oficina toninha
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Antonia de Souza Verdini
Práticas com poesia na biblioteca escolar
A Linguagem PoéticaA matéria prima do poeta é a palavra. A palavra que vai ser
selecionada, trabalhada, reorganizada, usada com significados muitas vezes diferentes do convencional.
“ A linguagem poética explora o sentido conotativo das palavras, isto é, não o sentido frio e impessoal, “em estado de dicionário”, mas sim o sentido alterado, passível de interpretações”. Como neste poema de Ferreira Gullar –
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Meu povo, meu poema Ferreira Goulart
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Meu povo e meu poema crescem juntoscomo cresce no frutoa árvore nova
No povo meu poema vai nascendocomo no canavialnasce verde o açúcar
No povo meu poema está madurocomo o solna garganta do futuro
Meu povo em meu poemase refletecomo a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvomenos como quem cantado que planta
As figuras de l inguagem
O trabalho artístico de elaboração com as palavras vai resultar muitas vezes no que se conhece como “figuras de linguagem”, ou seja, recursos que podem tornar mais expressivas as mensagens e que se subdividem em figuras de som, de construção ou sintaxe, de pensamento e de palavras. No poema do Gullar – Meu povo, meu poema –, vemos a repetição constante da palavra povo e poema, o que constitui uma figura de linguagem de construção – anáfora.
Neruda tentava explicar ao carteiro, no filme “O carteiro e o poeta”, o que são metáforas. A metáfora consiste em “empregar um termo com significado diferente do habitual, com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. Por exemplo: Meu pensamento é um rio subterrâneo”. As metáforas são figuras de linguagem dentro da classificação de figuras de palavras.
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As rimas: As rimas vão se constituir no “jogo sonoro” feito com os sons semelhantes ou idênticos no final dos versos, como no famoso “Soneto de fidelidade” de Vinícius de Moraes:
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Soneto de FidelidadeVinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tantoQue mesmo em face do maior encantoDele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momentoE em seu louvor hei de espalhar meu cantoE rir meu riso e derramar meu prantoAo seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procureQuem sabe a morte, angústia de quem viveQuem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):Que não seja imortal, posto que é chamaMas que seja infinito enquanto dure.
in Vinicius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96.
Os poetas modernistas do século XX se contrapõem a essa exigência exagerada de rimas em seus poemas, uma vez que a linguagem poética pode ser trabalhada de outras maneiras.
Carlos Drummond de Andrade faz um poema em que essa questão é destacada. Vejamos a primeira estrofe:
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CONSIDERAÇÃO DO POEMANão rimarei a palavra sono com a incorrespondente palavra outono. Rimarei com a palavra carne ou qualquer outra, que todas me convêm. As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem, no céu livre por vezes um desenho, são puras, largas, autênticas, indevassáveis.
(...)
A métrica Dizemos que os versos são regulares quanto à metrificação quando apresentam o mesmo número de sílabas poéticas, ou seja, de emissões sonoras. O conceito de sílaba poética difere do de sílaba gramatical. Ver no texto as junções sonoras em que duas sílabas gramaticais vão ser pronunciadas numa única sílaba poética.
A estrofe Nome que se dá aos grupos de versos dos poemas. No “Soneto de fidelidade” de Vinícius de Moraes temos quatro estrofes, sendo dois quartetos e dois tercetos.
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O ritmo poético : A rima e a métrica vão contribuir para a determinação do ritmo poético, somando-se ao jogo das sílabas tônicas das palavras, dos fonemas vocálicos e consonantais, da pontuação, entre outros recursos.
No poema do Neruda declamado para o carteiro, no filme “O carteiro e o poeta”, percebemos bem o jogo rítmico estabelecido:
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Aqui na ilha há tanto mar,O mar e mais o mar.Ele transborda de tempo em tempo.Diz que sim, depois que não,Diz sim e de novo não.No azul, na espuma, em galopeEle diz não e novamente sim.Não fica tranquilo, não consegue parar.Meu nome é mar ele repete
Batendo numa pedra, mas sem convencê-la.Depois com as sete línguas verdesDe sete tigres verdes, de sete cães verdes,De sete mares verdesEle a acaricia, a beija e a umedece;E escorre em seu peitoRepetindo seu próprio nome.
Pablo Neruda
Trecho do Filme: O carteiro e o Poeta
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