os 20 poemas da leonor oliveira

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Escola Secundária Artística António Arroio Disciplina Língua Portuguesa Ano lectivo 2007/2008 Para Ouvir, Encontrar 1

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Antologia Poética - trabalho para a disciplina de português - 2º período - 2008

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Page 1: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Escola Secundária Artística António ArroioDisciplina Língua Portuguesa

Ano lectivo 2007/2008

ParaOuvir,EncontrarMemórias,Amar eSentir...

1 Maria Leonor Oliveira - nº14 – 10º F

Page 2: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Índice de Poemas POEMAS DE AMOR

“O Amor”.............................................................................Pág. 4“Amar”.................................................................................Pág. 4“2º Andar Direito”...............................................................Pág. 5“Não Hesitava Um Segundo”............................................Pág. 6

POEMAS DE MAR

“As Ondas”.........................................................................Pág. 7“Mar”...................................................................................Pág. 7“Vozes de Mar”...................................................................Pág. 7

POEMAS DAS GENTES

“Os Putos”..........................................................................Pág. 8“Operário da Construção”.................................................Pág. 8“Lisboa que Amanhece”....................................................Pág. 9“Mulher da Erva Fresca”..................................................Pág. 10“Canção de Acordar”.......................................................Pág. 11“Trova do Vento que Passa”...........................................Pág. 12

POEMAS DE FORÇA

“Fotos de Fogo”...............................................................Pág. 13“Canto da Cidade”............................................................Pág. 14“Aves de Rapina”.............................................................Pág. 14“O último Adeus de um Combatente”............................Pág. 15“Pedra Filosofal”..............................................................Pág. 16

POEMAS DE SENTIMENTOS/SENSAÇÕES

“Amostra sem Valor”.......................................................Pág. 17“Fome”..............................................................................Pág. 18

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Page 3: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Introdução

Neste trabalho, pretendo dividir os vinte poemas

escolhidos, em cinco grupos:

- “Poemas de Amor”

- “Poemas de Mar”

- “Poemas das Gentes”

- “Poemas de Força”

- “Poemas de Sentimentos/Sensações”

Escolhi poemas de diferentes autores, dimensões,

esquemas rimáticos e significados.

Espero que aprecie a minha pequena antologia!

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Page 4: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Poemas de Amor

“O amor”

É o amor O amor é o amor - e depois?! Vamos ficar os dois a imaginar, a imaginar?...

O meu peito contra o teu peito, cortando o mar, cortando o ar. Num leito há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos sem destino, sem medo, sem pudor, e trocamos - somos um? somos dois?- espírito e calor!

O amor é o amor – e depois?Alexandre O’neill

“AMAR”

Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e mal amar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o cru,

um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drumont de Andrade

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Page 5: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

“2º Andar Direito”

Ele vinte anos, e ela dezoitoe há cinco dias sem trocarem palavralembrando as zangas que um só beijo curavae esta história começa no instanteem que o homem empurra a porta pesadae entra no quarto onde a mulher está deitadaa dormir de um sono ligeiro

E no quarto, às cegas,o escuro abraça-o como que a um companheiroque se conhece pelo tocar e pelo o cheiroe é o ruído que o chão faz que lhe trazo gosto ao quarto depois de uma rupturafaz-lhe sentir que entre os dois algo ainda durados dias em que um beijo bastava

E agora, da camavem uma voz que diz sussurrando: És tu?e a luz acende-se sobre um braço nue a mulher pergunta: A que vens agora?é que não sei se reparaste na horadeixa dormir quem quer dormir, vai-te emboraamanhã tenho de ir trabalhar

Não fales, que o bebé ainda acordanão grites, que o vizinho ainda acordae não me olhes, que o amor ainda acordadeixa-o dormir, o nosso amor, um bocadinho maisdeixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E o homem de péparece um rapazinho a ver se compreendee grita e diz que ele também não se vendeque quer a paz mas de outra maneirae nem que essa noite fosse a derradeiraveio afirmar quer ela queira ou não

queiraque os dois ainda têm muito que aprenderSe temos…! diz elamas o problema não é só de aprenderé saber a partir daí que fazere o homem diz: Que queres que eu responda?Não estamos no mesmo comprimento de onda…Tu a mandares-me esse sorriso à Giocondae eu com ar de filme americano

Somos tão novos, diz o homeme agora é a vez de a mulher se impacientaressa frase já começa a tresandaré que não é só uma questão de identidadeé eu ou tu, seja quem for, ter vontadede mudar ou deixar mudar

Não fales,…

E assim se ouviupela noite fora os dois amantes falare o que não vi só tive que imaginaré preciso explicar que sou eu o vizinhoe à noite vivo neste quarto sozinhocorpo cansado e cabeça em desalinhoe o prédio inteiro nos meus ouvidos

Veio a manhã e diziamtelefona ao teu patrão, diz que hoje não vaisque viveste uns dias assim tão brutaise que precisas de convalescençasei lá, inventa qualquer coisa, uma doençamete um atestado ou pede licençasem prazo nem vencimento, se preciso for(Espero que não seja preciso, porque nãosei como é que eles vão viver sem os dois salários…)Vá fala, que o bebé está acordadoo vizinho deve estar já acordadoe o amor, pronto, também está acordadomas tem cuidado, trata-o bem

5Sérgio Godinho

Page 6: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

muito bem, de mansinhoque ainda agora vai pisar outro caminho.

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Page 7: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

“Não hesitava um segundo”

Entre os teus olhos azuisE um quadro azul de PicassoEntre o som da tua voz

E o som de qualquer compassoEntre o teu anel de prataE todo o ouro do mundoEscolheria o que é teuNão hesitava um segundo

Quantas ondas há no marQuantas estrelas no céu Tantas quantas nos meus sonhosEu fui tua e foste meuEntre o teu anel de prata E todo o ouro do mundo

Escolheria o que é teuNão hesitava um segundo

Entre o céu da tua bocaE a luz do céu de Lisboa Entre uma palavra tuaE um poema de PessoaEntre a cor do teu sorrisoE todo o brilho do mundoEscolheria o que é teuNão hesitava um segundo

Entre o teu anel de prataE todo o ouro do mundoEscolheria o que é teuNão hesitava um segundo.

Ana Moura

Page 8: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Poemas de Mar

“As Ondas”

As ondas quebravam uma a uma Eu estava só com a areia e com a espuma Do mar que cantava só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen

“Mar”

Mar, metade da minha alma é feita de maresia Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,

Que há no vasto clamor da maré cheia, Que nunca nenhum bem me satisfez.

E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia Mais fortes se levantam outra vez,

Que após cada queda caminho para a vida, Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal É porque também tu revoltado e teatral

Fazes soar a tua dor pelas alturas. E se antes de tudo odeio e fujo O que é impuro, profano e sujo,

“Vozes de mar”

Quando o sol vai caindo sobre as águasNum nervoso delíquio d'oiro intenso,Donde vem essa voz cheia de mágoasCom que falas à terra, ó mar imenso?...

Tu falas de festins, e cavalgadasDe cavaleiros errantes ao luar?Falas de caravelas encantadasQue dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d'epopeias? Tens anseiosD'amarguras? Tu tens também receios,Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz, ó mar amigo?...... Talvez a voz do Portugal antigo,Chamando por Camões numa saudade!

Sophia de Mello Breyner Andresen

Page 9: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Florbela Espanca

Poemas das gentes

“Os putos”

Uma bola de pano, num charco Um sorriso traquina, um chuto Na ladeira a correr, um arco O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira a esperança Um pardal de calções, astuto E a força de ser criança Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta Os putos, os putos São como índios, capitães da malta Os putos, os putos Mas quando a tarde cai

Vai-se a revolta Sentam-se ao colo do pai É a ternura que volta E ouvem-no a falar do homem novo São os putos deste povo A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando na mão A vontade que salta ao eixo Um puto que diz que não Se a porrada vier não deixo.

Um berlinde abafado na escola Um pião na algibeira sem cor Um puto que pede esmola Porque a fome lhe abafa a dor.

Alexandre O’neill

“Operário da construção”

Mora em barracade madeira e telha,o operário da construção.

No Inverno,o friofaz-lhe ranger o dentes,e a chuvainunda-lhe o sono.

Mas longe, nas casas que constrói,alcatifadas,o frio não dóinas cortinas fechadas.

José Fanha

Page 10: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

“Lisboa que amanhece”

Cansados vão os corpos para casados ritmos imitados de outra dançaa noite finge serainda uma criançade olhos na luacom a suacegueira da razão e do desejo

A noite é cega e as sombras de Lisboasão da cidade branca a escura faceLisboa é mãe solteiraamou como se fossea mais indefesaprincesaque as trevas algum dia coroaram

Não sei se dura sempre esse teu beijoou apenas o que resta desta noiteo vento enfim paroujá mal o vejopor sobre o Tejoe já tudo pode ser tudo aquilo que parecena Lisboa que amanhece

O Tejo que reflecte o dia à soltaà noite é prisioneiro dos olharesao cais dos miradourosvão chegando dos baresos navegantesamantes

das teias que o amor e o fumo tecem

E o Necas que julgou que era cantoraque as dádivas da noite são eternasmal chega a madrugadatem que rapar as pernaspara que o dia não traiaDietrichs que não foram nem Marlenes

Não sei se dura sempre esse teu beijo ...

Em sonhos, é sabido, não se morrealiás essa é a única vantagemde, após o vão trabalhoo povo ir de viagemao sono fundofecundoem glórias e terrores e venturas

E ai de quem acorda estremunhadoespreitando pela fresta a ver se é diaa esse as ansiedadesditam sentenças friamente ao ouvidoruídoque a noite, a seu costume, transfigura

Não sei se dura sempre esse teu beijo ...

Page 11: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Sérgio Godinho

“Mulher da Erva Fresca”

Velha da terra morenaPensa que é já lua cheiaVela que a onda condenaFeita em pedaços de areia

Saia rotaSubindo a estradaInda a noiteRompendo vemA mulherPega na braçadaDe erva frescaSupremo bem

Canta a rolaNuma ramadaPela estradaVai a mulherMeu senhor Nesta caminhadaNem m’alembraDo amanhecer

Há quem vivaSem dar por nadaHá quem morra

Sem tal saberVelha ardidaVelha queimadaVende a frutaSe queres comer

À noitinhaA mulher alcançaQuem lhe compra

Do

Page 12: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

seu manjarPara darÀ cabrinha mansaErva frescaDa cor do mar

Na calçadaUma mancha negraCobriu tudoE ali ficouAnda, velhaDa saia pretaFlor que ao vento

No chão tombou

No invernoTerás farturaDa erva foraSupremo bemCanta rola Tua amarguraManhã moça...nunca mais vem.

Zeca Afonso

“Canção de acordar”

Dorme meu filhodepressa,dormeque a noite já vem,o teu pai está tão cansadode tanta dor que ele tem.

Dor no lombo e no espinhaço,no peito e no coração,dor de estar feito em bagaço,dor de tanta exploração.

Dorme meu filhodepressa,dormeque a noite já vem, o teu pai está tão cansado,tão cansada tua mãe.

Tão cansada de esfregaras escadas que tem a vida,tão cansada de chorar,tão cansada, tão sofrida.

Dorme meu filho

Page 13: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

depressa,dormeque a noite já vem,do teu pai só herdarása revolta que ele tem.

Crescerás na lama e nusem ter brinquedos nem bola,verás outros como tu,bem vestidos ir à escola.

Dorme meu filhodepressa,dormeque a noite já vem,o teu pai é operário,serás operário também.

Talvez aprendas a lerse o dinheiro nos chegar,mas tu só vais aprenderquando tiveres que lutar.

Dorme meu filhodepressa,dormeque a noite já vem,

os teus pais muito lutarame tu lutarás também.

Não viverás mais vergado,não terás mais que sofrer,não serás mais explorado,vais lutar e vais vencer!

José Fanha

“Trova do vento que passa”

Pergunto ao vento que passanotícias do meu paíse o vento cala a desgraçao vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levamtanto sonho à flor das águase os rios não me sossegamlevam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoasai rios do meu paísminha pátria à flor das águaspara onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhaspede notícias e dizao trevo de quatro folhasque morro por meu país.

Page 14: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Pergunto à gente que passapor que vai de olhos no chão.Silêncio -- é tudo o que temquem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramosdireitos e ao céu voltados.E a quem gosta de ter amosvi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nadaninguém diz nada de novo.Vi minha pátria pregadanos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margemdos rios que vão pró marcomo quem ama a viagemmas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir(minha pátria à flor das águas)vi minha pátria florir(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignoradae fale pátria em teu nome.Eu vi-te crucificadanos braços negros da fome.

E o vento não me diz nadasó o silêncio persiste.Vi minha pátria paradaà beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novose notícias vou pedindonas mãos vazias do povovi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentrodos homens do meu país.Peço notícias ao ventoe o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeiadentro da própria desgraçahá sempre alguém que semeiacanções no vento que passa.

Mesmo na noite mais tristeem tempo de servidãohá sempre alguém que resistehá sempre alguém que diz não.

Page 15: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Manuel Alegre

Poemas de força

“Fotos de Fogo”

Chega-te a mim Mais perto da lareiraVou-te contar A história verdadeira

A guerra deu na tvFoi na retrospectiva Corpo dormente em carne vivaRevi p'ra mim o cheiro acesoDos sítios tão remotosE do corpo ileso Vou-te mostrar as fotosOlha o meu corpo ileso

Olha esta foto, eu aqui Era novo e inocente "Às suas ordens, meu tenente!"E assim me vi no breu do matoAltivo e folgazão Ou para ser mais exactoSaudoso de outro chãoNão se vê no retrato

Chega-te a mim Mais perto da lareiraVou-te contar A história verdadeira

Nesta outra foto, é manhãOlha o nosso sorriso Noite acabou sem ser preciso Sair dos sonhos de outras camasPara empunhar o cospe-fogo e o lança-chamas Estás são e salvo e logo "Viver é bom", proclamas

Eu nesta, não fiquei bemEstou a olhar para o lado Tinham-me dito: eh soldado!É dia de incendiar aldeiasBaralha e volta a dar O que tiveres de ideias E tudo o que arder, queimar!No fogo assim te estreias

Chega-te a mim Mais perto da lareiraVou-te contar A história verdadeira

Page 16: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Nesta outra foto, não vou Dar descanso aos teus olhosNão se distinguem os detalhesMas nota o meu olhar, cintila Atrás da cor do sangueVou seguindo em fila E atrás da cor do sangueSoldado não vacila

O meu baptismo de fogoNão se vê nestas fotos Tudo tremeu e os terremotosCostumam desfocar as formasMatamos, chacinamosViolamos, oh, mas Será que não violamosAs ordens e as normas?

Chega-te a mim Mais perto da lareiraVou-te contar A história verdadeira

Álbum das fotos fechadoVolto a ser quem não era Como a memória, a primaveraRebenta em flores impensadasNum livro as amassamosLogo após cortadas Já foi há muitos anos E ainda as mãos geladas

Chega-te a mim Mais perto da lareiraVou-te contar A história verdadeira Quando a recordo Sei que quase logo acordoA morte dorme paradaNesta morada.

Sérgio Godinho

Page 17: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

“Canto da cidade” “Aves de rapina”

Dum lado No azul alto do céu,da cidade águias, a liberdade, burgueses,o super-mercado, patrõeso betão armado, e abutres a voar...o jardim tratado - Deixa-os pousar,com todo o cuidado deixa-os pousar...tem cravos à volta. José FanhaE do outro lado,o vento sopra e trazum grito de escravos em revolta.José Fanha

Page 18: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

“O Último Adeus Dum Combatente”

Naquela tarde em que eu parti e tu ficastesentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.Por ver-te as lágrimas sangrarem de verdadesofri na alma um amargor quando choraste.

Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!Nem só o teu amor me traz a felicidade.Quando parti foi por amar a HumanidadeSim! foi por isso que eu parti e tu ficaste!

Mas se pensares que eu não parti e a mim te desteserá a dor e a tristeza de perder-meunicamente um pesadelo que tiveste.

Mas se jamais do teu amor posso esquecer-mee se fui eu aquele a quem tu mais quisesteque eu conserve em ti a esperança de rever-me!

Vasco Cabral

“Pedra Filosofal”

Page 19: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso, em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos, que em oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho alacre e sedento, de focinho pontiagudo, que foça através de tudo num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa dos ventos, Infante, caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, paço de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão de átomo, radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

Page 20: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Poemas de sentimentos/sensaçõ

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“Amostra sem valor”

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém. Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível: com ele se entretém e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu, sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito, que o respirar de um só, mesmo que seja o meu, não pesa num total que tende para infinito.

Eu se que as dimensões impiedosas da Vida,ignoram todo o homem, dissolvem-no,e, contudo,nesta insignificância, gratuita edesvalida,Universo sou eu, com nebulosas etudo.

Page 21: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

António Gedeão

“Fome”

À fomequando ela te for apresentada,vais-lhe dizer o teu nome.Muito prazer,não deseja tomar nada?

Mas não virá de repente,a descarnada.Vai comer-te lentamente,passo a passo,subindo cada degrauaté ao cimo da escada.

São cinco paus nas batatas,são mais dez no detergente,mais vinte no bacalhau,até ficares sem mais nada.

Quando fores apresentado à fome,vai-te roer a barrigae dar-te a volta à cabeça,e vais estar pronto a roerqualquer coisa que apareça.

Vão subir ratos pequenospor dentro das tuas veias,fica-te a garganta seca,só habitada por teias.

Fica-te a boca calada,e quando quiseres falar,

Page 22: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

levas por cima porrada, que és pago para trabalhar

e nunca para ter ideias!

À fome,quando ela te for apresentada,vais-lhe dizer o teu nome.Muito prazer, não deseja tomar nada?

Ou talvez nãos seja assim,ou talvez seja ao contrário,talvez não estejas dispostoa pagar a tua contae os juros ao usuário.

Quando fores apresentado à fome,olha-a de frente e pergunta:

Quem é que me prende a mão?Quem é que me corta o passo?Quem é que me bebe o sangue,pela garrafa que faço?Quem é que come esta fomeque me tortura, que eu passo?

E não esperas pela resposta,constrói tu os teus caminhos,e faz dessa fome, força,

Page 23: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

e faz dessa força, gente,e à fome faz-lhe frente,agarra-a pelos colarinhos,enfia-a pela boca abaixo

de quem fabricou a fomedos que raparam o tacho!

José Fanha

Análise dos poemas

A principal razão pela qual escolhi estes poemas e não outros dentro da vasta lista de opções, foi o facto de achar que estes correspondiam melhor ao conceito que tinha acerca de cada tema.

Dentro do grupo “Poemas de amor”, escolhi poemas que falassem sobre:

- O significado da palavra “Amor”;- O facto de todos os seres, por mais nobres que sejam,

serem atingidos por esse sentimento e dependerem dele para viver;

- Os problemas que ele pode trazer;- O “estado pleno” de amar.

Dentro do segundo grupo, “Poemas de Mar”, seleccionei poemas que falassem , tal como o próprio nome indica, sobre o mar. Escolhi-os porque o mar é algo que me fascina e com o qual me identifico bastante. O mar cativa-me pela sua imensidão, pelo azul infinito e pela quantidade de vida que este contém.

Page 24: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

Dentro do grupo “Poemas das Gentes”, falei de:- Classes sociais (principalmente as mais pobres) e as

dificuldades em que vivem;- Estereótipos de pessoas e as suas difíceis vidas;- Cidadãos exilados no estrangeiro e as saudades que

sentem do seu país.

No quinto grupo, “Poemas de Força”, recolhi poemas do pré e pós 25 de Abril, essencialmente, poemas que falassem da falta de liberdade, da Guerra do Ultramar, da revolta do povo, e da censura.

Finalmente, no sexto grupo “Poemas de sentimentos/ sensações”, escolhi poemas que abordassem temas importantes, tais como a fome e o desespero que o ser humano por vezes experimenta.

Análise de “Pedra Filosofal”

Análise externa:

O poema “Pedra Filosofal” , de António Gedeão é composto

quatro estrofes:

- A primeira estrofe tem 12 versos

- A segunda estrofe é uma sextilha ( 6 versos)

- A terceira estrofe tem 31 versos

- A quarta estrofe é uma sextilha

Tem rimas cruzadas, emparelhadas e interpoladas.

Análise interna:

Page 25: Os 20 poemas da Leonor Oliveira

O poema tem como tema principal os sonhos, e pode ser

dividido em duas partes lógicas:

- As primeiras três estrofes, em que o sonho é comparado a:

elementos da natureza; a alimentos; a animais; a

elementos artísticos e arquitectónicos; a elementos

relacionados com a ciência; às descobertas marítimas e

suas descobertas e a inventos.

- A última estrofe, em que o sujeito poético conclui que o

sonho “(...) comanda a vida (...)”, tal como diz o texto, e que

faz avançar e evoluir o Mundo. Conclui também que é

sempre preciso ter esperança e confiar nos sonhos!