objetiva(aÇÃo) da medida e contagem do tempo em … · linha de pesquisa: educaÇÃo matemÁtica...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAO MATEMTICA
OBJETIVA(AO) DA MEDIDA E CONTAGEM DO TEMPO EM PRTICAS
SOCIOCULTURAIS E EDUCATIVAS
OSVALDO DOS SANTOS BARROS
Natal, RN
2010
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OSVALDO DOS SANTOS BARROS
OBJETIVA(AO) DA MEDIDA E CONTAGEM DO TEMPO EM PRTICAS
SOCIOCULTURAIS E EDUCATIVAS
Tese apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial para a obteno de ttulo de Doutor em
Educao (rea de EDUCAO
MATEMTICA).
Orientador: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes
Natal - RN
2010
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Catalogao da Publicao na Fonte.UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Barros, Osvaldo dos Santos.Objetiva(ao) da medida e contagem do tempo em prticas
socioculturais e educativas / Osvaldo dos Santos Barros. Natal,RN, 2010.
165f.
Orientador: Prof Dr. Iran Abreu Mendes.Tese (Doutorado em Educao) Universidade federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Cincias Sociais e Aplicadas. Programa dePs-graduao em Educao. Linha de pesquisa: Educao Matemtica.
1. Educao Tese. 2. Ensino da matemtica Tese. 3. Conceitosgeomtricos Ensino. 4.Etnomatemtica Tese. 5. Etnoastronomia Tese. I. Iran Abreu. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.Ttulo.
RN/BS/CCSA CDU: 37.091.33(043.2)
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OSVALDO DOS SANTOS BARROS
Objetiva(Ao) da Medida e Contagem do Tempo em Prticas Socioculturais e Educativas
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao emEducao da Universidade Federal do Rio Grande doNorte, como requisito parcial para a obteno de ttulo deDoutor em Educao (rea de EDUCAOMATEMTICA).
Aprovada em 24 de junho de 2010
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________Prof Dr. IRAN ABREU MENDES
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
(Orientador)__________________________________________________________
Profa. Dra. MARIA JOS FERREIRA DA SILVAPontifcia Universidade Catlica de So Paulo
(1 Avaliador Externo)__________________________________________________________
Profa Dra. ROGRIA GALDENCIO RGOUniversidade Federal da Paraba - UFPB
(2 Avaliador Externo)
__________________________________________________________Profa Dra. MARIA DA CONCEIO DE ALMEIDA
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
(1 Avaliador Interno)__________________________________________________________
Prof Dr. JOHN A. FOSSAUniversidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
(2 Avaliador Interno)__________________________________________________________
Prof Dr. JOO CLUDIO BRANDEMBERGUniversidade Federal do Par - UFPA
(Suplente Externo)__________________________________________________________
Profa Dra. CLAUDIANNY AMORIM NORONHAUniversidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
(Suplente Interno)
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AGRADECIMENTOS
Agradeo o respeito, a sensibilidade e a preocupao do Prof. Dr. Iran Abreu
Mendes, orientador, parceiro e amigo durante todo o trabalho e fora dele, um trabalho e
amizade que j seguem por mais de uma dcada e meia.
imperial agradecer aos meus filhos Biel, Augusto e Joo e minha esposa Ins,
que se permitem serem tragados num tempo e espao tomados pela nossa necessidade
de produzir Cincia e contribuir com a Educao, sem nos darmos conta de que o nosso
maior objetivo sermos felizes.
Agradeo a imensa colaborao de Margarida Knobbn pela reviso desse texto.
Agradeo a todos aqueles que contriburam com suas palavras, seus olhares e
seus silncios para a realizao deste trabalho.
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DEDICATRIA
Aos meus filhos e minha esposa.
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RESUMO
Esta tese descreve a analisa alguns processos estabelecidos e praticados por dois
grupos socioculturais acerca da objetiva(ao) da medio do tempo, mobilizados de
algumas prticas scio-histricas como o uso do gnmon, do relgio de Sol e a leitura e
interpretao dos movimentos das constelaes celestes, em contextos culturais como as
comunidades indgenas e de pescadores do estado do Par. A finalidade do estudo foi
descrever a mobilizao de tais prticas scio-histricas na elaborao de matrizes para o
ensino de conceitos e habilidades geomtricas relacionadas a ngulos, semelhana de
tringulos, proporcionalidade e simetria na formao de professores de Matemtica. O
registro de toda a trajetria de investigao das prticas scio-histricas, da ao
formativa, foi realizado com base nos pressupostos epistemolgicos da Educao
Etnomatemtica, propostos por Vergani (2000, 2007) e DAmbrosio (1986, 1993, 1996,
2001, 2004). e nas concepes de Alain Bishop acerca da Enculturao Matemtica. Ao
final do estudo apresento minhas impresses quanto s contribuies mobilizadas das
prticas scio-histricas e culturais para a matemtica escolar, no sentido de dar
significao formao conceitual e didtica dos alunos, principalmente nas implicaes
da Educao Etnomatemtica proposta por Vergani (2000, 2007) para a formao de
futuros professores de Matemtica.
Palavras-Chaves: Medio e contagem do tempo. Ensino da Matemtica. Ensino de
conceitos geomtricos. Etnomatemtica. Etnoastronomia.
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ABSTRACT
This thesis describes and analyzes various processes established and practiced by
both groups about the socio-cultural objective (action) the measurement and timing,
mobilized some socio-historical practices as the use of the gnmon of the sundial and
reading and interpretation of movements celestial constellations in cultural contexts such
as indigenous communities and fishermen in the state of Par, Brazil. The Purpose of the
study was to describe and analyze the mobilization of such practices in the socio-historical
development of matrices for teaching concepts and skills related to geometric angles,
similar triangles, symmetry and proportionality in the training of mathematics teachers. The
record of the entire history of investigation into the socio-historical practice, the formative
action was based on epistemological assumptions of education ethnomathematics
proposed by Vergani (2000, 2007) and Ubiratan D'Ambrosio (1986, 1993, 1996, 2001,
2004) and Alain Bishop conceptions about mathematics enculturation. At the end of the
study I present my views on the practices of contributions called socio-cultural and
historical for school mathematics, to give meaning to the concept formation and teaching
of students, especially the implications of Education Ethnomatematics proposed by
Vergani (2000) for training of future teachers of mathematics.
Keywords: Measurement and timing. Mathematics Teaching. Teaching geometricconcepts. Ethnomathematics. Ethnoastronomy.
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RSUM
Cette thse dcrit et analyse les divers processus mis en place et pratique par deux
groupes socio-culturel sur l'objectiv(action) de la mesure et comptage du temps, mobiliss
partir de certaines pratiques socio-historiques comme l'utilisation du gnomon, du cadran
et de la lecture et l'interprtation des mouvements des constellations clestes dans des
contextes culturels tels que les communauts indigenes et les pcheurs l'Etat de Para,
au Brsil. La finalit de ltude a t de dcrire et danalyser la mobilisation de telles
pratiques scio-historiques dans dans la prparation des matrices pour l'enseignement
des concepts et des habilets lies aux angles gomtriques, triangles semblables, la
symtrie et la proportionnalit dans la formation des enseignants de mathmatiques. Le
registre de toute la trajectoire de l'enqute des pratiques socio-historiques, de l'action
formative a t sur des prsupposs pistmologiques de l'ducation propose par
ethnomathmatique Vergani (2000, 2007) et Ubiratan D'Ambrosio (1986, 1993, 1996,
2001, 2004 ) et aux conceptions dAlain Bishop sur enculturation mathmatique. la fin de
l'tude je prsente mes impressions quant aux contributions mobilises des pratiques
socio-culturel et historique pour la mathmatiques scolaire, dans le sens de donner
signification la formation de conceptuelle et de la didactique des tudiants, en particulier
les implications de l'ducation Ethnomatematics propose par Vergani (2000) pour
formation des futurs enseignants de mathmatiques.
Mots-cls: Mesure et calendrier. Enseignement des mathmatiques. L'enseignement desconcepts gomtriques. Ethnomathmatique. Ethnoastronomie.
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Lista de Figuras
Figura1 Trajetria da jornada de dilogos, interpretao e representao das prticasastronmicas e contribuies para a elaborao de matrizes ao ensino deGeometria
Figura 2 Movimento das mars e sistema Terra-Lua (a)
Figura 3 - Movimento das mars e sistema Terra-Lua (b)
Figura 4 - Movimento das mars e sistema Terra-Lua (c)
Figura 5 - Rplica do gnmon instalado no Planetrio do Par
Figura 6 Azimute
Figura 7 Posio do Sol em relao aos hemisfrios (a)
Figura 8 Quadrante Solar
Figura 9 Posio do Sol em relao aos hemisfrios (b)
Figura 10 Clipsidra
Figura 11 - Relgio de Azeite
Figura 14 Ampulheta
Figura 15 - Vela Calibrada
Figura 16 Grupo de estudantes visitam o Planetrio do Par
Figura 17 Vigilenga Canoa de pesca movida a vela
Figura 18 Seu Raimundo mostrando o Relgio Solar
Figura 19 - Estrutura do Relgio Solar (a)
Figura 20 - Estrutura do Relgio Solar (b)
Figura 21 Seu Raimundo mostrando o funcionamento do Relgio Solar
Figura 22 Perodos do dia indicados pelo Relgio Solar (a)
Figura 23 Posicionamento do Sol ao meio dia para a latitude 005130, durante os solstciose equincios
Figura 24 Perodos do dia indicados pelo Relgio Solar (b)
Figura 25 Perodos do dia indicados pelo Relgio Solar (c)
Figura 26 Observador como gnmon para saber perodo horrio do dia
Figura 27 Constelao do Cruzeiro do Sul
Figura 28 Constelao do Tringulo Austral
Figura 29 Duas Marias: Alfa e Beta do Centauro
Figura 30 Trs Marias no cinturo do rion
Figura 31 Pliades
Figura 32 Vnus, a Estrela DAlva
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Figura 33 Seu Almerindo nos recebendo em sua casa
Figura 34 Constelao do Barquinho
Figura 35 Da esq. para dir: Chico Rico, Afonso, Emdio e Cavique Lourival
Figura 36 Plano orbital da Terra Solstcio de vero para o hemisfrio Norte (posio 1) e parao Sul (posio 2)
Figura 37 Calendrio solar das estaes
Figura 38 Sol nascente na aldeia Teko-Haw
Figura 39 Cruzeiro do sul visto das regies prximas linha imaginria do equador
Figura 40 Cruzeiro do sul visto das regies distantes linha imaginria do equador
Figura 41 O Cruzeiro do sul como calendrio agrcola
Figura 42 Constelao da Wiranu (A Ema)
Figura 43 Constelao da Azim (A Siriema)
Figura 44 Calendrio das constelaes do lado sul
Figura 45 Registro da sombra do gnmon ao longo do dia
Figura 46 Definio dos pontos da bissetriz dos ngulos formadas pela sombra do gnmon
Figura 47 A bissetriz e as linhas Norte-Sul e leste-Oeste
Figura 48 Possibilidade de fixao do gnmon em terreno inclinado
Figura 49 Projeo da sombra do gnmon em terreno inclinado
Figura 50 Gnmon no plano hotizontal (a)
Figura 51 Gnmon no plano hotizontal (b)
Figura 52 Projeo da sombra do gnmon em terreno horizontal
Lista de Quadros, Grficos e Tabelas
Quadro 1 Florao e sementes das rvores da Amaznia (a)
Quadro 2 Florao e sementes das rvores da Amaznia (b)
Quadro 3 - Estaes do ano para os Temb-Tenetehara
Quadro 4 Equincios e Solstcios
Quadro 5 Solstcios e Equincios para os hemisfrios Norte e Sul
Quadro 6 Estaes segundo os movimentos das constelaes
Lista de Abreviaturas e siglas
LABEM - Laboratrio de Estudos da Matemtica
UEPA - Universidade do Estado do Par
UFPA - Universidade Federal do Par
MAL - Meridiano Astronmico do Lugar
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SUMRIO
Pequeno Mapa da Objetiva(ao) da medio e contagem do tempo...................15
I Traando Rumos no Tempo e no Espao.....................................................................19
1 - O ensino da Matemtica: dilemas.......................................................................22
2 Soltando as amarras .........................................................................................24
3 A Navegao......................................................................................................26
4- Orientao pela Etnoamatemtica......................................................................27
5 - Meus Questionamentos e Decises..................................................................32
II Caminhos e Modos de Objetivao do Tempo...........................................................37
1 Interao sujeito-objeto: caminhos para objetivao.........................................38
2 A busca pela transcendncia.............................................................................47
3 Tempo e pensamento: a natureza e os ciclos do mundo...................................48
4 - Tempo cclico e tempo no-cclico......................................................................50
5 Parmnides e Herclito: o ser e o tempo...........................................................52
6 Tempo Fsico ....................................................................................................68
6.1 Instrumento de aferio da medio e
contagem do tempo............................................................................59
7 Tempo Orgnico................................................................................................71
7.1 Calendrio Ashaninka..........................................................................74
7.2 Calendrio das frutferas e plantas teis.............................................75
8 Objetivao do tempo no mbito da cultura .....................................................79
8.1 Tempo Mitolgico.................................................................................80
8.2 Tempo Ritualstico................................................................................85
9 Objetivao do tempo no mbito do trabalho....................................................87
III Objetivao do Tempo em Prticas Culturais e do Trabalho......................................91
1 - Astronomia e as prticas educativas no Planetrio............................................93
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1 - O que um planetrio? ...........................................................................96
2 Astronomia e Cultura ........................................................................................98
3 Um planetrio na Amaznia ............................................................................102
4 - Etnoastronomia no Planetrio...........................................................................105
5 OS pescadores de Vigia: O gnmon e navegao pela
estrelas .pelas estrelas ...........................................................................107
5.1 - Seu Raimundo e o relgio solar..........................................................108
5.2 O Relgio Solar .................................................................................109
5.3 - As formaes estrelares.....................................................................114
5.4 - Seu Almerindo e as constelaes.......................................................118
6 - Os Temb-Tenetehara: gnmon e calendrio agrcola...................................120
6. 1 - Os Temb-Tenetehara ......................................................................121
6. 2 - Patico Temb (Chico Rico)................................................................123
6.3 - Conversando sobre as estrelas .........................................................123
6.4 As estaes do ano............................................................................124
6.5 - Kwarahy O Sol e as estaes do ano .............................................128
6.6 Os pontos cardeais e as linhas de orientao...................................129
6.7 - O caminho do Sol................................................................................129
6.8 As constelaes ...............................................................................131
6.9- Um mapa celeste das constelaes....................................................133
6.10 Leituras Matemticas ; recorrncias ............................................137
IV Objetiva(ao) do tempo em prticas educativas ....................................................141
1 - Trabalhando com o gnmon em Altamira .......................................................142
2 - Gnmon no plano inclinado.............................................................................148
3 - Gnmon no plano horizontal ...........................................................................150
Lua Azul: Instantes de reflexo final ..............................................................................155
Referncias Bibliogrficas ..........................................................................................157
Anexos ...........................................................................................................................162
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Pequeno Mapa da Objetiva(ao) da medio e
contagem do Tempo
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sta tese trata da descrio e anlise de alguns processos
estabelecidos e praticados por dois grupos socioculturais a respeito
da objetiva(ao) da medio e contagem do tempo. Nesse sentido,
mobilizei algumas prticas scio-histricas como o gnmon um instrumento
de aferio das direes Norte, Sul, Leste e Oeste, bem como do relgio de sol
e da leitura e interpretao dos movimentos das constelaes celestes, a partir
de contextos culturais como as comunidades indgenas e de pescadores do
estado do Par.
A finalidade principal da investigao descritivo-analtica realizada foi
mobilizar tais prticas scio-histricas na elaborao de matrizes para o ensino
de conceitos e habilidades geomtricas relacionadas a ngulos, semelhana de
tringulos, proporcionalidade e simetria na formao de professores de
Matemtica1.
Na composio das matrizes mencionadas no pargrafo anterior, utilizei
os registros etnogrficos das prticas astronmicas dos pescadores de
Vigia/PA e dos ndios Temb-Tenetehara, da aldeia Teko-Haw/PA, visando
compreender como esses grupos elaboram e praticam seus processos de
objetiva(ao) da medio e contagem do tempo. Assim, foi possvel identificar
e representar os conhecimentos matemticos que se auto-evidenciam nessas
prticas, bem como na observao dos movimentos dos astros.
A partir dos saberes e prticas investigados e representados, mobilizei
tais prticas para a realizao de uma ao formativa junto a um grupo de
alunos do curso de Licenciatura em Matemtica do Campus de Altamira (Par),
da Universidade Federal do Par (UFPA), que se concretizou por meio de uma
proposta metodolgica para o ensino de conceitos e habilidades geomtricas,
simetria e proporcionalidade.
1 Diferencio a cincia Matemtica, a partir da qual os contedos escolares so elaborados, dasprticas de matematizao da realidade, prprias dos grupos culturais aqui estudados, a partir do uso demaiscula e minscula respectivamente. No mesmo sentido, diferencio Astronomia (cincia) e astronomia(prticas culturais).
E
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O registro de toda a trajetria de investigao das prticas scio-
histricas e culturais, da ao formativa realizada, bem como da minha
formao Matemtica e pedaggica, est conduzida nesta tese sob a forma de
dois braos de rio que representam os lugares onde trabalhei como educador e
pesquisador: o Planetrio do Par e a UFPA, a partir dos quais desenvolvi todo
o processo de pesquisa e formao que desejo apresentar.
No captulo de abertura,Traando Rumos no Tempo e no Espao,
fao algumas consideraes sobre o ensino da Matemtica e as possibilidades
de interao dessa disciplina com as prticas socioculturais, como forma de
tornar o ensino mais significativo aos alunos. Nesse captulo aponto meus
questionamentos norteadores do desenvolvimento detse estudo.
No segundo captulo, Caminhos e Modos de Objetiva(ao) do
Tempo, trato de diferentes concepes sobre a idia de tempo e como so
elaborados referencias para a objetiva(ao) da contagem do tempo. Fao
tambm diferenciaes sobre as naturezas do tempo levantando algumas
classificaes, como: Tempo Fsico, Tempo Cultural e Tempo Orgnico, para
evidenciar a adoo de referncias para a contagem do tempo, como um
processo lgico-matemtico, no sentido de envolver, sistematicamente:
observao, registro e representao do pensamento.
No terceiro captulo, denominado Objetiva(ao) do Tempo nas
Prticas Culturais e do Trabalho, revisito os registros feitos durante os
perodos de dilogos com os pescadores da cidade de Vigia, no Par e com os
ndios Temb-Tenetehara, da aldeia Teko-Haw, na fronteira do Par com o
Maranho.
Esses dilogos aconteceram a partir do meu trabalho como educador e
pesquisador do Planetrio do Par. Fao, nesse captulo, uma reviso dos
referenciais adotados pelos Temb-Tenetehara, na elaborao de calendrios,
apresentados na minha dissertao de mestrado, e amplio as discusses sobre
esses referencias, com o registro indito dos referenciais adotados pelos
pescadores da cidade de Vigia.
No quarto captulo, intitulado Objetiva(ao) do Tempo na Prticas
Educativas, registro as atividades realizadas com os alunos do curso de
Licenciatura em Matemtica da Universidade Federal do Par (UFPA) durante
o processo de mobilizao das prticas scio-histricas e culturais para a sala
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de aula de matemtica. Nesse captulo evidencio os estudos feitos sobre o uso
do gnmon como instrumento de aferio na contagem do tempo.
Esses dilogos resultaram na representao de proposies para o
desenvolvimento de noes e habilidades geomtricas em sala de aula, a partir
das prticas scio-histricas e culturais no mbito do trabalho e o uso de seus
referenciais astronmicos.
Por fim, nas minhas consideraes finais, apresento minha
compreenso quanto s contribuies da interao Matemtica e Prticas
Socioculturais, como forma de tornar o ensino dessa disciplina mais
significativo aos alunos, e as implicaes da Educao Etnomatemtica
proposta por Vergani (2000, 2007) para a formao de futuros professores de
Matemtica.
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Captulo 1
Traando Rumos no Tempo e no Espao
O tempo
um rosto bifronte
um duplo horizonte
um estranho ser
O tempo um andrgino anjo
que ao viver se relembrando
nos faz esquecer
Joo de Jesus Paes Loureiro
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1
ste estudo tem como objeto a compreenso dos processos de leitura
dos referenciais astronmicos utilizados na objetiva(ao) da
medio e contagem do tempo em funo das prticas culturais no
mbito do trabalho, como matriz orientao de propostas pedaggicas para o
ensino de conceitos geomtricos (ngulos; simetria, perpendicularidade, etc.) e
do conceito de proporcionalidade. Seu contedo visa contribuir para uma
Educao Matemtica significativa aos alunos e que considere a diversidade
cultural, a identidade dos sujeitos e sua construo de conhecimento. A esse
respeito, exponho e discuto as prticas pedaggicas vivenciadas como
educador nas turmas de formao de professores de Matemtica na UFPA,
entre 2001 e 2003.
O mtodo de ensino utilizado nesse processo de formao me permitiu
compreender, sistematizar e utilizar algumas relaes entre a Matemtica e
determinadas prticas socioculturais tradicionais, no sentido de contribuir para
o ensino da Matemtica, de modo a dar significado aos contedos disciplinares
abordados na formao de professores e, consequentemente, na formao dos
diferentes sujeitos culturais. Esse processo ocorreu em dois momentos: o
primeiro, na pesquisa etnogrfica das prticas agrcolas dos indgenas e da
pesca dos ribeirinhos que utilizam conhecimentos sobre os movimentos dos
astros; e o segundo, nas representaes matemticas dessa etnografia com os
alunos do curso de Licenciatura em Matemtica da UFPA, na disciplina
Metodologia do Ensino da Matemtica.
A escolha dessa temtica resultou da hiptese de que o ensino da
Matemtica, distanciado das prticas socioculturais, revela-se um processo
insuficiente na formao dos professores, quanto sensibilidade, percepo
da Matemtica como produo humana, o que dificulta reconhecer nas prticas
culturais seus processos de matematizao da realidade. Essa viso, que
centra o ensino da Matemtica no cumprimento dos mtodos e rigores
E
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predominantemente cientficos, no considera as solues de problemas
encontradas na vivncia dos sujeitos culturais.
Conhecendo o problema, assim implicado na problemtica como
professor da rea, parto do desejo de contribuir com a formao de professores
de Matemtica, para o exerccio de prticas pedaggicas que dinamizam as
relaes entre a Matemtica e as prticas socioculturais como forma de
superar a formao tcnica do professor, que orienta para o exerccio de uma
Matemtica centrada nos seus prprios objetivos, o que diminui ainda mais o
interesse dos alunos por essa disciplina (BISHOP, 1999).
Para cumprir com esse propsito de contribuio formao do
professor de Matemtica, discuto as relaes entre Matemtica e as prticas
culturais do trabalho no processo de objetiva(ao) do tempo.
O dilogo entre Matemtica e as prticas culturais do trabalho, ao qual
me atenho neste estudo, refere-se s experincias resultantes dos dilogos
com indgenas e ribeirinhos sobre suas leituras e interpretaes dos
movimentos dos corpos celestes (Sol, Lua, e estrelas), que foram registrados
durante minhas aes como educador e pesquisador do Planetrio do Par,
junto aos ndios Temb-Tenetehara da aldeia Teko-Haw, na reserva Temb, no
alto rio Gurup, fronteira entre os estados do Par e Maranho, e os
pescadores da cidade de Vigia - PA, sediados prximos foz do rio Amazonas.
Nos dilogos com os Temb-Tenetehara e os pescadores de Vigia,
centrei minhas investigaes nos saberes das leituras dos fenmenos
astronmicos usados como referenciais para o registro da contagem do tempo,
tendo como foco os estudo do uso do gnmon2 e a identificao das
constelaes na abbada celeste3.
O gnmon, neste trabalho, estudado em duas situaes: a primeira,
com os pescadores de Vigia, como relgio de sol, a segunda, com os ndios
2 Utilizo neste trabalho, o termo Gnmon para indicar o aparato que formado por uma haste demadeira ou pedra, fixo ortogonalmente ao solo, para fins de determinao dos pontos cardeais e daslinhas de orientao: Equatorial (LesteOeste) e Meridional (Norte-Sul), a partir das quais posicionado oRelgio de Sol.3 Abbada Celeste se refere esfera de Estela, que parcialmente visvel ao observador do cunoturno. Pode ser entendida como a semi-esfera de estrelas visveis a olhos desarmados (sem o uso deinstrumentos ticos). A esfera celeste uma esfera imaginria de raio gigantesco, centrada na Terra.Todos os objectos que podem ser vistos no cu podem ser "vistos" como estando superfcie destaesfera. (HARRIS, 2010).
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Temb-Tenetehara, como instrumento de aferio das direes Leste-Oeste
(Linha Equatorial) e Norte-Sul (Linha Meridional). Essa aferio auxilia na
identificao dos posicionamentos do Sol durante a alvorada e no ocaso, assim
como na identificao das constelaes e suas posies no cu noturno.
As constelaes so estudadas, tambm, a partir de um duplo olhar:
quando so tomadas como referncia para a elaborao de calendrios
agrcolas, pelos ndios Temb-Tenetehara e a partir da adoo de referenciais
para os deslocamentos de embarcaes pesqueiras, em alto mar, pelos
pescadores de Vigia.
Figura 1 Trajetria da jornada de dilogos, interpretao e representao das prticasastronmicas e contribuies para a elaborao de matrizes ao ensino de Geometria
Fonte: Google Eart Sistema de Mapeamento Digital por Satlite.
Dois espaos foram de grande importncia para o desenvolvimento dos
dilogos que geraram esta pesquisa, foram eles: o Planetrio do Par e a
UFPA, onde atuei como educador e pesquisador e que agora, vou representar
como dois braos de rio.
Naveguei por esses dois braos de rio e aportei para dialogar com os
ribeirinhos e indgenas sobre suas prticas socioculturais, buscando
compreender as atitudes intervenientes dos sujeitos na sua realidade e como
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podemos identificar e analisar as contribuies da Matemtica nesse processo.
Essas investigaes compreenderam um traado (figura 1) do processo de
identificao, compreenso e representao dos saberes da astronomia dos
ribeirinhos e indgenas e suas contribuies elaborao de matrizes para o
ensino da Geometria.
Procurei, contudo, no perder de vista as dimenses tica e moral que
orientam as prticas socioculturais e do significado aos elementos
matemticos presentes nessas aes.
Meu interesse por essa temtica se faz a partir da necessidade de
contribuir com a formao de futuros professores de Matemtica e com sua
formao continuada, no sentido de incentivar aproximaes entre os
conhecimentos Matemticos e as prticas socioculturais visando tornar os
contedos mais significativos aos alunos e motivar o interesse pela
aprendizagem da Matemtica.
Dando continuidade introduo, apresento minhas compreenses
sobre o ensino da Matemtica e os fatores que implicam no desinteresse dos
alunos por essa disciplina, a fim de levantar meus questionamentos de
pesquisa e traar a rota de navegao que farei pelo desenvolvimento desse
estudo.
1 - O ensino da Matemtica: dilemas
A Matemtica definida por Davis & Hersh (1995), como a cincia da
quantidade e do espao que conhecemos em sua forma mais simples como:
Aritmtica e Geometria. A primeira trata das vrias espcies de regras de
operao sobre nmeros, estudando as vrias situaes do cotidiano em que
so utilizadas. A Geometria, por sua vez, trata parcialmente de questes sobre
medidas do espao, alm de tratar, tambm, de aspectos do espao que
possuem forte apelo esttico e, sendo ensinada segundo os esquemas
apresentados por Euclides (300 a.C.), apresenta-se como uma cincia dedutiva
(DAVIS & HERSH, 1995, p. 25-26).
Segundo Bishop (1999), a Matemtica uma das disciplinas mais
trabalhadas na escola, ao mesmo tempo em que uma das menos
compreendidas. Para o seu estudo so dispensadas as maiores cargas
horrias se comparadas s demais disciplinas, excluindo-se o estudo da lngua
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materna4. Essa carga horria , em muitos casos, pouco ou mal aproveitada
em funo do grande nmero de exerccios de repetio que so aplicados aos
alunos, voltados mecanizao de suas maneiras de interpretar as relaes
matemticas presentes em situaes ideais, ou retiradas de um cotidiano
modificado para a obteno de resultados que evidenciam processos de
manipulao de algoritmos, sem qualquer importncia s implicaes dessa
sistemtica sobre a realidade estudada.
De acordo com Bishop (1999), essa aprendizagem baseada na
mecanizao das prticas matemticas, moldadas em um restrito grupo de
situaes, envolvendo valores e condies ideais, tem como nico propsito
suprir as necessidades internas da prpria Matemtica. Nessa perspectiva, o
ensino da Matemtica centra-se na aplicao de exerccios, que preparam
para outras sequncias de exerccios, que por sua vez serviro para os
seguintes, numa gradual elevao do nvel de dificuldades de resoluo dos
problemas propostos.
O encaminhamento de aes estanques no ensino da Matemtica inibe
o exerccio da criatividade didtica do professor e a espontaneidade do aluno,
alm de impor atitudes centradas no cumprimento dos contedos, sem deixar
espaos para debates, trocas de opinio ou mesmo a divergncia de idias,
visto que os objetivos voltam-se para a aprendizagem de uma Matemtica
universal, unificada e para todos, ignorando a diversidade e a identidade dos
sujeitos.
Essa perspectiva contraria a compreenso de Brower (1975, apud
FOSSA, 2001) que afirma ser a Matemtica sinttica e a priori. A matemtica
a priori porque consiste de intuies puras, isto , instituies destitudas de
todo o contedo sensorial. Mas, a matemtica tambm sinttica porque
uma construo livre e criativa do esprito humano. Essa liberdade criativa se
materializa na matematizao da realidade, praticada por diferentes grupos
culturais geradas nas interaes desses com seu meio natural, social e cultural
(DAMBROSIO, 1996).
4 Falo aqui, no s da lngua portuguesa, como lngua materna nacional, mas tambm, no casoda lngua materna que caracteriza as etnias indgenas e que tambm faz parte da formao curriculardessa modalidade de ensino, ultimamente voltada educao bilngue, no sentido de superar umaeducao utilitria, orientada somente para a sobrevivncia, sem tempo nem interesse para a cultura(MLIA, 1979, p. 10).
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Sem liberdade criativa que impulsiona o sendo de investigao no
ensino da Matemtica, o aluno passa a ser secundrio no processo de ensino e
aprendizagem e o rigor do cumprimento dos contedos e dos processos rgidos
de avaliao, manifestam-se superiores aos objetivos da aprendizagem
(BISHOP, 1999).
Ampliam-se, exponencialmente, as opinies que afirmam ser a
Matemtica uma das disciplinas mais difceis, seja pela sua necessidade de
exatido e por um suposto distanciamento do mundo real, ou pela crena de
que esse um conhecimento para alguns poucos que possam ver a beleza e
harmonia de um algoritmo.
Em certo sentido, para a maioria das pessoas, normal no saber da
Matemtica e, conforme Bishop (1999), comum essas pessoas revelarem
suas dificuldades ou incapacidades matemticas, chegando at a falar em
fobia, mesmo que reconheam sua inegvel importncia e presena consciente
e constante nas suas vidas, visto que todos so unnimes em afirmar que h
Matemtica em tudo na vida. A dificuldade, porm, identificar que
Matemtica essa, como a operamos e como podemos dela nos utilizar.
2 Soltando as amarras
Minha tomada de conscincia das minhas limitaes como educador
conduziu-me ao desejo de rever atitudes e de buscar alternativas pedaggicas
que possam contribuir com a superao dos problemas de aprendizagem
enfrentados pelos alunos no estudo da Matemtica.
Essa uma mudana muito complexa e que precisa ser construda
internamente por cada educador, pois, na maioria das vezes, a aprendizagem
da Matemtica, mesmo para os educadores, deu-se por repetio, e valorizou:
a exatido dessa cincia e o desempenho daqueles mais destacados. Em
muitos casos, o ensino da Matemtica a repetio do processo de
aprendizagem do professor.
As dificuldades de aprendizagem dos docentes mais tarde sero,
possivelmente, as mesmas dos seus alunos. Quando a superao desse
desconforto transforma-se em desafio, o professor vai busca de alternativas.
Contudo, se essas alternativas no correspondem s suas expectativas de um
imediato restabelecimento da aprendizagem, o professor retorna ao estgio
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anterior, no qual se sente confortvel e com resultados satisfatrios, pelo
menos para alguns.
Se o primeiro passo na direo das mudanas no for acompanhado da
conscincia da complexidade dessa tomada de atitude, o professor no
compreender os avanos que surgem, mesmo que em passos lentos. Essas
mudanas imprimem a marca de uma nova atitude didtica para o educador, o
que implica reaprender com as dvidas do outro, valorizar o erro do aluno e
redimensionar o rigor dos processos de avaliao, gerando uma nova viso da
Matemtica para seus educandos.
Para incentivar os alunos do curso de Licenciatura em Matemtica a
refletirem quanto s suas posturas em relao ao ensino da disciplina,
proponho uma atividade que visa contribuir com essa tomada de conscincia.
Proponho um desequilbrio, um desprendimento de suas bases. Esse
desequilbrio, no objetiva um caminhar cambaleante ou sem rumo, mas uma
mudana de base, que aqui represento com a concepo do ensino da
Matemtica.
Sugiro, ento, uma mudana das bases tcnicas do ensino da
Matemtica centrada nos rigores dos algoritmos, para a leitura e interpretao
das relaes entre a Matemtica e as prticas socioculturais.
Para experimentar esse desequilbrio, proponho o seguinte exerccio
prtico: de p, com os ps unidos, imveis, lance seu corpo para qualquer
direo (para frente, para trs, ou para os lados). Isso vai provocar um
desequilbrio. Para no cair, voc instintivamente ir mover uma das pernas na
direo em que se lanou, isso far com que voc encontre uma nova base,
mais estvel e equilibrada que a inicial. Esse o primeiro passo.
A partir do primeiro passo, voc pode encontrar outras maneiras de se
desequilibrar e de ousar, sempre com a certeza de poder se equilibrar
novamente, formando outras bases. Esse exerccio um desafio simples,
porm, quase que intransponvel queles que temem dar o primeiro passo; o
que, em dados momentos, significa: quebra de convices, questionamento
daquilo que nos atribui certeza e liberdade, alm da conscincia sobre nossas
prprias limitaes e potencialidades.
Nesse momento em que sou navegante prestes a iniciar uma jornada
fluvial, meu desafio contar minha histria para contribuir com outros futuros
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navegantes, que portam novos culos, com novas perspectivas, linguagens e
tecnologias. Para isso, quero falar das oportunidades surgidas nessa trajetria
como pesquisador e educador, relatando as mudanas que desequilibraram as
minhas maneiras de ver o mundo e dialogar com suas dinmicas, buscando
outros significados para os elementos e propriedades matemticas, nas suas
relaes com as prticas socioculturais.
3 A Navegao
Minhas primeiras remadas como educador se deram no curso de
licenciatura em Matemtica na Universidade do Estado do Par UEPA5,
quando, ainda discente, trabalhei como bolsista no Laboratrio de Estudos da
Matemtica LABEM, onde iniciei estudos sobre as tendncias em Educao
Matemtica, alm de contribuir com a formao continuada de professores das
escolas pblicas (Belm-PA), a partir da realizao de cursos e oficinas.
No LABEM trabalhei com alguns companheiros que contriburam com a
minha jornada. Entre esses companheiros esto: Profa. Dra. Isabel Lucena que
coordenava as atividades do LABEM e Prof. Dr. Iran Abreu Mendes, que me
incentivou nos estudos da Educao Matemtica, sendo posteriormente
orientador da minha dissertao de mestrado e orientador desta tese.
Conclu o curso de Licenciatura em Matemtica em janeiro de 1998. No
ms seguinte, iniciei a especializao em Educao Matemtica, na mesma
Universidade. Em julho de 1998, o Planetrio do Par iniciou a formao da
sua equipe multidisciplinar, da qual participei. Trabalhei no planetrio at
janeiro de 2007, sempre buscando novas possibilidades de relacionar
Matemtica, Sociedade e Cultura, agora no mbito dos saberes da Astronomia
conhecidos pelos povos que habitam a Amaznia.
No Planetrio6 trabalhei com a divulgao da Cincia para estudantes
das escolas pblicas e privadas, tendo como eixo temtico a Astronomia e a
Educao Ambiental. Tambm fazia parte das aes do Planetrio: a formao
continuada de professores e a pesquisa sobre as diferentes maneiras como os
5 Iniciei no curso de Licenciatura Plena em Matemtica no ano de 1993 na Universidade doEstado do Par - UEPA.6 Para identificar o Planetrio do Par como instituio, vou utilizar letra maiscula inicial, paradiferenci-lo da denominao do aparelho planetrio.
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povos da Amaznia utilizam os conhecimentos sobre os movimentos dos
astros, para orientar suas prticas culturais, tema que associei imediatamente
com os estudos da Etnomatemtica.
Durante as atividades desenvolvidas na formao de professores pelo
LABEM e na divulgao da Cincia no Planetrio, uma questo foi recorrente:
como superar as distncias entre a Matemtica e as prticas culturais?
Para contribuir com uma nova viso da Matemtica para os alunos e
com outra atitude didtica para os professores de Matemtica, passei a buscar
alternativas de aproximao dos conceitos matemticos s prticas
socioculturais, a partir da interface Matemtica-Astronomia, cujo foco centrou-
se nas prticas de leitura e interpretao dos movimentos dos corpos celestes
como referncias elaborao de calendrios.
Meu interesse pela relao Matemtica-Astronomia iniciou e se ampliou
nas atividades desenvolvidas no Planetrio com as pesquisas junto aos ndios
Temb-Tenetehara e os pescadores de Vigia com o propsito de elaborar
programas de planetrio7 que so exibidos para os visitantes em sesses
pblicas e escolares.
Nos estudos da Astronomia dos Temb-Tenetehara, dois temas fizeram
parte das minhas investigaes: as constelaes indgenas e o uso do Gnmon
para indicar perodos do dia, as estaes do ano, e as direes (norte, sul,
leste e oeste) que auxiliam na identificao da posio das constelaes no
cu noturno.
Nos dilogos com os pescadores da Vigia, o gnmon foi estudado a
partir de suas possibilidades como relgio de sol e as constelaes, como
referncias orientao para a navegao em alto-mar.
Posteriormente, utilizei esses dilogos como matriz na formao de
alunos de cursos de licenciatura em Matemtica, na UFPA, com a inteno de
incentivar uma prtica pedaggica com base na aprendizagem dialgica, tendo
como foco as relaes entre Matemtica, Sociedade e Cultura, mantendo como
referncia os estudos da Etnomatemtica que me orientam nessa jornada de
investigaes e descobertas.
7 Programas de Planetrio So programas que utilizam recursos de multimdia tendo como temaa Astronomia e a Educao Ambiental (Cf. BARROS, 2004)
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4- Orientao pela Etnomatemtica
A Etnomatemtica, conforme DAmbrosio (1993), assimila os radicais:
etno, matema e tica. Etno hoje aceito como algo muito amplo, referente ao
contexto cultural, e portanto inclui consideraes como linguagem, jargo,
cdigos de comportamento, mitos e smbolos; matema uma raiz que vai na
direo de explicar, de conhecer, de entender; e tica (techne), que a mesma
raiz de arte ou tcnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos
contextos culturais.
So considerados, nessa perspectiva, os artefatos e mentefatos8 que
so incorporados s prticas socioculturais e revelam a identidade dos sujeitos
sociais assim como suas relaes com o ambiente.
Numa primeira tentativa de definio aproximada da Etnomatemtica
como zona de confluncia entre a Matemtica e a Antropologia cultural
surgem as primeiras compreenses sobre a Matemtica usada por um grupo
culturalmente definido, para resolver problemas especficos desse meio
cultural. (FERREIRA, 1997, p. 15).
Nessa perspectiva, a materializao da criatividade humana no processo
de matematizao da realidade, revelou-se uma interessante oportunidade
para se discutir os diferentes processos de construo do pensamento
matemtico, assim como da sua difuso em diferentes meios culturais.
Conforme Ferreira (1997),Para alguns autores, ento, a Etnomatemtica faz parte daMatemtica; para outros, a Etnomatemtica faz parte da Etnologia e hainda outros para os quais a Etnomatemtica faz parte da Educao. precisamente o meu caso a Etnomatemtica passou a ser, para mim,um novo mtodo de ensinar matemtica chameia-a de matemticaMaterna e desse modo, considero o ltimo conceito expresso porDAmbrosio, podemos descrever que a Matemtica se constitui numaparte da Etnomatemtica. Assim, teramos:Atravs do conceito de Etnomatemtica chama-se a ateno para ofato de que a matemtica, com suas tcnicas e verdades, constitui umproduto cultural, salienta-se que cada povo cultura e cada subcultura desenvolve a sua prpria matemtica em certa medida especfica. A matemtica considerada como uma atividade pan-humana, universal. (FERREIRA, 1997, p. 15-16)
Para compreender as dinmicas de interao sujeito-objeto no meio
cultural, se faz necessrio um outro olhar e novos processos de reflexo sobre
8 Os termos: mentefatos e artefatos, so utilizados por DAmbrosio para descrever a produo deresultados materiais e intelectuais, produzidos pelo pensamento matemtico nas diferentes culturas. Ver:DAmbrosio (2001).
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essas dinmicas. Nesse sentido, Vergani (2009, p.220) afirma que a
etnomatemtica nasceu decidida a escutar/pensar com a amplido dos olhos e
falar/operar com a clarividade de uma nova viso. Essa nova viso fui buscar
nos estudos de Vergani (2007), DAmbrosio (1993, 1996, 2001), Ferreira
(1997), Almeida (2001) e Bishop (1999).
Esses autores compem, a partir dos seus estudos, uma base para
discutir as estruturas do ensino da Matemtica nas perspectivas:
epstemolgica, curricular e pedaggica. Apontam significativos processos de
mudana, que movimentam educadores e pesquisadores na busca por
alternativas metodolgicas, novas perspectivas epstemolgicas e estruturas
curriculares que possibilitam a incluso de temas relacionados s prticas
socioculturais nas atividades de ensino e aprendizagem da Matemtica.
Essas mudanas emergem da necessria valorizao do sujeito humano
e da sua identidade cultural, um movimento que no exclusivo da
Matemtica, mas de toda a Cincia e Educao, que buscam compreender o
homem e a sociedade de maneira global.
Segundo DAmbrosio,Naturalmente sempre existiram maneiras diferentes de explicar eentender, de lidar e conviver com a realidade. Agora, graas aos meiosde comunicao e transporte, essas diferenas sero notadas commaior evidncia criando necessidade de um comportamento quetranscenda mesmo as novas formas culturais. Eventualmente, o todesejado livre arbtrio, prprio do ser (verbo) humano, poder semanifestar num modelo de transculturalidade que permitir que cadaser (substantivo) humano atinja sua plenitude. (DAMBROSIO, 2004,p.43).
Para evidenciar as diferenas entre os sujeitos, seus mundos e
significaes como forma de aprendizagem, DAmbrosio (2004) defende a
necessidade de adoo de um modelo adequado para se facilitar esse novo
estgio na evoluo da nossa espcie (...) chamada Educao Multicultural,
que vem se impondo nos sistemas educacionais de todo o mundo
(DAMBROSIO, 2004, p. 43).
Para Bishop (1999) a cultura o denominador comum entre os sujeitos,
que possibilita trabalhar as diferentes representaes matemticas a partir da
qual podemos investigar como se deu o desenvolvimento desses saberes no
mbito dos diferentes espaos culturais. Nesse sentido, Vergani (1995)
assegura que
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uma cultura a expresso temporal de um ponto de vista singular eirredutvel sobre o mundo. O homem no vive s do seu pensamentoou das suas capacidades cognitivas, mas tambm dodesenvolvimento da sua sensibilidade, do seu sentido crtico, dassuas faculdades criativas. (VERGANI, 2000, p. 24)
A esse respeito Vergani afirma ainda que a cultura aquilo que torna o
todo (social) alegremente maior que a soma das partes (2000, p. 25). Tal
afirmao conclusiva remete ao que diz a mesma autora, valendo-se do
pensamento de Dam Sperber: cultura o precipitado da comunicao e da
cognio numa populao humana (SPERBER, 1996, apud VERGANI, 2009,
p. 29).
Com referncia ao ensino da Matemtica, no cumprimento de uma
educao multicultural, uma proposta que se consolida o programa de ensino
e de pesquisa denominado por DAmbrosio (2004) como Programa
Etnomatemtica, que tem como referncias categorias prprias de cada
cultura reconhecendo que prprio da espcie humana a satisfao de
pulses de sobrevivncia e transcendncia, absolutamente integrados, com
uma relao de simbiose (DAMBROSIO, 2004, p.45). A esse respeito afirma,
ainda queo pensamento abstrato, prprio de cada indivduo uma elaboraode representao da realidade e compartilhado graas comunicao, dando origem ao que chamamos cultura. (...) Avalorizao das prticas culturais como processo de ensino-aprendizagem da Matemtica, no se remete exclusivamente sdescobertas da Matemtica praticadas pelos povos culturalmentediferenciados da cultura ocidental, da qual somos herdeiros de umamaneira de interpretar e representar a realidade, conhecido comocincia Moderna, originada de culturas mediterrneas e substrato daeficincia e fascinante tecnologia moderna, foi logo identificada comoprottipo de uma forma de conhecimento social (DAMBROSIO, 2004,p.45-46).
Trabalhar numa perspectiva de multiplicidade implica reconhecimento
dos processos de matematizao como forma de materializao do
pensamento humano e, por isso, recorrente em diferentes culturas. Assim, os
processos de contar, medir, comparar distncias e formas (BISHOP,1999)
passaram a ser registrados e estudados como recurso aprendizagem da
Matemtica pela compreenso das similitudes presentes na diversidade de
representaes matemticas prprias de diferentes grupos culturais.
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Vergani (2000, 2007) ressalta, entretanto, que a natureza hbrida da
etnomatemtica que levar em conta o seu dilogo entre identidade (mundial)
e alteridade (local), [ um] terreno onde a Matemtica e a Antropologia se
intersectam. Assim, assumo a confluncia entre etno (local) como elemento
complementar composio do mundo da Matemtica (universal); estando
ambos em permanente interseo.
Vergani (2000, 2007), de maneira sublime, analisa e representa os
estudos da Etnomatemtica a partir das fases da lua.Lua Nova: a conscincia de que os diferentes povos do mundosempre se dedicaram a atividades matematizantes (funcionais,simblicas, ritualsticas ou estticas);Quarto Crescente: a conscincia de que as atividadesmatematizantes das diferentes tradies socioculturais no sereduzem a meras prticas numricas, geomtricas ou operativas.Trazem em si uma forte carga de sentimento humano e emergem sobforma de representaes sociais simblicas.Lua Cheia: a conscincia de que a etnomatemtica tem uma missono mundo de hoje que transcende o interconhecimento das alteridadessocioculturais. Cabe-lhe apontar um caminho de transformao crticadas nossas prprias comunidades ocidentais, solidariamente abertas aoutras formas de refletir, de saber, de sentir e de agir.Quarto Minguante: corresponde em tempo futuro, no qual aetnomatemtica se tornar apenas uma simples designao histricaligada a um determinado perodo do percurso humano. (VERGANI,2007, p. 9).
Knijnik realizou um mapeamento dos estudos elaborados luz dos eixos
norteadores da Etnomatemtica, que compreende esse programa de pesquisa
e de ensino, com uma conexo dos conhecimentos com as condies sociais
onde eles so produzidos, e afirma, tambm, que nesse sentido que
possvel compreender a relevncia dada ao pensamento etnomatemtico no
que se refere recuperao das histrias presentes e passadas dos diferentes
grupos culturais (2004, p. 22).
Para Knijnik (2004), as produes acadmicas desenvolvidas no campo
da Etnomatemtica concentram foco em cinco temticas: 1) Etnomatemtica e
Educao Indgena; 2) Etnomatemtica e Educao do Campo; 3)
Etnomatemtica e Educao Urbana; 4) Etnomatemtica, Epistemologia e
Histria da Matemtica; 5) Etnomatemtica e Formao de Professores.
Meu interesse pelos estudos da Etnomatemtica centra-se, de acordo
com a anlise de Knijnik (2004), nos dois primeiros campos dessa
classificao, visto que a partir da compreenso das representaes
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matemticas recorrentes s prticas de objetiva(ao) do tempo, que procuro
contribuir com a formao de professores de Matemtica, relacionando os
contedos matemticos observao dos movimentos aparentes dos corpos
celestes e o uso do gnmon com os movimentos da sombra projetada.
Na descrio de Vergani (2000, 2007) para as fases dos trabalhos em
Etnomatemtica, identifico minhas investigaes sobre as prticas culturais de
leitura e interpretao da Astronomia dos povos da floresta nas seguintes
etapas:
1) Lua Nova: Registro etnogrfico das prticas etnoastronmicas dos
pescadores de Vigia e dos ndios Temb-Tenetehara;
2) Quarto Crescente: Utilizao das prticas da Astronomia dos
pescadores e dos indgenas para discutir as relaes entre
Matemtica e Cultura, no processo de formao de estudantes do
curso de licenciatura em Matemtica;
3) Lua Cheia: Proposies metodolgicas para o ensino de Geometria.
5 - Meus Questionamentos e Decises
As oportunidades que surgiram na minha experincia como pesquisador
e educador me incentivam a rumar pelo ensino da Matemtica, buscando por
mudanas ontolgicas, visto que no possvel ser o mesmo na partida e no
retorno.
Para prosseguir nessa jornada, preciso de algumas decises: o curso da
navegao; os artefatos e mentefatos a utilizar, os parceiros com quem
dialogar e os critrios para responder aos meus questionamentos. Esses, por
sua vez, sero norteadores das minhas investigaes sobre as possibilidades
de interao Matemtica e Cultura, a partir do registro e anlise das prticas
socioculturais do trabalho e suas relaes com os saberes dos movimentos
aparentes dos corpos celestes:
Minhas questes so: como so elaborados referenciais para a
construo de calendrios? Como prticas scio-histricas e culturais so
interpretadas sob a tica da Linguagem Matemtica? Como saberes dos
movimentos aparentes dos corpos celestes, prprios dos ribeirinhos e
indgenas, so utilizados na forma de sistema de referncia de objetiva(ao)
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do tempo? Como podem ser mobilizados na forma de matrizes9 didticas para
o ensino de conceitos e habilidades geomtricas em cursos de formao de
professores de Matemtica?
Esses questionamentos sero respondidos a partir do desenvolvimento
dos trs captulos desse trabalho. A primeira e a segunda questo sero
respondidas no Captulo II Caminhos e Modos de Objetiva(ao) das
Naturezas do Tempo, que trata do processo de construo da ideia de tempo,
visando sua objetiva(ao), a partir da adoo de referenciais para a
quantificao do tempo decorrido associado as diferentes prticas
socioculturais.
A terceira questo, respondo no Captulo III Objetiva(ao) nas
Prticas Culturais e do Trabalho, a partir da descrio das prticas de
observao dos movimentos aparentes dos astros, prprias dos pescadores de
Vigia e dos ndios Temb-Tenetehara.
A quarta questo responderei no Captulo IV Objetiva(ao) do Tempo
em prticas Educativas, como resultado das atividades realizadas com os
alunos de Matemtica da UFPA, no campus de Altamira/PA.
Para organizar o desenvolvimento deste estudo e responder aos meus
questionamentos tomo as seguintes decises:
1 Minha jornada pela Educao Matemtica, por onde sigo com o
desejo de contribuir com a superao das dificuldades enfrentadas
pelos professores de Matemtica quanto s relaes entre os
contedos escolares e as prticas socioculturais;
2 Fao uma narrao-reflexiva de parte das interaes resultantes da
minha jornada como educador e pesquisador no Planetrio do Par e
na UFPA - meus espaos de dilogos e investigaes no perodo de
1998 a 2006 - na busca por alternativas interao da Matemtica
Escolar s prticas socioculturais, a partir da interface Matemtica e
Astronomia;
3 Meus companheiros e interlocutores nessa jornada so: os ndios
Temb-Tenetehara da aldeia Teko-Haw e os pescadores da cidade
9 Utilizo o termo Matriz para indicar um conjunto de recursos matemticos que envolvem algoritmos,formas, quantidades e outros elementos matemticos utilizados nas atividades de ensino em sala de aula.
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de Vigia, com quem realizei registros etnogrficos da sua Astronomia;
os alunos dos cursos de Licenciatura Plena em Matemtica do
Campus de Altamira, da UFPA, com ao quais exercitei
representaes matemticas dessas prticas socioculturais;
5 Adoto como critrio de anlise dos processos de objetiva(ao) do
tempo s prticas do trabalho, a partir da orientao pelos
movimentos aparentes dos astros tcnicas prprias dos ribeirinhos e
indgenas visando a elaborao de matrizes para o ensino de
Geometria: a) interao sujeito-objeto mediada pela concepo de
tempo, como processo orientador da adoo de referenciais e
construo de artefatos, visando a objetiva(ao) do tempo; b)
elaborao de esquemas para a matematizao do processo de
orientao temporal e espacial.
Minha jornada fluvial se d por dois braos de rio: o Planetrio do Par e
a UFPA., No primeiro brao de rio, o encontro entre Matemtica e Astronomia
ocorreu a partir das leituras das constelaes e o uso do gnmon por
pescadores e indgenas, com o objetivo de garantir a realizao de tarefas
relacionadas ao trabalho, a produo de alimentos e a realizao de rituais.
Essa fase corresponde, segundo Vergani (2000, 2007), Lua Crescente.
No segundo brao de rio, apresento e discuto prticas de ensino
desenvolvidas com os alunos do curso de Licenciatura em Matemtica, no
Campus de Altamira, da UFPA, relacionando Matemtica Escolar e Astronomia
dos ribeirinhos e indgenas. Essa etapa, conforme Vergani (2000, 2007),
corresponde fase de Lua Cheia.
Para concluir a minha descida pelo rio e analisar as respostas aos meus
questionamentos, utilizo o termo Lua Azul para descrever a repetio de uma
fase de Lua Cheia, no mesmo perodo mensal (mesma lunao). Nessa Lua
Azul, portanto, descrevo minhas reflexes acerca das contribuies que meu
estudo traz para a compreenso do processo de mobilizao de prticas scio-
histricas e culturais na (re)organizao de saberes e prticas disciplinares em
sala de aula, como forma de tornar o ensino da Matemtica mais significativo
aos alunos, visando concretizar uma proposta metodolgica para o ensino de
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conceitos e habilidades geomtricas, de simetria e proporcionalidade nessa
formao de professores.
Defendo, ento, nesse estudo, que o processo de mobilizao interativa
envolvendo prticas scio-histricas e culturais e a Matemtica Escolar,
mesmo no priorizando o rigor dos processos algortmicos e de um ensino
tcnico da Matemtica, contribui sobremaneira para o desenvolvimento do
pensamento matemtico dos estudantes e da valorizao de seus modos de
representar tal pensamento, visto que, os processos de objetiva(ao) no
mbito das prticas scio-histricas e culturais, compreendem complexos
esquemas gerados na: percepo do mundo fsico, construo lgico-
matemtica das relaes sujeito-objeto e significao dessas relaes para o
meio cultural por processo de abstrao construtiva.
Antes de encontrar a entrada dos meus braos de rio, vou seguir pelas
primeiras guas deste estudo, nas quais pretendo compreender como so
elaborados os referenciais contagem do tempo. Nesse momento, serei
navegador atento s diferentes vozes que ecoam pelo tempo, revelando: o
mundo pensado, o mundo vivido e o mundo imaginado que nos do noo da
mortalidade e dos ciclos da nossa vivncia.
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Captulo 2
Caminhos e Modos de
Objetiva(ao) do Tempo
Compositor de destinos
tambor de todos os ritmos
tempo tempo tempo tempo
entro num acordo contigo
tempo tempo tempo tempo
...
Peo-te o prazer legtimo
e o movimento preciso
tempo tempo tempo tempo
quando o tempo for propcio
tempo tempo tempo tempo
Caetano Veloso
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2
objetiva(ao) do tempo est intimamente ligada s relaes que
estabelecemos com a natureza e com a cultura, principalmente
quanto adoo de referenciais para o acompanhamento de sua
passagem. Nesse sentido, mister conceber que o tempo existe como ideia
inerente existncia humana e sua construo reflete a identidade dos
sujeitos, sua histria e ideologia do mundo.
Pensar o tempo, sua existncia e como ele pode nos auxiliar a refletir
sobre o homem e sua evoluo sociocultural, portanto, sua ecologia,
cosmologia e cosmogonia um exerccio que nos acompanha desde que
tomamos conscincia da nossa mortalidade. O tempo pode ser considerado
uma das mais intrigantes criaes da mente humana sendo, por vezes,
impensvel sua no-existncia, o que contribui para a suposio de que ele
possua uma existncia autnoma, superior prpria humanidade, (DUCAN,
1999).
As concepes de tempo, suas diferentes tcnicas de mensurao e
quantificao, alm da produo de instrumentos para esse fim, possibilitaram
mltiplos olhares sobre o mundo, que recebeu influncias dessas concepes,
tcnicas e tecnologias.Muitos de ns temos, intuitivamente, a impresso de que o tempoprossegue para sempre, por conta prpria sem ser em nada afetadopor qualquer outra coisa, de tal modo que, se toda atividade fossesubitamente interrompida, ele ainda seguiria em frente, sem qualquerinterrupo. (...) o que d origem a esse fenmeno a maneira queescolhemos para medir o tempo e relacion-lo com nosso modo devida. O horrio que seguimos na vida civil baseado na rotao daterra, que nos d o nosso dia, como o movimento da terra em torno doSol nos d o nosso ano. No entanto, se vivssemos na Lua,descobriramos que, uma vez que esta gira em torno do seu eixo muitomais lentamente que a terra, o dia no satlite, tal como denominadopela sua rotao, seria de fato igual a um ms. O modo como o diaterrestre dividido em horas, minutos e segundos puramenteconvencional. Assim tambm, a deciso de que um dado dia comeana aurora, ao nascer do sol, ao meio-dia, ao pr do sol ou meia noite uma questo de escolha arbitrria ou de conveno social.(WHITROW, 1993, p. 15-16).
A
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Em toda a nossa trajetria humana, os diversos grupos culturais do
planeta sempre produziram, indistintamente, conhecimento e com suas
maneiras singulares de manifestar essa produo utilizaram diversos recursos
para representar sua realidade e organizar suas prticas socioculturais. So os
esquemas, linguagens e os recursos materiais que guardam valores e
significados prprios de cada grupo.
Nesse processo de elaborao de esquemas e de linguagem para
representar a realidade surgem maneiras especficas de se dizer a natureza
das coisas e dos homens: os ciclos de vida dos seres, os movimentos
aparentes dos astros, as mudanas de temperatura, claridade e umidade;
todas contribuindo com a necessidade de inter[ao] do sujeito com seu meio e
com seus iguais, gerando significado quilo que produzido como saber. So
dessas inter[aes] que surge a necessidade de tornar objetivo aquilo que
ainda no .
Para abordar o processo de objetiva(ao), remeto-me a alguns
apontamentos de Sober (2008), Kant (1966, apud FOSSA, 2001) e Piaget
(1969 apud KAMII, 1995), de modo a tentar compreender e explicar as diversas
experincias humanas voltadas representao material da medio e
contagem do tempo considerando essa experincia como resultante da
interao complementar entre subjetividade e objetividade, ou seja, uma
tentativa humana de concretizar algo que parece abstrato. Nesse sentido,
procurei refletir a respeito dos modos como essas interaes puderam conduzir
a cultura humana ao processo de objetiva(ao) do tempo, possibilitando,
assim, ao sujeito humano assimilar os intervalos entre os diferentes estados
das aes objetivas que pudessem materializar o controle dos fenmenos
naturais ou as aes mentais das pessoas (a durao dos atos de pensar).
A partir desses aspectos mencionados no pargrafo anterior, me foi
possvel identificar algumas caractersticas norteadoras desse processo de
objetiva(ao) no que se refere s interfaces Matemtica-Astronomia,
representadas pela adoo de referenciais para a elaborao de tcnicas de
medio e contagem do tempo e construo e uso de instrumentos como o
gnmon e os calendrios, que muito contriburam com o desenvolvimento de
diferentes sociedades, em seu movimento de busca pela transcendncia do ser
[substantivo].
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1- Interao pensamento-ao: caminho para a objetiva(ao)
O norte-americano Elliot Sober10(2008), para propor sua Teoria CVJ11
Crena Verdadeira Justificada - aponta trs tipos de conhecimentos que nos
interessam nessa discusso: a) conhecimento proposicional, que se refere a
uma proposio uma coisa que verdadeira ou falsa; b) conhecimento por
contato, que se segue ao contato pessoal (com pessoa ou lugar); c)
conhecimento de aptides, que significa dizer que se sabe fazer alguma coisa.
No sentido do conhecimento proposicional, o objeto do verbo uma
proposio necessria para que um indivduo elabore compreenso sobre um
determinado evento ou termo. Tais proposies referem-se a uma
generalizao que se torna verdadeira ou falsa quando as proposies so
suficientes e necessrias para considerar a afirmao.
Tomando como exemplo as proposies a seguir, que levantam como
generalizao a afirmao de ser a estao sazonal corrente o perodo do
inverno para a cidade de Natal/RN, temos: P1 na cidade de Natal chove
todos os dias quando inverno; P2 tem chovido todos os dias na cidade de
Natal; P3 inverno na cidade de Natal. Nessa composio, as proposies
P1 e P2 , quando so confirmadas como verdade, tornam P3 uma afirmao
verdadeira, embora tal generalizao no garanta que se esteja no perodo
invernal na cidade de Natal.
Para que as proposies P1 e P2 garantam a veracidade de P3
necessrio cr-las verdadeiras, da a crena ter um papel fundamental no
conhecimento proposicional.
O conhecimento por contato refere-se s experincias vivenciadas pelo
sujeito com relao estada em um local ou convivncia com uma pessoa.
Tais experincias podem contribuir para a afirmao de proposies. Caso um
sujeito tenha contato com a cidade de Natal, no perodo invernal, ou tiver
10 SOBER, Elliot. O que conhecimento? In: Core Questions in Philosophy (Prentice Hall, 2008),Traduo Paula Mateus Critica: Revista de Filosofia disponvel em: Acessoem nov 2009.11 A teoria CVJ Crena verdadeira Justificada foi criada para afirmar generalizaes. ConformeSober, a teoria diz o que conhecimento para qualquer sujeito S e para qualquer proposio P. Eleparte das seguintes proposies: 1- S acredita em P; 2- P verdadeira; 3- a crena de S em P estjustificada. O conhecimento, ento, aceito como tal, para a afirmao das trs proposies, caso umadelas no seja verdadeira, ento no temos conhecimento. Essa teoria recebeu crticas e foram propostostrs contra-exemplos, um deles foi elaborado por Edmund Gettier (1963). Disponvel em: Acesso em nov. 2009.
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contato com algum que morou ou mora na cidade de Natal e tenha passado
um inverno na cidade, poder constatar a veracidade das proposies P1 e P2,
o que tornaria verdadeira, por crena, a proposio P3 e a generalizao
levantada anteriormente.
O conhecimento por contato tambm se refere possibilidade de
manipulao de equipamentos ou a observao de uma tarefa: suas etapas e
processos de realizao, como o caso da semeadura de uma plantao de
feijo, a pescaria com rede, ou a caa de tocaia12 (SHANLEY & MEDINA,
2004).
Conforme Sober (2008), o conhecimento de aptides se refere ao que o
sujeito aprende como atividade prtica, por exemplo, da execuo de um
trabalho, como o caso da pesca e da agricultura, saberes repassados de uma
gerao outra, a partir do exemplo.
Todo conhecimento, para Sober (2008), requer crena e verdade e para
discutir isso, afirma existirem dois tipos de fatos: objetivos e subjetivos.O conhecimento tem um lado subjectivo e um lado objectivo. Um facto objectivo se a sua verdade no depende de como a mente daspessoas. um facto objectivo que a Serra da Estrela est 2 000metros acima do nvel do mar. Um facto subjectivo se no objectivo. O exemplo mais bvio de um facto subjectivo umadescrio do que acontece na mente de algum.Se uma pessoa acredita ou no que a Serra da Estrela est a 2 000metros acima do nvel do mar uma questo subjectiva, mas se amontanha tem realmente essa propriedade uma questo objectiva. Oconhecimento requer tanto um elemento subjectivo como um elementoobjectivo. Para que S conhea p, p tem de ser verdadeira e o sujeito,S, tem de acreditar que p verdadeira. (SOBER, 2008.
O carter objetivo de um fato, ento, se refere ao conhecimento da
estrutura fsica do objeto incluindo movimentos, cor, textura, entre outros.
Vejamos como exemplo essas trs afirmaes: 1- A Lua est na rbita da
Terra; 2- A Terra realiza um movimento de rotao; 3 - Os rios que desguam
no mar tm seu nvel aumentando e diminuindo a cada seis horas pelo
movimento das mars.
Objetivamente, cada afirmao compreende a representao de um
estado observado empiricamente. Quanto ao carter subjetivo que compreende
as relaes que se estabelecem entre essas trs afirmaes, um sujeito pode
12 Na caa de tocaia o caador monta um esconderijo para aguardar a caa, em geral, prximo srvores cujos frutos servem de alimento ao animal, por exemplo o Uxi que comido pelo porco do mato.(SHANLEY & MEDINA, 2004).
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concluir que: a Lua gira em torno da Terra e provoca o movimento de subida e
descida das mars. Em virtude dessa concluso, acredita-se que os
pescadores acompanham o surgimento da Lua, com o propsito de programar
a sada das embarcaes e aproveitar a subida da mar. As viagens so
programadas de acordo com as fases da Lua.
Conforme Sober (2008), alm da crena e da verdade, para que algum
possua conhecimento necessrio o apoio de uma justificativa racional, que
pode ser na forma de argumento indutivo, dedutivo ou abdutivo, o que refora,
nessa concepo, que as crenas que so defendidas irracionalmente no so
casos de conhecimento, mesmo que sejam verdadeiras.
Para os exemplos apresentados anteriormente, sobre o inverno na
cidade de Natal, as proposies P1, P2 e P3 precisam de justificativas que se
fundam no ndice pluviomtrico13 da regio da cidade, num determinado
perodo tomado como inverno. Caso os ndices estejam acima do padro
normal possvel afirmar que aquele perodo de inverno, porm, se os
ndices estiverem abaixo da mdia prevista para esse perodo, a negao ser
verdadeira e, portanto, ser poca de seca na regio.
Quanto ao movimento das mars, sua justificao estar na atrao
gravitacional mtua do sistema Terra-Lua14, que tambm pode ser
compreendido como um planeta duplo, isto , dois planetas girando em torno
de um centro comum de gravidade15, mas ao mesmo tempo a Lua o satlite
natural da Terra. (NEVES & ARGELLO, 1986).
Esse movimento de planeta duplo, segundo Costa (2009), se d devido
Terra e seu satlites serem proporcionalmente massivos, o que fora o
sistema a girar em torno de um ponto denominado baricentro que, no caso do
sistema Terra-Lua, est localizado exatamente ao longo da linha que conecta o
13 ndice pluviomtrico uma medida em milmetros, resultado da somatria da quantidade daprecipitao de gua (chuva, neve, granizo) num determinado local durante um dado perodo de tempo. Oinstrumento utilizado para este fim recebe o nome de pluvimetro.14 Simultaneamente Terra e Lua se atraem. A massa de gua da Terra, que se encontra solta noplaneta (mares, oceanos) descolada em direo Lua, formando um grande bolso na direo dosatlite. Na Terra, no lado oposto ao que est voltado para a Lua, forma-se outro bolso. Esses bolsesso as mars altas e entre um bolso e outro, esto as mars baixas. Devido rotao da Terra ser maisrpida que a translao da Lua em torno do nosso planeta, um observador em um ponto, passar, numperodo de 24 horas, por uma mar alta e outra baixa a cada seis horas. Disponvel em:.15COSTA, Jos Roberto V. Sistema Terra Lua. In: Astronomia no Znite: o universo tudo para ns.Disponvel em: - Acesso em: nov. 2009.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
http://www.cdcc.usp.br/.../forcas-de-mares.htm>.http://www.zenite.nu/>-Acessohttp://www.pdfpdf.com/0.htm
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centro de massa da Terra com o centro de massa da Lua. A distncia mdia
entre esses centros a distncia Terra-Lua, ou seja, 384.405 quilmetros.
Figura 2 - Movimento das mars e o Sistema Terra-Lua (a)Fonte:
A distncia do centro da Terra ao baricentro de 4.641 km. Ambos,
Terra e Lua, giram em torno do baricentro, situado a 1.737 quilmetros abaixo
da superfcie terrestre (COSTA, 2009).
Nessas condies, se a parte slida da Terra fosse perfeitamente
elstica e a parte lquida fosse perfeitamente fluida, as mars seriam efeitos
instantneos das foras de atrao gravitacionais e as alturas mximas das
mars ocorreriam sempre na direo do corpo atrativo, no nosso caso, a Lua
(LOPES, 1996).
Contudo, no sendo a parte slida perfeitamente elstica e a parte
lquida perfeitamente fluida, as alturas das mars no esto alinhadas com os
centros da Terra e da Lua. Como consequncia, os bojos das mars formam
um pequeno ngulo com o centro da Terra e da Lua, provocando um atraso da
mar em relao sada da Lua, ou seja, a mar cheia s inicia quando a Lua
j est prxima ao znite, o ponto mais alto do cu.
A partir dessa configurao para o Sistema Terra-Lua, que compreende
conceitos como: movimento, atrao, atrito, entre outros, a justificativa de que a
Lua a referncia para a sada dos barcos para a pesca, ou que a chuva
anuncia a sada da Lua, so proposies que no se sustentam como
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verdades, mesmo que haja crena baseada em observaes empricas, porm
carentes de fundamentao racional.
Figura 3 - Movimento das mars e o Sistema Terra-Lua (b)Fonte: Acervo do autor
Outras interpretaes porm podem ser dadas aos dois exemplos: a
afirmao do inverno na cidade de Natal e o movimento das mars, como
justificao crena na verdade de cada evento, como o caso da festa de
So Jos, que marca o incio do perodo chuvoso para a regio nordeste do
Brasil.
As influncias da Lua sobre as estruturas lquidas, como o caso do
corpo humano com cerca de 70% de matria lquida, se dariam ao ponto de se
notar um maior nmero de nascimentos de parto normal nos perodo de Lua
Cheia, ou como melhor perodo para se cortar cabelos, a fase de Lua
Crescente, ou ainda, quanto ao comportamento dos animais na floresta, a Lua
Nova ser o melhor perodo para a caa, pois na Lua Cheia ficam mais agitados
e arredios.
A crena na verdade das afirmaes anteriores se d por meio de uma
racionalidade que se justifica nas estatsticas formais, que evidenciam dados
levantados junto s muitas maternidades que registram aumento de partos
espontneos nos perodos de mudana para a fase de Lua Cheia, ou nas
estatsticas informais, que so o conjunto de relatos de pescadores, caadores
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(indgenas ou no), entre outros sujeitos que encontraram respostas positivas
nas suas experincias de contato ou no exerccio de suas aptides.
Figura 4 - Movimento das mars e o Sistema Terra-Lua Fonte: Acervo do autor
As justificativas racionais, geradas a partir dos estudos cientficos, ou
daquelas geradas no encontro da experincia do contato ou no exerccio das
aptides, so possveis aos sujeitos a partir da adoo de modelos, ou
parmetros que, segundo Vergani (2009, p. 64), o objeto abstrato, que
constitui uma representao suficientemente fiel embora simplificada da
realidade, ao qual a pertinncia atribuda a ele depende do juzo de valor que
se faz sobre a sua representatividade.Essa maneira de proceder exige um momento de deciso que possa,posteriormente, justificar a eficcia do modelo. Por outras palavras, ovalor depende da f (entendida do sentido de adeso) que sedeposita no modelo/representao enquanto substituto credvel darealidade: um ato voluntrio que instaura um certo objeto abstratocomo representante. (VERGANI, 2009, p.64).
Para discutir a capacidade do homem de produzir conhecimento, Kant
(1781 apud CARVALHO, 2000)16 parte da afirmao de que o conhecimento
possvel porque o homem possui faculdades para isso e aponta duas que so
importantes nesse processo: a primeira a sensibilidade, por meio da qual os
16CARVALHO, Olavo de. Kant e a Mediao entre tempo e espao. Disponvel em:.
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objetos so dados na intuio, e a segunda, o entendimento, pelo qual os
objetos so pensados no conceito.
Para Kant (1781, apud CARVALHO, 2000), o homem dotado de
intuio, que a maneira como nos referimos diretamente aos objetos,
enquanto que a sensibilidade o modo perceptivo passivo pelo qual somos
afetados pelo objeto. As sensaes (calor, frio, cor, entre outras) so a matria
do fenmeno, ou seja, o contedo da experincia.
Para que as impresses tenham sentido e entrem no campo do
cognoscvel (do que se conhece), preciso que sejam colocadas em forma a
priori da intuio, ou seja, em relao ao tempo e ao espao que so as formas
puras de intuio e se manifestam antes de qualquer representao mental do
objeto. Conforme Kant (1781, apud CARVALHO, 2000), o espao est
identificado com o "fora", com a exterioridade, (...)o "dentro", para Kant, o
puramente temporal e inespacial: o espao a forma a priori da exterioridade
como o tempo a da interioridade.Sem a mediao entre espao e tempo, nenhuma percepo possvel. Mais ainda, essa mediao no pode ser puramente racional,mas tem de estar imbricada na estrutura mesma da percepo, porquecaso contrrio o ato de situar algo dentro ou fora seria a concluso deum raciocnio e no um ato de percepo, que precisamente o queKant diz que ele . No entanto, o conceito dessa mediao incompatvel com a reduo kantiana do espao e do tempo a formasa priori da sensibilidade projetadas sobre as coisas; porque a exclusomtua do dentro e do fora constitui, para Kant, a estrutura mesma doato de percepo: se houvesse um territrio intermedirio entre tempoe espao, esse territrio seria ele prprio a suprema forma a priori dasensibilidade, abrangendo e distinguindo espao e tempo. Mas no hem Kant meno a esse terceiro fator: alm do espao e do tempo, hs as categorias da razo. (CARVALHO, 2000)
Nesse sentido, o conhecimento s possvel se os objetos da
experincia forem dados no espao e no tempo que, por sua vez, so
propriedades subjetivas, isto , atributos do sujeito e no do mundo (da coisa-
em-si) (CARVALHO, 2000).
A aceitao das afirmaes: chove no dia de So Jos e os ndices
pluviomtricos na cidade de Natal atingem valores acima do normal no perodo
de abril a setembro, como indicao do perodo invernal na regio da cidade,
exige do observador a compreenso de que h diferentes ndices para
diferentes regies, em diferentes perodos. Esse conjunto de conceitos e suas
relaes so construdos internamente pelo sujeito, validados e justificados
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pelos fatores de crena e verdade, apontados por Sober (2008) e justificados
por dados estatsticos, depoimentos e outras fontes que indicam as variaes
nos ndices pluviomtricos da regio.
O processo de como se d a construo do conhecimento foi estudado
por Piaget, a partir de experimentos matemticos que visavam evidenciar como
ocorre a gnese do conceito de nmero para a criana. Em suas concluses,
Piaget afirma a existncia de trs tipos de conhecimentos: o conhecimento
fsico, que se refere aos objetos do mundo exterior, o conhecimento lgico-
matemtico que consiste nas relaes criadas pelo sujeito e, por fim, o
conhecimento social, que resulta das convenes estabelecidas socialmente, e
que possui uma natureza arbitrria (PIAGET e INHELDER, 1963 apud KAMII,
1995, p. 19-21).
As afirmaes de Piaget apontam o conhecimento lgico-matemtico na
direo da autonomia dos sujeitos, pois o estabelecimento das relaes entre
os objetos dependem de cada um, ou seja, o conhecimento lgico-matemtico
resulta das relaes mais complexas que o sujeito elabora a partir de outras
mais simples (KAMII, 1995, p. 20).
Esse