omode quequere

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    Ely t b d de slayQuando esse vem para a imensidade desse mundo.

    4 Omode quequer - crianas no candomblpor que? como? o qu se aprende? quem ensina?

    Os ps ainda pequenos vo gingando, as crianas esto nas rodas de

    santo do barraco, nas obrigaes no terreiro e nas festas. Mos ainda bem

    pequenas batem os atabaques na batida certinha para convocar os orixs.

    Quando conheci Ricardo Nery, o menininho gorducho de apenas quatro anos me

    impressionou pela fora com que batia o atabaque. Ao fazer isso, s vezes

    Ricardo segura uma das varas (atori) com a boca e toca o couro do tambor com

    as costas da mo direita. Me Palmira me disse que ningum ensinou Ricardo a

    bater assim. um gesto ancestral, me revelou a Me-de-santo, ainda em 1992.

    Depois de Ricardo, conheci Paula Esteves, e Tauana dos Santos. Anos

    mais tarde conheci Joyce, Joseane e Jailson dos Santos. Quando soube que no

    terreiro de Me Beata se iniciavam crianas com um ms de idade fui at l e

    encontrei a menina de Obalua1 e Noam Moreira, bem como algumas outras

    crianas dessa casa. E, quase no finalzinho da pesquisa, quando j preparavaesse texto, conheci Alessandra, irm de Michele e Felipe, de 8 anos.

    As crianas esto no terreiro e desempenham funes como os adultos.

    Muitas so iniciadas e algumas, depois de um longo aprendizado, esto

    preparadas para receberem os orixs. Apesar de j existir muita bibliografia sobre

    o candombl, existe muito pouca, ou quase nenhuma bibliografia no Brasil sobre a

    iniciao infantil.2 Se esse fato um desafio, tambm um estmulo. Por que uma

    1 Seu nome ser preservado a pedidos dos pais.2Existe, contudo, um importante trabalho a respeito da experincia de educao infantil na Mini ComunidadeOba Biyi, em Salvador. O livro Abebe, a criao de novos valores na educao (2000), resultado da

    pesquisa realizada pela professora Narcimria Correia do Patrocnio Luz. Nele, a autora no descreve os ritosde iniciao da criana no candombl. O enfoque de sua pesquisa recai sobre o que chama de experincia

    pioneira de educao pluricultural, realizada na comunidade Oba Biyi, no terreiro Il Ax Op Afonja.Tambm em Beniste (2002), encontrei alguma descrio sobre a educao de crianas em terreiros.

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    criana iniciada? Como acontece esse aprendizado? O que se aprende no

    terreiro? Descrever esse processo o objetivo desse captulo.

    4.1 - A iniciao3

    Iniciar-se no candombl significa comear uma nova vida que ser

    inteiramente dedicada ao orix. Significa constituir uma nova famlia, a famlia-de-

    santo. Tudo na vida da pessoa muda, ela ganha, inclusive, um novo nome, afirma

    Me Palmira. Para ser iniciado no Ile Omo Oya Legi o tempo de recolhimento no

    ronc4 (Il s ou Hunko) o mesmo tanto para o adulto como para uma criana

    ou adolescente. Ao todo so 17 dias de recluso total que comeam a sercontados no dia da entrada at o dia da festa da sada. Durante esse tempo, Me

    Palmira explica que ocorrem diversos rituais que no podero ser revelados em

    detalhes. Descreveremos ento apenas o que for permitido pela me-de-santo.

    De acordo com Palmira de Ians, no dia escolhido para entrada do (a) ia

    ele (ela) estar com roupas velhas e chamadas profanas. Todos os

    assentamentos do santo da pessoa que se inicia passam por um ritual de cantar

    as folhas, ou seja, de louvar Ossaim5, lavando todos os apetrechos de santo.

    com essa gua das folhas que a cabea do ia ser lavada. Logo depois, esse ia

    ser levado a um dos quartos onde se colocar de joelhos e se realizar uma

    cerimnia chamada de Kar, que significa silncio. quando o iniciado ir far um

    juramento sobre uma srie de compromissos que incluem respeito aos mais

    velhos, casa, liturgia do candombl. onde comea o segredo da iniciao.

    Depois esse ia (sendo criana ou no) ser levado por sua Me-Pequena para

    que ele tome a beno a todas as pessoas que encontrar seja criana, adultos,

    idosos. Alm disso, ele ir tomar a beno, galinha dangola, ao cachorro, aos

    animais que encontrar. Por que? Porque ele comea a aprender que parte da

    3ber (ritual de iniciao). Beniste, 2001, p.161.4No ronc (quarto) colocado uma esteira forrada com lenol branco. nesta esteira que o iniciado sentar edormir todo o tempo do recolhimento.5 Ossaim o senhor das folhas, da cincia e das ervas, o orix que conhece o segredo da cura e o mistrio davida.

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    natureza. Em seguida ela faz o bori da iniciao e depois o banho ritual, do lado

    de fora do barraco e vir com uma quartinha (um pote de barro) onde ele ou ela

    colher a gua, que o smbolo da vida. Depois disso ele retorna ao barraco

    onde tomar o banho de ervas ainda usando sua roupa velha, que ser rasgada

    em seguida simbolizando que, a partir da iniciao, tudo ser novo. A gua da

    quartinha colhemos de um poo ou de um rio. Ele toma banho ainda com sua

    roupa velha que em seguida s depois ser rasgada. Aquele que est se iniciando

    ser envolvido em panos brancos e, em seguida, usar uma roupa virgem. S

    ento ele ou ela se dirigir para o quarto onde ser feita a iniciao. Arriamos o

    aper, que um banco sacramentado contendo os elementos de ax onde a

    pessoa que est sendo iniciada sentar para fazer a limpeza da cabea que a

    raspagem, precedida pela lavagem da cabea com sabo-da-costa, revela MePalmira.

    nesse recolhimento que ocorrem as bases dos ensinamentos do

    candombl e onde a pessoa que se inicia tambm ser observada e orientada a

    fim de aprender a controlar as manifestaes de seu santo6. A criana tambm

    fica recolhida e, em rarssimos casos, poder sair. Por exemplo, se ela estiver

    sendo iniciada para um orix cujo quarto fica dentro do barraco, poder circular

    no barraco quando neste no estiver acontecendo nada de importante. Se

    recolher para os orixs cujos quartos esto no quintal do terreiro j no poder. No

    terreiro de Palmira de Ians as crianas podem ser iniciadas a partir de dois anos.

    Em rarssimos casos, se o orix determinar e for caso de vida ou de morte, inicio

    com menos, afirma a me-de-santo.7

    Beniste tambm explica que blnan (bolar no santo) a primeira

    manifestao de um ris numa pessoa e que ocorre geralmente de forma bruta e

    sem qualquer previso.

    Pode ser durante uma festa ao se cantar para um determinado rs; a pessoa vtima detremores e sobressaltos, caindo no cho inconsciente. Este momento visto como umapelo do rs iniciao. Bolar vem de embolar, e uma forma alterada do yorub

    6 Veremos mais adiante que uma ekedi tambm recolhe (por menos tempo) para ser confirmada, mas novira no santo, assim no h a necessidade, neste caso, desse tipo de orientao para as ekedis.7 Ver mais adiante que no terreiro de Beata de Iemanj as crianas podem ser iniciadas a partir de 1 ms deidade.

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    Blna(n), B, cair + lnan(n), no caminho. Nesses casos, a dirigente a cobre com umpano branco e ela carregada para o interior da casa. L desvirada e comunicada. Sedesejar, j permanecer para a iniciao. Na maioria das vezes volta para casa, ficando oassunto para ser decidido mais tarde. (Beniste, 2001, p.163).

    De acordo com Beniste, se permanecer no terreiro, ser na qualidade deAbyn, ou seja, uma aspirante. Me Palmira diz que em seu terreiro assim que

    acontece. Ela acrescenta ainda que este pode ser tambm o primeiro indcio de

    que uma criana ou adolescente ir bolar no santo, alm de outros inmeros

    sinais que veremos detalhadamente nos depoimentos das prprias crianas e

    adolescentes entrevistados e observados.

    4.1.2- A raspagem da cabea e outros rituais8

    A raspagem da cabea9 , mais uma vez, a indicao de que o iniciado

    nasce para uma nova vida dedicada ao orix e religio. Raspamos a pessoa

    para limpar sua cabea, mas nem todos precisam raspar. A criana, em geral, no

    raspa a cabea. Elas no tm nada sujo. Mas s vezes o orix determina a

    raspagem e ento a criana raspa sim. Tira-se uma mecha do cabelo na frente da

    cabea, logo acima da testa (considerado nascente), tira-se, sempre com a

    navalha, outra mecha na parte de trs da cabea, prximo nuca (Ikoko ori), tira-

    se do lado direito e do lado esquerdo tambm. Alm disso, a ia tambm dever

    raspar uma mecha bem no centro, no alto da cabea onde a entrada de energia.

    Ali ser colocado o Os, uma massa preparada com diversos elementos de fora,

    do ax, recolhidos dos reinos mineral, vegetal e animal, explica a Me-de-santo.

    A criana, insiste Me Palmira, no tem necessidade de raspar a cabea,

    mas, se for necessrio, raspa, como sempre, o orix quem determina. H casos

    que, dependendo do ori (cabea) ou da qualidade do santo, nem o adulto raspa,no uma obrigao, explica a me-de-santo. A criana s tira onde for

    necessrio, se for necessrio em todos os lugares, raspar em todos os lugares

    8 Essas descries referem-se especificamente a este terreiro e no acontecem obrigatoriamente da mesmaforma em outras casas.9 De acordo com Beniste, o rito de raspagem de cabea denomina-se Fri, sendo que nos candombls deAngola, a expresso Katula, raspar vem de Tula, tirar. (cf. Beniste. 2001, p.1666).

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    que j falei, revela Palmira de Ians afirmando ainda que esta tarefa exercida,

    neste terreiro, exclusivamente por ela. Os sacrifcios de animais so realizados e o

    sangue derramado em algumas partes do corpo do iniciado. Nesses locais so

    colocadas penas de aves. Me Palmira revela que o sangue d a vida e, as

    penas, a proteo lembrando como a galinha protege os pintos.

    Me Palmira explica ainda que, neste terreiro, o os trocado todos os

    dias, durante sete dias e, nesse perodo, o iniciado permanece sem luz eltrica no

    quarto. Tambm todos os dias, s 4 horas da manh, a pessoa que se inicia toma

    um banho de ervas de orix. No mnimo, usamos vinte e uma qualidade de

    folhas. Oito folhas frias e oito folhas quentes que proporcionam equilbrio para

    atrair o orix, alm das folhas especficas para cada orix. Um exemplo de folhas

    quentes so as folhas de irco e de pra-raio e exemplos de folhas frias, as folhade oririm e de manjerico. As folhas so rezadas, cantadas e as energias dessas

    folhas so evocadas, diz a ialorix. A tarefa da me-de-santo e das filhas-de-

    santo designadas para ajud-la.

    A gua com a qual essas folhas so lavadas vai lavar os assentamentos do

    santo, a cabea do ia que est se iniciando e essas folhas trituradas seguiro

    para um pote de barro denominado porro. Ali ser colocado o ax do iniciado,

    sendo que os demais contedos que compem esse ax no podem ser

    revelados.

    Depois desse banho, pela manh, ao iniciado servido o dengu, um tipo

    de mingau preparado com milho branco. Pouco antes do meio-dia servido o

    almoo contendo sempre a comida permitida para o santo (ver item 4.1.4). Como

    j foi dito, nesses primeiros sete dias, o ia fica no escuro, o que significa,

    segundo Me Palmira, que ele deve passar pelas trevas enquanto se prepara para

    nascer. Durante esse tempo, o iniciado no conhece o poder e a fora dos orixs

    porque ainda no incorpora. Ele ainda no tem o conhecimento da religio. No

    stimo dia a luz acesa porque o orix j est incorporando. Significa que a nova

    vida, dotada de saber comeou, diz Palmira de Ians. Ainda no perodo de

    recluso acontece o ssnyn, mais um ritual em que se canta a folha, s que o

    objetivo descobrir o destino da pessoa no santo. O ssnyn realizado em

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    perodos de trs, sete e dezesseis dias, na sada. Contudo, nesta casa, se o orix

    for Xang, o ssnyn ser feito em intervalos de trs, seis e doze dias e Sapanan

    (Omolu), em intervalos de 3, 7 e 14 dias.

    No ssnyn so colocadas comidas de santo dentro de folhas de mamona,

    cantados todos os ossaim (cantos) e bate-se no corpo do iniciado com esse

    preparo. No perodo de sete dias do ssnyn realiza-se o ritual do Efun, a pintura

    das cores branca, azul e vermelha. O ssnyn concludo com um jogo de

    bzios, em cima de uma esteira. A funo desse jogo buscar o od do iniciado,

    ou seja, o caminho e o destino do iniciado no candombl e tambm como esse

    destino no santo ir interferir na vida dessa pessoa.

    O jogo, que feito trs vezes ao longo do recolhimento, vai mostrar a

    funo que a pessoa ir desempenhar na religio e tambm revelar se ele ou elatem cargo a desempenhar nessa casa de santo onde ela se inicia ou no. Pode

    revelar ainda, se o iniciado ou iniciada est destinado ou destinada a abrir suas

    prprias casas. So tambm esses jogos que iro revelar os wo (Ketu) ou

    quizilas10 (Angola), ou seja, todas as proibies de comida, cores de roupas e

    outros hbitos a que o iniciado estar submetido.

    Ao final desse perodo, explica Me Palmira, o recolhido j pode tomar caf

    com leite, po e manteiga. Pode tambm comer comida comum, ou seja, comida

    que no seja exclusivamente a de santo. Geralmente perguntamos ao iniciado o

    que ele quer comer e nunca vi um ser humano dar tanto valor a um prato de feijo

    com arroz, eles sempre pedem feijo arroz, bife e batata frita. Tambm, depois de

    tanto amal, aca, eb, pur de nhame, xinxim de galinha ou peixe e tudo

    sempre com pouco sal ou nenhum sal, brinca Me Palmira.

    10 O termo significa ojeriza, averso, implicncia. Tambm revela uma proibio ritual, tabu alimentar ou deoutra natureza. Do termo multilingustico Kijila (quimbundo), ou Kizila (quinguana), proibio, castidade,

    jejum., etc. Para assegurar o sucesso da guerra, Temba Ndumba (herona civilizadora) imps a Kijila, queem kimbundu quer dizer proibio e que consistiu num conjunto de leis positivas, que implicavam certostabus, como por exemplo, a abstinncia de carnes de porco, de elefante e de serpente. (Verbete em Lopes,

    Nei, 2003, p.191).

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    4.1.3 A nova vida comeou

    Ao final do recolhimento, na sada do santo, durante uma festa na qual o ia

    apresentado comunidade, o orix revela o Orko, o nome pelo qual essa

    pessoa ser conhecida no candombl, seu nome inicitico. Em seguida sai o

    carrego final (ou Er pin) contendo todas as coisas do santo e que ser deixado

    em local destinado pelo jogo.

    No dia seguinte acontece uma cerimnia chamada Panan (ou final do

    castigo) que significa a quebra dos wo. O iniciado dever ento reaprender os

    hbitos da vida diria. O ia orientado a sentir como se tivesse dormido uma

    longa noite, em geral se espreguiam, simulam que esto tomando banho, ou

    lavando o rosto e escovando os dentes. No Panam, o ia j pode sentar em umacadeira (durante o recolhimento s se senta ou deita em uma esteira) e tambm j

    pode calar um chinelo (no recolhimento fica descalo). O Panam continua

    quando o ia recebe uma quantia de dinheiro e simula que est indo s compras.

    Em geral, vai prpria dispensa da me-de-santo, compra arroz, feijo e outros

    alimentos e os entrega tambm me de santo. O ia, durante a recluso, no

    pega chuva. Assim, faz parte desse ritual que algum irmo ou irm-de-santo

    encha um balde com gua, se esconda em algum lugar por onde o ia dever

    passar e simule que est chovendo para que o iniciado reaprenda a andar na

    chuva. Assim como essas, outras situaes sero simuladas como cozinhar,

    dirigir, passar roupa.

    Para Me Palmira, a iniciao significa deixar toda a vida que se tinha at

    ento para trs e comear uma nova vida inteiramente dedicada ao orix. Mesmo

    que a pessoa saia do candombl e resolva se tornar cristo, por exemplo, essa

    pessoa jamais deixar de ser iniciada. Isso porque seu corpo passou a ser um

    altar vivo e a morada de seu orix, ele se tornou um ados, recebeu o os, o ax e

    ser sempre do orix, explica.

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    4.1.4 O que se come

    Adultos e crianas comem comida do orix. Um exemplo o omolocun

    (feijo fradinho temperado com cebola e com camaro) ou o aca que um angu

    ou mingau (preparado com farinha de milho branco). Come-se tambm o amal(um prato feito com quiabo) e o is, uma espcie de bolinho de nhame. Em geral a

    comida servida com pouco sal e, se for para Oxal, com nenhum sal. Contudo,

    explica Me Palmira: se voc mistura o amal com xinxim de galinha que tambm

    comida de santo, fica uma delcia. O acaraj (bolinho de feijo fradinho frito no

    dend) tambm faz parte da dieta servida no recolhimento.

    s crianas sempre so oferecidas comidas do santo. Mas, explica Me

    Palmira, dependendo da faixa etria preciso, evidentemente, servir um outro tipo

    de alimentao. Paulinha de Xang, por exemplo, quando recolheu tinha dois

    anos, portanto, tomava mamadeira e, recolhida para o orix, continuou tomando

    mamadeira. Fazamos mamadeira de aca (farinha do milho branco) para ela.

    Mas ela tambm tomava farinha lctea para manter o equilbrio na alimentao,

    embora ache o aca at mais forte, diz Me Palmira. De acordo com a yalorix,

    o adulto fica mais restrito comida do santo, j as crianas comem desta, mas

    podem comer da comida comum, caso rejeitem a dieta do orix. Me Palmira,

    contudo, garante que, em geral, as crianas adoram comida de santo. Paula

    sempre adorou amal, Luana11 sempre comeu acaraj. So comidas fortes e elas

    acabam at engordando. No depoimento de Joyce de Iemanj, mais adiante,

    veremos que ela diz: Sa do quarto com a cara gorda feito bolacha.

    4.1.5 - Iniciados ainda no ventre

    Quando a me faz a iniciao grvida, diz Me Palmira, ela toma banho de

    ervas come comida ritualstica e recebe o os e, ao receb-lo, estar ligada ao

    orix. Essa energia de ax tambm vai para a criana que por isso chamada de

    biax, ou seja, a que nasceu do ax, o que nasceu da fora do orix. A mulher

    11 Neta de Me Palmira sobre quem falarei mais tarde.

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    grvida far obrigaes especficas. Tudo o que feito na cabea de um iniciado e

    na cabea de uma mulher grvida que est se iniciando tambm se faz na barriga

    dessa mulher. O umbigo seria o ori e receber o os e a barriga tambm ser

    pintada, revela me Palmira. Essa criana j nascer feita no santo porque foi

    iniciada no ventre da me e, quando crescer, completar as obrigaes. Contudo,

    de acordo com Me Palmira, se uma mulher que se prepara para ser iniciada

    estiver grvida, mas no desejar iniciar o filho e no quiser que o filho tenha

    ligao com o candombl ela ser aconselhada pela Me-de-santo a no se iniciar

    durante a gravidez porque a criana, de qualquer forma, ter ligao com a

    religio.

    4.1.6 - A antigidade iniciticaDe acordo com o professor e pesquisador Muniz Sodr, os poderes

    decorrentes do ax12, a autoridade, tambm dependem, na concepo dos

    Yorubs, de um consenso comunitrio. So poderes sutis, que implicam energias

    poderosas, umas mais velhas que as outras, como acontece na ontologia banto.

    (Sodr,1988, p.89). Ele recorre ao conto Yorub (itan) para ilustrar o que chamou

    de hierarquia das foras: Um dia, a Terra e o Cu foram caar. No fim do dia, s

    haviam apanhado um rato. Cada um reivindicou a presa, alegando sua idade.Como a discusso se eternizasse, o Cu se zangou e foi para casa. Fez ento

    parar a chuva, e a fome sobreveio, at que a Terra viesse a lhe suplicar de joelhos

    e admitir que ele era o mais velho. (ibidem). Essa preeminncia do mais velho,

    explica Sodr, no exclusivamente biolgica, mas se d em termo de

    antigidade inicitica.

    As crianas esto misturadas aos adultos nos terreiros. Devem respeito

    aos mais velhos, mas so igualmente respeitadas por eles. No terreiro, o tempo

    que a pessoa tem de iniciado que conta. A antigidade inicitica superior a

    idade real. Por exemplo: se um adulto chega ao terreiro para comear a aprender

    a religio, uma criana j iniciada, pode perfeitamente ser responsabilizada para

    lhe passar os ensinamentos. No terreiro de Me Palmira uma criana toma a

    12 Grafo s ou ax reproduzindo a forma como cada autor escreve esta palavra.

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    beno a algum mais velho da mesma forma que um adulto toma a beno

    criana. As expresses so sempre Abena meu pai ou Abena minha me.

    No candombl tudo cclico, comea e recomea. Por isso danamos em

    roda. O mais velho vai puxando a roda, mas l na frente vai o abyn, aquele que

    nem feito ainda, mas sabe que, um dia, encontrar seu lugar na roda. Ainda

    assim, nem ao que tem mais tempo de iniciado dado o direito de se gabar. A

    humildade fundamental. Costumamos dizer que quando ik (a morte) passa,

    ningum quer ser o mais velho em nada, diz Me Palmira.

    s: que isto advenha!4.1.7 - Abrir a fala com o outro

    Tanto para um adulto como para uma criana, o elemento mais precioso do

    terreiro o se, (fora, o poder, energia). Ele realimenta e coloca todo o sistema

    religioso coletivo e a vida individualizada da pessoa em movimento. O se

    isso: movimento. Para que o indivduo receba o se, diz Santos (1993), ele

    precisa ser iniciado, como vimos, atravs de rituais para que o se seja

    distribudo, fixado temporariamente redistribudo a outros seres. Quem inicia o

    novo membro ylse.13

    Para esta autora, no processo da iniciao as palavras tm poder de ao e

    ignorar aquilo que pronunciado no decorrer de um rito o mesmo que amputar

    um dos seus elementos constitutivos mais importantes e, provavelmente, mais

    revelador. Ela acrescenta tambm que o se e o conhecimento passam

    diretamente de um ser a outro, no por explicao ou raciocnio lgico, num nvel

    intelectual, mas, de acordo com ela, pela transferncia de complexo cdigo de

    smbolos em que a relao dinmica constitui o mecanismo mais importante. A

    transmisso explica, efetua-se atravs de gestos, palavras proferidas

    acompanhadas de movimento corporal, com respirao e o hlito que do vida

    matria inerte e atingem os planos mais profundos da personalidade. Num

    contexto, a palavra ultrapassa seu contedo semntico racional para ser

    13 Detentora e transmissora do se. O mesmo que Iyloris.

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    instrumento condutor de s, isto , diz Santos, um elemento condutor de poder

    de realizao. A palavra faz parte de uma combinao de elementos, de um

    processo dinmico que transmite um poder de realizao. s: que isto advenha!

    (Santos, 1993, p.46).

    Para Santos, a importncia da oralidade na dinmica nag remonta ao mito

    da criao do ser humano. Nesta tradio, conta-se que quando Olrun14

    procurava o elemento apropriado para criar o ser humano, acharam muita coisa

    sendo que nada lhe parecia bom. Foram ento buscar a lama, mas ela chorou e

    ningum teve coragem de lev-la a Olrun. Ento apareceu Iku15que, por ter sido

    ele a apanhar a lama, deveria recoloc-la em seu lugar a qualquer momento, e

    por isso que Ik sempre nos leva de volta para lama.

    A oralidade, portanto, serve a estrutura dinmica nag. Santos refora quecada palavra proferida nica. Nasce, preenche sua funo e desaparece. E

    ainda que a expresso oral renasce constantemente e produto de interao em

    dois nveis: o individual e o social. No social porque a palavra ouvida e

    comunica e transmite o se dos antepassados a geraes presentes. E no

    individual porque expressa e exterioriza um processo de sntese no qual intervm

    todos os elementos que constituem o indivduo. A palavra, diz Santos,

    importante na medida em que pronunciada, em que som, j que, segundo a

    pesquisadora, o som implica sempre uma presena que se expressa, se faz

    conhecer e procura atingir um interlocutor. A individualizao no completa, at

    que o novo ser no seja capaz de emitir seu primeiro som. Quando se manifesta,

    o rs emite um grito conhecido como K. Santos refora a nfase na tradio

    oral do candombl. Defende, porm, que esse aspecto no deve ser visto como

    nico. A transmisso do conhecimento realizada atravs do que ela chamou de

    complexa trama simblica em que o oral, o hlito, apenas um elemento

    ainda que insubstituvel. E conclui sobre esse aspecto:

    O conhecimento e a tradio no so armazenados, congelados nas escritas e nosarquivos, mas revividos e realimentados permanentemente. Os arquivos so vivos, so

    14 Olrun ou Oba-run ou tambm chamado de Oldmar: Rei de run, regula toda a existncia tanto norun como no y.15 A morte. (Prandi, 2003, p.566).

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    cadeias cujos elos so os indivduos mais sbios de cada gerao. Trata-se de umasabedoria inicitica em que o princpio bsico da comunicao constitudo pela relaointerpessoal. (Santos, 1993, p. 51).

    4.1.8 Kos ewe, kos rsSem folha no h orix

    No s as crianas iniciadas fazem parte da comunidade terreiro. Muitas

    freqentam, aprendem preceitos, canes e participam das festas, mas no

    necessariamente faro o santo ou recebero cargo na casa. Ao agregar crianas e

    jovens em uma comunidade, Me Palmira acredita que nesta forma de

    socializao, novos laos de solidariedade so estabelecidos atravs, justamente,

    da distribuio do ax da comunidade terreiro, incluindo seus antepassados. Omundo hoje muito capitalista, se educa para o consumismo, para o

    individualismo exacerbado, para cada vez mais, a destruio da fraternidade, diz

    ela. E continua: As crianas so o futuro do candombl que prima muito pela

    infncia e pela velhice. A infncia porque o amanh. O candombl s continuar

    atravs das crianas. E os mais velhos porque so os sbios, nos orientam e nos

    passam as histrias importantes para nossa tradio, diz Me Palmira de Ians.

    Para Beniste, tanto a me como os filhos tomam parte nesse aprendizado.

    Houve uma poca em que se convencionou que ser educado era ser europeizado. Asociedade yorub era vista como Ar Oko, (...) pessoas ignorantes. Cultura e educaoeram vistas como primitivas e pags. Os princpios da educao so baseados sobre aconcepo Omolwbi, ou seja, um bom carter em todos os sentidos da vida, e que incluio respeito aos mais velhos, lealdade para os pais e a tradio local, honestidade,assistncia aos necessitados e um desejo irresistvel ao trabalho. um processo de vidalonga, onde a sociedade inteira a escola (Beniste, 2001, p.35).

    Essa educao terica e prtica, segundo Beniste, introduzida atravs de

    uma combinao de preceitos e literatura oral, representados por textos,

    provrbios, poemas, mitos e canes tradicionais. Por exemplo, diz o pesquisador,

    a uma criana ensinado:

    s k gbkn (Choro no resposta para a pobreza)

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    Ap Lara, gbnw (seus braos so seus parentes, os cotovelos so seus amigos para movimentlos).O conceito de hospitalidade lembrado neste provrbio: Iyn ogn odn a ma j lw(um pedao de inhame de 20 anos atrs ainda pode estar quente, ainda pode ser tocado.Isto quer dizer que um ato de hospitalidade pode ter sua retribuio. (ibidem).

    Para Beniste, essa combinao de mtodos define o sistema e esclarece,

    proporcionando uma base para o ritual e a crena religiosa. Este autor ressalta

    tambm a importncia de toda a comunidade terreiro na formao de um

    Omolwb.

    A sociedade inteira sua escola; moralidade no somente ensinada, vivida. Coragemno ensinada, demonstrada. Persistncia e devoo para obrigao so tambmexibidas. O nmero de certificados conquistados mede o sucesso de uma pessoa, masno o seu valor. So marcas de condecorao, mas no revelam uma pessoa comoOmolwb. (op.cit., p.38).

    Palmira de Ians tem a mesma opinio e defende para isso que a iniciao

    seja feita bem cedo para que as crianas comecem a ser educadas dentro dos

    padres da religio. E no so padres muito rgidos. O que h de rgido o

    respeito criana, famlia, aos velhos, aos ancestrais e aos orixs porque so a

    natureza. A criana convive com o meio em que vive, conhece os pssaros os

    animais as plantas, afirma a me-de-santo. O candombl vai contra essa lgica

    que hoje destri o planeta. Nossa religio lida com os quatro elementos na

    natureza (ar, fogo, terra e gua) e com os trs reinos (vegetal, mineral, animal).So esses elementos integrados que formam o ax, a fora dinmica que a tudo

    move e anima. Portanto, o candombl a religio mais ecolgica que existe

    porque s concebemos a nossa prpria existncia integrada natureza. Iemanj

    a energia das ondas do mar, das guas do mar. Oxum das guas doces, dos rios,

    das cachoeiras. Ossaim, dos vegetais, das folhas. Xang, dos troves, do fogo.

    Ians do ar e da terra. Oxssi, o grande caador. Quando uma criana comea a

    lidar com isso desde cedo, ela no apenas se sente parte da natureza mais que

    isso, ela entende que ela a natureza.

    No depoimento acima, Me Palmira evidencia o que ela mesma chamou de

    eixo estruturador da educao das crianas nos terreiros. Se aprendermos que

    nossa existncia depende disso, teremos aprendido bem. E nossas crianas

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    tambm, afirma. E so essas crianas de terreiro que conheceremos melhor

    agora.

    4.2 Ricardo de XangO menino que segue pelo caminho do fogo

    Ricardo Nery, aos 4 anos.

    Os braos do menino eram asas, os cabelos do menino eram flores, os

    olhos do menino eram todos os pssaros que derramavam em ns antigas luzes.

    A msica que o menino tocava parecia transmutar tudo em gua e diluir a todos

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    numa mesma e outra substncia. E, mesmo na gua que provocava, todo o

    menino ardia em fogo quando ele tocava para os orixs seguindo um caminho

    incendiado por suas foras.

    Foi essa a primeira impresso que tive de Ricardo Nery, aos 4 anos, a

    primeira criana que vi desempenhando funo em um terreiro. Essa imagem a

    foto que est acima. Ao longo desse tempo, observei Ricardo crescendo atrs dos

    atabaques. Desde aquele 13 de outubro de 1992, conheci muitos ogans. Para

    mim, ningum como Ricardo que, ao tocar para convocar os orixs ele mesmo

    parece se converter nas guas, nos ventos, nas matas e no fogo de Xang de

    quem filho.

    Ricardo, desde os dois anos, bate com incrvel desenvoltura e habilidade

    diversos tipos de atabaques. Aprendi olhando, me disse ele, ainda aos 4 anos.Ricardo filho de Xang, mas foi suspenso ogan por Ians. No tem problema.

    Meu orix Xang, mas foi Ians quem me apontou ogan. Ento sou filho de

    Xang, mas sou ogan de Ians, explica.

    Foi Ricardo que tambm me explicou que sempre o Orix quem

    determina a funo que a pessoa ter no terreiro. Ou ele mostra no jogo de

    bzios ou desce no terreiro, durante uma festa para dizer seu destino no

    candombl, revelou. quando isso acontece que se diz que a pessoa foi

    suspensa ou apontada. O processo de confirmao para os cargos recebidos

    ser feito de acordo com os preceitos para cada cargo, orix e mesmo de acordo

    com as prticas de cada terreiro. Questes pessoais tambm interferem no

    processo.

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    Ricardo, desde os 2 anos, bate com incrvel habilidade diversos tipos de atabaques.Nessa idade, ele tocava at dormir em cima dos atabaques. Eu o levava para a camamas ele despertava e voltava correndo, conta Vincius Andrade, filho-de-santo etambm ogan da casa

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    Meu destino no candombl foi ser ogan. No viro no santo. Tenho de

    conhecer os toques do candombl que tm o poder de convocar os orixs. So

    muitos toques diferentes e, na medida que vou aprendendo vou memorizando.

    Nunca tive dificuldades, revela. E nunca teve mesmo, diz Me Palmira, av

    paterna de Ricardo e que cria o neto desde que ele tinha um ms de idade. De

    acordo com ela, os pais de Ricardo no tinham condies de sade para criar o

    filho. Ele foi apontado ogan por Ians aos 2 anos e, ao fazer isso, o orix toma

    para si a maternidade, a funo de criar, de ver, de conduzir nos caminhos da

    vida, diz a av, completamente dedicada ao neto. Palmira conta tambm que

    Ricardo fez as primeiras obrigaes aos 13 anos e seria confirmado no final de

    2004. Mas a data coincidiria com o encerramento do ano letivo e aqui, nada, nem

    o terreiro concorre com a escola. Em primeiro lugar vem a escola. Nas frias doprximo ano ele ser confirmado ogan, informa Me Palmira dizendo tambm que

    o neto est no segundo ano do ensino mdio (agora passou para o ltimo ano) e

    que ele quer ser engenheiro naval.

    Na to aguardada confirmao, explica Me Palmira, Ricardo usar uma

    roupa de gala. Antes as pessoas usavam um terno, mas, hoje em dia, pode ser

    uma cala de linho e uma camisa de seda, explica a me-de-santo.

    Em um de seus relatos, Ricardo me diz que ama sua religio. Eu me sinto

    bem aqui nessa vida de comunidade. Me dou bem com todo mundo, todo mundo

    gosta de mim. Aprendemos que a nossa cabea a morada do orix e no

    devemos fazer nada que faa mal a nossa cabea ou a nosso corpo, explica.

    Pergunto ento por que ele fuma? Minha av quase me mata por isso, mas fumo

    desde os 14 anos. Estou tentando parar como todo mundo que fuma, brinca.

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    Aos 4 anos, Ricardo ainda nem tinha altura para alcanar o atabaque, por isso, sentavaem uma almofada e desempenhava suas funes com a mxima seriedade.

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    Alm de ogan, Ricardo foi suspenso omoisan. Como veremos mais adiante,

    essa uma funo exercida dentro do candombl, mas da parte de ls-egn (o

    culto aos ancestrais). No candombl tudo duplo. Cultua-se a vida, da o culto

    aos orixs, mas tambm se cultua a morte, da o culto aos egns , ensina. E

    continua: Quando o egn incorpora, ele toma para si uma indumentria que no

    pode esbarrar em ningum que vivo. A vara ritual, o isan usada para colocar

    os limites para os egns que s vezes esquecem que esto mortos, pensam que

    esto vivos e chegam perto demais dos vivos, explica Ricardo. Mas, segundo

    Me Palmira, Ricardo s concluir as obrigaes desse tipo de culto quando

    estiver adulto. Uma coisa de cada vez, diz ela. Ricardo Nery e Paula Esteves

    no visitam o terreiro ou o freqentam apenas em dias de festas e obrigaes.

    Eles moram no terreiro j que suas casas ficam dentro do espao da comunidadedo terreiro. Eu acordo vendo macumba e vou dormir vendo macumba, me disse

    Ricardo. Quando eu era criana eu gostava de ver televiso e via. Mas o que eu

    gostava mesmo era de brincar de macumba. Ficava brincando de macumba com a

    Paula, com o Jailson e com os outros. A gente brincava de pegar santo, conta

    Ricardo.

    E foi brincando de macumba que Ricardo cresceu uma criana dcil, e

    esse adolescente generoso e estudioso, derrete-se Me Palmira. Quanto ao

    preconceito, Me Palmira s reclama de dois episdios. O primeiro, quando

    Ricardo tinha cerca de seis anos e foi chamado de filho-do-diabo, por uma

    explicadora particular e de todas as conseqncias sofridas depois da publicao

    do livro do Bispo Macedo16. A foi demais, todos ns sofremos muito, disse ela.

    Ricardo confirma o que a av diz. Na rua passaram a me

    chamar de macumbeiro. E eu no entendo, se a gente tem que entender a cultura

    dos crentes e dos catlicos, por que eles no podem entender a nossa, inclusive

    na escola?pergunta Ricardo.

    16 Ver anexo depois da pgina 7.

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    No terreiro, o que conta a idade inicitica, ou seja, o tempo que a pessoatem de iniciada. Ricardo, aos 4 anos, j era muito respeitado no terreiro deMe Palmira e tambm em outros terreiros.

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    O ogan, porm garante que pouco se importa com que os outros dizem.

    Importante agradar ao orix, fazer as coisas certinhas para ele e ver atravs

    de um gesto no terreiro que ele fica feliz. Eu tenho um carinho grande pelos orixs

    e eles por mim, isso o que vale, conclui.

    Ricardo diz que uma das coisas que mais gosta de fazer tocar para o

    Xang de Paulinha. Ele vem com fora, vem bonito, fica satisfeito, lindo,

    comenta. E tem razo. Ver Ricardo tocar para o Xang de Paulinha e observar

    como ele dana no meio do terreiro foi uma das coisas mais bonitas que vi no s

    durante essa pesquisa. Foi uma das mais belas coisas que j vi na vida. Ao voltar

    para casa nesse dia, pensei: no sou eu quem escreve essa tese.

    4.2.1 w (quizilas) e limites

    Para os iniciados ou confirmados17 no candombl existem algumas

    proibies impostas pela ligao ao orix, so os w, ou as quizilas do santo.

    No captulo Quizilas e preceitos transgresso, reparao e organizao

    dinmica do mundo, Augras faz importante discusso sobre o complexo

    mecanismo das proibies nos terreiros observados por ela, nos quais constata

    que a transgresso de tais proibies , ao mesmo tempo, sancionada eincentivada (In: Moura,2004:159). A leitura desse jogo destacado por Augras

    fascinante, mas aqui, gostaria apenas de ressaltar os elementos que nos

    esclarecem mais a respeito do conceito de quizila.

    No que diz respeito vida cotidiana, mitos clssicos dos iorubas afirmam a importncia deconhecer-se, para saber como comportar-se corretamente neste mundo. Talconhecimento s pode ser alcanado mediante a consulta do orculo que dir de quematerial feita a cabea de cada pessoa. (op.cit.p,170).

    17 Digo iniciados e (ou) confirmados porque veremos adiante que ekedis no so iniciadas, ou seja no sofeitas no santo mas so confirmadas depois de suspensas pelos orixs. J os ogans, em geral no se iniciam,so suspensos e se confirmam mas, h casos de ogans iniciados, inclusive, passando pelo ritual de raspar acabea. Para todos esses casos existem as quizilas.

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    Ricardo aos 8 anos: Gosto da minha religio, mas na rua j me chamaram demacumbeiro e disso eu no gosto!

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    Augras refere-se a um texto oracular recolhido da boca de um sacerdote

    nigeriano por Juana Elbein dos Santos e Deoscredes M. dos Santos (1971) que

    explica que cada pessoa, antes de nascer, tem sua cabea (or) miticamente

    moldada no alm (rum), a partir de determinada matria prima-ancestral (Ipr),

    cuja identificao, pelo orculo, permitir esclarecer qual sua natureza

    verdadeira. Assim, no somente a pessoa saber que tipo de oferenda deve fazer

    para agradar os deuses, mas ser tambm informada a respeito de todas as

    coisas que lhe so prescritas como interdies (w), proibidas de comer, por

    causa da maneira como o or foi moldado.(citado por Augras in Santos e Santos,

    1971, p.52). Para a pesquisadora, o esclarecimento das proibies rituais torna-se

    sinnimo da auto-identificao.

    Antigo gastrnomo francs j cunhara o provrbio: dize o que comes, e direi quem s. OOrculo ioruba prope a sentena inversa: direi o que no podes comer, e sabers quems. Resta verificar se, no cotidiano do terreiro, possvel observar a mesma convergnciadas interdies em torno das coisas-proibidas-de-comer. preciso observar, junto comWeber (1944) que a proibio de certos alimentos fonte de comensalidade ouconvivialidade. No se restringe, portanto, a evitar que a pessoa ingira substnciasdanosas para ela, mas tambm constri um espao prprio, onde se podem encontrar eidentificar outras pessoas regidas por tabus idnticos ou semelhantes. (Augras, in Moura,2004, p.171).

    As proibies no esto restritas ao que no se deve comer, mas tambmao que vestir, por exemplo. Querendo saber como essas proibies se refletem

    em crianas e adolescentes que convivem nos terreiros, pergunto a Ricardo se

    no foi difcil crescer com essas limitaes. Foi e no foi. Por exemplo, adoro

    roupa preta, mas no posso usar por causa da quizila do meu santo com roupa

    preta, ento uso menos, melhor, quase no uso. Gosto muito de roque, gosto de

    usar camisas com aquelas caveiras grandes estampadas. No posso, tem quizila

    do santo. Se usar, posso passar mal ou acontecer coisas ruins comigo na rua,

    mas o resto tranqilo, responde.

    Sua av concorda. As proibies de comida no foram difceis. O mais

    problemtico foi mesmo essa cultura da roupa preta. Ns no usamos. Se colocar

    uma camisa preta bom que se coloque uma cala branca para garantir o

    equilbrio. O Ricardo sempre gostou muito de azul e verde, mas agora est com

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    essa coisa da roupa preta por causa dos grupos de roque. Como eu no posso

    proibir o uso geral ele no pe preto nas sextas porque dia de Oxal e nas

    quartas porque ele ogan de Ians. Se vestir todo de preto jamais. Um dia ele

    usou uma camisa preta e teve de ir para o hospital com uma urticria violenta. Da

    quando acontecem essas coisas eles comeam a entender, insiste Me Palmira.

    Ricardo tem dois furos em cada orelha. Pergunto a Ricardo se com os brincos,

    no tem quizila. Tem, mas no com o santo, a quizila dos brincos com a minha

    av mesmo. Tatuagem tambm quero fazer, mas tem quizila com ela, brinca.

    Ricardo, aos 8 anos, segue os rituais do terreiro e respeita a hierarquia de sua Me-de-

    santo, tambm sua av carnal.

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    4.2.2 Presso demais?

    Certa noite, barraco cheio, Marcos, tio de Ricardo chamou a ateno do

    menino. Para o tio, Ricardo deveria se dedicar mais e ter mais responsabilidades

    no terreiro. Ricardo ficou magoado por dois motivos. Primeiro porque se dedica

    muito religio. Segundo, porque levou uma bronca diante de todos os que

    estavam na festa. Em uma de nossas entrevistas, perguntei a Me Palmira se ela

    no achava que era presso demais para um adolescente de 17 anos. No, no

    crtica nem presso demais no. Ele (referindo-se a Marcos) tem uma

    responsabilidade maior que os outros por ser filho da me de santo e deve ser

    exemplo, por isso ele cobra mais do sobrinho que tambm deve ser exemplo.

    Ricardo est na fase

    de muita namorada ento muita garota no candombl e no so nem filhas-de-

    santo da casa, mas vo s por causa dele. Ento ele larga o atabaque, larga a

    cerimnia e vai namorar no porto encostado no carro, diz ela.

    Pergunto ainda se essa no uma atitude normal para qualqueradolescente. , mas ele deve ter o entendimento de que a hora da religio no

    hora de namorar. Meu filho Marcos tambm ogan e gosta muito de tocar com

    Ricardo. Os dois se entendem muito bem no atabaque. Ento se vem um ogan de

    fora, o Marcos fica nervoso porque se o Ricardo est no sai nada errado. A

    cobrana essa. O Marcos tambm o chama para aprender a encourar atabaque

    e ele no vai porque quer ir para academia. Ele tem de saber dividir, mas o terreiro

    primordial, principalmente ele que da casa. O Ricardo mora na comunidade

    terreiro e est em contato o tempo inteiro com a religio. No como, por

    exemplo, ir missa e voltar para casa. Mas hoje ele est mais consciente , afirma

    Me Palmira.

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    Ricardo, aos 17 anos. Ele foi suspenso ogan aos 2 anos, fez as primeiras obrigaes aos 13anos e ser confirmado ogan no prximo ano. Ele tamb foi apontado omoisan, ou seja, recebeuum cargo no culto de lese-gn (culto aos ancestrais). Eu amo os orixs e isso o maisimportante no candombl, a relao com o orix.

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    Acima e direita, Ricardo toca em uma festa de Oxossi. esquerda, crianas observam asada dos orixs. Abaixo, Ricardo toca em outra festa, enquanto as filhas-de-santo danam.

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    4.3 Paulinha de Xang

    Iniciada aos dois anos (foto cedida pela famlia).

    Conheci Paula Esteves quando ela tinha seis anos. Naquela poca ela j

    era Paulinha de Xang. Encabulada, Paulinha nunca parava de rir seu lindo

    sorriso nem enquanto danava ou cantava (talvez aqui, a mquina fotogrfica

    interferindo no campo). Alis, ao longo desse tempo todo, Paulinha nunca gostou

    muito do meu gravador nem da minha mquina fotogrfica, que ela dificilmente

    encarava. Hoje, Paulinha tem 18 anos, teve seu primeiro filho no dia 28 de abril e

    continua tmida. Para conseguir uma foto de frente ainda difcil e, no terreiro,

    durante as atividades, ela j no ri mais, pelo contrrio, sria, compenetrada, s

    no deixa de rir muito em nossas conversas mais informais. Paula diz que vai

    esperar seu filho crescer para saber se ele ser do santo, mas acha que ser

    inevitvel. Minha famlia toda , meu marido . Quando eu vier para o terreiro

    vou trazer meu filho, ento, acho que ele tambm ser, imagina.

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    Jussara dos Santos Esteves (filha de Ogun, iniciada aos 20 anos) me

    carnal de Paulinha e de Andr Luiz, hoje com 26 anos e ogan desde os 4 anos. H

    17 anos nesse terreiro, Jussara conta que era de umbanda, mas como seu santo

    do candombl, precisou raspar a cabea, ritual que no praticado na

    umbanda. Paula fez o santo junto com a me. Eu precisava fazer e ela tambm a

    fizemos juntas no mesmo barco. Ela com 2 anos e eu com 20. Ns duas raspamos

    a cabea e deitamos juntas para o santo. Eu para Ogun, ela para Xang, conta

    uma Jussara toda orgulhosa.

    O aper de Xang preparado em um pilo. Paulinha tinha pouco mais de

    dois anos, pegamos um pilo bem pequeno, mesmo assim o pezinho dela no

    dava no cho e ficava balanando, ela era muito pequenininha. Quando o ritual de

    sua iniciao comeou, seu corpo todo tremia parecendo em transe. Primeiro fiz ame dela para que quando a Paula chegasse no quarto sua me a recebesse,

    temos todo um cuidado especial. Era uma noite muito fria mas quando a coloquei

    na esteira, o corpo de Paula queimava. Ela estava to quente, to quente que

    tremia. Depois, ela ainda pequena, ao arriar amal18 para Xang passou mal e

    no queria mais entrar no quarto de Xang, dizia que tinha medo dele. Tempos

    depois foi arriar acaraj19 e passou mal tambm mas corria, ia embora, tinha medo

    do santo pegar ela. A primeira incorporao assim mesmo, parece algo muito

    maior que voc e voc tem medo de no dar conta, lembra e explica Me

    Palmira.

    18 Comida predileta de Xang feita no candombl com quiabo, camaro seco e azeite-de-dend. (Prandi, 2005,p.304).

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    Outro momento da iniciao de Paula Esteves. Ela aparece com a roupade seu orix. (Foto cedida pela famlia).

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    4.3.1 E Xang no veio

    Em geral, as obrigaes no santo so realizadas em intervalos de 7 anos.

    Com Xang, orix de Paulinha, no terreiro de Me Palmira, esse intervalo deseis anos. Assim, aos 8 anos, no dia 28 de setembro de 1996, Paulinha confirmou-

    se no santo e, nessa festa, a expectativa de que Xang tomasse sua cabea

    pela primeira vez era grande e contagiava todo o terreiro.

    Confirmao de Paulinha de Xang, no dia 28/9/1996.

    Mas no foi assim. Paulinha girou, girou, danou muito, cantou a festa

    inteira. Em vrias ocasies parecia que ia perder os sentidos, ficava zonza, era

    amparada pelos adultos, principalmente por sua Me Criadeira, ou ojubon (os

    olhos que se prostram no caminho), mas Xang no veio nela. Ainda nessapoca, perguntei: Por que Xang no desce em voc Paulinha? E ela me

    respondeu: porque eu tenho medo de morrer, revelou. Na verdade, Xang s

    pegou a cabea de Paulinha quando a menina tinha 14 anos, quando ela

    concluiu suas obrigaes e recebeu um novo nome: Obadeol, que significa: o

    rei chegou trazendo riqueza. Perdi o medo de morrer, afirmou ento.

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    Mais tarde, aos 17 anos, Paula Esteves ganhou de Ians de Me Palmira, o

    cargo de iaeb, ou seja, me que toma conta da casa. Tenho de ter mais

    responsabilidade. Tenho de ver se a comida est boa, se a casa est arrumada

    em dia de festa, tenho de tomar conta da casa, explicou. Pergunto a Paula o que

    isso muda na vida de uma adolescente. Muda muito porque tenho muitas

    responsabilidades e dedico muito tempo da minha vida ao terreiro, mas eu gosto

    disso. Com o cargo, Paula de Xang passou a ser a quarta pessoa na hierarquia

    do terreiro. Apesar disso, a adolescente diz que no pensa em ser me-de-santo.

    Mas se um dia tiver de ser, serei, afirma. Me Palmira tambm confirma. S o

    futuro dir, mas ela poder ser j que est cumprindo todos os preparativos para

    assumir cada vez mais responsabilidades, avalia.

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    Paulinha de Xang, aos 10 anos, ainda no virava no santo. Eu tenhomedo de morrer!

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    4.3.2 Na festa do presentePensando sobre identidade

    Na noite de 16 de outubro de 2004 eu estava no terreiro de Me Palmira

    para o ipet, uma festa para dar presente a Oxum. Foi uma noite especial. Aspessoas estavam muito eufricas e a alegria dominava o lugar. Nessa noite

    conheci Vincius Andrade, ogan e filho-de-santo de Me Palmira que passou a me

    auxiliar na reviso e compreenso deste trabalho.

    Em geral, gosto muito de ver os preparativos para as festas. Uma correria.

    As mulheres passam roupas, arrumam as contas, fazem as unhas, preparam as

    comidas. Em pouco tempo a mistura de cheiros toma conta do ambiente e o som

    dos atabaques comea. Paulinha sempre trabalha muito em dias assim. Nessa

    noite eu cheguei ao terreiro por volta das 18 horas e fui direto para sua casa (na

    verdade agora a casa de seus pais porque, desde que casou, Paulinha no

    mora mais na comunidade terreiro, mas continua morando bem prximo). Fiquei

    na varanda enquanto ela fazia a unha de uma das filhas-de-santo. Foi a que

    conversamos.

    Perguntei a Paula como que, na verdade, ela passou do medo de morrer

    (quando Xang no incorporava) para a coragem de no morrer (quando Xang

    passou a incorporar). que quando eu era pequena eu no entendia direito. Eutremia, era Xang chegando, mas eu no entendia, ento corria e me escondia de

    Xang porque ele era muito estranho, diferente e eu pensava que se deixasse ele

    entrar ele ia me matar e eu ia morrer. Mas fui crescendo no santo e aprendi a abrir

    espao dentro de mim para o santo. Foi s quando abri espao para Xang entrar

    em mim, mesmo ele ainda sendo uma coisa estranha que perdi o medo de

    morrer. Depois fui me habituando a ele e aprendi a dividir o espao de dentro de

    mim com ele. Enxerga eu e enxerga Xang. Dano eu e dana Xang. Ando pelo

    terreiro e Xang tambm anda. Mas sei que Xang, dentro de mim que me

    movimenta. Hoje estamos bem, diz Paulinha. E foi ento que, na varanda de

    Paulinha, enquanto ela pintava as unhas de uma filha-de-santo do terreiro e

    enquanto muita coisa acontecia a minha volta que comecei a pensar sobre

    identidade, discusso que farei mais adiante.

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    Jos Beniste (2002, p.83) diz que o candombl complexo em suas regras

    de comportamento, que s so devidamente entendidas com uma participao

    constante de todas as suas atividades. E verdade, no terreiro de Me Palmira

    nunca compreendi a mais simples das atividades sem olhar e olhar outra vez.

    Beniste afirma que comum dizer que no terreiro, nada se pergunta, tudo se

    aprende, vendo-se e ouvindo-se. Est certo tambm, mas nunca consegui

    aprender nada sem perguntar e tornar a perguntar. As festas, os rituais, tudo me

    era explicado calmamente, de preferncia por Paulinha ou por Ricardo que

    insistiam: Confirma com a me-de-santo, e eu confirmava sempre com ela e

    depois, com Vincius Andrade.

    Uma das coisas mais difceis de compreender quando os orixs

    incorporam, pelo menos para mim era o fato de, em um mesmo momento, vervrios filhos e filhas-de-santo incorporados com Xang, por exemplo. Como que

    Xang podia baixar em mais de uma pessoa? Foi, ainda na festa do presente,

    que Paulinha me explicou como isso acontece. No sem antes dizer rindo: Voc

    no fotografa? Como que no enxerga? Eu fotografava, mas no enxergava

    direito. Mais uma vez precisava que ela traduzisse o ritual. Paulinha me disse que

    cada Xang tem uma qualidade. A dela, por exemplo, de Aganju, o seu orix

    Xang deAganju. Ns no temos nome e sobrenome? Os orixs tambm. Aganju

    o sobrenome do meu Xang e cada filho de santo vai receber, ao mesmo tempo

    no terreiro, um Xang com uma forma, uma qualidade, um sobrenome diferente,

    mas o mesmo orix, concluiu. Assim ficava mais fcil e eu entendia. De novo,

    esse eu que se desdobra numa multiplicidade poder nos ajudar, mais tarde, a

    pensar a identidade.

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    Aos 18 anos, Paula Esteves a quarta na hierarquia do terreiro. Na foto, ela estavagrvida e acha que seu filho seguir a tradio do candombl, j que ela e o maridopraticam a religio. Ao terminar a tese, contudo, Cau, havia nascido e j fica no carrinhode beb, no barraco, durante as festas do terreiro.

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    4.4 Joyce de Iemanj

    No entro na escola com meus colares e guias. Sou do candombl,mas na escola eu escondo.Tenho muita vergonha! Digo que sou catlica.

    Diz-se dos olhos que esses tambm exercem funes diferentes para as

    quais existem. Diz-se dos olhos que estes falam. Os olhos de Joyce sempre me

    falaram mais que sua tmida boca. Quando conheci Joyce Eloi dos Santos, ela

    tinha 13 anos. Atualmente ela est com 21. Durante esse tempo, em nossas

    conversas para a pesquisa, tive de aprender a ouvi-la e a desviar-me de seus

    olhos que s vezes tambm me obrigavam ao silncio que a acompanha. Joyce

    a mais velha das filhas de Joelma Eloi dos Santos, que tambm me de Jailson,

    20 anos, Joseana, 17 e Jonathan, 14.

    Nos relatos de Joyce, ela me conta que comeou no candombl aos 6 anos

    porque teve problemas de santo. Problemas que, de acordo com ela, consistiam

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    em cair da laje da casa onde morava vrias vezes, viver doente e ter um

    machucado na perna que no sarava nunca. Minha famlia era do candombl e

    achou por bem assim. Tive de fazer o santo rpido, aos 6 anos, revela. Desde

    ento, Joyce vira (incorpora) com Iemanj, o orix das guas do mar. Fiz minhas

    obrigaes todas, a e ganhei tambm um cargo. Desde os sete anos, j era uma

    ebome20, ou seja, se quisesse, j podia at ser me-de-santo por isso, pelo cargo.

    Mas no assim, falta a vivncia toda do terreiro, afirma. Foi Joyce quem pela

    primeira vez me explicou a diferena entre uma ebome e uma ekedi. Ekedi no

    vira no santo, me disse.

    Essa ebome nasceu em Nilpolis, na Baixada Fluminense, mas foi criada

    dentro de uma roa21, em Jacarepagu, o terreiro de dona Aildes Batista Lopes,

    dona Didi, sua av. Foi l que fiz todas as minhas obrigaes e fiz a obrigao desete anos na Palmira porque tive de tirar minha mo de vmbi22, que quando

    uma pessoa morre e fica aquela mo morta na sua cabea. Como foi minha av

    que fez minha obrigao, quando ela morreu, tive de procurar outra casa de santo

    para continuar minhas obrigaes, por isso cheguei na Me Palmira. Falta fazer a

    de 14 e a de 21 anos, explica.

    Joyce tambm falou das quizilas de santo. Quando fazemos a obrigao,

    por exemplo, o ritual manda usar apenas roupa branca. Para voltar a usar roupa

    colorida, precisamos tirar a quizila de roupa de cor. Minha av morreu antes de

    tirar minha quizila de roupa de cor. Tive de tirar na Palmira. Minha quizila de

    comida , por exemplo, no comer lula, peixe de pele, porque me empola toda, a

    quizila de Iemanj. Quando a gente desobedece, pode at nem passar mal, mas

    com certeza, a gente anda para trs, afirma.

    De acordo com Joyce, ela e Jailson, seu irmo, cresceram dentro desse

    terreiro. A roa era muito grande, quase no vamos ningum, era do terreiro para

    a escola e da escola para o terreiro, conta. Da iniciao realizada aos seis anos,

    20 Ttulo da pessoa que j passou pela obrigao dos sete anos de iniciao. Essas pessoas so consideradasaptas a abrir seu prprio terreiro. Tambm chamadas de Vodunsi. (Berkenbrock, 1998, p.441).21 Aqui no sentido de terreiro.22 Vmbi: nos cultos de origem banta, esse o termo que designa o morto e principalmente o chefe de terreirofalecido. Tirar a mo de vmbi significa realizar rituais para libertar uma pessoa ou terreiro da tutelaespiritual de um pai ou me-de-santo falecidos. Do quicongo (Kongo) evumbi, morto. (Verbete em: Lopes,

    Nei,Novo Dicionrio Banto do Brasil, 2003. p.222.

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    ainda no terreiro de sua av Didi, em Jacarepagu, lembra: Fiquei 21 dias

    trancada em um quarto. Lembro que enfiava conta para fazer colares e a me

    distraa. Comia comida sem sal, um tipo de mingau que eu acho que era feito de

    aca23, arroz sem sal e sem tempero. Mas a comida era muito forte, sa do quarto

    com uma cara redonda de bolacha, gorda que s! Na confirmao de sete anos, j

    na Me Palmira, foi a mesma coisa s que a diferena era que podamos ficar

    mais na roa, varrer, ajudar. Se chegasse algum nos fechvamos no ronc, isso

    porque j era confirmao, no era iniciao. No podamos sair para rua. As

    pessoas tambm no podem chegar perto de ns porque trazem coisas ruins da

    rua, disse.

    Joyce me disse ainda que de Iemanj, Oxal e Oxum. Como que

    pode?, perguntei. Viro com os trs, mas muito difcil embora os trs peguem aminha cabea. E qual a diferena? O que voc sente? Quis saber. Quando

    viro para Iemanj sinto um calor intenso, terrvel e parece que o cho vai se abrir

    em um enorme buraco. Quando vem Oxum eu s choro, uma vontade

    incontrolvel de chorar. J com Oxal muito difcil virar. Quando ele tenta, j

    estou incorporada em outro santo. Ele nunca consegue. A briga boa fica entre

    Iemanj e Oxum, uma briga danada, sempre foi assim, desde os seis anos. Por

    isso quando eu viro, quem olha quase nunca consegue saber se Oxum ou

    Iemanj. E eu fico apanhando at elas se decidirem. E quem ganha a briga?

    perguntei. Normalmente quem ganha Iemanj, disse-me Joyce.

    Perguntei se ela gostava dessa briga. A nossa religio a religio dos

    orixs. Cada pessoa tem um orix dono da cabea. Se no meu caso essa

    disputa, no faz mal, o importante agradar ao orix porque sem ele, nossa vida

    anda para trs. O orix te ajuda, mas se a gente no lutar no vencemos na vida ,

    ensina.

    Quis saber de Joyce como a incorporao. assim, o santo no entra

    todo. entranho, a gente v as coisas, mas no consegue tocar, s vezes sinto o

    santo perto, se chegando. A msica t tocando alta no terreiro. Eu rodo trs vezes,

    na terceira, vou embora de mim. Mas no chego a sair, que o santo chega e

    23 Aca: bolinho de amido servido embrulhado em folha de bananeira. (Prandi, 2003, p.563).

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    quer espao entende? E eu? Entendi? No. Ento falei: No entendi direito.

    Voc vai embora para onde? Devolvi a pergunta. Vou embora de mim, mas fico

    em mim, me divido com o orix. Concluiu Joyce.

    Sobre discriminao, Joyce revela: Passei sim por muita zoao, tipo um

    racismo mesmo. As pessoas me apontavam na rua e na escola dizendo: Ela

    macumbeira!. Eu achava que s eu era macumbeira na escola, mas depois

    descobri que muitas pessoas tambm eram s no tinham as curas, diz ela.

    Apesar disso, Joyce garante que nunca pensou em deixar a religio. No

    fundo, acho que o preconceito contra a religio um preconceito contra os negros.

    As pessoas me apontavam na rua e na escola e diziam: Isso coisa de negro!,

    lembra. Joyce parou de estudar no segundo ano do ensino mdio por conta da

    gravidez, mas pretende voltar. Ela est separada do pai de seu filho, Pablo, de 1ano. Sobre iniciar Pablo no santo, Joyce revelou: S vou deixar meu filho entrar

    na religio se ele quiser, no vou obrigar. Ser adolescente e da macumba muito

    difcil. Lembro que quando eu tinha doze anos e queria sair, ir para festas, nunca

    podia porque sempre tinha responsabilidades no terreiro. A gente no tem tanta

    liberdade. No que no possa que so muitas coisas que temos de fazer na

    roa. Se a gente no liga, irresponsvel e sai, deixando as tarefas que nosso

    santo pede, com certeza algo de ruim vai acontecer com a gente na rua, algum

    vem e nos d uma surra sem ter porqu. Pode contar que foi coisa do santo que

    ficou bravo. Ou seja, a ligao com o orix no se interrompe. Eu no quero isso

    para meu filho agora. Mas, pelo sim pelo no, Joyce j entregou Pablo para

    Xang.

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    Joyce, aos 21 anos, com seu filho Pablo. Ela no sabe se ele ser iniciado mas j o

    entregou Xang.

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    4.5 Jailson de Oxumar24

    Jailson, aos 12 anos

    24 Orix do arco-ris.

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    A primeira vez que encontrei Jailson dos Santos, irmo de Joyce, ele tinha

    11 anos e hoje ele est com 20 anos. Naquela poca, Jailson j era ogan e

    omoisan e me explicava-me suas funes. Como ogan toco os atabaques e como

    omoisan afasto os espritos dos mortos com o isan (vara), para que eles noesbarrem nas pessoas no terreiro, contava Jailson. Assim como a irm, ele foi

    criado na roa, pela av. E tambm como ela, tinha machucados pelo corpo que

    no saravam apenas com o auxlio dos mdicos. Aos trs anos, Jailson foi

    suspenso ogan e, aos 5, suspenso omoisan. Jailson, assim como Ricardo,

    desempenha duas funes. Ele tambm me fala das diferenas entre as duas:

    So dois tipos de culto no candombl. Um de ls orix e nesse j fiz todas as

    minhas obrigaes. O outro tipo de culto de ls gn, que cultua os ancestrais,

    os espritos de nossos mortos. Eu acho que, como o culto aos orixs o culto da

    vida, para lidarmos com o culto aos gns, ou seja, com a morte, temos de estar

    com todas as nossas obrigaes de vida prontas. So fases, diz ele. E preciso

    muita pacincia e aprendizado para ir passando por todas elas nos dois cultos.

    Primeiro fui suspenso ogan, cumpri minhas obrigaes, depois fui confirmado

    omoisan e j posso tomar conta dos gns quando esto no barraco. A ltima

    etapa ser o oj que lida mais profundamente com os gns. Estou me

    preparando para fazer as obrigaes de oj, revela.

    Jailson fala um pouco mais das diferenas na iniciao entre os dois cultos.

    No ls orix os iniciados se recolhem no ronc. J no culto ao gn, o

    recolhimento feito no igb o quarto dos gns, conta ele, mas fica por a. O que

    acontece dentro do igb, Jailson no pode revelar. mais um aw, ou seja,

    segredo, na ls dos gns. Jailson quer completar suas obrigaes no culto dos

    egns, mas no tem pressa. Se eu passar por todo esse processo estarei

    completo para lese gn tambm. Tenho 15 anos de omoisan. J at passou dahora de fazer a ltima obrigao, mas ainda no estou bem preparado, uma

    preparao muito sria, diz Jailson. O menino franzino que conheci aos 12 anos,

    hoje guardio de piscina do Corpo de Bombeiros e est concluindo o ensino

    mdio. Tambm no trabalho Jailson enfrenta as etapas da vida. Hoje sou

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    guardio de piscina e depois, se fizer tudo certo, serei guarda-vida. Mais tarde

    quero fazer faculdade de educao fsica, planeja.

    Jailson, 12 anos, toca ao lado de seu amigo Ricardo, 8 anos, durante uma festa noterreiro.

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    Jailson diz conciliar bem a vida no terreiro e sua vida pessoal. Passei a

    infncia e adolescncia com compromisso do candombl mas sempre joguei bola,

    soltei pipa. Tinha amigos dentro e fora do terreiro, conta. Jailson afirma ainda que

    nunca se sentiu discriminado. A no ser aquele preconceito normal, diz ele.

    Como assim, preconceito normal? pergunto. Ah, de me chamarem de

    macumbeiro!. Para Jailson, antigamente o preconceito era maior. Pergunto como

    que ele verifica isso e ele responde: No falo que sou do candombl, se

    ningum souber, ningum discrimina, diz. A namorada de Jailson no de

    terreiro, mas ele se j se abriu com ela. Apesar de dizer que a namorada

    entende, prefere que a famlia dela no saiba sua religio. Amigo de Ricardo

    desde a infncia, Jailson diz que alimenta um sonho com o amigo ogan. Vamosat a frica para ver como praticar livremente o candombl.

    Jailson, aos 20 anos: Nunca fui discriminado, a no ser aquele preconceitonormal.

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    4.6 Joseane no quis continuar

    Joseana dos Santos, 16 anos: Eu desisti do candombl porque as tarefas so muitas. Euqueria me divertir mais, ser uma adolescente mais livre. Mas ajudo quando necessrio.

    Fui vendo que era muita responsabilidade. No fiz a iniciao porque

    percebi que no era o que eu queria. Queria sair mais, ir mais s festas e o

    terreiro exige muito. No quero fazer a cabea. Vou s festas quando quero e

    ajudo quando posso. Dizem que sou de Oxum, mas nunca confirmei isso no jogo,

    diz Joseana dos Santos Martins, 17 anos, a terceira filha de Joelma Eloi, que s

    fez o santo depois de iniciar os filhos. Eu sempre precisei fazer o santo, tenho

    meus orixs de herana da minha falecida av, Maria de Oliveira Santos, tive de

    cultuar. Minha me tambm ekedi. Deixei para fazer a cabea depois de meus

    filhos feitos e a os orixs comearam a cobrar, afinal, meus filhos j estavam no

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    santo e eu?, conta Joelma que se iniciou h cinco anos, mas que j virava no

    santo, h muitos anos. Joelma tambm me diz que seu orix Templo, um orix

    do qual eu ainda no tinha ouvido falar. difcil encontrar um terreiro que cultue

    meu orix, ele de Angola. Nos candombls de ketu cultua-se mais Obalua ou

    Omolu, explica.

    Joelma tambm afirma que nunca imps o candombl aos filhos. Aqui

    nessa casa ningum obrigou a ningum. Tanto que Joseana no quis fazer o

    santo e no fez. Ela ia ao candombl assim como os irmos iam. Chegava a

    colocar roupa e ficava tambm no terreiro. Joyce e Jailson fizeram e ela no. Cada

    um escolhe o que quer, afirma Joelma. E quanto a Jonathan, seu filho mais

    novo, de 14 anos?, pergunto. Ele parecia que no ia gostar, at freqenta a

    igreja catlica, mas de um tempo para c comeou a gostar de festa de gn.Chama para ir ao terreiro de orix ele nem se anima, mas chama para ir a festa de

    gn que ele vai. No sei no, desconfia Joelma.

    4.7 p heyi Ians!E os verdadeiros autores dessa tese

    O dia 18 de dezembro de 2004 seria mais um dia especial nesta pesquisapara mim e por vrios aspectos. Cheguei ao terreiro de Me Palmira ainda de

    madrugada. Nem bem a luz iluminava de todo o quintal da casa e os filhos e

    filhas-de-santo j h horas trabalhavam. Ao passar em frente casa de Paula

    Esteves (que, como j descrevi, fica em cima da cozinha e no prprio quintal do

    terreiro) ouvi a voz de Paulinha: Stela, ningum te merece aqui cedinho hein! e

    ria seu gostoso riso. Nem precisei olhar para cima e s ergui o gravador

    apontando-o para a varanda. A brincadeira de Paulinha foi como uma acolhida,

    era essa sua maneira de dizer que ficou feliz em me ver e que eu era bem-vinda.

    Enquanto caminhava at o banquinho em frente ao barraco, onde

    geralmente me coloco, enfim descobria quem, na verdade, est construindo essa

    tese. Naquele momento me desiludi e despedi de mim as arrogncias. Quem

    constri essa tese, pensei, o tempo.

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    o tempo que passo junto a essas pessoas que, tecendo confianas, me

    coloca ali, em plena matana de Ians. o tempo que, costurando intimidades, j

    me fazia acolhida por essas pessoas. o tempo que, desenhando relaes, j

    havia me tornado to prxima a Paulinha e permitia entre ns brincadeiras e

    implicncias. o tempo que recolhia imagens e depoimentos de crianas e

    adultos nos terreiros e os guardava na memria que vamos construindo e

    reconstruindo enquanto caminhamos e enquanto enfiamos, todos juntos, esse fio-

    de-contas.

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    Acima, Me Palmira dirige todo o ritual da matana. Abaixo, Luana, Beatriz e Wellinsonobservam pela grade. Eles esto em p, em cima de um banco, do lado de fora dobarraco.

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    Era a primeira vez que eu presenciaria uma matana, ou, um ritual de sacrifcio de

    animais. De acordo com Beniste, os ritos de sacrifcio animal so destinados aos

    rs e outras formas de espritos.

    Olrun ou Oldmar, o Ser Supremo, no solicita sacrifcio com derramamento de sanguenem oferendas, pois Ele est acima das contingncias por ser o Senhor das Essncias,sem figuraes, porque o Infinito no pode ser traado por smbolos formais. Acomunicao Homem-Deus feita por pensamento e a palavra por excelncia se, quesignifica que assim seja, ou que Deus permita que isto acontea, da qual os rs soseus intermedirios e encaminhadores de pedidos. (Beniste, 2002, p.68).

    Ainda de acordo com Beniste, no sistema religioso afro-brasileiro no

    Olrun quem opera nos fenmenos da natureza para o bom andamento da vida

    dos seres humanos. So seus ministros, os ris; por este motivo, de acordocom o pesquisador, a eles que so destinadas as oferendas. Cabe a Olrun

    referendar tudo o que pedido ou no dar devido se a quem merea.

    O sacrifcio deste dia era destinado a Ians, dona da casa, orix de sua

    Me-de-santo. Ians era a homenageada, a grande orix esperada. Todo terreiro

    estava enfeitado de rosa e salmo para ela. Do lado de fora do barraco uma

    grande mesa preparada para o caf-da-manh, quando o ritual acabasse. Na

    mesa, flores tambm de tons rosa e salmo, alm de pes, queijos, sucos e bolos.

    No barraco, outra mesa bem grande forrada com uma toalha de cetim rosa. Em

    cima da mesa, trs grandes bolos confeitados e muitos doces. Os atabaques

    tambm estavam adornados com toalhas floridas.

    Logo na entrada do barraco. No canto esquerdo porta, vejo uma cabra

    amarrada e enfeitada com um grande lao branco, no banco ao seu lado, azeite

    de dend e plantas para o sacrifcio. Ao lado da cabra, dois grandes engradados

    cheios de galinhas, pombos, patos e galinhas dangola, todos tambm sero

    sacrificados.

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    Acima, Pai Z segura a cabra que ser sacrificada e oferecida Ians. Abaixo, Luanamostra Beatriz algo que chamou sua ateno durante o ritual.

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    De acordo com Beniste, os reinos animal, vegetal e mineral esto

    disposio do ser humano e liberam energias que so dirigidas ao destino

    especificado, segundo os desejos e objetivos.

    Este processo que os menos esclarecidos costumam chamar de feitiaria, denominadomagia. Cada rs possui um determinado animal, vegetal, mineral e comidas e tudolibera energia. uma alquimia que depende de muita habilidade, como a do Asgn, quesabe exatamente como segurar uma faca, como a ygbs, que conhece os ingredientesdo prato, e a ylors, que sabe o Or determinado, que conhece as regies do corpohumano onde esto localizados os centros de fora em que atuam os rs e o que elesrepresentam por ocasio dos oferecimentos. (op.cit., p. 68 e 69).

    Beniste explica ainda, que o sangue o elemento por excelncia,

    considerado indispensvel, pois se a vida do animal est no sangue, por essa

    razo o primeiro elemento a ser oferecido s divindades, sendo colocado em

    cima dos assentamentos, que representam o prprio rs. (op. cit, p. 69). Ao

    receber a vida dos animais, diz Beniste, os Orixs preservam a vida da pessoa,

    estabelecendo uma troca.

    Os animais so selecionados pela sua natureza, pela sua fora, por sua tranqilidade e ocalor de seu corpo, de acordo com a necessidade do momento 25. O alimento a base da

    sobrevivncia e ser por meio dessa forma de compreenso que haver posterior repastocomunitrio entre todos os membros do Candombl com o rs. Tudo feito medianterezas, pedidos e promessas, numa comunho mgico-religiosa. (op.cit.,p. 69 e 70).

    O sacrifcio totalmente dirigido pela Me-de-santo. Me Palmira

    auxiliada por sua Me-pequena, Me Muta. Todos no terreiro se concentram na

    Me-de-santo ela quem diz se tudo est correndo bem e que tambm se irrita

    quando percebe algo de errado. Minha ateno est no ritual do sacrifcio, mas,

    obviamente, no desvio meu olhar das crianas que circulam livremente pelo

    barraco. Contudo, neste dia noto que, apesar de poderem circular livremente, ascrianas observam mais do lado de fora. Elas se ajoelham no banco que fica na

    parte externa ao barraco, mas encostado parede deste. Na parede h uma

    25 Beniste diz ainda que o pombo o animal com sangue mais quente, e os animais de quatro patas, comsangue mais frio. O pato representa a gua, a galinha dangola, o fogo, o galo, a terra, e o pombo, o ar. (oautor pede para ver run-iy de sua prpria autoria, p.305).

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    grade e dali, elas olham tudo. s vezes parecem assustadas e permanecem na

    porta do barraco, mas, ao mesmo tempo, entram e saem do barraco, sempre

    respeitando o ritual que acontece.

    Tambm neste dia, dois ogans esto sendo confirmados e, ao final do

    sacrifcio, finalmente Ians chega e incorpora em Palmira. A alegria geral, todos

    danam e fazem a saudao da grande orix: p heyi Ians!As crianas

    tambm sadam: p heyi Ians!Vrios orixs chegam para o grande momento.

    Todo o terreiro vibra. Ians permanece entre seus filhos e filhas-de-santo

    por uma hora e meia. Ela entra em seu quarto e, depois de um tempo manda

    chamar Luana, de 4 anos, neta de Me Palmira. Luana entra no quarto e fica l

    por alguns momentos, depois sai e torna a voltar correndo para o quarto,

    chamando pela av. Ians chama seus filhos de santo e deixa um recado paraeles que dado pelo filho carnal de Me Palmira, Marcos Navarro, ogan da casa e

    pai de Luana.

    De acordo com o ogan, Ians mandou dizer que estava um pouco

    aborrecida porque queria que seus filhos e filhas tivessem dormido noite no

    terreiro na vspera da matana, o que s alguns poucos fizeram. Ela tambm

    pediu pela unio de todos em prol da casa, agradeceu aos filhos e filhas que

    pagam as mensalidades e tambm aos que no pagam. Pediu ainda que todos

    falassem menos para evitar fofocas j que temos dois ouvidos para ouvir mais,

    dois olhos para enxergar mais e apenas uma boca justamente para falar pouco.

    Por fim, Ians anunciou quem ser a sucessora de Me Palmira, ser Luana da

    Cruz Navarro, de quatro anos, neta da prpria Me-de-santo, quem assumir a

    direo desta casa quando a av se ancestralizar.

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    O objetivo dessa pesquisa no dar voz s crianas de terreiro. Basta olhar Beatriz, doIle Omo Oya Legi, gritando: p heyi Ians! e ver que isso no necessrio. Todas elastm sua prpria voz.

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    4.7.1 O abrao de Ians

    Enquanto Ians estava no terreiro, uma longa fila de filhos e filhas-de-santo

    se formou. Todos queriam abraar o Orix. Fui para fora do barraco e fiquei

    fotografando26 e observando. Foi ento que Chica, uma filha-de-santo, veio com

    um pano para amarrar em minha cintura, o objetivo era que, j que eu estava de

    cala comprida, com o pano na cintura pudesse entrar e tambm abraar Ians.

    Neguei. Pensei que j estava misturada demais ao campo de pesquisa e afinal eu,

    uma marxista convicta abraando um Orix?

    A fila foi indo, foi indo e eu ali parada com uma vontade estranha crescendo

    dentro de mim. De repente dei um salto e falei: Chica, cad o pano? Ela riu e

    alfinetou o tecido em minha cintura. Pedi a ela: Vai comigo? Chica foi, ficou ao

    meu lado na fila e, quando chegou minha vez, fiz como todos fizeram, deitei aos

    ps do Orix, bati a cabea no cho, levantei e abracei no Me Palmira, a quem

    abrao todas as vezes que chego ao terreiro, abracei Ians.

    Um rio de ternura percorreu meu corpo e, do fundo de mim, ouvi

    sussurrando a voz de Jonas, personagem de Mia Couto: Desculpe, a franquezano fraqueza: o marxismo seja louvado, mas h muita coisa escondida nestes

    silncios africanos. Por baixo da base material do mundo devem existir foras

    artesanais que no esto mo de serem pensadas. (Couto, 2005, p.74).

    26 Neste dia, Me Palmira me autorizou apenas a fotografar antes e depois da matana. Nada durante o ritualdo sacrifcio me foi autorizado fotografar. O que, obviamente, obedeci.

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    Fila, na porta do barraco, que se estende at o lado de fora, para abraar Ians

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    4.8 Luana de Ians, 4 anos, futura me-de-santoSucessora de Me Palmira

    Luana Navarro, 4 anos.

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    Descrevi anteriormente como Ians, incorporada em Me Palmira, no dia 18

    de dezembro, anunciou que a sucessora de Me Palmira, Yalorix do Ile Omo Oya

    Legi ser Luana da Cruz Navarro, de quatro anos, sua neta. De acordo com Me

    Palmira, Ians deu apenas uma suposio e afirma tambm que no havia

    disputa em torno de sua sucesso. Quando se tem pessoas da famlia da me-

    de-santo que so iniciadas, a tendncia que uma dessas pessoas assuma o

    lugar da me-de-santo quando ela morre, mantendo assim a hierarquia. Hoje em

    dia, aps um ano do falecimento da me-de-santo faz-se um jogo de bzios para

    ver quem ser a sucessora da casa e assumir o comando da casa de

    candombl. Luana est para ser iniciada e h uma grande possibilidade de que

    seja confirmada no jogo aps a minha morte. Paulinha de Xang seria ento sua

    me-pequena, revela a me-de-santo. Para Palmira de Ians, essa uma formade que a prxima gerao continue o candombl. De acordo com ela, Luana

    precisa ainda se chegar mais ao candombl. A me de Luana tem um posto de

    ojoye, o pai ogan e vo comear a preparar a menina que j d demonstraes

    como tremer, chorar e ficar quente nas festas ao ouvir os toques de candombl.

    Minha filha ainda no est preparada, sentia muito medo, mas aos poucos,

    vai perdendo e se habituando. Quando acharmos que ela est preparada ela

    comear a aprender as coisas. No h problemas nessa sucesso, talvez se

    Palmira no tivesse uma neta a Paulinha assumisse a casa, mas h o sangue e

    o sangue que fala mais alto no terreiro, disse Flvia da Cruz Navarro, me de

    Luana, no dia 18 de dezembro de 2004, to logo o destino da filha fora anunciado.

    Pergunto como para Luana lidar com a av Palmira Navarro e com Ians que

    incorpora na av. No h problema, s vezes Luana pede para a av chamar

    Ians, revela Flvia. Caso Palmira de Ians se ancestralize antes de Luana estar

    preparada, uma filha-de-santo experiente e das mais velhas da casa assumir o

    cargo provisoriamente. Pode ser Me Muta, a Me-Pequena do terreiro ou Rita de

    Oxal, Iya-efun, a me que pinta as ias. De qualquer forma, ainda que para

    exercer, provisoriamente, a maior funo do terreiro, Ians quem decidir.

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    Luana observa o sacrifcio de Ians, dia em que foi anunciado por este orixque a menina seria futura Me-de-santo.

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    4.8.1 - Kotokuto, um novo orix

    Abeno minha me, era assim que muita gente no terreiro, no dia 18 de

    dezembro de 2004, passou a cumprimentar Luana, to logo Ians anunciou que

    ela seria a sucessora de Me Palmira. A saudao vinha acompanhada de gestos.Alguns pegavam sua mo e beijavam. Luana logo limpava as costas da mo na

    pequena saia do vestido. Outros se deitavam diante dela e diziam uma saudao.

    Luana ria com sua boneca no colo. Muitos brincavam: Agora quero ver quem

    que vai brigar com a Luana!

    Depois nos sentamos, Luana e eu, no banquinho do lado de fora do

    barraco. Ela pega meu caderno de campo e fica folheando. De repente encontra

    uma folha em branco e faz as letras a e e e comea a desenhar. Pergunto o

    que . Os orixs, responde ainda desenhando. Quais? digo eu. Ians e Oxum,

    que gosto mais, diz a menina e comea a fazer mais um desenho. E esse agora,

    quem ? pergunto. Kotokuto!, diz ela rindo. Kotokuto, que orix esse?.

    um orix que eu acabei de inventar!, responde Luana caindo na gargalhada. E se

    pode inventar orix Luana? pergunto rindo com ela. claro que se pode, eu

    inventei, Kotokuto e pronto!, disse a futura me-de-santo antes de sair correndo

    pelo quintal rindo muito, com sua boneca nos braos.

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    Luana desenha no meu caderno de campo, da esquerda para direita: Ians,Oxum (seus orixs prediletos, segundo ela me diz) e, o maior deles,

    Kotokuto, um orix inventado por ela mesma. O desenho foi feito no dia18/12/2004 Dia da Matana para Ians, quando o orix, revelou que Luana

    ser a sucessora de sua av. H mais detalhes: Luana, enquanto desenha osorixs que mais gosta, fez as letras a e e, o que mostra que est sendoalfabetizada e que o espao escolar e o espao do terreiro se misturam. Nodesenho de Ians, Luana cortou o corpo do orix em nove partes. Um dos mitosdeste orix dz que seu corpo foi mesmo partido nove vezes o que gerou seusnove filhos. Conversei com Luana tempos depois e ela no sabe esse mitoainda.

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    Luana de Ians: Kotokuto o novo orix que inventei!

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    4.9 Conceio de Xang, Michele de Oxum e Alessandra de IansMe e filhas ekedis27

    Dona Conceio dos Santos, hoje com 51 anos, foi confirmada ekedi aos

    32 anos. A dona de casa filha de Xang e tem duas filhas: Michele28, hoje com

    15 anos e Alessandra, 11 anos. As trs ekedis so mais um exemplo de como,

    apesar de existirem outros motivos, oparentesco o elemento mais determinante

    para a iniciao de uma criana no candombl. Tanto assim que dona

    Conceio explica: Toda minha famlia do santo. Minhas irms, minhas primas

    e os filhos dessas assim como minhas filhas. A nova gerao vem substituindo a

    nossa que j est velha, afirma. Ekedis so filhas-de-santo cuja funo cuidar

    dos orixs no terreiro, mas, assim como os ogans, no incorporam entidades.

    Dona Conceio prometeu Michele Oxum, orix das guas doces, e

    Alessandra Ians, orix do vento, quando ainda estava grvida. Michele e sua

    irm, bem como muitas crianas filhos e filhas de filhos-de-santo, praticamente

    nasceram no terreiro freqentado por sua me, neste caso, o Ax Op Afonj (de

    nao ketu) localizado em Coelho da Rocha, Baixada Fluminense. Eu ia e levava

    as duas, diz dona Conceio. Assim, desde bem pequenas, com um ou doisanos, as meninas mal ouviam o som dos atabaques e perguntavam ansiosas:

    Onde a macumba?

    Regina Lcia Fortes dos Santos, atualmente a Me-de-santo do Ax Op

    Afonj me afirmou h alguns anos que no aprovava a iniciao de crianas, mas

    no se julgava no direito de ir contra a vontade dos pais que a procuravam e

    tambm contra a determinao dos orixs. Acho que muita responsabilidade

    para as crianas, mas os pais nos procuram e os orixs confirmam as crianas,

    explicou-me em 1992.

    27 Optei por esta forma de grafar o cargo por reproduzir a forma escrita por Beniste, autor que mais pesquiseia respeito desses cargos. Encontrei em outros autores a palavra grafada ainda como equedes ou ekedis.28 Michele dos Santos foi uma das crianas que conheci ainda na poca da reportagem e com a qual havia

    perdido contato que s foi retomado em 2004.

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    da poca deste depoimento de Me Regina