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Gramado – RS De 30 de setembro a 2 de outubro de 2014 O ZEPELIM DE BELÉM: estudo de design baseado em registros históricos SOARES, João Roberto dos Santos Universidade Federal do Maranhão [email protected] Resumo: No início do século 20, o Design é introduzido em grande escala nas indústrias e sua influência começa a ser refletida em objetos distintos, saídos ou não de uma grande fábrica. Isto é o que acontece com o ônibus zepelim, que circulou em Belém entre os anos de 1945 e 1965, com um projeto totalmente influenciado pelos "Zeppelins", aeronaves que fascinaram o mundo por volta de 1940. Há poucos registros oficiais desse veículo, e, portanto, este artigo tem como objetivo abordar a questão do detalhamento do ônibus zepelim, desenvolvendo um método próprio para produzir um modelo 3D e torná-lo disponível on-line para o meio acadêmico. E, assim, contribuir para o estudo não só do design genuinamente paraense, mas também de um importante registro histórico de uma época. Palavras-chave: redesign, zepelim, styling, modelagem. Abstract: In the early 20th century, design is introduced on large scale in industries and their influence begins to be reflected in distinct objects, whether coming out of a factory or not. This is what happens with the zeppelin bus, what circulated in Belém between the years 1945 and 1965, with a design totally influenced by 'zeppelins' that fascinated the world by 1940. There are few official records of these buses, and hence, this article aims to address the issue of detailing of the zeppelin bus, developing a proprietary method to produce a schema and make it available online to scholars. And thus, contribute to the study not only the design genuinely of Pará, but also an important historical register of an era. Keywords: redesign, Zeppelin, styling, model. 1. INTRODUÇÃO As grandes guerras foram acontecimentos que determinaram profundas mudanças no século 20. Principalmente, mudanças sociais. A Primeira Guerra Mundial deslocou o centro produtivo da Europa para os Estados Unidos da América, o que fortaleceu a capacidade produtiva estadunidense, promovendo uma explosão de consumo nos EUA. Por outro lado, a massificação do Taylorismo no ambiente industrial

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Gramado – RS

De 30 de setembro a 2 de outubro de 2014

O ZEPELIM DE BELÉM: estudo de design baseado em registros históricos

SOARES, João Roberto dos Santos Universidade Federal do Maranhão

[email protected]

Resumo: No início do século 20, o Design é introduzido em grande escala nas indústrias e sua influência começa a ser refletida em objetos distintos, saídos ou não de uma grande fábrica. Isto é o que acontece com o ônibus zepelim, que circulou em Belém entre os anos de 1945 e 1965, com um projeto totalmente influenciado pelos "Zeppelins", aeronaves que fascinaram o mundo por volta de 1940. Há poucos registros oficiais desse veículo, e, portanto, este artigo tem como objetivo abordar a questão do detalhamento do ônibus zepelim, desenvolvendo um método próprio para produzir um modelo 3D e torná-lo disponível on-line para o meio acadêmico. E, assim, contribuir para o estudo não só do design genuinamente paraense, mas também de um importante registro histórico de uma época. Palavras-chave: redesign, zepelim, styling, modelagem.

Abstract: In the early 20th century, design is introduced on large scale in industries and their influence begins to be reflected in distinct objects, whether coming out of a factory or not. This is what happens with the zeppelin bus, what circulated in Belém between the years 1945 and 1965, with a design totally influenced by 'zeppelins' that fascinated the world by 1940. There are few official records of these buses, and hence, this article aims to address the issue of detailing of the zeppelin bus, developing a proprietary method to produce a schema and make it available online to scholars. And thus, contribute to the study not only the design genuinely of Pará, but also an important historical register of an era.

Keywords: redesign, Zeppelin, styling, model.

1. INTRODUÇÃO

As grandes guerras foram acontecimentos que determinaram profundas mudanças no século 20. Principalmente, mudanças sociais. A Primeira Guerra Mundial deslocou o centro produtivo da Europa para os Estados Unidos da América, o que fortaleceu a capacidade produtiva estadunidense, promovendo uma explosão de consumo nos EUA. Por outro lado, a massificação do Taylorismo no ambiente industrial

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ditou novas regras de produção, onde se buscava “a melhor maneira de realizar as tarefas” (HESKETT, 1997. p.66). Essas técnicas contribuíam para o aumento da produção e tinham por objetivo padronizar métodos de trabalho que maximizavam a produção. Isso foi possibilitado através da divisão e especialização do trabalho, que integrou “as capacidades humanas na sequência de operações de máquina” (HESKETT, 1997. p.66).

Nesse contexto onde a exigência de um meio de transporte rápido, barato e seguro se faz urgente, as pesquisas em busca de uma “máquina de voar” adquirem fundamental importância. É quando surge o Zeppelin, um balão dirigível de estrutura rígida que foi muito popular no início do século 20, resultado de centenas de pesquisas e experimentos anteriores, incluindo os inventos de Santos Dumont. Com um design único, o Zeppelin marcou não somente a indústria aeroespacial, mas também toda a sociedade da época. E sua influência no pós-guerra poderá ser comprovada até mesmo na Amazônia brasileira.

É o que acontece em Belém do Pará. O zepelim de Belém caracterizou-se por um veículo de transporte coletivo, diretamente influenciado pelos dirigíveis Zeppelins, tanto em seu formato particular, quanto ao modo como seus passageiros e funcionários o estimavam. Mais do que uma mera diferenciação didática, o uso do nome Zeppelin, tornou-se sinônimo de dirigível, enquanto a grafia “zepelim” corresponde ao aportuguesamento da palavra, simbolizando um uso mais adequado ao fazer referência ao ônibus paraense.

2. O PRIMEIRO ZEPPELIN

Ferdinand von Zeppelin, nobre e ex-militar alemão, em 1894 requereu e conseguiu uma patente de um dirigível e decolou do lago Constança com o seu LZ-1 (Luftschiffbau Zeppelin nº 1), produzido na empresa Zeppelin Luftschifftechnik GmbH, fundada pelo Conde alguns anos antes. Com 137 metros, e equipado com dois motores de 32 cavalos, o LZ-1 voou durante 18 minutos e devido a uma série de falhas aterrissou sobre algumas casas.

Em 1906, depois de Alberto Santos Dumont ter alcançado a perfeita dirigibilidade com o seu dirigível Nº 6, o Conde Zeppelin prosseguiu com seus inventos, buscando uma aeronave rígida que pudesse ser utilizada comercialmente para viagens de passageiros. Voou com o LZ-2 e o LZ-3, em 1908 fez o teste de 24h com o LZ-4, levando 15.000 metros cúbicos de hidrogênio. O voo terminou em desastre após algumas escalas, explodindo no ar em Echterdingen (DICK; ROBINSON, 1992).

O desastre, embora sem vítimas, causou grande comoção e todo o povo alemão queria contribuir com dinheiro para que os Zeppelins fossem um sucesso. Agora com dinheiro vindo de todas as partes, a Luftschiffbau Zeppelin (Usina de Aeronaves Zeppelin) pode investir nas construções dos LZ’s. Em fins de 1909 inauguraram a primeira linha aérea de passageiros do mundo, entre cidades alemãs. Surgia a Deutsch Luftschiffarts-Aktien-Gesellschaftt, ou DELAG. A DELAG construiu aeroportos em Frankfurt, Berlim, Hamburgo e Dresden e os dirigíveis Zeppelins da companhia passaram a estabelecer e cumprir horários tão rígidos quanto os trens.

Em 1914 estourou a Primeira Guerra Mundial. Os Zeppelins tinham capacidade de transportar grande quantidade de bombas a grandes distâncias, e apesar da artilharia antiaérea na entrada de Londres, os dirigíveis alcançavam grandes altitudes,

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o que impediam ataques precisos dos aviões. Com a derrota alemã, foi estabelecida a República de Weimar. Pesadas indenizações foram impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalles e alguns dos grandes dirigíveis tiveram que ser entregues aos Aliados como parte da indenização de guerra. Foram entregues para a França, Itália, Estados Unidos e Inglaterra. O LZ-114, último a ser construído para a Marinha Alemã, foi entregue à França e passou a se chamar Dixmund. Este era o mais avançado de todos, podia ir a Nova Iorque e voltar à Alemanha, sem escala.

Com o avião se desenvolvendo cada vez mais, os dirigíveis mostraram-se ineficazes para o combate. No entanto, apresentavam cada vez mais vocação para a paz. Se por um lado eram lentos quando comparados às novas máquinas aéreas, por outro lado, a grande capacidade de carga e fabulosa autonomia deixava clara a vocação para o transporte aéreo de passageiros. Com doações estatais, a fábrica Zeppelin iniciou a construção do LZ-127, a maior e mais moderna aeronave de transporte de passageiros já construída até então.

Com a subida de Adolf Hitler ao poder, as pressões sobre a fábrica se intensificam. Nesse momento, a Luftschiffbau Zeppelin fazia parte do orgulho alemão, e como tal, propagandas políticas do regime nazista passaram a figurar compulsoriamente nos dirigíveis. Além disso, o próprio regime passou a ser acionista da empresa. Neste contexto iniciou-se a construção do LZ-129, que consistia em um projeto ainda maior e mais ambicioso que seus antecessores (DICK; ROBINSON, 1992).

Com 245m de comprimento e capacidade de 200.000 metros cúbicos de hidrogênio, o LZ-129, nomeado Hindenburg, era capaz de elevar um peso bruto de 236 toneladas, tinha, portanto, uma vez e meia a capacidade ascensional do seu antecessor Graf Zeppelin. Desenvolvia uma velocidade de 135 Km/h, e tinha uma raio de ação de cerca de 15.000 Km. As figuras 1 e 2 mostram, respectivamente, o Hindenburg ancorado e as suas dimensões comparadas a aviões comerciais e outros veículos.

Figura 1 - Dirigível Hindenburg atracado no hangar

FONTE: CAMARGO, 2003.

Figura 2 – Comparação das dimensões do Hindenburg com demais aeronaves

FONTE: Wikipédia <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ee/Giant_Aircraft_Comparison.svg>.

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O LZ-129 tinha muito mais espaço disponível para acomodações. Ao invés de estarem todos recolhidos a uma gôndola abaixo do balão, o Hindenburg possuía dois conveses no interior do casco. No convés B havia banheiros com banheira e chuveiro para a tripulação, um salão para a tripulação, cozinha e outro salão para os oficiais. Do convés A os passageiros podiam apreciar da sacada, por grandes janelas, a paisagem que se descortinava diante de seus olhos (DICK; ROBINSON, 1992).

Apesar da proximidade com um grande volume de hidrogênio, ao lado do bar existia uma sala de fumar, rigorosamente controlada por um funcionário que servia seus hóspedes com palitos de fósforo, somente liberados para serem utilizados neste lugar especialmente projetado para garantir a segurança do voo. A Figura 5 mostra a sala de fumo.

Figura 3 - Sala de fumo.

Fonte: BAPTISTA, 2010.

Durante a rota para a América, o dirigível aproximou-se da costa norte-americana, na Base Naval de Lakehurst. Ao iniciar a delicada manobra de pouso e atracação, um incêndio na parte traseira da aeronave se iniciou e em seguida, uma explosão foi se espalhando pela estrutura do Zeppelin. Morreram no acidente 13 passageiros, 22 tripulantes e um técnico que estava trabalhando no solo durante o pouso. O acidente foi investigado por uma comissão, e junto com a companhia Zeppelin, concluiu que o hidrogênio havia vazado de algum dos tanques e uma faísca dera a ignição.

No entanto, recentemente, o Dr. Addison Bain, ex-cientista da NASA que trabalha há muito tempo com hidrogênio, encontrou outra causa para a ignição que deu origem ao incêndio. Bain constatou em seu relatório que o revestimento do Hindenburg era de um material extremamente inflamável (nitrocelulose recoberta por uma película de alumínio) e que o fogo foi causado por uma faísca provocada pela eletricidade estática acumulada na aeronave (CAMARGO, 2003).

Apesar do acidente, a Luftschiffbau Zeppelin ainda construiu o dirigível LZ-130 Graf Zepellin II. Porém, a proximidade da Segunda Guerra Mundial enterrou completamente a saga dos Zeppelins, marcando para sempre a história aeroespacial e deixando um legado formal no design dos veículos de transporte (BAIN; SCHIMIDTCHEN, 2003).

3. O ZEPELIM DE BELÉM

Muitos designers voltaram-se para as máquinas, instrumentos e produtos da indústria na busca de formas estéticas e um fundamento lógico que correspondesse de

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modo mais adequado e expressivo à natureza tecnológica do mundo moderno. Por volta dos anos 20, uma “estética da máquina” havia surgido, enfatizando formas geométricas abstratas vinculadas a uma “filosofia funcionalista”. Algum tempo depois, em meio a indústria automobilística americana, surge o Styling. O styling usou os elementos visuais como fator de atratividade comercial, isto é, introduzia aspectos estético-formais (cosméticos) nos objetos. O styling possibilitou a retomada da economia americana depois da crise do capitalismo, ainda que os designers abominem esse tipo de trabalho por reduzi-los a embelezadores de produtos.

É compreensível, ainda que não justificável, uma maior ênfase no styliyng, que é uma variante do desenho industrial que enfatiza, com exclusividade, os aspectos epidérmicos, as variáveis formais, o grande carnaval visual para o consumo eufórico (BONSIEPE, 1983, p.62).

O ônibus zepelim de Belém do Pará surge na década de 40 e provoca frisson. Com um design inspirado nos já aposentados Zeppelins, este veículo bebia na mesma fonte do styling norte-americano, uma vez que sua preocupação estética não estava atrelada a uma evolução funcional: sua estrutura básica era comprada da White Motor Company, fábrica de caminhões e utilitários do início do século, e seu acabamento externo e interno eram feitos em uma oficina local (MENDES, 1998). No entanto, não é menos do que curioso o fato da ideia de concepção do ônibus ter surgido em Belém do Pará.

Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos construíram uma base aérea na cidade. Existia um contexto de total influência estadunidense em toda América Latina, o american way of life. Essa influência explica a preferência pela compra dos chassis da White Co.. Provavelmente, o modelo era importado ou comprado de segunda mão de empresas do sudeste do país. E também, explica o fascínio provocado pelos antigos zepelins que ainda eram utilizados pelo exército americano em bases no Amapá e em Igarapé-Açu.

Na capital do Pará, contador do Banco Ultramarino Brasileiro, Clóvis Ferreira Jorge abriu a indústria São José de Ribamar Ltda., que iniciou a fabricação dos primeiros cinco ônibus. Eram automóveis perolados, cujo formato imitava o icônico Zeppelin (MENDES, 1998), conforme mostra a Figura 4.

Figura 4 – Cinco veículos da empresa São José de Ribamar Ltda.

FONTE: BALEIXE, 2009.

A população da cidade passava a contar com uma nova empresa de transporte: a Viação Sul-Americana, com veículos de design e produção paraense como comprova a Figura 5. Um avanço, se comparado com a situação atual, onde a quase totalidade da

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produção industrial é importada. Para a sociedade da época, uma novidade mais do que instigante. Andar nos zepelins era motivo de lazer e diversão. Relatos dão conta da animação de aguardar o zepelim durante os domingos, na linha “Circular”:

Enfarpelados em suas melhores roupas domingueiras, um bom programa infantil era dar uma volta no “Circular”, sentindo-se nas nuvens – precursores dos astronautas... Filhos meus, os mais velhos, ainda iriam desfrutar desse privilégio lá pelo final dos anos 50 (MENDES, 1998. p.73).

Segundo Mendes (1998), o interior dos ônibus zepelim era feito em madeira e couro acolchoado, um luxo para uma época onde grande parte dos bondes recém-aposentados ainda contava com bancos inteiriços de madeira, sem estofamento. No blog Haroldo Baleixe, foi publicada uma notícia sobre a abertura dos arquivos da antiga revista Life, que foram comprados pela Google, e onde se encontram alguns registros fotográficos dos zepelins (BALEIXE, 2009).

Existem, portanto, dúvidas quanto à quantidade e até quanto ao design original dos ônibus: em uma das imagens, o ‘dirigível’ de uma empresa chamada Viação Triunfo aparece na doca do Ver-O-Peso (Figura 5). Nessa imagem é possível ver (na única imagem em cores do zepelim), o moderno abrigo de passageiros (sob o qual também pairam dúvidas quanto a presença de um posto de gasolina), chamado de “clipper”. Havia vários clippers espalhados pela cidade, que eram até então utilizados pelos bondes.

Figura 5 – Ônibus zepelim da Viação Triunfo, estacionado em clipper no Mercado do Ver-O-Peso

FONTE: GOOGLE LIFE, 2009.

Na Figura 6, em frente ao Mercado de São Brás, o dirigível já surge sob o selo da Viação Sul Americana. A imagem mostra ainda uma diferença em relação às janelas. Ainda não se sabe, se a Viação Triunfo foi contemporânea à Viação Sul-Americana, fazendo-lhe concorrência, ou se ambas são a mesma empresa em momentos distintos da história e do mercado.

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Figura 6 – Ônibus zepelim da Viação Triunfo, em frente ao Mercado de São Brás

FONTE: GOOGLE LIFE, 2009.

Além destas fotografias, somente os relatos compõem o quadro histórico do ônibus zepelim. Portanto é importante que haja uma investigação mais profunda sobre suas origens e sua importância para além do design e do formato, mais atrelada a história e ao contexto de sua fabricação e circulação. Os ônibus zepelim saíram de circulação aproximadamente 15 anos após sua estreia. Durante este tempo, foram se deteriorando e sendo ou vendidos ou substituídos por outros veículos mais potentes. É importante destacar que, após os anos 50, a iniciativa de integração nacional das políticas governamentais impulsionou a indústria nacional localizada no sudeste, e simultaneamente, retraiu as pequenas indústrias locais. Com isso, as pequenas manufaturas que atendiam o mercado regional acabaram fechando devido a elevada concorrência. Provavelmente, este foi o caso da São José de Ribamar Ltda., responsável pela fabricação dos ônibus zepelim.

4. ANALISANDO O DESIGN

O objetivo desta pesquisa é desenvolver um modelo 3D do ônibus zepelim de Belém. No entanto, a profunda carência de informações detalhadas, projetos, croquis, e mesmo fotografias do interior do veículo, de detalhes externos ou de seu funcionamento, ocasionou a formulação de hipóteses apenas com base no material disponível. E é partindo dessas suposições apoiadas em relatos e em registros históricos, que se realiza o presente estudo.

4.1 Quanto aos materiais

Tendo sido fabricado em uma oficina a partir de uma carroceria pronta, o zepelim de Belém mostra as possibilidades de acabamento e uso de materiais da época, particularmente, em Belém do Pará. Conforme nos diz Mendes (1998), o zepelim era montado em madeira e recoberto com chapas metálicas.

Analisando a fotografia dos arquivos da revista Life publicada pelo jornal O Globo, verifica-se que a cobertura metálica, com o passar do tempo e com o uso contínuo, sofreu alguns desgastes. É possível inferir, que não somente as chapas metálicas, mas todo o método construtivo do ônibus partia daquele identificado em

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barcos típicos da região. Sendo um processo já consolidado, a construção de barcos pode ter inspirado e até certo ponto facilitado a fabricação da estrutura do zepelim, uma vez que ambos compartilham de formato orgânico semelhante.

Diversas e numerosas são as oficinas que fabricam embarcações em torno da cidade de Belém. Certamente, a técnica de manejo da madeira dentro da São José de Ribamar Ltda, foi herdada dessas pequenas oficinas. O uso de madeira é muito comum na cidade e decorre da abundância natural da região, sendo utilizada desde grandes peças estruturais até o artesanato em miriti.

O zepelim tem uma estrutura ogival de madeira, assim como os cascos dos barcos locais. Tradicionalmente, são três os tipos de madeiras usadas em embarcações na região: a itaúba (Mezilaurus itauba), a sucupira-amarela (Bowdichia nitida), e a cumaru (Dipteryx odorata). Partindo dessas três espécies, e a partir das fotografias e dos relatos não é possível definir com segurança, qual a madeira utilizada na fabricação do zepelim. No entanto, dentre várias madeiras possíveis, estas parecem ser as que possuem maiores probabilidades de terem sido usadas pela fábrica São José de Ribamar Ltda.

Outro material citado por Mendes (1998) é o flandres. Flandres consiste em uma chapa metálica feita de uma liga de ferro e aço, recoberta por estanho. Comumente usada em latas de alimentos, tintas e utensílios domésticos por sua resistência à corrosão. É justamente esta característica que parece ser determinante para a escolha deste material para o zepelim de Belém.

Na década de 40 e 50, a cidade ainda não contava com uma frota tão numerosa de veículos particulares. E mesmo os demais veículos eram poucos, sendo mais comum o uso de carroças e dos bondes. Isso tornava o ar da cidade, certamente, mais limpo. Além disso, com uma urbanização restrita às áreas centrais, a presença de árvores nas áreas afastadas era mais marcante, o que refletiria sobre os índices de umidade. Todos esses fatores são importantes para denotar que a ocorrência de chuvas na região de Belém durante esse período histórico, ajudou a mitificar a cidade como àquela que possui sua rotina diretamente influenciada pela mesma. A escolha de um material resistente à corrosão, como o flandres, parece ser ainda mais sensata do ponto de vista produtivo quando se considera os índices pluviométricos da capital do Pará naquele momento.

Observa-se que, quanto aos materiais estruturais, o zepelim de Belém possuía relativa simplicidade. Porém, o possível e necessário uso de borrachas e couro para vedação das janelas, no mecanismo de fechamento da porta e nos assentos, diferem do relato de MENDES (1998). Esses outros materiais, podem ter sido usados ou não. Não é possível afirmar seu uso, a partir das fotografias.

4.2 Quanto a estética e a semiótica

A relação de influência direta em termos de design, do Zeppelin alemão sobre o

zepelim paraense é inegável e assumida. No entanto, a análise semiótica das fotografias podem trazer novas interpretações possíveis ao utilizarmos uma teoria geral da representação, desenvolvida por Peirce (1983).

Segundo Peirce (1983), os signos são qualquer coisa que represente alguma outra coisa. Tomando a fotografia colorida do zepelim, divulgada pela Google, analisemos.

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a) A Primeiridade – caracteriza-se pelo impacto inicial do signo, quando o reconhecemos de imediato, a partir de como ele se apresenta, mesmo que sua plena representação ainda não esteja totalmente clarificada. Um veículo alongado, com muitas janelas e estacionado sob uma marquise, em uma área de atracação de barcos. b) A Secundidade – é o momento de definição das particularidades do signo. É um veículo de transporte coletivo, um ônibus. Estacionado sob uma cobertura que destoa das demais edificações do entorno. De formato alongado e cor perolada, o veículo possui a inscrição “Dirigível”. c) A Terceiridade – quando estabelecemos as diferentes relações possíveis a partir do signo que se apresenta.

A inscrição “Viação Triunfo” e o formato alongado, com muitas janelas e assentos, caracteriza um ônibus. Ao combinarmos isso com a outra inscrição (“Dirigível”) e com a cor perolada do revestimento metálico, temos o nosso Zeppelin. Ao estacionar sob a moderna marquise, identificamos que o ônibus, agora zepelim, é um elemento fora de contexto no sentido de contrastar seu formato e características metalizadas, industriais, com o entorno tipicamente colonial da cidade.

E essa é a interpretação que ficou do zepelim paraense: um avanço moderno do ponto de vista formal-estético, quando colocado para circular em uma cidade com muita memória colonial.

Esteticamente, ainda é possível partir para uma rápida análise visual. O formato ogival do zepelim, segundo Dondis (2003) é um intermediário entre a regularidade do quadrado e a organicidade do círculo. Os pontos de atração são a frente, que quebra o equilibrado ritmo das janelas; as rodas com seus protetores, que se prolongam do corpo ogival; e as três inscrições no corpo maior do veículo.

Seria igualmente possível analisar a usabilidade do veículo, a qualidade e a ergonomia de seus assentos, o piso interno, o revestimento interno, o banco do motorista, o painel de controle, a escada e o mecanismo da porta. Porém, como já foi dito, a carência de informações impede que a as análises sejam mais profundas e respaldem a construção de um modelo 3D, ou até mesmo um protótipo em tamanho real. 5. RESULTADOS

Com base nas fotografias do ônibus zepelim, essa pesquisa pretendeu desenvolver um modelo 3D, como forma de resgatar o conteúdo histórico deste objeto do design paraense. Quanto aos métodos, as imagens foram utilizadas como referência para o desenvolvimento de um projeto detalhado em prancha, que auxiliou a construção de um modelo 3D virtual.

É possível notar que a construção do ônibus se estrutura em chapas metálicas dispostas regularmente sobre a estrutura de madeira erguida sobre o chassi. Interiormente, na imagem em perspectiva, os bancos são dispostos em filas, sem um assento especial para o cobrador. Segundo Mendes (1998), isso é devido à elevada estima que se dava ao zepelim, onde os cobradores eram “aeromoças” e compunham a “tripulação”. Para este esquema, definiu-se a extensão do zepelim analisando a fotografia do arquivo da Revista Life, e comparando as alturas relativas das pessoas presentes na cena e do clipper.

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Figura 7 – Esquema do zepelim

FONTE: SOARES, 2012.

O esquema acima mostra as distâncias entre os eixos das rodas, e a distancia piso-teto no ponto mais elevado. A curvatura do teto, aparentemente, foi feita com um material mais resistente do que o corpo, uma vez que ele se apresenta mais liso, com menos imperfeições, como se fosse uma peça única. Também é importante notar que existe uma única porta no ônibus, disposta do lado direito do motorista, a qual não é possível ter certeza sobre seu fechamento. Não há registros de como funcionava, e nem mesmo da porta em si, apenas da abertura.

As figuras 9 e 10 mostram vistas do ônibus, reconstruídas tridimensionalmente a partir dos registros fotográficos

Figura 8 – Modelo tridimensional do ônibus zepelim de Belém, visão lateral

FONTE: SOARES, 2012.

Figura 9 – Modelo tridimensional do ônibus zepelim de Belém, visão perspectiva

FONTE: SOARES, 2012.

O zepelim de Belém como um todo, carece de outros tipos de registros. Os únicos, aqui mostrados, foram feitos por fotógrafos e revistas estrangeiras, o que

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mostra mais uma vez, o quanto é importante resgatar esse objeto do ‘limbo’, e trazê-lo para o âmbito das discussões científicas.

6 CONCLUSÃO

Tão importante quanto o registro fotográfico em si, é a interpretação dos fatos e do contexto adjacente ao registro. No caso do zepelim de Belém, as políticas de integração nacionais colocaram um ponto final na breve história deste objeto, quando a São José de Ribamar Ltda. passa a competir com o produto de outras empresas, incentivadas pelo grande capital do sudeste do país.

Nesse sentido, se faz ainda mais importante a necessidade de esclarecer as circunstâncias projetuais do zepelim. Uma vez que, praticamente toda a sua criação e fabricação se deu em terras paraenses. Uma tarefa, certamente, árdua demais para o campo do design atuar sozinho.

A contribuição deste artigo se dá na primazia de lançar este assunto ao debate acadêmico. Assunto este que envolve outras áreas de conhecimento, que com seus métodos particulares podem contribuir para esclarecer o contexto da época. Assim, o design paraense pode se voltar ao estudo de um de seus objetos mais fascinantes e icônicos: o ônibus zepelim.

REFERÊNCIAS

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BALEIXE, Haroldo. In: Blog do Haroldo. Belém do Pará – LIFE – Abril de 1957. Disponível em <http://haroldobaleixe.blogspot.com.br/2009/01/belm-do-par-de-1957-destaque-em-o-globo.html> Acessado em: 17/06/2012.

BALEIXE, Haroldo. In: Blog do Haroldo. Jaime Bibas e os ônibus zepelim de Belém do Pará. Disponível em <http://haroldobaleixe.blogspot.com.br/2008/12/jaime-bibas-colabora-com-o-blog-hb.html> Acessado em: 17/06/2012.

BAPTISTA, Marco Túlio Freire. O Desastre do dirigível Hindenburg: o último ato dos Zeppelins. Rio de Janeiro: Histórias & Atualidades, 2010.

BONSIEPE, Gui. A tecnologia da tecnologia. São Paulo: Edgard Blucher, 1983.

CAMARGO, João Carlos. O Acidente do Hindenburg. 2003. Disponível em: <http://www.ifi.unicamp.br/ceneh/boletim/boletim7/B7-%20O%20Acidente%20do%20Hindenburg.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2012.

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DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2003.

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