organizadores a escrita de narrativas docentes · quando estudantes da escola básica ou aventuras...
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A ESCRITA DE NARRATIVAS DOCENTES
Jacqueline de Fátima dos Santos Morais Inês Ferreira de Souza Bragança Rodrigo Luiz de Jesus Santana
organizadores
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Jacqueline de Fátima dos Santos Morais
Inês Ferreira de Souza Bragança
Rodrigo Luiz de Jesus Santana (Organizadores)
A Escrita de
Narrativas Docentes
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Copyright © dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser
reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta
os direitos dos autores.
Jacqueline de Fátima dos Santos Morais; Inês Ferreira de Souza
Bragança; Rodrigo Luiz de Jesus Santana (Orgs.)
A escrita de narrativas docentes. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2017. 131p.
ISBN: 978-85-7993-375-2
ISBN: 978-85-7993-378-3 (E-book)
1. Narrativas docentes. 2. Metodologia narrativa. 3.
Formação de professores. 4. Vivência escolar. I. Título
CDD – 370
Capa: Hélio Márcio Pajeú
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura
Brito
Conselho Científico da Pedro & João Editores:
Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi
(Unicamp/Brasil); Nair F. Gurgel do Amaral
(UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil);
Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil);
Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil).
Pedro & João Editores
www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 - São Carlos – SP
2017
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Porque viver e escrever “é um negócio muito
perigoso”
Jacqueline de Fátima dos Santos Morais, Inês
Ferreira de Suza Bragança
9
PREFÁCIO
Guilherme do Val Toledo Prado
Adriana Alves Fernandes
15
SONHO DE MENINA
Adriana da Silva Bandeira
21
LEMBRANÇAS
Adriana de Freitas Salomão do Nascimento
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UM PINCEL, VÁRIOS PENSAMENTOS
Ana Flávia Alves Cenaqui
29
POR UMA OUTRA HISTÓRIA
Ana Lúcia Schilke
33
ACHEI O QUE PROCURAVA
Andréa Lopes Bogado
41
PROFESSORA QUE ENSINA, PROFESSORA
QUE APRENDE
Beatriz dos Santos Gonçalvez
43
6
DE SER E ME FAZER PROFESSORA, AS
LEITURAS QUE ME CONSTITUEM
Célia Regina Cristo de Oliveira
49
POR QUE NÃO ESTOU NA ESCOLA?
Geanny Cistina Batista Pereira Leal
55
“ILARILARILARIÊ, EU JÁ SEI LER!!!”
Inês Ferreira de Souza Bragança
59
UMA CRIANÇA E O DESEJO POR UMA
CAIXA DE LÁPIS DE COR
Jacqueline de Fatima dos Santos Morais
63
PARA ALÉM DE UM TELHADO AZUL
Jane Marchon Cordeiro Celestino
65
COMO ME FIZ PROFESSORA
Lenilda de Matos Pinheiro
71
AO MESTRE COM CARINHO... UMA
SINGELA HOMENAGEM ÀS MINHAS
PROFESSORAS E FORMADORAS
Luicilia da Silva Cordeiro Souto
79
VIVENDO O COTIDIANO DA ESCOLA:
ORA ALUNA, ORA PROFESSORA
Madeleine Pereira de Souza
85
BILHETE: GÊNERO TEXTUAL OU
MATERIALIZAÇÃO AFETIVA?
Maria Cecília Castro
89
7
MINHA HISTÓRIA DE PROFESSORA
Maria Celina Gonçalves Ferreira
93
MEMÓRIAS DE ITATIAIA: HISTÓRIAS
QUE ME CONSTITUEM
PROFISSIONALMENTE
Mercedes França Ramos
97
APRENDIZAGENS!
Priscila Bernardo Nepromucena
103
PEDACINHOS DE GIZ
Tamara Gomes
109
VIVENDO O QUE ALMEJO VIVER
Thayssa Nascimento
113
TIA, CONTA DE NOVO?
Viviane Gonçalves de Moura Emanuel
117
SOBRE OS ORGANIZADORES
123
SOBRE OS AUTORES 125
9
APRESENTAÇÃO
Porque viver e escrever “é um negócio
muito perigoso”
Jacqueline de Fátima dos Santos Morais
Inês Ferreira de Souza Bragança
Viver é negócio muito perigoso. (ROSA, 2006, p. 10)
Auto-bio-grafar é aparar a si mesmo com suas próprias mãos.
Aparar é aqui utilizado em suas múltiplas acepções: segurar;
aperfeiçoar; resistir ao sofrimento, cortar o que é excessivo e,
particularmente, como se diz no Nordeste do Brasil, aparar é
ajudar a nascer. Esse verbo rico de significados permite
operar a síntese do sentido de bio-grafar-se, aqui entendido,
ao mesmo tempo, como a ação de cuidar de si e de renascer
de outra maneira pela mediação da escrita. (PASSEGGI, 2008,
p.27)
Há 20 anos o Grupo de Pesquisa Vozes da
Educação Memória(s), História(s), Formação de
Professores(as) vem construindo diálogo entre a
Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ)
e as escolas do município de São Gonçalo, buscando
mobilizar memórias, histórias e saberes produzidos no
cotidiano escolar por professores, professoras,
estudantes e profissionais da educação. Nesse
caminho de ensinar-aprender-pesquisar-formar
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afirmamos sentidos de uma epistemologia outra,
assentada no diálogo e em projetos emancipatórios de
sociedade e de escola.
Apostando, assim, que o saber pedagógico
instituinte não se circunscreve aos espaços
institucionalizados na Universidade, mas se produz
em uma tessitura teoriaprática, reflexãoação, nossas
ações de pesquisa-formação se dão nas escolas ou
contando com a presença das escolas na Universidade.
O E-book que apresentamos é fruto de uma dessas
ações: o curso de extensão “Encontros de Pesquisa-
Formação: A Escrita de Narrativas Docentes”.
Articulado ao Grupo de Pesquisa Alfabetização,
Leitura e Escrita e ao Grupo Polifonia, vinculados ao
Núcleo Vozes da Educação, este curso põe vida a
alguns dos princípios que orientam nossos fazeres com
o campo escolar, e não sobre ele: solidariedade, escuta
sensível, acolhimento à diferença, relação de
horizontalidade entre escola e universidade, dentre
outros princípios.
Nosso curso foi organizado em sete encontros
semanais, sempre as quintas-feiras, ocorridos entre os
meses de outubro a dezembro de 2015, na FFP/UERJ,
em São Gonçalo. Ocupando o horário da noite, cada
encontro nos provocava risos e lágrimas, silêncios e
palavras, cumplicidade e transbordamento de
emoções. Foram momentos nos quais nos sentíamos
acompanhadas no ato de auto-bio-grafar – ato no qual
escrever significa renascer de outra maneira pela
mediação da escrita, como diz poeticamente na
abertura deste texto, Passeggi.
11
Com previsão inicial de 20 vagas, a grande
procura resultou na abertura de mais vagas. Ao todo,
76 dentre estudantes e professores, preencheram um
formulário de inscrição disponibilizado na internet.
Confirmamos um total de 40 cursistas, adotando como
critério a atuação nas redes públicas de ensino. Ao
fim, tivemos educadores e educadoras do Rio de
Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. Todos
mostrando que temos muito que dizer e escrever sobre
a vida e sobre o ofício docente.
No Curso de Extensão as professoras vieram à
Universidade para encontros de pesquisa-formação
que tiveram como objetivos:
o Viver a experiência da escrita como um modo de
formação docente.
o Refletir sobre as possibilidades formativas da
narrativa (auto)biográfica de experiências
docentes.
o Contribuir com o processo de formação
continuada de professores, por meio da
constituição de espaços narrativos e de partilha de
experiências, incentivando a narrativa individual
e coletiva da memória dos sujeitos, possibilitando
um espaço de troca de experiências significativas
sobre suas práticas sociais e pedagógicas.
o Fortalecer os laços entre a Faculdade de Formação
de Professores e as redes de ensino, favorecendo o
diálogo entre os múltiplos saberes que envolvem
a vida, os processos formativos e as práticas
educativas na escola e na universidade.
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Assim, o curso teve como foco promover a
produção de relatos escritos de experiências docentes.
Entendemos que estes textos podem ser
compreendidos, também, em sua natureza
autobiográfica, já que ao escreverem sobre seu
trabalho, as dimensões pessoais-acadêmicas-
profissionais se constituem em uma tessitura
indissociável. Desse modo, falar da profissão, da
prática docente, é falar da vida em movimentos de se
auto-bio-grafar.
E, assim, viver e escrever são desafios muito
perigosos. Na vida somos conduzidos por trilhas não
previstas ou planejadas, por encontros trans-formadores
com pessoas, coletivos, lugares. Na escrita
autobiográfica buscamos dar materialidade a essas
itinerâncias vividas, produzindo um renascer pela
mediação do texto. Renascer em uma sempre nova
versão de si, apontando para o sentido da vida como
obra de arte em permanente inacabamento.
Entendemos esse movimento - de ir sendo e se
fazendo ser humano no/com o mundo - como
revelador dos caminhos da formação humana e
docente.
Buscamos, desse modo, viver a escrita no
espaçotempo do curso de extensão como um modo de
autoformação docente. Para tanto, em cada encontro,
diferentes propostas estimulavam o enfrentamento da
folha branca. Munidos de papel e caneta, algumas
vezes de um lápis, íamos buscando traduzir em
palavras pequenos relatos de vida e de escola. Ao fim,
a leitura para todo o grupo, representava mais um
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momento no qual a timidez, a insegurança, a dúvida
sobre a qualidade do escrito, eram convertidos em
empoderamento. A produção de pequenos relatos e
sua posterior leitura para o grupo nos dava a intensa
dimensão formativa da escrita narrativa.
Este E-book é constituído por vinte e uma
narrativas docentes. Após o término dos encontros, a
retomada e releitura do conjunto dessas narrativas nos
levou a perceber fios que tematizam trajetórias de
formação das autoras, caminhos percorridos para o se
fazer professora todos os dias e diversas experiências
docentes. Histórias de rir e de chorar. Considerando
que os fios temáticos citados se entrelaçam ao longo
das narrativas, optamos por não separar os textos em
grupos, eles estão em ordem alfabética pelo nome das
autoras.
O curso de extensão, e consequentemente o e
book, é fruto de um lastro de trabalhos indissociados
no campo da pesquisa, ensino e extensão, sendo
proposto e realizado por professores/as que já
possuem uma vinculação orgânica com diferentes
atores sociais da cidade, a saber, professores/as das
redes públicas, movimentos sociais e com diferentes
instituições que atuam em São Gonçalo e no entorno.
Por seu caráter extensionista e gratuidade, o curso em
tela, procurou incentivar a participação desses
diferentes atores em função do reconhecimento de
demandas no campo da temática proposta. O produto
final deste curso não poderia ser outro: um texto com
fim de ser socializado de modo mais amplo, em uma
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publicação que extrapolasse as paredes da
universidade na qual realizamos o curso.
Como discutimos e aprendemos com o coletivo de
professoras participantes dos encontros de pesquisa-
formação, a narrativa, como expressão da existência
humana, implica em reflexão singular-plural, em
parar o ritmo cronológico e se permitir voltar sobre si
mesmo, fortalecendo os fios que, em cada ciclo de
nossa vida, dão sentido à existência. Como em toda
narrativa, ao escrever, ouvir ou ler somos tomados por
um processo reflexivo que nos convida a ressignificar
nossas leituras de mundo e práticas cotidianas, fica,
aqui, o convite à leitura e reflexão sobre as práticas
educativas.
Referências:
PASSEGGI, Maria da Conceição. Memoriais auto-bio-
gráficos: a arte profissional de tecer uma figura púbica de si.
In: PASSEGGI, Maria da Conceição; BARBOSA, Tatyana
Mabel Nobre (Org.). Memórias, memoriais: pesquisa e
formação docente. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus,
2008, p.28-42.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. RJ: Nova
Fronteira, 2006.
15
PREFÁCIO
De professoras a narradoras:
experiências reveladas!
Guilherme do Val Toledo Prado
Adriana Alves Fernandes
Ao acolher o pedido de escrita do prefácio do livro
“A escrita de narrativas docentes”, organizado pelas
Profas Jacqueline de Fátima dos Santos Morais e Inês
Ferreira de Souza Bragança e o Prof. Rodrigo Luiz de
Jesus Santana, tomamos como guia a palavra “aparar”,
indicada e proferida por Maria Conceição Passeggi na
epígrafe da apresentação realizada pelos
organizadores.
Ao aparar, e amparar, os textos do livro, damo-nos
conta da riqueza em palavras presentes nas narrativas
que neles estão escritas e inscritas.
Escritas que inscrevem as peripécias, as aventuras
de superação, libertação e insucessos de suas autoras
quando estudantes da escola básica ou aventuras cheias
de alegrias, tristezas e conquistas quando professoras.
É nítido que a proposta que levou as professoras a
escreverem suas histórias discentes e docentes foi
marcada por uma escuta sensível, o acolhimento das
diferenças pessoais e profissionais, o estabelecimento
de uma relação de horizontalidade entre as instituições
escolar e a universitária e, fundamentalmente, um
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horizonte de trabalho estabelecido para e com todas e
todos os participantes fundado no princípio de
solidariedade a constituírem os encontros para a
produção e partilha das escritas de educadoras e
educadores das cidades do Rio de Janeiro, Niterói,
Itaboraí, Maricá e São Gonçalo – este último local sede
dos encontros.
E no contexto de uma produção escrita, a narrativa
foi eleita como, “expressão da existência humana, [que]
implica em reflexão singular-plural, em parar o ritmo
cronológico e se permitir voltar sobre si mesmo,
fortalecendo os fios que, em cada ciclo de nossa vida,
dão sentido à existência”, como disseram os
organizadores em um momento da apresentação do
livro.
Narrativa que, como aprendemos no GEPEC –
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Continuada, sediado na Faculdade de Educação da
Unicamp, é uma produção cultural de um ser expressivo
e linguajeiro que necessita de um interlocutor para
constituir-se e ser constituído pelo e para o outro, em
encontros sociais presenciais ou intermediados por essas
próprias produções culturais. E essa ontologia – eu para
mim, eu para o outro, outro para mim – como nos ensina
Bakhtin (2010), nos leva a ter a vontade de viver em um
mundo narrado em que pessoas se encontram para a
produção de si em uma escuta responsiva e responsável,
em solidariedade e respeito.
As narrativas proferidas possibilitam a produção
de uma consciência sobre o vivido, de modo singular,
levando as narradoras a posicionarem-se ética e
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esteticamente no mundo. Ao narrar, para si e para
outro, as narradoras colocaram-se em movimento de
interpretação e interpenetração do mundo da vida e
do mundo narrado, ampliando seus horizontes de
possibilidades e constituindo novas possibilidades de
ampliar a própria existência.
Voltamos as palavras proferidas pelas autoras das
narrativas com o sentido de compreender, em
algumas destas palavras, como é possível apará-las e
ampará-las com palavras que foram agenciadas por
elas.... Sonhos, lembranças, pensamentos... Adriana
Bandeira, Adriana Nascimento e Ana Cenaqui nos
tocam pela singela declaração de amor proferida,
produto da superação necessária em uma existência
infantil cheia de desafios, em que simples objetos
escolares constroem conquistas e pintam novas telas
nas paisagens escolares vividas pelas narradoras.
História, achados, aprendizados... Ana Schilke,
Andrea Bogado e Beatriz Gonçalvez nos convidam a
escutar histórias de fracasso e dor que mostram como
a cor da pele ainda é uma marca discriminatória em
nossa sociedade, mas que na atitude de ensinar das
professoras pode-se conectar outros modos de
aprender a SER na comunidade escolar.
Leituras, escola, alfabetização... Célia Oliveira,
Geanny Leal e Inês Bragança mostram a força dos
livros nos processos formativos para a docência. Elas
produzem em suas narrativas combinações entre
orgulho e satisfação na ação de ensinar e revelam a
força do comprometimento com a infância e seus
aprendizados no cotidiano do trabalho docente.
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Lápis, telhado, docência... Jacqueline Morais, Jane
Celestino e Lenilda Pinheiro nos transportam para o
interior da sala de aula e, com palavras meigas e
fortes, nos levam a imaginar os dilemas e escolhas que
muitas professoras enfrentam na relação com seus
estudantes, nos fazendo entender o quão intenso é o
desejo que cada uma têm em sair da cama e enfrentar
trajetos com obstáculos incomensuráveis para o
trabalho cotidiano na escola.
Carinho, alunos, bilhetes... Luicilia Souto,
Madeleine Souza, Maria Castro nos ajudam a
compreender como a experiências profissional
docente é prenhe de saberes e conhecimentos, que as
vezes acontecem antes mesmo da escolha profissional
e inscrevem-se na vivencia pessoal, constituindo
práticas que geram resultados que vão muito além dos
muros da escola.
Reflexão, profissão, identidade... Maria Ferreira,
Mercedes Ramos e Priscila Nepromucena nos
mostram que a ação docente é construída
cotidianamente na relação estabelecida entre seus
estudantes e profissionais da escola e da comunidade
na qual estão comprometidas, bem como nas práticas
reflexivas que de inúmeros modos, em múltiplos
tempos e lugares, cada uma realiza na medida de suas
capacidades.
Giz, Criança, Iniciação... Tamara Gomes, Thayssa
Nascimento e Viviane Emanuel narram as marcas das
primeiras experiências escolares, as surpresas e os
espantos com os saberes infantis nos primeiros
encontros e as lembranças rememoradas dos
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primeiros projetos de ensino, conferindo às memórias
docentes a força da esperança que renova os votos
pela docência....
Aparar e amparar, todas essas palavras - Sonhos,
Lembranças, Pensamentos, História, Achados,
Aprendizados, Leituras, Escola, Alfabetização, Lápis,
Telhado, Docência, Carinho, Alunos, Bilhetes,
Reflexão, Profissão, Identidade, Giz, Criança, Iniciação
- carregadas de sentimentos e pensamentos das
narradoras - tanto da época de estudantes como de
professoras - fez-nos re-acreditar que a força da
docência necessita emergir do cotidiano escolar.
Força que precisa ser compreendida como saberes e
conhecimentos que necessitam dialogar com os saberes e
conhecimentos produzidos na universidade, para a
constituição de um campo de produção científica outra –
mais comprometida com os desejos de mulheres e
homens que produzem o cotidiano da vida. Só desse
modo é que vamos compreender que, como dizia Bakhtin
(2010), o inacabamento de cada um se faz presente em
cada um de nós a todo o instante, e que existe uma beleza
nesse estar inacabado que possibilita a reflexão partilhada
quando constituída em uma narrativa.
Na perspectiva assumida pelas narradoras, e nas
narrativas presentes neste livro, vemos que a escola
não é só lugar de sofrimento e de insatisfação.... É
também lugar de alegrias e satisfação, de produção de
inéditos-viáveis, como almejava o querido mestre
Paulo Freire (2011), de profissionais comprometidas
com a escola pública, com o ensino público, laico,
gratuito, de qualidade e com forte compromisso com a
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ampliação do repertório sócio-cultural de seus
estudantes. Cada uma das narradoras, em sua
singeleza e simplicidade, revelou-nos a força da
singularidade, apresentou os rastros de seus
conhecimentos e saberes, não indiferentes a seus
muitos e memoráveis estudantes, construídos na
relação dialógica, potente e tensa, com seus outros
muitos e seus muitos outros de si mesmas, no
cotidiano de suas vidas pessoais e profissionais.
Por fim, para finalizar, queremos ressaltar que as
lições da experiência, que cada narrativa guarda,
quase como um segredo, podem colaborar na
produção da superação das adversidades que, neste
ano de 2016, vimos emergir.
O trabalho narrativo, porque produzido em
comunhão, e partilhado agora para tantas outras e
tantos outros profissionais da educação, produzem
outras possibilidades formativas, viabilizando a
construção de projetos emancipatórios e constituindo,
pelo trabalho, um digno ethos profissional docente.
Referências bibliográficas
Bakhtin, M. Por uma filosofia o ato responsável. Tradução
de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos,
SP: Pedro & João Editores, 2010.
Freire, P. Pedagogia do Oprimido, 50ª ed. Rio de Janeiro, RJ:
Editora Paz & Terra, 2011.
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SONHO DE MENINA
Adriana da Silva Bandeira
Falar de memória sempre me remete à escola, lugar
em que passei os melhores momentos da minha vida. As
cartas dos alunos me fazem lembrar do carinho comigo.
O capricho de recortar a folha em formato de coração. As
ilustrações, dedicatórias e o encantamento que os
pequenos depositam nesse simples gesto que expressa
toda sua admiração e companheirismo pelo professor.
Recordo que, ainda menina, sonhava em cursar
Pedagogia. Lembro a alegria que sentia quando a
professora me pedia que apagasse o quadro ou fosse até
a secretaria buscar o diário de classe. Neste momento já
me sentia alguém importante. De alguma forma estava
tendo uma pequena chance de viver um sonho,
aprender as funções de uma professora.
Durante a infância, a brincadeira que mais me
atraía era brincar de escolinha com bonecas ou com
meus irmãos e coleguinhas. Na casa onde morava
tinha uma porta verde que parecia um quadro negro.
Este era meu brinquedo favorito. Nele escrevia para os
meus alunos com os pedaços de giz que pedia na
escola. Minha irmã (hoje professora) adorava minhas
aulas, já meu irmão não gostava tanto dessa
brincadeira e fugia. Quando estava na 4ª série (atual 5º
ano), consegui uma forma de me aproximar mais do
meu sonho: trabalhava dando aulas de reforço escolar
para três vizinhos que cursavam 1ª e 2ª série. Neste
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momento algumas pessoas já diziam: essa menina vai
ser mesmo professora!
Sempre gostei de estudar. Fui representante de
turma algumas vezes. No ensino médio, na escola que
estudei, Colégio Estadual Dôrval Ferreira da Cunha, o
1º ano básico todos cursavam juntos. Era somente no
segundo ano que se optava pelo curso normal ou
curso de formação geral. Assim que iniciei no 1º ano,
período noturno, comecei a trabalhar como auxiliar de
professora da educação infantil no Centro Educacional
Gomes Gonçalves, lugar onde adquiri muitos
conhecimentos pedagógicos: cantigas, jogos,
brincadeiras, preparar atividades. Os exercícios,
naquela época, eram feitos com carbex. Atualmente
esse processo foi substituído pelas xerox.
Participava das reuniões de planejamento, o que me
fazia cada dia mais gostar dessa profissão. Ainda lembro
da festa junina, comemorações de dia dos pais, mães...
tudo era feito com carinho e dedicação para os alunos e
seus responsáveis. Adorava aquela sensação de
trabalhar com crianças, de poder ensiná-las. A
professora da turma, Grasiliana, era uma pessoa muito
carinhosa e amável com alunos, todos gostavam dela.
Me deixava a vontade para contribuir com ideias e
opiniões nas festas e projetos desenvolvidos pela turma.
Foi um ano de muitos aprendizados que carrego comigo
até hoje. Já no ano seguinte, em 1995, no qual faria a
escolha pelo curso normal, eu estava grávida. No
momento deixei que a emoção da situação falasse mais
alto. Acabei optando pelo curso de formação geral que
tinha um ano a menos de duração. Naquele momento
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minha mãe trabalhava fora. Só poderia contar com
minha avó para cuidar do meu bebê a fim de que eu
fosse à escola. Pensava que naquele momento, minha
prioridade seria os cuidados e a educação de perto da
minha filha. Ainda assim não desistia do meu sonho.
Quando minha filha completou 5 meses fiz uma
pequena classe com 13 alunos na varanda de casa, onde
ali ministrava aulas de reforço para diversas séries desde
o primeiro até o quinto ano. No ano de 1996, conclui o
ensino médio. Quando minha filha foi para escola com
quase 3 anos, retornei para sala de aula na mesma escola.
Mesmo sem o curso normal assumi turma. Novamente
me sentia bem mas sabia que algo me faltava para
aquele cargo. No ano seguinte a escola encerrou suas
atividades. Pouco depois fiz um concurso para a
Prefeitura de São Gonçalo para agente comunitário de
saúde. Neste cargo a função era preencher fichas, visitar
pacientes acamados ou com dificuldades de locomoção
acompanhada da enfermeira, ou mesmo de um médico.
Era gratificante quando chegávamos à uma casa onde o
paciente não tinha condições nenhuma de chegar a um
posto médico. Esse era examinado, medicado e,
dependendo do caso, era transferido para um hospital
mais próximo, ou deveria retornar numa data pré-
estabelecida para um novo atendimento. Gostava do que
fazia pois ajudar o próximo é sempre bom. Porém meu
sonho continua vivo dentro de mim. O polo do médico
de família onde trabalhei era dentro de uma escola.
Sentia que não seria uma pessoa completa se não me
tornasse professora. No ano de 2011, ingressei na
faculdade para cursar pedagogia. O sonho começava a
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se realizar. No início foi um pouco difícil pois estava 15
anos fora da sala de aula. Muita coisa havia mudado. A
tecnologia estava em todas as partes, me sentia meio
perdida com tantas informações, mas em momento
nenhum deixei me abater! Trabalhava durante o dia e
estudava à noite. Foram quatro anos de muita
determinação e dedicação. Logo no segundo período
comecei a estagiar e estava novamente numa sala de
aula de educação infantil. Hoje quando recebo cartas dos
alunos, sinto-me privilegiada por trabalhar na profissão
que sonhei desde a época das séries iniciais do
fundamental I, fase onde escrevia cartas para minhas
professoras. Nessa trajetória de aluna/professora aprendi
a cultivar a semente do amor em meus alunos, ontem
plantando hoje colhendo. Nos dias de hoje com as redes
sociais em alta, receber uma carta escrita à mão é uma
verdadeira declaração de amor. É o que sinto quando
recebo qualquer que seja o presente, homenagem ou ato
de carinho. A vida se tornou melhor quando conquistei
o meu sonho! No dia 11 de março de 2015 aconteceu a
minha formatura, um momento inesquecível. Já no mês
de maio, fui convidada pela coordenação do curso de
pedagogia para palestrar sobre a importância do curso
na minha vida profissional. Ainda busco uma
especialização em psicopedagogia, cursos na área de
alfabetização e letramento. Participo de todas as
palestras que a escola em que trabalho oferece. Quero a
cada dia aprimorar meus conhecimentos, ser uma
profissional melhor para os meus alunos.
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LEMBRANÇAS
Adriana de Freitas Salomão do Nascimento
Ao buscar um objeto escolar significativo na
minha história, encontrei uma foto que me resgatou
lembranças e avivou meu coração. As lembranças
foram muito quentes.
Ao observar as fotos, voltei a um passado tão
presente que pretendo não perder mais nos guardados
da minha vida. As fotos escolares estavam presas nas
escritas do meu autorretrato.
Com o meu autorretrato, achei a minha história:
fotos, bilhetes, muitos sentimentos guardados em
alguns papéis. Nessa escrita, encontrei minha primeira
professora, minhas amigas da faculdade, revisitei
lugares, leituras, pessoas que já se foram...
Passei dez anos com essa escrita guardada e
agora, novamente, abro meu tesouro: minhas histórias
que se transformam num solo fértil de recordações.
Preciso trazer à tona essas memórias escolares.
Minha primeira escola foi Colégio Sete de
Setembro, no bairro do Salgueiro, em São Gonçalo. Era
simples, o uniforme eu achava bonito, o recreio era
maravilhoso. A matéria preferida era... Infelizmente
não tinha, mas tinha tia Glorinha, minha professora da
antiga 1ª série; era ótima e parecia que me amava e
compreendia.
Mas a escola que eu sempre quis estudar era o
Colégio de Dona Lucília: a escola estadual na rua da
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minha escola. As crianças lá eram felizes, corriam,
brincavam na rua na hora de ir embora. Havia dias em
que não tinham aula, ganhavam lanches, parecia que
aquela escola era maravilhosa. Diferente de mim,
minha mãe não achava aquela escola boa, então tinha
que estudar na única escola particular no bairro.
Estudei no Sete de Setembro da alfabetização até o
sétimo ano (antiga sexta série) e sempre me fizeram
acreditar que eu tinha grandes dificuldades, era
incapaz, que todos eram melhores do que eu e, no
fundo, algumas vezes, eu também acreditava.
Buscava ajuda das amigas que sabiam mais,
estudava com minha mãe. Nessa escola o aluno não
tinha vez e voz. Em uma apresentação no Dia das
Mães, queria muito participar da música e da peça
Mamãe, mas não era chamada, só as mais quietinhas,
comportadas. Como eu não era assim, ficava de lado.
Esse episódio muito me marcou.
E assim foram meus sete anos nessa escola. As
frases que eu mais ouvia eram: “Ela não sabe, tem
dificuldades; é malcriada, bagunceira; adora
conversar; irá ficar em recuperação; é burra”. Mas
quando um professor disse para turma burra eu não
aguentei e claro respondi: Mais burro é o senhor que
dá aula para os burros.
Responder ao professor, dessa forma, em uma
escola particular tradicionalíssima, em bairro pobre,
nos anos de 1984, realmente a situação não era
favorável. De todas as frases que eu ouvia a meu
respeito, uma eu tinha certeza: “era bagunceira,” mas
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alegre. Entendia que escola não era só para estudar,
mas também local de fazer amigos e ser feliz.
Finalmente consegui o que eu queria; sair daquela
escola, me libertar daquelas prisões. Minha mãe
conseguiu uma carta com o vereador e então fui
estudar em uma das melhores escolas de São Gonçalo
na época - E.M. Presidente Castello Branco. Fiz novos
amigos, sai do meu bairro, fiquei amiga das tias da
cozinha, porteiros, dirigente de turno e até do temido
diretor Ivan Sampaio, mas o caminho que eu conhecia
bem era o Serviço de Orientação Educacional (SOE); o
que precisava consultava às Orientadoras.
E aquela menina com problemas passou de
oprimida para líder e uma líder positiva. Em todas as
apresentações eu participava, colaborava com todos os
projetos da minha turma, minha mãe passou a receber
elogios. Ficar em recuperação, reprovação nunca mais!
Quando terminei o nono ano, o que fazer na escola à
noite? Tinha curso normal, como não tinha muita
opção, vamos fazer o curso normal. Percebo que foi a
escolha mais certa que fiz na minha vida. Terminei o
curso e, quando me formei, já estava lecionando em
uma escola particular e sentia-me muito feliz.
Mas o encanto da escola pública não saiu de mim;
então batalhei, estudei e consegui. Vocês não irão
adivinhar em qual escola escolhi para lecionar? A
escola de Dona Lucília, a unidade foi municipalizada e
agora é Escola Estadual Municipalizada Niuma
Goulart Brandão.
Tem crianças felizes, professores competentes,
mães doces, mães brigonas, infelizmente o crime
28
organizado ao redor da escola. Quando conseguimos
dar aula em paz, tudo é maravilhoso, mas muitas
vezes damos aula no chão com medo de balas
perdidas. A escola, nesses momentos que têm sido
constantes, entristece e a alegria vai embora e só nos
resta o pavor da morte. Ainda assim, continuamos
firmes, contribuindo para o sucesso dessas crianças
que são inteligentes, generosas, carinhosas, dedicadas,
também levadas, afinal são crianças. Há muita coisa
que falta nessa escola, mas fazemos o melhor com o
que temos.
Lembram-se daquela música que não pude
participar quando criança, “Mamãe, mamãe, mamãe
eu te lembro o chinelo na mão, o avental todo sujo de
ovo, se eu pudesse eu queria, outra vez, mamãe,
começar tudo, tudo de novo”?
Quando fui coordenadora em uma escola no
município de São Gonçalo, promovi uma festa do Dia
das Mães e como sugestão pedi essa música. As
professoras não gostaram muito, justificando que a
música era muito antiga para as crianças cantarem,
mas contei minha historia e elas aceitaram; só fiz uma
exigência: todas as crianças tinham que participar.
Na hora da festa, para minha surpresa, a música
foi apresentada em ritmo de Funk, com direito a
avental todo sujo de ovo, coreografia e todas as
crianças cantando, mães, avós emocionadas e os atores
principais eram as crianças mais difíceis da escola.
29
UM PINCEL, VÁRIOS PENSAMENTOS
Ana Flávia Alves Cenaqui
Num dia anterior a uma aula do curso, lembrei-
me do pedido da professora: trazer um objeto que
remetia a sua docência para o próximo encontro. Não
tive que pensar muito. Logo me veio à mente um
pincel. Porém, o pincel imaginado não está mais em
minha posse, pois neste movimento de emprestar
“suas coisas” no local de trabalho e não anotar a
quem, faz com que você não veja mais aquilo que
tinha. Mas, também, seria injusto reclamar, já que o
objeto lembrado era coletivo, adquirido com verba
pública, pertencente à unidade onde atuo. Então,
vendo por essa perspectiva, espero que ele esteja bem
onde estiver. O que fica é o seu valor simbólico, o meu
sentimento por ele, as memórias sobre ele que retomo,
neste momento, como forma de representá-lo da
melhor forma possível.
Pode parecer estranho falar tanto de um pincel.
Ou melhor, de um especificamente.. Cito-o, porque ele
fez parte de muitos trabalhos desenvolvidos por
minhas turmas ao longo de alguns anos seguidos na
Educação Infantil de uma unidade pública municipal.
Se não me engano, cheguei a ter uns três do mesmo
tipo dele (e “perdi” todos eles!), o que me permitia
colocar algumas crianças na mesma atividade ao
mesmo tempo.
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Pensei nele por associá-lo à alegria de mexer com
tintas, registrando um determinado tema através da
pintura em um papel ou caixa ou sucata (e, por que
não, no próprio corpo?). Além disso, lembrei-me da
relação prazer X stress, já que toda “bagunça” tem que
ser limpa em algum momento.
Utilizar o pincel no meu trabalho é ter uma pré-
escola diferente da qual experimentei; é voltar à
infância que não tive e viver um pouco mais essa
etapa da vida, tão importante para o desenvolvimento
cognitivo e emocional do ser humano. E, toda vez que
utilizo pouco essa técnica no meu dia a dia
profissional, pergunto-me o porquê de estar deixando
isso acontecer, perdendo momentos bons e não
oferecendo mais lembranças significativas a quem está
ao meu redor.
Além disso, penso que faltou mais sensibilidade
de minha parte em deixar de ser um pouco professora,
nesses momentos de pintura, e aproveitar mais a
ocasião, observando cada segundo, cada atitude, cada
expressão, cada descoberta dos meus alunos.
Apresentar-me criança também! Deixar a situação
ocorrer de forma mais solta, mais livre, mais intensa.
Esses pensamentos me perseguem desde uma das
últimas atividades de tinta que realizei com minha
turma na Semana da Criança, em que foram dadas
grandes folhas brancas no chão do parquinho e potes
de tinta com seis cores básicas para os alunos
explorarem livremente os materiais com os dedos e,
depois, com o corpo. Não “vi” a atividade. Não “vi”
meus alunos. Apenas vigiei, fiscalizei. E, quando fui
31
pregar os papéis secos no mural, fiquei chocada com
as cores maravilhosas feitas por eles. Estive “cega”
quando fizeram!
Pensando assim, “enxergo” hoje que a experiência
vivida tem que ser a mais completa possível. O
retorno da professora sobre a atitude de sua turma
tem que ser de tal forma profunda para que o aluno
perceba “eu existo/estou sendo observado”.
É inimaginável o que um simples objeto foi capaz
de fazer com as reflexões de uma pessoa!
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POR UMA OUTRA HISTÓRIA
Ana Lúcia Schilke
A tessitura deste texto, caro leitor, se dá na
tentativa de trazer narrativas da minha vida escolar e
profissional, entendendo esse processo com
autoformativo. Ao escrever sobre mim, trazendo
minhas marcas, experiências, sentimentos e desejos,
sou convidada a olhar minha história como parte de
um processo de constituição identitária com estreita
relação com o meu fazer pedagógico. Olhar quem eu
fui e quem eu sou, tem o potencial de favorecer a
minha transformação pessoal, no sentido de recriar
formas de ser e estar no mundo. Os relatos
corriqueiros que marcaram minha vida podem
apresentar elementos significativos na superação de
determinadas dificuldades futuras que posso
vivenciar no processo intenso do viver.
A questão que se coloca como desafio então é:
Que memórias trazer? O curso de extensão Encontros
de pesquisa-formação: A escrita de narrativas docentes me
coloca tal desafio, além do debate acadêmico
permeado por estratégias de tessituras textuais que
jogam o aluno no abismo do encontro com o seu texto.
Tomo, então, como caminho, apresentar fragmentos
ora advindos da dinâmica da sala, ora dos meus
devaneios solitários com o texto. A princípio, talvez
sem sentido, o meu processo de escrita vai ganhando
materialidade e forma durante a sua construção. Não
34
procure de imediato uma lógica. Permita-me ainda,
leitor, convidá-lo a mergulhar na minha dor, no meu
amor, no meu sonho, para posteriomente, e
conjuntamente comigo, dar sentido a algo
momentaneamente sem sentido. Então vamos lá!
O Primeiro Dia
Cheguei atrasada para um encontro com a minha
história de professora e de pedagoga de uma rede
municipal de educação.
Atrasada porque narrá-la, por vezes, não ocorreu.
Estava perdida, despercebida e até esquecida da
minha história.
Atrasada, porque escrever, para mim sempre foi
difícil, doloroso.
Atrasada, porque aprender a escrever se deu
tardiamente, colocando-me durante um dado período
no lugar do não ser.
Mas chegou! Chegou a tempo de aprender a
escrever sozinha, com as colegas, com as as crianças.
Escrever, talvez, uma outra história a partir das nossas
histórias.
A escolha
Escolho a borracha como um objeto significativo
da minha trajetória estudantil, pois muito a usei
durante a minha vida escolar. Passo logo a explicar:
Minha trajetória escolar foi marcada por fracassos no
processo de escolarização, tornando fácil entender por
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que tal objeto assumiu um lugar de destaque no meu
processo de formação. Possuidora de um lado mágico,
que fazia desaparecer as poucas palavras erradas que
eu conseguia escrever. Ao mesmo tempo, maléfica,
quando a professora apagava, à revelia da minha
vontade, tudo o que eu havia conseguido fazer, tendo,
assim, que começar novamente, sem muito entender o
porquê. Assim se fez nossa relação, acompanhando-
me diariamente... Mas de qualquer forma, aprendi a
respeitá-la, pois como uma moeda, a borracha tinha
dois lados, duas caras, que, por vezes, guardava
sozinha as dores e as alegrias de ser minha
companheira. Já foi lançada à parede, já foi suporte
para a cola, já levou até recadinhos de amor. Ou seja,
assumiu diversas missões impossíveis. E sempre lá....
Olhando mais um pouco para ela e deixando ser
levada pelos devaneios da escrita, penso em seu
potencial metafórico. O que gostaria de apagar da
minha vida escolar? Talvez esse lugar do fracasso, de
muitos alunos, como eu, de quem a escola roubou o
direito de ser mais. Até hoje brigo com o texto, por
vezes, ele é pouco prazeroso, chegando a causar muito
dor. Fui roubada do direito de, desde pequena, ter
uma relação amorosa com a escrita. Mas é verdade, a
borracha me ajudou bastante. Eu merecia poder contar
uma outra história. Então, minha amiga, vamos
apagar essa história e contar outra? Se não for a minha
porque esse passado não se apaga, que tal a dos meus
alunos? Fica o convite.
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Tia, se eu soubesse falar, quem diria se soubesse
escrever....
Atravessada pelos percalços do cotidiano, sou
levada a pensar sobre questões que subjazem o
sucesso/fracasso escolar. Faço isso não teoricamente,
mas revivendo a minha trajetória escolar. Não quero
aqui falar de teorias que dão causa e/ou que podem
contribuir para a escrita de uma outra história. Quero
falar de algo que é tão particular, que só os que vivem
ou viveram esse tipo de fracasso podem falar. Faço
essa escolha porque é algo que se fala com alma e que
a teoria não dá conta de materializar.
Então, para mim, o convite para apagar uma
história de fracasso se inicia na tentativa de se
conectar com esta dor. Um dor que hoje sei colocar em
palavras e que, quando era criança, se traduzia em
apatia, medos e silenciamento. E digo logo: Até hoje
carrego medos variados que, para quem convive
comigo, podem não fazer a menor ideia de sua
origem.
Quero falar dessa dor porque cada criança a
expressa de uma forma, e nós, professoras, por vezes,
somos atravessadas, ou melhor, atropeladas por ela, e
não sabemos como lidar.
Neste encontro, da expressão da criança diante o
seu fracasso e o professor, saem, os dois muito
machucados, não só emocional, mas como fisicamente
também. Que professora não tem uma história de
conflito com seu aluno para contar? Então, queria
tentar falar com você professora, que vive ou viveu
37
esse dilema, esse impasse. Falar, porque adulta que
sou já conto com diversos dispositivos que me
possibilitam dar concretude a algo que as crianças,
muitas vezes, não conseguem materializar, dar
sentido.
Quero falar com você, como se eu fosse ela. A
criança que lhe respondeu, lhe xingou, lhe mordeu,
que arrancou o cabelo da amiga, que derruba todas as
cadeiras da sala, que a chutou várias vezes, que fica
fora da sala... Quero pedir para colocar a sua dor em
suspensão, porque óbivo que quem vive ou viveu isso,
também sofre, mas gostaria de pedir para você ouvir-
me, como se fosse ela. Então vou tentar.
Tia, se eu soubesse falar, quem diria se soubesse
escrever....
Eu começaria dizendo das vezes que não me senti
acolhida, reconhecida, amada, respeitada e isso pode
acontecer em casa ou na escola. Chego perto de você já
com algo anterior ao nosso encontro e não sei como
deixar tal sentimento, ou melhor, a falta dele, longe de
nós. É verdade, às vezes, você é tão carinhosa comigo
que fica difícil entender a minha reação. Às vezes, o
simples fato de você passar um dever que eu não sei
fazer eu sinto uma raiva tão grande, que chego até ter
raiva de você também, afinal quem passou aquele
dever?
Sim! Você sabe como eu reajo, mas o que eu
escondo nesta reação nem eu sei. Confesso que eu
também me assusto comigo. Mas nesta hora me sinto
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livre, forte, pronta para o que der e vier.... Mas no final
de uma briga, de uma confusão vem uma dor... O que
poderia ser o caminho para superá-la é, na verdade,
mais uma dimensão da dor anterior... E aí você briga
comigo, todos brigam comigo.
Sei que você fala que eu vou aprender, que você
vai me ajudar, mas eu tenho pressa. Pressa de ser
entendida, amada, querida e, acima de tudo, bem
sucedida. Tia, você sabe onde eu moro? Com quem eu
vivo? O que eu como? Quantas vezes eu apanho? Por
que apanho? Tia, você sabe quem (não) penteia meu
cabelo, quem (não) me ajuda no banho, quem (não)
conversa comigo? Você sabe como e quando eu
brinco? Tia, você sabe se eu tenho pai e mãe? Tia, você
sabe o que acontece comigo quando você não está
comigo?
Então tia, eu não sei falar o que acontece? Mas se
eu soubesse escrever... Escreveria para você pedindo
para me olhar pensando em coisas que eu ainda não
faço, mas que eu preciso que alguém acredite que
possa fazer... Escreveria pedindo que inventasse uma
outra forma de me ver... Tia, também pediria para
você me desculpar por doar, para você, parte da
minha dor. Escreveria para você acreditar que eu sou
boa, amiga, inteligente, esperta e alegre.
Mas tia, você é tão grande, tão linda que eu sei
que você suporta... E eu, tia, que se soubesse falar...
quem diria se soubesse escrever .... Escreveria EU
NÃO SUPORTO MAIS !
Tia, será que depois de tudo que eu já fiz, você
pode tentar me ajudar?
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Os atravessamentos e os (des)encontros... Encontro
com alunos e comigo mesma
Os textos que trago apresentam o fracasso como
trama. Escolho tal temática por acreditar haver uma
dimensão do trabalho pedagógico estritamente
relacionada com o ato de amor. Não um amor piegas e
desqualificado que coloca a profissão de professor no
lugar do dom e da doação. O amor a que me refiro é
um profundo respeito ao próximo que coloca a ação
docente em uma relação horizontalizada professor-
aluno. Na mesma medida, também clama por um
olhar diferenciado do professor que trabalha com as
classes populares. Um professor que precisa amar,
compreender, ensinar e aprender junto com o aluno
que a sociedade renegou. Esse caminho é difícil, pois
temos que apostar em algo ou alguém em que todos já
não acreditam mais. E só assim, por acreditar neste
aluno, e suportar as consequências desse total
abandono em que a educação se encontra, é que
poderemos coletivamente encontrar uma saída. Sei
que é difícil, pois nossa profissão não está alicerçada
apenas em um ato teórico; ela é antes de tudo um ato
político vinculado à compreensão de ser mais , mesmo
quanto todos já não acreditam nesse caminho.
Por isso, optei por essas três narrativas, que
provocam o debate sobre o sucesso/fracasso escolar,
pois nossas crianças precisam urgentemente que se
apague a escola do fracasso e necessitam da nossa
ajuda, para que assim, seja possível, escrever, uma
outra história a partir das nossas histórias.
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ACHEI O QUE PROCURAVA
Andréa Lopes Bogado
Escolher a profissão é um momento difícil. Muita
imaturidade e incertezas. Mas tentamos chegar ao
desejado, mesmo que tenhamos que mudar mais
tarde.
Minha primeira turma foi de Educação Infantil e
também meu primeiro emprego. Tinha muitos alunos,
quase trinta. Achávamos que ele era levado, mas com
o tempo percebemos que era carente e que guardava
alguma coisa. Em momentos de desespero, meu e
dele, ganhava um “ xixizinho” de presente e depois de
muito carinho ele chorava. Com o passar do tempo e
acompanhamento psicológico, o que estava guardado
explodiu e ele se revelou mais esperto ainda, fazia
todas as atividades. Muitas surpresas! Realizava todas
as atividades que parecia não saber. A partir dessa
experiência, fui pesquisando e aprendendo cada vez
mais com as vivências em sala de aula.
Lecionava na Educação Infantil e no período da
noite me graduava em Pedagogia. Estudar sobre
Educação é o que mais gosto de fazer. A graduação foi
concluída. Sim Senhor! Pedagoga! Como foi bom o
período na universidade, amizades, livros, palestras e
pipocas. Saíamos do trabalho direto e corríamos para
sala de aula, com fome e pouco dinheiro no bolso. As
xerox eram diárias e para serem estudadas com o
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grupo eleito por afinidades, o nosso mata fome
principal...pipoca salgada.
Já atuava como docente no Ensino Fundamental I.
Mas o grande dia chegou... depois de um tempo
formada, fui convocada! Passar em concurso público
para o Estado é o desejo da “segurança”. Que delícia!
Agora vou trabalhar realizando um dos tantos sonhos
que ainda tenho, Professora no Ensino Médio – Curso
Normal! Foi uma doideira! Chegando à escola para me
apresentar, a Diretora disse: - Pode assumir suas
turmas agora! Gelo na barriga! O que farei? Sem
planejamento? Usei uma “Tática Docente”: Combinei
com os alunos como seria aquele dia e fui com tudo.
Incríveis conquistas revelam alguns objetos que
tenho guardado no meu armário, quando os toco e
observo, me recordo de tudo. O convite da formatura,
quem guarda, geralmente só você ou seus pais. Leio os
nomes das colegas e fico imaginando onde estão e o
que fizeram de suas vidas. Agora com facebook, quem
sabe consigo encontrá-las. Outro objeto é a primeira
placa de Paraninfa que recebi dos alunos do Curso
Normal. Ambos representam construção e conquistas.
Vamos, meus alunos, sejam Mestres e brilhem na
construção coletiva de conhecimentos. Hoje o meu
foco é o incentivo à pesquisa, pois em avaliação do
meu trabalho com os alunos, eles sinalizaram essa
vontade. Como eu acho que vontade não dá e passa, já
estou trabalhando nesse novo desafio. Achei o que
procurava!
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PROFESSORA QUE ENSINA,
PROFESSORA QUE APRENDE
Beatriz dos Santos Gonçalvez
Tudo começou de verdade com a realização de
um sonho.
Começou porque foi a partir deste momento que
eu pude pôr em prática o trabalho em que acredito. As
experiências anteriores como professora de educação
infantil em escola privada foram muito válidas, mas
eu apenas reproduzia um trabalho pensado e imposto
por outra pessoa.
Então, sonho realizado: Passei no concurso
público!
Enfim, iria poder experimentar como seria
trabalhar de acordo com todos os meus saberes e
conhecimentos adquiridos, após leituras, curso
normal, graduação, cursos. E claro, teria muito a
aprender com aquelas crianças de 4/5 anos, em
período integral.
Tão pequenos, tão espertos!
Fui presenteada com 16 crianças, de cores,
tamanhos e realidades muito diferentes, mas com uma
coisa em comum: curiosos, muito curiosos!
O ano letivo começou e com ele muitas
brincadeiras, atividades, experimentos, conversas e
questionamentos... Deles e meus.
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Todos os dias, eu os observava em suas
brincadeiras, interações e conversas. Com o tempo, já
havia conseguido traçar um ‘perfil’ de cada um: a
esperta, a líder, o distraído, a bebezona, o calado... Ali
percebi que eu teria um desafio, não com eles, mas
comigo. Precisava cuidar do modo como eu os via e
ouvia, com mais atenção e menos rótulos.
Nossa convivência me ensinou muito. Vi a
discriminação racial de perto, tão cedo, tão triste.
Crianças brancas ou pardas que não aceitavam as
negras. Crianças que não se aceitavam como negras.
Crianças negras que não aceitavam as outras negras.
“Tia, eu não sou negro. Eu sou marrom.”
“Por que você emprestou seu copo para Lua e não
emprestou para Estrela?” – “Porque Estrela é preta.”
“― Estrela, você tem que mudar de cor!
― É mesmo Lua! Como eu vou posso fazer isso?
― Vai à praia, pega bastante sol e quando você
descascar, você fica branca.
― É mesmo! Foi assim com você?
― Foi. Eu descasquei e fiquei assim.”
“A única diferença da sala é que uns são brancos e
outros são pretos.”
Dessa forma, foram necessárias muitas mediações;
conversas; busca a músicas de cantores negros
brasileiros, contos africanos, capoeira.
“Alcione não é negra, olha o cabelo dela é liso e
loiro.”
“Lupicínio Rodrigues era negro, eu também sou.”
“Tia, eu sou negro!”
“Tia, que princesa linda! Ela é negra igual a mim.”
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O resultado teve um saldo positivo. Muitas
crianças passaram a se aceitar e a aceitar os colegas
como são. Outras, não se aceitam ainda, mas evitam
falar sobre isso. Descobri que educar são tentativas,
são esforços; é suor querendo ver o melhor, querendo
ajudar, querendo construir.
“Tia, seu cabelo é de negro, não é?”
“Meu cabelo é cacheado, é de negro, igual ao da
tia.”
“Igual ao da Lelê, da história.”
Quando esse assunto foi perdendo o interesse
pelas crianças, eles mergulharam no “macio azul do
mar” com a música “O barquinho”. O tema que até
então seria trabalhado, foi deixado de lado por conta
de uma dúvida que surgiu:
“Volta do mar, desmaia o sol...” (Trecho da
música) ― “Desmaia o sol? Como o sol desmaia se ele
não tem corpo?”
“Como? Pra onde ele vai?”
Na tentativa de explicar, surgiram milhares de
outras perguntas que apenas naquele dia seria
impossível saná-las. Foi criado o projeto “Espaço
Sideral”, onde as crianças participaram de
experimentos para saber como funcionava o dia e a
noite.
“Enquanto está sol aqui, está de noite no Japão.”
“Claro. Japonês também tem que dormir.”
Assistimos a vídeos sobre o Sistema Solar, NASA,
estrelas; visita ao planetário móvel; experiência do
vulcão, experiência do ar.
“Eu gosto de Saturno, tem muitos anéis.”
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“O Sol é mais forte que a lua.”
“O astronauta flutua na lua. É a gravidade.”
“Atmosfera é o ar que respiramos.”
“Fiz um desenho.” (disse Lua)
“O que é?” (perguntou Cometa)
“É um planeta.”
“Azul com bolinhas marrons?”
“Sim, porque nele tem água e terra. Mais água do
que terra.”
“Ah, então é a Terra!”
“A lua tem muitas fases, cheia, crescente, nova e
‘iluminante’.”
Muito feliz ao ver os alunos construindo seus
conhecimentos;, crianças desenhando planetas e
elementos do espaço sideral; escrevendo seus
nomes;contribuindo nas nossas conversas... Eis que
surgem mais dúvidas.
“Tia, o que faz a Terra girar?”
“Tia, a lua gira ou fica parada?”
“Por que caranguejo não gosta de água?”
“Por que o planeta Terra não cai do espaço?”
“Não sei.”
“Poxa, eu pensei que professora sabia tudo!”
“Eu também!”
Em meio a tantas descobertas, eu que acreditava
que tinha muito a ensinar, descobri que eu tinha ainda
muito o que aprender. Com eles, com as experiências e
com a vida.
Ser professor é um conjunto de experiências
diárias, vivências que como um quebra-cabeças, dia
após dia, vai se constituindo, tomando forma. Muitas
47
peças já se encaixam, mas ainda faltam muitas para
que um dia possa concluir... Ou talvez nunca conclua.
Só vivendo para saber.
Então, até aqui eu cheguei. Se estou no caminho
certo, eu não sei. Só sei que desde que entrei numa
sala de aula, eu nunca mais parei.
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DE SER E ME FAZER PROFESSORA, AS
LEITURAS QUE ME CONSTITUEM
Célia Regina Cristo de Oliveira
Os meus primeiros dias como aluna dos anos
iniciais, na escola pública, foram muito marcantes:
primeiro, graças a uma tia (irmã mais nova da minha
mãe), passei mais um ano dentro de casa, sem estudar.
Deveria ter ido para escola com sete anos completo.
Acabei indo com oito, pois minha mãe estava com um
dos meus irmãos recém-nascido e confiou a ela a
minha matrícula. Porém, ela perdeu prazo. Lembro-
me como se fosse hoje a chateação da minha mãe, mas
eu ficara feliz, por estar mais tempo em casa.
No ano seguinte, completando oito anos, fui
estudar junto com minha irmã mais nova que eu um
ano. Ela foi para a turma 101 e eu para a turma 103 ou
104. Só havia estudantes da minha idade ou mais
velhos. No primeiro dia, me recordo que todo o meu
material era novinho: lápis, borracha, apontador, um
caderno brochura deitado encapado com papel pardo
e etiqueta com meu nome. A professora só iria
conhecer ao chegar à escola. Ela se chamava
Marineide. Com voz doce e sorriso meigo nos recebeu
muito bem.
Na minha primeira atividade para pintar, passei
pela prova do empréstimo de materiais... Momento
tenso, pois vi que alguns colegas não possuíam
50
material, e eu, mesmo sabendo o quanto difícil foi
para minha mãe comprá-los, tentava seguir à risca o
que ela me pedia: “não empreste nada a ninguém”!
Mas, meu coração foi amolecido com as palavras dos
colegas que diziam que iriam me devolver sem
estragar. No final do dia, o saldo negativo: lápis
ruídos, com marcas de dentes, borracha comida e uma
enorme bronca seguida de uma puxada de orelha,
dentro de casa, após a revista dos materiais na
mochila. Meu primeiro dia não foi nada bom.
Com o tempo aprendi que deveria negociar essas
coisas, mas trocar com o quê se muitos deles não
possuíam nada para trocar? Nunca sentamos em roda
na sala de aula. Sempre olhávamos uns para as nucas
dos outros. Nunca também tivemos um livro para ler
em sala, além das cartilhas.
Em casa, tínhamos alguns livros por conta de
minha irmã mais velha estar mais adiantada e minha
mãe comprar enciclopédias que eram vendidas na
escola ou na porta de casa; algumas temos até hoje.
Detalhe, na minha casa não tinha estante para
acomodar os livros. Então eles ficavam dentro das
caixas em nosso quarto, em cima do guarda-roupa. A
escola chamada Senador Camará era muito pequena.
As mesas e cadeiras eram duplas, não dava para
separar. Com o tempo, fui entendendo que a escola
tinha seus ritmos e dinâmicas próprios. Minha irmã
mais nova era bem gordinha e tinha o privilégio de
comer e repetir a merenda. Ela adorava macarrão com
salsicha, e as merendeiras apertavam suas bochechas.
Ficava enciumada, é claro! E ela, ria à toa!
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Mas o que de fato quero falar é do meu encontro
com os livros, pois sempre achei que livro e magistério
eram duas combinações possíveis e também de como
me fiz professora. Embora meu pai achasse que eu
seria economista, porque sempre guardava as moedas
que ele me dava, enquanto meus irmãos gastavam,
cresci pensando em ser professora quando um de
meus irmãos mais novos nasceu com uma perda
auditiva. Achava que ele teria dificuldade em
aprender a ler e escrever, então resolvi não mais
estudar contabilidade e fiz prova novamente, desta
vez para a Escola Normal Carmela Dutra, em
Madureira, onde me formei até o adicional, em
alfabetização.
Depois de formada fui trabalhar e me recordo de
ter ajudado muito pouco meu irmão nos estudos, mas
conseguimos matriculá-lo em uma escola pública em
Marechal Hermes, cuja turma era formada por
crianças com diversas dificuldades de aprendizagens
devido a algum comprometimento físico e
neurológico. Contava histórias para ele e os mais
novos. Não mencionei, minha mãe teve nove filhos.
Atualmente somos sete vivos.
Minha vontade de ser professora foi influenciada
também pelas freiras da paróquia em que frequentava
e na qual me tornei catequista. Dava aulas de
catequese com treze anos de idade para crianças e
adolescentes da minha faixa etária. Tinha que estudar
a bíblia e os livros. Preparava os encontros na igreja ou
na casa das freiras, em outra rua, distante da paróquia.
52
Aos poucos achava que ser professora era ser
igual a quem ensina a catecismo. Pregava o silêncio e
calma na sala de aula, falava baixo, e ouvia sempre
alguém dizer que eu tinha que me impor, do contrário
a turma iria me dominar. Com o passar do tempo,
frequentando outros espaços e tendo outras leituras de
mundo, fui me dando conta de que essa profissão é
por demais perigosa, desafiadora, instigante e também
angustiante. Mas, e onde entram os livros em minha
vida? Bem, vamos a eles.
A escolha pela temática das relações raciais, em
função dos diversos espaços percorridos, me fez voltar
o olhar para o cotidiano escolar e perceber que na rede
onde atuo, em Duque de Caxias, as crianças têm uma
cor predominante: elas são negras. E muitos colegas as
veem como incapazes, e sendo assim, impedidas de
seguir adiante. “Dominar” seus corpos negros, que
correm, pulam, atravessam a sala, movendo-se de um
lado para o outro, seu jeito de se expressar com gestos
variados me lembrou do livro: “Amkoullel, o menino
fula”, de Amadou Hampâté Bâ 1 , que tomei
emprestado de uma amiga.
Esse livro não é infantil, mas traz uma escrita
(auto)biográfica, marcada pela memória de um griôt
africano (pessoa escolhida pelo seu povo como
guardião de suas memórias e tradições, responsável
por recontá-las aos demais). Como me lembrei das
histórias e causos contados pelo meu avô materno.
1 Tradução Xina Smith de Vasconcellos. São Paulo: Palas Athena:
Casa das Áfricas, 2003.
53
Consegui compreender na leitura desse livro, um dos
muitos sentidos da escola e o que ela pode representar
para as crianças negras: quando o que se ensina tem a
ver com sua vida, e quando o que se ensina não faz
sentido para elas. Uma criança africana aprende falar
pelo menos cinco dialetos diferentes do seu, devido à
diversidade cultural de seus diferentes povos.
E vem a reflexão... A escola está pronta para
nossas crianças que vêm falando os diversos dialetos
de sua comunidade?! Fico pensando na parte que me
cabe nesse latifúndio. Tenho procurado conhecer e
adquirir livros que também possam contribuir para o
enriquecimento cultural dos meus alunos, para que
possam se reconhecer, para que se vejam e se sintam
também protagonistas de sua história. Num lugar
marcado por privilégios culturais hegemônicos,
aprendemos a decorar e recontar sem ler, diversos
clássicos universais, exaltando e potencializando a
cultura europeia: Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho,
O patinho feio, Cinderela entre outros.
Assim, os encontros com os livros que me
remetem à história e culturas africanas vêm se
constituindo como parte integrante do meu ‘fazer-se’
professora. Sinto que tais histórias e contos deveriam
estar junto das histórias já existentes, na mesma
medida e proporção, mas isso é apenas uma pretensão
minha, pois educar para as relações raciais, requer
atuar por várias rotas, ousar trilhar vários caminhos
para além da escola.
Hoje podemos contar com a produção de livros
infantis e infanto-juvenis que trazem a história de
54
diversos reinos e povos africanos, que revelam uma
África múltipla e diversa, não reducionista a animais
ferozes, rituais tribais, à pobreza, às desigualdades,
tais como existem em todos os lugares do mundo,
fazendo-nos crer que sempre foi assim e assim será.
Como se nesses lugares não houvesse civilidade. Essas
outras publicações, diferentemente do que alguns se
acostumaram, mostram um continente rico e potente,
que tem neve, que tem castelos, que tem reis, rainhas,
tem encantos e magias, animais diversos, mas que,
sobretudo que tem uma história que não começou
agora, começou com o início da própria humanidade.
E assim, todos nós, quem sabe um dia possamos
constituir nossas bibliotecas e acervos, em nossas
mentes, tais como sabemos de cor os clássicos
europeus e podermos contar e recontar para as
próximas gerações outros contos, outras
possibilidades de ler a vida, de ler o mundo, dentro e
fora da escola.
55
POR QUE NÃO ESTOU NA ESCOLA?
Geanny Cistina Batista Pereira Leal
Lá estávamos nós, lembro-me da estrada de terra
batida, barro seco, onde o ônibus passava e levantava
uma grande cortina de poeira. Ah nós, eu, meu pai,
minha mãe mais 1,2,3 irmãos.
Saíamos de um barraquinho pequeno no Morro
do Borél na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro e senti
muito estranhamento em saber que iríamos nos
mudar dali para acolá, sei lá, Nova Iguaçu, município
da Baixada Fluminense. Sei estas localizações hoje,
antes só percebia que era longe, pois levávamos muito
tempo pra chegar. Achei tudo tão diferente, terra,
barro, bichos, até a água tinha gosto naquele lugar.
Quintal grande, casa grande, meu pai iniciou a
plantação, milho, manga... muita coisa diferente... e
naquele ano nada de escola.
Parecia que só eu não estudava naquela rua...rua
de muitas casas e muitas crianças...brincávamos até
tarde, com jogos de correr, pular, esconder e depois de
um tempo, beijar... Pera, uva, maça, salada mista...
nunca consegui a “bitoca” em quem desejava.
Depois de chorar, espernear, vi minha mãe
iniciando, o que posso chamar de, inserção ao paraíso,
fui matriculada.....
Não sei, e já explico o que não sei... após anos de
estudos e de falta deles, resolvi tentar o vestibular
para Pedagogia na UERJ. Corri na casa de minha mãe,
56
que ainda residia naquela rua, rua onde brincávamos
até tarde, e pedi que ela me ajudasse, procurando nas
caixas que abandonei quando casei, alguns
documentos, pois o que tinha em mãos não estava
correto. Faltava mencionar a 1ª série, só tinha a 2ª e
pelas minhas contas, nos idos de 76 eu já tinha 8 anos.
Ou seja, se estou com 8 na 2ª série o documento da
primeira deveria estar em algum lugar, separado, por
ter sido feito em outra escola talvez... Grande
surpresa, estudei na mesma escola os primeiros, que
deveriam ser quatro anos mas foram três, na mesma
escola. Bem, explicando o que não sei. “Mãe, por que
eu não estudo? Por que não estou na escola?”. Não
tenho resposta, ainda, mas foram cerca de um ano e
meio só brincando naquela rua até tarde.
Sempre quis ser professora? Minha infância
responde isso?
Em meio a tantas estripulias fora de casa, dentro
já tinha minhas atividades recreativas prediletas,
montar salas de aula com bonecas. Um quadro negro
de cerca de 40 cm de largura por 40 de altura foi me
presenteado por meu pai, veio com giz branco, mas eu
disse que precisava do colorido. Questão difícil prá
resolver, já que já éramos 6 irmãos e tudo ficou mais
difícil pra ser adquirido. Larguei a escola de bonecas
por falta de material. Lamentei e cheguei a pensar em
pedir que fosse feito um quadro na parede... não foi
possível também. Fim daquele sonho... início de
outros.
57
Sonhei passar os muros
Vida que segue, final do 1º grau, caminhada difícil,
faltava tudo, uniforme, que na época era comprado
pelos responsáveis dos alunos, falta de material, pelo
menos dos que desejávamos. Entrava na adolescência e
os conflitos com meu pai se acirravam. Não concordava
com nada que ele dizia ou impunha, na mesma
proporção ele discordava de tudo que eu solicitava e
desejava. “Vou ser enfermeira”, dizia eu, “guarda de
trânsito”.... Algumas amigas optaram, ao finalizar esta
fase, pelo magistério, no Instituto de Educação Rangel
Pestana, construção antiga no centro de Nova Iguaçu.
Como eu desejei transpor aqueles muros! Mas foi a única
grande decisão que consegui tomar na época, para
provar para meu pai que eu tinha poder decisório sobre
minha vida. Que momento mais errado pra provar que
eu tinha voz, dei um tiro no pé, no meu pé e não no dele.
Fui para escola de formação geral. Vinte sete anos se
passaram e eu estava exatamente onde deveria ter
passado, no Instituto de Educação! Depois deste evento
resolvi percorrer fazendo ou não o “gosto”, de seja lá
quem for, o caminho na e da educação. Transpus os
muros da UERJ Maracanã e depois do serviço público
como professora. Até hoje ainda tenho uma alegria, que
já se transformou em suaves sorrisos solitários nas
subidas das rampas dos Centros Integrados de Educação
Pública (CIEPs), ou um toque de vaidade quando
respondo a uma pergunta, quase afirmativa: “- É...
professora?”, “Sim, sou!”. Às vezes acho que deixo
transparecer esse envaidecimento... com muito orgulho.
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“ILARILARILARIÊ, EU JÁ SEI LER!!!”
Inês Ferreira de Souza Bragança
Aceitei com alegria e expectativa a proposta da
minha companheira de trabalho no Grupo Vozes da
Educação, Jacqueline dos Santos Morais, para
desenvolvimento do curso de extensão que
intitulamos Encontros de Pesquisa-Formação: A Escrita de
Narrativas Docentes, realizado, no segundo semestre de
2015, na Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ).
Os encontros reuniram professoras da educação básica
e cada uma de nós foi desafiada a escrever a narrativa
de uma experiência docente. Partilhamos oralmente,
no coletivo e em pequenos grupos, escrevemos e
refletimos sobre as potencialidades da escrita.
Minha narrativa retoma experiências instituintes
dos meus primeiros anos na docência...
Ao concluir o curso normal, no Instituto de
Educação Professor Ismael Coutinho, fiz um concurso
público para o Estado do Rio de Janeiro e, em março de
1988, estava na sala de aula como professora da Classe
de Alfabetização 1 (CA1), do Centro Integrado de
Educação Pública (CIEP), localizado no bairro do
Colubandê, em São Gonçalo. Cheia de sonhos,
expectativas, chorava todos os dias ao voltar para casa -
é que o “comportamento” da turma não correspondia
aos meus sonhos de estudante do Normal. Minha mãe
60
dizia: “Desiste, minha filha! Você não vai aguentar”.
Mas a menina que parecia frágil resistiu...
Um grupo de dezoito crianças em processo de
alfabetização: lindas, inteligentes, idades entre 7 e 9
anos – algumas já cansadas da escola. Escola de
horário integral em processo de desmonte, durante o
governo Moreira Franco.
Fui me fazendo professora, aprendendo com
Roni, Ercilene, Elizabeth – alunos-mestres;
aprendendo com a coordenadora pedagógica e com as
colegas que, de diferentes formas, me socorreram. Eles
foram aprendendo a ler, escrever, ensinar... No final
do ano, em um daqueles sagrados momentos de
“tomar leitura”, Lúcio saiu correndo pelo corredor:
“Ilarilarilariê, eu já sei ler!!!”.
Como professora dos anos iniciais, foram sete anos
consecutivos em sala de aula. Nos primeiros três, com
classes de alfabetização e, depois, com outros anos de
escolaridade. Nesse período, além do CIEP, trabalhei na
Escola Estadual Professor Francisco de Paula Achilles, no
bairro do Anaia Pequeno, também em São Gonçalo.
Escola de difícil acesso e com ares de escola rural. Nessa
segunda escola, atuei com turmas numerosas e de alunos
mais velhos, alguns já adolescentes na, então, 4a. série .
Vivemos juntos experiências que, para mim, foram
especialmente formativas: aulas-passeio pelo bairro,
desenvolvimento de projetos interdisciplinares e o desafio
de trabalhar com o livro didático adotado pela escola e
que, na época, 1992, era comprado pelas famílias. Ao
trazer à memória esse tempo das minhas primeiras
experiências docentes, vejo quanto a prática pedagógica e
61
o cotidiano das escolas vai sendo desenhado em
contornos sócio-históricos. Nesses sete anos, não tive
alunos(as) incluídos em minhas turmas (Onde eles
estavam? Em casa, afastados da escola? Em escolas
especiais?); não havia um programa nacional de livro
didático, os materiais eram comprados pelas famílias.
Hoje, quando estou nas escolas de São Gonçalo e
Niterói, com meus alunos da graduação em
Pedagogia, somos atravessados por muitos desafios e
tensões, mas vejo que o processo de municipalização e
as políticas públicas, das últimas décadas, trouxeram
mais recursos para as escolas: uniforme e material
entregues pelas Prefeituras no início do ano, materiais
didáticos, livros e jogos.
O que vivi como professora nos anos iniciais foi para
mim experiência no sentido proposto por Walter
Benjamin (1993), acontecimentos que me tocaram,
atravessaram, trans-formaram. Experiências formadoras
que se inscrevem na memória e retornam sempre
ressignificadas pela narração. A experiência, assim, não se
permite apreender pelo tempo linear, não se contabiliza,
não se traduz em: “quantos anos de experiência
profissional você tem?. Ela se multiplica em lógicas não
matemáticas, em fios e cores que se unem à tessitura dos
nossos saberes e modos de ser e estar no mundo.
Referências:
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e
política. São Paulo: Brasiliense, 1993.
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UMA CRIANÇA E O DESEJO POR UMA
CAIXA DE LÁPIS DE COR
Jacqueline de Fatima dos Santos Morais
- Minha mãe não deixa eu emprestar!
Foi assim que, aos 7 anos, tive meu primeiro
contato com o que seria, durante muitos anos, meu
grande desejo de consumo: uma caixa de lápis com 36
cores diferentes. Aquele objeto representava para mim
um verdadeiro luxo, muito distante das possibilidades
financeiras de minha família, moradora do subúrbio
do Rio de Janeiro, de poucas posses, mais preocupada
com o que teríamos para comer e beber, do que com a
estética de uma pintura escolar.
- Eu não vou estragar! Juro!
Eu dizia àquela menina palavras entrecortadas de
suspiro. Soltava sons titubeantes. Por fim, engasgava
com meu próprio dito. Mas apesar de meu empenho e
esforço, nada parecia tirá-la do território de poder que
se encontrava. Não haveria de me emprestar um lápis
de cor sequer. Aquela colega de turma possuía a chave
para minha felicidade mas não desejava compartilhar.
- Minha mãe briga comigo se eu emprestar.
Tentava inutilmente convencer a colega, sem
saber ao certo como, de meu cuidado e zelo. O olhar
de menina que se habituara a viver com cores
primárias, queria agora a beleza dos mil tons. Mas era
inútil.
64
- Diz para sua mãe comprar para você.
Eu blasfemava em silêncio contra a injustiça de
um destino que me havia reservado uma família
pobre. Derrotada, fui para meu lugar na sala de aula.
Sentei-me à carteira escolar, me conformando com as
cores que havia no meu pequeno estojo: seis lápis de
cor.
Diante do desenho que a professora nos havia
dado para colocar uma lágrima escorreu em minha
face. Não era apenas pelos lápis de cor que a vida
havia retirado o direito de possuir. Era também pela
solidão que me atravessava naquele momento.
Então, como saída de um antigo conto, se
aproxima uma fada a sussurrar:
- Toma essa caixa de lápis de cor. Pode usar. É
minha.
Ao meu lado, acompanhando aquela cena desde o
início, se encontrava a professora Lúcia. Eu era,
naquele momento, a pessoa mais feliz de todo o
mundo.
65
PARA ALÉM DE UM TELHADO AZUL
Jane Marchon Cordeiro Celestino
- “Saiu no jornal!” Disse uma amiga. Compro o
jornal e lá estava: Jane Marchon Cordeiro –
APROVADA. Ali mesmo na banca de jornal, tomei as
palavras de Cinderela e gritei: “É como um sonho que
se realiza!” Tinha esperado muito por aquele
resultado. Enfim, minha matrícula e a possibilidade de
retornar à escola pública onde estudei grande parte da
vida escolar.
Recebo o telegrama! Chega o dia da escolha e lá
vou eu com uma “listinha” de escolas, feita com o
auxílio de amigas e com alguns critérios: escola mais
próxima, perto da pista, “fácil acesso”...
Quando chegou o dia e horário marcados para a
escolha da escola, encontrei muitas professoras, todas
com o mesmo objetivo que o meu. Pareciam ter
xerocado a minha lista. Para minha desilusão e das
outras professoras, nenhuma escola da lista estava
relacionada para escolha. Sou a próxima. Chamam
meu nome. Sento e logo vem a pergunta: “Vai pra
onde?” A pergunta parecia ter me empurrado para o
mesmo buraco que Alice caiu em sua história.
- Não sei! Respondi.
A funcionária me apresentou uma lista, que não
passava nem perto da que idealizei.
- Você mora onde?
- Para você, o ideal são essas.
66
- Onde ficam estas escolas? Indaguei.
Em minutos, precisava fazer a escolha. Pelas
referências que me deram, optei pela escola que ficava
atrás da criação de avestruz. Esse lugar, eu conhecia,
pois quem passava pela estrada, não tinha como não
avistar as belas e exóticas aves. “É só saltar em frente”,
diziam as informantes.
Enfim, peguei o memorando. - É para lá que eu
vou! Volto para casa e planejo minha ida para
conhecer a escola no outro dia, pois como era período
de férias, a escola funcionava em meio período.
No dia seguinte, ao saltar no ponto da “criação de
avestruz”, comecei a procurar pela escola, que
“diziam” ficar logo atrás... muito atrás. Mas isso eu só
descobri ao caminhar “pela estrada afora”. Ao
caminhar, percebi que subia uma colina, lugar com
poucas casas, alguns sítios, mas nada de escola, da
escola de telhado azul. Perguntei a uma pequena
menina, que viria a ser minha aluna, onde havia uma
escola naquela rua. Ela simplesmente apontou e disse:
- Ali! Olhei e logo percebi que a escola não tinha
telhado azul, como as que tinha como referência. Não
ficava perto da pista, pois andei mais de 30 minutos
para chegar, mas... Subo mais um pouco e do alto da
colina, me deparo com uma das mais belas paisagens
que já vi, além de ser informada pela pequena menina,
que me acompanhou até a escola, que aquele lugar
chamava-se Bela Vista. Entendi o recado.
Respirei fundo, bati ao portão e logo veio Dona
Ana, senhora de andar miúdo, voz sussurrada que
atendia na secretaria. Quando entrei, era como se
67
estivesse entrando na escola da Tia Nastácia: uma
escola municipal do bairro onde morava, mas
conhecida por esse nome por Tia Nastácia ser a
diretora há muitos anos.
Nessa escola, vivi bons momentos e conheci uma
incrível professora, Maria Luiza, que me proporcionou
a construção de novos olhares. Um deles era a
valorização da escola pública. Como era coerente sua
fala! Como acreditava em nós, seus alunos! Ela fez a
diferença naquele lugar. Com ela, aprendemos a
trabalhar no coletivo, a reconhecer a escola como
espaço de ações que pudessem, por nós, serem
praticadas. Éramos parte da escola. Ali começavam
nossas relações de pertencimento.
Na escola que para nós já não era mais da Tia
Nastácia e sim nossa, havia três frondosas
amendoeiras, daquelas de montar um balanço, brincar
à sua sombra e quebrar amêndoas em busca de
coquinhos. E, nesse episódio, em Bela Vista, reencontro
as amendoeiras, na pequena escola da colina, que não
tinha telhado azul, mas nela havia muitas marcas, que
me faziam recordar a minha infância.
Além das amendoeiras, na escola havia
dependências muito simples e bem pequenas. Conheci
o espaço físico com Dona Ana e enfim entreguei-lhe o
memorando. Ao conversarmos um pouco, ela me
relatou sobre a turma da 1ª série complementar de 28
alunos. Com uma apresentação nada estimulante, a
partir de seu olhar, poderia já sair dali e não mais
voltar, porém eis que depois ela ainda me trouxe os
diários. Era a confirmação documentada e, em cores,
68
do que ela havia me contado. Praticamente era a maçã
da branca de neve de tão vermelho!
Voltei para casa e agora era aguardar o retorno
das aulas. Mediante a tudo que ouvi, muitos
questionamentos vieram durante aqueles dias, afinal
estava optando em sair da escola que trabalhava por
12 anos, como professora de Educação Infantil e
depois como Coordenadora Pedagógica. Era o porto
seguro! Aceitei aquela nova experiência desafiadora;
sabia ou imaginava os desafios que encontraria. Mas
eu queria! Mesmo com os relatos de D. Ana e o rubro
diário, eu escolhi voltar. Com dia e hora marcada fui
eu ao encontro das crianças que me aguardavam na
escola. Aguardavam?
Peguei dois ônibus, saltei no ponto da avestruz,
andei meia hora, subi a ladeira, entrei pelo portão e ao
chegar, encontrei no refeitório as mães dos alunos me
aguardando com a diretora. Afinal era a nova
professora da turma. Que momento! Me apresentei às
mães, falei de onde eu vinha, que bagagens trazia em
minha mala, e que propostas pretendia trazer para a
turma. Apresentações feitas, fui conhecer as crianças.
Finalmente entrei na sala, dei” boa tarde” e antes
que arriasse minha bolsa... instaurou-se o inquérito:
- Cadê a tia?
-Ela é a tiaaa!
-Ela é a tia? E a outra?
- Foi “expulsada”!
Em meio a tantas perguntas, percebi que as
crianças não sabiam que a mudança aconteceria após o
recesso. Deixei minha bolsa na mesa e fomos
69
conversar sobre a situação. Nos apresentamos, e ali
tivemos a primeira, de muitas outras conversas.
Dando continuidade ao nosso encontro propus às
crianças fazermos o registro da agenda do dia.
Expliquei a proposta da agenda, porque a faríamos
diariamente... Logo começou a confusão!
- Tia, que caderno?
- Caderno de quê?
Querendo resolver a situação disse com a voz
sobressaltada diante da confusão:
- Peguem o de Português!
E escuto:
- Hoje era Matemática! (os alunos tinham um
horário das disciplinas). Mas nem todos também
trouxeram o caderno de Matemática.
Respirei e disse:
- Perfeito! Hoje é o dia de usar o caderno que
quiserem.
- Qualquer um? Perguntaram desconfiados.
-Sim, o que mais gostarem! Respondi.
Acalmada a situação dos cadernos, começamos
enfim, a organizar a agenda do dia. Durante aquela,
que poderia ser para muitos uma atividade simples de
registro, observei que as crianças tinham cinco
cadernos, apresentavam dificuldades em se organizar
com eles durante o registro.
Meu primeiro encontro com aqueles pequenos,
revelava como o “muito” pode ser tão “pouco”, diante
das pistas dadas por eles; tinham tantos cadernos,
livros, horários de aula... precisavam muito mais do
que escolherem o caderno de que mais gostassem.
70
Nossa rota de trabalho precisava ser apontada para
outro destino, que fizesse mais sentido a todos.
Eu não tinha a receita, mas sabia que a escola de
Bela Vista, como a da minha infância, escondia uma
potência muito além das notas registradas nos diários
de classe, das pilhas de cadernos... e de um telhado
azul.
71
COMO ME FIZ PROFESSORA
Lenilda de Matos Pinheiro
Ser professora, não foi algo que aconteceu por
acaso em minha vida. Acredito que a docência
começou a fazer parte de mim, ainda nos primeiros
anos escolares. Alguns fatos marcaram a minha
trajetória escolar e foram fundamentais para que eu
escolhesse a profissão ou ela me escolhesse. A minha
primeira professora era minha tia, irmã de meu pai.
Isso aconteceu em meados dos anos 70 em um bairro
de zona rural no município de Saquarema. Quando
ninguém tratava a professora de tia, eu chamava a
professora de tia, por ser minha parenta. Concepção
que tomei conhecimento que existia na época da
Faculdade e que tinha o propósito de desvalorização
da professora, ideia esta, criticada por Paulo Freire e
que eu acatei em minha vida profissional. Como tinha
acesso a sua casa fora dos horários escolares, podia vê-
la preparando suas aulas e o capricho que tinha com o
material. As atividades e provas eram feitas uma a
uma, letra por letra, folha por folha. Encantava-me os
carimbos com as mais diversas figuras que utilizava
para que escrevêssemos o nome e realizássemos as
demais atividades, dentre elas a classificação dos tipos
de conjuntos. Não sei como ela conseguia organizar
tudo, já que dava aulas para quatro turmas em um
mesmo espaço. Não tinha mimeógrafo, aliás, acredito
que nem sabia que existia uma forma mais rápida de
72
fazer provas em tão pouco tempo. Imaginar que
existiria um computador com impressora que tornasse
a vida do professor mais fácil, era algo impossível
naquela época.
Essa experiência com a minha tia, ainda que com
pouca idade, fazia nascer em mim o interesse pela
profissão. Além disso, ela tinha carro, uma casa
melhor que a minha, tinha melhores roupas e na
minha concepção era fruto do trabalho como
professora. Meus pais trabalhavam na lavoura e a
minha vida era muito difícil, pois ainda que com a
mais tenra idade ajudava-os na colheita. Minha tia não
trabalhava na lavoura, porque dava aulas. Foi se
formando em mim a ideia que quem era professora
não precisava trabalhar na roça e ainda tinha melhores
condições sociais. Faltava em mim, porém a concepção
do papel que um professor exerce na sociedade.
Todavia, nem tudo era uma maravilha. Lembro-
me de alguns colegas ficando de castigo ajoelhado em
cima de caroço de milho. Eu nunca fiquei porque
minha mãe estudava comigo a tabuada. Tinha colegas
que diziam que a professora, por ser minha tia, nos
ensinava mais. O que eles não sabiam era que minha
mãe nos colocava para estudar todos os dias fazendo
uso de lamparina já que não tinha energia elétrica.
Registrei no plural porque a minha irmã mais velha
também fazia parte da turma. Havia várias séries na
sala. Era uma Escola que ficava nas terras do meu avô
paterno. Antigamente era assim, a pessoa fazia a
Escola e geralmente a esposa, uma filha ou outro
parente é quem dava aulas sem fazer exame de
73
seleção. Algumas pessoas nem tinha a formação
necessária, apenas um pouco de conhecimento e
conseguia. Minha mãe conta que quem ia ser a
professora era ela, mas meu avô usou a influência
política para colocar a filha.
Trazendo um pouco mais da memória do meu
primeiro ano escolar, recordo-me que tive a minha
primeira decepção. Era uma prática da minha tia ou
da pedagogia da época premiar/ recompensar os
alunos destaques. No caso em questão, aqueles que
tirassem a nota máxima. Embora eu fosse uma aluna
estudiosa, não consegui. Na prova de Matemática, eu
tirei noventa e oito e esse fato não deixou que
recebesse o tão sonhado prêmio. Minha irmã ganhou e
eu não. Como chorei. Não entendia que precisava tirar
100 nas quatro provas. O presente foi um cabide de
roupa com a figura de três patinhos em alto relevo na
cor coral.
No ano seguinte, a Escola foi desativada, pois a
prefeitura fez uma Escola nova, mas em outro local,
com várias salas, secretaria, banheiros. Por falar em
banheiro a Escola anterior não tinha banheiro. Quando
precisávamos, íamos ao mato ou plantações. A Escola
antiga era um salão grande com cadeiras, mesas e um
quadro-negro. Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo
com a mudança de Escola. Triste porque só os alunos
da primeira e segunda série, hoje segundo e terceiro
ano do Ensino Fundamental, é quem estudaria lá. Os
demais iriam para uma Escola Estadual e feliz porque
a minha tia não seria mais a minha professora, pois
tamanha era a decepção que a perda do presente havia
74
causado em mim. Todavia, a chegada à nova Escola
tirou toda mágoa que pudesse existir, uma notícia me
deixou em êxtase. Fui informada que minha
professora se chamava Lenilda. Poderia existir algo
mais encantador que ter a professora com o mesmo
nome que o meu? Para aquela criança sonhadora, não.
Minha vida como professora teve seu início em
1985, quando terminei o curso de Formação de
Professores. O dia da minha formatura foi muito
especial para mim. Receber o certificado das mãos da
diretora do Colégio e junto com ele um recado que
precisava falar comigo após o evento foi emocionante.
Confesso que fiquei muito curiosa, pois nem
imaginava do que se tratava. Não sabia se curtia a
festa ou se pensava no recado dado ao pé do ouvido.
Ao término da festa dirigi-me à diretora que me falou
com a voz meiga que eu tinha sido uma das alunas
que havia se destacado em minha turma e estava
sendo contratada pelo Colégio para assumir a terceira
série, hoje quarto ano do Ensino Fundamental. Nada
nesse mundo poderia me fazer mais feliz. Além de
estar conquistando um sonho que era tornar-me
professora, conseguia também naquele momento o
meu primeiro emprego.
Naquela época pensava que trabalharia por
muitos anos naquela instituição. Quem sabe a vida
inteira. Todavia, a experiência durou pouco. A minha
postura diante das questões pedagógicas e políticas
fizeram com que fosse desligada de minhas
atividades. Foi um choque muito grande para mim, tal
qual quando não recebi o prêmio das mãos de minha
75
tia. Via naquele momento as minhas ideias sendo
descartadas. Não porque elas não eram coerentes, mas
porque iam de encontro com a visão reducionista da
Escola e as convicções políticas-partidárias que ela
mantinha. Porém o que parecia o fim era o começo de
uma nova era. Decidi que nunca mais trabalharia em
escola particular e tão somente em Escola Pública
onde pudesse colocar na prática as ideias e realizar
atividades que contribuíssem para o crescimento dos
alunos.
Muitos pais dos meus alunos e de outras turmas
não entenderam a minha saída e como confiavam em
meu trabalho me contrataram para dar aulas
particulares para os seus filhos. Trabalhei como
professora particular durante 2 anos, deixando a
função porque prestei concurso sendo aprovada e
assim assumi as minhas primeiras turmas, turma esta
multisseriada que tinha características muito
semelhantes as da Escola que estudei a primeira série.
Começava ali a minha carreira profissional e cabia
somente a mim, ser uma profissional diferente de tudo
aquilo que me incomodava em minhas professoras e
em suas aulas.
Meus primeiros anos escolares como aluna e
como professora foram marcantes e contribuíram para
que determinassem que profissional seria. Aprendi
que professor precisa estudar ter formação adequada
para atuar no magistério, visto que precisa saber as
características de seus alunos, que castigos e punições
podem traumatizá-los, além de ser crime e com isso
contribuir para a evasão.
76
O Curso de Formação de Professores foi só o
começo de um longo período de estudos que persiste
até os dias atuais. Em 28 anos de magistério trabalhei
com diferentes séries, segmentos e disciplinas, assim
como em diversas funções. Fui Inspetora Escolar,
Orientadora Pedagógica, Orientadora Educacional,
gestora, visto que me formei em Pedagogia e em
Letras anos mais tarde. Todavia, uma situação
ocorrida logo nos primeiros anos de docência me
mostrou que ser professor é poder olhar além das
aparências. É acreditar no potencial do aluno
independentemente de nota, de classe social, de
religião. É saber respeitar as individualidades dos
alunos. É amar o que se faz.
Ao chegar recém concursada em uma escola fui
informada que tinha uma aluna da Alfabetização que
chorava muito, pois não queria estudar e por isso
mordia todo mundo que tentasse colocá-la em sala ou
que se aproximasse por qualquer outro motivo. A
princípio fiquei receosa, mas como trabalharia com a
Educação Infantil imaginei que dificilmente teria
contato com ela. Ledo engano. Em meu primeiro dia
de aula foi uma das primeiras crianças a encontrar no
pátio, porém recebi dela um sorriso. Amor à primeira
vista de ambas as partes. Esse acontecimento fez com
que a aluna passasse a frequentar a minha sala de aula
e não mais apresentasse tantos problemas. E o que fiz
foi alfabetizá-la, mesmo trabalhando com a Educação
Infantil. A escola havia criado todo um estereótipo em
torno da criança por ser negra, pobre, andar
constantemente suja, diferente das demais que não
77
possuía nenhuma das características apresentadas
acima, excluindo assim qualquer forma de contato. Na
verdade, Luciene, como era chamada, era uma criança
que precisava de atenção e de carinho. As atitudes da
menina ao morder eram para se defender do
preconceito que sofria dentro da escola.
As práticas realizadas pela minha primeira
professora também foram fundamentais para eu
pensar o meu fazer pedagógico. Nas várias situações
descritas vimos momentos de dedicação, prêmios,
castigos entre outras práticas. Assim, serviu para que
refletisse que profissional gostaria de ser. Seria uma
professora tradicional que apenas usasse o quadro de
giz ou que fizesse uso de diferentes materiais
pedagógicos? É claro que optei pela segunda
alternativa. Um professor deve acompanhar as
inovações tecnológicas de forma que suas aulas sejam
atraentes e despertem nos alunos o interesse por
aprender. Então sempre procurei planejar minhas
aulas me colocando no lugar deles, pensando como
gostariam que fossem as minhas aulas, se motivadas
ou não, refletindo qual era o melhor prêmio senão a
aprendizagem de todos e trabalhando com eles os
erros e acertos.
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I N Ê S U L
J A C Q U E L I N E
R O D R I G O C N
G U I L H E R M E I I
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G M A R I A
M E R C E D E S
T A M A R A
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J A N E O
Y C É L I A
B E A T R I Z
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T H A Y S S A
A N D R E A
P R I S C I L A
79
AO MESTRE COM CARINHO... UMA
SINGELA HOMENAGEM ÀS MINHAS
PROFESSORAS E FORMADORAS
Luicilia da Silva Cordeiro Souto
Dedico todo o meu processo de formação aos
meus professores, a começar por tia Elisa. Com seu
olhar atento, percebeu que aquela aluna que saía do
seu lugar para sentar-se à frente do quadro e copiar as
atividades tinha muito interesse em aprender, e a
encaminhou para a enfermeira da escola. A
enfermeira, então, a colocou na lista de um grupo de
crianças que faria o exame de vista. Com a autorização
dos responsáveis, a enfermeira levou as crianças de
“van” para fazer o exame, sendo diagnosticada a
miopia. Então, a Associação Fluminense de Educação
doou os primeiros óculos àquelas crianças que
apresentaram problemas relacionados à baixa visão,
devolvendo a elas a esperança e convencendo-as a
acreditarem que o problema não era desinteresse, e
sim uma questão de saúde que interferia na
aprendizagem. E dentre aquelas crianças, estava eu:
menina, franzina, mas com muita vontade de
aprender.
Lembro-me que foi ,em 1994, o Brasil conquistou
o tetracampeonato e eu também uma campeã, pois já
estava conseguindo aprender as primeiras de muitas
palavras. Uma dessas foi a palavra BRAHMA. Eu
80
fazia um esforço danado e lia BRANHA e não
entendia o porquê de as pessoas falarem BRAMA.
Então, minha finada tia Cacilda explicou que nem
tudo que se lê, se escreve.
Segui, com êxito, a minha trajetória escolar.
Minha família passou a sonhar com o futuro. Em 1998,
iniciei uma nova etapa da minha vida ao ingressar na
quinta série (hoje sexto ano do Ensino Fundamental)
no CIEP 434 Antonieta Campos da Paz. A dedicação
das minhas professoras me inspirou a seguir a carreira
no Magistério. A professora Rosa ficava indignada
quando alguns alunos referiam-se à escola com a
seguinte nomenclatura: “Brizolão”; ela, então,
retificava com a sua voz firme: “Não é Brizolão! É
Centro Integrado de Educação Pública!”. Durante a
realização das atividades, eu costumava colaborar
com os colegas, até que um dia a professora Rosa disse
que eu tinha jeito para professora.
Aquelas palavras estimularam em mim o grande
desejo de, um dia, tornar-me professora de Português
e Inglês, minhas disciplinas preferidas. Sentava-me à
mesa, de frente para a professora, pois queria muito
estar perto dela e indagá-la acerca de suas rotinas,já
que passei a sonhar em ter a vida delas, das minhas
professoras. Sonhava em cursar a faculdade de Letras
para lecionar Inglês.
Meu pai achou na rua um livro didático de Inglês,
e então passei a sonhar acordada; o quadro era a
parede da minha casa, os alunos eram invisíveis, e aos
poucos foram chegando as crianças da vizinhança
para participar da minha brincadeira. Eles se tornaram
81
meus alunos e levavam seus deveres de casa para
serem feitos. Quando minha mãe e minha avó
estavam de bom humor, faziam até bolo e suco para
oferecer a elas. Com o tempo, fui esquecendo a
brincadeira e aos poucos as crianças pararam de ir à
minha casa; algumas, porém, continuaram. Alguns
pais ou responsáveis das crianças passaram a me
procurar como explicadora, mas eu não cobrava e
recebia livros velhos; tenho um até hoje de capa
vermelha. E adivinha?! É um livro de Inglês. Cheguei
a pensar em doá-lo, mas desisti. Quem sabe um dia eu
ainda faço um curso de Inglês?
Meu processo de formação não terminou no
Curso Normal, até porque precisei interrompê-lo;
confesso que foi uma decepção ver meu sonho
escorrer das minhas mãos e acreditei que nunca mais
seria professora. No Instituto de Educação, eu havia
feito amigos e nos estágios pude vivenciar na prática o
meu sonho, mas aprendi que na vida tudo é
aprendizado e que os sonhos não morrem, e sim
adormecem. Em fevereiro de 2005, fui convidada a
trabalhar na escola que aprendi a ler e a escrever.
Comecei na secretaria da escola, e em pouco tempo fiz
um teste para assumir a turma da segunda série
(terceiro ano do Ensino Fundamental). Foi muito
desafiador, até porque eu ainda não era formada e tive
que retornar ao curso de Formação de Professores.
Como o curso era por módulos, eu poderia continuar
estudando na escola do bairro e concluir o Ensino
Médio.
82
Ao término do curso, notei que ainda era
necessário ampliar meu conhecimento e conquistar a
tão sonhada matrícula na rede pública de ensino. Foi
quando, em meados de 2007, ingressei no curso de
Pedagogia em uma instituição privada. Durante o
segundo período do curso, na disciplina de Iniciação
Científica II, a professora propôs que cada graduando
construísse um Memorial sobre a trajetória de vida,
formação e relatos da primeira pesquisa de campo.
Recordo-me que a maioria dos graduandos insistiu
para fazermos a pesquisa de campo na escola que
trabalhávamos, e ela, com todo seu jeito especial de
ser, nos orientou que deveríamos ter outro olhar sobre
as estruturas de funcionamento da Instituição de
Ensino; se interferia ou não nos processos de ensino e
aprendizagem. E sendo na escola que atuávamos,
iríamos olhar com o coração, e naquele momento era
necessário assumir uma postura de pesquisadora, só
assim refletiríamos sobre as práticas pedagógicas
cotidianas da escola.
A partir desse trabalho, passei a ter outra postura;
vi-me em confronto entre teoria e prática. Percebi o
quanto se fazia necessário um embasamento teórico,
mas como aplicá-lo, se parecia tão distante da minha
realidade? A faculdade nos levava a um exercício de
muitas leituras, reflexões, trabalhos, acrescidos das
avaliações, mas o que de fato eu buscava era uma
“receita” pronta de como encantar o aprendizado das
crianças. Compreendi, com a pesquisa, a ter um olhar
neutro acerca das realidades para melhor contribuir
com as práticas da escola e da minha própria atuação
83
docente, descobrindo também que não existem
fórmulas prontas, mas que a prática nos leva a
“aprimorar” as receitas já conhecidas.
No ano de 2011, conquistei a tão sonhada
matrícula pública; e mesmo trabalhando longe da
cidade em que residia, tive muito interesse em
participar das formações que a Equipe Técnico-
Pedagógica oferecia aos sábados. O curso era por
adesão e refletia sobre os processos educacionais da
criança; era um movimento de pesquisa-ação. Durante
as formações permanentes, construímos conhecimento
e compartilhamos nossas experiências.
As formações influenciaram meu olhar sobre a
prática na Educação Infantil, até que me interessei em
comprar uma câmera fotográfica para registrar todos
os trabalhos realizados, já que esse material ajudaria
significativamente no meu crescimento profissional,
tornando-me uma mediadora do processo ensino-
aprendizagem dessas crianças.
As observações iam além da escola, incluíam
família e comunidade, ensinando e aprendendo o
lúdico por meio da desconstrução dos brinquedos,
levando os alunos a olharem qualquer objeto como
objeto para brincar. Como exemplo, as crianças
utilizaram sacolas plásticas como pipas,
experimentando as sensações do vento, o que levou ao
problema do descarte do lixo e à preservação da água,
pois elas passaram a observar o destino das sacolas
pela comunidade, e com isso trabalhavam também a
cidadania. Em outro momento, ao brincarem no
escorrego e fazer a fila para aguardar a vez, a criança
84
também aprendia a ser cidadão, ao respeitar o direito
do outro e a esperar a sua vez.
Com a experiência profissional adquirida – e há
muito mais por vir – valorizo mais às professoras que
passaram em minha vida, que orientaram a ser o que
sou hoje, pois por meio das trocas de experiências,
principalmente nas formações, criamos laços fortes na
profissão e de amizade, passando a torcer uma pela
outra, já que estamos no mesmo barco com o mesmo
objetivo: melhorar a prática docente para atender com
qualidade as crianças da Educação Infantil.
Escutei uma frase de uma estagiária que passou
por minha sala, que muito me inspira a procurar
melhorar cada vez mais o meu trabalho: “Obrigada
pelo carinho e pela parceria. Se você mudar de escola,
me avise, pois seu trabalho contribuiu muito para o
meu estágio. Hoje tenho outra visão do que realmente
é Educação Infantil”. Parafraseando Paulo Freire,
também “criamos laços de amizade e
camaradagem...”.
85
VIVENDO O COTIDIANO DA ESCOLA:
ORA ALUNA, ORA PROFESSORA
Madeleine Pereira de Souza
Ser professor é antes de tudo, ser também aluno. Ser
uma professora agora, nesse momento de minha vida, é
ter que resgatar da memória um passado vivido por
mim, mas não qualquer passado, um passado escolar.
Revisitar esse passado é reviver momentos, amizades,
experiências, risos, lágrimas, vitórias, fracassos...
Confesso que é difícil esse "voltar atrás", porém
encontrei algo que me ajuda nessa retrospectiva: o MSN
de papel. Você não sabe o que é isso? O MSN é um
aplicativo na internet que se usa para se comunicar de
forma escrita (digitando) com outras pessoas
instantaneamente. Para aquela época esse era um grande
avanço e o início de uma evolução na vida de todos nós.
Por volta dos anos de 2006/07, cursava o Ensino
Médio no Colégio Estadual Machado de Assis (CEMA),
no Fonseca, em Niterói. Aliás, estudei lá do Ensino
Fundamental II até o Ensino Médio. Nessa época eu e
meus colegas que sentavam na mesma fileira (a
organização da sala era tradicionalmente em fileiras),
usávamos uma folha de caderno, que poderia ser de
qualquer um de nós e conversávamos através da escrita.
Essa folha circulava pela fileira e por ali podíamos
"falar", sem atrapalhar a aula, pois não se ouvia vozes e
sim o atrito entre a caneta e a folha de papel.
86
Nós encontramos essa forma de comunicação
naquele momento. Na época via apenas como uma
forma até divertida, (por que não?!), de conversar
bobagens com os colegas, uma conversa cotidiana de
adolescentes, que têm seus hormônios à flor da pele e
necessitam desse contato com o outro. Não percebia o
que significava aquele gesto de conversar através da
escrita. Hoje como professora, olho para trás e percebo
como era importante para nós esse diálogo. Penso que
talvez a escola não estava sendo atraente para nosso
grupo. Não havia entretenimento nas aulas e a saída
que encontrávamos era conversar.
Hoje ocupando o lugar de professora, percebo
nesse e em outros momentos de minha
infância/adolescência que a escrita se fez presente em
muitas de minhas brincadeiras. Aquelas conversas
escritas que na época eram bobagens, hoje viraram
uma ótima memória e mais: viraram história. Não as
deixei morrer como tantas outras que foram parar nas
lixeiras da escola. Ou outros momentos vividos na
escola, que por mim foram esquecidos. As poucas
folhas de conversa que guardo comigo, suscitam em
mim uma memória doce, alegre, quente e também me
fazem chorar de alegria por ter vivido esses momentos
(me referindo à história do Guilherme Augusto de
Araújo Fernandes). Lê-las me mostra como foram
importantes sim. Me mostra como vivi de forma
positiva a escola. Me mostra que muitas das amizades
feitas naquela época são vivas ainda hoje (agora temos
um grupo no Whatsapp). Me mostram como as
memórias são importantes para nos entendermos
87
como a pessoa que nos tornamos e mais, a professora
que nos construímos.
Houve um dia que a professora Lilian, de Língua
Portuguesa, participou também do MSN. Achei aquele
gesto incrível, ainda mais vindo dela, uma professora
que eu admirava e gostava muito e com quem fiz
amizade para além da escola. Essa era uma relação de
horizontalidade que admirava nela e em outros
professores que tive: uma relação de afeto, confiança...
É pensando assim que vivo minha prática como
professora de Educação Infantil, tentando ser aquela
que propicia um ambiente agradável, onde meus
pequenos se sintam bem. Muito me preocupa o que
eles pensam sobre mim.
Ainda pensando sobre a relação de afeto e confiança
que na Educação Infantil é de extrema importância,
recordo-me de um momento ocorrido esse ano (2015) em
minha turma de sete crianças com 5 anos de idade. Na
tarde do dia 23 de Setembro, após o lanche, percebi que
uma parte do chão estava com bastante farelo de biscoito
e isso não costuma acontecer. Resolvi perguntar quem
havia sujado. Fiz essa pergunta calmamente. Em minha
voz não expressava repressão. Algumas crianças
disseram que foi a Larissa, que se manteve calada,
olhando as coisas na lupa que estava na minha mesa.
Insisti e perguntei diretamente para a mesma e não
obtive resposta. Logo, os demais disseram que ela não
assumiu porque estava com vergonha. Realmente ela é
uma menina doce, sensível e que não costuma fazer
“coisas erradas”. Assim, a Kailany chegou perto dela e
disse: “Larissa, pode falar que foi você. A tia te ama” e
88
saiu com seu lindo sorriso nos lábios. Eu ouvindo isso,
também sorri e confirmei o que a colega falou: “Eu te
amo, Larrisa!”.
Após a tentativa de convencimento adotada pela
colega, usando da afetividade, a Larissa não assumiu a
sujeira no chão. Até desisti de obter a resposta, mas
esse pequeno instante me fez pensar sobre a imagem
que meus alunos têm de mim. A forma como eles me
enxergam, me preocupa. É a partir da fala deles, que
começo a pensar sobre a forma que eles me veem. Se
eu não tivesse a paciência de viver aquela experiência,
por exemplo, eu não saberia que pelo menos a Kailany
percebe o amor que tenho por eles. Tento manter uma
relação de amizade, afeto e confiança com eles, “uma
convivência amorosa” (FREIRE, pag. 7, 2002). Sim,
eles só têm cinco anos e eu mantenho uma relação
horizontal, onde aprendemos muitas coisas uns com
os outros e onde a afetividade “rola solta”.
Acredito que esses pequenos fatos do cotidiano que
vivi como aluna tempos atrás de alguma forma me
impulsionaram inconscientemente a ser hoje uma
docente. Momentos positivos vividos na escola são
marcas para toda uma vida. Assim também como os
negativos. Eu quero ser a professora que deixa marcas
em seus alunos, desde que essas sejam marcas positivas.
Referência Bibliográfica:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à
Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
89
BILHETE: GÊNERO TEXTUAL OU
MATERIALIZAÇÃO AFETIVA?
Maria Cecília Castro
Trazer à memória algo significativo sobre as
memórias da escola me faz refletir sobre o que
considero ser o mais importante neste espaço-tempo:
as relações humanas. Para materializá-las, selecionei o
bilhete de uma criança como possibilidade de reflexão.
Ryan, eis o nome do autor do “bilhete
desestabilizador”.
Através de um olhar generalizador, a escola é
muitas vezes descrita como um lugar de rotina,
repetição, disciplina e regras que restringem a
multiplicidade de sujeitos que a compõe. Entretanto,
não há repetição no cotidiano. Acredito que o bilhete
de Ryan pode nos dar “pistas” da escola como espaço-
tempo privilegiado de produção de diferentes
experiências.
Cada praticante dos cotidianos escolares traz
consigo encarnado suas “múltiplas redes de
subjetividade e significação” que fazem da escola um
lugar de trocas, convivências com as diferenças,
conflitos, negociações, negações, invisibilizações...é
um lugar privilegiado para o exercício da alteridade.
Minha experiência docente me faz acreditar que
educar é um ato de amor. Paulo Freire fez a defesa da
importância da compreensão desse processo a partir
90
de dimensão afetiva e, como toda relação que busca o
respeito e a legitimação do outro com as crianças, isso
não seria diferente. Elas facilmente percebem-se
respeitadas, valorizadas quando nossa prática
pedagógica é balizada por esses valores. Assim foi
com Ryan.
Ele representa a “criança difícil”, o briguento o
agressivo e os tantos outros adjetivos que utilizamos
em nossas conversas e conselhos de classe para definir
àqueles que não se encaixam nos padrões de “ aluno
ideal”.
Ao longo de 2014, perdi a conta de quantas vezes
fui dura com ele, separei brigas, levei para a
coordenação, chamei responsável e tantas outras
práticas de que lançamos mão quando acreditamos
que é importante e que vale a pena lutar.
Ao final do ano letivo, me despedi de toda a
turma do segundo ano e conversei com Ryan,
informando-o que ele iria para o terceiro ano porque
acreditava que ele era capaz e que agora só dependia
dele. E assim foi.
Atualmente, sou professora do primeiro ano e
durante o Dia dos Professores, a coordenação da
escola solicitou que os alunos escrevessem bilhetes
para suas respectivas professoras. Recebi alguns
bilhetes de meus alunos. Num determinado momento
do dia, olhei para a porta e vi uma ex-aluna do
segundo ano me chamando. Ela sinalizava que Ryan
queria me entregar algo. Ele veio, me entregou o
bilhete, virou-se de costas e correu pelo corredor. Li o
91
bilhete e me emocionei. Aliás, todas as vezes que leio,
isso acontece..
A escrita desse menino me revela muitas coisas:
sua habilidade de escrita, seus argumentos, mas
principalmente me fez ver o quanto foi para ele
importante e significativo tudo o que vivemos juntos.
Mas isso eu nem tinha me dado conta.
Num sexta feira, fui ao cinema assistir: Numa
escola em Havana, o personagem principal Chala me fez
lembrar Ryan. No filme, a professora de Chala investe
nesse menino que parecia ser a personificação do
fracasso escolar e, talvez, a certeza de um futuro
incerto ou de pouco promissor. Neste momento,
92
percebi o quanto nossas vidas são afetadas a partir das
experiências vividas e isso valeu para o bilhete de
Ryan.
A importância do ato de educar produz sentido
quando está atrelada a uma relação de respeito e
compromisso do outro como legítimo outro. Educar é
mais do que ensinar conhecimentos/conteúdos
escolares, é fazer com que esses conhecimentos criem
sentidos muito além da sala de aula.
93
MINHA HISTÓRIA DE PROFESSORA
Maria Celina Gonçalves Ferreira
Sou a professora Maria Celina e iniciei o ensino
básico com seis anos na E. M. Macêdo Soares no bairro
da Venda da Cruz, Niterói, no ano de 1961.
Guardo algumas imagens da escola primária, mas
muitos desses episódios não me trazem boas
recordações. Lembro-me de um deles. A professora
havia nos pedido para fazermos um desenho depois
que acabássemos a ficha de leitura, um desenho livre,
mas como sempre eu desenhava uma professora.
Lembro-me também da professora, em outro
episódio, ter escolhido alguns desenhos para
organizar uma exposição com os melhores trabalhos.
Não sei como meu trabalho foi um dos escolhidos,
pois sou péssima em desenho até hoje. Esse desenho
guardei por muitos anos, mas se perdeu no tempo.
Tenho também recordações que me marcaram de
outras formas, quando, por exemplo, fiquei de castigo
na secretaria, porque briguei com uma colega. Todos
os meses ,eu ganhava a medalha de primeiro lugar e
essa colega sempre ficava com o segundo lugar. Ela
me provocava sempre e puxava meus cabelos que
eram muito compridos. Um dia, não aguentei e
acabamos brigando.
Ao terminar o curso primário, fiz prova para
admissão ao Ginásio no Colégio Nilo Peçanha, no
Largo das Barradas, e passei. Nesse colégio, depois de
94
concluir o Curso Ginasial, fiz o Curso Normal, pois
era tudo o que eu sempre havia sonhado: ser
professora. Conclui o Curso Normal e fiz o 4º Ano
Pedagógico e, depois de formada, logo comecei a
trabalhar com uma turma de alfabetização e me
apaixonando ainda mais, pois vinha clara em minha
memória a minha professora alfabetizadora Dona
Rosimeire. Adorava quando chegava a minha vez de
ler a lição, sempre tirava 100 e ficava orgulhosa disso.
Durante muitos anos da minha prática pedagógica,
lecionei em turmas de alfabetização e fui me
envolvendo cada vez mais.
Muitos anos depois, fiz o vestibular para
Pedagogia na Faculdade de Formação de Professores
(FFP) Campos São Gonçalo. Ali tive como grande
incentivadora da minha prática a querida professora
Maria Tereza Goulart que era professora orientadora
de Classes de Alfabetização e muito me incentivou na
prática pedagógica de professora alfabetizadora.
Fiz parte da turma de formandos de 2000. Na época,
ainda trabalhava na rede particular, e ao olhar para trás e
pude refletir sobre a profissional que era e a que me
tornei. Achei que já sabia muito, mas o nosso alfabetizar
é contínuo e aprendi muito na prática, agora já
vivenciando outra realidade, a Escola Pública, pois havia
feito concurso para vários municípios e passei para São
Gonçalo e Maricá, onde leciono até hoje. Senti uma
grande diferença, pois são realidades completamente
diferentes. Mas aprendi muito e rapidamente.
Depois tive a oportunidade de fazer vários cursos
de especialização oferecidos pela rede sempre na área
95
de alfabetização e o curso que mais marcou a minha
prática foi o Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores - PROFA. Comecei a ter uma visão
muito mais ampla e significativa do que era ser uma
professora alfabetizadora; cada encontro era uma nova
descoberta e eu ficava ansiosa para saber qual seria o
tema abordado na próxima aula. Tudo mudou
inclusive o preenchimento do diário, estava me
deleitando com as novas vivências; o curso teve
duração de cento e oitenta horas e eu não faltei a aula
alguma, tão grande era a minha ansiedade em
aprender cada vez mais.
E é sempre perseguindo esse aprendizado que
continuo na busca incessante de me tornar uma
profissional mais reflexiva da minha prática.
Atualmente estou fazendo mais um curso de
Alfabetização: O Programa Nacional de Alfabetização
na Idade Certa PNAIC, e vivendo mais experiências e
trocas muito significativas com as colegas do curso.
Confesso que não me lembro de muitas coisas,
por vezes tento lembrar- me, mas não consigo. Penso
que por isso essas memórias foram de certa forma as
que me marcaram mais.
Para finalizar gostaria de registrar que espero
concluir este Curso de Extensão - Encontros de
Pesquisa-Formação: A Escrita de narrativas Docentes -
com uma bagagem maior e mais motivadora para
minha prática de professora alfabetizadora, pois ainda
espero mais de mim: cursar o Mestrado e tornar-me
uma professora mestra em alfabetização.
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MEMÓRIAS DE ITATIAIA:
HISTÓRIAS QUE ME CONSTITUEM
PROFISSIONALMENTE
Mercedes França Ramos
Fui presenteada pela lembrança do dia da
assinatura do meu termo de posse na Prefeitura de
Itatiaia. Com essa lembrança, vieram à tona todos os
laços de afeto que foram construídos e as experiências
profissionais ali vividas.
Escrever sobre esse objeto que me é tão
significativo, gera uma reflexão sobre a minha
trajetória profissional e pessoal, e me faz entender o
que me leva a percorrer em média 150 quilômetros até
aqui todas as quintas-feiras para participar do curso
de Extensão sobre Narrativas Docentes, da FFP-UERJ,
São Gonçalo. Desde o início da minha trajetória
profissional, a inquietação me moveu na busca de
respostas, ou até mesmo no surgimento de outras
inquietações que a partir do outro vão borbulhando
em mim. A docência é um campo fértil de desafios
que nos atravessam diariamente.
Mas retomando ao termo de posse, lembro-me
perfeitamente desse dia. Estava no momento da
assinatura eu e uma professora chamada Ana Paula
que conheci ali. Um funcionário da administração
perguntou-nos quais eram os bens que tínhamos em
nosso nome. Na ocasião, o que tínhamos em nosso
98
nome era apenas um celular, recordo que rimos muito
de falar o que tínhamos e o quanto nos sentimos
pobres naquela situação.
Depois de atestarmos nossa falta de bens e assinar
o nosso termo de posse, fomos informadas de que
começaríamos naquele dia e poderíamos nos conduzir
às unidades escolares escolhidas, porque as turmas
estavam a nossa espera. Confesso que senti dores na
barriga e um medo muito grande.
Quando chegamos à escola, fomos recebidas pela
Orientadora Pedagógica que pouco conversou
conosco devido ao tempo corrido e pelo fato de ass
turmas estarem sem professor, a nossa espera. Ela
caminhou conosco pelo pátio e, como a sala que eu
ficaria era a primeira, colocou-me gentilmente dentro
e disse: "Essa é sua turma. Boa aula professora." E foi
rapidamente fechando a porta. A minha vontade foi
chamá-la, mas quando olhei para dentro da sala de
verdade me deparei com aquelas crianças me olhando,
sabe aquele olhar de criança que questiona sem nada
dizer. Então, era esse olhar que eu estava recebendo
de, no mínimo, vinte alunos. Eu também comecei a
olhá-los, mas o meu olhar refletia a tensão de não
saber o que fazer. Eu travava uma conversa comigo
mesma, um monólogo desesperador: "O que fazer
Mercedes? Como se faz?" E na hora veio à memória a
minha infância, e quantas memórias são, pois fui uma
criança bem criança, aprontei todas, e lembrei que
adorava os versinhos que minha mãe me falava e
declamei um sem nada antes dizer:
Sol e chuva casamento de viúva.
99
Chuva e sol casamento de espanhol.
Lembro-me das risadas e imagino que aquelas
crianças devem ter me achado bem maluca, pois sem
querer temos uma ideia do que é uma boa professora,
e uma pessoa que se diz ser professora. Começar uma
aula sem nada falar, nem mesmo se apresentar e sair
declamando versinho, não deveria ser considerada
nada normal.
Depois desse impacto inicial, a conversa entre nós
foi fluindo com certa naturalidade. Falamos sobre
tomar banho de chuva, do quanto é refrescante, se eles
gostavam, de quanto é gostoso a folia que fazemos
com os amigos. Não me recordo detalhadamente de
outras atividades realizadas a partir do versinho. Mas
o que ficou na memória foi a ludicidade envolvida no
prazer de se falar sobre tomar banho de chuva na
infância e recitar aquele versinho repetidamente.
Sinto que nasci como professora naquela sala de
aula e o engraçado é que eu já lecionava em outro
município há algum tempo, mas foi ali que algo tão
significativo teve a força de ter me marcado. Nossos
olhares se cruzaram naquele momento e,
verdadeiramente, se encontraram.
Escrevendo essa memória sou levada a pensar se
eu não fosse pega de surpresa na assinatura do termo
de posse, talvez tudo fosse bem diferente; talvez a
formalidade didática falaria mais alto e eu fosse para
aquele momento com os meus deveres e a nossa
trajetória não fosse nascida de uma forma tão
prazerosa, tão significativa e nossos olhares
100
necessitariam se cruzar mais vezes para realmente se
encontrar.
Mas como toda relação pedagógica entre aluno e
professor, há o dia a dia como desafio a ser
conquistado, o desejo de não me tornar o mais do
mesmo jeito é o que me mexia, é o que me deixava
com os nervos à flor da pele, o pensamento em
ebulição.
Os meus alunos me desafiavam, porque as coisas
aconteciam e eu não tinha respostas, me sentia tão
vazia, tão necessitada e a biblioteca da faculdade foi
meu lugar preferido e necessário, ou, necessário e
preferido, pois a ausência e os desafios me levaram
àquele lugar.
Nessa busca, me encontrei com Emília Ferreiro.
No começo da leitura, eu não entendia nada daquele
livro que eu sentia ser a resposta para os desafios que
a sala de aula me colocava, a tal Psicogênese da
Língua Escrita. Aos poucos, foi entrando na minha
cabeça, todos os dias eu lia, tentava decifrar o que
dizia e relacionar com o que eu vivia.
Na minha sala de aula tinha uma aluna que não
me lembro o nome, só me recordo dos seus cabelos
lisos, pretos e longos que nas atividades que eu
propunha parecia desaprender. As atividades
propostas por mim eram sempre de escrita
espontânea, a partir das histórias que eu contava a eles
no início da aula. Lembro-me de que nós
conversávamos sobre elas, escrevíamos no quadro o
nome dos personagens. Eu dizia sempre a eles que
esquecia as letras e eles precisariam me ajudar na
101
escrita das palavras e,com isso, se sentiam
importantes. Mas a minha aluna nas suas atividades
de escrita mostrava-me palavras sempre
ortograficamente incorretas, parecia estar sempre
comendo letras.
A mãe da aluna que acompanhava de perto as
atividades foi me procurar sem entender o que
acontecia, pois anteriormente a filha acertava os
deveres e, ali mesmo na porta da sala, começou a me
questionar, porque ela estava errando tanto. Eu disse a
ela que fazia parte e que ao final do ano sua filha leria
e escreveria corretamente. Eu dei a resposta que com
certeza acalentou o coração da mãe, mas eu mesma
não tinha certeza de nada. Será que ela realmente
aprenderia? Pararia de engolir as letras?
Essa situação e as demais que me desafiavam,
geravam um sentimento de incapacidade, me sentia
um zero à esquerda, uma professorinha de meia tigela,
mesmo sabendo que era uma professora iniciante.
Outros alunos escreviam corretamente, mas ainda
não conseguiam ler. Para tentar resolver a situação eu
e Ana Paula trocávamos de sala, porque os alunos
dela liam e não escreviam e os meus apesar da
“comilança das letras” apresentavam melhor
rendimento. As crianças achavam um barato, porque
ter duas professoras era novidade, mas essa situação
me fez praticamente abandonar as aulas na faculdade
e morar na biblioteca da SOBEU. Descia onde ficavam
os livros e num cantinho lia, escrevia, pensava e aos
poucos começava a entender os processos de
construção da escrita, compreender que meus alunos
102
não comiam letras, mas passavam por um processo de
construção e eu precisava proporcionar a reflexão
sobre esse processo..
Escrever, ler, ouvir histórias foram o meu
caminho para que eles pudessem compreender o que
para mim era tão normal. As buscas foram constantes
e cada vez mais necessárias. Nossos momentos de
aprendizagem eram sempre em mão dupla e sem
clichê. Com isso, aprendi muito mais com eles, pois
me tiraram de uma zona de conforto que achava ter
com o meu curso normal e o início da minha
faculdade de Pedagogia.
E aqui estou concluindo, sem dar por acabadas,
minhas memórias, remetendo a episódios de há
quinze anos, mas que, apesar desse tempo decorrido,
continuam tão frescas como a aula que ministrei hoje.
Os desafios se renovam, as respostas de ontem nem
sempre cabem nas necessidades de hoje e assim o
movimento da busca se torna real e constante em
minha vida, como um tecer e destecer dos fios da
minha prática pedagógica.
103
APRENDIZAGENS!
Priscila Bernardo Nepromucena
Diante da proposta de trazer à memória um
objeto que lembrasse minha prática docente, não tive
dúvidas: o caderno! Sempre tive um bom
relacionamento com esse item escolar. Gostava de
mantê-los sempre enfeitados, usando canetas
coloridas, figurinhas... Eram meus companheiros! Para
mim, sempre foi tarefa difícil ter que me despedir
deles ao término do ano letivo. Apesar do entusiasmo
ao receber cadernos novos, queria guardar os antigos.
Mas, como não era tarefa fácil driblar as faxinas
periódicas realizadas por minha mãe, acabava por me
contentar com os novos companheiros de jornada. Só
que, nesse jogo de esconde-esconde, um dos cadernos
ficou esquecido num canto qualquer, em meio às
traquinagens de menina.
Os anos se passaram e os caprichos da infância
cederam lugar às responsabilidades da vida adulta.
Certa vez, numa faxina rotineira realizada por mim,
encontrei o caderno. Quantas lembranças boas! Em
suas páginas havia o registro de minha atividade
preferida na infância: brincar de escolinha! Folheá-lo
fez- me recordar alguns momentos dessa brincadeira;
Lembrei-me de que, no início de minha carreira como
menina-professora, tinha como alunos meus primos e
vizinhos, mas esses logo se chatearam com a
104
brincadeira em que eu, incontestavelmente, seria a
professora.
Diante do abandono, recorri aos amigos
imaginários e as bonecas com quem passava horas do
dia brincando. Nesse caderno, chamou-me a atenção
às semelhanças com os cadernos de planejamento de
aulas que usava em minha prática docente: lista de
chamada com o nome dos alunos escrita em ordem
alfabética; planejamento de atividades; planejamento
de datas comemorativas... Escrito ali estava o registro
de minhas primeiras lições de didática no curso de
formação de professores da vida. Estar na escola como
aluna e observar a ação docente construía minha
identidade de professora.
Diverti-me ao recordar que as atividades que eu
propunha a esses alunos imaginários, obviamente,
eram realizadas por mim. Imagino que isso tenha sido
bem trabalhoso, já que em meu “diário de classe” eu
tinha um aluno para cada letra do alfabeto. Eram vinte
e três alunos (as letras k- w-y não haviam sido
incorporadas ao nosso alfabeto). O único recurso de
que eu dispunha para fazer cópias de atividades eram
algumas folhas usadas de carbex, das quais ainda
posso recordar do cheiro e as mãos e roupas tingidas
de roxo!
Nesse exercício de rememorar o passado por meio
da leitura do caderno, intrigou-me lembrar que na
realização das atividades, quando a menina deixava a
função de professora e assumia o papel do aluno
realizando as tarefas no/do lugar deles, os alunos
classificados como os mais inteligentes acertavam
105
sempre. Para esses, não havia a possibilidade do erro e
era deles toda minha afeição. Ao contrário, não havia
a possibilidade de acerto àqueles eleitos, menos
favorecidos cognitivamente. Na imaginação da
menina-professora, era atribuído a esses últimos um
comportamento inadequado e total falta de
afetividade na relação com a professora, não sendo
permitida a eles nenhuma possibilidade de avanços.
Reler o caderno da infância proporcionou-me uma
viagem no tempo, sem pressa, sem linearidade. Nas
idas e vindas dessa viagem, onde os mais diversos
sentimentos são despertados, algumas reflexões/
constatações foram surgindo. Na tessitura da trama,
histórias foram se entrelaçando, ganhando sentidos
antes não observados. E uma dessas histórias que
atravessaram minha trajetória recorda-me de uma
experiência vivida num momento diferente do que já
foi relatado anteriormente. Um momento em que a
menina-professora não mais estava em cena, embora de
alguma maneira estivesse presente dando-me a mão.
Cursava o 2º ano do magistério, quando fui
apresentada à professora regente de uma turma de 3º
ano na qual eu deveria estagiar por duas semanas.
Após calorosa recepção, a professora apontou para o
fundo da sala em direção a um aluno e orientou-me:
-Está vendo aquele menino ali? Não sabe nada,
não quer fazer nada, não copia do quadro, não
aprende, apenas faz bagunça. Sente- se sempre perto
dele e faça-o ficar quieto; ele atrapalha a
aprendizagem dos outros.
106
Caminhei lenta e temerosamente até o fundo da
sala, a missão recebida parecia acrescentar-me ao corpo
alguns quilos a mais e dificultar minha chegada ao
destino. Cheguei! Lá estava Carlos! Sentei-me próximo
do menino que me recebeu com um olhar de lado,
parecia desconfiado. Sorri para ele: um sorriso pouco
amistoso, confesso. Fazer o menino mais rebelde da
turma se comportar adequadamente na aula era para
mim um desafio e tanto e isso me deixava numa
situação nada confortável. O que fazer? Será que
parecer séria e rude atribuiria a mim a autoridade de
que tanto necessitava naquele momento?
Acredito que, numa ação inconsciente, eu tenha
sido orientada pela menina-professora e sua
experiência com os alunos imaginários. Segui séria e
exigente ao lado de Carlos. Naquele dia, o menino
permaneceu quieto, talvez tenha ficado inibido com
minha presença. E a cada novo dia, a expectativa era
de que a rebeldia dele se manifestasse. Nada! Tudo
seguia bem em relação ao comportamento do menino,
sentia-me orgulhosa por poder cumprir a missão que
a mim havia sido confiada.
O período do meu estágio estava chegando ao fim
e àquela altura já não temia mais uma possível reação
agressiva de Carlos; tudo estava sob controle! Certo
dia, a professora dava uma aula de Ciências e estavam
todos os alunos com livro aberto na página que ela
determinara. A aula seria sobre animais invertebrados
e o livro trazia alguns exemplos ilustrados desses
animais. A professora explicava a matéria e a turma
correspondia, respondendo brilhantemente, de acordo
107
com os exemplos apresentados no livro. Eu
acompanhava entusiasmada o desempenho da turma.
Estava maravilhada com o brilhantismo daqueles
alunos! De repente, fui interrompida por Carlos que
timidamente me perguntou:
-Tia, então, gongolo é um animal invertebrado,
não é?
Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo!
Desconfiada, folheei o livro de Ciências para ver se
havia alguma menção ao animal citado por Carlos.
Nada! Indaguei-o, a fim de compreender como ele
sabia dessa informação. Diante de minha
perplexidade, o menino explicou que em sua casa
havia muitos desses bichinhos e que gostava de
brincar com eles. Naquele momento a concepção de
aprendizagem sustentada pela menina-professora foi
confrontada: Carlos sabia! Um produtor de
conhecimento; foi além dos exemplos do livro
didático, pois fez relação entre o conteúdo aplicado
em sala de aula e as experiências vividas fora do
contexto escolar.
A experiência que vivi com Carlos me permitiu
desconstruir ideias e me proporcionou a possibilidade
de ver sob outra ótica a situação de alunos com
dificuldades de aprendizagem. Há saberes mesmo
naqueles em que o “erro” é frequente. No trajeto do
erro, também se constrói o saber. Até hoje recordo
com afeição o aluno real que me trouxe uma das mais
importantes lições que recebi até agora no caminho
em busca de minha formação profissional.
108
L
I N Ê S U L
J A C Q U E L I N E
R O D R I G O C N
G U I L H E R M E I I
T L L
A D R I A N A I D
V I V I A N E A A
G M A R I A
M E R C E D E S
T A M A R A
N M A D E L E I N E
J A N E O
Y C É L I A
B E A T R I Z
A N A
T H A Y S S A
A N D R E A
P R I S C I L A
109
PEDACINHOS DE GIZ
Tamara Gomes
Não escolhi ser professora. Ser professora me
escolheu. Ao pensar naquilo que me remete à
memória docente, lembro-me logo de um giz. Esse
objeto me acompanhou ao longo dos anos em que me
preparava para ser professora. Sempre gostei muito de
ser a professora da escolinha da rua. Mandona, meus
alunos me obedeciam: faziam o dever ou ficavam de
castigo. Na época, escrevia em um quadro negro bem
pequeno e com pedacinhos de giz que pedia na escola
para brincar com meus amigos.
Os anos se passaram e o “ser professora” foi se
tornando mais concreto. Recordo que pedi a meu tio
para pendurar meu quadro negro na parede para que
eu pudesse dar aulas. Com os mesmos pedacinhos de
giz ajudava as crianças menores com as tarefas de
casa. Até ganhava algum dinheiro com isso. O giz
estava sempre lá: eu só não me dava conta disso.
Cheguei ao ensino médio. Tinha um professor de
História que insistia que eu deveria me formar como
advogada. Ele dizia que eu tinha ‘pulso’ para o
Direito. Minha família sempre me deu liberdade para
escolher minha profissão, apesar do meu pai deixar
claro que seu sonho era me ver servindo à Marinha.
No meio daquele tumulto, estava eu, que na verdade
não tinha a menor ideia do que estudar. Nem ao
menos sabia se queria estudar algo.
110
Concluí o Ensino Médio. Era hora de decidir.
Tinha tentado vestibular para ser historiadora, sem
sucesso. Então, surgiu a oportunidade de trabalhar
como professora de inglês no C.E. Caminho do Sabe,
uma escola de bairro. Eu queria ter experiência. Seria
bom ganhar algum dinheiro. Então, aceitei a proposta.
No meio tempo eu decidiria o que fazer da vida.
Recordo meu primeiro dia. Tinha dezoito anos de
idade. Nenhuma experiência. Quando a professora
regente me deixou com a turma, meu coração quase
saiu pela boca. Havia pelo menos doze alunos, mas na
minha visão, eles pareciam cinquenta.
A primeira folhinha, rodada no mimeógrafo com
muito esforço, era sobre frutas em inglês. Peguei um
giz e comecei a desenhar as frutas no quadro - quadro
bem maior do que aquele no qual eu ministrava
minhas “aulas”. Enquanto as crianças conversavam
aos berros atrás de mim, fui desenhando. Elas
começaram a ficar atentas. Ao escrever as palavras em
inglês, aos poucos foi se fazendo silêncio. Aquela era a
primeira vez que as crianças tinham contato com
aquela língua estrangeira.
Li, então, as palavras, uma a uma. Os olhos deles
me acompanharam com um brilho diferente. Ainda
guardo na memória os rostinhos de curiosidade e de
como eu achava tudo aquilo muito engraçado. Eu, que
tinha acabado de deixar a escola, ensinando alguma
coisa para alguém. Naquela época eu gostava muito
de vestir roupas pretas. Não foi diferente naquele dia.
As horas se passaram tão rápido, as experiências
foram tão intensas, que ao final do dia, quando parei
111
para me olhar, percebi que minha roupa e mãos
estavam todas “brancas” de pó de giz. A diretora da
escola até brincou sobre o quanto eu tinha trabalhado.
A partir daquele dia, descobri que poderia fazer
aquilo por toda a minha vida: ensinar, ver olhinhos
curiosos, voltar para casa suja de giz. Ao final penso
que não escolhi minha profissão, foi ela que me
escolheu. Há momentos em que sinto saudades de
estar suja de giz e trazer à memória tudo o que
aprendi e que definitivamente me tornou a professora
que sou hoje.
Que professora sou? Na verdade ainda não sei.
Apenas sei que a cada momento me torno uma
professora diferente: relaxada, engraçada, rígida.
Depende da dinâmica na minha sala de aula. O que
tenho certeza é que tento ser sempre a melhor
professora que posso ser. O saber da vida me trouxe
até aqui. As experiências que me atravessaram, e me
atravessam, me fazem rever meus conceitos, minhas
atitudes, redimensionar minha prática.
Não há definição que dê conta do que é ser
professora. Ser docente é ser humano. Como humano,
ter direito de errar, acertar e mudar. A riqueza das
coisas que acontecem no dia a dia me faz repensar
meu lugar, minha posição. Me faz lembrar aquele giz
que deu início à construção de quem sou: docente e
humana.
Sou professora que já sofreu opressão por gostar
do que faço e levar atividades diferenciadas. Sou
professora que constrói experiências valiosas na
dinâmica com os alunos. Sou professora que já pensou
112
em desistir, sucumbir ao sistema, mas que ergueu a
cabeça e tomou uma decisão: enquanto ensinar mexer
comigo, estarei na sala de aula, limpando minhas
mãos sujas de giz.
Sou professora. Na verdade sou a teacher. Sou a
teacher que recebe sorrisos, dá muitas risadas, arranca
risadas e compartilha conhecimento. Sou a teacher que
fala uma língua que ninguém entende, mas que se faz
entender através do amor e dedicação por tudo o que
faz.
Retomo há um momento em que trabalhava com
Educação Infantil e me vesti de fada para dar aula.
Muitos passavam e me olhavam pela janela com
estranhamento. Numa oportunidade fui à sala do
diretor e ele me disse que eu era uma artista.
Concordo, sou artista sim. Todos os dias saio de casa
para fazer arte, para ser artesã do mundo. Vivo a arte
de compartilhar, construir, descontruir, transformar.
Trabalhar em uma escola pequena, com quadro
de giz, foi o maior aprendizado que já tive na vida.
Errei muito, acertei algumas vezes. Ainda hoje, sinto
vontade de voltar àquele caminho, onde pude
perceber que sempre gostei de ensinar e que devo
tudo àquele quadro de giz.
113
VIVENDO O QUE ALMEJO VIVER
Thayssa Nascimento
Estava tão ansiosa para o primeiro dia de estágio,
cheia de expectativas dentro de mim. Pensava, será
que vou me empolgar mais com a educação? Será que
irei gostar dessa escola ou irei me frustrar?
Enfim chegou o primeiro dia; cheguei lá no Colégio
Ernani Faria e uma inspetora direcionou-me e a Tati
(minha companheira de estágio) à professora Marcia,
professora da turma 101, a turma que nós ficaríamos.
Na fila para subir para sala, as crianças me olhavam
e olhavam para Tati com um olhar um tanto que
intimidador e, ao mesmo tempo, um tanto que
desdenhoso. E em meio ao piscar de olhos, a ação
começou.
Ao subir as escadas, houve uma briga feia entre o
Lucas e o Pedro; parecia briga de gente grande com
muitos socos fortes, chutes, ameaças. A professora
separando e eu estateladamente assustada pensando:
O que está acontecendo aqui? Pensando comigo
mesmo: Começamos bem!
Na sala de aula, fomos apresentadas às crianças e
a professora foi contando um pouco do histórico de
cada uma. Uma história pior que a outra, a maioria
marcada por problemas de família, abandono, drogas,
sexo e eu ouvindo todas aquelas histórias apenas
pensava, são crianças de 6 a 9 anos e que deveriam
está aprendendo a ler e a escrever.
114
Mas essas crianças já possuíam uma vida e
carregavam pesos muito grandes para a idade delas.
Nesse momento, uma lição que aprendi com a
professora Marcia: não se envolva demais com os
problemas delas.
Nenhuma das minhas crianças tinha família
estruturada, quase todas o tempo que tinham para
brincar era na escola, e o dever de casa não era
realizado pela maioria. Difícil produzir um diálogo
entre família e escola!
Mas o que percebi, durante o estágio, foi o fato de
que aquelas minhas crianças precisavam ser amadas e
se sentirem amadas. Precisavam saber que eram e
seriam amadas independentemente de acertos e erros.
E foi isso que tentei fazer, demonstrar meu amor,
observando as coisas que estudei na universidade
acontecendo ao vivo e me posicionando perante elas.
Dessa forma, os dias iam passando e um
relacionamento com a turma ia se construindo.
Uma das coisas que mais me surpreendeu, foi que
de tanto ouvir:” Essas crianças não querem nada e não
tem jeito”, “Não sei como Marcia aguenta” e ai Marcia
me falava: “Eles têm problemas, mas são bons!, mas
toda vez que eu chegava à sala, eles começavam: “tia,
me ajuda; tia, ajuda eu aqui!!”; ”Vem tia, me ensina!!!!
E o que eu via é que as crianças que nada queriam,
estavam com sede de aprender. O Lucas era uma
criança incrível, adorava brincar com os amigos,
aprontar, mas era eu entrar na sala e sentar que ele
vinha e me puxava pela mão e dizia: Tia, me ensina
não consigo sozinho! E eu ia com o maior prazer
115
ajudá-lo. Ele sabia fazer muitas coisas, mas no fundo
apenas queria alguém perto para ver se estava indo
bem.
O Junior foi um dos alunos que me proporcionou
uma coisa única e impagável. A professora Márcia
havia lido um livrinho para os alunos e pediu que
fizessem um desenho sobre a história e colocassem seus
nomes. Entretanto, o Junior não sabia escrever seu
nome, e ele veio até a mim e disse: ”eu não consigo” e
eu perguntei: ”o que não consegue fazer?” e ele
cabisbaixo respondeu: ”meu nome, tia, o meu nome.”
Disse que iria ajudar e comecei apresentando as
letras do nome dele e algo maravilhoso aconteceu:
escreveu o nome dele pela primeira vez sozinho; foi
um prazer incrível que senti. A cada dia do estágio, a
cada quarta feira fazia mais sentido para mim ter
escolhido a profissão certa.
E é inviável comentar e escrever cada detalhe,
cada situação que vivenciei com a turma 101. Daria
um livro essas memórias, são muitas coisas
significativas. Entretanto umas das mais marcantes
aconteceu com o Samuel..
Penso que nunca me esquecerei do Samuel. O pior
aluno do turno da tarde. Aos 7 anos, amava jogar bola,
estar como aviãozinho do Morro da Coruja; tinha uma
mãe que estava internada por conta das drogas; o pai
o abandonou e ele morava com a avó que estava
prestes a entregá-lo para o Estado, por desconfiar que
Samuel não fosse filho de seu filho, e estava apenas
aguardando o resultado do DNA. As pessoas não
acreditavam no Samuca, mas eu me apaixonei por ele;
116
olhava para ele e via um menino superinteligente, era
o primeiro a terminar a tarefa, mas tinha uma
personalidade muito forte e tudo para ele terminava
em briga e se resolvia no braço. No fundo, um menino
justo e carente que apenas queria se sentir amado.
Sim, um menino, uma criança; sim, para mim ele era
também uma esperança!
Outra situação que me pegou de surpresa. Um
dia, um dos meus meninos, o Pedro estava brigando
com todo mundo, com raiva e explodindo com todos
os colegas. Cheguei perto e perguntei: o que aconteceu
com você? Tu não és assim! Quer conversar?
Começamos a conversar e o Pedro com lágrimas nos
olhos me disse: tia, eu odeio meu pai, ele não quer me
dar pensão, estou ficando sem nada. Quase chorei
junto com ele, mas me segurei, o abracei e disse:”Tudo
bem, você ter um problema, todos temos, mas não
desconte em seus colegas”, e começamos a conversar
como gente grande sobre família e eu com todo o
cuidado do mundo. Sinceramente, tinha vezes que eu
me considerava a menos madura daquela sala!
Muitas histórias da 101 me marcaram e terão
efeito sobre minha prática docente e posicionamentos.
Uma experiência realmente incrível e divisora de
águas no meu fazer docente. Hoje, toda essa
experiência que troquei com os meus meninos tem
mais amadurecimento e pode ser melhor enfrentada
com as teorias que aprendi ao traçar, enfim,o caminho
onde me faço e vivo o ser docente.
117
TIA, CONTA DE NOVO?
Viviane Gonçalves de Moura Emanuel
Há alguns livros que nos tocam mais que outros, e
estes vêm acompanhados da frase recorrente: “tia,
conta de novo?”. E a partir daí um universo de
pensamentos surgem ilimitadamente. Então para
explicar o que aconteceu e ainda acontece, preciso
retroceder uns vinte anos. Então, vamos lá!?
Cidade do Rio de Janeiro, Vila da Penha, fim da
década de 80, estudava numa escola religiosa
tradicional, e no decorrer do ano letivo líamos em
média oito livros para fazer provas. Na época, achava
horrível, mas sempre nos reuníamos em grupo, nos
finais de semana, com pretexto de “estudar”. Assim
surgiam bate papos e, por vezes, festinhas. Como
eram bons aqueles sábados e domingos! Depois, a
partir dos livros lidos, peças de teatro apareciam. Me
pintei com guache preto para interpretar Tia
Anastácia, do Sítio do Pica Pau Amarelo; coloquei
talco no cabelo para fazer uma velhinha
contrabandista de motocicleta; segurava galhos
imitando árvore, outras tantas personagens, ah, que
nostalgia!
Memórias de um Cabo de Vassoura; Olhai os
Lírios do Campo; Droga do Amor; Barcos de Papel;
Droga da Obediência; Ilha Perdida; A Moreninha;
Quinze Minutos; Menino do Dedo Verde; Senhora,
Quantos livros! Lista enorme, alguns guardei na
118
memória e no coração, outros apenas cumpri
burocracia. E, durante uma gincana, garantíamos o
primeiro lugar, apresentando uma peça a partir do
livro “Eu gosto tanto de você”.
Inconscientemente, penso que na memória ficou,
pois ao rever capas de livros, títulos daquela época,
me emociono, coração aperta, doces lembranças
retornam e vontade de voltar no tempo; ah, se
pudesse, titularia de “Volta ao Passado” fazendo
analogia ao “De volta ao futuro”, poderia ser
espectadora ou reviveria, sendo impossível, me
contento com as lembranças.
Refletindo sobre isso, nem imaginava que tempos
depois me atingiria tanto. Às vezes, questiono se
futuramente, o hábito cotidiano de contar histórias
causará algo similar aos alunos. Quando ingressei na
rede municipal de Niterói, a prática da contação de
histórias, amplamente defendida pelas pedagogas e
abarcada pelas docentes, incorporou-se a minha rotina
diária na sala de aula. Rodas de leitura compõem o
dia, sejam com histórias escolhidas por mim ou
trazidas de casa pelas crianças. Alguns livros
despertam tanto interesse, que surgem questões como:
“Tia, o que a borboleta come?” “Para que servem as
anteninhas?” “Como a lagarta vira borboleta?” entre
outras indagações, com olhos atentos e brilhantes,
sempre perguntavam após a leitura do livro “O casaco
de Pupa”, história retratando metamorfose do animal,
e esse veio acompanhado da “tia, conta de novo?”.
Algumas dúvidas sanadas pela professora de
apoio, outras procurávamos no Google para a próxima
119
aula de informática. Surgindo tanto interesse,
impossível ignorar o assunto. Expliquei e ilustrei
sobre a metamorfose. Conforme a atividade
transcorria, comentários paralelos eram ouvidos: “na
minha casa tinha um casulo!”, “Sabia que a lagarta
queima?”, “Se segurar a borboleta na mão e depois
coçar os olhos podemos ficar cegos?”, “Tia, meu
desenho está bonito?”, “Está igual ao seu?”, “Posso
colocar nuvem, sol, posso enfeitar?”. Quanta emoção!
Particularmente, uma turminha muito especial,
cativante, afetuosa, interessados, curiosos.. Parecia
magia se instaurando no ar, ultrapassando limites da
sala de aula. Cheguei à turma com outro livro, “Festa
no céu”, objetivando trabalhar mais um gênero
textual: convite. Quando terminei de contar, mais uma
vez a frase “tia, conta de novo”. Parei e refleti que
subestimei essas crianças; foram além, até surgir uma
festa. Listamos itens para a realização, conversamos
sobre o que deveria ter, até organizamos tudo. Para
começar cada criança iria fazer a sua lista de
convidados, então, andanças pela sala, conversas, tudo
isso devido à escrita correta do nome dos convidados,
ficaria feio escrever errado no convite. Era perceptível
o comprometimento na realização da atividade. Para
casa, fazer a lista com dez itens que deveriam ter na
festa revelou-se como dever prazeroso que eles
amaram fazer. Desenhos sobre a decoração do grande
dia estão no livro também. Mas e a festa? Ainda não
marquei, porém alimento o sonho, pois amo ver os
olhinhos sorrindo e o rostinho de felicidade ao
perguntarem da festa. “Tia, a festa está chegando?”.
120
É, essa história se transformou num romance, ou
denominaria uma conquista. De fato esses pequenos
me surpreendem e cada vez mais me apaixono.
Transpareceu, nos primeiros meses de aula, tamanha
empolgação a cada projeto e trabalho dados. Não tive
como fugir, eles me flecharam fazendo com que
pensasse na pequena quantidade de aula ser
insuficiente para realizar tudo imaginado. Então tentei
oficializar a união, como noivos trocam alianças, fiz o
Livro da Vida, seria meu álbum de casamento com os
pequenos (realmente são pequeninos, então essa seria
a forma carinhosa que os chamava). Nele estão
contidas recordações de 2015, da linda turminha com
suas peculiaridades. Após leituras e releituras,
aprendi a olhar o potencial de cada um, seja
escrevendo texto, desenhando muito bem, montando
Lego, contribuindo com texto coletivo, ajudando aos
amigos, questionando situações, fazendo
apontamentos no texto, caprichando nos materiais,
nas letras desenhadas, nas perguntas interessantes,
entre tantas outras situações.
No Livro da Vida todos participaram
independentemente da forma. Esquecê-los nem
poderia, pois lembravam sempre perguntando
quando escreveriam no livro. E assim, na tentativa de
concluir, deixei inacabado.
Acreditem até um capítulo de “Os dez
mandamentos” realizamos sob a forma de texto
coletivo. Inicialmente, confesso estava receosa e
descrente quanto à qualidade, mas ao término do
primeiro, surpresa. Alunos que antes não
121
participavam, contavam partes da história com
riquezas de detalhes e vocabulário, e também de
estrutura textual. Que alegria! Decidi fazer textos
coletivos de acontecimentos do ano, como as visitas de
alguns animais na sala, passeios e projetos que
surgiam por iniciativa deles.
Enfim, tenho material para montá-lo e pensar em
prosseguir com a turma é uma possibilidade que trará
o segundo volume. Caso contrário, agirei de forma
egoísta e guardarei comigo todo esse material,
lembrando desse marco, dessas fofuras, responsáveis
pela iniciação de novos livros da vida. Agora se casos
de amor viverei, só vivendo, ou até outro: “tia, conta
de novo?”.
122
L
I N Ê S U L
J A C Q U E L I N E
R O D R I G O C N
G U I L H E R M E I I
T L L
A D R I A N A I D
V I V I A N E A A
G M A R I A
M E R C E D E S
T A M A R A
N M A D E L E I N E
J A N E O
Y C É L I A
B E A T R I Z
A N A
T H A Y S S A
A N D R E A
P R I S C I L A
123
SOBRE OS ORGANIZADORES
Jacqueline de Fatima dos Santos Morais
Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas. Pós-doutorado realizado na Universidad
Pedagogica Nacional no México. É professora adjunta da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando na
Faculdade de Formação de Professores. É pesquisadora do
Núcleo de Pesquisa e Extensão Vozes da Educação História
e Memória das Escolas de São Gonçalo. É Procientista da
UERJ e Jovem Cientista do Nosso Estado.
Inês Ferreira de Souza Bragança
Pós-Doutorado pelo programa de Pós-Graduação em
educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC/RS) e Doutora em Ciências da
Educação pela Universidade de Évora-Portugal. Mestre em
Educação, Especialista e Pedagoga, pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta da
Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Docente e
Coordenadora do Mestrado em Educação: Processos
Formativos e Desigualdades Sociais. Procientista e Jovem
cientista do nosso Estado (FAPERJ).
Rodrigo Luiz de Jesus Santana
Nasceu em São Gonçalo, município do estado do Rio de
Janeiro, no ano de 1988. Possui Licenciatura Plena em
Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
Faculdade de Formação de Professores (UERJ-FFP).
Participou do projeto “Núcleo de Pesquisa e Extensão:
Vozes da Educação – Memória e História das Escolas de São
Gonçalo” como bolsista de Extensão nos anos de 2009 e
124
2010. Atualmente faz parte do “Grupo de Pesquisa
Polifonia” juntamente com o projeto “Narrativas
(Auto)Biográficas na Formação Inicial de Professores/as:
Diálogos Entre Curso de Pedagogia e Curso Normal em São
Gonçalo”. Também é aluno do Programa de Pós-Graduação
em Educação – processos formativos e desigualdades
sociais, na UERJ – FFP e bolsista FAPERJ.
125
SOBRE OS AUTORES
1. Adriana Alves Fernandes
Doutora pela Universidade Estadual de Campinas.
Atuou como professora-formadora de docentes e
gestores no Centro de Formação dos Profissionais em
Educação Paulo Freire na Prefeitura Municipal de
Hortolândia, durante sete anos. Foi professora
alfabetizadora na escola básica pública durante
quinze anos. Atualmente é professora adjunta na
Universidade Federal Rural do Estado do Rio de
Janeiro.
2. Adriana da Silva Bandeira.
Pedagoga pela Universidade Estácio de Sá.
Psicopedagogia pela Universidade Cândido Mendes
(Em andamento) Professora do Fundamental I no
Colégio Universitário Geraldo Reis Coluni UFF
(desde 2015)
3. Adriana de Freitas Salomão do Nascimento
Graduada em Pedagogia pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro-FFP (2005). Pós Graduada
em Orientação Educacional (Universidade Cândido
Mendes). Orientadora de Estudos do PACTO
NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE
CERTA. Tenho experiência na área de Formação
Continuada de Professores Alfabetizadores,
Orientação Educacional, Coordenação pedagógica e
Docência nas series iniciais.
126
4. Ana Flávia Alves Cenaqui
Conheceu o mundo da Educação aos 13 anos de
idade e há dez é professora de Educação Infantil na
Rede Municipal de Niterói. Graduada pela
Universidade Federal Fluminense/Niterói em
Pedagogia em 2005 e especialista em Literatura
Infanto-Juvenil na mesma instituição em 2010.
Procura realizar cursos diversificados na área
educacional a fim de promover um trabalho global
junto ao aluno e à turma.
5. Ana Lúcia Schilke
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal
Fluminense – UFF. Mestre em Educação na
Universidade Estácio de Sá - UNESA . Possui
Especialização em Alfabetização pela Universidade
Federal Fluminense e Especialização em Educação e
Saúde pela FIOCRUZ. Graduação em Pedagogia pela
Universidade Federal Fluminense. Tem experiência
em Curso de Formação de professores, Coordenação
Pedagógica, escolarização da criança hospitalizada e
programas de educação e saúde,
6. Andréa Lopes Bogado
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade
Plínio Leite em Niterói (1994), pós-graduação em
Docência do Ensino Superior, pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2001) , Administração,
Supervisão e Orientação Educacional: práticas
cotidianas na escola (2007) Universidade Plínio Leite ,
Educação Especial- Deficiência Mental ( 2010) pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro e Inspeção e
Supervisão Escolar (2016), pela Universidade
Candido Mendes . É Orientadora Educacional na
127
Rede Municipal e Professora no Ensino Médio pela
Rede Estadual no Rio de Janeiro - Curso Normal
(Formação de Professores). Interesse nas seguintes
temáticas: cotidiano escolar e formação de
professores.
7. Beatriz dos Santos Gonçalvez
Formada em professora das séries iniciais no Instituto
de Educação Professor Ismael Coutinho. Estudante
do curso de Pedagogia na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Professora de Educação Infantil na
Prefeitura Municipal de Niterói. Poeta e escritora de
contos.
8. Célia Regina Cristo de Oliveira.
Graduação em Pedagogia – Magistério das Séries
iniciais/UERJ (1999), Professora das séries iniciais do
Ensino Fundamental da SME - Duque de Caxias/RJ
(desde 2001). Especialização em Alfabetização das
Crianças das Classes Populares- GRUPALFA/UFF
(2003), Coordenação do CAPEM – Centro Aplicado
de Pesquisa em Educação Multi-étnica - Duque de
Caxias/RJ (desde 2004), Especialização em Educação e
Relações Raciais- PENESB/UFF (2015), Mestrado em
Ensino de Educação Básica - Curso de Mestrado
Profissional pelo PPGEB-CAP/UERJ (2016). Ativismo
e relações raciais nos grupos: Rede Carioca de
Etnoeducadoras Negras e Intelectuais Negras.
9. Geanny Cristina Batista Pereira Leal
Especialista em Educação Básica pela FFP -
Faculdade de Formação de Professores da UERJ São
Gonçalo - Graduada em Pedagogia pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora
128
de Educação Infantil no Município de Itaboraí.
Professora Orientadora Pedagógica do Município de
São Gonçalo. Tutora Presencial do curso de
Pedagogia da UERJ (consórcio CEDERJ).
10. Guilherme do Val Toledo Prado
Doutor em Linguística Aplicada pela Universidade
Estadual de Campinas - UNICAMP. Mestre em
Educação. Pedagogo. Coordenador do GEPEC -
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Continuada, professor e pesquisador da Faculdade
de Educação da Unicamp.
11. Jane Marchon Cordeiro Celestino
Pedagoga (UERJ/FFP), Especialista em
Psicopedagogia (UCAM) - Professora da Infância e
Coordenadora Pedagógica na Rede Municipal de
Ensino de Itaboraí, onde também atuou na
Coordenação de Educação Infantil como assessora
pedagógica e formadora. Participou da coordenação
de (re)elaboração dos Referenciais Curriculares para
a Educação Infantil desta rede. Atualmente como
Coordenadora de Projetos Educativos no município
de Itaboraí, retoma seus estudos e pesquisas na área
da pequena infância e formação de seus professores,
através do grupo de pesquisa coordenado pela Profª
Drª Maria Tereza Goudard Tavares.
12. Lenilda de Matos Pinheiro
Graduada em Pedagogia – UFF e em Letras –
Português/Literatura – UNIVERSO. Especialista em
Leitura e Produção de Textos – UFF, em
Psicopedagogia – UCB, em Educação Especial –
UNIRIO e em Planejamento, Implementação e Gestão
129
da Educação a Distância - UFF. Doutoranda em
Ciências da Educação pela Universidade Nacional de
Rosário – UNR/Argentina. Professora da Rede
Estadual do Rio de Janeiro e Técnica em Assuntos
Educacionais – UFRJ
13. Luicilia da Silva Cordeiro Souto
Professora da Educação Infantil da rede pública de
ensino Itaboraí-RJ; Cursando Especialização (Lato
Sensu) em Docência na Educação Infantil na
Faculdade Cinecista Alberto Torres (FACNEC)
Itaboraí-RJ; Licenciatura plena em Pedagogia pela
Universidade Professor José de Souza Herdy.
(Unigranrio) Duque de Caxias-RJ; Curso Normal em
Formação de Professores na Escola Lígia Barreto
(Colégio Setembro), Duque de Caxias-RJ.
14. Madeleine Pereira De Souza
Sou graduada em Pedagogia pela Faculdade de
Formação de Professores (FFP) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 2015. Durante
parte de minha graduação me dediquei a pesquisa,
participando como bolsista de Iniciação Científica
como também, de Estágio Interno Complementar do
Gpale. Atualmente curso especialização em Gestão
Escolar pela mesma Universidade e atuo na rede
privada de Niterói como professora da Educação
Infantil.
15. Maria Cecília Castro
Professora Alfabetizadora do Colégio Universitário
Geraldo Reis - Coluni-UFF. Mestrado em educação
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro -
Proped-UERJ e Graduação em Pedagogia pela
130
mesma instituição. Pesquisa temas relacionados a
Formação de Professores, Currículos, Gênero e
Questões étnico-raciais.
16. Maria Celina Gonçalves Ferreira
Professora Alfabetizadora do Colégio Universitário
Geraldo Reis Mestrado em educação pelo
PROPED/UERJ
17. Mercedes França Ramos
Graduação em Pedagogia pela UBM – Centro
Universitário de Barra Mansa. Especialização em
Psicopedagogia pela Universidade Castelo Branco. É
professora alfabetizadora da rede Municipal de Porto
Real e Orientadora Pedagógica da rede Municipal de
Barra Mansa. É assessora da Alfabetização do
Município de Porto Real.
18. Priscila Bernardo Nepromucena
Especializada em alfabetização das classes populares
pela Universidade Federal Fluminense- UFF.
Graduada em Pedagogia com habilitação as séries
iniciais do ensino fundamental pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro - UERJ-FFP. Atua há 16 anos
como professora do 1º segmento do ensino
Fundamental. Atualmente leciona na Secretaria
Municipal de educação do município do Rio de
Janeiro SME-RJ como PEF (Professora de ensino
fundamental), no Complexo de favelas da Maré.
19. Viviane Gonçalves De Moura Emanuel
Formada em Pedagogia e História, com pós-
graduação em Administração, Supervisão e
Orientação Educacional e Gestão de Recursos
131
Humanos. Trabalhou alguns anos na rede particular
de ensino e atualmente leciona como regente no
município de Niterói do 1 ciclo, porém, foi professora
de apoio de alunos com necessidades especiais da
rede. Interesse no processo de Alfabetização.
20. Tamara do Amparo Gome
Graduada em Letras (Português/Inglês) pela
Faculdade de Formação de Professores -UERJ.
Especialista em Gestão Escolar. Professora de língua
inglesa nas redes privada e pública.
21. Thayssa Nascimento
Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de
Formação de Professores- UERJ. Bolsista PIBIC do
Projeto Formação Continuada em Redes: experiências
e narrativas docentes, ligado ao Gpale. Participante
do coletivo docente Redeale, no Rio de Janeiro.
ISBN 978-85-7993-378-3
9 788579 933783www.pedroejoaoeditores.com.br
Este livro é composto por 21 textos
p r o d u z i d o s a o l o n g o d o c u r s o
“Encontros de Pesquisa-Formação: A
Escrita de Narrativas Docentes”. Resulta
da mobilização de experiências ,
memórias e histórias vividas no
cotidiano escolar por professores e
professoras da escola básica. Os textos
que aqui encontramos, trazem a riqueza
do diálogo entre a universidade e a
e s c o l a b á s i c a e n o s e n s i n a m a
importância da escrita como modo de
autoformação docente.