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1 O surgimento do Judô no Estado do Rio Grande do Sul: uma análise da década de 1950-1960 Gustavo Tanger Jardim Resumo O presente ensaio tem como escopo construir com a maior riqueza de detalhes possível o surgimento do Judô no Estado do Rio Grande do Sul durante a década de 1950 -1960. Para tanto, será analisado o relato elaborado por Irineu Pantaleão Bazacas pouco antes de seu falecimento, cotejando-o com as informações e esclarecimentos prestados pelo Sensei Breno Herbert Jones. Ressalta-se que o documento contendo informações sobre os primórdios do Judô no Rio Grande do Sul foi analisado e referendado pelo Conselho de Kodanshas do Rio Grande do Sul, o que emprega inegável credibilidade às informações nele contidas. Com o intuito de solidificar as informações inseridas no relato realizar-se-á uma análise crítica sobre os escritos existentes acerca do surgimento do Judô gaúcho, ratificado as informações colidentes e apontando eventuais inconformidades. Palavras-chave: Judô, surgimento, história, Rio Grande do Sul. Agradecimentos: Iara Mary da Cunha, Breno Herbert Jones, Cid Correa Rodrigues Jr.,

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1

O surgimento do Judô no Estado do Rio Grande do Sul: uma análise

da década de 1950-1960

Gustavo Tanger Jardim

Resumo

O presente ensaio tem como escopo construir com a maior riqueza de detalhes possível

o surgimento do Judô no Estado do Rio Grande do Sul durante a década de 1950 -1960.

Para tanto, será analisado o relato elaborado por Irineu Pantaleão Bazacas pouco antes

de seu falecimento, cotejando-o com as informações e esclarecimentos prestados pelo

Sensei Breno Herbert Jones. Ressalta-se que o documento contendo informações sobre

os primórdios do Judô no Rio Grande do Sul foi analisado e referendado pelo Conselho

de Kodanshas do Rio Grande do Sul, o que emprega inegável credibilidade às

informações nele contidas. Com o intuito de solidificar as informações inseridas no

relato realizar-se-á uma análise crítica sobre os escritos existentes acerca do surgimento

do Judô gaúcho, ratificado as informações colidentes e apontando eventuais

inconformidades.

Palavras-chave: Judô, surgimento, história, Rio Grande do Sul.

Agradecimentos: Iara Mary da Cunha, Breno Herbert Jones, Cid Correa Rodrigues Jr.,

2

Introdução

Não são poucos os desafios dos que se empenham em reconstruir a cadeia de

acontecimentos que culminou com a introdução do Judô no Estado do Rio Grande do

Sul (RS). Isso porque, os trabalhos científicos elaborados pelos estudiosos do Judô não

conseguiram, até o presente momento, fornecer uma resposta satisfatória às indagações

acerca das datas e dos responsáveis pelo surgimento do Judô no nosso estado.

No estudo realizado por Alexandre Nunes sobre o Judô no Rio Grande do Sul, o

professor deixa transbordar diversas dúvidas sobre a introdução do esporte em nosso

solo. Assevera que “nos anos cinqüenta o judô e o jiu-jitsu eram ensinados por pessoas

com formação duvidosa e muitas vezes vinculados a outras formas de luta”, e conclui

que não encontrou “registros sobre a formação dos responsáveis pela divulgação do

judô no RS neste período. Sabe-se apenas que alguns deles teriam aprendido judô no

Japão (Takeo Yano, Teruo Obata, Conde Koma etc,)” (NUNES, 2005).

Dentro do contexto é que emerge a proposta de analisar o documento elaborado

pelo Sensei Irineu Pantaleão Bazacas, considerando que seu relato confirma de forma

cabal quem foi o primeiro professor de Judô a pisar em solo gaúcho, onde e quando ele

começou a dar aulas, bem como descreve com uma riqueza de detalhes impressionante

quem eram seus alunos e como era o cotidiano dos treinos. Para consulta dos

interessados ao inteiro teor do documento, tomou-se o cuidado de anexá-lo ao presente

trabalho (ANEXO A)

Assim, confrontando as informações prestadas pelo Sensei Bazacas com os

principais escritos sobre a história do judô no Rio Grande do Sul, bem como

enriquecendo a história relatada com fatos que se repetem em diversas entrevistas

colhidas pelos estudiosos, acredita-se que será possível levar à cabo a pretensiosa

missão de afirmar como nasceu o judô gaúcho.

1. O CONTEXTO DA CHEGADA DO JUDÔ AO RIO GRANDE DO SUL

De acordo com o relato de Irineu Pantaleão Bazacas, no fim do ano de 1950,

dentre os diversos lutadores que participavam das lutas de ringue, desembarcou em

Porto Alegre para uma apresentação Takeo Yano, de origem japonesa, contando com 42

anos de idade à época (ANEXO A).

3

Na época, os lutadores do centro do país chegavam para as noitadas de luta na

Capital através de patrocínio do proprietário do “Café e Confeitaria Matheus”,

localizado na Rua dos Andradas, defronte à Praça da Alfândega. As fotos abaixo

permitem verificar o contexto da sociedade gaúcha à época, bem como mostra como era

a fachada do antigo estabelecimento comercial.

Figura 1: vista panorâmica da Rua dos Andradas e Praça da Alfândega.

Figura 2: fachada do Café e Confeitaria Matheus.

4

Figura 3: atual fachada do Café e Confeitaria Matheus.

Para atrair bons lutadores, o proprietário do “Café Matheus” fornecia as

passagens e a hospedagem, que se dava no antigo “Hotel Magestic”, atual Casa de

Cultura Mário Quintana, localizada na Rua dos Andradas. O lucro do espetáculo era

dividido entre os atletas sem a preocupação com os demais gastos da estadia.

Assim, dentro desse contexto é que chega ao Rio Grande do Sul, no final do ano

de 1950, o lutador Takeo Yano, o primeiro professor que permanece em solo gaúcho o

tempo suficiente para transmitir seus conhecimentos sobre o “caminho suave” aos

alunos interessados.

2. O PRIMEIRO PROFESSOR DE JUDÔ DO RIO GRANDE DO SUL

Considerando as informações do relato de Irineu Bazacas, Takeo Yano, de

nacionalidade japonesa, imigrara para o Brasil na década de 1940, qualificando-se como

agricultor. Contudo, afirmava que não gostava das lides do campo, tampouco

interessava-se pela agricultura. Ostentando a graduação de faixa preta em judô (3º Dan)

e considerando-se campeão de uma província do sul do Japão1, Takeo Yano chega a São

1 De acordo com a pesquisa realizada sobre a formação de Takeo Yano, descobriu-se que ele fora aluno

de Hajime Isogai , professor de judô que ministrava aulas na ilha de Honshu, localizada no sul do Japão.

Assim, quando Yano se refere ao título de campeão de uma província no sul do Japão, provavelmente seja

na localidade de Honshu.

5

Paulo e vai ministrar aulas de judô em uma academia localizada na Avenida Ipiranga.

Ao mesmo tempo que ensinava judô, sua inegável habilidade com lutas permitia que

participasse de lutas de ringue com sucesso.

Figura 4: Sensei Takeo Yano

Como referido linhas atrás, exatamente para participar das noitadas de lutas de

ringue é que Takeo Yano desembarcou na Capital gaúcha, no ano de 1950. Após a

apresentação, impressionado com a aptidão de Yano, Carlos Matheus – filho do dono do

patrocinador “Café Matheus”-, resolveu propor a um grupo de amigos que custeassem a

permanência do lutador na Capital Gaúcha para que ele os ensinasse sua técnica.

Através da elaboração de um “sistema de cotas” para o pagamento das despesas

com passagens, estadia e alimentação é que o entusiasta Carlos Matheus convenceu

alguns amigos a participar do plano. Restou combinado entre eles que a mensalidade de

outros alunos e a renda das lutas ficariam com Yano. Nesse contexto formou-se o

primeiro grupo de 15 alunos de Takeo Yano no Rio Grande do Sul, abaixo listados:

6

Carlos Matheus

Abraão Chaines – Arquiteto

Francisco Chaines – Proprietário da Papelaria Chaines

Cláudio Bergamaschi –Engenheiro

Carlos Alberto Dariam – Empresário

Theodoro Mascarenhas –Engenheiro

Jorge Mascarenhas – Economista

Dali Woleman – Médico

Carlos Fraga – Arrozeiro

Alunos que participavam mediante pagamento de mensalidades fixa:

- Irineu Pantaleão Bazacas

- Januário Resende

- João Graf

- Jorge Aveline

- Yvao Sugo

-Yto Nagachi

Organizada a primeira turma de alunos do professor Takeo Yano, ainda faltava o

local para a prática do judô.

3. O PRIMEIRO DOJÔ DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

O aluno Carlos Matheus, valendo-se de grande amizade que possuía com o

proprietário do “Hotel Magestic”, conseguiu a licença de utilização de um pequeno

terraço do hotel para os treinamentos. Atualmente o hotel foi transformado na “Casa de

Cultura Mário Quintana”, e o terraço citado, localizado no sétimo andar do prédio,

abriga mesas e cadeiras de uma cafeteria.

7

Figura 5: Casa de Cultura Mário Quintana, local onde foi montado o primeiro

Dojô do Rio Grande do Sul (em um terraço no sétimo andar do prédio).

No relato de Irineu Bazacas consta que não existiam tatames na época,

obrigando o grupo a forrar o chão com serragem e cobri-lo com uma lona. Como o local

não dispunha de banheiro ou vestiário, após os treinos os alunos se banhavam jogando

baldes com água uns nos outros.

Após meses de treinamento, os alunos que financiavam a estadia de Takeo Yano

verificaram que os gastos estavam muito elevados e começaram a construir uma

alternativa para que as aulas de judô não fossem interrompidas. Em meados de 1951 o

grupo convenceu o presidente do Sport Clube Ruy Barbosa (conhecido como Delegado

Cavali) a abrigar o Dojô.

4. A TRANSFERÊNCIA DO DOJÔ PARA O SPORT CLUBE RUY BARBOSA

O Sport Clube Ruy Barbosa estava situado no primeiro andar de um prédio na

esquina da Rua Riachuelo com a Rua Caldas Júnior, no centro da cidade. Tratava-se de

um clube de futebol inativo, cuja a sede abrigava apenas mesas de carteado e ping-pong.

Os frequentadores eram policiais que sustentavam o local através do pagamento de

mensalidades.

8

O acordo entabulado entre o grupo de alunos e o clube baseava-se na obrigação

de Yano ministrar aulas gratuitas aos sócios em troca da possibilidade de usar a sede

sem ônus. Com o novo acerto, Yano passou a residir na sede do clube e fazer as

refeições no restaurante do aluno Januário, situado na Rua João Alfredo. Assim, os

antigos responsáveis pelas despesas de Yano passaram a pagar apenas uma mensalidade

igual ao dos demais.

Nesse ponto especial do relato, podemos considerar equivocadas as afirmações

contidas em outros estudos sobre a história do Rio Grande do Sul. Isso porque,

MADURO (2011) refere que “o professor Loanzi e seu Dojô no Esporte Clube Ruy

Barbosa são considerados pela comunidade gaúcha a provável origem do judô no Rio

Grande do Sul. Deste Local de treino surgiram os primeiros praticantes e os líderes que

institucionalizaram a prática do judô no estado do Rio Grande do Sul, desvinculando-o

de outras modalidades de lutas”.

Considerando as precisas informações fornecidas pelo Sensei Irineu Bazacas,

resta consolidado que o primeiro professor de judô do estado fora Takeo Yano. Da

mesma forma, o relato confirma que houve uma transferência do Dojô do Hotel

Majestic para o Sport Clube Ruy Barbosa na busca de redução dos custos da

permanência de Takeo Yano no Estado. Logo, com o devido respeito, não é possível

afirmar que o professor Loanzi foi o primeiro a ministrar aulas de judô no Rio Grande

do Sul, tampouco que tudo começou no Sport Clube Ruy Barbosa.

5. AS AULAS MINISTRADAS POR TAKEO YANO

Um ponto que merece atenção reside nas dúvidas que as pesquisas elaboradas

sobre a história do judô no Rio Grande do Sul lançam sobre os conhecimentos e o teor

das aulas ministradas por Takeo Yano. Considerando essa situação, ganha importância

descobrir quem foram os mestres de Takeo Yano e se ele ministrava aulas de judô ou de

outras formas de luta.

Alexandre Nunes em sua pesquisa assevera que “nos anos cinqüenta o judô e o

jiu-jitsu eram ensinados por pessoas com formação duvidosa e muitas vezes vinculados

a outras formas de luta” (2005). Maduro (2011, p.19) afirma em seu estudo que o judô

era praticado no Rio Grande do Sul por “pessoas sem formação acadêmica, que

trabalhavam dando ênfase ao aspecto de defesa pessoal, participando de apresentações

de circos e desafios públicos”.

9

Diante desse quadro, importante verificar não só do relato de pessoas que

vivenciaram as aulas ministradas por Takeo Yano, mas também a pesquisa sobre os

mestres de Yano para saber de sua vinculação ao judô ou à outras modalidades de lutas.

No caso, a pesquisa aponta que o professor de Takeo Yano fora Hajime Isogai (1871–

1947), aluno de Jigoro Kano2. Para se ter uma idéia da vinculação de Hajime Isogai com

o judô, sabe-se que ele ingressou na Kodokan em 1891 e em 1899 foi escolhido para ir a

Butokukai, em Kyoto, onde trabalhou durante muitos anos treinando novos professores

de judô. Em 22 de dezembro de 1937, foi agraciado com o 10º DAN diretamente por

Jigoro Kano3. Hajime Isogai está no “hall of fame”

4 da Kodokan.

Figura 6: Hajime Isogai, 10 Dan (1871-1947)

No que tange ao teor das aulas ministradas por Takeo Yano em Porto Alegre, o

relato de Ricardo Gaston confirma que ele “ mostrou para todo mundo que o jiu-jistu é

uma coisa e o judô é outra”. E complementa que “sempre fugia da prefeitura às seis

horas da tarde e ai lá para a Rui Barbosa. E ali era só judô, só judô.” (GASTON, 2002,

p.11).

2 Extraído do site: <http://www.gladiatorium.com.br/tag/judo> acessado em 16.09.2015.

3 Extraído do site < http://judonokenkyu.woese.com/page/1358> acessado em 16.09.2015.

4 Extraído do site http://kodokanjudoinstitute.org/en/doctrine/palace> acessado em 16.09.2015.

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O Sensei Breno Jones também confirma que “Takeo era judoca, agora dizer que

ele tinha diploma de judoca (...) naquela época ninguém tinha diploma de judoca em

lugar nenhum”. O Sensei Breno relata que muito depois surgiu a “Kodokan do Brasil”,

representada no Rio Grande do Sul pelo Sensei Obata, mas isso não era no tempo de

Takeo Yano.

Aliás, frisa-se que eventuais dúvidas sobre as características das aulas

ministradas por Takeo Yano e uma possível confusão com o jiu-jitsu pode estar

vinculadas às técnicas que foram ensinadas pelo mestre Hajime Isogai, reconhecido

como grande “especialista em newaza”5.

Logo, forçoso concluir que Takeo Yano possuía uma sólida formação em

newaza e ministrava aulas de judô para seus alunos durante sua permanência na capital

gaúcha.

6. A PERMANÊNCIA DE TAKEO YANO NO RIO GRANDE DO SIL (1950-

1954)

Outro ponto que merece atenção na formação histórica do judô no Rio Grande

do Sul é o lapso temporal de permanência de Takeo Yano no estado, e se esse tempo foi

suficiente para formar uma turma de alunos e enraizar a prática esportiva do judô. As

pesquisas realizadas até o momento diziam que a passagem do Sensei Yano pelo Rio

Grande do Sul teria sido muito breve e com pouca relevância.

Alexandre Nunes em seu depoimento asseverou que “Takeo Yano ficou pouco

tempo por aqui, ficou um ano e pouco, os caras que aprenderam com ele aprenderam

um pouco. E daqui Takeo Yano vai para o Rio Grand do Norte, o que parece é que esses

japoneses eles tomavam muita cachaça, fumavam muito, arrumavam um monte de

confusão e eles tinham que sair da cidade.” (NUNES , 2014, p.).

Em outro estudo de sua autoria, Alexandre Nunes afirma que “Yano, depois de

um período no Rio de Janeiro, esteve em são Paulo, onde ministrou aulas e participou

de desafios. Entre 1951 e 1953 esteve no Rio de Janeiro e no final deste ano, ou no

início de 1954, foi para o Rio Grande do Sul. Esteve em Porto Alegre na década de

1950 por cerca de dois anos (NUNES, 2011).

5 Extraído do site <https://bubishi2010.wordpress.com/2010/01/12/comentarios-sobre-jigoro-kano-e-o-

judo/> acessado em 16.09.2015.

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Considerando o posicionamento exposto acima, os trabalhos sobre o surgimento

do judô no RS indicavam que Takeo Yano não teria participado de forma definitiva na

formação dos primeiros judocas do Rio Grande do Sul e que sua curta estada em Porto

Alegre teria se resumido ao período compreendido entre 1954 e 1956.

Contudo, a história não foi assim. O documento elaborado pelo Sensei Irineu

Bazacas (ANEXO A) comprova que fora Takeo Yano quem formou a primeira turma de

faixas pretas do estado durante o período que se estendeu de 1950 a 1953. Da mesma

forma, o depoimento relata que o Sensei Yano voltou para São Paulo somente em 1954,

após de transferir a propriedade da academia para seu aluno Januário Resende em troca

do pagamento de suas dívidas6.

7. OS PRIMEIROS FAIXAS-PRETAS FORMADOS NO RIO GRANDE DO SUL

Após a transferência do Dojô para a o Sport Clube Ruy Barbosa com a

colocação da serragem no chão e a montagem da lona, Takeo Yano passou a ministrar

regularmente as aulas de judô para o seu grupo de alunos. Conforme o relato de Irineu

Bazacas, na época não havia a graduação de faixas como se conhece hoje. Havia apenas

a faixa marrom subdividida em 1º, 2º e 3º kyu e a faixa preta com a graduação do 1º ao

10º dan.

Após um ano de treinamento, ou seja, no final de 1951, os alunos Irineu

Bazacas, Januário Rezende, Dali Wolemann, Theodoro Mascarenhas, Yvao Sugo, Jorge

Aveline e Matheus foram promovidos à faixa marrom 3º kyu. No início do ano de 1952

o grupo foi promovido ao 2º kyu e, no final do mesmo ano - excetuando Matheus que

não fazia mais parte do corpo de alunos-, receberam o 1º kyu.

Em 1953 o primeiro grupo de alunos de Takeo Yano (Irineu Bazacas, Januário

Rezende, Dali Wolemann, Theodoro Mascarenhas, Yvao Sugo e Jorge Aveline)

graduou-se faixa preta 1º dan. No momento em que o Sensei Yano formou a primeira

turma de faixas-pretas, passou a organizar campeonatos para divulgar o judô. Como não

havia outras academias de judô na cidade, a organização aceitava as inscrições de

qualquer interessado em lutas de ringue, desde que ele se apresentasse de quimono para

lutar. Sem tatames, os campeonatos ocorriam em ringues, com três shiais intercaladas

6 Irineu Bazacas refere que após as aulas, Takeo Yano divertia-se jogando cartas e frequentando boates.

Por causa disso acabou contraindo muitas dívidas, inclusive no restaurante do seu aluno Januário Resende

(ANEXO A).

12

entre as lutas de “catch”. Em cada noitada havia dois shiais classificatórios (duas duplas

lutavam) e os vencedores faziam a final valendo medalha.

Em 1954, com a saída de Takeo Yano do Rio Grande do Sul, o judô

permaneceu vivo graças a essa turma de alunos graduados, que continuou a praticar

judô na academia Ruy Barbosa, agora administrada pelo antigo aluno Januário Resende.

Outro acontecimento que auxiliou muito na fixação das raízes do judô no estado após a

saída de Yano foi a posse de Jorge Aveline7, como presidente da Federação Rio-

grandenses de Pugilismo, ocorrida no mesmo ano. Tão logo assumiu a presidência da

Federação de pugilismo em 1954, Aveline criou o departamento de judô. Estava lançada

a semente que culminaria com a criação da Federação Gaúcha de Judô, em 1969.

Com o auxílio da Federação de Pugilismo, o Departamento de judô conseguiu

enviar para o Campeonato Brasileiro de 1955, realizado em Salvador (BA), a primeira

delegação de judocas do Rio Grande do Sul, formada pelo técnico Januário Resende e

os atletas Vitor Pulcost (faixa marrom), Abraão Chaines (faixa preta 1º dan), Francisco

Chaines (faixa preta 2º dan), Carlos Fraga (faixa preta 2º dan) e Theodoro Mascarenhas

(faixa preta 3º dan).

O professor Irineu Bazacas relata que naquela época, os campeonatos não

possuíam divisão por peso ou idade. Nesse contexto, os atletas eram automaticamente

promovidos para lutar dentro das categorias de graduação. A curiosidade é que o

técnico, Januário Resende, pelo fato de não participar do campeonato como lutador,

permaneceu no 1º dan. Outro fato que o professor Bazacas ressalta sobre esse

campeonato é que, apesar dele e Yvao Sugo terem sido convocados para participar, não

puderam viajar por falta de recursos financeiros para custear a estadia e a alimentação.

Abaixo segue fotografia obtida com o Sensei Breno Herbert Jones mostrando

Irineu Pantaleão Bazacas em formação com seus alunos. A fotografia 8 mostra imagem

recente de Irineu Bazacas ao completar 85 anos.

7 Jorge Aveline, além de contador e professor na área de Economia da UFRGS, mantinha uma coluna no

Diário de Notícias chamada “Luvas de Ouro”, entre as décadas de 1950 e 1960 (CARATTI, 2012, p.519).

13

Figura 7: Sensei Irineu Pantaleão Bazacas (no centro da foto) com seus alunos

Figura 8: Irineu Pantaleão Bazacas comemorando 85 anos.

Assim, com o auxílio dos faixas-pretas formados pelo Sensei Yano, as aulas de

judô na academia Ruy Barbosa continuaram sendo ministradas regularmente até o ano

14

de 1956, quando Januário Resende transfere a propriedade da academia para Aloísio

Nogueira Bandeira de Melo, conhecido por todos como professor Loanzi8.

8. FINAL DA DÉCADA DE 1950: A ÉPOCA DOS “GRENAIS DE JUDÔ”

Com a venda da academia para o professor Loanzi em 1956, o departamento de

judô do Sport Clube Ruy Barbosa passou a ser conhecido a conhecido como o “Dojô

do professor Loanzi”. Revela o sensei Bazacas que, por causa da transferência de

propriedade, ele, Yvao Sugo e João Graf pararam de frenquentar a academia Ruy

Barbosa e seguiram novos caminhos.

Yvao Sugo foi convidado a ministrar aulas de judô no departamento de judô do

Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e Irineu Bazacas foi treinar com ele. De acordo com

as informações contidas no site oficial do Grêmio, o judô no clube foi implantado no

ano de 1955, com a criação do departamento de Judô e os frutos desta iniciativa

surgiram em 1956 com a conquista do Campeonato Citadino e o Estadual. No ano

seguinte, comandado pelo professor Yvao Sugo, ressaltam que o Tricolor repetiu o feito

culminando com a participação no Campeonato Brasileiro da categoria "Faixa

Marrom"9.

Figura 9: imagem da equipe de judô comandada pelo Sensei Yvao Sugo.

8 Conforme relatos, o apelido deve-se ao nome de uma pomada para dores musculares que terminava com

o termo “loanzi”, e era muito utilizada pelo professor após os treinos. (MADURO, 2011, p.21) 9 Extraído do site: http://www.gremio.net/page/view.aspx?i=judo&language=0 . Acesso em 21.09.2015.

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Januário Resende, por sua vez, iniciou o departamento de judô no Sport Clube

Internacional. Considerando a rivalidade que já existia à época entre os clubes, foram

realizados diversos “Grenais de judô” organizados por Sugo e Januário, com a

participação de Irineu Bazacas e João Graf, entre outros. Em 1960, com o encerramento

das atividades dos departamentos de judô do Grêmio e do Inter, os “Grenais de judô”

foram extintos.

9. Considerações Finais

Analisando o relato elaborado pelo Professor Irineu Bazacas, verificou-se a

existência de um manancial riquíssimo de informações ligadas ao início do judô no

estado do Rio Grande do Sul, que se deu na década de 1950-1960. Com base nesses

relatos é que se procurou, ao longo do presente estudo, possível reconstruir os primeiros

passos dados pelo professor Takeo Yano na sua hercúlea tarefa de introduzir o judô não

apenas em nosso solo, mas em nossa cultura.

Essa tarefa não seria possível sem o auxílio do Sensei Breno Jhones, que além de

obter o documento contento o relato do seu antigo professor, não poupou esforços em

detalhar os acontecimentos da época, preservando e divulgando elementos importantes

da história do judô no Rio Grande do Sul.

Assim, acredita-se que o estudo atingiu de forma satisfatória o escopo de

redesenhar o surgimento do judô no estado na década de 1950-1960, justamente porque

está embasado em uma fonte primária, ou seja, o artigo encontra pilares no relato de

quem verdadeiramente viveu a história. Aliás, provavelmente nesse ponto é que o

presente artigo entra em colisão com os ensaios elaborados pelos outros estudiosos da

história do judô no Rio Grande do Sul.

Por fim, contribuindo com o processo dialético de estruturação do

conhecimento, concluímos que - diversamente do que constam em muitos escritos sobre

o tema-, o judô no Rio Grande do Sul começou de 1950 através dos ensinamentos de

Takeo Yano, em aulas ministradas no terraço do “Hotel Magestic”. O professor Yano

permaneceu no Estado o tempo suficiente para formar a primeira turma de faixas-pretas,

que ocorreu muito antes da popularização do judô por meio da divulgação da sua prática

no “Dojô do Loanzi”, situado na Academia Ruy Barbosa.

16

Referências

CARATTI, Jonatas Marques. “Calçando as luvas”: primeiros comentários sobre a

formação do boxe gaúcho. Revista Latino-Americana de História Vol. 1, nº. 3 – Março

de 2012 Edição Especial – Lugares da História do Trabalho, p.519.

GASTON, Ricardo. Rodrigues Ricardo Gaston [depoimento, 2002]. Porto Alegre:

Centro de memória do Esporte – ESEF/UFRGS, 2005.

JONES, Breno Herbert. Breno Herbert Jones [depoimento 15 de setembro, 2015].

Porto Alegre. Entrevista concedida a Gustavo Tanger Jardim.

MADURO, Luis Alcides Ramires. A formação e a sua influência no papel do

treinador de judô no planejamento dos treinos e nas competições. Faculdade de

Desporto da Faculdade do Porto. 2011. 267p.Tese doutorado. Universidade do Porto.

NUNES, Alexandre Velly. A influência da imigração japonesa no desenvolvimento

do judô brasileiro: uma genealogia dos atletas brasileiros medalhistas em Jogos

Olímpicos e campeonatos mundiais. 2011. 197p. Tese doutorado. Universidade de

São Paulo.

______. Alexandre Velly Nunes [depoimento, 2014]. Porto Alegre: Centro de

memória do Esporte – ESEF/UFRGS.

______. Judô no Rio Grande do Sul [2005]. Disponível em:

http://www.crefrs.org.br/atlas/cd/texto/judo.pdf. Acessado em 15.09.2015.

http://www.gladiatorium.com.br/tag/judo. Acessado em 16.09.2015.

https://judomododeusar.wordpress.com/2011/12/27/hajime-isogai. Acessado em

16.09.2015.

17

https://bubishi2010.wordpress.com/2010/01/12/comentarios-sobre-jigoro-kano-e-o-

judo/. Acessado em 16.09.2015

http://www.gremio.net/page/view.aspx?i=judo&language=0 . Acessado em 21.09.2015.

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ANEXO “A”

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