
homem é faber, fazedor e receptor de suas construções, de suas ações no e com o mundo. Para
tudo na vida há a relação custo-benefício resultante da relação homem-natureza-sociedade.
209
No diálogo por eles estabelecido no círculo de cultura, nossas impressões sobre os desenhos
corporificam-se em palavras:
Se a gente tá falando de ambiente tem que ter o homem com a prole dele, tem que
ter a planta, o animal, o sol que é fonte de toda a energia (Folha de Cajueiro).
Mas aí eu vou ter que contribuir com uma coisa porque ficou muito natural pra mim
isso. Vou colocar uma casinha aqui (Folha de Umbuzeiro).
Ótimo! Achei que você fosse colocar um livro (Folha de Cajueiro).
Vou por também torre de energia (Folha de Umbuzeiro).
Eu sou a favor do conforto. E o conforto tem um preço. E a gente tem que pagar um
preço para que esse conforto não seja prejudicial a nossa vida. Mas, obviamente, os
meus valores de conforto diferenciam dos de vocês (Folha de Pitangueira).
Eu quero colocar qualidade de vida (Folha de Mangueira).
Legal. Qualidade de vida pra mim é cuidar de mim, do meu ambiente e do entorno.
Então, conforto pra mim é ter qualidade de vida e ver as pessoas perto de mim bem
também. Eu não quero ver ninguém mendigando do meu lado. Eu quero que as
pessoas tenham acesso ao que eu posso ter também. Agora isso também tem um
custo e a gente precisa trabalhar nisso: aumentar a qualidade de vida e arcar com os
custos disso (Folha de Pitangueira).
A preocupação expressa pelos professores em garantir qualidade de vida para todos e
todas e em assumir os custos gerados por isso demonstra a ética, como outro indício de
processo de humanização do humano e de formação de cidadãos críticos no quefazer docente
da EA crítico-humanizadora. Ética que se baseia em valores, como o respeito à vida, a
solidariedade e a igualdade, expressos na figura 7 do presente trabalho, e que tem tamanha
importância na visão dos professores-atores que fez Folha de Umbuzeiro assim se expressar
quando estava confeccionando o cartaz síntese do círculo de cultura: “Vou colocar aqui uma
palavra de ordem: ética”.
Freire (2002) fala-nos que a prática educativa exige ética e estética e Mariotti (2000)
defende a ética universal da solidariedade com os semelhantes como única solução possível
para o indivíduo em seu relacionamento com o mundo. Ética que pode ter diversas origens,
mas que, nos professores-atores, teve construção significativa na educação doméstica. Todos
destacaram o papel da família no que são e fazem hoje. Folha de Mangueira disse que seus
pais lhe propiciaram uma vivência mais em contato com o meio ambiente e Folha de
Umbuzeiro disse que teve a influência de seu pai que lhe dizia: “Não importa o que você
pense, você tem que respeitar a opinião alheia”. Para o professor, “esta foi a maior lição de
ética” que ele teve “dentro do lar”.
Neste sentido, a ética é a responsabilidade por tudo que vive, seja humano ou não
humano. Para Pelizzoli (2011) a ética vem de Ethos – morada, modo de vida, cultura – e tem
três dimensões: a ambiental/natural, a ambiental/cultural e a ambiental/sociopolítica. Portanto,
210
para ele, “[...] ética ambiental não é apenas cuidar do verde e dos animais, ou uma moral45
pela natureza. Na verdade, o adjetivo ambiental aí é forçado e provisório! Por quê? Porque a
ética, e sempre deveria ser assim, inclui o ambiente” (Ibidem, p. 28).
A ética assumida pelos professores-atores ultrapassa a visão de ética individual e
ganha a proporção de planetária, universal, como verificamos na fala de Folha de Umbuzeiro:
Eu digo que há uma ética planetária que transcende as individuais. É preciso o
respeito pela decisão do indivíduo e a compreensão de que cada um tem uma
história, que cada um tá se construindo enquanto indivíduo. As histórias são muito
diversas e nem todo mundo tá disposto a, por exemplo, abdicar da carne. Eu gosto
de carne, adoro, mas eu como muito pouco. É uma opção minha.
A ética planetária parte, pois, do princípio de sentir-se parte da vida e só é possível a
partir do respeito, mais um dos indícios por nós identificados. Respeito à diversidade, que,
segundo os professores-atores, “assegura o sucesso”, às diferenças e ao histórico de vida das
pessoas. Respeito que os faz ouvir e valorizar diferentes vozes, diferentes verdades. Para
Folha de Pitangueira,
São diferentes verdades que precisam ser respeitadas. Minha visão de mundo é
completamente diferente de uma pessoa que mora em Israel, que mora na Palestina.
Há outras prioridades, há outros valores histórico-culturais. Então essa macro visão
de mundo se reflete no nosso cotidiano da sala de aula, porque cada um tem uma
verdade, um entendimento do que é EA.
Todas as visões de mundo presentes em sala de aula são por eles respeitadas, o que
significa que o respeito, no quefazer da EA crítico-humanizadora, envolve a tolerância às
ideias opostas. Como disse Folha de Mangueira: “A gente precisa é respeitar as pessoas, as
decisões delas, embora nem sempre coincidam com as nossas”. A tolerância amplia e
aprofunda as relações estabelecidas entre as pessoas, o que não significa concordar com o
outro, mas respeitá-lo. Assim entendida, a tolerância traz consigo a humildade, e estas se
tornam essenciais ao quefazer da EA crítico-humanizadora.
Reflexão, ética e respeito são vivenciados no cotidiano dos professores porque estes
corporificam tais indícios em seu quefazer, o que termina por mostrar-nos que também a
coerência é um fruto maduro. Fruto resultado de esforço pessoal de cada professor rumo a
posturas nas quais não haja contradição entre o que dizem e o que fazem em relação à EA.
45 Para Keim (2010) a moral promove a organização da sociedade com seus contratos e estatutos de controle e
normatização. Assim, ética e moral não podem ser analisados separadamente pelo fato delas se manifestarem por
meio dos humanos em suas múltiplas e complexas interações.
211
Embora as visões de mundo dos professores-atores sejam individualizadas, o que os
une é acreditar em um discurso verdadeiro e corporificá-lo. Os estudantes leem os discursos
dos professores como algo verdadeiro porque estes acreditam nos mesmos. Ademais, existe
um rigor prático nos discursos que confere aos mesmos coerência.
Essa coerência do que o professor está usando no componente curricular que ministra,
trazendo a EA conectada ao mesmo, fez os estudantes terem a percepção de que aquele
discurso merece ser ouvido, refletido e que merece uma tomada de posição no e com o
mundo. Fizeram, nesta perspectiva, que os estudantes indicassem os professores-atores como
aqueles que trazem a EA crítico-humanizadora.
Freire (1996, p. 66) afirma que era impossível para o mesmo a falta de coerência e
destaca que
No fundo, esta qualidade ou esta virtude, a coerência, demanda de nós a inserção
num permanente processo de busca, exige de nós paciência e humildade, virtudes
também, no trato com os outros. E às vezes nos achamos por “n” razões, carentes
dessas virtudes, fundamentais ao exercício da outra, a coerência.
Reflexão, ética, respeito e coerência estiveram presentes até mesmo no momento de
avaliação do círculo de cultura, no qual os professores-atores terminaram por refletir de forma
ética, respeitosa e coerente sobre sua prática profissional nas universidades nas quais atuam.
Neste processo reflexivo eles constataram o quanto as universidades carecem de espaços para
diálogos entre os professores sobre suas práticas docentes e o quanto eles gostariam que os
mesmos existissem. Vejamos o que os professores disseram:
Pra mim tem duas coisas legais e que eu gostei muito: primeiro, é que a gente não
tem esses momentos na vida acadêmica, isso não existe. Quem já teve um momento
de discussão de suas práticas pedagógicas na instituição? E, segundo, porque eu
acho que é um exercício que é diário pra qualquer cidadão, que é praticar a
tolerância às diferenças. Isso é difícil, principalmente no ambiente acadêmico. Aqui
cada um falou o que acha e pronto. Esse exercício de tolerância falta pra gente. A
nossa prática profissional carece disso (Folha de Pitangueira).
Fica realmente o desejo de que isso fosse mais frequente (Folha de Cajueiro).
Essa oportunidade de diálogo foi fantástica. Eu me sinto muito só na minha área. Eu
só tenho um professor que eu consigo dialogar, mas, fora isso, falta muito essa
discussão pra gente crescer (Folha de Mangueira).
Foi muito estimulante ter sido citado pelos alunos e estar aqui, fazendo parte da
pesquisa. Dialogar aqui com os colegas. Eu só tenho a agradecer. Obrigado (Folha
de Umbuzeiro).
Encontramos, frente ao exposto, professores-atores abertos ao diálogo amoroso,
tolerante e construtivo, que esbarram em barreiras já identificadas quando analisamos a
212
interdisciplinaridade - um dos fios condutores de nosso trabalho –, que são: a estrutura da
universidade que não favorece o diálogo e a não abertura de outros professores.
Entretanto, o diálogo possibilita a problematização do conhecimento e a melhoria nas
relações. A falta do mesmo para seres que são, como nos lembra Freire (1996, 2002), seres de
relação, representa danos aos professores, aos licenciandos, à universidade e à sociedade, pois
fica comprometido o crescimento pessoal e profissional dos professores formadores.
213
CONSIDERAÇÕES FINAIS: SEMENTES A GERMINAR
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba
Cuidemos do ninho,
Do gado e da tulha.
Fartura teremos
E donos de sítio
Felizes seremos.
(CORALINA, 2006, p. 211)
Chegamos às considerações finais do presente trabalho com o sentimento e o saber
que há várias outras sementes a serem plantadas e germinadas em terra fértil oriundas dos
frutos aqui colhidos. Os frutos que conseguimos colher após plantar e cuidar das sementes
que lançamos no início da tese são especiais por dois motivos: o encontro de professores
formadores com quefazer inovador em relação à EA e a possibilidade de socializá-los no e
com o mundo.
Plantando na roça encontramos o quefazer da EA crítico-humanizadora na formação
inicial de professores de biologia nas universidades que se materializa na relação professor-
aluno, na unidade teoria-prática, na relação sujeito-mundo, na relação educação-sociedade, na
relação ensino-pesquisa e na interdisciplinaridade – fios condutores da tese ou canteiros com
terra fértil.
Estudar tal quefazer na formação inicial de professores que atuarão na educação
básica é fundamental, pois a EA transcende a escola e aos professores, porém dela não se
pode prescindir. A escola assume, na sociedade moderna, centralidade em matéria de
educação, bem como é ela ainda a instituição que consegue atingir de forma mais ampla,
independente do êxito de sua ação educativa, grande contingente populacional em todo o país.
Desse modo, o presente estudo nas universidades públicas federais denota a relevância das
sementes que lançamos em terra fértil. Ademais, estudar a formação de professores na
universidade representa o desafio de lançar sementes em local de produção de conhecimento,
de produção de crítica da sociedade e também da crítica de si.
Lavrando a terra e cuidando do ninho desvelamos, com esperança renovada, que a EA
crítico-humanizadora está presente no quefazer docente nas universidades e faz parte da
formação de profissionais que atuarão na educação básica. Desde o início de nosso trabalho
tínhamos por objetivo pesquisar e socializar não aquilo que não funciona ou não existe na
formação de professores, mas aquilo que está trazendo sentido e significado inovador em
relação à EA neste processo formativo.
214
Desde o início do trabalho doutoral havia a confiança na universidade pública e nos
docentes que nela atuam, o que demonstra atitude freireana em nossa atitude de
pesquisadoras. A perspectiva esperançosa e confiante orientou o trabalho, o que nos permite
dizer que não fizemos somente uso do referencial teórico freireano, mas a própria atitude que
orienta a pesquisa é freireana. Esta perspectiva levou-nos a trabalhar os sentidos e
significados de formação de sujeitos socioambientais destacando a atitude de respeito ao
ouvir, ponderar, dividir e construir; aliando a conhecimento, compromisso e responsabilidade
ambiental e social.
Tomar Paulo Freire como referência teórica e como orientador de atitudes no
caminhar da pesquisa inscreve-a em um movimento nacional e internacional que a
contribuição freireana tem dado em diferentes campos do conhecimento e que avança para
além de citações e referências bibliográficas. No presente trabalho evidenciamos como este
autor contribui no campo da EA. Neste sentido destacamos: Paulo Freire se faz presente em
diversos espaços de aprendizagem e a EA é objeto destes diversos espaços, para ele a
educação é um processo de engajamento com a realidade e a EA é um processo desta
natureza, encontramos em Freire a perspectiva esperançosa porque admite que os homens são
sujeitos que se superam pelo processo de conscientização e a EA requer este processo.
Portanto, Freire contribui no entendimento da EA por inscrever-se em uma perspectiva
de inacabamento do sujeito e do processo de educação levando-nos a compreender que a EA
crítico-humanizadora é uma prática educativa que se posiciona no campo da concepção
transformadora de educação que toma Freire por referência. Trata-se, pois, de uma tese que
aborda o processo de ação-reflexão-ação construído a partir de práticas docentes inovadoras e
de referenciais freireanos.
A EA crítico-humanizadora é necessária à formação inicial do professor de biologia,
independentemente se ela é componente curricular ou não. Trabalhar com esta EA é um fazer
inovador que foi encontrado nas universidades públicas federais do Recife, demonstrando que
nestas há práticas exitosas com a EA. O estudo destas práticas e o mergulho no referencial
teórico possibilitou a construção de que a EA crítico-humanizadora é aquela que traz a
sustentabilidade como processo de transformação ambiental, social, político, econômico e
educacional no sentido de manter a vida em todas as suas formas. Assim, a sustentabilidade é
uma teia que pode ser tecida na escola, na família, no bairro, na universidade, no mundo que
visa ao desenvolvimento socioambiental construído na articulação teoria-prática que traz a
preocupação com o local-global, ensino-aprendizagem, ser humano-mundo e universidade-
meio ambiente.
215
O estudo explicitou, na formação inicial de professores de biologia, o valor das
experiências, das vivências, das situações, tais como a realidade socioprofissional para a
formação dessas pessoas, portanto, de coisas que nem sempre aparecem clara e objetivamente
estabelecidas no currículo formal, porque constitui currículo oculto. Neste sentido, os achados
da pesquisa revelam a indissociabilidade entre formação profissional e formação pessoal de
parte dos que são portadores de sensibilidade docente ou de sementes diferenciadas a serem
semeadas na formação de professores.
Há a EA crítico-humanizadora nas universidades e os indícios de processo de
humanização do humano e de formação de cidadãos críticos no quefazer desta EA na
formação inicial de professores de biologia constituem-se evidência de desejo de mudança, de
transformação da sociedade. Reflexão, ética, respeito e coerência, para além de indícios
encontrados, são verdadeiras virtudes que fazem falta na seara do mundo e, se bem plantadas
e cuidadas, representam a possibilidade de fartura na colheita pessoal e profissional.
Os resultados deste trabalho revelam, neste sentido, esperança. Não uma esperança
ingênua, mas sim uma esperança que traz indícios. Foram encontrados professores fazendo
um esforço para ter outra prática na formação inicial de professores de biologia. Assim,
compreendemos que o ponto de partida da tese, as sementes plantadas inicialmente, ganharam
luz e água na desconfiança de práticas inovadoras e na confiança na universidade e nos
professores formadores; e, como ponto de chegada, podemos dizer: é possível caminhar no
sentido da EA crítico-humanizadora. Com isso evidenciamos a esperança e a confiança nas
universidades públicas federais de Pernambuco.
Com certeza ainda há caminhos a percorrer, terra para cuidar, sementes a plantar, que
podem favorecer o quefazer da EA crítico-humanizadora nas universidades. Há que se
melhorar a estrutura das mesmas para propiciar a interdisciplinaridade, há que se (re)pensar
projetos político-pedagógicos, há que se promover oportunidades de diálogo sobre o quefazer
dos professores e há também que motivá-los ao diálogo. Afinal, a colheita realizada por seres
de relação, que interagem entre si e com a natureza e que se entregam ao diálogo como fonte
de reflexão com o outro sobre o que fazem buscando sonhos possíveis, só pode ser uma
colheita farta.
Nesta colheita vislumbramos três categorias que são caras a Paulo Freire: as situações
limites, o inédito viável e o diálogo. Os limites encontrados pelos professores nas
universidades são por eles encarados, por eles vistos como horizonte, o que nos permite
considerar o inédito viável. As situações limites, ou as barreiras encontradas pelos professores
em seu caminhar docente com a EA crítico-humanizadora, não representam estagnação frente
216
a barreiras intransponíveis, mas sim atos limites que os levam a atingir o inédito viável, ou
seja, práticas inovadoras na educação superior. Práticas com EA crítico-humanizadora são
possíveis, apesar de termos universidades nas quais tais práticas não predominem. E esta é
uma dimensão da pluralidade da universidade, pois esta é uma instituição plural. Nesta
compreensão, o diálogo surge como categoria fundante da práxis. Portanto, o diálogo não se
constitui somente como relação de fala e escuta, mas como intervenção que ganha
centralidade na criticidade e na humanização de sujeitos socioambientais.
Assim, a colheita realizada com o quefazer da EA crítico-humanizadora evidencia a
educação como cerne e esta se torna possível e necessária pela própria compreensão de que o
homem está no mundo e com o mundo. Logo, há a transcendência, há a projeção nos outros,
há a necessidade de diálogo entre os pares nas universidades para que estas instituições
contribuam na formação de seres no e com o mundo que lutem por um mundo
socioambientalmente sustentável. Ter a educação como cerne significa, então, a preocupação
das universidades, como instâncias formativas, com a promoção do diálogo constante entre
centros e/ou departamentos o que pode criar a prática de debates políticos acadêmicos
contínuos na universidade e na sociedade.
Como nos fala Freire (1983, p. 33), “Todo amanhã se cria num ontem, através de um
hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente”. O que
temos hoje são professores atuando com a EA crítico-humanizadora nas universidades
estudadas, estes fazem a diferença e estão abertos ao diálogo. Na presente pesquisa foi
possível saber, conhecer seu quefazer e este pode constituir não um modelo a ser seguido por
outros professores, mas inspiração na busca dos seus próprios, daqueles que funcionem nos
componentes curriculares que ministram.
O que se torna inviável na atualidade é desconsiderar a necessidade de mudança, de
repensar a prática docente e a formação do professor nas universidades, com a perspectiva da
humanização e da criticidade. Estas duas categorias freireanas viabilizam o trabalho coletivo,
dialógico e utópico que se coloca como desafio à luta por uma sociedade menos arestosa
socioambientalmente a partir da inovação na educação.
Tal inovação passa, inevitavelmente, pela reforma do pensamento, por arar a terra
tendo como base o pensamento complexo, pois tudo está tecido junto. Fragmentar o
pensamento em relação à EA e à educação é restringir a visão do todo, é ver somente partes
muitas vezes desconexas e sem sentido. Para entender as partes é necessário entender o todo,
pois o todo está nas partes e estas nele estão.
217
A reforma do pensamento também possibilita ver a vida e os seres vivos de outra
forma. Todos têm um papel, uma função, no e com mundo. Esta compreensão leva ao respeito
a todas as formas de vida e também à valorização de coisas no processo formativo que vão
além do desenvolvimento cognitivo. O ser humano, como ser complexo, também se constitui
de amorosidade, de ética, de respeito e de coerência. Virtudes que podem ser desenvolvidas
na educação doméstica, mas as quais, assim como sementes boas, precisam ser cultivadas no
processo formativo dos futuros profissionais.
Neste sentido percebemos que, para além de professores detentores do saber e
pesquisadores de ponta, a EA crítico-humanizadora necessita de professores que amem e que
se posicionem de forma crítica no e com o mundo socioambiental. Foi o que encontramos em
nossa tese: professores que amam e que são críticos no que fazem, o que contribui para que os
mesmos assumam de forma compromissada a formação de professores de biologia. Tal
compromisso os impulsiona a inovar a partir da assunção visceral do quefazer crítico-
humanizador, o que permite compreender que o amor está longe de ser um sentimento que
paralisa e que deve ser mantido à parte do processo educativo.
Todos os nossos achados da tese fazem-nos sentir que a colheita foi farta, mas, como
todo trabalho desta natureza, terminamos sentindo-nos incompletos e inacabados e com o
desejo de plantar novas sementes e vê-las germinar. Desse modo, não sentimo-nos donos de
sítio, mas portadores e disseminadores de frutos colhidos da terra fértil de duas universidades
públicas federais de Pernambuco.
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233
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO AOS LICENCIANDOS
Prezado (a) licenciando (a) em Ciências Biológicas,
Estamos realizando pesquisa que culminará com tese a ser defendida no Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPE. Nosso objeto de estudo é a prática docente com
Educação Ambiental. Para tal, sua participação é imprescindível.
Desde já o nosso muito obrigado.
Monica Lopes Folena Araújo (doutoranda)
Tereza Luiza de França (orientadora)
1. O que é Educação Ambiental?
2. No Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, você tem/teve professores
que abordam/abordaram a Educação Ambiental? Quais? Em que componentes
curriculares?
3. Quais destes professores abordam/abordaram a Educação Ambiental
destacando valores como o respeito à vida, à solidariedade e à igualdade,
promovendo a compreensão dos problemas socioambientais em suas múltiplas
dimensões (geográfica, histórica, biológica e social)? Em que componente
curriculars?
4. De que forma os professores citados na questão 3 abordam/abordaram a
Educação Ambiental?
5. Você gosta da forma como os professores abordam/abordaram a Educação
Ambiental? Por quê?
Por favor, utilize o verso da folha para respostas.
Universidade Federal de Pernambuco Programa de Pós-Graduação em Educação Curso de Doutorado em Educação
234
APÊNDICE B – ENTREVISTA NARRATIVA
Prezado (a) professor (a) do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas,
Estamos realizando pesquisa que culminará com tese a ser defendida no Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPE. Nosso objeto de estudo é a prática docente com
Educação Ambiental e você, professor (a), foi citado (a) por seus alunos do curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas por atuar com esta temática no componente curricular
____. Sua participação é imprescindível para que consigamos êxito nesta jornada.
Neste momento da pesquisa gostaríamos de conhecer sua identidade docente, como
foi/está sendo sua trajetória formativa, como chegou à universidade na qual trabalha e como
aborda a temática ambiental em suas aulas. Assim, essa entrevista será um elemento de
retorno às suas vivências formativas e docentes em relação à Educação Ambiental.
Porém, antes de você me contar quem é você, peço que leia o texto de Carlos
Rodrigues Brandão, intitulado o mundo que criamos, que trazemos como forma de introduzir
nossa entrevista.
O referido texto pode ser encontrado em:
BRANDÃO, C. R. Educação como cultura. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2002.
Universidade Federal de Pernambuco Programa de Pós-Graduação em Educação Curso de Doutorado em Educação
235
Professor, a partir deste texto provocativo me conte: quem é você e qual é sua concepção de
educação e de educação ambiental?
Conte-me sua trajetória docente destacando a Educação Superior.
Conte-me sobre sua trajetória formativa enfatizando a Educação Ambiental.
Por que você insere a Educação Ambiental em suas aulas?
Você poderia narrar como é feita esta inserção? (unidade teoria-prática, relação ensino-
pesquisa, sujeito-mundo, professor-aluno, educação-sociedade, interdisciplinaridade)
Fale-nos de alguma vivência formativa e/ou experiência docente exitosa em relação à
Educação Ambiental.
Meu corpo é a natureza de que eu sou parte transformadora no ser de uma pessoa:
eu. Refletida nas águas calmas e límpidas de um pequeno lago, a natureza devolve a ela sua
imagem. Ela se vê através de meu corpo e cabe a nós – ela e eu – sabermos distinguir o que
faz inteiramente parte de alguma dimensão de seu domínio de existência no planeta Terra e
no Universo, e o que já é, também, parte e partilha de uma dimensão de Vida. Pois quando
os meus olhos me vêem refletido nas águas claras do lago, é ainda o mundo natural quem se
revela a si mesmo através de um de seus seres. Mas nem tanto, porque, ser humano, não
consigo, como os outros animais com quem comparto o mistério de ‘estar vivo’ aqui e
agora, ver sem perceber, e perceber sem pensar. E a ideia que de mim faço ao me ver
refletido já pertence a um outro domínio do Mundo que comparto com a pequenina ave que
porventura vem ao mesmo lago, e do galho de uma árvore se olha e ao lago, como eu.
Como eu? Entrevistos por um instante pelos nossos olhos, nossos corpos pertencem ao
plano natural dos sinais. São o que são, como a água e o fogo, ou são o que de si mesmos
dão a ver a quem os vê. Mas o que eu penso do que vejo salta do sinal ao signo e dele ao
símbolo. E exige de mim o que dispensa na ave, requer palavras, códigos complexos de
sentidos e de significados, uma linguagem articulada por meio da qual em mim e para os
meus outros a sensação e o sentimento aspiram ganhar sentido. E até mais do que isso. Eu
me vejo como um ser da natureza, mas me penso como um sujeito da cultura. Como alguém
que pertence também ao mundo que a espécie humana criou para aprender a viver
(BRANDÃO, 2002, p. 16).
236
Na tese utilizamos a metáfora da árvore e você é considerado folha, pois realizando
fotossíntese na formação inicial de professores, produz energia que retroalimenta o processo
formativo. Que folha, de que árvore frutífera, você gostaria de ser? Por quê?
Desde já o nosso muito obrigado.
Monica Lopes Folena Araújo (doutoranda)
Tereza Luiza de França (orientadora)
237
APÊNDICE C – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA ENTREVISTA E
OBSERVAÇÃO
Eu,__________________________________________________________, Professor/a do
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, afirmo que estou esclarecido/a, consciente e
de pleno acordo para autorizar a Professora Monica Lopes Folena Araújo, Doutoranda do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, a gravar, descrever, analisar, interpretar
e tornar públicas minhas palavras e ações, resultantes da entrevista narrativa e da observação
de aulas, as quais visam obter dados concernentes à pesquisa para conclusão da tese de
Doutorado, intitulada “O quefazer da educação ambiental crítico-humanizadora na
formação inicial de professores de biologia”. Conforme acordo entre pesquisadora e
pesquisado/a(s), minha identidade será preservada.
Recife, _____ de _______________ de ________.
_______________________________________
Assinatura
Universidade Federal de Pernambuco Programa de Pós-Graduação em Educação Curso de Doutorado em Educação
238
APÊNDICE D – QUADRO PARA OBSERVAÇÕES
Dados gerais Aula:
Data:
Hora:
Local:
Componente curricular:
Contexto
Professor
Aula
Impressões
239
APÊNDICE E – PLANEJAMENTO DO CÍRCULO DE CULTURA
CÍRCULO DE CULTURA
[...] espaços em que dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em que se conhecia
em lugar de se fazer transferência de conhecimento. Em que se produzia
conhecimento em lugar da justaposição ou da superposição de conhecimento feitas
pelo educador [...] Em que se construíam novas hipóteses de leitura do mundo
(FREIRE, 2003, p. 155).
Momentos do Círculo vivenciado na Oficina Brennand:
9h – Acolhimento/ Dinâmica para criação de vínculos entre os participantes.
9h30 – Problematização
Em pequenos círculos elaborar uma questão/problematização sobre como se dá a
materialização da EA crítico-humanizadora no quefazer docente.
10h – Intervalo para o café e diálogo
10h15 – Diálogo nos pequenos círculos e com o grupo
Nos pequenos círculos será discutida a questão/problematização eleita pelo mesmo.
Sínteses do diálogo construtivo serão registradas de forma escrita e podem compreender:
texto crítico-reflexivo, poema, cordel, desenho, paródia e/ou outras formas de linguagens.
Cada grupo compartilha sua síntese com o grupo.
11h – Articulação final
O coletivo produz uma síntese do trabalho realizado após diálogo sobre as sínteses de cada
círculo.
Avaliação do círculo de cultura.
12h – Confraternização (almoço).
Universidade Federal de Pernambuco
Programa de Pós-Graduação em Educação
Curso de Doutorado em Educação
Doutoranda: Monica Lopes Folena Araújo
Orientadora: Profa. Dra. Tereza Luiza de França
240
APÊNDICE F – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGEM
Eu,__________________________________________________________, Professor/a do
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, afirmo que estou esclarecido/a, consciente e
de pleno acordo para autorizar a Professora Monica Lopes Folena Araújo, Doutoranda do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, a utilizar minha imagem em fotografias,
resultantes do Círculo de Cultura, o qual visa obter dados concernentes à pesquisa para
conclusão da tese de Doutorado, intitulada “O quefazer da educação ambiental crítico-
humanizadora na formação inicial de professores de biologia na universidade”.
Conforme acordo entre pesquisadora e pesquisado/a(s), as fotografias serão utilizadas apenas
para ilustrar os momentos do Círculo de Cultura e serão expostas apenas na tese.
Recife, _____ de _______________ de ________.
_______________________________________
Assinatura
Universidade Federal de Pernambuco
Programa de Pós-Graduação em Educação
Curso de Doutorado em Educação