o verdadeiro sexo
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7/25/2019 O Verdadeiro Sexo
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O Verdadeiro Sexo.
Michel Foucault.*
Precisamos verdadeiramente de um verdadeiro sexo? Com uma constncia que chega
s raias da teimosia, as sociedades do ocidente moderno responderam
afirmativamente a essa pergunta. Situavam obstinadamente essa questo do
verdadeiro sexo numa ordem de coisas onde se podia imaginar que s! contam a
rea"idade dos corpos e a intensidade dos pra#eres.
Contudo, por muito tempo, tais exig$ncias no existiram. Prova disso % a hist!ria do
estatuto que a medicina e a &usti'a concederam aos hermafroditas. (uitos s%cu"os se
passaram at% que se postu"asse que um hermafrodita deveria ter um )nico e verdadeiro
sexo. *urante s%cu"os, admitiu+se simp"esmente que e"e tivesse os dois.
(onstruosidade que suscitava espanto e acarretava sup"cios? -a rea"idade, as coisas
foram bem mais comp"icadas. emos, % verdade, diversos testemunhos de condena'/es
morte, tanto na antig0idade quanto na 1dade (%dia. (as temos tamb%m uma
abundante &urisprud$ncia de tipo tota"mente diverso. -a 1dade (%dia, as regras do
direito 2 can3nico e civi" 2 eram bastante c"aras a esse respeito4 eram chamados de
hermafroditas aque"es em quem se &ustapunham, segundo propor'/es que podiam ser
vari5veis, os dois sexos. -esse caso era pape" do pai ou do padrinho 6os que
nomeavam a crian'a7 fixar, no momento do batismo, o sexo que deveria ser mantido.
Se fosse o caso, aconse"hava+se esco"her dentre os dois sexos o que parecesse dominar,
o que tivesse maior vigor ou maior ca"or . (ais tarde, entretanto, no incio da idade
adu"ta, quando chegasse o momento de se casar, o hermafrodita era "ivre para decidir
se dese&ava ser sempre do sexo que se "he havia atribudo, ou se preferia o outro. 8
)nico imperativo era que, uma ve# esco"hido seu sexo, e"e no mais o poderia trocar, e o
que havia ento dec"arado deveria ser mantido at% o fim de sua vida, sob pena de ser
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considerado sodomita. 9ram essas mudan'as de op'o e no a mistura anat3mica dos
sexos que engendravam a maior parte das condena'/es dos hermafroditas de que se
tem notcias na :ran'a, na 1dade (%dia e no ;enascimento.
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"egitimidade de uma nature#a que no tenha sido suficientemente reconhecido. (as se
a nature#a, por suas fantasias ou acidentes, pode enganar o observador e esconder
durante a"gum tempo o verdadeiro sexo, pode+se tamb%m suspeitar que os indivduos
dissimu"am a consci$ncia profunda de seu verdadeiro sexo e se aproveitam de certas
estranhe#as anat3micas a fim de servir+se de seu pr!prio corpo como se e"e fosse de um
outro sexo. 9m suma, as fantasmagorias da nature#a podem servir aos abusos da
"ibertinagem. *a o interesse mora" do diagn!stico m%dico do verdadeiro sexo.
Sei muito bem que a medicina do s%cu"o >1> e >> corrigiu muitas coisas com re"a'o a
esse simp"ismo redutor.
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invo"unt5rias ou comp"acentes, mas de qua"quer forma in)teis e que seria me"hor
dissip5+"as. 1> perguntavam
obstinadamente qua" era a verdadeira identidade sexua".
Criada como uma mo'a pobre e digna de m%rito, num meio quase que exc"usivamente
feminino e profundamente re"igioso, Dercu"ine Earbin, cognominada
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suicidar. Sou inc"inado a di#er que a hist!ria seria bana", se no fossem duas ou tr$s
coisas que "he do particu"ar intensidade.
Primeiramente a data. 9 exatamente por vo"ta dos anos GHIJ+KJ que a procura de
identidade na ordem sexua" % praticada com maior intensidade4 no s! o verdadeiro
sexo dos hermafroditas, mas tamb%m a identifica'o das diferentes pervers/es , sua
c"assifica'o, caracteri#a'o, etc.= em suma, o prob"ema do indivduo e da esp%cie na
ordem das anoma"ias sexuais. F sob o ttu"o de Luesto de identidade que se pub"ica
em GHIJ numa revista m%dica a primeira observa'o de
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menos se acreditamos no re"ato de
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-em o caso de
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re"at!rio que tinha sua disposi'o e que di#ia respeito a um caso seme"hante7. (as
acima de tudo transformou toda a narrativa. 9"e a situou numa outra %poca= modificou
muitos e"ementos materiais e toda a atmosfera e converteu o modo sub&etivo de narrar
em uma narra'o ob&etiva. *eu ao con&unto um certo ar de s%cu"o >111, bem
pr!ximo de *iderot e < ;e"igiosa. Am rico convento para &ovens da aristocracia= uma
superiora sensua" que tinha pe"a &ovem sobrinha uma afei'o equvoca= intrigas e
riva"idades entre as re"igiosas= um abade erudito e c%tico= um p5roco cr%du"o e
camponeses que empunham seus for'ados para ca'ar o diabo4 h5 nisso toda uma
"ibertinagem f"or da pe"e e todo um &ogo mais ou menos ing$nuo de cren'as no
tota"mente inocente, e que esto tamb%m distantes da seriedade provinciana de
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cr3nica provinciana, que sequer chegou a provocar um escnda"o, conseguiu deixar na
mem!ria infe"i# de seu protagonista, no saber dos m%dicos que tiveram que intervir, e
na imagina'o de um psiquiatra que caminhava a seu modo para a pr!pria "oucura.
-otas.
G. -a tradu'o ing"esa do texto, % difci" manter o &ogo de eptetos mascu"inos e
femininos ap"icados a