o uso do texto literÁrio no livro didÁtico: … · resumo a ideia central ... o livro didático...
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O USO DO TEXTO LITERÁRIO NO LIVRO DIDÁTICO:
UMA DISSOCIAÇÃO DA ARTE
Edionai Barbosa Carvalho1
Maria Bernadete Bonini Alves2
RESUMO
A ideia central deste trabalho foi analisar como os textos de literatura infantil, utilizados
no livro didático, sofrem modificações quanto à qualidade artística. Este estudo se faz
importante, uma vez que se sabe o papel da literatura infantil para desenvolvimento
intelectual e para a formação social da criança e o valor que o livro didático assume em
muitas salas de aula. Com base nesses itens foram discutidos os fatores responsáveis pela
problemática existente entre a literatura infantil e o livro didático e a importância da
postura do professor diante da escolarização da literatura, assim como o papel da escola
nesse contexto.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura Infantil; livro didático, literária utilitária
1. INTRODUÇÃO
Este artigo busca fazer uma reflexão sobre a forma como o texto literário é
utilizado no livro didático, com o objetivo de ressaltar pontos que interferem de forma
negativa na apropriação da literatura, quando usada como pretexto para o conhecimento
da língua portuguesa, desvinculando-a das suas diversas possibilidades de leitura e
conhecimento de significado. Nesse sentido será feito uma análise do que propõe o livro
didático, quanto à maneira como submete a narrativa para fins ortográficos, gramaticais
ou para outras finalidades de caráter informativo, dissociando a literatura da sua qualidade
artística, fazendo com que o texto literário vire um texto meramente didático, bem como
discutir a posição da escola nesse contexto e relevância do professor como formador de
leitores, e ainda ressaltar as vantagens que a Arte Literária oferece para o
desenvolvimento cognitivo da criança. Mostrar que, embora o livro didático e a literatura
estejam vinculados com propostas que favorecem a educação, tem objetivos diferentes,
que devem ser respeitados, evitando as distorcidas concepções do literário e não literário.
A pesquisa de cunho bibliográfico se deu através da leitura e análise de livros
didáticos da língua portuguesa, do terceiro e quarto ano do ensino fundamental. A escolha
1 Graduada em Pedagogia da Devry- Faculdade Martha Falcão- [email protected] 2 Orientadora Professora Mestre em Letras da Devry – Faculdade Martha Falcão – [email protected]
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desse material foi pelo fato das crianças nessas séries já ter certo domínio sobre a leitura,
favorecendo a ideia da pesquisa no que diz respeito a leitura pragmática e não pragmática
e a consciência do valor literário. Como fundamento da veracidade do que está sendo
apresentada a pesquisa buscou dados teóricos consistentes em livros voltados aos temas
de literatura e aos do livro didático em quais os autores expõem seus conceitos e
afirmações a respeito da questão problematizada, como Azevedo (2016), Palo, Oliveira
(2006), Zilberman (2003), Soares (2001)
A intenção não é ignorar a importância que o livro didático tem na transmissão de
conhecimentos, informação e suporte para a educação, e sim buscar mostrar a maneira
como é conduzida a aplicação desses recursos textuais literários de ensino aprendizagem
dentro do que propõe o livro didático, sempre trabalhando da mesma forma com intenções
pedagógicas e de valores sociais, atribuindo função imediata ao texto, seguindo sempre
os parâmetros oficiais para qual foi criado.
Para explicação das afirmações, o artigo “Livros para crianças e literatura infantil:
convergência e dissonância” contribui para essa pesquisa com sua teoria no
esclarecimento das diferenças existentes entre literatura infantil e o livro didático
deixando evidente o que levam os leitores e professores a confundirem essas duas formas
de linguagem.
Na mesma linha de pensamento o livro “Literatura infantil- voz de criança”,
(Zilberman, 2003) descreve que a pedagogia é um meio de adequar o literário ao livro
como um produto no qual os valores sociais passam a ser vinculados a ficção, fazendo
com que a criança associe a conceitos, comportamentos e crenças da sua realidade,
reduzindo o literário a um simples meio para atingir uma finalidade educativa.
Sendo a literatura considerada primordial para formação do leitor, esse artigo
pretende mostrar que não é possível estabelecer uma relação harmoniosa com a literatura
enquanto for direcionada para fins pedagógicos feita sobre pressão com o intuito de obter
resultados avaliativos, para Regina Zilberman (2003) , é necessário que a leitura promova
o espírito crítico fazendo com que a criança pense sobre o que foi lido e fique maravilhado
evitando a leitura mecânica sem emoção.
Para acrescentar valores a pesquisa, contou-se com as recomendações e normas
estabelecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) que discute a necessidade
de afastar os equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos
literários, ou seja, tratá-los como pretextos para servir ao ensino das boas maneiras, dos
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hábitos de higiene, dos deveres de cidadão, tópicos gramaticais etc. postos que a forma
descontextualizada pouco ou nada contribuem para formação de leitores.
Nesse sentido a pesquisa preocupou-se em mostrar a existência de fatores que
contribuem para que o livro didático utilize o texto literário de maneira inadequada
causando a escolarização da literatura infantil, voltada sempre em atender exigências
pedagógicas, ignorando a essência da literatura infantil, visto que vários fatores
comprometem o caráter literário, como textos fragmentados para que possam ser estudada
em tempo limitado, configuração do texto como atividade escolar e submissão a formas
avaliativas, o fato que essas condições tiram do aluno a autonomia perante o texto, tendo
sua perspectiva interpretativa ignorada. Sendo assim pretende-se mostrar que a literatura
infantil embora complexa sua definição e utilização deve ser reconhecida como uma
forma específica de produzir conhecimento significativo, que estimula o imaginário da
criança de forma agradável e lúdica, levando a criança exteriorizar suas emoções e
despertar seu senso crítico, assim como amadurecimento dos seus sentimentos, pois
embora texto literário se apresente distante da realidade, induz a uma reflexão do mundo
real.
2. METODOLOGIA
A ideia desta pesquisa surge das aulas da disciplina Literatura Infantil no curso de
Pedagogia, quando nas leituras realizadas e debates em sala pode-se ter claramente a
diferença entre o texto literário e o texto didático ou paradidático, e, principalmente, a
importância de que as crianças tenham contato com o texto literário para que elas mesmas
possam descobrir e entender o mundo que as cerca.
A metodologia utilizada foi de um trabalho qualitativo, com a tomada dos
seguintes procedimentos: - busca de material teórico e de leitura que sustentem a análise
e as considerações realizadas na pesquisa; - seleção dos livros didáticos que serão objetos
desta pesquisa; - análise do material, especificamente os textos literários e os exercícios
que os sustentam. A pesquisa não tem por objetivo o estudo do livro didático, mas a
descrição dos textos literários que os compõem e como são trabalhados quanto à leitura,
análise linguística e produção textual. O trabalho ficou assim dividido em reflexões
acerca: do livro didático, da relação livro didático x texto literário e da análise dos textos
literários e seus exercícios.
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Para essa análise, definiu-se primeiramente a técnica da pesquisa bibliográfica
(FACHIN, 2006) com a leitura de grandes autores que conceituam e defendem o ensino
da literatura infantil na escola sem o seu caráter utilitário e, posteriormente, a leitura de
coleções de livros didáticos próprios para a faixa etária pesquisada a busca de como os
textos literários são colocados. Foram pesquisadas 10 coleções direcionadas ao ensino
fundamental, turmas de 1º ao 5º ano.
O trabalho traz apenas eventos suficientes para exemplificar o conteúdo abordado.
3. DISCUSSÕES
3.1 O Livro Didático
Entende-se Livro Didático como apenas um dos suportes dos textos didáticos presentes
na sala de aula. Um primeiro conceito apresentado por Batista (1999) é o adotado pelo PNLD –
Programa Nacional do Livro Didático: “impressos didáticos na forma de livro e que não induzem
à compra de satélites, como cartazes, cadernos de exercícios ou atividades, fitas cassete ou de
vídeo” (BATISTA, 1999, p. 567).
É importante lembrar que a atuação do livro didático no sistema educacional se
faz pela necessidade de um guia de trabalho para o professor a fim melhorar o ensino. Na
rede pública, por exemplo, é repassado gratuitamente, ou seja, a destinação desse material
para atender as crianças carentes e reduzir as desigualdades sociais
Para Freitag , 1987
O livro didático é um componente de interesse educacional e
cultural que surge no Brasil em 1930, sem uma história própria.
“Sua história não passa de uma sequência de decretos, leis e
medidas governamentais que se sucedem a partir que se de 1930
de forma aparentemente descontrolada sem a correção ou crítica
de outros setores da sociedade” (FREITAG, MOTA e COSTA p.
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Em 1937 o Instituto Nacional do Livro (INL) subordinado ao MEC foi criado para
controlar e garantir a divulgação e distribuição de obras de interesse educacional e
cultural. Um programa que se foi modificando com o passar do tempo e assumindo outros
nomes e novas formas de execução até os dias atuais, assumido pelo Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD).
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Devido ao controle do livro didático direcionado a um único órgão, acarretou
muitas desvantagens para a distribuição e escolha do LD, além de ser vulnerável à
corrupção, tinha que enfrentar o favorecimento de licitações e favoritismo do poder
público dessa forma “a centralização das decisões impede, além disso, que outras
tendências políticas e ideológicas entrem em cena, corrigindo distorções, criticando
equívocos, propondo alternativas mais eficazes (FREITAG, et al.1997, p.32.)
Contudo, se de posse do livro didático, o ensino no Brasil ainda é precário, sem
ele os críticos, políticos e cientistas afirmam que seria muito pior, já que nele é definido
o roteiro de atividades para o ano letivo embora isso faça com que professor e aluno fique
condicionado a um padrão determinado, tirando deles sua autonomia e seu senso crítico.
3.2 O livro didático X literatura infantil
Neste trabalho, entendemos o livro didático como o suporte para o ensino em sala
de aula, um apoio, um auxílio ao professor e como literatura infantil o conceito
estabelecido por Azevedo em seu artigo Livros para crianças e literatura infantil:
convergência e dissonâncias, retirado da sua tese de Mestrado em 1998.
Azevedo [online] diz
A literatura costuma tratar de assuntos, subjetivos por princípio, sobre os quais não tem cabimento dar aula: a paixão, a morte, a busca do autoconhecimento, a amizade, a alegria, os afetos, as perdas, o desconhecido, o imensurável (o gosto, o prazer, o amor, a beleza etc.), a busca da felicidade, a astúcia, o ardil, os sonhos, a dupla existência da verdade, a relatividade das coisas, a injustiça, o interesse pessoal versus o coletivo, o livre arbítrio, a passagem inexorável do tempo, o paradoxal, o conflito entre o velho e o novo etc. Na verdade, ela pode falar de qualquer tema, todos os abordados pelos paradidáticos por exemplo, desde que o mesmo seja visto pelo ângulo da ficção, da
subjetividade e da poesia. (AZEVEDO, online)
Pretende-se discutir a relação do livro didático com a literatura infantil, tendo em
vista os vínculos relevantes que cada um exerce no contexto educacional, junto ao
processo de adoção da literatura no livro didático que são motivos de muitas críticas. Pela
relevância que tem a literatura para o ensino, é interessante como se torna inevitável, em
alguns livros, atribuí-la um caráter educativo e formador. A sua inserção no material
didático usado nas escolas e os objetivos apregoados, portanto, parece natural. Mas, o
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questionamento, é justamente, que objetivos são esses, que conhecimento busca a escola
ao oferecer o texto literário.
O livro didático deve conceber o ensino de literatura apoiado no tripé conceito
de leitura-texto-exercício [...] o conceito de leitura e de literatura que a escola
adota é de natureza pragmática, aquele só se justifica quando explicita uma
finalidade - a de ser aplicado, investido, num efeito qualquer
(ZILBERMAN,1988 p .111).
A escola tende a usar a literatura infantil, segundo análise para estudos e ensino
da norma culta ou para melhorar a escrita, dissociando a verdadeira essência do texto
literário.
A ligação da literatura infantil com a escola surge atrelada a uma função utilitário-
pedagógica que se inicia a partir do final do século XVII e durante o século XVIII, quando
a infância passa a ser reconhecida pela sociedade, pela necessidade de uma nova
concepção de família, pois antes a criança não era percebida como um ser diferente e nem
tinha um ambiente separado, dividindo assim os mesmos espaços e eventos com os
adultos, mas sem vínculos afetivos.
A nova noção de infância embora houvesse mais união familiar é movida a novos
cuidados e passa a controlar o crescimento cognitivo e emocional da criança, partir de
então é passado essa responsabilidade a literatura infantil e a escola. Essa aproximação
entre a escola e o texto literário não é casual, tem a ver com o fato de os primeiros textos
para crianças “ são escritos por pedagogos e professores, com marcante intuito educativo.
“E, até hoje, a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe
causa grades prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a
presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida
com a dominação da criança” (ZILBERMAN,2003:16)
O texto literário segue os padrões da literatura, que embora seja complexa e difícil
defini-la AZEVEDO, (2016) afirma que “A literatura é uma arte (em oposição à ciência)
feita de palavras; utiliza sempre e sempre o recurso da ficção (...) tem motivação estética
(...) busca o belo, o poético, o lúdico e o prazer do leitor. Enquanto o livro didático, diz
que “ livros são essencialmente utilitários, constituídos de informações objetivas que em
resumo pretendem, exclusivamente, transmitir conhecimento e informação”
Observa-se que a literatura se preocupa com sua estrutura estética, sua linguagem
subjetiva e particular, tendo como mais importante a expressividade, vincula-se a voz
pessoal, busca falar de amor, beleza, prazer e requer livre arbítrio. Os livros didáticos são
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opositores a literatura infantil, comprometidos com atividades e exercícios ligados a
especulação. (AZEVEDO, 2016)
Os textos literários são ricos em simbologia e beleza artística, denominados por
conto, poema, crônica, romance e entre outros, sevem para divertir e emocionar, além de
contribuir para o desenvolvimento cognitivo da criança, tem a capacidade de estimular
diferentes sentimentos no leitor, Enquanto os textos didáticos têm função utilitária, pois
servem para informar, convencer e explicar etc. denominados como notícias, artigos,
propagandas, textos didáticos, são voltados a realidade e não dão margem para
interpretação, são diretos, importantes para compreender a dimensão social.
As diferenças existentes entre esses dois mecanismos contribuem para que o texto
literário sofra modificações na sua forma artística, ao ser utilizado pelo livro didático, o
texto passa a seguir as regras pedagógicas para qual o livro didático é destinado. Dessa
forma os livros didáticos dão ao texto literário uma função imediata, que se faz necessário
uma avaliação após sua leitura, finda por desvirtuá-lo de sua qualidade artística, pois a
partir do momento que é dado aos textos literários outras funções, como submetê-lo a
uma leitura mecânica, não pragmática e cumprir com rituais obrigatórios sua linguagem
artística é corrompida.
Justifica-se o fato da literatura entrar no campo pedagógico, como forma de
facilitar a sua compreensão, por vê-la como uma atividade complexa e não natural.
“É aí que entram a pedagogia, como meio de adequar o literário as fases do
raciocínio infantil, e o livro, como mais um produto através do qual os valores
sociais passam a ser veiculados, de modo a criar para a mente da criança
hábitos associativos que aproximam as situações imaginárias vividas na ficção
a conceitos, comportamentos e crenças desejados na vida prática, com base na
verossimilhança que os vincula. O literário reduz-se a simples meio para
atingir uma finalidade educativa extrínseca ao texto propriamente dito” (PALO
2006).
Sendo assim a criança é impedida de formular seus próprios conceitos e verdades,
pois são impostos a ela de forma definida através do texto literário o qual deveria
estimular sua imaginação e seu senso crítico.
Logo, o texto literário é abordado pelos livros didáticos de tal forma que acaba
por dissociá-lo de sua qualidade artística, não pragmática. Atribuindo-lhe uma
função imediata, um texto literário transforma-se em mero texto didático, pois
“quando passamos o estilo de um gênero para outro, não nos limitamos a
modificar a ressonância deste estilo graças à sua inserção num gênero que não
lhe é próprio, destruímos e renovamos o próprio gênero” (BAKHTIN, 2000:
286).
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Em relação a isso Zilberman, (2003) diz que a literatura deverá impulsionar seu
leitor a uma postura crítica perante a realidade e dando margem a efetivação dos
propósitos da leitura como habilidade humana. Caso contrário transformar-se-á em objeto
pedagógico.
Com relação aos motivos que fazem com que a literatura seja escolarizada
SOARES, (2001) em sua análise questiona a biblioteca como espaço escolar que guarda
e tem acesso a literatura, que determina a hora e tempo de leitura, quais livros são
oferecidos e quem os oferece aos alunos, e também os rituais de silêncio e cuidados que
devem ser cuidadosamente seguidos, todas essas regras escolarizam a leitura literária; o
fato do professor escolher os livros já impondo uma atividade escolar com intenção
avaliativa impedindo a leitura ser prazerosa, a leitura e estudo de textos que por sua vez,
Soares (2001), considera uma das mais graves formas de escolarização inadequada da
literatura infantil, pois submete o texto para estudo ortográfico ou gramaticais perdendo
a intenção lúdica tornando a arte indiferente aos olhos de quem lê, a fragmentação do
texto também é outra maneira de alterar a estrutura estética, para atender o tempo limitado
imposto pela escola, com a intenção concluir as atividades em tempo menor
interrompendo a narrativa, deixando o leitor muitas vezes na expectativa de saber o que
vai acontecer no final da história, sendo essa uma questão que envolve o próprio autor do
livro didático que produz o texto com a intenção de ensinar o estudo da língua e não de
leitura (SOARES, 2001)
Portanto a literatura infantil ao ser considerada como saber escolar torna-se
inevitável sua escolarização por ser da essência escolar utilizar esses saberes como
instrumento próprio de ensino. Cabe então discernir entre a escolarização adequada e
inadequada da literatura infantil, tendo a compreensão que adequada é aquela que leva a
forma mais eficaz de leitura capaz, de conquistar o ideal de leitor que se pretende formar,
e assim evitar a maneira inadequada que é aquela capaz de desenvolver sentimentos
negativos de aversão a leitura.
Azevedo, 1998
A literatura, por exemplo e em termos, é uma arte (em oposição à
ciência) feita de palavras; utiliza sempre e sempre o recurso da ficção (senão
seria História, reportagem, biografia etc.); tem motivação estética (ou seja, em
princípio não tem utilidade fora buscar o belo, o poético, o lúdico e o prazer
do leitor); não é, portanto, utilitária (é “inútil” no sentido de que, objetivamente
falando, não serve para nada, nem pretende ensinar nada); recorre ao discurso
poético (quer dizer, preocupa-se com a linguagem em si, com sua estrutura,
seu tom, seu ritmo, sua sonoridade); vincula-se à voz pessoal, à subjetividade,
ao ponto de vista inesperado e particular sobre a vida e o mundo (note-se que
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no livro didático a visão pessoal é substituída pela perspectiva impessoal,
enraizada em valores pré-determinados e consensuais); pode e costuma ser
ambígua (ao suscitar diferentes interpretações); pode brincar com as palavras
e até inventá-las (ou seja, não precisa seguir rigidamente os parâmetros oficiais
da Língua) (AZEVEDO, online)
3.3 Análise dos textos literários nos livros didáticos
Para explicar melhor as formas equivocadas como o texto literário infantil está
sendo utilizado no livro didático, serão apresentados exemplos de textos do 3° e 4° ano
do ensino fundamental, com objetivo de ilustrar e caracterizar a escolarização.
Ex.1 - poema tirado do livro didático de português do 3° ano do ensino Fundamental.
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O texto acima mostra claramente que o poema está sendo usado como pretexto
para estudo da gramática e ortografia, sem interação lúdica, que tira da criança a
percepção poetica e possivelmente o gosto pela leitura, pois induz a um raciocínio
voldado ao estudo da limguagem.
Ex.2- atividade tirada do livro didático de português do 3° ano do ensino Fundamental.
O texto acima utiliza o poema para o ensino de adjetivos e substantivos mais uma forma
que vai dispersar a atenção do leitor do conhecimento literário.
SOARES, (2001) atribui a escolarização pelo fato de a escola se apropriar da
literatura infantil, e a escolariza-a didatiza-a e pedagogiza-a para atender seus próprios
fins, fazendo dela uma literatura escolarizada, numa outra situação diz que é produzido
um modelo para escola direcionada para a criança, portanto para ser consumida pela
escola, para atender os objetivos da escola.
Ex.2 - Conto tirado do livro didático de português do 4° ano do ensino fundamental.
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O texto acima mostra um conto sendo trabalhado com intenção de ensinar o
aluno conhecer conceitos comportamentais, que formam os valores sociais, tais condutas
pouco contribuem para a construção literária. O tema honestidade será trabalhado.
São muitas as críticas feitas sobre a forma como o texto literário é abordado no
livro didático, apoderando-se da potencialidade literária transformadora e formadora de
leitores competentes, para auxiliar de forma inadequada no estudo da língua, na produção
e reprodução de textos, ou para conhecimentos dos valores éticos e morais. Essa
apropriação devastadora reduz a grandeza literária em um mero texto escolar.
De acordo com os Parâmetro Curriculares Nacionais “a literatura não é uma
cópia do real, nem puro exercício de linguagem, tampouco mera fantasia que se asilou
dos sentidos do mundo e da história dos homens” (p. 37) é fundamental reconhecer que
sua forma particular de compor o conhecimento é compreender que sua relação com a
realidade é indireta, portanto para os PCN “o plano da realidade pode ser e transgredido
pelo plano do imaginário”(PCN, p. 37)
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Para que a literatura seja concebida é necessário combater os equívocos criado
em consequência do seu vínculo com a pedagogia, para que o aluno possa apropriar-se
desse universo rico de conhecimento e de beleza artística que ela proporciona quando
utilizada na integra, além de sua contribuição na formação social, emocional, intelectual.
Assim Bakhtin (1992) expressa sobre a literatura infantil abordando que por ser
um instrumento motivador e desafiador, ela é capaz de transformar o indivíduo em um
sujeito ativo, responsável pela sua aprendizagem, que sabe compreender o contexto em
que vive e modificá-lo de acordo com a sua necessidade.
Apesar de fundamental a literatura na vida da criança, que a leva obter
conhecimento mais rápido de se comunicar melhor AZEVEDO, (2016) diz que, em
visitas nas escolas e conversa com os professores, teve conhecimento de que as crianças
não gostam de ler, e fazem por obrigação, principalmente na faixa etária de nove e dez
anos. O fato mencionado, leva a pensar nas causas responsáveis, por gerar tamanho
desinteresse pela leitura, e como combatê-las diante da falta de informação. Sabendo que
a própria escola é organizada para atender alunos dentro dos limites de aceitação e exclui
involuntariamente os que não correspondem o padrão dominante.
A realidade da escola de hoje, para atender os novos leitores, deve ser sensível a
diversidade, habilitada para lidar com as diferentes realidades e complexidades pois a sala
de aula passa a integrar variedades de sujeitos, objetos culturais e entre eles o livro de
literatura.
Para Zilberman (2003) a sala de aula é um espaço privilegiado para desenvolver
o gosto pela leitura, assim como um lugar de relações culturais e literárias, devendo ser
valorizada a sua utilidade pois revela-se imprescindível para transformar a literatura
infantil no ponto de partida para proporcionar um novo diálogo entre o livro e o leitor
Azevedo (2016) diz
“Se há uma utilidade da literatura na escola, muito mais que ensinar gramática
e ciosas assim, e a de possibilitar, no plano da expressão, o contato do leitor
com uma linguagem expressiva, renovadora e poética, e, no plano do conteúdo,
a discussão de temas que, no fundo, acabam sempre especulando sobre a
construção do significado da existência. ” (AZEVEDO, 2016, p.7)
Contudo o professor deve ser um conhecedor da literatura bem como praticá-la,
para melhor orientar seus alunos, buscando assumir uma postura de construtores de
leitores capazes de compreender que a literatura vai além das regras que propõe o livro
didático.
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4. CONSIDERACÕES FINAIS
As questões abordadas nessa pesquisa possibilitou uma grande reflexão sobre
a importância que a literatura infantil tem no desenvolvimento intelectual, emocional e
social da criança, bem como a situação a qual é submetida para atender os interesses da
escola através de um uso inadequado pelo livro didático, levando a compreensão que as
propostas oferecidas pelas escolas através do livro didático não são suficientes para
garantir a formação de leitores competentes, visto que há uma desordem na escolha do
livro didático, na produção de textos literários e nas práticas de leituras que já vem
estabelecidas no livro didático, que induzem fortemente para escolarização da literatura.
Observou-se através da análise de livros didáticos que as metodologias utilizadas
são quase sempre reproduzidas, seguindo o mesmo padrão de aplicação das atividades,
preocupadas com o domínio das normas gramaticais no sentido formal da língua, em que
o professor se apodera desse padrão como instrução para desenvolver seu trabalho, o que
leva a o condicionamento as propostas existentes e limitação dos sentidos do textos. Fato
esse que prejudica o processo de ensino-aprendizagem, pois segundo Zilberman (2003) “
ao professor cabe o desencadear das múltiplas visões que cada criação literária sugere,
enfatizando as variadas interpretações pessoais, porque decorrem da compreensão que o
leitor alcançou do objeto artístico, em razão de sua percepção singular do universo
representado. ”
Essa reflexão possibilita a percepção da relevância da literatura infantil, quando
trabalhada adequadamente, que atenda às necessidades para um bom desenvolvimento
cognitivo do leitor, que as posturas dos professores também fazem toda diferença no
estimulo e ao interesse da criança em relação a leitura prazerosa e com significado, assim
como a escola é responsável em promover meios condizentes com o que requer uma
educação de qualidade que promova a formação de leitores competentes.
Embora os estudiosos afirmem a necessidade de mudanças no contexto que
envolve as relações entre a escola, literatura infantil e livro didático e salientem pontos
que prejudicam êxito da leitura literária, causando sua invisibilidade, percebe-se que a
realidade de ensino-aprendizagem apresentada nos livros continua atrelado a um modelo
de costume, tradicional que não se preocupa em criar novas estratégias ou estimular o
leitor a novas descobertas, visto que o próprio educador necessita atualizar-se.
Sendo assim para que ocorram mudanças, embora sensíveis, depende-se da
disposição e da formação do professor em atender os requisitos para um desenvolvimento
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mais eficaz dos leitores, e uma reflexão sobe o livro didático evitando as propostas que
submetem o texto literário a didatização, assim como a fragmentação dos textos que
comprometem a oportunidade que o leitor tem de conhecer o sentido absoluto de uma
história.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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wwwricardoazevedo.com.br/ Acesso em 31/10/2016 – 19h
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FREITAG, Barbara (et al) o livro didático em questão - 3 ed.- São Paulo:Cortez, 1997
1997. (Biblioteca da Educação), Série 8 – Atualidades em Educação,v.3)
PAIO, Maria José,1932- (et al) Literatura infantil: voz da criança - 4° ed.-São Paulo :
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São Paulo IBEP, 2014
SOARES, Magda Escolarização da Leitura Literária: -2° edição ed. Autêntica, 2001
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VIEIRA Maria Amélia, GALVAO Rute de Souza: Viver valores- Língua Portuguesa –
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ZILBERMAN, Regina A leitura e o ensino da literatura. são Paulo: Ed contexto, 1988.
__________________A literatura infantil na escola, 11. Ed. Atual, e ampl.- São Paulo:
Global 2003.