olavo sobre tariqa

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    Muito bem. A dvida aqui a seguinte: Como possvel um movimento de envergadura mal sem um centro de comando, como se fosse uma coisa espontnea se espalhando pelomundo pela simples fora do automatismo? De fato isso parece um enigma. E esse umenigma que os comentaristas polticos e os analistas estratgicos do Ocidente no vntender jamais. Eles no tm a menor condio de entender como o processo profundo erra de civilizaes, porque para isso seria preciso estudar o Islam at s ltimas da espiritualidade islmica, que esto bem remotas da poltica diria. Ento esse pede formao mais ou menos materialista e mesmo o pessoal religioso no tm, no O, uma viso dessa profundidade, no conseguem conceber como que funciona realmente Islam. Eles vm que existem mesquitas, que existe o culto popular, que existem ali alguns funcionrios das mesquitas, que so as lideranas religiosas aparentes, e q

    existe, por outro lado, a estrutura dos Estados, mas, procurando em tudo isso,eles no enxergam o centro. Para achar esse centro necessrio cavar alm da superfNo se pode esquecer que o Islam est povoado de taricas. Taricas so organizaes es estruturadas mais ou menos como ordens religiosas, que se dedicam a exerccios espirituais em acrscimo s praticas rituais obrigatrias do Islam. So prticas suprtrias, no so obrigatrias pela lei religiosa, so uma devoo especial que o indiquiser. As taricas remontam ao prprio tempo de Maom. Naquela poca, havia um grupque se reunia para fazer recitaes dos nomes de Deus. Algum perguntou a Maom o que achava disso e ele disse que eram excelentes pessoas, mas que estavam fazendoalgo que no era obrigatrio, que eles mesmos tinham oferecido aquilo a Deus. Da se riginou uma multido de organizaes esotricas que se ramificam por todo o Islam. Atmente, pelo menos metade dos muulmanos que frequentam as mesquitas tambm pertencema alguma tarica. As taricas no se dedicam atividade poltica, mas elas so a fon

    rofunda da unidade espiritual e, portanto, cultural do Islam. E l que tudo comeaNo Ocidente as pessoas s percebem a guerra cultural quando ela se traduz em manifestaes pblicas, quando se traduz numa expresso politicamente visvel, mas na verssa guerra comea muito antes, vindo de dentro das taricas. As taricas so chefiadaspor mestres espirituais chamados Sheikhs. Sheikh um ttulo honorfico, que quer der apenas uma pessoa mais velha, mas na verdade os sheikhs das taricas so como umcargo hereditrio que passado por uma herana espiritual, cada sheikh nomeia o sesucessor.

    A fora que essas organizaes representam no Islam no tem nada de comparvel no Oc. As sociedades esotricas e secretas ocidentais no tm essa profundidade, no tm, a totalidade da populao, a autoridade espiritual tremenda que as taricas tm. [No

    slam xiita, a coisa mais complicada ainda porque h outras redes de organizaes ecas, independentes das taricas, com uma filosofia messinica prpria.] Ento dessaricas [e similares] que vem o comando, mas no de uma maneira direta. No h um comao estratgico que diz 'faa isso' ou 'faa aquilo', mas dali que surgem as idias eendncias e, no plano das guerras espirituais e culturais, evidentemente a ao provdas taricas. Por exemplo, no possvel explicar a histria do sculo XX, em absolte nada, sem levar em conta a ao de enviados de organizaes islmicas que agem no nte h mais de um sculo exercendo uma influncia muito sutil sobretudo na elite intectual. Antes de vir esse ataque por baixo, que a imigrao [como arma de guerra cutural], essa agitao toda e o prprio terrorismo, muito antes disso havia uma ao ma, atravs da dissoluo da elite intelectual ocidental, seguida pela sua reorganizm termos islmicos.

    Muita gente pode ter ouvido falar do famoso Georges Gurdjieff, aquele lder espiritual armnio. A funo do Gurdjieff no Ocidente foi simplesmente bagunar a elite inctual. Quando Gurdjieff chegou ao Ocidente, no comeo do sculo passado, ele se apossou de inumerreis lderes intelectuais e simplesmente os destruiu espiritualmente,os deixou completamente desorientados, abrindo um rombo na carapaa da cultura ocidental moderna, cientificista e materialista, abrindo as portas para a entrada de uma influncia pseudo-oriental, que posteriormente se tornaria popular com o movimento da Nova Era nos anos 60. A Nova Era jamais teria sido possvel se Gurdjieffno tivesse aberto essa brecha meio sculo antes. Um continuador dessa obra de destruio foi um indivduo chamado Idries Shah, um ingls de origem indiana, que prosse

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    o trabalho de decomposio da elite intelectual ocidental num nvel de profundidadeue no chama a ateno dos analistas polticos. Por que um analista poltico vai se ssar por assuntos esotricos, ocultistas, etc? H gente que se faz de superior a isso justamente porque no entende, no entende a profundidade do efeito dessas armas na guerra cultural.

    Ao mesmo tempo em que as taricas mandavam esses agentes para fazer o servio destrutivo, mandavam outros para reconstruir, recolocar em ordem a cabea dos intelectuais, mas agora j em termos islmicos. E nisso se destacaram duas pessoas, Ren GunFrithjof Schuon. Gunon foi o sujeito que props em substituio cultura europiastruo integral baseada em doutrinas orientais [as doutrinas oficiais da sua tarica

    ]. Quando Gunon comeou a falar dessas coisas por volta de 1920, ningum prestou a mis mnima ateno. Ele fez at uma conferncia na Sorbonne com o ttulo de A Metafsal, havia umas dez pessoas l. J na dcada de 1960, o pensamento do Gunon era o doo proprietrio absoluto do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade de Paris, proliferando a sua influncia numa escala que, no comeo, seria inimaginvel.

    Quando Frithjof Schuon voltou do Oriente nos anos 40, transfigurado em mestre supremo de uma das mais influentes organizaes esotricas muulmanas e anunciando que a islamizar a Europa, deu a clara impresso de que estava completamente louco. Atualmente, convm examinar com humildade as suas palavras e o curso das suas aes, cueficincia avassaladora contrasta com a total discrio com que foram empreendidas. esde logo, a criao da tariqa de Schuon em Lausanne foi saudada por Ren Gunon comico resultado promissor obtido pelos seus prprios esforos de quatro dcadas. Isso m

    stra claramente o sentido desses esforos e, malgrado a posterior ruptura entre Gunon e Schuon, evidencia a perfeita continuidade da obra desses dois esoteristas.

    Na dcada de 1920, Gunon, autor de anlises magistrais sobre a decadncia da Europavia concludo que s trs caminhos se ofereciam a essa civilizao: a queda na barbestaurao da Igreja Catlica ou a islamizao. Quando pronunciou aquelas palavras srithjof Schuon, ele j havia desistido da segunda alternativa. O fiasco do ConclioVaticano II, cujas aparncias os papas em vo tentam ainda salvar, veio a provar queseu diagnstico, em linhas gerais, estava certo. A Europa radicalmente descristianizada hoje o palco de uma concorrncia aberta entre a barbrie e o islamismo. No rceira via. A possibilidade de um resgate da opo crist depende inteiramente da inuncia americana.

    A ao de personagens como Gunon e Schuon passa despercebida mdia, aos analistasos e aos intelectuais em geral, que tm os olhos fixados na superfcie vistosa dos acontecimentos. Mas sem ela a ocupao por meio da imigrao teria permanecido incuafalta das condies culturais que desarmaram a elite intelectual e poltica europiaon e Schuon muito contriburam para cri-las, subjugando as camadas mais altas e circunspectas dessa elite ao culto da superioridade intelectual do Oriente em todasas reas decisivas, fora as cincias naturais e a tecnologia.

    Gunon assinava seus primeiros artigos com o pseudnimo Sphynx (Esfinge), denotandoque seus leitores no tinham opo seno aproveitar inteligentemente suas lies ou e dominar por elas sem entend-las. Num nico pas europeu essas lies foram meditam seriedade por pensadores independentes: a Romnia. Os membros da elite intelectual romena possuem uma compreenso profunda e crtica da obra de Gunon. No resto da

    ropa, o que se viu foi a alternncia entre a recusa incompreensiva e a submisso devota, incluindo um nmero significativo de converses secretas ao Isl e a arregimente muitos intelectuais e lderes no esquema de proteo estatal ao expansionismo islm. No por coincidncia, a Romnia um dos raros pases europeus onde a penetrao misria. Para fazer uma idia da fora da influncia sutil de Gunon e Schuon, basta que este ltimo interferiu diretamente na produo da crise entre monsenhor Lefvre Vaticano, em 1976, e at hoje os historiadores catlicos nem se deram a mnima conta isso. A que est a guerra cultural profunda, mas nunca algum analista ocidental, msmo entre os melhores, deu um tratamento a isso com a profundidade que deve.

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    Por exemplo, o Gurdjieff. Existem vrios movimentos artsticos no modernismo que do impresso de ser criaes puramente ocidentais, mas que no foram nada disso: era a luncia de Gurdjieff que estava l. Nos EUA, por exemplo, o arquiteto mais influente, que foi o Frank Lloyd Wright, o sujeito que revolucionou a arquitetura americana, era um discpulo do Gurdjieff, obedecia a instrues diretas dele. Gurdjieff conguia criar estilos artsticos facilmente e rapidamente, ele criava um atrs do outro. um tipo de capacidade que as pessoas normalmente no imaginam. Isso no quer dizque eu goste desse Gurdjieff no, mas necessrio reconhecer a sua fora tremenda.

    Ento nesse nvel, da unidade espiritual da tradio islmica, que se tem que encotal da autoridade humana. Mas, quanto mais o tempo passa, mais se percebe que a

    incapacidade de fazer as perguntas corretas a grande falha da classe falante: falam, falam, mas s vezes o problema est na frente deles e eles nem percebem que existe o problema, no percebem a questo. E, no fazendo a pergunta, evidentemente nos respostas. Ento, o mistrio desse movimento tremendo, avassalador, aparentementesem cabea, sem comando, que vai tomando conta do mundo, at hoje no suscitou a pernta correta porque as pessoas procuram uma resposta no nvel do comando poltico ou,no mximo, religioso no sentido mais externo da coisa, e no no sentido do comandoespiritual que unifica uma civilizao.