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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6
ORDENAMENTO TERRITORIAL E PROBLEMASSOCIOAMBIENTAIS URBANOS: ANÁLISE EM
AMBIENTE METROPOLITANO
Marcel Bordin Galvão Dias
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP,
Campus de Presidente Prudente (SP)
Jéssica de Sousa Baldassarini
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP,
Campus de Presidente Prudente (SP)
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das técnicas e a complexificação da sociedade ampliaram a
capacidade interventora do homem sobre as dinâmicas da natureza, atribuindo-lhe o papel
de agente geológico-geomorfológico. A magnitude e intensidade da ação humana sobre as
dinâmicas da natureza variam no tempo-espaço, de acordo com os diversos arranjos
socioambientais e o nível de desenvolvimento dos diferentes grupos sociais. Deste modo, a
ação humana no ambiente produz efeitos diversos, especialmente em áreas urbanas, nas
quais estes se ampliam e diversificam. A formação dos depósitos tecnogênicos é um
exemplo desta ação sobre a fisionomia e a fisiologia da paisagem, posto que estes são
constituídos a partir do acúmulo de materiais remobilizados pela ação humana (direta ou
indireta), somado à incorporação de artefatos diversos em meio às camadas sedimentares.
Nos ambientes urbanizados, a gênese destes depósitos está associada à forma
de apropriação dos compartimentos geomorfológicos e ao ordenamento territorial.
Historicamente, as cidades brasileiras foram edificadas em áreas aplainadas, próximas ao
litoral e aos cursos d’água, utilizados como principal fonte de abastecimento. Com o
desenvolvimento social e o estabelecimento de estratos socioeconômicos distintos, a forma
como os grupos sociais se relacionam e se apropriam dos elementos naturais, dentre eles o
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relevo, se modificou. No caso do Brasil, o crescimento vertiginoso das cidades em
decorrência de transformações na estrutura social, econômica e política ocorrida a partir
dos anos de 1960, resultou na adoção de um modelo de urbanização, por vezes, indiferente
às fragilidades do meio físico.
Em diversos municípios brasileiros, a ocupação de áreas ambientalmente
vulneráveis, associada à inexistência ou precariedade de políticas públicas voltadas à
instalação ou melhorias na infraestrutura e serviços urbanos (sistema de microdrenagem,
arruamentos, saneamento básico, coleta e tratamento do lixo) e os hábitos culturais da
população, como as queimadas, o lançamento de lixo e entulho em terrenos baldios e nos
fundos de vale, colaboraram para a instalação de um quadro de degradação socioambiental.
Assim, observa-se na atualidade a ocorrência de diversos problemas ambientais
urbanos, especialmente aqueles relacionados à qualidade do ar, das águas e do solo, a
exemplo do assoreamento e contaminação dos cursos d’água pelo lançamento de resíduos
sólidos e esgotos e a degradação dos solos pela erosão antrópica acelerada, em áreas
urbanas e rurais, associada à retirada da cobertura vegetal e as práticas inadequadas de uso
e manejo do solo, sobretudo por atividades econômicas como a agricultura e a pecuária.
Dada a complexidade das dinâmicas sociais e naturais, a identificação e
caracterização dos depósitos tecnogênicos fornece bons subsídios para o entendimento
acerca da intervenção humana sobre a natureza e suas dinâmicas, uma vez que a
composição dos materiais tecnogênicos está diretamente relacionada à ação humana
desenvolvida num dado ambiente contendo, portanto, materiais autóctones, sedimentos
remobilizados e artefatos manufaturados diversificados. Sob essa perspectiva, o presente
trabalho tem por objetivo central identificar e caracterizar a gênese dos depósitos
tecnogênicos localizados no perímetro urbano de Goiânia (GO), tendo como recorte espacial
a região noroeste (Figura 1).
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Figura 1 - Mapa de localização da área de estudo no perímetro urbano de Goiânia (GO)
A escolha da área para identificação, coleta e caracterização dos depósitos
tecnogênicos deve-se à especificidade do histórico de uso-ocupação da terra, caracterizado
pela ocupação das planícies e fundos de vale. Devido à inobservância das condições
ambientais locais, os solos, em especial, foram significativamente alterados pela ação
antrópica, incorporando artefatos diversos, produto das atividades desenvolvidas ao longo
do processo de ocupação, o que resultou na formação de depósitos tecnogênicos,
especialmente nas planícies aluviais que integram a rede de drenagem local.
METODOLOGIA
Inicialmente, procedeu-se o levantamento bibliográfico para a caracterização dos
aspectos ambientais da área de estudo (geologia, geomorfologia, solos), bem como aqueles
relacionados ao uso e ocupação da terra. Na sequência, foram elaboradas as cartas
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temáticas e o diagnóstico das condições ambientais e de uso e ocupação da terra na área,
buscando realizar uma análise dos aspectos naturais e sociais para o entendimento da
dinâmica atual da paisagem. Em campo, priorizou-se a observação dos fundos de vale e das
planícies aluviais, considerando-se que tais ambientes recebem (direta e indiretamente), de
modo contínuo, sedimentos e artefatos produzidos pelas atividades humanas no entorno e
a montante, transportados pelos canais fluviais ou pelos fluxos de escoamento superficial
nas vertentes.
A escolha da região noroeste como área para este estudo deveu-se às
especificidades de seu histórico de uso-ocupação e também ao fato de seus bairros
encontrarem-se em diferentes estágios de urbanização (consolidado, semi-consolidado e
em consolidação). A não escolha de áreas situadas na porção central do perímetro urbano
justifica-se pelo fato de que nestas localidades observa-se maior impermeabilização do solo
pelas edificações e pavimentação asfáltica, bem como a existência de planícies aluviais
profundamente alteradas pelas canalizações dos cursos d’água. Já nas áreas circunjacentes
à porção central, caso da região noroeste, as áreas de planície aluvial encontram-se
acessíveis e possibilitam a identificação e coleta dos materiais tecnogênicos com as
estruturas deposicionais de origem antrópica pouco alteradas, diferentemente das áreas
densamente urbanizadas.
Deste modo, foram eleitos dois pontos de amostragem para a realização de
coletas dos depósitos tecnogênicos em diferentes bairros da região noroeste. Os pontos
amostrados, genericamente denominados pelos números 1 e 2, localizam-se no Setor
Morada do Sol e Chácaras Maria Dilce, respectivamente. A seguir estão representados os
pontos de coleta com a indicação do local de retirada das amostras (Figura 2).
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Figura 2 - Mapa de localização dos pontos amostrados com indicação do local de coleta
Em campo, as coletas de material tecnogênico foram realizadas utilizando-se
tubos de PVC de quatro polegadas, com um metro de comprimento. Os tubos, aqui
denominados de testemunhadores, foram inseridos verticalmente em taludes
pré-existentes com o auxílio de uma prancha de madeira e uma marreta, para impulsionar a
penetração. Após a retirada completa do testemunhador, suas extremidades foram vedadas
para evitar a perda de material e este foi transportado/acondicionado na posição horizontal.
Os testemunhadores foram abertos lateralmente (Figura 3) utilizando-se serra
Makita® no Laboratório de Geomorfologia, Pedologia e Geografia Física (Labogef) da
Universidade Federal de Goiás (UFG). Posteriormente, os tubos ficaram expostos ao ar para
secagem parcial do material. Em seguida, foram identificadas (visualmente) as camadas
constituintes de cada depósito, adotando-se como critérios a cor, a textura e a presença de
artefatos. De cada uma das camadas foram coletadas amostras que, por sua vez, foram
acondicionadas em sacos plásticos, lacrados e identificados, e transportadas para o
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Laboratório de Sedimentologia e Análise de Solos da UNESP, Campus de Presidente
Prudente (SP).
Figura 3 - Testemunhador contendo amostra de material tecnogênico coletado na área de estudo
Fonte: Acervo pessoal do autor
Em laboratório, as amostras coletadas foram retiradas das embalagens plásticas
e colocadas em recipiente para secagem por uma semana. Após a secagem, as amostras
foram peneiradas utilizando-se peneira com abertura de 2 mm para separar os sedimentos
dos artefatos incorporados às camadas, como fragmentos de vidro, cerâmica, plásticos,
madeira, tecido, etc (Figura 4)
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Figura 4 - Amostra bruta peneirada utilizando-se peneira de 2 mm de abertura
Fonte: Acervo pessoal do autor
Posteriormente, procedeu-se a observação dos artefatos encontrados nas
camadas identificadas utilizando-se um estereomicroscópio, com capacidade de aumento
de 52 vezes. As amostras brutas foram, primeiramente, observadas a olho nu,
identificando-se e separando-se os materiais relacionados à atividade humana, como
fragmentos de plástico, vidro, madeira, cerâmica, etc (Figura 5). Em seguida, os materiais
selecionados foram transferidos para um pequeno recipiente côncavo, de modo que fosse
possível observá-los no microscópio.
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Figura 5 - Amostra contendo artefatos diversos (plástico, vidro, madeira)
Fonte: Acervo pessoal do autor
As cartas temáticas representativas da localização dos pontos de coleta dos
depósitos tecnogênicos e dos aspectos do meio físico (geologia, geomorfologia e solos) em
escala de semi-detalhe (1:40.000), contendo a representação da malha urbana, foram
elaboradas a partir da base de dados constante no Mapa Urbano Básico Digital de Goiânia
(MUBDG, v.23). Os produtos cartográficos foram elaborados em ambiente SIG, utilizando o
software ArcGis®110.
O mapa de uso e cobertura da terra foi elaborado a partir das imagens do
Landsat 8, órbita/ponto 222/71, de 24 de outubro de 2013, obtidas do website
http://glovis.usgs.gov/. As imagens foram reprojetadas para sistema de projeção UTM, o
mesmo do banco de dados do MUBDG v.23, e na sequência foi realizado o recorte da área
de estudo. A classificação (supervisionada) da imagem ocorreu utilizando-se o software
ENVI®4.7 e o classificador SVM. A arte final (layout) foi realizada no ArcGIS®10. As classes
foram elaboradas levando-se em consideração os preceitos do Manual Técnico de Uso da
Terra (IBGE, 2013), porém com adaptações na legenda, para que fosse possível representar
aspectos mais pontuais da área de estudo, tais como as áreas verdes e os vazios urbanos.
1 ArcGis e ENVI são marcas registradas pela Esri.
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A análise e discussão dos resultados obtidos considerou as observações
realizadas em campo e nos depósitos coletados (cor, textura, coesão, materiais presentes),
os dados obtidos em laboratório, as cartas temáticas relativas ao meio físico e a bibliografia
referente ao tema, em especial, aquelas relacionadas ao uso e ocupação da terra na região
noroeste. Procurou-se, de modo geral, resgatar o histórico de uso e ocupação como
elemento balizador para compreensão da gênese e tipologia dos depósitos, bem como dos
problemas socioambientais decorrentes da apropriação dos compartimento do relevo e dos
solos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O município de Goiânia está, geologicamente, situado sobre duas unidades
litoestruturais distintas. Na porção setentrional destacam-se as rochas pertencentes ao
Complexo Granulítico Anápolis-Itauçu, compostas por granulitos (orto e paraderivados)
ácidos e básicos, metagranitóides e rochas metavulcanossedimentares associadas que
remontam ao Arqueano-Proterozóico Inferior. Já na porção meridional predominam rochas
pertencentes ao grupo Araxá-Sul de Goiás, com a ocorrência de micaxistos e quartzitos que
datam do Mesoproterozóico (MORETON, 1994; CAMPOS et al., 2003). Acerca destas duas
formações, ressalta-se um grande contraste entre os terrenos situados nas porções norte e
sul do município, separadas por uma zona de cisalhamento de direção geral EW, colocando
em contato duas formações bastante diferenciadas quanto à idade e composição,
resultando em comportamentos distintos face aos processos naturais e antrópicos (LOPES,
2001). Na área de estudo encontram-se os granulitos anfibolitos e bandados (Figura 6).
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Figura 6 – Mapa de geologia da região noroeste de Goiânia (GO)
Os materiais de cobertura superficial são representados predominantemente
pelos Latossolos, em geral ocorrendo em relevo plano a suave ondulado. As principais
classes encontradas e de maior expressão consistem em: Latossolo Vermelho Escuro (LE),
correspondente a aproximadamente 25,5 % da área do município; Latossolo Roxo (LR),
originado das rochas ultrabásicas, totalizando 25,5 % e Latossolo Vermelho-Amarelo (LV),
correspondente a 41 %. Ocorrem ainda, em menor proporção, solos do tipo Podzólico
Vermelho Escuro (PE), com pedregosidade, concreções e cascalhos; Cambissolos (C), com
presença de cascalhos, calhaus, ou mesmo matacões; Solos Litólicos (R), com presença em
alguns casos de grande quantidade de cascalhos ou concreções ou mesmo de matacões no
perfil ou na superfície; Gleissolos (G); e solos aluviais, distribuindo-se esses três últimos em
planícies fluviais (IBGE, 1999).
O levantamento realizado por Campos et al. (2003) apontou a existência de três
grupos definidos em função da dinâmica das águas nos solos e a partir de análises de
resultados de ensaios de infiltração in situ: o primeiro grupo abrangendo os Latossolos
Vermelho e Vermelho-Amarelo, Nitossolo Vermelho e Chernossolo; o segundo o Cambissolo,
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Neossoloso Litólico e Plintossolo e o terceiro, o Neossolo Flúvico e o Gleissolo. A área de
estudo situa-se sobre os domínios dos Latossolos Vermelhos (LV), entremeados por
manchas de Neossolos Litólicos (RL) (Figura 7).
Figura 7 – Mapa de solos da região noroeste de Goiânia (GO)
O município encontra-se compartimentado geomorfologicamente em cinco
unidades morfológicas distintas, o Planalto Dissecado de Goiânia a nordeste, os Chapadões
de Goiânia na região sudoeste, o Planalto Embutido de Goiânia na faixa central (de SE para
NW), os Terraços e Planícies da Bacia do Rio Meia Ponte e Fundos de Vale. Segundo Casseti
(1992), associados a essas unidades morfológicas estão os materiais de cobertura eluviais,
coluviais e aluviais. Os primeiros, denominados depósitos detrito-lateríticos, são materiais
de cores avermelhadas, formados por massa areno-argilosa contendo grãos e fragmentos
de laterita e quartzo e associam-se a relevo de forma tabular.
Os coluviões ocorrem indistintamente no município, constituindo-se de
depósitos avermelhados, contendo fragmentos e grãos de material laterítico concrecionado
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e de quartzo. Ainda ocorrem associados às planícies de inundação dos principais cursos
d’água, aluviões compostos por cascalhos, areias, siltes e argilas atuais e subatuais (IBGE,
1999). A região noroeste encontra-se, morfologicamente, sobre os domínios do Planalto
Embutido de Goiânia (Figura 8).
Figura 8 – Mapa de Unidades Morfológicas da região noroeste de Goiânia (GO)
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A região noroeste está em sua quase totalidade inserida na bacia hidrográfica do
rio Meia Ponte, que corta o município de noroeste para sudeste. Os canais fluviais presentes
na região são, direta ou indiretamente, tributários do rio Meia Ponte, com destaque para o
ribeirão São Domingos, o córrego Caveirinha e o córrego da Divisa. O primeiro possui
nascentes nas porções oeste e centro-norte da região noroeste. Suas águas fluem na
direção norte até a divisa com o município de Goianira e, posteriormente, na direção leste
até desembocar no rio Meia Ponte. O segundo tem duas de suas principais nascentes
próximas ao aterro sanitário de Goiânia e do município de Trindade. Segue direção geral
leste e possui alguns afluentes na região, com destaque para o córrego da Divisa. Este
último possui duas nascentes, uma situada no Jardim Curitiba e outra nos limites entre a Vila
Mutirão I e o Aeroclube de Goiânia. Flui na direção geral sudeste e atravessa diversos
bairros, até desaguar no córrego Caveirinha que, por sua vez, lança suas águas no rio Meia
Ponte.
No tocante ao uso e ocupação da terra, vale destacar que Goiânia experimentou
um rápido crescimento a partir dos anos 60, tendo se intensificado nas décadas seguintes
por um significativo crescimento populacional, sobretudo, devido aos inúmeros fluxos
migratórios oriundos de diversos estados brasileiros, como Minas Gerais, Bahia, Maranhão e
São Paulo. Fundada em 1933 para ser a nova capital do estado de Goiás, Goiânia
desempenhou papel importante na “Marcha para o Oeste” e na consolidação de Goiás como
uma nova fronteira agrícola do país. O processo de metropolização é resultante de um
conjunto de fatores, tais como a modernização da agricultura em diversas regiões do
estado, o êxodo rural e um conjunto de investimentos em infraestrutura (rodoviária e
energética) destinado a atender as demandas urbanas e aquelas geradas em função da
construção da nova capital federal na década de 60 (ARRAIS, 2004).
Apesar do planejamento inicial elaborado para a área central da cidade – a
exemplo dos setores Central, Sul, Oeste, Marista e Bueno – a necessidade de acolher a
população migrante do meio rural e de outras regiões do estado e do país resultou em uma
expansão urbana desordenada, que por sua vez foi responsável pela gênese ou
intensificação de problemas ambientais diversos, a exemplo da retirada excessiva da
cobertura vegetal original; a poluição dos cursos d’água pelo lançamento de esgotos
domésticos e industriais não-tratados; a degradação dos solos por processos erosivos
lineares relacionados ao escoamento superficial concentrado; e o assoreamento dos canais
de drenagem por sedimentos oriundos da erosão antrópica, resultando no alagamento das
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vias urbanas. Além disso, a apropriação diferencial do solo urbano, determinada pela renda,
configurou diferentes padrões de uso da terra, reforçando o adensamento populacional em
algumas áreas, especialmente aquelas com melhor infraestrutura urbana, em detrimento de
outras, como a região noroeste.
Em geral as regiões pouco populosas, como a Noroeste, têm ocupação mais
recente. Em muitos casos, foram resultado da doação de lotes em áreas
irregulares, do ponto de vista ambiental, ocupando áreas próximas da região de
captação de água do Rio Meia Ponte. A opção por atender à pressão por
loteamentos deu origem a inúmeros bairros, dentre os quais podemos citar os
seguintes: Vila Mutirão, Finsocial, Jardim Curitiba, além dos assentamentos
originários da Fazenda São Domingos, como o Bairro Vitória. [...] A carência de
infraestrutura (abastecimento de água, asfalto, coleta regular etc.) é uma
característica comum de muitos bairros dessa região (ARRAIS, 2004, p.118).
A região noroeste era composta, até o final dos anos 70, essencialmente por
chácaras e fazendas, estando fora do perímetro urbano e da área de expansão urbana da
cidade. Em uma pequena parte, nas proximidades da Avenida Perimetral Norte, devido a um
zoneamento realizado na década de 1970, permitiu-se a instalação de empreendimentos de
grande porte, como indústrias e galpões, além do uso rural.
O primeiro bairro a se consolidar na região foi o Jardim Nova Esperança,
originado a partir da ocupação da fazenda Caveiras em 1979 pela população, em sua
maioria, desprovida de moradia própria (MOYSÉS, 2001). Após essa primeira ocupação,
seguiram-se outras duas novas tentativas, rapidamente reprimidas pelo poder público. Tal
fato resultou na iniciativa da Prefeitura Municipal de assentar mais de 3000 famílias em uma
área próxima, dando origem ao segundo bairro da região, a vila Finsocial, implantada em
1981.
A partir de então, o governo estadual passou a interferir de forma mais efetiva e
contínua na ocupação da região, promovendo vários loteamentos destinados à população
carente. Assim, em 1983 foram implantados as Vilas Mutirão I, II e III; em 1987, o Jardim
Curitiba I, II, III e IV; em 1992 os bairros São Domingos, São Carlos, da Vitória, Floresta e Boa
Vista, na fazenda São Domingos; e em 1994 foi implantado o conjunto Primavera. Dados do
censo demográfico de 1991 indicam que existia na região, além do Jardim Nova Esperança,
ocupado pela população, e dos loteamentos criados pelo governo estadual (Vila Finsocial,
Vila Mutirão e Jardim Curitiba) outros seis setores constituídos por chácaras e sítios:
Chácaras São Joaquim, Mansões Rosa de Ouro, Sítios de Recreio Morada do Sol, Parque
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Tremendão, Chácaras Maria Dilce e Sítios de Recreio Panorama.
A população da região totalizava, em 1991, 66.450 habitantes, sendo que destes
15.179 viviam no Jardim Nova Esperança, 48.107 nos loteamentos criados pelo governo
estadual e 3.164 nos sítios e chácaras. Observa-se ainda que o Setor Morada do Sol e o
Parque Tremendão, que se localizam entre a Vila Finsocial e o Jardim Curitiba, iniciavam seu
parcelamento e ocupação urbana, com população superior a 1.000 habitantes, enquanto os
demais não atingiam a marca de 300 habitantes. Atualmente, a região conta com
empreendimentos imobiliários edificados pela iniciativa privada, como condomínios
fechados destinados à população de classe média e vários empreendimentos industriais
localizados nas proximidades da rodovia GO-070 e da Avenida Perimetral Norte, vias de
acesso às demais regiões da cidade e às cidades da Região Metropolitana como Goianira e
Inhumas.
Hodiernamente, a área de estudo apresenta diferentes estágios de urbanização,
considerando-se a existência de bairros completamente consolidados como o Setor Morada
do Sol, Vila Finsocial, Jardim Curitiba, Jardim Nova Esperança, Recanto do Bosque, pioneiros
no parcelamento do solo urbano; outros ainda em fase de consolidação, como o Jardim
Fonte Nova, Residencial Barravento, Setor Alto do Vale, loteados em período recente (após
os anos 2000); e aqueles constituídos por um conjunto de chácaras e sítios, tais como o
setores Chácaras Maria Dilce, Chácaras Helou, Jardim Colorado e Mansões Rosa de Ouro.
Nos loteamentos mais recentes observa-se a existência de inúmeros lotes e
terrenos não edificados. Estes, desprovidos de cobertura vegetal ou
edificação/pavimentação, podem atuar com áreas fornecedoras de material sedimentar
para as áreas a jusante, tais como as planícies e os fundos de vale. As áreas verdes estão
presentes nos diversos parques existentes na região, como o Parque Fonte Nova, Parque
Recreativo e o Parque Nova Esperança; nos bairros constituídos por sítios e chácaras; em
fragmentos (capões) no interior de bairros como o Residencial Brisas da Mata, Estrela Dalva,
Bairro Floresta, Setor São Domingos; e nas áreas de preservação permanente dos cursos
d’água que compõe a rede de drenagem.
As áreas no entorno tem seu uso caracterizado por pastagens, cultivos agrícolas
e fragmentos de Cerrado e Floresta Estacional, típicos dessa região. Ressalta-se que dado o
método de classificação adotado para a elaboração do mapa de uso e cobertura da terra
(Figura 9), as áreas verdes e vazios urbanos foram enquadrados em uma mesma categoria.
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Figura 9 - Mapa de uso e cobertura da terra na região noroeste de Goiânia (GO)
Considerando-se as características da ocupação inicial da área, acrescida do
incremento populacional ocorrido no final dos anos 80 e início dos 90, podem-se
compreender as transformações e intervenções realizadas pela sociedade sobre o meio
físico, em especial a vegetação e os solos. A retirada da cobertura vegetal nativa (Floresta
Estacional Decidual), para dar lugar às edificações e arruamentos, alterou a dinâmica dos
fluxos superficiais e subsuperficiais de escoamento, através da impermeabilização e
compactação dos solos.
A formação de depósitos tecnogênicos está diretamente relacionada ao
processo de urbanização e ao ordenamento territorial urbano. De modo geral, tem-se que
durante a abertura dos lotes e arruamentos, no momento anterior à execução das
construções e da pavimentação, ocorre à retirada da cobertura vegetal. Com o solo exposto,
há maior remobilização e arraste dos sedimentos, favorecendo seu acúmulo em locais de
morfologia côncavo-retilínea, cujas cotas altimétricas são inferiores às das áreas-fonte de
material sedimentar. Deste modo, a ocupação urbana alcançou as áreas de nascentes,
cursos d’água e planícies aluviais. Este fato possibilitou a deposição de materiais
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tecnogênicos, tanto de forma indireta, ocasionada pelo transporte por fluxo superficial,
quanto de forma direta.
O primeiro ponto amostrado (Ponto 1), situa-se nos limites do Setor Morada do
Sol. O contexto ambiental assemelha-se ao bairro limítrofe (Jardim Fonte Nova), pois ambos
encontram-se assentados sobre a mesma vertente, com declividades pouco acentuadas. No
entanto, o Setor Morada do Sol encontra-se totalmente consolidado, dispondo de poucos
lotes ou terrenos vazios (Figura 10). O ponto de amostragem localiza-se às margens do
córrego da Divisa, um dos principais cursos d’água da região.
Figura 10 - Visão parcial do S. Morada do Sol, com indicação do ponto de coleta na planície docórrego da Divisa.
Fonte: Google Earth, data da imagem: 09/04/2013
Dada à intensa ocupação da área, pode-se verificar a ocorrência de inúmeros
problemas ambientais, a começar pela presença de resíduos sólidos domésticos às margens
do curso d’água (Figura 11). O perfil identificado (Figura 12) apresenta grande diversidade de
artefatos, tais como fragmentos de vidro, cerâmica, madeira, tecido, carvão, entre outros,
incorporados às camadas sedimentares.
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Figuras 11/12 – Presença de resíduos sólidos na planície do córrego da Divisa, com destaque para operfil de depósito tecnogênico coletado.
Fonte: Acervo pessoal do autor
Conforme exposto na metodologia, os materiais presentes nos depósitos
coletados foram identificados visualmente e, posteriormente, realizou o registro fotográfico
utilizando-se o estereomicroscópio (Figura 13).
Figura 13 - Registro fotográfico dos materiais tecnogênicos (fragmentos de vidro, plástico e cerâmica)obtido através do estereomicroscópio.
Fonte: Acervo pessoal do autor
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Quanto à tipologia do depósito, tomando por base a proposta de classificação
integrada elaborada por Peloggia (1999) e considerando o critério da composição, pode-se
afirmar que o referido depósito é constituído basicamente por materiais “úrbicos”, definidos
por Fanning & Fanning (1989) como “materiais terrosos que contêm artefatos
manufaturados pelo homem moderno, frequentemente em fragmentos, como tijolos, vidro,
concreto, asfalto, pregos, plástico, metais diversos, pedra britada, cinzas e outros,
provenientes, por exemplo, de detritos de demolição de edifícios” (PELOGGIA, 1998, p.74).
O segundo ponto amostrado (Ponto 2) localiza-se no setor Chácaras Maria Dilce.
Este bairro integrava um conjunto de sítios e chácaras, ocupadas inicialmente de modo
irregular e posteriormente regularizada pelo poder público municipal. Atualmente,
apresenta um uso-ocupação diferenciado em relação aos demais bairros da região
noroeste, pois se observa a existência de inúmeras áreas verdes, edificações residenciais e
alguns empreendimentos industriais que ali se instalaram para desenvolver suas atividades
econômicas. O ponto escolhido para esta amostragem situa-se nas proximidades do córrego
Caveirinha (Figura 14), que tem como um de seus afluentes o córrego da Divisa.
Figura 14 - Visão parcial do setor Chácaras Maria Dilce, com indicação do ponto de coleta nasproximidades do córrego Caveirinha.
Fonte: Google Earth, data da imagem: 09/04/2013
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Apesar de não se constituir enquanto uma área densamente urbanizada, como o
Setor Morada do Sol, e possuir um número considerável de áreas verdes em relação aos
demais loteamentos da região, sobretudo aqueles edificados pelo governo estadual, o setor
Chácaras Maria Dilce não ficou imune à degradação de suas planícies, principalmente
através da deposição de materiais pela ação direta do homem e que permanecem no local
onde foram criados, constituindo os chamados “depósitos tecnogênicos construídos”.
De modo geral tais depósitos podem ser classificados [...] em função de que se
constituem: em depósitos “espólicos” (sejam aterros compactados
tecnologicamente controlados, as verdadeiras “obras da terra” da engenharia, ou
mais raramente depósitos em “bota-fora”); em depósitos úrbicos,
predominantemente lançados em “bota-fora”, aterrando baixadas, fundos de
vale ou predominantemente as porções côncavas do relevo, os “anfiteatros”
morfológicos das cabeceiras de drenagem; [...] (PELOGGIA, 1998, p. 129)
O perfil identificado constitui-se como um depósito úrbico, lançado em forma de
“bota-fora”. A diversidade de materiais encontrados em meio às camadas de sedimentação
(Figura 15) se explica pelo fato destes serem originados pela ação humana direta,
encarregada de transportar e realocar este material em terrenos considerados inóspitos ou
abandonados pelos proprietários ou poder público (PELOGGIA, 1998).
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Figura 15 - Perfil do depósito tecnogênico coletado no setor Chácaras Maria Dilce em Goiânia (GO)
Fonte: Acervo pessoal do autor
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Historicamente, as formas de intervir sobre as dinâmicas da natureza foram se
modificando em consonância com o contexto social, político, econômico e cultural, e com as
técnicas, ferramentas e recursos disponíveis naquele momento histórico. Dessa forma, as
marcas da ação humana na paisagem, a exemplo dos depósitos tecnogênicos, são produto
da sobreposição de vários tempos.
Quanto à dimensão espacial, deve-se considerar a produção do espaço, seus
agentes, processos e desigualdades inerentes ao espaço produzido. O espaço urbano, em
especial, é um exemplo do modo como os diferentes agentes se apropriam, modificam e
interveem na natureza e suas dinâmicas, considerando o acesso ao conhecimento, às
técnicas e os interesses econômicos e políticos vigentes. Assim, as repercussões desta
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apropriação sobre os ambientes podem se manifestar de diversos modos, dentre eles, a
partir da gênese de depósitos tecnogênicos, como observado na área de estudo.
Observa-se, neste caso, que a apropriação dos compartimentos do relevo e dos
solos resultou na alteração dos processos ambientais, especialmente aqueles ligados à
hidrodinâmica e ao escoamento superficial; e na instalação de um quadro de degradação
ambiental caracterizado pelo assoreamento dos cursos d’água, ocupação e lançamento de
resíduos sólidos nas planícies, compactação do solo, etc. A gênese dos depósitos
tecnogênicos é, nesta perspectiva, um indicador qualitativo da relação sociedade-natureza
no tempo e no espaço.
REFERÊNCIAS
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ORDENAMENTO TERRITORIAL E PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS URBANOS: ANÁLISE EM AMBIENTE METROPOLITANO
EIXO 4 – Problemas socioambientais no espaço urbano e regional
RESUMO
O advento das cidades transformou os ambientes de acordo com os princípios da lógica
capitalista de produção do espaço, criando espaços desiguais e fragmentados, nos quais as
características do meio físico foram, por vezes, desconsideradas. Os desequilíbrios provocados
nos sistemas naturais ampliam-se e diversificam-se mediante a complexidade e dinamicidade do
espaço urbano, especialmente em áreas densamente urbanizadas, caso das metrópoles. A cidade
estrutura-se a partir da modificação e apropriação dos compartimentos do relevo, dos solos e da
estrutura geológica devido à inserção de formas artificias, como as edificações e os equipamentos
urbanos, os arruamentos, a pavimentação asfáltica e a canalização dos cursos d’água, que alteram
a dinâmica ambiental. Assim, as cidades representam a expressão das modificações impressas
pela sociedade aos sistemas naturais terrestres, posto que nas áreas urbanizadas, em especial
nas metrópoles, os efeitos da influência humana intensificam-se e são pontualmente localizados,
diferentemente do que ocorre nos espaços rurais. A magnitude e os desdobramentos desta
influência sobre as dinâmicas da natureza em áreas urbanizadas podem ser analisados a partir da
identificação e caracterização dos depósitos tecnogênicos, constituídos a partir do acúmulo de
materiais remobilizados pela ação humana (direta ou indireta), somado à incorporação de artefatos
diversos em meio às camadas sedimentares. Nesta perspectiva, o trabalho tem por objetivo
central avaliar os problemas socioambientais ocorrente no perímetro urbano de Goiânia (GO) a
partir da identificação e caracterização dos depósitos tecnogênicos presentes na área,
considerando que este tipo de material é indicativo (e resultante) do processo de uso e ocupação
da terra e do ordenamento territorial urbano. Para tanto, realizou-se a caracterização
socioambiental da área de estudo por meio de levantamento bibliográfico e elaboração de cartas
temáticas representativas dos aspectos naturais (geologia, geomorfologia, solos) e do uso e
ocupação da terra, adotando como recorte espacial a região noroeste da metrópole.
Posteriormente, realizaram-se trabalhos de campo para identificação e coleta dos depósitos
tecnogênicos, em especial, aqueles ocorrentes nas áreas de planície aluvial, cuja gênese está
associada tanto à contribuição do canal fluvial quanto dos fluxos de escoamento superficial. As
amostras coletadas foram submetidas à análise laboratorial para identificação dos materiais
tecnogênicos, tais como fragmentos de vidro, cerâmica, plástico, madeira, tecido etc.
Observou-se, neste caso, que a apropriação dos compartimentos do relevo e dos solos resultou
na alteração dos processos ambientais, como aqueles ligados à hidrodinâmica e ao escoamento
superficial; e na instalação de um quadro de degradação ambiental caracterizado pelo
assoreamento dos cursos d’água, ocupação e lançamento de resíduos sólidos nas planícies,
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compactação do solo, entre outros. A gênese dos depósitos tecnogênicos é, portanto, um
indicador qualitativo da relação sociedade-natureza no tempo e no espaço, bem como a
identificação e caracterização destes materiais, considerando que sua composição e tipologia
fornecem bons subsídios para o entendimento da dinâmica ambiental urbana.
Palavras-chave: ordenamento territorial; problemas socioambientais; depósitos tecnogênicos.
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