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AndrØ Pessoa 341 Recomendaçıes para o uso sustentÆvel da biodiversidade no bioma Caatinga PARTICIPANTES DO SEMIN`RIO GRUPO TEM`TICO USO SUSTENT`VEL DA BIODIVERSIDADE Marcos Antônio Drumond Coordenaçªo Adelmo Carvalho Santana Angelo Antoniolli Clóvis Eduardo de Souza Nascimento Everaldo Rocha Porto Francisco Filho de Oliveira Francisco Pinheiro de Araœjo Gherman Garcia Leal de Araœjo Joªo Alberto Gominho Marques de SÆ Joªo Arthur Soccal Seyffarth JosØ Lincon Pinheiro Araœjo JosØ da Luz Alencar Josefina Maria Silva MacŒdo Santana Josias Cavalcanti Lœcia Helena Piedade Kiill Manoel Luiz de Melo Neto Marcelo Bregda Furtado Martiniano Cavalcante de Oliveira Mary Ann Saraiva Bezerra Mauro Ferreira Lima Nereida Costa Nobrega de Oliveira Nilton de Brito Cavalcanti Percionila Nunes dos Santos Regina Ferro de Melo Nunes Severino Gonzaga de Albuquerque Thomaz Correia e Castro da Costa Viseldo Ribeiro de Oliveira Warton Monteiro

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André Pessoa 341

Recomendações parao uso sustentável

da biodiversidade nobioma Caatinga

PARTICIPANTES DO SEMINÁRIOGRUPO TEMÁTICO

�USO SUSTENTÁVEL DA BIODIVERSIDADE�

Marcos Antônio DrumondCoordenação

Adelmo Carvalho SantanaAngelo Antoniolli

Clóvis Eduardo de Souza Nascimento

Everaldo Rocha PortoFrancisco Filho de Oliveira

Francisco Pinheiro de AraújoGherman Garcia Leal de Araújo

João Alberto Gominho Marques de SáJoão Arthur

Soccal SeyffarthJosé Lincon Pinheiro Araújo

José da Luz AlencarJosefina Maria Silva Macêdo Santana

Josias CavalcantiLúcia Helena Piedade KiillManoel Luiz de Melo Neto

Marcelo Bregda FurtadoMartiniano Cavalcante de Oliveira

Mary Ann Saraiva BezerraMauro Ferreira Lima

Nereida Costa Nobrega de OliveiraNilton de Brito Cavalcanti

Percionila Nunes dos SantosRegina Ferro de Melo Nunes

Severino Gonzaga de AlbuquerqueThomaz Correia e Castro da Costa

Viseldo Ribeiro de OliveiraWarton Monteiro

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O grupo temático uso sustentávelidentificou as principais atividades quealteram a biodiversidade na Caatinga, epropôs um conjunto de estratégias aptas adiminuir os impactos de tal alteraçãomediante a adoção de práticas maiscompatíveis com a manutenção dosprocessos ecológicos da região. Foramfeitas recomendações sobre: a fauna, osrecursos florestais, as áreas degradadas, aagricultura e a pecuária. Adicionalmentesugeriu-se desenvolver a educaçãoambiental, ampliar o ecoturismo e reforçaro papel das unidades de conservação.

A fauna da Caatinga sofre grandesprejuízos tanto por causa da pressão e daperda de hábitat como também em razão dacaça e da pesca sem controle. As sugestõesa seguir voltam-se para o uso sustentável dafauna da região: 1. atualizar a lista oficial deespécies ameaçadas de extinção; 2.promover estudos básicos para domes-ticação da fauna; 3. realizar estudos parareintrodução de espécies nas áreas deproteção (repovoamento); 4. criar programasde estímulo à criação em cativeiro; 5. rever eajustar normas e legislação relativas à faunado bioma Caatinga; 6. ampliar o contigentee a estrutura dos órgãos fiscalizadores; 7.aumentar o número de convênios cominstituições fiscalizadoras; 8. incentivar aeducação ambiental; 9. fazer levantamento

de fauna, paralelamente ao de flora, paraliberação de projetos de desmatamento.

Há grande pressão da populaçãoregional no que se refere à exploração dosrecursos florestais da Caatinga. Ainda hojea lenha é componente importante da matrizenergética regional, o que gera, porconseguinte, danos à biodiversidade.Identificou-se aqui a falta de uma culturaregional para o desenvolvimento desistemas agroflorestais que poderiam, alongo prazo, reduzir bastante a ameaça àbiodiversidade. As sugestões para promo-ção da atividade agroflorestal na região são:1. fomento das atividades agroflorestais pormeio de eventos de difusão, paraconscientizar e estimular técnicos eagricultores; 2. concessão de financiamen-to institucional, por parte de órgãosgovernamentais e de organizações nãogovernamentais, para a solução deproblemas comuns, o que pode evitar odispêndio de esforços e de recursos; 3.estabelecimento de parceria entre ossetores de pesquisa, de ensino e extensãoe entidades privadas para uma atuaçãointegrada; 4. introdução de conceitos enoções básicas de agrossilvicultura e debiologia da conservação nas escolastécnicas de ciências agrárias, propor-cionando, com isso, maior conhecimentoàs duas áreas; 5. implantação da disciplina

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Caatinga

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de agrossilvicultura e biologia da con-servação nos cursos de graduação deengenharia florestal, de agronomia e dezootecnia; 6. capacitação de recursoshumanos para desenvolvimento dasatividades aplicadas em sistemasagrossilviculturais; 7. difusão dos resultadosde pesquisa de modo que os mesmoscheguem ao agricultor de forma clara;8. divulgação conjunta, por parte dosórgãos de pesquisa e extensão e dosagricultores, via unidades demonstrativasnas comunidades; 9. levantamento detecnologias, existentes na região e emoutros países, passíveis de serem adotadase adaptadas; 10. criação de bancos dedados referentes ao tema a fim decentralizar fonte das tecnologias, bemcomo de facilitar o repasse dessasinformações.

No que tange à ordenação docomércio de lenha e ao cumprimento dasregras de reposição florestal, propôs-se:1. transmissão, aos órgãos de pesquisa ea outros, de recomendações paraelaboração de zoneamento indicativo deespécies potenciais para reflorestamento,por zona agroecológica de cada estado;2. identificação de mecanismos adminis-trativos ou financeiros que permitam aoperacionalização de propostas, perti-nentes à reposição florestal, por parte deagricultores e de indústrias consumidorasde lenha e de carvão; 3. delimitação deregiões prioritárias para reposição florestal,considerando-se a existência das indústrias,o avanço de desmatamento ou as áreasem processo de desertificação; 4. evitaçãode formação de latifúndios energéticos porparte de indústrias de transformação (cal,gesso, cimento, etc.) para impedir aexpulsão de famílias rurais; 5. esta-belecimento de normas de reflorestamentoque propiciem, ao reflorestador, padrõesindicativos de manejo das espécies; 6.desenvolvimento de técnicas florestais,para maior integração entre atividadesflorestais e agrícolas, mediante o uso desistemas agroflorestais em plantios dereposição obrigatória; 7. monitoramento eassistência técnica sistematizada por partede órgãos governamentais e não

governamentais, como forma de atuaçãomais presente e participação da extensãorural no processo; 8. aumento do númerode instituições e estímulo para queproduzam e distribuam sementes e/oumudas de espécies florestais; 9.arregimentação de maior contingente defiscais, bem como criação e estruturaçãoda polícia florestal (ambiental) em âmbitoestadual e municipal, para uma fiscalizaçãomais efetiva; 10. incentivo a campanhas deplantio florestal de uso múltiplo para oprodutor rural, com políticas apropriadasa áreas de sequeiros e a áreas irrigadas;11. valorização econômica da vegetaçãopor práticas de adensamento de espéciesnativas de valor comercial, selecionando-se, para tanto, as espécies em função doseu ciclo de crescimento; 12. introduçãode práticas que reduzam o grau dedegradação do solo, com aumento daprodutividade madeireira dos reflores-tamentos e manejos; 13. criação, atua-lização e informatização do cadastro deprodutores e de consumidores de produtosflorestais.

A Caatinga possui extensas áreasdegradadas, muitas das quais incorrendo,de certo modo, em risco de desertificação.Eis as sugestões para minimizar talproblema: 1. elaboração e implantação deplano nacional de desertificação;2. aperfeiçoamento e atualização dodiagnóstico indicador de desertificação;3. inspeção das áreas em processo dedesertificação; 4. elaboração de programasemergenciais para o isolamento e arecuperação de áreas desertificadas, comatividades produtivas; 5. mapeamento deáreas com fragmentos de vegetaçãoprimária; 6. avaliação do grau desustentabilidade ecológica das unidades deconservação cuja paisagem compreendao semi-árido; 7. promoção de encontros,de cursos e de treinamentos referentes aocombate à desertificação; 8. cadastramen-to e estabelecimento de mecanismos deintegração entre instituições públicas eprivadas, as quais tenham interesse emparticipar do programa de combate àdesertificação; 9. estudo das cadeiasprodutivas nas áreas de possível deser-

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tificação, assim como mobilização dosatores, para torná-las atraentes do pontode vista social e econômico; 10. incentivoa programas de repovoamento florestal, depreferência envolvendo espécies amea-çadas de extinção, ampliando-se com issoa base genética; 11. divulgação e asses-soramento de tecnologias novas e/oumodificadas; 12. estabelecimento edefinição do grau de responsabilidade dafiscalização e da vigilância no combate àdesertificação, atuantes contra asatividades que agridam o meio ambiente;13. incremento de ações de pesquisasrelacionadas ao impacto ambiental nosemi-árido, principalmente no que dizrespeito às áreas de mineração, de manejoe conservação do solo e da água, demanejo de solos salinos e alcalinos, demanejo de bacias hidrográficas, e demanejo florestal e conservação dabiodiversidade; 14. cumprimento doestabelecido em reuniões e em relatóriosde avaliação de impactos ambientais(EIA/Rima), assumindo-se, para tanto, asresponsabilidades técnicas de todos equaisquer projetos de desenvolvimentoexigidos pela legislação; 15. ampliação dabase genética das espécies por meio daprática de reflorestamento; 16. reflores-tamento, com espécies ameaçadas dedesaparecimento, para transformar essasregiões em áreas de produção de sementese/ou de conservação in situ.

O grupo identificou o fato de odesenvolvimento e a disseminação detecnologias para o uso sustentável dabiodiversidade serem elementos-chavesem um programa cujo objetivo seja o degarantir a conservação dos recursosbiológicos da Caatinga. As sugestões nessesentido são: 1. proceder ao levantamentode tecnologias e de experiências bem-sucedidas pertinentes à utilizaçãosustentável (econômica e ambiental) decomunidades locais e de conhecimentostradicionais; 2. divulgar lista de tecnologias,fornecidas pelos órgãos de pesquisa e poroutras instituições, como subsídio aocombate à desertificação; 3. criar bancosde dados referentes ao tema a fim decentralizar fonte de tecnologias e de facilitar

o repasse de tais conhecimentos;4. divulgar, nos diferentes meios decomunicação, as tecnologias existentes naregião e em outros países, as quais sejampassíveis de adoção e de adaptação e,nesse processo, assessorar as instituiçõesde extensão e os grupos de trabalho dedesenvolvimento comunitário; 5. criar emanter um site para divulgação deinformações referentes às tecnologiasdisponíveis para o uso sustentável do biomaCaatinga; 6. promover encontros e/ouworkshops a fim de direcionar as pesquisascujo objetivo seja atender demandas desolução de problemas; 7. elaborar progra-ma que vise à recuperação e ao manejo debacias hidrográficas e de matas ciliares;8. priorizar recursos para subsidiar diag-nósticos para a adoção e a implantação detecnologias no bioma Caatinga.

Há muitas evidências de que a florada Caatinga é bem rica em plantasmedicinais. Entretanto, o valor farma-cológico dessas plantas não tem sidoavaliado de forma adequada. As propostaspara sanar esse problema são: 1. elabo-ração de programas de incentivo àspesquisas farmacológicas dessas plantas;2. criação de banco de dados sobre seuuso; 3. elaboração de programas deestímulo ao plantio de plantas medicinais;4. levantamento botânico específico paranovas plantas com potencial medicinal;5. incentivo ao uso da medicina alternativa;6. realização de estudos pertinentes à pro-pagação e ao desenvolvimento de espéciescom potencial medicinal; 7. instituição delegislação específica para a exploração dasplantas medicinais; 8. desenvolvimento deprogramas de divulgação e de conscien-tização para uso racional dessas plantas;9. resgate do conhecimento popular acercada utilização de plantas medicinais.

Historicamente, a agriculturapraticada na região semi-árida é nômade,itinerante ou migratória. Nessa região osagricultores desmatam, queimam, plantampor um curto período (em torno de doisou três anos) e mudam-se para outras áreasonde repetem a prática com a mesmaexpectativa de recuperação da capacidade

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produtiva dos solos, o que, todavia, vemreduzindo consideravelmente a biodiversi-dade. A agricultura é, pois, de umaocupação territorial desordenada eimpactante por causa da falta de tradiçãode planejamento, o que dificulta (ainda quenão impossibilite) a reordenação dosespaços. As recomendações paraminimizar o impacto dessa agriculturasobre a biodiversidade são: 1. fiscalizaçãopermanente, por parte de órgãoscompetentes, do trabalho dos agricultoresno que se refere ao cumprimento legal deuso das áreas ribeirinhas; 2. difusão dosresultados de pesquisa de modo quecheguem ao agricultor de forma clara;3. divulgação conjunta, por parte dosórgãos de pesquisa e extensão e dosagricultores via unidades demonstrativasnas comunidades; 4. manejo integrado depragas mediante o controle biológico,visando dessa forma à redução do uso deagrotóxicos; 5. monitoramento ambientalde todos os perímetros irrigados;6. desenvolvimento de sistemas integrados,mais eficientes, de controle das principaispragas e das doenças que prejudicam ocultivo irrigado, incluindo-se aí a aplicaçãodeles em cultivos orgânicos; 7. desenvolvi-mento de práticas de manejo do solo e daágua em cultivos irrigados das principaisfruteiras e hortaliças, bem como uso dereguladores de crescimento, de nutrição ede tratos culturais; 8. aprimoramento depráticas de manejo das culturas, aptas aaumentar a produtividade; 9. caracte-rização e monitoramento dos recursos desolo, da água e da vegetação em uso nosemi-árido; 10. utilização de métodoseficientes de captação, armazenamento euso econômico de água de chuva; 11.desenvolvimento de métodos racionais deconservação dos recursos do solo, da águae da vegetação, tanto quanto derecuperação de áreas degradadas dosemiárido; 12. identificação e prospeção demercado de plantas ornamentais nativas dobioma; 13. estudos da biologia reprodutivade plantas ornamentais; 14. pesquisa paraa utilização de espécies nativas da Caatinga

na agricultura orgânica (cercas vivas,adubação viva, bioinseticidas); 15. incentivoà utilização da agricultura orgânica nasáreas agrícolas.

Em razão das condições edafoclimá-ticas desfavoráveis, ao longo do tempo apecuária vem se tornando a atividadeprincipal de aproximadamente um milhão depropriedades rurais de base familiar,distribuídas nos mais de 90 milhões dehectares do semi-árido. A pecuária, tal comopraticada hoje, causa danos irrecuperáveis àbiodiversidade e traz conseqüências gravespara a própria manutenção dos processosecológicos responsáveis pela sobrevivênciado homem na região. As sugestões paratornar a pecuária mais compatível com o usosustentável da biodiversidade na Caatingasão: 1. desenvolvimento e disseminação detecnologias aptas a aumentar a produtividadeanimal na área já utilizada para a pecuária,evitando, dessa forma, a expansão dapecuária nas poucas áreas com vegetaçãonativa na região; 2. aprimoramento, validaçãoe disseminação de sistemas diversificados deprodução (silvopastoris e agrossilvopastoris)adaptados aos principais espaços agro-ecológicos e socioeconômicos da Caatinga;3. monitoramento ambiental permanente dasáreas submetidas a forte pressão da pecuária.

É fundamental que um programa deuso sustentável da biodiversidade daCaatinga incorpore ações de educaçãoambiental, de ecoturismo e de expansãodo sistema de áreas protegidas. No quetange à educação ambiental, sugere-se:1. a elaboração e a implantação deprograma específico integrado às escolas eàs associações rurais; 2. a criação de bancode dados referentes às experiências deeducação ambiental na Caatinga; 3. o reforçoe a descentralização do sistema de gestãoambiental, fortalecendo, assim, a açãoambiental nos municípios onde estejamsendo postas em execução Agendas 21.

No que diz respeito ao ecoturismo,propõe-se: 1. avaliação do potencial turísticoe criação de condições para o turismoecológico; 2. exploração do potencial turístico

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ecológico regional aliada ao programa deeducação ambiental. Por fim, sugere-se paraunidades de conservação: 1. instituição deleis de implantação de unidades deconservação municipais da biodiversidadeem toda a área do bioma Caatinga; 2. criaçãode linhas de crédito específicas para projetosde conservação da biodiversidade, para arecuperação ambiental e para o manejosustentável de recursos naturais, espe-cialmente para pequenos produtores ecomunidades locais.

A Caatinga carece de planejamentoestratégico permanente e dinâmico, como qual se pretende evitar a perda dabiodiversidade do bioma. Portanto, faz-senecessário que tal bioma se torne temacentral nas decisões e nas ações dos

diversos setores da economia, dasociedade e, em particular, dos órgãospúblicos. Para isso é preciso atuar tanto nocampo especificamente ambiental quantono campo das demais políticas setoriais dopaís, quer seja em âmbito nacional querseja em nível regional ou local.

É imprescindível que esse plane-jamento estratégico se fundamente numconhecimento profundo das causas dadegradação ambiental, das tendênciassocioeconômicas e numa visão prospectivaa partir da análise de cenários, e sejaefetivamente participativo e debatido emtodos os níveis do governo e em segmentosda sociedade. Recomenda-se, pois, a criaçãode um grupo de planejamento estratégicopara o uso sustentável do bioma Caatinga.