olha maria de antônio carlos jobim: uma metodologia
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Olha Maria de Antônio Carlos Jobim: uma metodologia analítica através da
Voice-leading Theory
Max Kühn [email protected]
Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar uma metodologia analítica que permite extrair
informações de carácter harmônico–estilístico da peça Olha Maria de Antônio Carlos Jobim,
composta para a trilha do filme The Adventurers (GILBERT, 1969) e lançada primeiramente no álbum
Stone Flower (JOBIM, 1970). Utilizaremos como ferramenta uma recente proposta original associada
à chamada Voice-Leading Theory (ALMADA, 2018) que permite sistematizar a condução de vozes
através de uma taxonomia exaustiva.
Palavras-chave: Voice-leading Theory. Condução de vozes. Olha Maria. Antônio Carlos Jobim.
1. Introdução
Este trabalho propõe uma metodologia de análise que evidencia
procedimentos recorrentes na condução de vozes da obra Olha Maria de Antônio
Carlos Jobim. Utilizaremos uma recente formulação original dentro da chamada
Voice-Leading Theory [Teoria da Condução de Vozes], elaborada por Carlos Almada
(2018) como principal ferramenta. Inicialmente, apresentaremos uma
contextualização da obra e definiremos os conceitos básicos que dão suporte teórico à
metodologia: condução de vozes e voice leading idealizado e Prática Comum
Estendida. Em seguida, serão apresentados o processo metodológico relacionado à
proposta e conclusões.
2. Contextualização histórica
Antônio Carlos Jobim (1927-1994) é sabidamente um dos maiores
compositores na história da música popular brasileira, tendo sido um dos grandes
representantes da Bossa-Nova. As inovações estéticas da Bossa-Nova contribuíram
para a consolidação da música brasileira no exterior. Jobim apresentou novos
caminhos harmônicos em suas canções, que englobam uma grande variedade de
estilos, da canção de câmara ao choro. Quando jovem, ele estudou as peças do
repertório clássico de compositores como J.S.Bach e Debussy. Sua música é composta
através da tradição da música notada. Esse aspecto nos possibilita investigar
comparativamente a obra de Jobim com diversos compositores importantes para a
história da música popular.
Em 1969, Jobim foi convidado para compor a trilha sonora de um filme
do diretor Lewis Gilbert. The Adventurers (GILBERT, 1969) apresentou em sua trilha
12 faixas de música incidental compostas por Jobim. Dentre elas, alguns temas
permaneceram no cancioneiro jobiniano: Children's Games, posteriormente
intitulada como Chovendo na Roseira; Sue Ann e Deus e o Diabo na Terra do Sol,
ambas gravadas em discos no decorrer da carreira de Jobim.
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Algumas dessas obras foram lançadas no disco Stone Flower (JOBIM,
1970), além de Chovendo na Roseira, o disco apresenta a primeira gravação de uma
das faixas da trilha de do filme originalmente chamada Dax & Amparo, cujo título foi
alterado para Amparo. A melodia foi letrada por Vinicius de Moraes e Chico Buarque
na década de 1970 e foi gravada uma década depois com orquestração de Claus
Ogerman no disco Terra Brasilis (JOBIM, 1980), sob o título de Olha Maria.
3. Olha Maria
A peça foi originalmente arranjada por Eumir Deodato para a trilha do
filme e posteriormente rearranjada pelo mesmo para Stone Flower. Uma das
diferenças entre as duas versões está do acoplamento da introdução criada por Jobim
para a versão do disco. No arranjo de Terra Brasilis, o orgânico é constituído pelo
piano que domina tanto o acompanhamento quanto os gestos melódicos e pela
orquestra (metais, madeiras e cordas) que fazem breves comentários e enriquecem
dando variedade textural e timbrística para a obra. É possível observar na Figura 1 o
acompanhamento feito pela mão esquerda, tão característico dessa peça, que remete
ao estilo idiomático de Chopin evidenciado, por exemplo, na Fantaisie Impromptu
Op.66 como é apresentado na Figura 2. Esse arpejo consiste em um ostinato em
sextinas que se mantém constante e consolida-se em primeiro plano como textura
principal ao ser justaposto à melodia em colcheias, resultando consequentemente em
uma textura polirrítmica.
O material motívico consiste em pequenos incisos que são transpostos
de diversas formas durante o desenvolvimento da peça. A textura mesmo sendo
polirrítmica acaba se tornando estática, pois permanece estável durante a parte
central da obra. Os encadeamentos harmônicos são responsáveis por criar variedade
e coerência para a peça. Fora a harmonia, o único momento de variação ocorre
quando Jobim eleva o acompanhamento para um registro mais agudo, criando
movimentação e consequentemente uma articulação formal. A forma da peça pode
ser enxergada como uma grande seção A que se subdivide em pequenas seções que
sutilmente se diferenciam entre si como pode ser visto na Tabela 1 . 1
1As subseções (a) e (b) são estruturadas como sentenças (SCHOENBERG, 1999; CAPLIN, 1998)
regulares (4+4 compassos), subdivididas em presentation e continuation.
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Figura 1 - Compassos 17-24 de Olha Maria de Jobim (JOBIM, 1970).
Figura 2 - Compassos 5-10 da Fantaisie Impromptu Op.66 de Chopin (CHOPIN, 1855).
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4. Referenciais teóricos
O estudo de voice leading (condução de vozes) tem sido amplamente
expandido, diminuindo as fronteiras entre a Teoria Transformacional e a Teoria
Neorriemaniana. O exame das relações entre acordes e suas ligações através da
condução das vozes – movimentos melódicos independentes entre as vozes que
resultam quando somados verticalmente em encadeamentos harmônicos – vem
sendo desenvolvido desde os anos 1980 com os trabalhos de David Lewin (1987) e
posteriormente nas contribuições de Richard Cohn (1997, 1998, 2012) –
principalmente no conceito de voice leading idealizado, que sugere uma condução
hipotética baseada na realizada na partitura – e David Kopp (2011) no campo da
música clássica. Dmitri Tymoczko (2011, 2018) propõe o conceito de Prática Comum
Estendida, que consiste em enxergar tanto na música clássica quanto e na música
popular em geral um grande conjunto de técnicas recorrentes que são praticadas
desde o renascimento até a atualidade. Capuzzo (2004) aplica a teoria
neorriemaniana no repertório do rock. Nesse contexto, Almada (2018) propõe uma 2
nova teoria que permite sistematizar a condução de vozes através de uma taxonomia
exaustiva de classes de possíveis conduções entre duas a quatro vozes – similar à Set
Class Theory de Allen Forte (1998) – que formaliza todas as possibilidades entre
acordes de até nove vozes. Conseguindo contabilizar as relações de uma dada peça,
podemos visualizar o perfil da condução pela recorrência das classes de voice leading
e intuir aspectos estilísticos que estejam ligados ao estilo composicional de cada
compositor, seja no nível harmônico ou contrapontístico.
5. Metodologia
Nossa metodologia se inicia pela escolha de uma edição fiel da obra,
nesse caso optamos pelo uso do Cancioneiro Jobim – Obras Completas (JOBIM,
2006) como repositório para a partitura. A análise ocorre através da assistência de
um programa de computador desenvolvido na linguagem MatLab denominado
VL_Analyzer (ALMADA, 2018) que abstrai de um arquivo MIDI as informações
respectivas as características do voice leading de determinado trecho musical. Para
adaptar a partitura original no formato MIDI, é necessário transcrever os
encadeamentos ao estilo de um contraponto em primeira espécie. Podemos observar
o processo na Figura 3.
Além da formatação harmônica, alguns gestos melódicos devem ser
adaptados para os blocos verticais. Temos como exemplo a adaptação de um gesto
escalar descendente e de um arpejo que mascara o movimento linear das vozes como
é apresentado nas Figuras 4 e 5 respectivamente.
2 Para mais informações ver ALMADA, 2018.
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Figura 3 - Formatação da partitura original (c. 1-4) para formato MIDI de Olha Maria (JOBIM,
1970).
Figura 4 - Reinterpretação de blocos harmônicos contidos em um arpejo descendente (c. 10) em Olha
Maria (JOBIM, 1970).
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Figura 5 - Adaptação do VL de blocos harmônicos baseados em um gesto (c. 24) de Olha Maria
(JOBIM, 1970).
6. Resultados
3
Os dados inseridos no VL_Analyzer são analisados e como resultado o
programa produz gráficos e tabelas. Dentre eles, está um gráfico que apresenta as
relações binárias entre os complexos harmônicos e evidencia o grau de eficiência da
condução das vozes. Como podemos ver na Figura 6, ocorre uma queda brusca na
eficiência da condução a partir da quinta conexão harmônica da introdução da peça.
Essa queda pode ser justificada pela quebra do movimento parcimonioso a partir do
sexto acorde que é interligado os seguintes por movimentos que incluem saltos de
terça menor ascendente e descendente como é apresentado na Figura 7. A
cardinalidade dos acordes que constituem as relações binárias é explicitada pela
Tabela 2. Essa matriz nos apresenta através do eixo diagonal em cinza a quantidade
de ocorrências que determinado tipo de ligação binária ocorre nos primeiros oito
compassos da peça que evidencia o uso exclusivo de acordes de seis sons interligados
sucessivamente.
3 Apresentaremos os resultados referentes à introdução da peça (c. 1 – 8).
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Figura 6 - Quantidade de movimentos parcimoniosos na introdução de Olha Maria (JOBIM, 1970).
Figura 7 - Quebra na parcimônia na introdução (c.6 – 8) de Olha Maria (JOBIM, 1970).
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Tabela 2 - Grau de cardinalidade das relações binárias dos primeiros oito compassos de Olha Maria
(JOBIM, 1970).
7. Considerações finais
Neste artigo, propomos uma metodologia para a análise da peça Olha
Maria de Tom Jobim. A metodologia foi viabilizada através do uso do programa
VL_Analyzer, que nos proporcionou diversos resultados analíticos relativos as
conduções de vozes presentes na obra. Partindo desses resultados, planejamos
realizar uma análise das recorrências, pois acreditamos que existam procedimentos
condutivos característicos e preferenciais (decorrentes de sua concisão e economia da
condução) associados a traços estilísticos particulares de Jobim que poderiam
explicar algumas de suas escolhas harmônicas.
Referências
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Olha Maria de Antônio Carlos Jobim
COHN, Richard.Introduction to Neo-Riemannian Theory: A Survey and a Historical Perspective. Journal of Music Theory 42 (2), 1998, p. 167-80. COHN, Richard. "Neo-Riemannian Operations, Parsimonious Trichords, and their 'Tonnetz' Representations". Journal of Music Theory 41 (1): 1–66. 1997. FORTE, Allen. The Atonal Music Of Anton Webern. New Haven: Yale University Press, 1998. GILBERT, Lewis. The Adventurers. 1969. Filme. JOBIM, Antônio Carlos. Stone Flower, 1970. Fonograma JOBIM, Antônio Carlos. Terra Brasilis, 1980. Fonograma JOBIM, Antônio Carlos. Cancioneiro Jobim: Obras escolhidas (5 vol.). Rio de Janeiro: Instituto Antônio Carlos Jobim, 2006. Partitura. KOPP, David. Chromatic Transformations in Nineteenth-Century Music. New York: Cambridge, 2002. KÜHN, Max Et al. Relações de acordes de sétimas na primeira fase composicional de Antônio Carlos Jobim. Anais do Congresso do Eitam, 174–83. São Paulo, 2017. KÜHN, Max Et al. Sgt. Pepper: Uma abordagem neorriemaniana: Anais do Congresso da Anppom. Campinas, 2017. LEWIN, David. Generalized Musical Intervals and Transformations. New Haven: Yale University Press, 1987. SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. São Paulo: EdUSP, 1990. TYMOCZKO, Dmitri. “Iterable Voice-Leading Schemas”. MusMat: Brazilian Journal of Music and Mathematic 2 (1): 109–13. 2018. TYMOCZKO, Dmitri. A Geometry of Music: Harmony and Counterpoint in the Extended Common Practice. New York: Oxford University Press. 2011.
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