o rio, a cidade e o processo de urbanização: um estudo...
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
ERIVELTON DE BRITO SILVA
O rio, a cidade e o processo de urbanização:
um estudo retrospectivo sobre o Rio Tamanduateí
Militão de Azevedo, 1862. Erivelton Silva, 2014.
São Paulo
2014
ERIVELTON DE BRITO SILVA
O rio, a cidade e o processo de urbanização:
um estudo retrospectivo sobre o Rio Tamanduateí
Trabalho de Graduação Individual apresentado
à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, como
parte dos requisitos para a obtenção do título
de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Mendes Antas Jr.
São Paulo
2014
Aos meus pais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os amigos que deram a sua contribuição para a realização deste
trabalho e aqueles que participaram direta ou indiretamente do processo formativo que o
precedeu.
À minha família, à minha namorada, e aos amigos mais próximos, pelo apoio, pela
paciência e pela presença imprescindível ao longo desses anos. Sou grato especialmente aos
meus pais, que pela condição de migrantes nordestinos, despertaram grande parte do meu
interesse por Geografia.
Aos amigos da universidade e das instituições em que trabalhei durante esses anos,
com quem compartilhei além do aprendizado, diversos momentos de diversão. Agradeço pela
vivência, pelos debates enriquecedores, pelas confraternizações e pela parceria. Espero que
continuemos juntos.
Ao meu orientador, pelas sugestões e por acreditar na proposta deste trabalho. E aos
demais professores que, de algum modo, participaram da minha experiência universitária.
Muito obrigado a todos.
Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o
oprimem.
Bertolt Brecht
RESUMO
Este trabalho trata da relação historicamente estabelecida entre o rio Tamanduateí, a cidade de
São Paulo e o processo de urbanização. Atentando-se a esta relação, buscou-se efetuar um
estudo retrospectivo deste rio, com base no conceito de formação socioespacial. Tal estudo se
desenvolve através de uma periodização, estabelecida para o Tamanduateí dentro do recorte
temporal que se estende do início da construção de São Paulo, no século XVI, ao contexto
metropolitano contemporâneo.
Palavras-chave: Cidade. Processo de urbanização. Rios urbanos. Tamanduateí.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa de localização do Rio Tamanduateí ..................................................... 16
Figura 2 - Bacia do Alto Tietê e mancha urbana metropolitana ...................................... 17
Figura 3 - Bacia Sedimentar de São Paulo e outros elementos do sítio .......................... 18
Figura 4 - A Trilha dos “Tupiniquim” ............................................................................. 25
Figura 5 - Planta da Imperial cidade de São Paulo de 1810 ............................................ 29
Figura 6 - Panorama da cidade de São Paulo em 1821 ................................................... 31
Figura 7 - Fragmento do Mapa da Cidade de São Paulo e seus subúrbios de 1847 ........ 34
Figura 8 - Fragmento da Planta da Cidade de São Paulo de 1868................................... 35
Figura 9 - Ilha dos Amores .............................................................................................. 37
Figura 10 - Mapa da Capital da Província de São Paulo de 1877 ................................... 39
Figura 11 - A inundação da Várzea do Carmo de 1892 .................................................. 44
Figura 12 - Evolução da mancha urbana na RMSP de 1881 a 1995 ............................... 64
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1 - Várzea do rio Tamanduateí próxima à encosta do Pátio do Colégio ................. 36
Foto 2 - O antigo Mercado em 1880................................................................................ 41
Foto 3 - As lavadeiras da Várzea do Carmo em 1900 ..................................................... 45
Foto 4 - Parque Dom Pedro II em 1922........................................................................... 48
Foto 5 - Barragem no Tamanduateí em 1950 .................................................................. 52
Foto 6 - A região do Parque Dom Pedro II em 1970 ....................................................... 55
Foto 7 - Parque Ecológico da Gruta Santa Luzia ............................................................ 57
Foto 8 - O Tamanduateí e a Avenida do Estado na região do Mercado Municipal ........ 67
Foto 9 - Moradias próximas a um afluente do rio Tamanduateí ..................................... 69
Foto 10 - Rio Tamanduateí e área de encosta ocupada por autoconstruções .................. 70
Foto 11 - Vista parcial da Favela da Vila Prudente e o Rio Tamanduateí ...................... 71
Foto 12 - Rio Tamanduateí há poucos metros das suas nascentes .................................. 73
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 8
1 URBANIZAÇÃO, CIDADE E RIOS URBANOS ................................................... 10
1.1 Uma discussão teórica ............................................................................................... 10
1.2 O contexto de um rio urbano ..................................................................................... 14
2 TAMANDUATEÍ: UM ESTUDO RETROSPECTIVO ......................................... 21
2.1 Da fundação de São Paulo de Piratininga à metade do século XIX .......................... 24
2.2 Da metade do século XIX à década de 1940 ............................................................. 33
2.3 Da década de 1940 à década de 1980 ........................................................................ 51
3 O RIO E O CONTEXTO METROPOLITANO CONTEMPORÂNEO .............. 60
3.1 São Paulo, uma metrópole global .............................................................................. 60
3.2 O rio Tamanduateí e a metrópole contemporânea ..................................................... 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 75
REFERÊNCIAS............................................................................................................. 78
APÊNDICE .................................................................................................................... 84
8
INTRODUÇÃO
A importância dos rios pode ser verificada sem grandes dificuldades em toda a história
da humanidade. A conexão entre os homens e os rios vai além do que se refere à utilização
das suas águas. Pode ser observada nos mitos, nas referências filosóficas, nas metáforas
associadas à água e em diversos outros aspectos das relações humanas. Mais do que
elementos de ligação entre o homem e a natureza, os rios também podem ser destacados pela
significativa participação que têm nos espaços humanizados. Neste sentido, nota-se que, além
da importância histórica, conferida pela relação que tiveram com a formação dos territórios e
com a fundação de diversas cidades do mundo, os rios também são relevantes no contexto
contemporâneo por estarem vinculados a questões sociais, econômicas, políticas, ambientais,
entre outras. No que se refere especificamente aos rios urbanos, cabe destaque à dinâmica de
transformação das suas características pela relação que têm e tiveram com o processo de
urbanização, e também, à relação historicamente estabelecida com a cidade da qual fazem
parte.
O rio Tamanduateí, pelo conjunto de suas características, vem a confirmar muito dessa
relevância dos rios nos espaços humanos. Quanto à sua importância histórica, merece
destaque pelo vínculo que tem com a fundação de São Paulo. As características da sua
planície de inundação, associada aos aspectos topográficos do entorno da Várzea do Carmo,
foram significativas para a escolha do sítio onde a vila se instalou no século XVI. Além disso,
o Tamanduateí esteve relacionado às principais atividades desenvolvidas nos primeiros
séculos de São Paulo. Na relação estabelecida com o processo de urbanização, passou por
diversas transformações, que resultaram na sua configuração atual. No contexto
contemporâneo, destaca-se por estar localizado integralmente dentro do espaço urbano
metropolitano, fato que o relaciona a diversos problemas sociais e ambientais da metrópole
paulista deste período.
Em observância à representatividade que o Tamanduateí tem como um rio urbano,
concentram-se os esforços deste trabalho no desenvolvimento do seu estudo retrospectivo,
buscando tratar, sobretudo, da sua relação com o processo de urbanização e com a cidade de
São Paulo. Considera-se para este estudo, o período que se estende do início da construção da
cidade, ou seja, da fundação da Vila de São Paulo, ao contexto metropolitano contemporâneo.
No primeiro capítulo, realiza-se inicialmente uma discussão teórica, abordando o
conceito de formação socioespacial (SANTOS, 1977) e o inserindo no contexto da relação
que se estabelece entre os rios urbanos, a urbanização e a cidade. Nessa discussão é destacado
9
o caráter social e histórico desses rios, e é por este aspecto, que a abordagem chega ao objeto
de estudo, o rio Tamanduateí. Na sequência, trata-se do contexto específico deste rio,
descrevendo suas características mais gerais, de modo a apresentá-lo, e a situá-lo na discussão
realizada inicialmente.
No segundo capítulo, dá-se início ao estudo retrospectivo propriamente dito. Partindo
da divisão da história do meio geográfico em três fases, a do meio natural, a do meio técnico e
a do meio técnico-científico informacional (SANTOS, 2002), elabora-se uma periodização
para o rio Tamanduateí, tendo em vista, sobretudo, a sua relação com o processo de
urbanização e com a cidade. Nesta direção, são identificados quatro períodos: o primeiro se
inicia com a fundação de São Paulo, prolonga-se por praticamente três séculos, findando na
metade do século XIX; o segundo parte então deste ponto e se estende até a década de 1940; o
terceiro se estende da década de 1940 à década de 1980; e quarto período, que começa por
volta da década de oitenta e segue até os dias atuais, é compreendido como período
contemporâneo. Dos quatro períodos, os três mais pretéritos são abordados no capítulo 2, e o
período contemporâneo no capítulo 3.
Deste modo, o terceiro e último capítulo é dedicado à abordagem do rio Tamanduateí
no contexto metropolitano contemporâneo. A exclusividade do capítulo para este contexto se
deve a uma atenção maior às especificidades da metrópole paulista nesta fase e à condição do
rio como elemento constitutivo do espaço urbano dessa metrópole, característica marcante do
Tamanduateí neste período.
10
1 URBANIZAÇÃO, CIDADE E RIOS URBANOS
Os rios urbanos são exemplos bastante representativos da relação historicamente
estabelecida entre as sociedades e os cursos d‟água. O caráter urbano que lhes é atribuído, e
associado a isto, o processo de transformação das suas características naturais em urbanas,
remetem à inserção destes rios em um processo social e histórico, a urbanização. Por serem
urbanos, tais rios continuam a se relacionar com este processo no contexto contemporâneo, o
que acentua ainda mais a sua dimensão social.
Atentando-se, pois, às relações estabelecidas entre os rios e a sociedade nos espaços
urbanos, busca-se neste primeiro capítulo, estabelecer uma conexão entre a problemática dos
rios urbanos, a urbanização e a cidade. Nesta direção, são discutidos, num primeiro momento,
os referenciais teóricos para esta abordagem, enfatizando o caráter social e histórico destes
rios e as relações que estabelecem com a cidade e com o processo de urbanização. Na
sequência, parte-se para a abordagem do contexto de um rio urbano específico, o rio
Tamanduateí, objeto central deste estudo. Compõe-se então, um panorama geral das suas
características, estabelecendo um ponto de partida para o seu estudo retrospectivo.
1.1 Uma discussão teórica
A abordagem da problemática dos rios urbanos remete a múltiplas possibilidades.
Algumas perspectivas se voltam para a dimensão ecológica desses rios, outras tratam do seu
potencial paisagístico. Há quem se ocupe da inscrição dos rios na história das cidades, quem
valorize seus aspectos simbólicos e culturais e quem os considere apenas como peças de uma
máquina hidráulica.
Numa perspectiva da Geografia, que considera como objetos geográficos “[...] toda
herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou” (SANTOS,
2002, p. 72-73), e que reconhece o valor geográfico destes objetos em função do papel que
desempenham no processo social (SANTOS, 2002), os rios urbanos podem ter a sua
abordagem vinculada, de modo mais geral, à sua participação no espaço, este concebido como
um conjunto indissociável de objetos geográficos, objetos naturais, objetos sociais e a
sociedade em movimento (SANTOS, 1997). De modo mais específico, destaca-se a relação
que estes rios estabelecem com a urbanização, compreendida como um processo social, e com
a cidade, forma materializada deste processo (CUSTÓDIO, 2012).
11
Pensando pois, a urbanização como uma dinâmica social criadora e transformadora de
formas, e conforme afirmou Milton Santos (1977), o espaço como fato histórico e social,
nota-se a importância da abordagem histórica para se compreender a evolução das formações
espaciais. Pelas palavras de Santos:
[...] somente a história da sociedade mundial, aliada a da sociedade local,
pode servir como fundamento a compreensão da realidade espacial [...]. Pois
a História não se escreve fora do espaço, e não há sociedade a-espacial. O
espaço, ele mesmo, é social (SANTOS, 1977, p. 81).
Trabalhando esta idéia de espaço social e histórico, Santos (1977) destaca a
conceituação de Formação Econômica e Social (F.E.S.)1, elaborada por Marx e Engels, como
auxiliar na formulação de uma teoria válida do espaço. Ao observar a interdependência entre
modo de produção, formação social e espaço, Santos aponta para impossibilidade de se
conceber a formação social sem referência à noção de espaço. Afirma se tratar de uma
categoria de Formação Econômica, Social e Espacial. Neste sentido, observa que “[...] a
formação social, totalidade abstrata, não se realiza na totalidade concreta senão por uma
metamorfose onde o espaço representa o primeiro papel” (SANTOS, 1977, p. 88). E acerca da
relação entre o lugar e a totalidade, assinala que “[...] o conjunto de relações que caracterizam
uma dada sociedade tem um significado particular para cada lugar, mas este significado não
pode ser apreendido senão ao nível da totalidade” (SANTOS, 1977, p. 91).
Com base na sua discussão teórica, sintetizada pela identificação da inseparabilidade
das noções e realidades de espaço e sociedade no contexto da categoria de formação social e
pela importância da abordagem do particular acessar o nível da totalidade, Santos apresenta a
idéia de formação socioespacial como teoria e método para análise geográfica.
No caso brasileiro, é possível reconhecer o processo de urbanização como parte desta
totalidade que é a formação socioespacial. Sendo assim, faz-se possível a utilização desta
proposição teórico-metodológica para acessar também a problemática dos rios urbanos. Isto,
tendo em vista o caráter social e histórico desses rios e a sua relação com os processos
socioespaciais. Nesta direção, é válido retomar as noções de urbanização como processo e a
de cidade como forma. Conforme destaca Vanderli Custódio:
A urbanização é um processo social complexo caracterizado pela
intensificação das relações sociais e pela necessidade de infraestruturas,
1 A F.E.S. trata da “[...] evolução diferencial das sociedades, no seu quadro próprio e em relação corn as forças
externas de onde mais freqüentemente lhes provem o impulso”, e tem a produção como base da sua explicação
(SANTOS, 1977, pp. 81-82).
12
física e social para garantir a produção, a circulação, o controle e decisão, e o
consumo da vida urbana. As atividades projetadas cristalizam-se como
linhas, pontos e áreas no meio físico-natural, que é, assim, transformado por
elas e para elas de modo tão intenso quanto mais intenso for o processo [...].
Materializa-se na forma cidade, que é caracterizada pela aglomeração e
adensamento de edificações e população não agrícola sobre uma base física
restrita, historicamente possível quando ocorreu o sedentarismo humano, ou
seja, o domínio sobre uma parcela do meio físico-natural, a produção de um
excedente agrícola no campo, uma complexa divisão do trabalho com as
classes sociais respectivas e a instituição de um poder urbano (CUSTÓDIO,
2012, p. 43).
O processo social de urbanização se materializa na forma cidade e estabelece com ela
uma relação complexa. Custódio acrescenta que, pelo fato de uma cidade nunca estar
concluída, “as intervenções serão realizadas tendo como ponto de partida a cidade construída,
ou seja, a cidade-forma preexistente condicionará a urbanização-processo subseqüente”
(CUSTÓDIO, 2012, p. 60). Esta relação complexa estabelecida através da dinâmica processo-
forma-processo é reforçada por David Harvey, ao abordar a cidade como uma forma espacial:
“uma vez criada uma forma espacial particular, ela tende a institucionalizar e, em alguns
aspectos, a determinar o desenvolvimento do processo social” (HARVEY, 1980, p. 17). Neste
sentido, entende-se que o modo como o processo de urbanização se dá em um determinado
momento, isto com relação ao tipo de apropriação do espaço que é realizada, reflete-se na
forma cidade e, desta maneira, também nos rios desta cidade. Assim, as características dos
rios, reestruturados e refuncionalizados pelo processo de urbanização, tendem a influenciar,
ainda que sob alguns aspectos, os processos sociais posteriores. Conforme observam Almeida
e Corrêa (2012), os rios urbanos modificam e são modificados, de modo dialético, na sua
inter-relação com as cidades.
Também há que se destacar a divisão territorial do trabalho como um fator
significativo para o processo de urbanização e, portanto, para a dinâmica de transformação
dos rios urbanos. Como objetos geográficos, heranças da história natural e também resultados
da ação humana objetivada, os rios de uma cidade apresentam diferentes disposições
espaciais, funções e significados sociais ao longo da história. Acerca da relação entre a
divisão do trabalho e os objetos geográficos, observa Santos:
As divisões sucessivas do trabalho ensejam uma determinada disposição dos
objetos geográficos, dando-lhes a cada momento um valor novo. As novas
divisões do trabalho vão, sucessivamente, redistribuindo funções de toda
ordem sobre o território, mudando as combinações que caracterizam cada
lugar e exigindo um novo arranjo espacial (SANTOS, 1994, p. 125-127).
13
Odette Seabra (2012) observa que os espaços históricos e muitas paisagens naturais
foram, gradativamente, submetidos à lógica do valor. Foi então neste processo que “[...] os
rios e várzeas de São Paulo foram transformados em um espaço tecnológico” (SEABRA,
2012, p. 294). A adoção de um modelo que, de um modo geral, altera o regime das águas dos
rios, atribui aos cursos d‟água o papel de canais para o escoamento de esgotos e realiza a
supressão das várzeas de inundação criando sobre elas corredores para a circulação de
automóveis, é bastante representativa dessa estrutura tecnológica em que foram transformados
os rios e as várzeas de São Paulo. Priorizou-se desde então, a manutenção deste modelo em
detrimento do uso dos rios e das várzeas como espaços livres e públicos, propícios ao
convívio coletivo e ao lazer, ou da sua preservação como corredor biológico, espaço para
presença e circulação de flora e fauna (COSTA, 2006). Ao tratar de realidades como a de São
Paulo, é importante considerar que “em cada período histórico temos um conjunto próprio de
técnicas e de objetos correspondentes” (SANTOS, 1997, p. 67) e que o processo de
urbanização de um determinado local sofre influências provenientes das escalas local,
regional e mundial (CUSTÓDIO, 2012). Tal consideração reforça a importância das
circunstâncias históricas e o papel da totalidade para compreensão dos significados dos
eventos locais, além de contribuir para o entendimento das diferentes características que os
rios têm em outras grandes cidades do mundo.
Diante dessas considerações, fica evidente a dinâmica histórica das relações que se
estabelecem entre os rios urbanos, o processo social de urbanização e a cidade. Também se
faz evidente o modo complexo e, por vezes, contraditório pelo qual se dão tais relações.
Considerando o espaço dos rios e das várzeas, Seabra (1987) destaca este espaço como uma
relação historicamente constituída, uma síntese de muitos e complexos interesses e
contradições. No âmbito da relação entre a cidade e os rios urbanos, as questões relativas ao
papel socioeconômico das águas, mais especificamente, à sua utilização como recurso vital e
econômico, assumem grande complexidade e são marcadas por diversas contradições. As
possibilidades de utilização das águas dos rios para diversas finalidades no espaço urbano,
como por exemplo, para saneamento básico ou como insumo industrial, colocam-nas no
centro de diversos conflitos e injustiças sociais. Ainda no que se refere à relação entre rio e
cidade, é extremamente relevante o contexto das enchentes urbanas haja vista a sua relação
com o processo de urbanização e os seus efeitos sociais catastróficos.
Outro aspecto contraditório, diz respeito à legislação brasileira que trata dos rios e a
sua incompatibilidade com a realidade socioespacial das grandes cidades do país. Conforme
assinala Vladimir Bartalini, acerca dos rios paulistanos:
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[...] apesar de a legislação contemplar a proteção de suas margens e
nascentes. A aplicação efetiva da lei, no entanto, esbarra em problemas de
ordem social, [...] ou em impedimentos econômicos, como os altos custos de
intervenção em áreas já totalmente urbanizadas (BARTALINI, 2006, p. 90).
Fica evidente neste contexto, um dos aspectos contraditórios da relação estabelecida
entre o processo de urbanização e a legislação ambiental, considerando que, estes mesmos
rios, que têm atualmente a proteção assegurada por lei, foram, em outros momentos,
transformados por serem concebidos como obstáculos à produção da cidade, como observa
Seabra: “[...] ao ser produzida materialmente a cidade, obstáculos formidáveis, pela sua
própria magnitude foram sendo transpostos devido a uma ação racionalizadora [...]”
(SEABRA, 1987, p. 13-14).
Tendo em vista o que foi discutido, parte-se da assertiva de que os rios urbanos são
sociais, assim como o espaço do qual fazem parte, e o processo de urbanização ao qual estão
relacionados. Reconhecendo então, a relação dos rios urbanos com este processo, e a
urbanização como uma característica da dinâmica socioespacial brasileira, adota-se a noção
de formação socioespacial como referencial teórico-metodológico para abordar o rio
Tamanduateí e a sua relação com a cidade e com o processo de urbanização. Busca-se efetuar
um estudo retrospectivo deste rio, tendo em vista esta relação. Isto, analisando os eventos
relacionados ao Tamanduateí e às suas várzeas nos contextos locais, nacionais e mundiais de
cada momento histórico, de modo a identificar as lógicas que produziram os diferentes
significados e apropriações que o rio teve do processo inicial de construção de São Paulo até o
contexto da metrópole contemporânea.
1.2 O contexto de um rio urbano
Entre os rios urbanos de São Paulo, toma-se como objeto central deste trabalho, aquele
que, além de apresentar muitas das características de outros rios paulistanos, tem uma forte
ligação com a história da cidade, sobretudo nos seus primeiros tempos, o rio Tamanduateí.
Tamanduateí é um termo de origem tupi que significa rio dos tamanduás verdadeiros 2.
A origem deste nome está associada ao fenômeno das cheias sazonais que inundavam as
várzeas do rio. Após o recuo das águas, muitos peixes ficavam encalhados nas várzeas, onde
morriam e eram ressecados pelo sol. Deste fenômeno, origina-se o nome que os indígenas
2 Tamandûa (tamanduá), eté (verdadeiro) e 'y (rio), (NAVARRO, 2005).
15
deram à região da Várzea do Carmo: Piratininga, que do tupi, traduz-se como “peixe seco”.
Nas várzeas temporariamente abandonadas pelas águas, era possível observar grande
quantidade de tamanduás se alimentando das formigas que se aglomeravam em torno dos
peixes secos (ZAGNI, 2004). As terras do “peixe seco”, Piratininga, eram então atravessadas
pelo rio dos tamanduás, o Tamanduateí3.
Decerto que as curiosidades históricas do rio Tamanduateí não se resumem à
semântica do seu topônimo. Uma pesquisa sobre as origens da cidade São Paulo, logo
conduzirá ao rio Tamanduateí e à Várzea do Carmo, em função da importância que tiveram
para este momento histórico. Conforme observa Bartalini:
[...] a proximidade do Rio Tamanduateí, com sua ampla planície de
inundação, foi um dos fatores determinantes para a escolha do sítio onde a
vila se instalou por atender a necessidades de defesa, abastecimento,
comunicação e transporte (BARTALINI, 2006, p. 89).
Como uma via de conexão entre o litoral e o interior, com passagem obrigatória por
São Paulo, o Tamanduateí possibilitou o transporte de pessoas e de produtos alimentícios
através de pequenas embarcações. Há também registros que apontam o rio Tamanduateí e a
Várzea do Carmo como espaços muito utilizados pela população, como aponta Isabel Moroz:
“Desde os primeiros tempos da cidade, o rio Tamanduateí e sua várzeas constituíam pontos de
encontro e lazer [...]” (MOROZ, 2010, p. 152). Além disso, nas terras planas da várzea do
Tamanduateí foi construída parte da Estrada de Ferro São Paulo Railway, inaugurada em
1867, com a função de despachar a produção de café do interior para o litoral. E junto à
ferrovia, foram sendo instaladas algumas indústrias, ao passo que por volta da metade do
século XX, o eixo do Tamanduateí fixava o que havia de mais moderno e significativo na
industrialização paulista da época (MONBEIG, 2004). Há que se destacar também, que o rio
passou por diversas intervenções que alteraram, entre outros aspectos, o regime natural das
suas águas. As canalizações do seu leito e a supressão das suas várzeas pela construção de
vias de circulação de automóveis sobre elas, são exemplos bastante representativos dessas
ações.
Embora o Tamanduateí possa ser considerado o rio da cidade de São Paulo até a
primeira metade do século XIX - pois até este período o Tietê ainda era considerado afastado
do núcleo urbano4 (CUSTÓDIO, 2007) - e esteja associado a importantes fatos e momentos
3 De acordo com alguns autores, o rio Tamanduateí também era chamado pelo nome de Piratininga.
4 Segundo Odette Seabra (1987), foi apenas ao final do século XIX, que a expansão da cidade alcançou as
várzeas do Rio Tietê, e ainda assim, apresentava alguma descontinuidade.
16
da história da cidade, o que se observa no rio Tamanduateí do período atual é que possui
significados sociais bastante distintos daqueles que tivera em outras épocas. O rio, que muito
pouco conserva das suas características originais, passou por diversas transformações
funcionais e estruturais no decorrer do processo de urbanização, que em muitos casos,
resultaram em conflitos e contradições.
Em função do crescimento urbano de São Paulo, o Tamanduateí se encontra, já há
algumas décadas, localizado integralmente em ambiente urbano. O rio tem todo seu percurso
situado dentro dos limites da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Possui atualmente,
35 km de extensão, nasce no município de Mauá, passa por Santo André, São Caetano do Sul,
atravessa alguns bairros e o centro de São Paulo, e deságua no rio Tietê, no bairro do Bom
Retiro (figura 1).
Figura 1: Mapa de localização do rio Tamanduateí onde é possível observar o seu percurso desde a nascente, em
Mauá, até a sua foz, no rio Tietê. (Elaborado pelo autor).
Tendo em vista a importância que tiveram alguns atributos naturais do rio
Tamanduateí, e das suas várzeas, para a escolha do sítio onde se iniciou o processo de
17
construção da cidade de São Paulo, e considerando as relações contraditórias que se
estabeleceram, e se estabelecem, entre as formas de apropriação do espaço urbano e a
dinâmica “natural” deste rio, considera-se importante incorporar à abordagem, alguns
aspectos do quadro físico-natural da área onde está situado o Tamanduateí. Neste contexto,
cabe destacar alguns elementos geomorfológicos, hidrográficos e climáticos pela relação que
têm, ou tiveram, com a configuração dos rios e das várzeas.
O conjunto hidrográfico do qual o rio Tamanduateí faz parte corresponde à Bacia
Hidrográfica do Alto Tietê. É válido ressaltar que aproximadamente 70% da área da RMSP
está sobre a Bacia do Alto Tietê (CUSTÓDIO, 2012), e que praticamente toda a mancha
urbana da metrópole paulista localiza-se dentro dos limites desta bacia hidrográfica, como é
possível observar na figura 2. Esta bacia compreende os terrenos drenados pelo rio Tietê
desde suas nascentes, em Salesópolis, até a Barragem de Rasgão, em Pirapora do Bom Jesus.
Trata-se de uma área de 5.900 km2, bastante urbanizada, que abrange parte ou totalidade do
território de 35 municípios (SILVA; PORTO, 2003).
Figura 2: Bacia do Alto Tietê, municípios da Região Metropolitana de São Paulo e a mancha urbana da
metrópole em 2010. Fonte: DAEE (2014) 5.
5 Disponível em: <http://www.daee.sp.gov.br/acervoepesquisa/relatorios/revista/raee9904/imagens/fig20.htm>.
Acesso em: 03 abril 2014.
18
No que diz respeito à geomorfologia da região onde está situado o rio Tamanduateí,
convém destacar que, localizado na porção sudeste do estado de São Paulo, está o Planalto
Paulistano. Trata-se da unidade geomorfológica sobre a qual está situada a RMSP. Divide-se
em dois compartimentos, a Borda Cristalina e a Bacia Sedimentar de São Paulo. Com relação
a esta última, destaca-se que é uma bacia constituída por sedimentos, como areia, argila e
cascalhos, que lhe conferem a denominação de bacia sedimentar. Apresenta altitudes,
compreendidas entre 718 e 830 metros, que configuram as suas formas topográficas:
planícies, colinas, terraços, patamares, rampas e espigões (CUSTÓDIO, 2012). Grande parte
da Bacia Sedimentar de São Paulo está localizada sob áreas urbanizadas, como se observa na
figura 3:
Figura 3: RMSP, Bacia Sedimentar de São Paulo e a sua ocupação por áreas urbanizadas. Adaptado de: Custódio
(2012).
Ao tratar da geomorfologia do sítio urbano de São Paulo, Aziz Ab‟ Saber (1957)
classificou as várzeas dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí como planícies aluviais.
Segundo Ab‟ Saber, compreende-se por “várzeas”: “[...] todos os terrenos de aluviões
recentes, desde os brejais das planícies sujeitas à submersão anual, até as planícies mais
enxutas e menos sujeitas às inundações [...]” (AB‟ SABER, 1957, p.144-145). Caracterizando
as várzeas paulistanas, o autor observa que “[...] são constituídas por alongadas planícies de
relevo praticamente nulo, formadas pelas aluviões holocênicas dos principais rios que cruzam
19
a bacia de São Paulo” (AB‟ SABER, 1957, p.145). No que se refere ao rio Tamanduateí em
específico, destaca que as suas várzeas, alongadas de sudeste para sudoeste, são as terceiras
maiores entre as planícies aluviais paulistanas, prolongando-se em planícies de 200 a 400
metros de largura por 16 quilômetros, de São Caetano até o bairro do Pari (AB‟ SABER,
1957).
Numa abordagem mais recente, Ross e Moroz (1997) caracterizam as planícies de
inundação dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí como terrenos planos, com altitudes entre
720 e 730 metros e de natureza sedimentar fluvial quaternária. Essas planícies se associam aos
terraços fluviais, áreas planas ou com leve inclinação, pouco mais elevadas que elas. Nesta
associação, há o predomínio de solos do tipo Gley Húmico e Gley pouco Húmico e de
sedimentos arenosos e argilosos inconsolidados (ROSS; MOROZ, 1997).
Acerca das características climáticas, Moroz (2010), fazendo a correspondência dos
Terraços fluviais e várzeas do vale do Tamanduateí com os atributos climáticos identificados
por Tarifa e Armani (2001)6, identifica que estas unidades topográficas apresentam médias de
temperatura anual entre 19,6 e 19,7º C (graus Celsius), e pluviosidade com totais anuais entre
1350 e 1470 milímetros. Moroz atenta também para um fato que tem forte relação com as
cheias do Tamanduateí. A autora observa que, embora apresentem uma tendência para
redução dos totais de chuva, as várzeas e os terraços fluviais “[...] recebem não apenas a
pluviosidade que ali se precipita, mas todas as águas precipitadas nas outras unidades (cujos
valores são superiores) drenam pra lá” (MOROZ, 2010, p. 114).
Outros elementos que também merecem destaque na situação geográfica7 do rio
Tamanduateí dizem respeito às suas condições ambientais. Como um rio situado
integralmente em área urbana, destaca-se como uma materialidade das contradições que se
estabelecem entre o processo de urbanização e a dinâmica do meio físico-natural. A relação
historicamente estabelecida entre o Tamanduateí e o processo de urbanização tem um papel
bastante significativo na conformação das suas características atuais.
Os diversos problemas ambientais relacionados ao rio Tamanduateí apresentam
também um significativo impacto social, justamente em função das características urbanas
deste rio. São exemplos destes problemas, a poluição das suas águas, a ocupação de áreas
ambientalmente frágeis vinculadas ao rio, a retirada da mata ciliar, o despejo de resíduos
6 TARIFA, J. R. e ARMANI, G., 2001, Os Climas Urbanos. In: Tarifa, J. R. e Azevedo, T. R. de. Os Climas na
Cidade de São Paulo, Teoria e Prática. GEOUSP, 4, p. 47 - 70. 7 A situação geográfica aqui mencionada corresponde à idéia proposta por Maria Laura Silveira (1999), que
supõe uma localização material e relacional do objeto, além de levar em consideração o momento da construção
e o seu movimento histórico.
20
sólidos nas suas margens e as enchentes. De acordo com as medições realizadas pela
Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), a qualidade das suas águas
é considerada péssima há anos8. E considerando o volume de resíduos que são despejados nas
águas deste rio diariamente, parece ser improvável que ocorra alguma alteração em curto
prazo. Além disso, muitas das ações que supostamente buscaram resolver alguns dos
problemas do Tamanduateí, além de não atingirem os seus objetivos, resultaram em
preocupantes transformações na estrutura ambiental deste rio e no seu significado para a
sociedade.
Este crítico cenário ambiental, as características do seu quadro físico-natural, a
importância histórica para a cidade de São Paulo, os diversos conflitos e contradições que se
estabelecem sobre as suas várzeas e os demais aspectos relacionados ao fato de ser um rio
totalmente urbano, da nascente à foz, compõem um panorama geral do Rio Tamanduateí.
Considera-se então, a observação deste panorama, um ponto de partida para um estudo
retrospectivo deste rio, tendo como foco, a sua relação com o processo de urbanização e com
a cidade.
8 CETESB. Relatório de Qualidade das Águas Superficiais do Estado de São Paulo. Disponível em:
<http://www.cetesb.sp.gov.br/agua/aguas-superficiais/35-publicacoes-/-relatorios#>. Acesso: 20 setembro de
2013.
21
2 RIO TAMANDUATEÍ: UM ESTUDO RETROSPECTIVO
A tarefa de efetuar um estudo retrospectivo de um rio urbano, considerando a sua
relação com o processo de urbanização e com a cidade, e tendo como referência a noção de
formação socioespacial, implica metodologicamente na execução de uma análise histórica e,
por este caminho, justifica a elaboração de uma periodização, com o objetivo de identificar os
diferentes significados sociais e apropriações que teve o rio e suas várzeas nos diferentes
momentos do processo de urbanização. Conforme observa Santos (1997), a periodização é
fundamental porque permite a empiricização do tempo e do espaço, conjuntamente. Além
disso, Santos acrescenta que “é através do significado particular, específico, de cada segmento
de tempo, que apreendemos o valor de cada coisa num dado momento” (SANTOS, 1997, p.
83). Com base em tal afirmação, segue-se em direção a uma periodização do rio Tamanduateí
no contexto do processo de urbanização de São Paulo, considerando também, as influências
provenientes das escalas regionais, nacionais e mundiais sobre este processo.
Parte-se então, de uma periodização estabelecida por critérios mais gerais, a da história
do meio geográfico, que pode ser dividida, segundo Santos (2002), em três fases: a do meio
natural, a do meio técnico e a do meio técnico-científico-informacional. Na fase
correspondente ao meio natural, as condições naturais constituíam a base material da
existência do grupo, as técnicas e o trabalho se relacionavam com a natureza sem outra
mediação, e assim, o meio natural era utilizado pelo homem sem sofrer grandes
transformações (SANTOS, 2008). O período do meio técnico é aquele em que emerge o
espaço mecanizado. A razão inerente aos objetos técnicos e a sua lógica instrumental passam
a desafiar as lógicas naturais e há uma tendência de superposição dos tempos sociais sobre os
tempos da natureza (SANTOS, 2002). Por fim, o período contemporâneo, que corresponde,
segundo Santos, ao meio técnico-científico-informacional, “[...] é marcado pela presença da
ciência e da técnica nos processos de remodelação do território essenciais às produções
hegemônicas [...]” (SANTOS, 2008, p. 38). Neste período, a informação assume um papel
fundamental no processo social, fazendo com que os territórios sejam equipados para facilitar
a sua circulação (SANTOS, 2002).
Considerando pois, o caso brasileiro, Santos (2008) assinala que, praticamente até
meados do século XIX, houve neste território, mais uma exploração dos recursos naturais
através do trabalho direto e concreto do homem do que através da aplicação de capital à
natureza. De acordo com o autor, é só a partir da metade do século XIX, que, em algumas
áreas do país, dá-se início à implantação de um meio técnico, o que provoca uma redefinição
22
do espaço brasileiro9. Já no decorrer da década de 1970, uma ruptura se impõe, marcada pela
grande quantidade de capital fixo que passa a ser adicionado ao território, pelo crescente papel
do capital na condução da produção e pelas diferenças no território, que se tornaram,
sobretudo sociais e não mais naturais (SANTOS, 2008). Trata-se do momento de afirmação
do período técnico-científico-informacional, inclusive nos países do chamado “terceiro
mundo” (SANTOS, 2002).
Embora seja possível situar os principais marcos da urbanização de São Paulo, bem
como as principais mudanças direcionadas ao rio Tamanduateí, na periodização apresentada
por Santos, verifica-se a necessidade de incorporar ainda alguns outros fatores para definição
dos períodos correspondentes a este objeto de estudo. Sendo assim, os diferentes períodos
políticos, tanto locais, quanto nacionais, merecem destaque em razão do papel decisivo que
tiveram para alguns eventos importantes do processo de urbanização. Outro fator a ser
considerado, sobretudo no contexto dos rios urbanos, refere-se à problemática ambiental e,
portanto, à emergência de novas questões relacionadas à relação entre sociedade e natureza.
Por fim, há que se considerar algumas particularidades históricas da região estudada,
atentando-se, sobretudo, aos conflitos e contradições promovidos pelo processo de
urbanização e à relação entre a sociedade e o rio em questão.
Com base nesses fatores e dialogando com a subdivisão da história do meio geográfico
proposta por Santos (2008), identifica-se no contexto do rio Tamanduateí, a seguinte
periodização:
O primeiro período se estende da fundação de São Paulo de Piratininga, em 1554,
pelos jesuítas, até a metade do século XIX, quando o Tamanduateí sofre significativas
transformações e a expansão da economia cafeeira começa a promover importantes mudanças
na cidade São Paulo. Embora possa se concordar que a urbanização brasileira tenha se
desenvolvido somente a partir do século XVIII, e que o processo observado até o século XIX,
tenha consistido mais na geração de cidades do que, efetivamente, num processo de
urbanização, conforme assinala Santos (2008), considera-se este primeiro período, importante
para o entendimento das bases da urbanização que se desenvolveria posteriormente, tendo em
vista, sobretudo, o papel da exploração mineral na geração de riquezas, na expansão do
povoamento e, portanto, na ampliação das relações sociais da cidade. Além disso, destaca-se
também neste período, a missão jesuítica, que no caso de São Paulo, foi importante para
9 Pode-se incluir entre essas áreas, a cidade de São Paulo que, principalmente após 1867, com a ferrovia,
conectou-se de modo mais direto ao mercado internacional, o que conduziu, de acordo com Nestor Goulart Reis
Filho (2004), à modernização técnica e do consumo.
23
estabelecer a sua localização geográfica e teve forte relação com o rio Tamanduateí, objeto
central deste estudo.
O segundo período se inicia no contexto da metade do século XIX, marcado pela
expansão cafeeira e pela modernização associada a ela, passa pela década de 1930, quando as
circunstâncias políticas e organizacionais impulsionaram a industrialização e o mercado
interno, e se estende até a década de 1940, momento em que grande parte das obras propostas
pelo Plano de Avenidas de Prestes Maia foi colocada em prática, tendo forte repercussão
sobre os principais rios paulistanos, inclusive sobre o Tamanduateí.
O terceiro período tem início então, na década de 1940, momento marcado por
significativas mudanças nas características dos rios paulistanos, promovidas pela implantação
do Plano de Avenidas e pelo avanço da industrialização, com destaque para o eixo industrial
que crescia vertiginosamente, nas proximidades do Tamanduateí, junto à ferrovia. Este
período se estende até a década de 1980, quando se configura uma nova situação política no
país, o meio técnico-científico-informacional já se faz notável sobre parte do território
brasileiro, e o Tamanduateí estabelece uma importante relação com a expansão da metrópole.
O reconhecimento de uma nova realidade para rio Tamanduateí e, portanto, para a sua
relação com o processo de urbanização a partir da década de 1980, leva a considerar a
existência de um quarto período, que se estenderia até os dias atuais. Trata-se de uma fase
marcada pela inserção total deste rio no espaço urbano metropolitano.
Em linhas gerais, é possível fazer uma correspondência do primeiro período com a
fase do meio natural proposta por Santos (2008), em que a natureza figurava como a base
material da existência do grupo. Já o segundo e o terceiro período, encontram
correspondências na fase do meio técnico, momento da lógica instrumental dos objetos
técnicos e da crescente mecanização do espaço, que culminariam na formação do meio
técnico-científico-informacional. No período contemporâneo, ou quarto período, o
Tamanduateí, como elemento constitutivo do espaço urbano da metrópole, encontra-se
relacionado ao meio técnico-científico-informacional. Isto tendo em vista, a contribuição
deste novo substrato da vida social para instalação de novas relações sociais e as suas
consequências ao processo de urbanização (SANTOS, 1994), com destaque para o contexto
da metrópole global na qual o Tamanduateí está inserido.
Os contextos referentes a cada um destes períodos são abordados de acordo com a sua
ordem cronológica. Neste capítulo são tratados os três primeiros períodos, em consideração
aos seus conteúdos históricos. O quarto período, pela sua especificidade contemporânea, será
abordado no capítulo seguinte.
24
2.1 Da fundação de São Paulo de Piratininga à metade do século XIX
Muitas das cidades coloniais brasileiras têm a sua origem relacionada à presença de
algum rio nas suas proximidades. Além de água, os rios ofereciam condições para o controle
do território, para obtenção de alimentos, para circulação de pessoas e bens, entre outros
benefícios. No caso de São Paulo, a proximidade com o rio Tamanduateí foi um dos fatores
determinantes para escolha do sítio onde, inicialmente, a vila se instalou. O sítio escolhido,
situado na colina que se eleva entre o rio Tamanduateí e o ribeirão Anhangabaú, atendia os
interesses dos fundadores: comunicação, abastecimento, transporte e defesa (BARTALINI,
2006).
Sabe-se pois, que a escolha do sítio e a fundação da vila coube aos padres jesuítas, e
que portanto, as características do local eram condizentes com as suas necessidades. De
acordo com Pierre Monbeig (2004), os padres, interessados na catequese dos índios e na
educação das crianças, avançaram em direção às terras do planalto, pois o colégio que havia
sido instalado em São Vicente já não satisfazia os seus objetivos. Fizeram isto, apoiando-se
nos conhecimentos de João Ramalho que, junto ao seu grupo, já se encontrava instalado no
alto da serra, no ponto em que o Caminho do Mar desemboca nos campos, a Vila de Santo
André da Borda do Campo. É válido destacar então, que, em 1554, quando os jesuítas
fundaram o seu colégio, núcleo primitivo de São Paulo, Santo André já sustentava a condição
de vila (PRADO JÚNIOR, 1983). Isto porque, em 1553, o então governador-geral Tomé de
Souza, concedeu este título à povoação que havia sido constituída por João Ramalho e por seu
grupo (REIS FILHO, 2004). No entanto, foi justamente em razão da inexistência de defesas
naturais contra ataques de índios e pela falta de um rio próximo à Vila de Santo André 10
, que
em 1560, Mem de Sá, o terceiro governador-geral, transferiu a condição de vila para São
Paulo e mandou que se evacuasse a vila da borda do campo. Segundo Caio Prado Júnior, a
superioridade do sítio de São Paulo era incontestável:
A aldeia jesuítica [...] ocupava no alto de uma colina [...] um sítio
naturalmente defendido por escarpas abruptas e acessível por um lado
apenas. Santo André, pelo contrário, erguia-se na orla da mata, sem defesa
natural alguma e exposto por isso a ataques súbitos e imprevistos. Fazia-se
sentir nela a falta da proximidade de um rio. Esta falta impedia que os
10
Convém esclarecer que a vila de Santo André da Borda do Campo, fundada em 1553, estava situada, segundo
Teodoro Sampaio (1978), na intersecção entre a Borda do Campo e o caminho aberto pelos índios, há pouco
mais de um quilômetro de onde fora instalada no século XIX a Estação São Bernardo, atual Santo André. Ou
seja, o local da antiga vila, que não dispunha de um rio nas suas proximidades, é diferente da local onde está
situada a atual estação de Santo André, próxima ao curso do rio Tamanduateí.
25
moradores se socorressem do peixe para sua alimentação e dificultava a
criação de gado (PRADO JÚNIOR, 1983, p. 16-17).
Ainda acerca da superioridade do sítio de São Paulo, Prado Júnior (1983, p. 14)
caracteriza os Campos de Piratininga como uma “imensa clareira natural na floresta”, que por
oferecer a vantagem de um terreno limpo, era propícia à instalação humana. Neste sentido, o
autor destaca que antes mesmo da chegada dos europeus, estes campos já eram muito
conhecidos pelos índios, abrigando numerosas tribos. Para Prado Júnior (1983), a situação
geográfica privilegiada de São Paulo era verificada também pela presença de seus cursos
d‟água, que irradiavam em quase todas as direções. Tal característica tinha importância
considerável nos primeiros tempos da colonização, representando a melhor e mais utilizada
via de comunicação do período, inclusive para o intercâmbio das populações do planalto.
Além disso, há que se destacar que, em virtude da maior fertilidade das terras, da abundância
de água e da facilidade para obtenção de alimentos, as margens dos rios eram, inicialmente, as
áreas mais procuradas pelo povoamento do planalto (PRADO JÚNIOR, 1983). Até mesmo as
trilhas dos índios, associavam-se, em alguns trechos, aos caminhos fluviais, como a
importante “Trilha dos Tupiniquim”, que acompanhava parte do traçado do rio Tamanduateí,
e foi amplamente utilizada por índios e por portugueses para subir a serra e para acessar os
Campos de Piratininga (figura 4).
Figura 4: A “Trilha dos Tupiniquim” e a sua proximidade com o rio Piratininga (ou Tamanduateí) nas cercanias
da Vila de São Paulo de Piratininga. Fonte: BUENO (1998).
26
Considerando a relação que se estabeleceu entre os objetivos dos fundadores e os
atributos do sítio escolhido, pode-se afirmar que a Vila de São Paulo teve a sua povoação
inicial baseada em interesses religiosos, sendo ocupada nos seus primeiros anos,
principalmente por padres e índios, conforma aponta Ernani Silva Bruno:
[...] a origem da povoação de São Paulo e os seus primeiros impulsos
obedeceram a objetivos religiosos - os da catequese - e ela foi por isso de
forma acentuada, durante alguns anos, uma espécie de aldeamento de padres
e índios [...] que deixaram a marca de sua experiência nas primeiras
edificações, nos primeiros arruamentos e na própria escolha do sítio em que
ela se estabeleceu (BRUNO, 1991a, p. 72).
De acordo com Bruno (1991a), a marcante presença de índios na vila logo se
atenuaria, não apenas em função do comportamento dos índios, que deixavam a vila, mas
também, pela crescente influência dos povoadores brancos que chegavam. A povoação de São
Paulo, começava a assumir novas características:
Esses colonizadores brancos, com os índios que permaneceram em São
Paulo e com os mamelucos resultantes dos primeiros cruzamentos ocorridos
na capitania, davam um feição nova à povoação. Com essa nova população e
esse novo caráter a povoação superava os objetivos que haviam representado
o impulso de sua fundação: a conversão dos gentios pelos jesuítas (BRUNO,
1991a, p. 77).
Para Bruno (1991a), as características da população, marcada pela miscigenação, o
isolamento geográfico e a pobreza de recursos econômicos, foram fatores que conduziram,
sobretudo a partir do século XVII, ao bandeirismo. Pierre Monbeig (2004), observa no
entanto, que a situação geográfica não foi a causa da expansão bandeirante, que, segundo o
autor, “existiu apenas em função dos desejos e das possibilidades dos paulistas dos séculos
XVII e XVIII” (MONBEIG, 2004, p. 123). Independente das discordâncias acerca das causas
do bandeirismo, tem-se, como consequência dessas expedições sertanistas, o enfraquecimento
da Vila de São Paulo, pois um número considerável de moradores partiu em direção ao sertão
à procura de índios, ouro e pedras preciosas (BRUNO, 1991a). Mesmo com esse
enfraquecimento, a expulsão dos jesuítas, em 1643, fez com que o Governo Real
demonstrasse interesse em afirmar sua presença em São Paulo, ao instalar na vila os altos
representantes da sua autoridade (MONBEIG, 2004).
Já no século XVIII, período em que praticamente toda a atividade da colônia está
direcionada para as minas, São Paulo passa à categoria de cidade. Fato que ocorre logo no
27
início do século, em 1711, motivado sobretudo, pelas mudanças administrativas e sociais
provocadas pela descoberta de ouro em Cuiabá (BRUNO, 1991a). Mesmo sob a condição
cidade, São Paulo passa por uma emigração contínua para as regiões auríferas, o que,
juntamente com a libertação indígena da escravidão, por Marquês de Pombal em 1758,
acentua o seu enfraquecimento econômico neste período. A situação só começaria a mudar,
com a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, pois a
necessidade de abastecer a nova capital e as minas, fez com que as atividades econômicas da
população de São Paulo conhecessem algum estímulo (BRUNO, 1991a). Ainda assim,
Monbeig (2004) aponta que nesta época São Paulo era uma pequena capital para uma
província com território bastante vasto. Neste sentido, assinala que, o censo de 1776 revelou
apenas 534 casas e 2026 pessoas na cidade. Sobre as casas da cidade e os seus habitantes
neste período, Monbeig destaca que:
Continuavam agrupadas na pequena colina escolhida pelos Padres, numa
dúzia de ruas e ruelas, raramente calçadas e de um modo rudimentar,
marginada de casas pobres, sem elegância, e térreas. Os habitantes mais
abastados moravam nas chácaras, às portas da cidade onde iam apenas para
as cerimônias e à missa dominical. Nem as condições geográficas nem as
circunstâncias históricas tinham ainda provocado um impulso urbano
(MONBEIG, 2004, p. 125).
No que se refere aos rios, nesses primeiros séculos de São Paulo, nota-se que havia
uma grande interação entre a população e os cursos d‟água, sobretudo com o rio Tamanduateí.
A navegação era bastante utilizada tanto para o transporte de pessoas, quanto de gêneros
alimentícios e mercadorias. Sobre a navegação no Tamanduateí e Tietê, no final do século
XVI, Teodoro Sampaio11
(1899, apud BRUNO, 1991a, p. 209) apresenta a seguinte
informação: “Embarcados na sua canoa o padre, o negociante, o fazendeiro, o simples homem
do povo podiam atingir qualquer ponto dentro da zona povoada em torno de São Paulo”.
Ainda de acordo com este autor, era possível chegar à Borda do Campo, ao Tietê, aos sítios e
a outras localidades, a partir das águas do Tamanduateí.
Segundo Bruno (1991a), as comunicações feitas pelos rios começaram a diminuir
sobretudo a partir do século XVIII, não apenas em função da intensificação das comunicações
por terra motivadas pelas melhorias das estradas, mas também, por conta das obras de
retificação de alguns rios, como a primeira intervenção deste tipo sobre o Tamanduateí, feita
entre 1782 e 1786. De acordo com o autor, uma vala foi aberta e a curva do rio foi retificada
11
SAMPAIO, Theodoro. São Paulo de Piratininga no fim do século XVI. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, v.4, p.257-278, 1899.
28
na altura da Várzea do Carmo, fazendo com que o rio ficasse à margem do terreno onde mais
tarde se localizaria a Rua da Figueira. No ano de 1810, foi feita uma segunda vala na região
central da várzea e foi construído um aterro em continuidade à Ladeira do Carmo.
As intervenções sobre as várzeas e as obras de retificação do rio não afetaram apenas a
navegação fluvial, resultaram também em grandes prejuízos para a população. Bruno (1991a)
cita entre estes prejuízos, o comprometimento das condições sanitárias da Várzea do Carmo,
um dos locais de passeio favoritos dos moradores da cidade, e a transmissão de doenças em
função do pântano que se formara na várzea pelas águas estagnadas do Tamanduateí. O autor
observa também, com base no Registro Geral da Câmara de 1822, que os problemas
relacionados à insalubridade da várzea figuravam entre os principais desafios do poder
municipal nessa época. O local, que havia sido transformado em um pântano contínuo pelo
desvio do leito natural do rio, era tido anteriormente, como um ponto de recreio e
divertimento da população (BRUNO, 1991a). Taunay (1951, p. 13) também relata a
proximidade que havia entre as pessoas e o rio Tamanduateí em meados do século XVIII,
destacando o rio como o “único recreio e divertimento do povo desta cidade” e o local onde
“[...] várias pessoas particulares iam lavar-se [...] e outras pessoas pobres lavar suas roupas”.
Além das funções de transporte e lazer, o rio Tamanduateí teve grande importância
para a alimentação dos moradores de São Paulo, sobretudo nos primeiros séculos. De acordo
com Bruno (1991a), a pesca nos cursos d‟água que passavam pela povoação representou o
principal meio de obtenção de alimento deste período. Utilizavam-se muitas vezes de métodos
de envenenamento das águas para matar os peixes, como os “timbós” ou “tinguis”,
conhecimentos indígenas que haviam sido passados aos colonizadores. Tais práticas foram
proibidas pela Câmara já em 1591, mas continuaram a ocorrer. Além disso, os moradores
faziam o uso de outras armadilhas no Tamanduateí, como a cerca de taquara ou cipó chamada
de “Pari”, que posteriormente, daria nome a um dos bairros situados nas proximidades do rio
(BRUNO, 1991a).
Outro aspecto relevante acerca do Tamanduateí nos primeiros séculos de São Paulo
diz respeito ao abastecimento de água. Segundo Valério Victorino (2002), até meados do
século XIX, os moradores de São Paulo se abasteciam das fontes que brotavam dos declives,
das águas lodosas do Tamanduateí e também do rio Anhangabaú. Bruno (1991a) acrescenta
que, após o fim do século XVIII, o abastecimento de água passou a ser feito por chafarizes,
que não tinham um funcionamento satisfatório, o que obrigava parte da população a recorrer
novamente às águas sujas do Tamanduateí e do Anhangabaú.
29
Como foi mencionado, a insalubridade das várzeas já era preocupante nessa época.
Além das obras de alteração do leito do rio, que segundo o Registro da Câmara, haviam
transformado a Várzea do Carmo num pântano, havia também o problema do lixo da cidade,
que era depositado nas proximidades do rio Anhangabaú e também nas margens do
Tamanduateí (BRUNO, 1991a).
Ao final da primeira década do século XIX, a cidade de São Paulo ainda se restringia
praticamente à área compreendida entre o rio Tamanduateí e o rio Anhangabaú, como é
possível observar na planta da cidade de 1810 (figura 5).
Figura 5: Planta da cidade de São Paulo, levantada em 1810 pelo engenheiro Rufino J. Felizardo e Costa, e
copiada em 1841. Fonte: PMSP/SMDU (2013).
Com relação à cidade de São Paulo, no momento correspondente à planta acima,
Juergen Richard Langenbuch observa que:
O Brás não passava de bairro ainda em desenvolvimento embrionário,
separado da cidade pela várzea do Tamanduateí. A cidade de São Paulo era
circundada por um cinturão de chácaras, que além de fins agrícolas
encerravam importante função residencial (LANGENBUCH, 1971, p. 9).
É todavia, ainda no início do século XIX, que em razão do esgotamento das minas e da
consequente retomada agrícola brasileira, que, segundo Prado Júnior (1983) a colonização do
30
território paulista se intensifica, tendo como base inicial para essa expansão, dois produtos: o
açúcar e o café. A vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, fez com que a
cidade do Rio de Janeiro recebesse formas da “civilização” urbana européia: banco, parques,
biblioteca, academias (CUSTÓDIO, 2012), o que repercutiu, de certo modo, na cidade de São
Paulo. Segundo Monbeig (2004), São Paulo recebeu personalidades, diplomatas, e ilustres
famílias européias passaram a residir na cidade. Todavia, o autor observa que o crescimento
se dava em ritmo vagaroso e São Paulo permanecia uma “boa cidadezinha provincial”, que
em 1836, tinha uma população de apenas 22.000 pessoas. Para Paulo Assunção (2009) a
cidade de São Paulo dos primeiros anos do século XIX, ainda apresentava as feições de um
arraial de sertanistas e conservava a aparência de um entreposto comercial. O autor destaca
alguns traços que a cidade apresentava neste momento histórico:
As casas, as ruas, as práticas religiosas e culturais são evidências de uma
cidade pequena e isolada no planalto. O centro da cidade destacava-se do
entorno marcado pelos campos e pela pouca ocupação. A cidade com casas
baixas e alguns sobrados era cortada por ruas estreitas e becos que ganhavam
dinâmica com o movimento dos transeuntes, [...] dos carros de boi e dos
animais de sela. (ASSUNÇÃO, 2009, p. 1).
Pelo que se observa, através das informações históricas fornecidas por estes autores, a
cidade de São Paulo conheceu algumas mudanças no seu espaço urbano e nas características
da sua população no início do século XIX, no entanto, tais mudanças não foram tão bruscas a
ponto de apagar os traços que predominaram nos séculos anteriores e nem de alterar, de modo
significativo, os hábitos do seu povo. Neste sentido, Bruno (1991a, p.49) observa que, ainda
no século XIX, “[...] o indígena, diretamente ou através do mameluco e depois mais diluído
no caipira, deixaria marcas bastante visíveis em São Paulo [...]”. A pintura de Arnaud Julien
Pallière ilustra a paisagem da ainda modesta cidade de São Paulo, no início da década de 1820
(figura 6).
31
Figura 6: São Paulo em 1821. Panorama da cidade a partir das margens do rio Tamanduateí. Detalhe de aquarela
de A. J. Pallière. Fonte: Instituto Moreira Sales - IMS (2004).
Embora com um crescimento discreto, é ainda no decorrer das primeiras décadas do
século XIX, que o núcleo urbano de São Paulo começa a romper os seus contornos primitivos,
avançando em algumas direções. Bruno (1991a) observa que o crescimento deste período
estabelece uma continuidade entre a área central e alguns bairros para além do Anhangabaú e
Tamanduateí, mas destaca que tais áreas conservavam ainda aspectos de áreas “semi-rurais”.
Monbeig (2004), também aponta para um crescimento urbano neste período, destacando o
aumento das construções no caminho de Santo Amaro, na direção da Igreja da Consolação, no
Caminho de Guaré, que conduz à Bragança e Minas, na margem esquerda do Anhangabaú e
nos bairros da Mooca e Ipiranga, na direção do Caminho do Mar. Este era o caminho, que
muitos estudantes da Faculdade de Direito, instalada na cidade em 1832, percorriam pelo
menos duas vezes ao ano, para retornar as suas províncias de origem (LANGENBUCH,
1971).
De acordo com Langenbuch (1971), neste período, a maior parte da circulação já era
feita por caminhos ou estradas, quase sempre precárias e com calçamentos escassos, onde
predominavam as tropas de burros, e a navegação era o meio de transporte secundário, pois se
restringia a alguns cursos d‟água. Ainda assim, o autor atenta para a importância da
navegação no Tamanduateí até meados do século XIX, observando que o chamado “Pôrto
Geral”, situado onde hoje se encontra a ladeira de mesmo nome, era o principal porto da
cidade. Langenbuch (1971) destaca que neste porto atracavam as canoas carregadas de
mercadorias produzidas pelas populações ribeirinhas e de produtos das olarias situadas nos
32
arredores de São Paulo. Junto a este porto, havia um barracão para armazenar e proteger as
mercadorias. Tais condições faziam com que o local estivesse sempre cheio de tropas, de
escravos e de mercadores.
Ainda de acordo com Langenbuch (1971), São Paulo figurava em meados da década
de 1830 como o centro irradiador dos transportes na província, e por isto, concentrava
serviços como o de criação de mulas para servir às tropas, e a oferta de áreas específicas para
pastagens de animais. Além disso, apresentava uma série de pousos para os viajantes, que
assim como as áreas destinadas à criação de mulas e às pastagens, ficavam situados nos
arredores da cidade, no cinturão de chácaras (LANGENBUCH, 1971).
Observa-se então, nas primeiras décadas do século XIX, uma crescente ocupação de
novas áreas e o surgimento de pequenos núcleos nos arredores da cidade de São Paulo,
relacionados, sobretudo, ao comércio e locação de animais de carga e montaria para as tropas,
e à hospedagem de viajantes. Nas descontinuidades entre estes núcleos e a cidade havia,
segundo Assunção (2009), uma série de matagais e capoeiras, que agravavam as condições
insalubres da cidade. De acordo com o autor, as cheias do rio Tamanduateí foram discutidas
pela Comissão de Saneamento de São Paulo no ano de 1821, mas a falta de recursos tornou
inviável qualquer intervenção efetiva. Na sequência, em 1824, foi definida a correção do
curso do rio que deveria ser efetuada para contenção das enchentes, mas novamente a falta de
recursos impediu qualquer ação neste sentido. Quase duas décadas depois, em 1841, o
engenheiro Carlos Abraão Bresser realizou um novo estudo acerca da retificação do
Tamanduateí, a pedido do Presidente da Província Conselheiro Miguel de Souza Melo e
Alvim. No entanto, somente em 1848, foram iniciadas as obras que, além de canalização do
rio, engendrou uma nova rua na sua margem, a atual Rua 25 de Março (ASSUNÇÃO, 2009).
É válido destacar que tais intervenções não foram suficientes para resolver o preocupante
problema das enchentes e, além disso, resultaram também em outras perdas. Segundo
Langenbuch (1971), as obras iniciadas em 1848 exigiram, já 1849, a suspensão das atividades
de navegação no rio Tamanduateí.
Para findar este primeiro período, é importante destacar que no decorrer do século
XIX, a economia açucareira cedeu gradativamente o seu espaço à cafeicultura, que por sua
vez, assumiu o papel de principal produto de exportação. Foi neste contexto que a economia
cafeeira paulista conheceu um incremento notável (LANGENBUCH, 1971), o que promoveu
importantes transformações urbanas e modernizações técnicas, sobretudo a partir da metade
do século XIX.
33
2.2 Da metade do século XIX à década de 1940
Considerando a dinâmica do rio Tamanduateí em relação ao processo de urbanização e
a importância das ocorrências diretamente relacionadas ao rio para este estudo retrospectivo,
toma-se como marco inicial deste segundo período, a realização das obras de retificação do
rio e de aterramento de trechos da sua várzea na área da cidade. Destaca-se, que tais obras
foram iniciadas em 1848 e concluídas em 1851 (MONBEIG, 2004). No contexto histórico da
metade do século XIX, a expansão da cafeicultura paulista, também assume grande
relevância. Mesmo antes da instalação da ferrovia, em 1867, a economia cafeeira conheceu
um desenvolvimento notável e, além disso, teve grande influência nas transformações urbanas
e nas modernizações técnicas que se realizaram em São Paulo a partir da metade do século.
Santos (2008) também destaca o surgimento de uma nova realidade geográfica brasileira no
momento em questão:
O Brasil foi, durante muitos séculos, um grande arquipélago, formado por
subespaços que evoluíam segundo lógicas próprias, ditadas em grande parte
por suas relações com o mundo exterior. Esse quadro é relativamente
quebrado a partir da segunda metade do século XIX, quando a partir da
produção de café, o estado de São Paulo se torna o pólo dinâmico de vasta
área que abrange os estados mais ao sul e vai incluir, ainda que de modo
incompleto, o Rio de Janeiro e Minas Gerais (SANTOS, 2008, p. 29).
Trata-se de um momento em que, além de haver uma nova realidade econômica para
São Paulo e para o Brasil, há também, um novo significado social para o rio Tamanduateí.
Isto porque, já em 1849, as obras de retificação do rio exigiram a suspensão das atividades de
navegação nas suas águas (LANGENBUCH, 1971), o que comprometeu uma de suas funções
mais significativas até então. Outro evento relacionado ao rio, que merece destaque no
momento em questão, é a construção da ferrovia nas terras planas de suas várzeas, o que teve
grande influência na transformação dessas áreas.
Conforme observa Assunção (2009), as obras de retificação que haviam sido
projetadas por Bresser em 1841, foram iniciadas somente sete anos mais tarde. Além da
retificação, as obras consistiam também no aterramento da área, onde posteriormente seria
instalada a Rua 25 de Março. O historiador Antônio Barreto do Amaral (1980) destaca que
foram eliminadas diversas curvas do rio nas baixadas do Convento de São Bento na área da
atual “25 de Março” e que, o curso do rio foi desviado no trecho que seguia para nordeste a
partir da confluência com o Anhangabaú, o que resultou também na mudança da sua foz.
34
Conforme descreve o autor: “o canal aberto em direção noroeste cortou a Avenida Tiradentes,
ao tempo aterrado de Santana, estabelecendo ali a Ponte Pequena e demandando em linha
reta, à corrente do Tietê” (AMARAL, 1980, p. 449).
Acerca dos resultados dessas obras, Assunção (2009) observa que as obras realizadas
não conseguiram resolver o problema das enchentes, situação que exigia novas ações das
autoridades municipais. Bruno (1991b) destaca que as inundações continuaram a ocorrer nas
várzeas de São Bento, na Várzeas do Carmo e no Cambuci. A insatisfação com os resultados
das obras não se resumiam às inundações. Segundo Custódio (2007), em 1852, ano seguinte
ao término das obras, o rio já voltou a ser tema de discussão na Assembléia Municipal. A
população solicitava o retorno do rio ao curso original, pois a vala construída para o
esgotamento da Várzea do Carmo havia afastado o rio da cidade. Os fragmentos destacados
do mapa (figura 7) e da planta da cidade (figura 8), de 1847 e 1868, respectivamente,
permitem observar a transformação do curso do Tamanduateí promovida pelas intervenções
executadas entre os anos de 1848 e 1851.
Figura 7: Fragmento do Mappa da Cidade de São Paulo e seus subúrbios de 1847, elaborado por Bresser.
Destaca-se o traçado meândrico que o rio Tamanduateí apresenta em alguns trechos à jusante da cidade. Fonte:
PMSP/SMC/DPH (2008).
35
Figura 8: Fragmento da Planta da Cidade de São Paulo de 1868, elaborada por Carlos Rath. O rio Tamanduateí e
o seu curso retificado à jusante do cruzamento com o Caminho do Braz. Fonte: PMSP/SMC/DPH (2008).
Uma análise comparativa dos fragmentos do mapa de 1847 e da planta de 1868
permite identificar uma considerável transformação nas características do Tamanduateí,
sobretudo no que se refere ao seu traçado. Este que em 1847, apresentava-se meândrico,
sobretudo à jusante do ponto que passava próximo do Convento de São Bento, em 1868,
apresentava traços bastante retilíneos, à jusante do cruzamento com o Caminho do Braz,
evidenciando as obras de retificação que foram executadas. Além disso, é possível situar que
a Rua 25 de Março, já representada na planta de 1868, foi construída na área de várzea do rio,
localização que explica os aterros que foram realizados.
Retomando pois, o cenário de insatisfação resultante do insucesso das obras
executadas na metade do século, observa-se, de acordo com Custódio (2007), que em 1855,
foi apresentada uma nova proposta para dessecamento da várzea do Tamanduateí, no entanto,
não foi colocada em prática pois o Poder Público alegava falta de recursos. Segundo a autora,
“[...] os efeitos danosos aumentavam à medida que a cidade se expandia e as providências
continuavam paliativas” (CUSTÓDIO, 2007, p. 274). A fotografia de Militão Augusto de
Azevedo (foto 1) ilustra a paisagem da Várzea do Tamanduateí nas proximidades da encosta
do Pátio do Colégio e os diferentes usos do rio na década seguinte às obras.
36
Foto 1: A várzea do rio Tamanduateí no trecho próximo à encosta do Pátio do Colégio e a utilização das águas
por lavadeiras e pelas tropas com seus animais. Fotografia de Militão de Azevedo (1862). Fonte:
PMSP/SMC/DPH (2009).
As transformações urbanas pelas quais a cidade de São Paulo passou, a partir da
segunda metade do século XIX, têm forte relação com o desenvolvimento da cafeicultura
paulista. Considerando a expansão do café no território da Província de São Paulo, Prado
Júnior (1983) observa que “São as férteis terras, primeiro do norte, depois do oeste, que vão
constituir a zona de eleição do cafeeiro. E toda esta região que é por sua situação tributária de
São Paulo, tem nesta cidade seu centro natural” (PRADO JÚNIOR, 1983, p. 36). É neste
contexto, que se dá a instalação de ferrovias sobre o território paulista. Amoldada à estrutura
da economia cafeeira, a estrada de ferro São Paulo Railway foi inaugurada em 1867, com a
função de escoar a produção de café do interior da província para o litoral, passando pela
capital. Custódio (2007) destaca que a instalação da ferrovia teve grande impacto para
expansão da cidade, que passava a fazer parte do circuito da economia internacional. Com
relação à parcela do território brasileiro que se insere neste cenário de modernização e
internacionalização, Santos faz as seguintes observações:
De um lado, a implantação de estradas de ferro, a melhoria dos portos, a
criação de meios de comunicação atribuem uma nova fluidez potencial a
essa parte do território brasileiro. De outro lado, é aí também onde se
instalam, sob os influxos do comércio internacional, formas capitalistas de
37
produção, trabalho, intercâmbio, consumo que vão tornar efetiva aquela
fluidez (SANTOS, 2008, p. 29).
É de grande importância para este estudo, a observação de que as ferrovias, além de
impactar a economia da cidade, tiveram forte relação com o rios e as suas respectivas várzeas.
Isto porque, a estrada de ferro instalada em 1867, margeava os rios Tietê e Tamanduateí, o
que promoveu a valorização desses terrenos (CUSTÓDIO, 2007). De acordo com a autora,
dinamização da economia motivou o crescimento das construções, de tal modo que a enchente
do rio Tamanduateí, em 1868, afetou vários imóveis situados no perímetro urbano.
Pensando este momento histórico em termos populacionais, nota-se que, de acordo
com o censo de 1872, apenas três capitais brasileiras, Rio de Janeiro, Salvador e Recife,
tinham mais que 100 mil habitantes, sendo que a cidade de São Paulo abrigava uma
população de apenas 31.385 pessoas (SANTOS, 2008).
Embora a população de São Paulo ainda não tivesse apresentado um crescimento tão
significativo, a década de 1870, pode ser destacada por obras que promoveram importantes
transformações urbanas na cidade. Custódio (2007) observa que, na gestão do prefeito João
Teodoro Xavier (1872 – 1875), a cidade passou por remodelações vultosas e que houve uma
significativa aplicação de recursos em obras públicas. Monbeig (2004) destaca entre estas
obras, a abertura do arruamento entre o Brás e a Estação da Luz, a construção da Ladeira do
Carmo e a transformação urbana na direção do bairro da Mooca. Bruno (1991c) assinala que,
sob essa gestão ocorreram novas intervenções nas várzeas do Tamanduateí, foram aterrados
os pântanos da Várzea do Carmo e construído sobre o local uma jardim destinado à recreação,
a Ilha dos Amores (figura 9).
Figura 9: Ilha dos Amores em desenho feito a partir de antiga fotografia. Autor: Martins Jesus (sem referência de
data). Fonte: PMSP/SMC/DPH (2009).
38
No que diz respeito à iluminação pública, foi inaugurada em 1872 a primeira usina de
gás, o que possibilitou a iluminação das ruas (REIS FILHO, 2004). Também em 1872, deu-se
início à primeira linha de bonde movida à tração animal, ligando o centro da cidade à estação
da Luz (BRUNO, 1991c).
Em consideração às ações do governo do Prefeito João Teodoro Xavier, Custódio
(2007) caracteriza esta gestão como “[...] o primeiro grande surto urbanístico ensejado pelo
Poder Público como forma de fixar os fazendeiros do café na cidade e assim prover o cofre
municipal com a cobrança de impostos” (CUSTÓDIO, 2007, p. 275). É ainda na década de
1870, que são entregues ao tráfego os trechos iniciais da ferrovia Sorocabana e da ferrovia
que ligava ao Rio de Janeiro, e que se instalam nos arredores de São Paulo, os núcleos
coloniais (Santana, Glória, São Caetano e São Bernardo) com o objetivo de intensificar o
povoamento e a produção agrícola voltada ao abastecimento da cidade (LANGENBUCH,
1971).
O mapa da capital da Província de São Paulo (figura 10), elaborado por Fernando de
Albuquerque e Jules Martim em 1877, com a representação de seus edifícios públicos, hotéis,
igrejas, ferrovia e passeios, exalta os atributos de São Paulo justamente na época em que se
buscava incentivar os fazendeiros ricos a estabelecerem suas casas na cidade. No contexto do
rio Tamanduateí e das suas várzeas, o mapa destaca a Ilha dos Amores e o seu aspecto
paisagístico, localizada nas proximidades do antigo mercado.
39
Figura 10: Mappa da Capital da Província de São Paulo. Publicado por Fernando de Albuquerque e Jules Martin
em 1877. Versão publicada pela Comissão do IV Centenário em 1954. Fonte: PMSP/SMC/DPH (2008).
Não tardou para que os ricos fazendeiros do café, que antes moravam em suas próprias
fazendas ou nas cidades próximas a elas, instalassem as suas residências na capital, em função
40
da oferta de melhores condições para tratar dos seus negócios financeiros e comerciais, da
proximidade com as repartições públicas e privadas e do maior contato com os organismos
políticos (MONBEIG, 2004). Bairros como os Campos Elíseos, situados à guarda de
inundações (CUSTÓDIO, 2007), sucedido pelo de Higienópolis e, mais adiante, pela Avenida
Paulista, foram os locais eleitos pelos fazendeiros para o estabelecimento de suas majestosas
residências. De acordo com Custódio (2007), as várzeas dos rios eram habitadas pela
população pobre de cidade, que ficava exposta aos efeitos danosos das inundações.
Conforme Monbeig (2004), a presença de fazendeiros na cidade fez com que os
costumes se alterassem de modo significativo. A influência da economia cafeeira sobre a
dinâmica da cidade rompia com o gênero de vida tradicional. O comércio de mão-de-obra
para a cafeicultura motivou a construção da Hospedaria dos Imigrantes no bairro do Brás. No
final do século XIX, o comércio de maquinarias para as fazendas de café e as indústrias
começavam a marcar a paisagem paulistana (BRUNO, 1991c). Com relação às indústrias,
Langenbuch (1971) destaca que em 1890, São Paulo já possuía vários estabelecimentos de
certo porte e havia uma tendência de localização destes fábricas nas proximidades da ferrovia.
As estações ferroviárias eram, segundo Seabra (1987), os pontos a partir de onde se
desenvolvia um novo arranjo espacial na cidade, e nas proximidades destas estações houve,
ainda no final do século, a passagem de um modesto comércio para uma discreta atividade
industrial. As terras percorridas pelas ferrovia passavam a ser valorizadas pela sua
localização, e isto muitas vezes, correspondia também à valorização dos terrenos das várzeas.
É com base neste contexto que Seabra (2012, p. 298) afirma que “[...] a corrida especulativa
no processo que usurpou as várzeas aos rios, teve inicio ao final do Século XIX”. É
importante salientar que, nos anos finais do século XIX, a expansão da cidade já alcançava as
várzeas do Tietê, apresentando, todavia, ainda alguma descontinuidade (SEABRA, 1987). O
crescimento urbano era bastante rápido, a cidade na sua extensão passava a ocupar uma área
significativamente maior, e este processo promovia a especulação imobiliária, que se apoiava
na certeza de valorização dos terrenos (LANGENBUCH, 1971).
De acordo com Seabra (1987), é neste contexto do fim do século, que a cidade de São
Paulo começa a apresentar traços mais claros de vida urbana, abrigando os circuitos
monetários da economia em expansão. Tal é influência da economia cafeeira sobre o
crescimento da cidade, que alguns autores, como Goulart Reis (2004) e Bruno (1991c),
caracterizam-na como “Metrópole do Café”, no período que se inicia no final do século XIX e
se estende pelas três primeiras décadas do século XX.
41
A região da Várzea do Carmo era, no final do século, o principal ponto de comércio
dos “Caipiras”12
. Era o local onde os moradores das áreas mais distantes vendiam os seus
produtos agrícolas, medicinais, artesanais, entre outros, para os habitantes da cidade, como
observa Carlos Ferreira dos Santos (2001). Até 1890, ainda existia na região, o “Antigo
Mercado” (foto 2), que tinha o seu pátio ocupado pelas barracas dos vendedores de legumes e
de outros produtos. O “Mercado dos Caipiras”, que se estendia pela rua, colaborava, segundo
Santos (2001), com o viver cotidiano de vários moradores por oferecer produtos mais baratos,
e também com o desenvolvimento urbano da cidade, por facilitar a circulação de alimentos e
de outras mercadorias produzidas em áreas distantes.
Foto 2: o “Antigo Mercado” em 1880 e as várzeas do Tamanduateí ao fundo. Fotografia de Marc Ferrez. Fonte:
IMS (2004).
Nas décadas finais do século XIX, os problemas relacionados ao rio Tamanduateí
permaneciam entre as preocupações do Poder Público. Segundo Custódio (2007), a situação
do rio foi avaliada entre os anos de 1886 e 1887, e foi constatado que a sua descarga de água,
extremamente ampliada na época das cheias, não poderia ser escoada pela simples vala local,
pois ficaria represada pelas águas do canal do Tietê. No entanto, alegava-se falta de recursos
financeiros para se empreender as obras necessárias. A autora destaca também que, o Código
de Posturas do Município, lançado em 1886, não trata da questão das várzeas. No entanto,
12
De acordo com Santos (2001), os “Caipiras” eram assim chamados tanto por residirem em áreas distantes da
cidade, quanto por suas origens indígenas, suas características físicas e comportamentais.
42
ainda em 1886, o engenheiro Jules Révy, elaborou um projeto para rede de esgotos da cidade
e um plano para o dessecamento e aproveitamento das várzeas dos rios Tamanduateí e Tietê
nas proximidades da cidade. Conforme Custódio (2007), o projeto, que incluía a ampliação da
retificação do Tamanduateí, não foi levado adiante, mas serviu como base para obras
posteriores.
Em 1887, a cidade de São Paulo passou por uma das maiores enchentes da sua
história. Para Custódio (2007), a inundação das áreas de vale do rio, que haviam sido
aterradas, anunciava que era necessário preservar as várzeas da ocupação residencial. Diante
dos efeitos das enchentes de 1887, o engenheiro Bianchi Betoldi, elaborou um relatório acerca
das inundações. Custódio (2007) destaca que Betoldi apresentou em seu relatório importantes
princípios técnicos, higiênicos, geográficos e culturais ao considerar a complexidade das
relações entre o meio físico e a utilização das várzeas e ao criticar as intervenções pontuais e a
falta de planejamento futuro.
Aliás, às intervenções sobre a várzea podiam pesar numerosas críticas, não apenas
pelos repetidos insucessos, mas também, pela ausência de manutenção dos equipamentos
públicos que haviam sido instalados. Neste sentido, destaca-se a situação da Ilha dos Amores,
que em menos de quinze anos da sua inauguração, foi abandonada no ano de 1888, devido à
obstrução do canal da Rua 25 de Março para a construção do Mercado de Peixe (KLIASS,
1993).
Decerto que, as diversas transformações pelas quais a cidade de São Paulo passava no
final do século não se davam indiferentes à realidade política e econômica do Brasil na época.
Conforme foi observado, a situação de São Paulo nesta época tinha uma forte relação com a
expansão da economia cafeeira, e portanto, com a inserção do país nas relações
internacionais. Tamanha importância teve esta inserção, pois levou a uma rearticulação das
forças políticas do país, que culminou em uma forma republicana de governo, no ano de 1889
(SEABRA, 1987). Acerca deste momento, a autora destaca que a presença estrangeira se
fortaleceu em setores fundamentais da vida social do país: “uma presença que se faz a partir
das cidades, através das agências de bancos internacionais, e também de investimentos diretos
em capital produtivo” (SEABRA, 1987, p.32). Além dessas modalidades de participação
estrangeira, há que se destacar também, a intensa imigração ocorrida entre 1890 e 1914, o que
fez com que a população da cidade passasse a ter um significativo percentual de europeus.
No contexto republicano, a cidade de São Paulo passou a ser profundamente
transformada. Reis Filho (2004) observa que essas mudanças, que deram à cidade uma
aparência “européia”, atendiam os interesses políticos dos líderes republicanos, que queriam
43
deixar clara a oposição ao regime anterior, marcado pelo valorização do mundo agrário e pelo
apoio ao trabalho escravo. Para alcançarem seus objetivos, passaram a copiar as reformas
urbanísticas das cidades européias, principalmente de Paris.
O cenário de mudanças se fazia notável na arquitetura da cidade e na criação de novos
bairros voltados para a burguesia, conforme aponta Monbeig:
O aspecto do velho núcleo urbano modificava-se com a construção de casas
de vários andares, a antiga cidade transformava-se num bairro de negócios
que as grandes famílias deixavam aos poucos para construir em bairros
novos. Após 1890 o impulso para oeste, [...] acentuou-se ainda mais quando
Nothmann teve a idéia de lotear os terrenos situados no flanco da colina que
desce docemente do espigão de 815 m. [...] esse loteamento de Higienópolis,
[...] fez concorrência aos Campos Elíseos, onde a boa burguesia já apreciava
menos a vizinhança das vias férreas, com suas estações e sua fumaça
(MONBEIG, 2004, p. 131 e 133).
É válido acrescentar que, além dos bairros burgueses que eram criados, começaram a
surgir também neste momento, os primeiros bairros industriais e operários junto aos trilhos da
ferrovia (REIS FILHO, 2004), alguns deles situados na região das várzeas dos rios, como é o
caso do bairro da Mooca, junto ao Tamanduateí (MONBEIG, 2004).
Como se observou, foi no contexto republicano que as idéias urbanísticas modernas
que emergiram na Europa e nos Estados Unidos no final do século XIX, começaram a se fazer
notáveis em São Paulo. Custódio (2004) destaca que uma influência mais concreta se dá com
a inauguração da Escola Politécnica em 1893, que iniciou as suas atividades com professores
europeus, transmissores do conhecimento que foi colocado em prática pelos engenheiros-
arquitetos formados em São Paulo. É também neste momento que se dá promulgação da
Constituição Federal de 1891, que separou as atribuições de município e estado, e estabeleceu
os primeiros regulamentos para a questão sanitária do país. Já no ano seguinte, foi organizado
o Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, um marco da implantação das idéias higienistas
no estado. Também em 1892, foi criada na cidade de São Paulo, a Intendência de Obras
Municipais (CUSTÓDIO, 2004), e neste mesmo ano a cidade passou por uma grande
enchente conforme se observa na pintura de Benedito Calixto (figura 11), que inclusive, foi
intitulada “Inundação da Várzea do Carmo”.
44
Figura 11: A Inundação da Várzea do Carmo de 1892, pintura de Benedito Calixto. Fonte: Museu Paulista da
Universidade de São Paulo (2013) 13
.
No que se refere ao contexto desta obra de Calixto, é necessário observar que a pintura
privilegia alguns aspectos que sugerem São Paulo como uma cidade sob o domínio da razão.
Neste sentido, Maria Luiza Oliveira (2003) destaca que a pintura apresenta a idéia de um
triunfo do urbano sobre a natureza. As águas se mostram plácidas e reconfortantes, e não
perigosas e ameaçadoras, como foram tratadas em vários registros de enchentes do rio. No
entanto, é válido destacar que a época das cheias, além dos riscos que oferecia, também atraia
várias pessoas para a região da Várzea do Carmo, sobretudo pelo interesse na pesca e na caça,
atividades promissoras nesta época. Salienta-se que, no período da desova dos peixes, a
quantidade de pescadores também era marcante. Tais práticas foram apontadas pelo jornalista
Geraldo Sesso Júnior:
Na época das enchentes era muito comum divisar-se naquele local, tarde à
noite como durante o dia, numerosas pessoas que ali iam pescar e caçar
frango d‟água, patos selvagens e rãs. Na época da piracema, em que
cardumes de rios procuravam subir rios acima, o número de pescadores
aumentava consideravelmente. Estes usavam redes e havia outros que, na
falta deste apetrecho de pesca, usavam até guarda-chuvas (Apud
GERODETTI & CORNEJO, 1999, p. 106).
Embora a Várzea do Carmo despertasse o interesse de algumas pessoas para atividade
de pesca e caça, sobretudo em alguns períodos específicos, Santos (2001), assinala que, no
findar do século XIX e início do século XX, esta região fugia ao modelo urbanístico sanitário
que se pretendia. De acordo com o autor, além das condições insalubres, a várzea era uma
área bastante freqüentada por sujeitos sociais “indesejados” pelo Poder Público, tais como
lavadeiras (foto 3), caipiras, ervanários e curandeiros.
13
Disponível em: <http://www.mp.usp.br/sites/default/files/imagecache/galeria_fotos/imagens/p89_2.jpg>.
Acesso em: 20 de nov. 2013.
45
Foto 3: As “lavadeiras da Várzea” em 1900, tendo ao fundo a Ponte do Carmo. Fotografia de Guilherme
Gaensly. Fonte: Sampa Histórica (2013)
Santos (2001) destaca o contexto no qual se dava a insatisfação das autoridades em
relação a estes personagens da Várzea do Carmo:
O uso e a percepção que possuíam daquele espaço, [...] - lavando roupas e
cavalos, conduzindo carroças, etc. - além de representar aspectos da maneira
de como viviam suas experiências na cidade, se contrapunha às normas e
códigos desejados, correspondendo assim a uma vivência subversiva e
marginal, portanto perigosa (SANTOS, 2001, p. 4).
Por representarem uma oposição aos modelos de civilização e urbanismo que se
pretendia, estes sujeitos sociais, passaram a ser perseguidos e excluídos dos espaços urbanos
paulistanos enquanto se executava uma intensa remodelação da cidade (SANTOS, 2001).
Tratava-se portanto, de uma remodelação que se dava não apenas por critérios urbanísticos,
mas também, por critérios sociais.
No período que se estendeu de 1890 à entrada no século XX, a cidade de São Paulo
experimentou um extraordinário crescimento populacional, justificado em grande medida pela
significativa chegada de estrangeiros. A população da cidade, que em 1890 era de 64.934
habitantes, quase quadriplicou em dez anos, chegando a 239.820 habitantes em 1900
(LANGENBUCH, 1971).
46
O início do século XX foi marcado não apenas pela grande atração de população, mas
também, de capitais estrangeiros para o Brasil. É neste contexto que passam a ganhar espaço
em São Paulo, outros agentes detentores de um grande poder de intervenção urbana, de tal
modo que, sob iniciativa ou influência destes agentes, vários planos, projetos, obras, leis,
órgãos e plantas foram criados para a cidade (CUSTÓDIO, 2004). Destacam-se entre estes
agentes, a Companhia Light and Power, que em 1901, inaugurou a sua primeira linha de
bondes elétricos e, na sequência, consolidou-se no serviço de geração de energia elétrica
(REIS FILHO, 2004). Destaca-se também a Companhia City, que segundo Monbeig (2004),
foi a grande responsável pelo surto de crescimento urbano que se deu, nas primeiras décadas
do século, para além do planalto Sumaré-Paraiso, aproveitando as terras das várzeas do rio
Pinheiros através do seu modelo de “zoneamento”. Considerando a novidade trazida pela
Companhia Light, Monbeig (2004) destaca que a energia elétrica marcou uma nova era para
São Paulo, fazendo com que a cidade passasse a reunir todas as funções urbanas:
[...] grande cidade obreira e ao mesmo tempo o foco de uma intensa vida
universitária, artística, cientifica; [...] grande centro dos negócios, e
animadora de uma vida política cujos ecos ultrapassam as fronteira do
Estado (MONBEIG, 2004, p. 134).
Com relação ao rio Tamanduateí, no contexto do período compreendido entre os
últimos anos do século XIX e as primeiras décadas do século XX, nota-se que foram diversas
as intervenções realizadas tanto no rio quanto nas suas várzeas. De acordo com Margarida de
Andrade (1991), em 1893 foram iniciadas obras de canalização do rio, em 1895 as suas
várzeas na região do Carmo e do Brás foram drenadas, em 1897 as obras foram paralisadas
por falta de recursos, mas retomadas em 1901. Em 1905, o leito do Tamanduateí foi
regularizado e as suas margens foram gramadas e arborizadas em todo o trecho da Várzea do
Carmo (BRUNO, 1991c). É também no ano de 1905 que o sanitarista Saturnino de Brito
apresentou a idéia de proteção dos rios, mas teve a sua visão contraposta pelos professores da
Escola Politécnica e pelas opiniões críticas à implantação de uma legislação ambiental
(VICTORINO, 2002). Ainda com relação ao Tamanduateí, Vanessa Ribeiro (2012) destaca
que, de acordo com documentos municipais da época, que em 1911 foi dado o nome de
Avenida do Estado à avenida que margeava o canal do rio Tamanduateí em ambos os lados, e
em 1912, as águas do Tamanduateí foram elevadas para lavagem das vias públicas. No ano de
1914, a canalização do rio já se encontrava pronta desde a sua foz, no rio Tietê, até o bairro do
Cambuci, e no mesmo ano, foi aprovado o projeto do paisagista francês Joseph Bouvard para
47
a criação de um parque na região da Várzea do Carmo, tendo as suas obras iniciadas no
mesmo ano (KLIASS, 1993). Depois de decorridos mais de vinte anos do início das obras de
canalização do Tamanduateí, o leito artificial do rio foi finalmente inaugurado no ano de 1916
(BRUNO, 1991c).
As primeiras décadas do século XX foram um período de intenso desenvolvimento
para a cidade de São Paulo. A população em 1920 era de 579.033 habitantes (MONBEIG,
2004), o que corresponde a mais do que o dobro da população da cidade na virada do século.
Em 1917, o Grupo Light já era responsável pelos serviços de eletricidade, de gás e também de
telefonia (REIS FILHO, 2004). Conforme descreve Monbeig (2004), as construções
recobriam as várzeas do Tietê, ocupavam as colinas, atravessavam o espigão da Avenida
Paulista, atingiam a várzea do rio Pinheiros e se aproximavam da Serra do Mar e do Jaraguá.
Além disso, o surto urbano criava um subúrbio bastante ativo. Além da suburbanização
industrial, o subúrbio crescia também em número de residências. Para Langenbuch, além do
impulso dado pelas indústrias, a expansão se dava em grande parte pelo modo que a cidade se
desenvolvia:
Especulação imobiliária exagerada expulsando, por assim dizer, uma parcela
da população funcionalmente urbana para fora da cidade, e industrialização
junto às ferrovias tornando vantajosa a fixação de operários juntos às
estações externas à cidade (LANGENBUCH, 1971, p.136).
Ainda no tocante às indústrias do subúrbio, Langenbuch (1971) destaca que a região
da Estação São Bernardo, atualmente Santo André, situada nas proximidades do rio
Tamanduateí à montante de São Paulo, era desde o início do século XX, o principal centro
industrial suburbano de São Paulo (LANGENBUCH, 1971). Nota-se pelas observações de
Langenbuch, que o desenvolvimento suburbano de São Paulo nas primeiras décadas do século
XX esteve, em certa medida, relacionado à articulação dos elementos: ferrovia,
industrialização e especulação imobiliária.
Enquanto havia a expansão do subúrbio, a valorização dos terrenos centrais da cidade,
dotados de infraestrutura, conduzia a um processo de verticalização nessas áreas (MOROZ,
2010). Acerca do processo de verticalização de São Paulo, ocorrido nas primeiras décadas do
século XX, Bruno observa que:
[...] procurou a municipalidade promover o crescimento da cidade no sentido
vertical criando obstáculos à abertura de novas ruas e estabelecendo o
mínimo de três andares para os edifícios que se construíssem ou se
48
reconstruíssem em certas ruas: além das mais centrais, as da Consolação,
Barão de Itapetininga, São João, Conselheiro Crispiniano e Rangel Pestana
(BRUNO, 1991c, p. 955-956).
É neste contexto de transformação e valorização do centro da cidade que, em 1922, foi
inaugurado sobre a Várzea do Carmo, o Parque Dom Pedro II (foto 4), ainda sem o seu
ajardinamento que ficara a cargo da Administração Municipal dos jardins (KLIASS, 1993).
Foto 4: Parque Dom Pedro II em 1922, ano da sua entrega à municipalidade. Fotografia sem referência de autor.
Fonte: Acervo digital do Museu da Imigração (2013).
Em 1926, o sanitarista Saturnino de Brito lançou um projeto para o rio Tietê, em que
defendia a idéia de ocupar as margens dos rios com parques, praças e lagos (CUSTÓDIO,
2004). Acerca deste projeto, Seabra (2012), observa que o eminente sanitarista, ao identificar
as várzeas de inundação como sendo próprias dos rios de planície, como os da Bacia do Alto
Tietê, fez a distinção entre inundação e enchentes, advertindo assim, que as enchentes se
estabeleciam quando se “tomava” as várzeas dos rios.
Como é possível notar pelas observações de Seabra, o projeto de Saturnino de Brito,
ao valorizar a preservação das suas várzeas fluviais, apresentava uma posição contrária à
construção de vias marginais aos rios. Apontando para a esta oposição, Custódio (2004)
observa que, nas intervenções urbanísticas realizadas no decorrer das primeiras décadas do
49
século XX, houve o predomínio do aspecto viário sobre o sanitário e, sendo assim, a proposta
do sanitarista não foi levada adiante. Tal predomínio se estabeleceu, sobretudo, pela
implantação dos projetos contidos no Plano de Avenidas de Prestes Maia, proposto em 1930.
Tratava-se da implantação de um modelo viário radial-perimetral formado por circuitos que
consistiam, entre outros aspectos, na “implantação do Perímetro de Irradiação constituído por
anel de largas avenidas (25 a 45 metros de largura) que envolvia toda a área central [...]”
(KLIASS, 1993, p. 129); na formação de avenidas nos leitos dos rios; na transferência das
ferrovias para as marginas e na formação de um circuito de parkways, no qual a avenida mais
importante margearia o rio Tietê; na remodelação de alguns parques, entre eles o Parque D.
Pedro II; e na canalização dos três rios mais importantes da cidade, o Tietê, o Pinheiros e o
Tamanduateí (CUSTÓDIO, 2004).
Com uma forte associação entre os rios e as vias públicas, que apontava a construção
de avenidas nas várzeas como o uso urbano e moderno mais adequado para a rede natural de
drenagem, o Plano de Avenidas teve grande parte de suas propostas colocadas em prática pelo
seu autor, quando este foi prefeito, entre os anos de 1938 e 1945, e também por seus
sucessores (CUSTÓDIO, 2004).
O avanço da industrialização, que certamente contribuiu para a expansão do sistema
viário, também teve importante repercussão sobre as características do rio, tendo em vista
que, foi na região das várzeas do Tamanduateí, paralelas à ferrovia que segue na direção de
Santos, que se fixaram, segundo Monbeig (2004), as mais modernas e significativas indústrias
do território paulista na época14
.
Acerca deste avanço industrial e da sua relação com o contexto econômico da época, é
importante destacar que, a crise econômica internacional de 1929 levou a economia cafeeira
ao colapso, o que conduziu a uma diversificação da produção rural e à intensificação das
ações voltadas para implantação de indústrias (REIS FILHO, 2004). Conforme Custódio
(2012, p 17-18), havia uma “transferência de recursos do setor agrário-exportador para o setor
urbano industrial”, e essa produção industrial tinha a cidade como locus.
No contexto político, havia uma valorização dos empresários urbanos e o início da
participação de trabalhadores no processo eleitoral (REIS FILHO, 2004). Sobre este cenário
político, Custódio (2012) destaca que, ao assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas deu início
14
Entre as importantes indústrias que se instalaram junto à ferrovia, nas proximidades do rio Tamanduateí até a
década de 1930, destacam-se: em São Bernardo (atual Santo André), a Companhia Chímica Rhodia Brasileira
em 1919, a Rhodia Têxtil e a Pirelli em 1929 (GUIDES, 2008). A General Motors do Brasil S.A iniciou suas
atividade no bairro da Mooca em 1925 e seguiu para São Caetano, em 1930; e as Indústrias Reunidas Francisco
Matarazzo S. A. foram instaladas também em São Caetano, no ano de 1926 (LANGENBUCH, 1971).
50
a uma série de medidas voltadas à “modernização” do país: regulamentou a força de trabalho
urbana, criando direitos trabalhistas; criou importantes órgãos e instituições públicas; e
implantou uma política rodoviária nacional para interligar as capitais do país. No contexto do
chamado Estado Novo (1937-1945), a autora destaca a implantação de rodovias, a migração
da força de trabalho para o sudeste do país, e o consequente crescimento da população urbana
brasileira, acompanhado pela dinamização e complexificação do processo de urbanização
(CUSTÓDIO, 2012).
Considerando então, a realidade de São Paulo neste momento histórico, nota-se que,
embora seja mencionada uma expansão industrial e urbana nas primeiras décadas do século, a
cidade teve o seu ritmo de crescimento limitado durante alguns anos em virtude da crise
econômica de 1929, e das revoluções de 1930 e de 1932, no entanto, recuperou o seu
dinamismo econômico por volta de 1934, de modo que, em 1940, já contava uma população
de 1.326.261 pessoas (REIS FILHO, 2004).
No que se refere especificamente ao rio Tamanduateí, é válido destacar que, em 1933,
foi inaugurado nas suas margens o “novo” Mercado Municipal (RIBEIRO, 2012). Além
disso, foram efetuadas importantes obras viárias em parte das suas várzeas, como em 1937, a
pavimentação da estrada que margeava o rio no trecho entre São Paulo e Santo André (REIS
FILHO, 2010). Neste mesmo período, eram empreendidas as primeiras medidas técnicas e
jurídicas mais efetivas para controlar a poluição das suas águas. Também em 1937, foi
construída a Estação de Tratamento de Esgotos do Ipiranga, e em 1940, foi criada a primeira
legislação específica contra a poluição das águas em nível estadual, e a Comissão de
Investigação da Poluição das Águas no Estado de São Paulo (REIS FILHO, 2010).
Embora estivessem ocorrendo, desde a década de 1930, diversas intervenções urbanas
em São Paulo, inclusive em áreas relacionadas ao rio Tamanduateí, além das novas
circunstâncias políticas, organizacionais e econômicas que se estabeleciam no país, nota-se
que a direção tomada pelo processo de urbanização de São Paulo por ocasião da implantação
do Plano de Avenidas, sobretudo a partir do governo de Prestes Maia (1938-1945), teve
efeitos significativos para o rio Tamanduateí, modificando não apenas a sua paisagem, mas
também o seu significado social. Sendo assim, toma-se a década de 1940, momento em que o
Plano de Avenidas teve grande parte de suas propostas colocadas em prática, como marco de
um novo período para o rio Tamanduateí no tocante a sua relação com o processo de
urbanização de São Paulo.
51
2.3 Da década de 1940 à década de 1980
Conforme foi observado, a execução de grande parte das propostas do Plano de
Avenidas, a partir dos dois últimos anos da década de 1930, inaugurou uma nova fase para os
rios paulistanos. Isto em função, da implantação de um sistema viário fortemente associado
aos rios da cidade, em detrimento das ações sanitárias e da preservação destes rios e das suas
várzeas. Tal circunstância pode ser somada à expansão industrial que se dava neste período,
com destaque no caso do rio Tamanduateí, para as indústrias que avançavam juntas ao eixo
ferroviário, ocupando as várzeas deste rio e chegando a locais cada vez mais próximos das
suas nascentes.
O período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi marcado no Brasil pelas
dificuldades de importação, que estimularam o desenvolvimento de diversos setores
industriais. Em São Paulo, esta diversificação promoveu o aumento da população urbana e
dinamizou o mercado imobiliário, fazendo com que novos bairros surgissem ao longo da
ferrovia, nas extremidades das linhas de bondes, e também de ônibus suburbanos (REIS
FILHO, 2010), que já circulavam desde antes da década de 1930 (LANGENBUCH, 1971).
Dava-se início então, à inversão do lugar de moradia da população brasileira, processo que se
confirmaria em 1980 (SANTOS, 2008). São Paulo assumia um importante papel neste
processo, absorvendo grande parte da população que migrava do campo para a cidade. Este
crescimento urbano, que se intensifica após o fim da guerra, foi acompanhado por um forte
crescimento demográfico, que de acordo com Santos (2008, p. 33) “[...] é resultado de uma
natalidade elevada e de uma mortalidade em descenso, cujas causas essenciais são os
progressos sanitários, a melhoria relativa nos padrões de vida e a própria urbanização”. Tais
condições se estabeleciam atreladas à lógica da industrialização que prevalecia, e que incluía
a formação de um mercado nacional, a integração do território e a expansão de diversas
formas de consumo (SANTOS, 2008).
Como reflexo desta realidade, a população do município de São Paulo atingiu em
1950, a marca de 2.198.096 pessoas (PMSP/SMDU, 2013), um taxa de crescimento superior a
65% em relação à população municipal de 1940. A intensificação industrial junto ao eixo
ferroviário, no trecho em que este acompanha o rio Tamanduateí, fez com que aumentassem o
número de construções e a população nesta região. O distrito do Ipiranga, teve um aumento de
56% nas construções entre os anos de 1940 e 1952, e os municípios de São Caetano e Santo
52
André15
somavam em 1950, uma população de quase 120.000 habitantes (MONBEIG, 2004).
Com relação a Santo André, Fátima Guides (2008) observa que algumas áreas localizadas nas
proximidades do Tamanduateí não eram tão interessantes para o loteamento imobiliário
voltado para as classes médias e altas, isto por conta das várzeas alagadiças e das barreiras
proporcionadas pelo rio e pela ferrovia. Segundo a autora este desinteresse tornava os terrenos
mais baratos e acessíveis para os operários das indústrias que se estabeleciam na região. Em
linhas gerais, pode-se dizer que neste período, o vetor de crescimento urbano que avançava
para o sul da cidade de São Paulo caracterizava as classes ricas e médias, e que a ocupação
das várzeas se devia ao povoamento operário (MONBEIG, 2004).
Na década de 1950, a instalação de indústrias nesse eixo começou a se expandir para
além da Estação Santo André, acompanhando o traçado do Tamanduateí. As indústrias
situadas nas proximidades do rio tiveram um significativo papel na transformação das suas
características, seja pelos resíduos industriais que descartavam em suas águas (GUIDES,
2008), ou pelas intervenções que realizavam no rio e nas suas várzeas (foto 5). Além disso,
fica evidente que a formação de bairros operários nas proximidades, ou nas próprias áreas de
várzea do rio, também teve grande impacto sobre o Tamanduateí.
Foto 5: Rio Tamanduateí em 1950, e a barragem construída pela indústria Rhodia no trecho que o rio passa por
Santo André. Fonte: Acervo Museu de Santo André.
15
O município de Santo André correspondia em 1950 ao que era o território de São Bernardo, que havia sido
transformado em freguesia em 1812, e em município no ano de 1890. Em 1938 e o município passou a se
chamar Santo André, mudando a sua sede de local. Em 1944, o distrito de São Bernardo foi convertido em
município, e o de São Caetano em 1948. Em 1953, os distritos de Mauá e Ribeirão Pires, até então pertencentes
ao município de Santo André, também se tornaram municípios (PEREZ, 2010).
53
Na região da Estação Capuava, situada entre Santo André e Mauá, constituiu-se um
prolongamento da faixa industrial São Caetano – Santo André, através do estabelecimento de
várias fábricas entre as quais cabe destacar, a Indústria Sul-Americana de Metais, a Cofap
(autopeças), a Philips, e a Refinaria de Petróleo União (LANGENBUCH, 1971). Esta última,
bastante significativa para este momento, por ter grandes implicações não apenas para o rio,
mas também para as condições ambientais da região. Pando Pandeff et al. (2008) destaca que
as refinarias de petróleo têm, mesmo nos dias atuais, um grande impacto negativo sobre o
meio ambiente, pois, além de consumirem grandes quantidades de água e energia, produzem
também outras grandes quantidades de despejos líquidos, liberam diversos gases nocivos à
atmosfera, e produzem resíduos sólidos de difícil tratamento e disposição. Segundo Maria
Klein (2011), a Refinaria União foi inaugurada em 1954, localizada no território de Mauá, que
acabara de se tornar município. Tratava-se então, de um empreendimento de grandes
implicações ambientais, que iniciava as suas atividades há apenas alguns quilômetros das
nascentes do Tamanduateí, estas também localizadas no mesmo município. É válido ressaltar
entretanto que, desde a década de 1940, a atividade industrial já se fazia presente em Mauá
através de algumas importantes fábricas de cerâmica e porcelana, que utilizavam o solo da
várzea do Tamanduateí como matéria-prima para fabricação de seus produtos, como destaca
Marcelo de Paiva (2010). Nota-se então que, o estabelecimento de várias fábricas no
município a partir dos anos cinqüenta, sobretudo no bairro de Capuava, não correspondia ao
início das atividades fabris na região, e sim a um crescimento e diversificação dessas
atividades.
O cenário político brasileiro do final da década de 1950 e começo do anos 60 foi
marcado pelo planejamento estatal, destacando-se o “Plano de Metas” (1956-1961) do
presidente Juscelino Kubitschek, e o seu projeto de desenvolvimento, baseado sobretudo na
criação de infraestruturas voltadas para o setor industrial. Neste contexto de incentivo à
industrialização, foi concebida a política nacional de transportes e, segundo Seabra (1987),
começaram a se materializar as construções de vias expressas nas várzeas do rios de São
Paulo, embora a construção de marginais já estivessem previstas desde os projetos da década
de trinta. Considerando estas intervenções e a crescente urbanização de São Paulo, a autora
aponta para alguns aspectos relacionados aos rios de São Paulo, no contexto da década de
1960:
O índice de impermeabilização crescente aumenta o volume do escoamento
superficial; as calhas naturais recebem um volume crescente de esgotos in
natura [...]. As reservas florestais naturais das cabeceiras, tanto do Tietê
54
como do Tamanduateí e do Pinheiros, foram ao longo do tempo sendo
utilizadas e as terras passariam a comportar usos urbanos – residenciais,
industriais, de instalação de infra-estrutura (SEABRA, 1987, p.135).
A construção de Brasília, entre os anos de 1957 e 1960, acompanhada pela criação do
sistema federal de rodovias, promoveu a ampliação do mercado consumidor de produtos
industriais de São Paulo e ativou as correntes de migração interna (REIS FILHO, 2010). Em
1960 a população de São Paulo era de 3.781.446 habitantes (PMSP/SMDU, 2013), e
ultrapassava significativamente esta marca quando considerada a população de todo o espaço
metropolitano que se constituía.
Em 1964, com o golpe militar, o governo que assumiu o poder possibilitou, de acordo
com Santos (2008), uma rápida integração do Brasil a um movimento de internacionalização
que se estabelecia em escala mundial. Além disso, o autor observa que, neste momento
histórico, estimulava-se a diversificação do consumo através de sistemas extensivos de
crédito, o que impulsionava a expansão industrial. Para Custódio (2012), as ações de
planejamento do governo militar seguiam a lógica do “desenvolvimentismo” do governo
Kubitschek, socializando os prejuízos e a privatizando os benefícios. Para a autora, as grandes
cidades são facilitadoras deste modelo de planejamento, devido a sua complexa divisão do
trabalho, ao anonimato dos trabalhadores e a sua fragmentação urbana, que “permitem
escamotear a espoliação” (CUSTÓDIO, 2012, p. 19).
A crescente produção de automóveis deu grande impulso às obras de adaptação da
cidade a este meio de transporte no período entre 1960 e 1980. Neste sentido, a expansão do
sistema viário de São Paulo, promoveu, já nos últimos anos da década de sessenta, novas
alterações na região da antiga Várzea do Carmo, onde havia sido construído o parque Dom
Pedro II. De acordo com Kliass (1993), a ligação da Radial Leste com a Praça Clóvis
Bevilacqua, com alças sobre áreas do parque, e a continuação da Avenida do Estado, que
passava pelo parque junto ao canal do rio, (obras realizadas entre 1965 e 1969) foram bastante
negativas para o parque. A autora observa ainda que, o sistema de viadutos que passava pelo
Parque Dom Pedro II, foi concluído somente em 1970 (KLIASS, 1993). Pelas palavras de
Bartalini (2006, p. 90), o parque “foi retalhado e ilhado por um complexo de viadutos”, como
se observa na foto 6.
55
Foto 6: A região do Parque Dom Pedro II em 1970 e a paisagem marcada pelo sistema de viadutos passando por
áreas do parque e atravessando o rio Tamanduateí. Autoria desconhecida. Fonte: PMSP/SMC/AHSP (2013).
Em 1970, a população do município de São Paulo já chegava a 5.924.615 habitantes,
que somada à população dos outros municípios da região metropolitana, atingia a marca de
8.139.730 pessoas (PMSP/SMDU, 2013). Em 1973, a condição de metrópole foi instituída
oficialmente através da criação da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) pelo governo
militar, juntamente com outras sete regiões metropolitanas distribuídas pelo país16
. No mesmo
ano foi criada a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) com a
função de planejar, executar e operar serviços de saneamento básico no estado de São Paulo
(REIS FILHO, 2010).
No processo de inserção do país à globalização, uma grande quantidade de recursos
era destinada à construção de infraestruturas econômicas, o que se dava, segundo Santos
(1994, p. 47), “em detrimento dos investimentos sociais exigidos por uma demografia e uma
urbanização galopantes”. O autor destaca que, neste processo, a cidade é o espaço que se
organiza para dar condições à instalação das grandes empresas, o que diminui os
investimentos públicos voltados para a população e agrava os problemas socias (SANTOS,
16
As oito regiões metropolitanas criadas no Brasil em 1973: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba,
Belém, Salvador, Recife e Fortaleza. A região metropolitana do Rio de Janeiro foi oficialmente criada no ano de
1974 (BARRETO, 2011).
56
1994). Este direcionamento de investimentos, tornava evidente a lógica de socialização dos
prejuízos e privatização dos benefícios apontada por Custódio (2012). Não obstante, foi
durante os anos setenta que, segundo Seabra (2012), emergiu uma certa consciência de
precariedade em São Paulo e foi lançada a idéia de que a cidade precisava parar de crescer.
De acordo com a autora, foi neste contexto, marcado pelas limitações técnicas das habitações
da população mais pobre, as chamadas autoconstruções, que a política habitacional foi
concebida e começou a atender uma pequena parte da demanda existente através da
construção de conjuntos habitacionais (SEABRA, 2012).
A precariedade se fazia notável também nos percentuais de saneamento básico, o que
cobrava investimentos nesta área. Em 1974, quando apenas um terço da população de São
Paulo tinha acesso à coleta de sistema de esgotos, foi aprovado o plano Diretor de Esgotos da
Grande São Paulo, que estabelecia um programa para ampliação e modernização dos serviços
de esgotos da área metropolitana de São Paulo, e no ano seguinte, foi implantada a legislação
de Proteção aos Mananciais (REIS FILHO, 2010).
Como reflexo da legislação de proteção dos mananciais, foi dado um primeiro passo
em direção a preservação das nascentes do Tamanduateí. Em 1975 foi criado o Parque
Ecológico da Gruta Santa Luzia (foto 7), na área onde estão localizadas as nascentes do rio
(PMM, 2013). O nome dado ao parque faz referência à gruta existente no local das nascentes
do Tamanduateí, e esta gruta era chamada de Santa Luzia em homenagem à santa que é
considerada a “protetora dos olhos” pela devoção católica. De acordo com Paiva (2010),
algumas histórias narram que os trabalhadores das pedreiras que existiam naquela região
lavavam os olhos machucados durante o trabalho nas águas que corriam pelos rochedos da
gruta, acreditando no poder curativo destas águas. Este crença justifica o nome dado à gruta.
Observa-se, portanto, que os interesses de preservação das nascentes do Tamanduateí
extrapolam o seu significado ecológico, pois estão relacionados também, a valores culturais
atribuídos ao local das nascentes por pessoas que interagiram com as suas águas em outros
momentos da história deste rio.
57
Foto 7: O Parque Ecológico da Gruta Santa Luzia, criado em 1975 com o objetivo de proteger as nascentes do
rio Tamanduateí. Fotografia de Roberto Mourão. Fonte: PMM (2013).
Como foi mencionado, as questões relacionadas ao saneamento das cidades da região
também eram preocupantes na década de setenta. Em 1976 foi concluído o Plano Diretor
Sanegran, da SABESP, que tratava das necessidades referentes ao sistema de esgotos e do
controle da poluição das águas na Bacia do Alto Tietê, até o ano de 2000 (REIS FILHO,
2010). Em 1978, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE)17
iniciou as obras de
um novo projeto de canalização do rio Tamanduateí que seguiria desde a sua foz, no rio Tietê,
até a divisa do município de Santo André (DAEE, 2013). De acordo com este órgão, a
expansão da mancha urbana, associada à ampliação das áreas impermeabilizadas na bacia do
Tamanduateí, fez com as obras de canalização fossem marcadas por diversos problemas,
destacando-se principalmente, os problemas decorrentes da necessidade de vazão do canal do
rio em função da expansão urbana. No canal do Tamanduateí que, em 1978, tinha uma vazão
que mal chegava a 130 m³/s, executou-se a ampliação da vazão para 484 m³/s, através das
obras que foram concluídas somente no final do século, em 1998 (DAEE, 2013).
De acordo com Santos (2008), a partir de meados dos anos setenta uma soma
considerável de capital fixo passou a ser adicionada ao território brasileiro. As diferenças no
17
O DAEE foi criado em 1951 com a função de administrar os recursos hídricos do estado de São Paulo (REIS
FILHO, 2010).
58
território tornaram-se sobretudo, sociais, e não mais naturais, configurando uma nova
realidade espacial no país:
[...] o espaço nacional fica dividido entre áreas onde os diversos aspectos da
vida tendem a ser regidos pelos automatismos técnicos e sociais próprios à
modernidade tecnicista e áreas onde esses nexos estão menos, ou quase nada
presentes (SANTOS, 2008, p. 51).
Neste contexto, verifica-se no território brasileiro uma área caracterizada pela
modernização generalizada e por uma divisão do trabalho mais intensa que no resto do país,
uma região que corresponde, segundo Santos (2008) ao meio técnico-científico. Inserida nesta
região, São Paulo exerce o seu papel de metrópole global, onde a informação é utilizada de
modo estratégico pelas atividades hegemônicas (SANTOS, 1994).
Em 1980, praticamente 70% da população brasileira já se encontrava em áreas urbanas
(SANTOS, 2008). A população do município de São Paulo era de 8.493.226 habitantes e a da
região metropolitana chegava a 12.588.725 habitantes (PMSP/SMDU, 2013). Em um nível
global, era o momento em que se dava a transição do regime de acumulação intensiva do
fordismo para o de acumulação flexível (CUSTÓDIO, 2012). Foi neste contexto, em que se
findavam os empréstimos internacionais, o Brasil se encontrava endividado e as
reivindicações das classes médias urbanas não eram mais atendidas, que o governo militar
deixou o poder (CUSTÓDIO, 2012), e que a nova situação política do país conduziu à
promulgação de uma nova Constituição Federal, em 1988.
Como resposta à nova realidade urbana brasileira, a Constituição Federal teve um
capítulo dedicado à Política Urbana. Neste capítulo, o artigo 182 trata do papel social da
cidade e da propriedade urbana, estabelece a obrigatoriedade de elaboração do Plano Diretor
pelos municípios com mais de 20.000 habitantes e trata da questão das desapropriações de
imóveis urbanos; já o artigo 183, trata do direito à usucapião (CUSTÓDIO, 2012). Destacam-
se entre as inovações apresentadas pela nova Carta, a titularidade atribuída aos municípios
brasileiros no que se refere à prestação de serviços urbanos e o poder concedido aos estados
para criar regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões e municípios
(CUSTÓDIO, 2012).
Ao observar as circunstâncias políticas e econômicas do Brasil nos anos oitenta, e
atreladas a elas, as inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 no tocante à Política
Urbana, é possível questionar se essas circunstâncias seriam, de fato, o anúncio de uma nova
fase para a relação do rio Tamanduateí com o processo de urbanização. Voltando, no entanto,
59
o olhar para o contexto deste rio e para a urbanização de São Paulo, nota-se que é por volta
deste período que a expansão urbana metropolitana atinge praticamente todo o curso do rio, o
que faz do Tamanduateí, parte constitutiva do espaço urbano da metrópole. O município de
Mauá, onde estão localizados, além das nascentes do Tamanduateí, cerca de nove dos 35 km
que o rio tem de extensão (PMM, 2004), apresentou na década de 1980 um crescimento
populacional significativamente maior do que o observado no município de São Paulo no
mesmo período, o que indica Mauá como um dos eixos da expansão metropolitana. Entre
1980 e 1991, enquanto a população de Mauá aumentou 43,3%, o crescimento populacional no
município de São Paulo foi de 13,6 % (SEADE, 2014).
Tendo em vista então, as implicações de um crescimento deste nível, em um
município cuja população é urbana, e tem uma forte conexão com o Tamanduateí, por abrigar,
além das suas nascentes, cerca de 25 % do seu curso total, e o contexto metropolitano no qual
se realizava este fenômeno, considera-se este um momento marcante para a relação
estabelecida entre o rio Tamanduateí e o processo de urbanização, ainda mais, pelo contexto
metropolitano deste período. Diante disto, avança-se no capítulo que segue, em direção à
abordagem desta relação no período que se inicia na década de 1980 e segue até os dias
atuais.
60
3 O RIO E O CONTEXTO METROPOLITANO CONTEMPORÂNEO
Uma discussão acerca do rio Tamanduateí e da sua relação com a urbanização
contemporânea não parece ser possível sem levar em consideração o contexto metropolitano
no qual este rio está inserido. Tal é a inserção do Tamanduateí neste contexto que, uma das
suas características mais marcantes nesse período, é a sua localização integral dentro do
espaço urbano da metrópole. Observa-se, portanto, que a abordagem das características de
São Paulo como metrópole global é de fundamental importância para o entendimento da
realidade do rio Tamanduateí e das relações que ele estabelece na contemporaneidade.
Seguindo nesta direção, busca-se neste capítulo, tratar da relação estabelecida entre o
Tamanduateí e o processo de urbanização da metrópole paulista no período compreendido
como contemporâneo. Partindo da dinâmica socioespacial trabalhada no capítulo anterior,
discute-se num primeiro momento a integração de São Paulo à lógica econômica global no
contexto do meio técnico-científico-informacional, e as implicações desta integração para o
processo de urbanização. Na sequência, são discutidos os aspectos referentes à relação do rio
Tamanduateí com a urbanização neste cenário metropolitano globalizado. As fotografias
apresentadas neste capítulo permitem observar alguns aspectos da paisagem deste rio no
contexto contemporâneo, e têm as suas localizações indicadas em um mapa com o traçado
atual do rio Tamanduateí (APÊNDICE).
3.1 São Paulo, uma metrópole global
O funcionamento e a evolução das metrópoles contemporâneas, consideradas as suas
especificidades, realizam-se, de acordo com Santos (1990), segundo parâmetros globais. No
caso de São Paulo, a integração a essa lógica global está relacionada, em grande medida, ao
seu desenvolvimento industrial. Santos (1994) destaca que as condições propiciadas pela
posição de São Paulo como capital industrial constituíram o alicerce para a transição de
metrópole industrial para a condição de metrópole global, ou informacional, tendo em vista o
papel que a informação desempenha no contexto metropolitano globalizado. No que refere a
essa transição, o autor observa que:
Nas condições de passagem de uma fase à outra, somente a metrópole
industrial tem os meios para instalar as novas condições de comando,
beneficiando-se dessas precondições para mudar qualitativamente. A
metrópole transnacional assenta sobre a metrópole industrial, mas já não é a
mesma metrópole (SANTOS, 1994, p. 41).
61
É importante ressaltar que, no período que se estende do final do século XX aos dias
atuais, embora continue a apresentar uma expressiva atividade industrial, a metrópole paulista
se destaca sobretudo, pelo papel que assume na dinâmica espacial brasileira em razão das suas
atividades hegemônicas, de criação e controle. Na condição de metrópole global, São Paulo
comporta uma complexa rede de atividades, é onipresente em todo o território nacional,
mantém significativas relações internacionais e, entre outros aspectos, destaca-se por ser um
exemplo do que Santos (1990) chamou de “modernização incompleta”. Este último aspecto,
de grande relevância para tratar da relação entre a urbanização contemporânea e a sua
interface com o rio Tamanduateí, por motivos que serão expostos mais adiante.
A modernização incompleta, da qual São Paulo é exemplo, faz-se evidente através de
um aspecto bastante contraditório da metrópole paulista. De acordo com Santos:
Nela se justapõem e se superpõem traços de opulência, devidos à pujança da
vida econômica e suas expressões materiais, e sinais de desfalecimento,
graças ao atraso das estruturas sociais e políticas. Tudo o que há de mais
moderno pode ser aí encontrado, ao lado das carências mais gritantes
(SANTOS, 1990, p. 13).
Com relação à integração de São Paulo às lógicas econômicas globais, Santos (1990)
destaca que em nenhuma outra área, no chamado Terceiro Mundo, houve uma capacidade tão
rápida de adaptação das infraestruturas e do comportamento econômico às exigências de
aumento de eficiência e de rentabilidade.
Acerca deste processo de adaptação, Santos (1994, p. 47) observa que “a participação
na modernidade contemporânea exige dos países periféricos um esforço de equipamento mais
extenso e intenso que as modernizações precedentes”. Considerando então, o caso de São
Paulo, e o contexto da modernização brasileira, observa-se que a inserção desta metrópole na
lógica do mercado global implica em um esforço considerável para a adequação do seu
espaço, de modo a atender os interesses das atividades hegemônicas. De acordo com Santos
(1994), as grandes empresas vinculadas à lógica econômica internacional, têm as suas
atividades baseadas na previsão, o que exige a criação de condições para planejar suas ações.
O atendimento de tais exigências resultam então, no direcionamento de uma grande
quantidade de recursos para a construção de infraestruturas econômicas, o que reduz
substancialmente os investimentos sociais (SANTOS, 1990).
É neste contexto que o Poder Público, através da atuação do planejador urbano e da
utilização do capital social da cidade, é acionado para viabilizar as atividades dessas
62
empresas, buscando atender as suas necessidades mais atuais (SANTOS, 1994). Conforme o
autor:
[...] o planejador é [...] convidado a encontrar os meios e as formas de
transformar o Espaço Urbano, de modo a permitir que as firmas mais
poderosas possam utilizá-lo em seu próprio proveito. [...] o capital social da
cidade é utilizado diferentemente pelos diversos capitais particulares
(SANTOS, 1994, p. 135-137).
O que se verifica, portanto, é uma subordinação da metrópole às lógicas econômicas
globais, que se faz evidente pelo atendimento dos interesses hegemônicos, através da
destinação de recursos públicos a investimentos de caráter econômico. Isto, em detrimento
dos investimentos sociais, voltados sobretudo, às necessidades dos mais pobres, que embora
inseridos na metrópole, ocupam os espaços urbanos menos valorizados, e enfrentam sérios
problemas para subsistirem.
O meio técnico-científico-informacional é a expressão geográfica da globalização, de
modo que a fusão entre ciência e técnica se dá amparada pelo mercado global, e neste
contexto, a informação assume um papel fundamental no processo social (SANTOS, 2002).
Como na metrópole global as “[...] atividades hegemônicas se utilizam da informação como
base principal do seu domínio” (SANTOS, 1994, p. 43), são os fluxos de informação que
hierarquizam o sistema urbano (SANTOS, 1994), e assim os territórios são requalificados
para facilitar a sua circulação (SANTOS, 2002). Compreende-se pois, que as transformações
empreendidas sobre o espaço da metrópole estão, em grande medida, associadas a esta
necessidade de fluidez de informação, em um nível global. Conforme assinala Santos: “os
espaços assim requalificados atendem sobretudo, aos interesses dos atores hegemônicos da
economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes
mundiais” (2002, p. 239).
O esforço de São Paulo em equipar o seu território para atender primordialmente às
empresas hegemônicas, deixando apenas um porção residual dos seus recursos às demais
empresas e ao grosso da população, é o que permite caracterizá-la, de acordo com Santos
(1990), como uma “metrópole corporativa”.
Atreladas aos requisitos de integração de São Paulo à economia globalizada, estão
também, as consequências deste processo, que por sinal, são bastante significativas no que
diz respeito às condições sociais da metrópole no período contemporâneo. Fazendo uma
associação ao que Santos (1990) chamou de modernização incompleta, nota-se que,
contraditoriamente, a integração da metrópole à economia mundial promove a desintegração
63
de alguns espaços dentro da metrópole, justamente em função da ausência de investimentos
sociais nestes locais. Considerando a influência que o meio técnico-científico-informacional,
como um substrato da vida social, têm na instalação de novas relações sociais e, por
conseguinte, no processo social de urbanização (SANTOS, 1994), é possível observar
diversas contradições resultantes deste processo na metrópole contemporânea.
Ana Fani Alessandri Carlos (2005), ao identificar a cidade sendo construída como
“negócio”, destaca o caráter contraditório do processo que promove, por um lado, a
integração de São Paulo à economia mundial, e por outro, a desintegração da vida cotidiana
na metrópole pelo empobrecimento das relações sociais. No que se refere a este
empobrecimento, a autora indica como exemplo, o declínio do pequeno comércio local e das
relações de vizinhança, o esvaziamento das ruas pelos moradores, e a ocupação destas,
sobretudo, por automóveis (CARLOS, 2005). Ao discutir um outro aspecto contemporâneo,
que diz respeito ao movimento de transição do capital produtivo para o capital financeiro,
marcado pela desconcentração industrial e pela centralização financeira na metrópole, Carlos
observa que nesta transição “a urbanização se realiza em função da reprodução econômica
revelando o espaço enquanto condição-meio-produto da reprodução social” (CARLOS, 2005,
p. 33). De modo semelhante ao que Santos (1994) anunciou acerca do papel do planejador
urbano, a autora destaca que este processo conta com a atuação direta do Estado, que cria as
infraestruturas e as condições necessárias para a realização das novas atividades econômicas
na metrópole. As contradições deste contexto se revelam em desapropriações, na atribuição
de novos usos e funções para os lugares, motivados por uma nova divisão espacial do
trabalho, e na expulsão dos moradores destes locais para outras áreas, em função da
“incompatibilidade” destes com as novas formas e funções do local (CARLOS, 2005).
A situação de modernidade incompleta de São Paulo está relacionada, portanto, à sua
subordinação às lógicas globais. Neste sentido, a pobreza, que aumenta na medida em que a
cidade cresce, é estrutural e não residual (SANTOS, 1990). Este é um aspecto que tem grande
relevância no caso de São Paulo, isto, tendo em vista a extensão atingida pela metrópole e os
problemas socias associados a este crescimento. Tal é a relevância deste aspecto no caso de
São Paulo, que envolve inclusive, a problemática dos rios urbanos, e portanto, do rio
Tamanduateí.
Embora possa se identificar no Brasil, no período contemporâneo, a ocorrência do
processo que Santos (1994) chamou de “involução metropolitana”, caracterizada pelo
desenvolvimento e modernização do interior acompanhado por um crescimento econômico
relativamente menor das metrópoles, a área urbana construída de São Paulo continuou o seu
64
espraiamento no decorrer da década de 1980. E como é possível observar no quadro de
evolução da mancha urbana de São Paulo (figura 12), a expansão ainda era notável nos anos
noventa, mesmo que, de modo muito menos expressivo do que nas décadas anteriores.
Figura 12: Evolução da mancha urbana na área da RMSP de 1881 a 1995. Fonte: Pereira (2008).
É importante destacar que este crescimento metropolitano resulta de um conjunto de
processos, tais como, o de integração do território, a desarticulação das economias
tradicionais e dos cimentos regionais, e o desencadeamento das correntes migratórias, que
articulados, promoveram a transferência de uma grande quantidade de pessoas do campo e de
cidades menores, para as cidades grandes (SANTOS, 1990). No caso de São Paulo, a
expansão da cidade se dava ao longo das vias de transporte, o alto preço da terra nas áreas
mais centrais impedia que grande parte da população se instalasse nessas regiões, o que as
levava a ocupar áreas cada vez mais distantes. Acerca deste processo, Santos (1990) destaca
que a cidade se expandia, mas conservava no seu interior uma porção de terrenos vazios que
estariam relacionados ao processo de especulação. Desta forma, na medida em que a
população pobre se estabelecia nas áreas periféricas e a cidade aumentava as suas dimensões,
65
os preços das casas e dos terrenos aumentava dentro da cidade (SANTOS, 1990). A expansão
metropolitana promovia e era promovida então, pela especulação fundiária.
Dava-se neste contexto, a ocupação periférica da metrópole18
. As características das
áreas ocupadas pela população pobre, distantes das áreas centrais, desprovidas de serviços
básicos e, portanto, desvalorizadas, evidenciavam a oposição existente entre o centro e a
periferia, ou conforme Santos (1990), a oposição entre a cidade visível e a cidade invisível.
A condição de isolamento e imobilidade das populações periféricas revelou um
aspecto da metrópole paulista que permitiu a Santos (1990), caracterizá-la também como uma
“metrópole fragmentada”. Com base na observação desta característica da metrópole paulista,
verifica-se a necessidade de abordar alguns aspectos acerca das concentrações e
marginalizações estabelecidas no espaço metropolitano. Nesta direção, observa-se que, ao
passo que a cidade se espraiava e expandia os seus limites, aumentava-se também a
quantidade de áreas com características específicas, de porções do território relativamente
homogêneas. Conforme observa Santos: “Essa homogeneidade relativa é a do nível de renda,
da estrutura sócio-profissional correspondente, da vocação ao consumo local, fatores que
induzem a instalação de certa tipologia da produção de bens, serviços e comércios”
(SANTOS, 1994, p. 102). Há que se destacar neste processo, que mais uma vez, o Estado tem
um papel fundamental, atuando, segundo Santos (1994, p. 123), como um “motor de
desigualdades”, ao favorecer as concentrações e marginalizações através das suas ações
seletivas.
No tocante às marginalizações espaciais em São Paulo, Custódio (2012, p. 48) destaca
que a segregação espacial urbana “induzida” existiu desde o início da cidade de São Paulo,
caracterizando-se então, pela localização dos segmentos sociais empobrecidos e daqueles
estigmatizados por seus aspectos étnico-culturais, em áreas mais precárias da cidade. No
contexto metropolitano das décadas finais do século XX, as marginalizações espaciais
estavam vinculadas sobretudo, ao fenômeno urbano que fazia com que grande parte da
população pobre, que chegava a São Paulo, instalasse as suas moradias nas áreas mais
próximas dos limites externos da RMSP.
É importante destacar que a segregação socioespacial, associada às áreas periféricas e
às suas populações, não se revelam apenas pelo seu isolamento e imobilidade, ou pela
carência de serviços básicos, mas também pelos riscos aos quais estão expostos, por
18
Em 1950, 83% da população da área metropolitana vivia em partes centrais, e 17 % na periferia. Já em 1980, o
percentual da população que morava em áreas centrais, incluindo-se as áreas centrais dos municípios da RMSP,
era de 72%, enquanto a população periférica correspondia a 28% (SANTOS, 1990).
66
habitarem áreas de urbanização precária, muitas vezes em encostas de morro, e em cabeceiras
de riachos e córregos, onde o solo é sujeito à maior erosão e o desmatamento tende a produzir
desastres (SEABRA, 2012).
Custódio (2012) destaca que, na década de 1980, o crescimento das áreas periféricas
esteve associado, em muitos casos, à ação de loteadores clandestinos que promoviam a
ocupação de áreas cada vez mais distantes da região central, negociando inclusive, terrenos
situados em áreas de mananciais, áreas protegidas por lei desde a década de 1970. Neste
sentido, destaca-se que um dos eixos da expansão metropolitana se estendeu para sudeste da
RMSP, acompanhando o curso do rio Tamanduateí, até a região das suas nascentes. Nas
últimas décadas do século XX, o município de Mauá, onde estão localizadas as nascentes e os
nove quilômetros iniciais deste rio, conheceu um grande crescimento populacional.
A população do município que, em 1960 era de apenas 28.646 habitantes, elevou-se de
tal modo que, em 1980, chegou a 204.582 habitantes, e continuou crescendo, contando
362.676 pessoas em 2000 (SEADE, 2014). Neste processo, cabe destacar que a década de
1980, foi o período em que a taxa de crescimento populacional de Mauá foi mais alta em
relação à do município de São Paulo. Enquanto a população de Mauá cresceu 43% entre 1980
e 1991, a do município de São Paulo apresentou um crescimento de 13,6% no mesmo período
(SEADE, 2014). Tal crescimento além de ser um exemplo, bastante representativo, da
expansão metropolitana e da ocupação da periferia, é revelador de um importante aspecto do
rio Tamanduateí. O avanço da expansão urbana pelas áreas onde passa o curso inicial deste
rio, chegando também às proximidades das suas nascentes, confere a este rio a condição de
elemento constitutivo do espaço urbano da metrópole, fato que ocorre nas últimas décadas do
século XX. Sendo assim, é razoável considerar que os aspectos referentes ao rio Tamanduateí
estão profundamente relacionados ao contexto da metrópole global da qual ele faz parte no
período contemporâneo.
3.2 O rio Tamanduateí e a metrópole contemporânea
As características do rio Tamanduateí no período contemporâneo reforçam a sua
dimensão social. Como um rio integralmente urbano e metropolitano, é inegável a sua relação
com o processo de urbanização da metrópole neste período. Neste contexto, observa-se que
alguns aspectos da relação entre o rio e a urbanização contemporânea merecem ser
destacados. Um desses aspectos está relacionado à gradativa submissão dos espaços históricos
e das paisagens naturais à lógica do valor que, no caso de São Paulo, resultou na
67
transformação dos rios e das várzeas em um “espaço tecnológico” (SEABRA, 2012, p. 294).
Um outro aspecto está vinculado à expansão metropolitana e à ocupação da periferia, que
como foi observado, têm uma forte relação com a situação do rio neste período. Por fim, cabe
destaque ao aspecto ambiental do Tamanduateí, tendo em vista a atualidade das discussões
ambientais no período contemporâneo.
No que se refere à transformação do Tamanduateí em uma estrutura tecnológica, é
possível observar que muitas das intervenções urbanas relacionadas ao rio seguiram nesta
direção. Desde 1998, o rio se encontra canalizado, da sua foz, no rio Tietê, até a divisa entre
os municípios de São Paulo e Santo André (DAEE, 2013). Trata-se de uma característica que
se estende por grande parte do seu curso, quase sempre a céu aberto, com apenas alguns
trechos de canalização subterrânea. O modelo urbanístico que predominou sobre o
Tamanduateí, além de alterar o regime de suas águas, atribuiu ao rio a função de canal de
escoamento de esgotos, além de suprimir grande parte das suas várzeas de inundação,
estabelecendo sobre elas extensas avenidas destinadas à circulação de automóveis. Conforme
se observou no capítulo anterior, os usos vinculados a este modelo já eram notáveis em
grande parte do século XX, no entanto, é no período contemporâneo, e associado à expansão
metropolitana, que este modelo é incorporado a praticamente todo curso do rio, avançando
inclusive para a periferia da metrópole. Neste contexto, destaca-se a Avenida do Estado, uma
importante via do sistema viário metropolitano, que margeia o Tamanduateí em grande parte
do seu curso (foto 8).
Foto 8: O rio Tamanduateí e a Avenida do Estado na região do Mercado Municipal de São Paulo. Fotografia de
Luiz Marcelo (2008). Fonte: Panoramio Google Mapas (2013).
68
Além da presença da Avenida do Estado sobre as várzeas do Tamanduateí, a
observação da fotografia permite identificar o rio canalizado, dotado de uma estrutura técnica,
e a utilização dessa estrutura para o escoamento de esgotos, isto muito próximo a um “cartão
postal” da cidade, o Mercado Municipal.
Associada à construção de avenidas nas várzeas, a impermeabilização da cidade
aumentou o volume do escoamento superficial (SEABRA, 1987) que segue para a calha do
rio. No período das chuvas, este volume, somado à quantidade de esgotos que lá são
despejados, contribuem em grande medida para a ocorrência de enchentes, sempre
acompanhadas por inúmeros transtornos.
A estrutura tecnológica é portanto, um dos principais aspectos da relação estabelecida
entre o rio Tamanduateí e a urbanização na metrópole global contemporânea. Conforme
Santos (2002), “quanto mais „tecnicamente‟ contemporâneos são os objetos, mais eles se
subordinam às lógicas globais (p. 239- 240). O tamanho da cidade e o papel da circulação no
processo produtivo, associados à subordinação da metrópole aos interesses hegemônicos
globais, são fatores significativos para compreensão dos motivos que levam a manutenção
deste modelo que atribui aos rios de São Paulo a função de escoar esgotos, e estabelece sobre
as suas várzeas, avenidas destinadas, sobretudo, à circulação de automóveis. A inexistência de
ações efetivas que se dediquem à recuperação do Tamanduateí e das suas várzeas, no sentido
de transformar estes espaços em áreas de uso público, evidencia o desinteresse em
investimentos de caráter social na metrópole corporativa que é São Paulo (SANTOS, 1990).
Neste sentido, é possível considerar que as características deste rio, enquanto estrutura
tecnológica, principalmente no que diz respeito à sobreposição das suas várzeas por avenidas,
estão em conformidade com os interesses hegemônicos, prioritários na metrópole corporativa.
De acordo com Santos (1990), além de ser corporativa, a metrópole paulista
contemporânea é também fragmentada. Conforme o autor, a modernização incompleta é
seletiva, e a pobreza aumenta ao passo que a cidade cresce (SANTOS, 1990). É justamente
com relação a essa característica “fragmentada” da metrópole e à sua pobreza urbana, que se
destaca um outro aspecto da relação do rio Tamanduateí com a urbanização contemporânea.
Na metrópole em expansão há o aumento na quantidade de áreas com características
específicas, de porções do território relativamente homogêneas, que evidenciam o seu aspecto
fragmentado. Neste contexto, destacam-se as áreas periféricas pelas características de
imobilidade e isolamento das suas populações, pelas carências de infraestrutura e de serviços
básicos, e pelos riscos aos quais estão expostos os seus habitantes.
69
Como já foi mencionado, um dos eixos da expansão metropolitana, vinculado ao
processo de ocupação periférica, acompanhou o rio Tamanduateí, com destaque, nas décadas
de 1980 e de 1990, para o crescimento populacional e urbano no município de Mauá, onde
estão situadas as suas nascentes e uma considerável parte do seu curso.
No que se refere aos reflexos deste processo sobre o rio Tamanduateí, cabe destacar a
ocupação precária dos terrenos situados nas proximidades das suas nascentes, e também das
cabeceiras e margens dos riachos e córregos que afluem ao início do seu curso. São áreas
densamente ocupadas, onde predominam as autoconstruções, e onde, ainda nos dias atuais,
podem ser identificadas carências de infraestruturas físicas e sociais. É possível identificar
também os riscos aos quais estão expostos os moradores, sobretudo pela precariedade das
condições de saneamento básico e pela fragilidade dos terrenos em que muitas das moradias
estão instaladas, como é possível observar nas fotos 9 e 10.
Foto 9: Moradias localizadas próximas ao interflúvio entre o rio Tamanduateí e um de seus primeiros afluentes,
em Mauá-SP. Destaca-se que o esgoto doméstico é descartado diretamente nas águas do córrego. (Fotografado
pelo autor - novembro/2013).
70
Foto 10: Rio Tamanduateí e área de encosta ocupada por autoconstruções, em Mauá-SP. (Fotografado pelo autor
- abril/2014).
A presença de autoconstruções nas chamadas “áreas de risco”, próximas ao
Tamanduateí, pode ser facilmente observada sobretudo no decorrer dos primeiros
quilômetros do rio, na periferia metropolitana. Como foi discutido, a ocupação periférica está
relacionada, em grande medida, às dificuldades que a população pobre encontra para habitar
as áreas mais centrais e valorizadas. No entanto, quando se questiona tais ocupações, não é
raro observar discursos bastante contraditórios. Por vezes, os moradores dessas áreas são
tidos como culpados das tragédias que ocorrem nesses locais e, este processo de
criminalização coloca, contraditoriamente, a vítima da tragédia na condição de “algoz de si
mesmo” (SEABRA, 2012, p. 296). Concordando com essa autora, pode-se considerar
patética a postura de parte da imprensa e até de alguns homens públicos, que ao se isentarem
da compreensão dos processos socioespaciais do país, demonstram espanto ao questionar o
motivo pelo qual essas pessoas escolheram habitar terrenos “tão perigosos”. Como se tivesse
havido uma ampla oferta de alternativas habitacionais para esta parcela da população.
Ainda que os casos de urbanização precária relacionados ao rio Tamanduateí sejam
mais abundantes nas áreas mais periféricas e de ocupação mais recente, sobretudo, na região
das suas nascentes, é importante destacar também, a presença de aglomerações precariamente
urbanizadas, associadas ao rio, também em outros pontos da metrópole. Neste contexto,
algumas favelas se destacam nas proximidades do Tamanduateí, coexistindo com indústrias e
71
estabelecimentos comerciais, como é o caso da Favela do Cigano, no bairro de Utinga em
Santo André, e a Favela da Vila Prudente, em São Paulo (foto 11). São ocupações que
resistem frente ao progresso técnico e à especulação. Conforme Santos (1990, p. 53): “Onde
os habitantes de favela puderam se organizar politicamente, o processo de expulsão não se
deu ou foi mais lento”.
Foto 11: Vista parcial da Favela da Vila Prudente e o Rio Tamanduateí canalizado. (Fotografado pelo autor -
abril de 2014)
A urbanização precária que se verifica atualmente nas proximidades do rio
Tamanduateí chama atenção para a gravidade dos problemas relacionados à moradia na
metrópole contemporânea. Neste período, uma significativa parcela da população pobre, que
não consegue acessar o mercado imobiliário ou os programas públicos de habitação, tem as
suas moradias estabelecidas em áreas ambientalmente frágeis, como as beiras de córregos, as
várzeas inundáveis dos rios, as encostas deslizantes e as áreas de proteção de mananciais.
Por fim um último aspecto merece ser destacado no que diz respeito à relação entre o
Tamanduateí e a urbanização contemporânea. Trata-se do seu aspecto ambiental, que tem
relevância neste período, justamente porque as discussões ambientais ganham força em nível
mundial, neste momento que é marcado pela globalização, pela vinculação da ciência e da
72
tecnologia com o mercado global, e por uma significativa parcela da população mundial
vivendo em áreas urbanas.
As preocupações ambientais contemporâneas apontam para o que Santos (2002)
chamou de crise ambiental, que segundo o autor, está associada ao contexto da globalização.
Neste sentido, observa-se que a crise ambiental se produz no momento em que “[...] o poder
das forças desencadeadas num lugar ultrapassa a capacidade local de controlá-las, nas
condições atuais de mundialidade e de suas repercussões nacionais” (SANTOS, 2002, p. 253).
Reconhecendo que o rio Tamanduateí é um elemento constitutivo do espaço urbano da
metrópole global que é São Paulo, questiona-se então, como este rio está relacionado às
demandas ambientais contemporâneas. Nota-se pois, que a criação do Parque Ecológico da
Gruta Santa Luzia, em 1975, destinado à preservação das suas nascentes foi o primeiro passo
dado neste sentido. Desde então, algumas intervenções técnicas vêm sendo realizadas pelo
Poder Público, geralmente buscando a mitigação dos impactos ambientais do crescimento
urbano sobre o rio, como é exemplo a instalação da estação de tratamento de esgotos do ABC
na divisa entre São Paulo e São Caetano do Sul, em 1998 (REIS FILHO, 2010).
Numa escala mais abrangente, foi lançado em 1990 pela SABESP, o Plano Estadual
de Recursos Hídricos em 1990 (REIS FILHO, 2010), e derivado deste, foi criado em 1994, o
Comitê da Bacia do Alto Tietê, para tomar decisões e encaminhar políticas públicas
objetivando a melhoria das condições ambientais, dos principais rios de São Paulo, entre eles
o Tamanduateí. Segundo Ricardo Neder (2003), o Comitê reúne representantes da sociedade
civil, para discutir e deliberar juntamente com as prefeituras e governo estadual as medidas
necessárias para “salvar” os rios da região.
Em 1999, foi lançado o Plano Diretor da Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, com
horizonte de projeto para 2020, visando sobretudo, o combate às enchentes na região. Este
plano apontou para a necessidade de se bloquear o uso e ocupação das várzeas e recomendou
que se evitassem projetos de canalização de riachos e córregos entre outras medidas. Seabra
(2012, p. 296) destaca o bloqueio das várzeas proposto neste plano como “[...] a orientação
mais radical e inovadora nestes cem anos de intervenções na Bacia do Alto Tietê”. Não
obstante, a autora destaca também, a obviedade de que esta medida não tem efeito sobre as
várzeas já atingidas pelos usos urbanos (SEABRA, 2012).
As ações voltadas para melhoria das condições ambientais dos rios encontram grandes
dificuldades em áreas já totalmente urbanizadas. Além de muito custosas, as intervenções
necessárias nessas áreas esbarram em outros impedimentos econômicos. Neste contexto, há
que se destacar, a dificuldade de aplicação da legislação ambiental referente aos rios em áreas
73
urbanas. A legislação, que contempla a proteção não apenas das nascentes, mas também, das
margens dos rios e córregos, encontra obstáculos significativos para a sua aplicação nas áreas
urbanizadas. Exemplo disto, é o rio Tamanduateí, que tem uma grande parte de suas margens
ocupadas por edificações ou por avenidas.
A despeito das limitações que existem para recuperar a qualidade ambiental dos rios
urbanos, o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo de 2002, estabeleceu entre
outras diretrizes, a criação de parques e áreas verdes juntos aos rios paulistanos e grande parte
de seus afluentes (BARTALINI, 2006). No entanto, não foram realizadas mudanças
significativas nesta direção até o momento.
No que se refere especificamente ao rio Tamanduateí, não são observadas ao longo do
seu curso, melhorias ambientais significativas nos últimos anos. É possível afirmar que a
situação ambiental do Tamanduateí no período contemporâneo é bastante crítica. A qualidade
das suas águas é considerada péssima (CETESB, 2013), e embora tenha suas nascentes
protegidas por uma unidade de conservação, o rio começa a receber esgoto doméstico já nas
proximidades dessa área protegida, conforme atesta a foto 12:
Foto 12: Rio Tamanduateí há poucos metros das suas nascentes. Trecho onde o rio começa a receber esgoto
doméstico em suas águas. (Fotografado pelo autor – março/2013).
74
Ainda que seja alarmante o fato de que as águas do Tamanduateí sejam poluídas logo
ao sair do parque ecológico que protege as suas nascentes, é necessário reconhecer que esta
unidade de conservação municipal, o Parque da Gruta Santa Luzia, é o único espaço em que o
rio e as suas nascentes mostram-se razoavelmente preservados e o onde ainda é possível
alguma interação deleitosa da população com as suas águas. Afora isto, pode-se considerar
que as preocupações ambientais pouco influenciaram o modo como o rio Tamanduateí vem se
relacionando com o processo de urbanização da metrópole contemporânea.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A idéia apresentada no ínicio deste trabalho, de que os rios urbanos são sociais, assim
como o espaço do qual fazem parte, e o processo de urbanização ao qual estão relacionados,
pôde ser observada com bastante clareza no estudo realizado sobre o rio Tamanduateí. O
significado social deste rio esteve presente desde os primeiros anos de São Paulo, sendo o rio
de grande importância para os interesses da população daquela época. No processo de
transformação da vila em cidade, e da cidade em metrópole, a dimensão social do
Tamanduateí foi se tornando mais complexa, sobretudo pela sua progressiva relação com o
processo de urbanização. É válido acrescentar que, além de social, como o espaço do qual faz
parte, o rio Tamanduateí é também um fato histórico, assim como é o espaço humano
(SANTOS, 1977), e nesta direção, a abordagem retrospectiva desenvolvida neste trabalho
mostrou a importância da dimensão histórica deste rio para a compreensão da sua realidade
espacial.
Reconhecendo então, a relevância do caráter social e histórico do rio Tamanduateí, é
possível observar, a partir do estudo realizado, que a relação estabelecida entre o rio e a
sociedade foi pautada por diversos interesses e lógicas que predominaram em cada momento
histórico. Os reflexos desta diversificação de interesses e lógicas e das suas respectivas
intervenções, promoveram aproximações e afastamentos entre a sociedade e o Tamanduateí,
associados a um processo de valorização e desvalorização do rio e das suas várzeas.
Entretanto, nota-se que nessa dinâmica, prevaleceram os afastamentos e a desvalorização.
De um modo geral, observa-se que no início do povoamento de São Paulo, o rio foi
bastante significativo para escolha do sítio onde a vila se instalou, pois atendia os interesses
dos religiosos que ali se estabeleciam: comunicação, defesa, abastecimento e transporte
(BARTALINI, 2006). Passada a fase dos interesses religiosos, a relação do rio Tamanduateí
com os habitantes e com os transeuntes de São Paulo permaneceu significativa no período das
expedições sertanistas e das atividades de mineração na colônia. Nestes primeiros séculos, o
rio era utilizado para navegação, servindo ao transporte de pessoas, gêneros alimentícios e
mercadorias. Era também local de recreação para a população, que ia se banhar em suas
águas, enquanto outros utilizavam o rio para lavar roupas ou para obtenção de alimentos,
sobretudo através da pesca. Como se observa, há um forte correspondência deste período com
a fase do meio natural identificada por Santos (1998), fase em que a natureza era utilizada
pelo homem sem sofrer grandes transformações. Gradativamente, essas relações com o rio
foram perdendo espaço para as intervenções técnicas, características da fase do meio técnico,
76
em que há uma crescente mecanização do espaço (SANTOS, 2002). A realização de obras de
retificação do rio e de aterramento de trechos da sua várzea na área da cidade por volta da
metade do século XIX, que suspenderam a navegação no rio Tamanduateí, são evidencias
deste período. Tais transformações se davam no contexto das modernizações técnicas
impulsionadas pela expansão cafeeira. As várzeas do rio passavam a ser ocupadas pela
ferrovia e, posteriormente, por algumas indústrias. O problemas relacionados às enchentes e
ao crescimento da cidade aumentavam a demanda por mais intervenções no Tamanduateí, e
assim a lógica instrumental do período técnico ia se sobrepondo a sua dinâmica natural. Nas
décadas que seguiram, a apropriação do espaço do rio e das suas várzeas se manteve sob o
domínio da técnica. O predomínio de um urbanismo viário, e o avanço da industrialização em
São Paulo, acompanhado por uma urbanização galopante, resultaram em profundas
modificações nas características do Tamanduateí, com destaque para a ocupação de grande
parte de suas várzeas por avenidas, indústrias e bairros operários, a continuidade das práticas
de canalização e a crescente poluição das suas águas.
Na fase contemporânea, em que São Paulo é caracterizada como uma metrópole
global, onde o meio técnico-científico-informacional se faz presente, instalando novas
relações socias e trazendo consequências ao processo de urbanização, o rio Tamanduateí se
destaca pela sua integração ao processo de expansão metropolitana, figurando como um
elemento constitutivo do espaço urbano da metrópole e, por este aspecto, relaciona-se a
alguns dos problemas sociais associados à modernização incompleta, característica marcante
de São Paulo neste período. No tocante às características ambientais, nota-se que o rio é
pouco impactado pelos discursos ambientais deste período, apresentando poucas e quase que
imperceptíveis melhorias neste sentido.
Retomando pois, a dimensão social do rio, é importante considerar que embora seja
identificada em momentos pretéritos da cidade, uma vinculação do Tamanduateí e das suas
várzeas ao fenômeno de segregação socioespacial, isto evidenciado pela presença dos mais
pobres e daqueles estigmatizados por seus aspectos étnico-culturais nas região da Várzea do
Carmo (SANTOS, 2001), ou pelo avanço da ocupação das várzeas pelo povoamento operário
em meados do século XX (MONBEIG, 2004), a relação do Tamanduateí com o processo de
fragmentação da metrópole contemporânea merece ser destacada em razão da magnitude da
expansão metropolitana, e do processo de ocupação periférica ao qual o rio esteve associado.
Vale destacar novamente que, neste processo, o rio teve praticamente todo o seu curso
integrado ao espaço urbano da metrópole, e tal integração esteve vinculada, em grande
77
medida, a condições precárias de urbanização, que podem ser verificadas ainda nos dias
atuais.
O estudo retrospectivo do rio Tamanduateí permitiu identificar, em diferentes períodos
históricos, a dinâmica de interesses, lógicas, transformações e contradições que estiveram
relacionados ao rio, e à sua relação com a cidade e com o processo de urbanização. Pela
abordagem retrospectiva e pelo destaque dado à dimensão social, tal estudo, além de
contribuir para a discussão relacionada à problemática dos rios urbanos, permitiu realizar, de
certa forma, uma reconstrução da carga histórica e simbólica deste importante rio que é o
Tamanduateí. O que pode ser um passo, ainda que discreto, em direção à promoção de
discussões que proponham novas formas de apropriação para este e para outros rios urbanos.
78
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