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1 O USO DO TEXTO LITERÁRIO NO LIVRO DIDÁTICO: UMA DISSOCIAÇÃO DA ARTE Edionai Barbosa Carvalho 1 Maria Bernadete Bonini Alves 2 RESUMO A ideia central deste trabalho foi analisar como os textos de literatura infantil, utilizados no livro didático, sofrem modificações quanto à qualidade artística. Este estudo se faz importante, uma vez que se sabe o papel da literatura infantil para desenvolvimento intelectual e para a formação social da criança e o valor que o livro didático assume em muitas salas de aula. Com base nesses itens foram discutidos os fatores responsáveis pela problemática existente entre a literatura infantil e o livro didático e a importância da postura do professor diante da escolarização da literatura, assim como o papel da escola nesse contexto. PALAVRAS-CHAVE: Literatura Infantil; livro didático, literária utilitária 1. INTRODUÇÃO Este artigo busca fazer uma reflexão sobre a forma como o texto literário é utilizado no livro didático, com o objetivo de ressaltar pontos que interferem de forma negativa na apropriação da literatura, quando usada como pretexto para o conhecimento da língua portuguesa, desvinculando-a das suas diversas possibilidades de leitura e conhecimento de significado. Nesse sentido será feito uma análise do que propõe o livro didático, quanto à maneira como submete a narrativa para fins ortográficos, gramaticais ou para outras finalidades de caráter informativo, dissociando a literatura da sua qualidade artística, fazendo com que o texto literário vire um texto meramente didático, bem como discutir a posição da escola nesse contexto e relevância do professor como formador de leitores, e ainda ressaltar as vantagens que a Arte Literária oferece para o desenvolvimento cognitivo da criança. Mostrar que, embora o livro didático e a literatura estejam vinculados com propostas que favorecem a educação, tem objetivos diferentes, que devem ser respeitados, evitando as distorcidas concepções do literário e não literário. A pesquisa de cunho bibliográfico se deu através da leitura e análise de livros didáticos da língua portuguesa, do terceiro e quarto ano do ensino fundamental. A escolha 1 Graduada em Pedagogia da Devry- Faculdade Martha Falcão- [email protected] 2 Orientadora Professora Mestre em Letras da Devry – Faculdade Martha Falcão – [email protected]

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1

O USO DO TEXTO LITERÁRIO NO LIVRO DIDÁTICO:

UMA DISSOCIAÇÃO DA ARTE

Edionai Barbosa Carvalho1

Maria Bernadete Bonini Alves2

RESUMO

A ideia central deste trabalho foi analisar como os textos de literatura infantil, utilizados

no livro didático, sofrem modificações quanto à qualidade artística. Este estudo se faz

importante, uma vez que se sabe o papel da literatura infantil para desenvolvimento

intelectual e para a formação social da criança e o valor que o livro didático assume em

muitas salas de aula. Com base nesses itens foram discutidos os fatores responsáveis pela

problemática existente entre a literatura infantil e o livro didático e a importância da

postura do professor diante da escolarização da literatura, assim como o papel da escola

nesse contexto.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura Infantil; livro didático, literária utilitária

1. INTRODUÇÃO

Este artigo busca fazer uma reflexão sobre a forma como o texto literário é

utilizado no livro didático, com o objetivo de ressaltar pontos que interferem de forma

negativa na apropriação da literatura, quando usada como pretexto para o conhecimento

da língua portuguesa, desvinculando-a das suas diversas possibilidades de leitura e

conhecimento de significado. Nesse sentido será feito uma análise do que propõe o livro

didático, quanto à maneira como submete a narrativa para fins ortográficos, gramaticais

ou para outras finalidades de caráter informativo, dissociando a literatura da sua qualidade

artística, fazendo com que o texto literário vire um texto meramente didático, bem como

discutir a posição da escola nesse contexto e relevância do professor como formador de

leitores, e ainda ressaltar as vantagens que a Arte Literária oferece para o

desenvolvimento cognitivo da criança. Mostrar que, embora o livro didático e a literatura

estejam vinculados com propostas que favorecem a educação, tem objetivos diferentes,

que devem ser respeitados, evitando as distorcidas concepções do literário e não literário.

A pesquisa de cunho bibliográfico se deu através da leitura e análise de livros

didáticos da língua portuguesa, do terceiro e quarto ano do ensino fundamental. A escolha

1 Graduada em Pedagogia da Devry- Faculdade Martha Falcão- [email protected] 2 Orientadora Professora Mestre em Letras da Devry – Faculdade Martha Falcão – [email protected]

2

desse material foi pelo fato das crianças nessas séries já ter certo domínio sobre a leitura,

favorecendo a ideia da pesquisa no que diz respeito a leitura pragmática e não pragmática

e a consciência do valor literário. Como fundamento da veracidade do que está sendo

apresentada a pesquisa buscou dados teóricos consistentes em livros voltados aos temas

de literatura e aos do livro didático em quais os autores expõem seus conceitos e

afirmações a respeito da questão problematizada, como Azevedo (2016), Palo, Oliveira

(2006), Zilberman (2003), Soares (2001)

A intenção não é ignorar a importância que o livro didático tem na transmissão de

conhecimentos, informação e suporte para a educação, e sim buscar mostrar a maneira

como é conduzida a aplicação desses recursos textuais literários de ensino aprendizagem

dentro do que propõe o livro didático, sempre trabalhando da mesma forma com intenções

pedagógicas e de valores sociais, atribuindo função imediata ao texto, seguindo sempre

os parâmetros oficiais para qual foi criado.

Para explicação das afirmações, o artigo “Livros para crianças e literatura infantil:

convergência e dissonância” contribui para essa pesquisa com sua teoria no

esclarecimento das diferenças existentes entre literatura infantil e o livro didático

deixando evidente o que levam os leitores e professores a confundirem essas duas formas

de linguagem.

Na mesma linha de pensamento o livro “Literatura infantil- voz de criança”,

(Zilberman, 2003) descreve que a pedagogia é um meio de adequar o literário ao livro

como um produto no qual os valores sociais passam a ser vinculados a ficção, fazendo

com que a criança associe a conceitos, comportamentos e crenças da sua realidade,

reduzindo o literário a um simples meio para atingir uma finalidade educativa.

Sendo a literatura considerada primordial para formação do leitor, esse artigo

pretende mostrar que não é possível estabelecer uma relação harmoniosa com a literatura

enquanto for direcionada para fins pedagógicos feita sobre pressão com o intuito de obter

resultados avaliativos, para Regina Zilberman (2003) , é necessário que a leitura promova

o espírito crítico fazendo com que a criança pense sobre o que foi lido e fique maravilhado

evitando a leitura mecânica sem emoção.

Para acrescentar valores a pesquisa, contou-se com as recomendações e normas

estabelecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) que discute a necessidade

de afastar os equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos

literários, ou seja, tratá-los como pretextos para servir ao ensino das boas maneiras, dos

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hábitos de higiene, dos deveres de cidadão, tópicos gramaticais etc. postos que a forma

descontextualizada pouco ou nada contribuem para formação de leitores.

Nesse sentido a pesquisa preocupou-se em mostrar a existência de fatores que

contribuem para que o livro didático utilize o texto literário de maneira inadequada

causando a escolarização da literatura infantil, voltada sempre em atender exigências

pedagógicas, ignorando a essência da literatura infantil, visto que vários fatores

comprometem o caráter literário, como textos fragmentados para que possam ser estudada

em tempo limitado, configuração do texto como atividade escolar e submissão a formas

avaliativas, o fato que essas condições tiram do aluno a autonomia perante o texto, tendo

sua perspectiva interpretativa ignorada. Sendo assim pretende-se mostrar que a literatura

infantil embora complexa sua definição e utilização deve ser reconhecida como uma

forma específica de produzir conhecimento significativo, que estimula o imaginário da

criança de forma agradável e lúdica, levando a criança exteriorizar suas emoções e

despertar seu senso crítico, assim como amadurecimento dos seus sentimentos, pois

embora texto literário se apresente distante da realidade, induz a uma reflexão do mundo

real.

2. METODOLOGIA

A ideia desta pesquisa surge das aulas da disciplina Literatura Infantil no curso de

Pedagogia, quando nas leituras realizadas e debates em sala pode-se ter claramente a

diferença entre o texto literário e o texto didático ou paradidático, e, principalmente, a

importância de que as crianças tenham contato com o texto literário para que elas mesmas

possam descobrir e entender o mundo que as cerca.

A metodologia utilizada foi de um trabalho qualitativo, com a tomada dos

seguintes procedimentos: - busca de material teórico e de leitura que sustentem a análise

e as considerações realizadas na pesquisa; - seleção dos livros didáticos que serão objetos

desta pesquisa; - análise do material, especificamente os textos literários e os exercícios

que os sustentam. A pesquisa não tem por objetivo o estudo do livro didático, mas a

descrição dos textos literários que os compõem e como são trabalhados quanto à leitura,

análise linguística e produção textual. O trabalho ficou assim dividido em reflexões

acerca: do livro didático, da relação livro didático x texto literário e da análise dos textos

literários e seus exercícios.

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Para essa análise, definiu-se primeiramente a técnica da pesquisa bibliográfica

(FACHIN, 2006) com a leitura de grandes autores que conceituam e defendem o ensino

da literatura infantil na escola sem o seu caráter utilitário e, posteriormente, a leitura de

coleções de livros didáticos próprios para a faixa etária pesquisada a busca de como os

textos literários são colocados. Foram pesquisadas 10 coleções direcionadas ao ensino

fundamental, turmas de 1º ao 5º ano.

O trabalho traz apenas eventos suficientes para exemplificar o conteúdo abordado.

3. DISCUSSÕES

3.1 O Livro Didático

Entende-se Livro Didático como apenas um dos suportes dos textos didáticos presentes

na sala de aula. Um primeiro conceito apresentado por Batista (1999) é o adotado pelo PNLD –

Programa Nacional do Livro Didático: “impressos didáticos na forma de livro e que não induzem

à compra de satélites, como cartazes, cadernos de exercícios ou atividades, fitas cassete ou de

vídeo” (BATISTA, 1999, p. 567).

É importante lembrar que a atuação do livro didático no sistema educacional se

faz pela necessidade de um guia de trabalho para o professor a fim melhorar o ensino. Na

rede pública, por exemplo, é repassado gratuitamente, ou seja, a destinação desse material

para atender as crianças carentes e reduzir as desigualdades sociais

Para Freitag , 1987

O livro didático é um componente de interesse educacional e

cultural que surge no Brasil em 1930, sem uma história própria.

“Sua história não passa de uma sequência de decretos, leis e

medidas governamentais que se sucedem a partir que se de 1930

de forma aparentemente descontrolada sem a correção ou crítica

de outros setores da sociedade” (FREITAG, MOTA e COSTA p.

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Em 1937 o Instituto Nacional do Livro (INL) subordinado ao MEC foi criado para

controlar e garantir a divulgação e distribuição de obras de interesse educacional e

cultural. Um programa que se foi modificando com o passar do tempo e assumindo outros

nomes e novas formas de execução até os dias atuais, assumido pelo Programa Nacional

do Livro Didático (PNLD).

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Devido ao controle do livro didático direcionado a um único órgão, acarretou

muitas desvantagens para a distribuição e escolha do LD, além de ser vulnerável à

corrupção, tinha que enfrentar o favorecimento de licitações e favoritismo do poder

público dessa forma “a centralização das decisões impede, além disso, que outras

tendências políticas e ideológicas entrem em cena, corrigindo distorções, criticando

equívocos, propondo alternativas mais eficazes (FREITAG, et al.1997, p.32.)

Contudo, se de posse do livro didático, o ensino no Brasil ainda é precário, sem

ele os críticos, políticos e cientistas afirmam que seria muito pior, já que nele é definido

o roteiro de atividades para o ano letivo embora isso faça com que professor e aluno fique

condicionado a um padrão determinado, tirando deles sua autonomia e seu senso crítico.

3.2 O livro didático X literatura infantil

Neste trabalho, entendemos o livro didático como o suporte para o ensino em sala

de aula, um apoio, um auxílio ao professor e como literatura infantil o conceito

estabelecido por Azevedo em seu artigo Livros para crianças e literatura infantil:

convergência e dissonâncias, retirado da sua tese de Mestrado em 1998.

Azevedo [online] diz

A literatura costuma tratar de assuntos, subjetivos por princípio, sobre os quais não tem cabimento dar aula: a paixão, a morte, a busca do autoconhecimento, a amizade, a alegria, os afetos, as perdas, o desconhecido, o imensurável (o gosto, o prazer, o amor, a beleza etc.), a busca da felicidade, a astúcia, o ardil, os sonhos, a dupla existência da verdade, a relatividade das coisas, a injustiça, o interesse pessoal versus o coletivo, o livre arbítrio, a passagem inexorável do tempo, o paradoxal, o conflito entre o velho e o novo etc. Na verdade, ela pode falar de qualquer tema, todos os abordados pelos paradidáticos por exemplo, desde que o mesmo seja visto pelo ângulo da ficção, da

subjetividade e da poesia. (AZEVEDO, online)

Pretende-se discutir a relação do livro didático com a literatura infantil, tendo em

vista os vínculos relevantes que cada um exerce no contexto educacional, junto ao

processo de adoção da literatura no livro didático que são motivos de muitas críticas. Pela

relevância que tem a literatura para o ensino, é interessante como se torna inevitável, em

alguns livros, atribuí-la um caráter educativo e formador. A sua inserção no material

didático usado nas escolas e os objetivos apregoados, portanto, parece natural. Mas, o

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questionamento, é justamente, que objetivos são esses, que conhecimento busca a escola

ao oferecer o texto literário.

O livro didático deve conceber o ensino de literatura apoiado no tripé conceito

de leitura-texto-exercício [...] o conceito de leitura e de literatura que a escola

adota é de natureza pragmática, aquele só se justifica quando explicita uma

finalidade - a de ser aplicado, investido, num efeito qualquer

(ZILBERMAN,1988 p .111).

A escola tende a usar a literatura infantil, segundo análise para estudos e ensino

da norma culta ou para melhorar a escrita, dissociando a verdadeira essência do texto

literário.

A ligação da literatura infantil com a escola surge atrelada a uma função utilitário-

pedagógica que se inicia a partir do final do século XVII e durante o século XVIII, quando

a infância passa a ser reconhecida pela sociedade, pela necessidade de uma nova

concepção de família, pois antes a criança não era percebida como um ser diferente e nem

tinha um ambiente separado, dividindo assim os mesmos espaços e eventos com os

adultos, mas sem vínculos afetivos.

A nova noção de infância embora houvesse mais união familiar é movida a novos

cuidados e passa a controlar o crescimento cognitivo e emocional da criança, partir de

então é passado essa responsabilidade a literatura infantil e a escola. Essa aproximação

entre a escola e o texto literário não é casual, tem a ver com o fato de os primeiros textos

para crianças “ são escritos por pedagogos e professores, com marcante intuito educativo.

“E, até hoje, a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe

causa grades prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a

presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida

com a dominação da criança” (ZILBERMAN,2003:16)

O texto literário segue os padrões da literatura, que embora seja complexa e difícil

defini-la AZEVEDO, (2016) afirma que “A literatura é uma arte (em oposição à ciência)

feita de palavras; utiliza sempre e sempre o recurso da ficção (...) tem motivação estética

(...) busca o belo, o poético, o lúdico e o prazer do leitor. Enquanto o livro didático, diz

que “ livros são essencialmente utilitários, constituídos de informações objetivas que em

resumo pretendem, exclusivamente, transmitir conhecimento e informação”

Observa-se que a literatura se preocupa com sua estrutura estética, sua linguagem

subjetiva e particular, tendo como mais importante a expressividade, vincula-se a voz

pessoal, busca falar de amor, beleza, prazer e requer livre arbítrio. Os livros didáticos são

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opositores a literatura infantil, comprometidos com atividades e exercícios ligados a

especulação. (AZEVEDO, 2016)

Os textos literários são ricos em simbologia e beleza artística, denominados por

conto, poema, crônica, romance e entre outros, sevem para divertir e emocionar, além de

contribuir para o desenvolvimento cognitivo da criança, tem a capacidade de estimular

diferentes sentimentos no leitor, Enquanto os textos didáticos têm função utilitária, pois

servem para informar, convencer e explicar etc. denominados como notícias, artigos,

propagandas, textos didáticos, são voltados a realidade e não dão margem para

interpretação, são diretos, importantes para compreender a dimensão social.

As diferenças existentes entre esses dois mecanismos contribuem para que o texto

literário sofra modificações na sua forma artística, ao ser utilizado pelo livro didático, o

texto passa a seguir as regras pedagógicas para qual o livro didático é destinado. Dessa

forma os livros didáticos dão ao texto literário uma função imediata, que se faz necessário

uma avaliação após sua leitura, finda por desvirtuá-lo de sua qualidade artística, pois a

partir do momento que é dado aos textos literários outras funções, como submetê-lo a

uma leitura mecânica, não pragmática e cumprir com rituais obrigatórios sua linguagem

artística é corrompida.

Justifica-se o fato da literatura entrar no campo pedagógico, como forma de

facilitar a sua compreensão, por vê-la como uma atividade complexa e não natural.

“É aí que entram a pedagogia, como meio de adequar o literário as fases do

raciocínio infantil, e o livro, como mais um produto através do qual os valores

sociais passam a ser veiculados, de modo a criar para a mente da criança

hábitos associativos que aproximam as situações imaginárias vividas na ficção

a conceitos, comportamentos e crenças desejados na vida prática, com base na

verossimilhança que os vincula. O literário reduz-se a simples meio para

atingir uma finalidade educativa extrínseca ao texto propriamente dito” (PALO

2006).

Sendo assim a criança é impedida de formular seus próprios conceitos e verdades,

pois são impostos a ela de forma definida através do texto literário o qual deveria

estimular sua imaginação e seu senso crítico.

Logo, o texto literário é abordado pelos livros didáticos de tal forma que acaba

por dissociá-lo de sua qualidade artística, não pragmática. Atribuindo-lhe uma

função imediata, um texto literário transforma-se em mero texto didático, pois

“quando passamos o estilo de um gênero para outro, não nos limitamos a

modificar a ressonância deste estilo graças à sua inserção num gênero que não

lhe é próprio, destruímos e renovamos o próprio gênero” (BAKHTIN, 2000:

286).

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Em relação a isso Zilberman, (2003) diz que a literatura deverá impulsionar seu

leitor a uma postura crítica perante a realidade e dando margem a efetivação dos

propósitos da leitura como habilidade humana. Caso contrário transformar-se-á em objeto

pedagógico.

Com relação aos motivos que fazem com que a literatura seja escolarizada

SOARES, (2001) em sua análise questiona a biblioteca como espaço escolar que guarda

e tem acesso a literatura, que determina a hora e tempo de leitura, quais livros são

oferecidos e quem os oferece aos alunos, e também os rituais de silêncio e cuidados que

devem ser cuidadosamente seguidos, todas essas regras escolarizam a leitura literária; o

fato do professor escolher os livros já impondo uma atividade escolar com intenção

avaliativa impedindo a leitura ser prazerosa, a leitura e estudo de textos que por sua vez,

Soares (2001), considera uma das mais graves formas de escolarização inadequada da

literatura infantil, pois submete o texto para estudo ortográfico ou gramaticais perdendo

a intenção lúdica tornando a arte indiferente aos olhos de quem lê, a fragmentação do

texto também é outra maneira de alterar a estrutura estética, para atender o tempo limitado

imposto pela escola, com a intenção concluir as atividades em tempo menor

interrompendo a narrativa, deixando o leitor muitas vezes na expectativa de saber o que

vai acontecer no final da história, sendo essa uma questão que envolve o próprio autor do

livro didático que produz o texto com a intenção de ensinar o estudo da língua e não de

leitura (SOARES, 2001)

Portanto a literatura infantil ao ser considerada como saber escolar torna-se

inevitável sua escolarização por ser da essência escolar utilizar esses saberes como

instrumento próprio de ensino. Cabe então discernir entre a escolarização adequada e

inadequada da literatura infantil, tendo a compreensão que adequada é aquela que leva a

forma mais eficaz de leitura capaz, de conquistar o ideal de leitor que se pretende formar,

e assim evitar a maneira inadequada que é aquela capaz de desenvolver sentimentos

negativos de aversão a leitura.

Azevedo, 1998

A literatura, por exemplo e em termos, é uma arte (em oposição à

ciência) feita de palavras; utiliza sempre e sempre o recurso da ficção (senão

seria História, reportagem, biografia etc.); tem motivação estética (ou seja, em

princípio não tem utilidade fora buscar o belo, o poético, o lúdico e o prazer

do leitor); não é, portanto, utilitária (é “inútil” no sentido de que, objetivamente

falando, não serve para nada, nem pretende ensinar nada); recorre ao discurso

poético (quer dizer, preocupa-se com a linguagem em si, com sua estrutura,

seu tom, seu ritmo, sua sonoridade); vincula-se à voz pessoal, à subjetividade,

ao ponto de vista inesperado e particular sobre a vida e o mundo (note-se que

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no livro didático a visão pessoal é substituída pela perspectiva impessoal,

enraizada em valores pré-determinados e consensuais); pode e costuma ser

ambígua (ao suscitar diferentes interpretações); pode brincar com as palavras

e até inventá-las (ou seja, não precisa seguir rigidamente os parâmetros oficiais

da Língua) (AZEVEDO, online)

3.3 Análise dos textos literários nos livros didáticos

Para explicar melhor as formas equivocadas como o texto literário infantil está

sendo utilizado no livro didático, serão apresentados exemplos de textos do 3° e 4° ano

do ensino fundamental, com objetivo de ilustrar e caracterizar a escolarização.

Ex.1 - poema tirado do livro didático de português do 3° ano do ensino Fundamental.

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O texto acima mostra claramente que o poema está sendo usado como pretexto

para estudo da gramática e ortografia, sem interação lúdica, que tira da criança a

percepção poetica e possivelmente o gosto pela leitura, pois induz a um raciocínio

voldado ao estudo da limguagem.

Ex.2- atividade tirada do livro didático de português do 3° ano do ensino Fundamental.

O texto acima utiliza o poema para o ensino de adjetivos e substantivos mais uma forma

que vai dispersar a atenção do leitor do conhecimento literário.

SOARES, (2001) atribui a escolarização pelo fato de a escola se apropriar da

literatura infantil, e a escolariza-a didatiza-a e pedagogiza-a para atender seus próprios

fins, fazendo dela uma literatura escolarizada, numa outra situação diz que é produzido

um modelo para escola direcionada para a criança, portanto para ser consumida pela

escola, para atender os objetivos da escola.

Ex.2 - Conto tirado do livro didático de português do 4° ano do ensino fundamental.

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O texto acima mostra um conto sendo trabalhado com intenção de ensinar o

aluno conhecer conceitos comportamentais, que formam os valores sociais, tais condutas

pouco contribuem para a construção literária. O tema honestidade será trabalhado.

São muitas as críticas feitas sobre a forma como o texto literário é abordado no

livro didático, apoderando-se da potencialidade literária transformadora e formadora de

leitores competentes, para auxiliar de forma inadequada no estudo da língua, na produção

e reprodução de textos, ou para conhecimentos dos valores éticos e morais. Essa

apropriação devastadora reduz a grandeza literária em um mero texto escolar.

De acordo com os Parâmetro Curriculares Nacionais “a literatura não é uma

cópia do real, nem puro exercício de linguagem, tampouco mera fantasia que se asilou

dos sentidos do mundo e da história dos homens” (p. 37) é fundamental reconhecer que

sua forma particular de compor o conhecimento é compreender que sua relação com a

realidade é indireta, portanto para os PCN “o plano da realidade pode ser e transgredido

pelo plano do imaginário”(PCN, p. 37)

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Para que a literatura seja concebida é necessário combater os equívocos criado

em consequência do seu vínculo com a pedagogia, para que o aluno possa apropriar-se

desse universo rico de conhecimento e de beleza artística que ela proporciona quando

utilizada na integra, além de sua contribuição na formação social, emocional, intelectual.

Assim Bakhtin (1992) expressa sobre a literatura infantil abordando que por ser

um instrumento motivador e desafiador, ela é capaz de transformar o indivíduo em um

sujeito ativo, responsável pela sua aprendizagem, que sabe compreender o contexto em

que vive e modificá-lo de acordo com a sua necessidade.

Apesar de fundamental a literatura na vida da criança, que a leva obter

conhecimento mais rápido de se comunicar melhor AZEVEDO, (2016) diz que, em

visitas nas escolas e conversa com os professores, teve conhecimento de que as crianças

não gostam de ler, e fazem por obrigação, principalmente na faixa etária de nove e dez

anos. O fato mencionado, leva a pensar nas causas responsáveis, por gerar tamanho

desinteresse pela leitura, e como combatê-las diante da falta de informação. Sabendo que

a própria escola é organizada para atender alunos dentro dos limites de aceitação e exclui

involuntariamente os que não correspondem o padrão dominante.

A realidade da escola de hoje, para atender os novos leitores, deve ser sensível a

diversidade, habilitada para lidar com as diferentes realidades e complexidades pois a sala

de aula passa a integrar variedades de sujeitos, objetos culturais e entre eles o livro de

literatura.

Para Zilberman (2003) a sala de aula é um espaço privilegiado para desenvolver

o gosto pela leitura, assim como um lugar de relações culturais e literárias, devendo ser

valorizada a sua utilidade pois revela-se imprescindível para transformar a literatura

infantil no ponto de partida para proporcionar um novo diálogo entre o livro e o leitor

Azevedo (2016) diz

“Se há uma utilidade da literatura na escola, muito mais que ensinar gramática

e ciosas assim, e a de possibilitar, no plano da expressão, o contato do leitor

com uma linguagem expressiva, renovadora e poética, e, no plano do conteúdo,

a discussão de temas que, no fundo, acabam sempre especulando sobre a

construção do significado da existência. ” (AZEVEDO, 2016, p.7)

Contudo o professor deve ser um conhecedor da literatura bem como praticá-la,

para melhor orientar seus alunos, buscando assumir uma postura de construtores de

leitores capazes de compreender que a literatura vai além das regras que propõe o livro

didático.

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4. CONSIDERACÕES FINAIS

As questões abordadas nessa pesquisa possibilitou uma grande reflexão sobre

a importância que a literatura infantil tem no desenvolvimento intelectual, emocional e

social da criança, bem como a situação a qual é submetida para atender os interesses da

escola através de um uso inadequado pelo livro didático, levando a compreensão que as

propostas oferecidas pelas escolas através do livro didático não são suficientes para

garantir a formação de leitores competentes, visto que há uma desordem na escolha do

livro didático, na produção de textos literários e nas práticas de leituras que já vem

estabelecidas no livro didático, que induzem fortemente para escolarização da literatura.

Observou-se através da análise de livros didáticos que as metodologias utilizadas

são quase sempre reproduzidas, seguindo o mesmo padrão de aplicação das atividades,

preocupadas com o domínio das normas gramaticais no sentido formal da língua, em que

o professor se apodera desse padrão como instrução para desenvolver seu trabalho, o que

leva a o condicionamento as propostas existentes e limitação dos sentidos do textos. Fato

esse que prejudica o processo de ensino-aprendizagem, pois segundo Zilberman (2003) “

ao professor cabe o desencadear das múltiplas visões que cada criação literária sugere,

enfatizando as variadas interpretações pessoais, porque decorrem da compreensão que o

leitor alcançou do objeto artístico, em razão de sua percepção singular do universo

representado. ”

Essa reflexão possibilita a percepção da relevância da literatura infantil, quando

trabalhada adequadamente, que atenda às necessidades para um bom desenvolvimento

cognitivo do leitor, que as posturas dos professores também fazem toda diferença no

estimulo e ao interesse da criança em relação a leitura prazerosa e com significado, assim

como a escola é responsável em promover meios condizentes com o que requer uma

educação de qualidade que promova a formação de leitores competentes.

Embora os estudiosos afirmem a necessidade de mudanças no contexto que

envolve as relações entre a escola, literatura infantil e livro didático e salientem pontos

que prejudicam êxito da leitura literária, causando sua invisibilidade, percebe-se que a

realidade de ensino-aprendizagem apresentada nos livros continua atrelado a um modelo

de costume, tradicional que não se preocupa em criar novas estratégias ou estimular o

leitor a novas descobertas, visto que o próprio educador necessita atualizar-se.

Sendo assim para que ocorram mudanças, embora sensíveis, depende-se da

disposição e da formação do professor em atender os requisitos para um desenvolvimento

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mais eficaz dos leitores, e uma reflexão sobe o livro didático evitando as propostas que

submetem o texto literário a didatização, assim como a fragmentação dos textos que

comprometem a oportunidade que o leitor tem de conhecer o sentido absoluto de uma

história.

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ZILBERMAN, Regina A leitura e o ensino da literatura. são Paulo: Ed contexto, 1988.

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