os conselhos de contribuintes e as leis...
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OS CONSELHOS DE CONTRIBUINTES E AS LEIS INCONSTITUCIONAIS: UM ESTUDO NO CONTEXTO DO
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL
Aline Solano Souza Casali Bahia1
Monografia apresentada no XXXIX Congresso Nacional dos Procuradores de Estado promovido pela Associação dos Procuradores do Estado de Pernambuco – APPE e pela Associação Nacional de Procuradores de Estado – ANAPE, na localidade de Porto de Galinhas, município de Ipojuca, Estado de Pernambuco, no período de 15 a 18 de outubro de 2013.
SALVADOR/BA 2013
1 Procuradora do Estado da Bahia.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com a perspectiva kelseniana, as normas jurídicas que regem as
relações de uma sociedade podem ser visualizadas em formato piramidal, onde a
Constituição é a norma fundamental do sistema jurídico, ocupando o ápice da pirâmide
normativa, da qual todas as demais normas extraem o seu fundamento de validade2.
Não obstante a existência do Princípio da Supremacia da Constituição
sobre todas as demais normas do ordenamento jurídico, parte da doutrina brasileira e
diversos exemplos da própria legislação do processo administrativo fiscal entendem
descabida a anulação de atos pela própria Administração, ainda que inconstitucionais e
ilegais, sob o entendimento de que tal iniciativa somente poderia caber ao Poder
Judiciário, ou exclusivamente à cúpula do Poder Executivo, sob pena de subversão aos
princípios da ordem, da separação de poderes, da segurança jurídica, da legalidade ou da
hierarquia.
Somente para introduzir opiniões que serão revistas no corpo do trabalho,
VITTORIO CASSONE e MARIA CASSONE entendem que, por ser a atividade
desenvolvida no processo administrativo fiscal de índole infralegal, ter-se-ia a
impossibilidade de qualquer exercício do controle de constitucionalidade3. No mesmo
sentido JUVENAL TERCEIRO (com amparo em ZENO VELOSO), para quem
descaberia a apreciação interna de constitucionalidade ante o risco à democracia com a
hipertrofia do órgão encarregado de aplicar as leis de ofício, além de se desconhecer a
presunção de constitucionalidade das leis4. Os procuradores fazendários paulistas ANA
MARIA MOLITERNO e CLAYTON EDUARDO PRADO advogam a possibilidade de
controle interno de constitucionalidade e de legalidade apenas pelo chefe do Poder
Executivo e nunca por tribunal administrativo, sob pena de se deixar absolutamente
desamparado o interesse público, pois o Estado, por qualquer de seus órgãos, estaria
impedido de buscar guarida judicial, a fim de desconstituir decisão definitiva na esfera
2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1962. 3 CASSONE, Vittorio; CASSONE, Maria Eugenia Teixeira. Processo Tributário: teoria e
prática. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 61-2. 4 VIEIRA TERCEIRO, Juvenal. O conselho de contribuintes e as argüições de
inconstitucionalidade de lei. Jus Navigandi. Teresina, ano 8, n. 61. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3666>. Acesso em: 19 jul. 2013.
administrativa, em razão da força vinculante de observância obrigatória pela
Administração5.
Todavia, mesmo diante dos termos da legislação, a doutrina e a
jurisprudência vem admitindo a possibilidade de órgãos do Poder Executivo deixarem
de aplicar uma lei que entendam ser inconstitucional.
LUIS BARROSO defende que o estado de direito exige a atuação corretiva
da própria Administração contra a inconstitucionalidade ou a ilegalidade6. Ou, como
leciona FREDERICO MARQUES, a lei inconstitucional é inconstitucional para todos
os poderes, e não apenas para o Poder Judiciário7.
BOTALLO8 e MARTINEZ9 também encampam esta opinião. Para este
último, quando nomeado para exercer o cargo de julgador, o servidor deixa de se
subordinar funcionalmente ao seu superior, devendo obediência apenas à Lei, conforme
ele a conceber.
O tema possui relevância atual e enorme repercussão na área jurídica, e a
apreciação de problemas jurídicos sob a ótica constitucional (filtragem constitucional) é
algo indissociavelmente ligado à atual ou nova teoria do direito administrativo.
A metodologia utilizada, assim, tomou do plano empírico a atividade dos
conselhos de contribuintes e o alcance de suas decisões, e do marco analítico-teórico a
doutrina que se formou em torno deste mesmo alcance. Não se pautou, todavia, por
demonstrações quantitativas, mas sim visou cuidar, no plano qualitativo-descritivo, de
estabelecer bases para uma dogmática do problema, na via indutiva advindo da
experiência concreta dos órgãos julgadores integrantes da Administração, mais
especificamente a fiscal.
5 MOLITERNO, Ana Maria; PRADO, Clayton Eduardo. Impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade no âmbito do processo administrativo tributário. Tese. In: CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DE ESTADO, 28., Gramado, 2002. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/teses/Ana%20e%20Clayton.htm.>. Acesso em: 02 nov. 2011.
6 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 388.
7 Citado no voto do Ministro Moreira Alves na Rep. 980-SP (RTJ 96/507). 8 BOTALLO, Eduardo Domingos. Procedimento Administrativo Tributário. São Paulo: RT,
1997. 9 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Procedimento Fiscal Previdenciário. São Paulo: Dialética,
1998. p. 259.
2. DA POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO
ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL
Questiona-se a respeito da possibilidade de controle de constitucionalidade
pela própria Administração, consistente na recusa à aplicação da lei ou ato normativo
que viole a Constituição. O exame da constitucionalidade dentro do âmbito do processo
administrativo fiscal possui, assim, diversos argumentos favoráveis e desfavoráveis ao
seu reconhecimento. Comecemos pelos últimos.
2.1.ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS
2.1.1 PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
Um dos primeiros argumentos que se levanta contra a possibilidade da
Administração controlar a constitucionalidade de normas infraconstitucionais
corresponde à idéia ou princípio da separação de Poderes. De acordo com este
argumento, estaria reservada ao Poder Judiciário qualquer competência para afastar a
aplicação de norma inconstitucional.
Defendem este argumento diversos juristas pátrios, e a fundamentação que
lhe emprestam dificilmente vai além da compreensão de que o Poder Judiciário ganhou,
no esquema constitucional brasileiro, uma competência não estendida aos demais
Poderes, na prática da aplicação das normas. Pode-se nominar este argumento, ainda,
como princípio da reserva ao Poder Judiciário ou princípio da reserva jurisdicional do
controle de constitucionalidade.
Ou seja, tornou-se comum o entendimento de que a consideração sobre a
inconstitucionalidade de lei seria tarefa restrita ao Poder Judiciário.
Adepto desta ideia, o Ministro CARLOS MEDEIROS, em voto vencido
proferido no MS 15886-DF, justificava-se dizendo que “No poder de interpretar a
Constituição, não se deve entender necessariamente ou implicitamente, o de repudiar
lei por inconstitucionalidade”10.
Segundo ALFREDO BUZAID, no nosso país é do Judiciário a competência
privativa para decretar a inconstitucionalidade das leis.11
CAMANHO DE ASSIS consigna, por sua vez que “editada a lei - exaurida
a possibilidade do controle preventivo – a aferição da constitucionalidade passa a ser
10 Julgamento em 26.5.66. In Revista Trimestral de Jurisprudência, 41, p .680. 11 Citado pelo Ministro MOREIRA ALVES, em voto proferido na Rep. 980-SP, julgada em 21.11.79 (in
Revista Trimestral de Jurisprudência, 96, p. 506).
privativa do Poder Judiciário, único a quem o Poder Constituinte conferiu instrumentos
para proceder com semelhante análise.”12
Mesmo RUY BARBOSA, diferentemente do pensamento revelado em
outras ocasiões, e com forte acento populista, declarou, dentre os 18 (dezoito)
compromissos de sua campanha civilista de 1910, o seguinte: […] o que eu não farei, [...] Não recusarei execução de lei alguma, a
pretexto de inconstitucionalidade, visto como a respeito das leis, o conhecimento desse vício é da competência exclusiva Judicial. Toda Lei, pelo mero fato de ser lei, enquanto não havida por nulos em sentença irrevogável, obriga inelutavelmente o Poder Executivo.13
É esta também a opinião de LÚCIO BITTENCOURT, para quem “Uma vez
promulgada a lei a todos obriga, inclusive o Executivo; a lei, enquanto não declarada
pelos Tribunais incompatível com a constituição é lei – não se presume – é para todos
os efeitos”14.
Assim, o exercício da jurisdição administrativa envolvendo estes aspectos
representaria grave violação à separação de Poderes, como definida por
MONTESQUIEU, como sustenta CLENÍCIO DA SILVA DUARTE.15
A participação do Poder Executivo no controle de constitucionalidade das
leis limitar-se-ia, pois, à capacidade de veto e de propor ações judiciais reclamando a
declaração de inconstitucionalidade de lei (inclusive em controle concentrado) e, com
menor resultado prático, de representar ao Poder Legislativo solicitando a revogação da
norma indesejada. A Constituição não teria assegurado à Administração, assim,
qualquer outra possibilidade de realizar dito controle16.
O veto, inserido no sistema de freios e de contrapesos envolvendo os
Poderes da República, seria o único modo de controle pelo Poder Executivo ocorrer de
forma preventiva. Após o mesmo, tenha ou não sido rejeitado, nenhuma possibilidade
de irresignação restaria ao Executivo. É a opinião de CAMANHO DE ASSIS.17
12 ASSIS, Alexandre Camanho. Inconstitucionalidade de Lei – Poder Executivo e Repúdio de Lei sob a alegação de inconstitucionalidade. Revista de Direito Público, 91, p. 119.
13 BARBOSA, Rui. Excursão Eleitoral. Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XXXVII. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa/MEC. p. 103 citado por MARINHO, Josaphat. Estudos Constitucionais: da Constituição de 1946 à de 1988. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1989. p. 99.
14 BITTENCOURT, Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. In: DIAS, José de Aguiar. Rio de Janeiro: Forense, 1968 citado por MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio à lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284, out.-dez. 1983, p. 102.
15 DUARTE, Clenício da Silva. Inconstitucionalidade de lei – Representação do Procurador Geral da República. Revista de Direito Público, 2, p. 154.
16 ASSIS, Alexandre Camanho de. Inconstitucionalidade de Lei: Poder Executivo e Repúdio de Lei sob a alegação de inconstitucionalidade. Revista de Direito Público, 91, p. 119.
17 ASSIS, Alexandre Camanho de. Op. cit. Loc. cit.
E se nada pode o Executivo contra um veto rejeitado pelo Congresso, será
evidente, seguindo o raciocínio, que não poderá recusar aplicação por
inconstitucionalidade à lei à qual chegou a apor sua sanção, tácita ou expressa. É esta a
opinião compartilhada pelos Ministros GONÇALVES DE OLIVEIRA (no julgamento
do MS 16003-DF)18, PRADO KELLY19 e OSCAR SARAIVA (em votos proferidos no
julgamento do MS 16003-DF).20
Lembram os adeptos do argumento a modalidade de controle corretivo
exercida pela Administração através de ações judiciais, notadamente, tratando-se de lei
em tese, da ação direta de inconstitucionalidade. Não faltou quem achasse que somente
a inexistência da previsão dessa via, para o Presidente da República, garantiria o direito
de recusar aplicar lei que reputasse inconstitucional. Ou seja, a partir do momento em
que o chefe do Executivo passou a contar com o referido instrumento, nenhuma razão
haveria para que descumprisse, segundo sua vontade, comandos legais de qualquer
espécie. Formou-se, então, uma corrente intermediária, a partir da dissensão vivida
pelos adeptos da teoria da legalidade ampla. O caudal formado pelos que não admitiam
a recusa à aplicação de lei inconstitucional, com isto, aumentou21.
Uma última alternativa para o Executivo, por fim, sancionada por equívoco
uma lei ou rejeitado o veto aposto (ou ainda, sem resultado, intentada ou não ação
judicial), seria propor ao Legislativo a revogação da lei tida por inconstitucional. Esta
tese é defendida, ainda que através de argumentos um tanto quanto pragmáticos, pelo
Ministro CARLOS MEDEIROS, no voto que proferiu no MS 15886-DF.
A falta de autorização constitucional explícita para a realização do controle
de constitucionalidade corretivo (sem apelo ao Judiciário) seria reforçada, ainda, com a
circunstância de que o Poder Executivo não disporia da inafastável imparcialidade
exigida para a tarefa, conforme advoga CAMANHO DE ASSIS.22
Tem-se, de acordo com o argumento, que somente o apego à estrita
legalidade garantiria por parte dos agentes administrativos a submissão aos comandos
oriundos do Legislativo. Haveria, pois, uma presunção de constitucionalidade que
somente poderia ser desfeita pelo Poder Judiciário. Caso pudessem se furtar do
18 Revista de Direito Público, 5, p. 247. No MS 15886-DF, externou este Ministro a mesma opinião. 19 Revista de Direito Público, 5, p .243. 20 Ibidem. p. 241. 21 Vide o Ministro Prado Kelly, que passou a ter essa opinião após o advento da EC 16 à CF de 1946,
que permitiu a representação ao Procurador Geral da República contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual. (in Revista de Direito Público, 5, p. 242).
22 ASSIS, Alexandre Camanho de. Inconstitucionalidade de lei: Poder Executivo e repúdio de lei sob a alegação de inconstitucionalidade. RDP, 91, p. 120.
cumprimento de uma disposição legal sempre que a entendessem inconstitucional, ter-
se-ia a anulação da capacidade legislativa de traduzir a vontade popular e de deter a
soberania do Estado quanto à edição de normas prescritivas de condutas. Assim, o
princípio da separação de Poderes seria violado. Neste sentido se posiciona o Ministro
VILAS BOAS.23
A este argumento é constantemente acrescido que o Poder Legislativo,
graças à especialização que detém, seria muito melhor capacitado para aquilatar a
constitucionalidade de qualquer dispositivo legal. É como diz o Ministro GONÇALVES
DE OLIVEIRA em voto proferido no julgamento do MS 16003-DF.24
Haveria, ainda, o compromisso assumido pelo Presidente da República, no
ato de sua posse, de manter e defender a Constituição da República e de observar as
suas leis. Não poderia, assim, olvidar desse compromisso assumido, quanto às últimas
(as leis), sendo o sistema engendrado, assim, para deixar a aferição de
incompatibilidade vertical das mesmas a cargo unicamente do Poder Judiciário.
FERNANDES reconhece que apesar de ter a CF/88 organizado o Estado,
dentro da lição deixada por Montesquieu, estabelecendo a tripartição dos Poderes, as
funções típicas desempenhadas por cada um dos Poderes não são exclusivas, mas
preponderantes25.
Tratando, ainda, da preponderância das funções de cada Poder, dentro da
atribuição de aplicar o direito a um fato concreto (denominada de “jurisdição”), o
mesmo autor vislumbra a existência da “jurisdição” administrativa, consistente na
atividade dos órgãos do Poder Executivos com atribuição de fazer atuar a vontade
concreta da lei, com vistas à consecução dos fins estatais que lhe são confiados, e a
“jurisdição comum” ou judicial, consistente na atividade dos juízes de direito.
Como se vê, o argumento desfavorável ao controle de constitucionalidade
pela Administração esgrima a idéia de que o sistema jurídico brasileiro conferiu certa
exclusividade ao Poder Judiciário para atuar no controle de constitucionalidade de atos
infraconstitucionais, competência afastada aos demais Poderes, por uma simples
questão de separação de Poderes ou de especialização funcional.
23 Voto vencido proferido no MS 15.886-DF (Revista Trimestral de Jurisprudência, 41, p. 691). 24 Revista de Direito Público, 5, p. 247-8. 25 FERNANDES, Edison Carlos. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 494-6.
2.1.2 Princípio da segurança jurídica
Também se indica a idéia ou o valor de segurança jurídica para obstar a
intervenção da Administração no controle de constitucionalidade de normas
infraconstitucionais.
A previsibilidade é o corifeu da segurança jurídica. Sem ela as expectativas
então legítimas se veriam frustradas, em prejuízo do princípio.
Daí, ao realizar o controle de constitucionalidade, a Administração poderá
frustrar expectativas que a lei infraconstitucional criou, atraindo insegurança que, para
alguns, não poderia nunca ocorrer em detrimento dos administrados.
Segundo BOTALLO: “O princípio da tipicidade fechada contribui de modo
decisivo para a segurança jurídica do contribuinte.26 De acordo com NEDER e LOPES, a noção de certeza e de previsibilidade,
conquanto seja essencial para concretizar o valor da segurança jurídica, não é suficiente
para defini-lo. Estes autores consideram essencial para a segurança do administrado a
observância pela Administração dos valores positivados pela Constituição e pela
impossibilidade de o Administrador aplicar nova interpretação das leis a fatos pretéritos,
em prejuízo dos administrados27, sobretudo no processo administrativo fiscal.
2.1.3 Princípio da legalidade formal
Relacionado ao princípio da segurança jurídica está o princípio da estrita
legalidade ou legalidade formal. A Constituição veda aos entes da federação a
possibilidade de exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.28
O dogma de que o lançamento tributário é uma atividade estritamente
vinculada produziu sem dúvida um reforço à idéia de que a vinculação à lei não pudesse
ser relativizada pela afirmação da inconstitucionalidade de qualquer norma relacionada
a este lançamento.Veja-se, a propósito, BALERA.29
Trata-se sem dúvida de um argumento de peso, e bastante ligado à idéia de
segurança jurídica.
Cumpre fixar, de logo, que o princípio da legalidade formal ou da estrita
legalidade deve ser observado na atividade fim da administração tributária (cobrança de
26 BOTALLO, Eduardo Domingos. Curso de Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 24.
27 NEDER, Marcos Vinicius; LOPES, Maria Tereza. Op. cit. Loc. cit. 28 Art. 150 da CRFB 1988. 29 BALERA, Wagner. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 473-4.
tributos). Os auditores fiscais, quando da lavratura dos autos de infração deverão
observar a legalidade estrita, no sentido empregado por ALBERTO XAVIER30. O que
não impede que a administração tributária judicante atenue este princípio ao confrontá-
lo com o princípio da legalidade ampla.
2.1.4 Princípio da hierarquia
Poder-se-ia dizer que o princípio da hierarquia deriva diretamente do
princípio de separação de Poderes, da segurança jurídica ou da legalidade estrita, mas a
elaboração feita exclusivamente em seu entorno justifica a sua exposição isolada, como
argumento.
O respeito ao princípio da hierarquia derivaria do interesse do próprio Poder
Executivo na adoção da legalidade estrita, da segurança e da reserva do controle ao
Judiciário, pois a indispensável hierarquia administrativa ver-se-ia seriamente
comprometida sempre que agentes inferiores pudessem se recusar a cumprir atos
infralegais, aduzindo violação à disposição legal, ou, ainda, a obedecer às leis por
alegarem inconstitucionalidade. Perderia o chefe do Executivo, assim, a capacidade de
impor direção única à conduta administrativa, realizando cada subordinado um
autogoverno segundo concepções subjetivas, relacionadas à livre interpretação que se
desse às normas superiores, legais ou mesmo constitucionais. Fugindo à fria
objetividade da lei ou ato normativo infralegal, e movido por interesses cuja aferição
teria se tornado obscura, o agente administrativo perderia o indispensável laço face à
vontade do chefe da Administração, legítimo representante incumbido da tarefa
administrativa, depositário da confiança popular que o investiu do mandato público. A
não observância da legalidade estrita, assim, ocasionaria a inevitável desordem ou
anarquia administrativa, desordem essa assim prevista pelo Ministro OSCAR
SARAIVA, em voto proferido no MS 16003-DF.31 No mesmo sentido tem-se
CASSONE.32
Ou seja, o controle de legalidade e de constitucionalidade faleceria à
autoridade administrativa pelo simples fato de, como autoridade dependente de órgãos
30 “Por mera dedução da própria lei, limitando-se a órgão de aplicação a subsumir o fato à norma, independentemente de qualquer valoração pessoal.” (XAVIER, Alberto. Conceito e natureza do acto tributário. Coimbra: Almedina, 1972. Cf. BOTALLO, Eduardo Domingos. Curso de Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 24).
31 Revista de Direito Público, 5, p. 243. 32 CASSONE, Vitório. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 381-2.
políticos superiores e constitucionalmente criados, jamais poderia contrariar a atividade
destes mesmos órgãos, a quem se vincularia cegamente, como acessório e instrumento.
2.1.5 Princípio da presunção de constitucionalidade das leis em vigor
A presunção de constitucionalidade das leis em vigor, na medida em que
possa ser oposta à Administração, deveria, segundo alguns, inibir a sua atividade em
contrário à aplicação destas normas. É esta a opinião de PRAXEDES, para quem “A lei
não pode deixar de ser cumprida por autoridade administrativa, em processo fiscal ou
não, no entendimento de que ela é inconstitucional. É que impede sua insubmissão o
princípio da presunção da constitucionalidade.”33
Apesar de o princípio da presunção de constitucionalidade das leis em vigor
estar implícito no ordenamento jurídico, PRAXEDES considera que este princípio foi
reforçado pela norma prevista na constituição que estabelece, no controle concentrado
de constitucionalidade pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a obrigatoriedade de
citação do Advogado Geral da União (AGU), a quem caberá a defesa do ato ou texto da
“norma legal ou ato normativo” impugnado.34
JOSÉ AFONSO DA SILVA comunga deste entendimento, assegurando que
existe presunção de validade constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder
Público, que só é ilidida quando opera o mecanismo de controle jurisdicional
estabelecido na Constituição. Refere que o AGU atua nas ADINs contra lei em tese
como defensor da presunção de constitucionalidade das Leis em vigor.35 Neste sentido é
também a posição do STF, para quem não cabe ao Advogado Geral da União admitir a
invalidez da norma impugnada, no processo de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
devendo este cumprir o papel de curador da presunção de constitucionalidade da lei36.
Cumpre ressalvar que a presunção de constitucionalidade das leis é uma
presunção relativa, como salientou PRAXEDES.37
Para servir como argumento desfavorável ao controle de constitucionalidade
pela Administração, todavia, ou esta presunção deve ser absoluta (o que à evidência não
se sustenta), ou deve existir uma abertura, no sistema, para que o controle seja feito
exclusivamente por outro órgão ou Poder (e surge aqui novamente o argumento da
33 PRAXEDES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 236-7.
34 CRFB 1988, art. 103§ 3º . 35 SILVA, Jose Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
558. 36 STF, ADI/QO 72, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 22.3.1990, RDA 179-180/208. 37 Ibidem. Loc. cit.
separação de Poderes). Se um ou outro destes dois últimos argumentos não prevalece ou
não pode ser reconhecido, a conclusão a que se chega é que o Princípio da Presunção
de Constitucionalidade das Leis em vigor também não se sustenta como impeditivo ao
controle de constitucionalidade pela Administração.
2.1.6 Reserva de plenário
Tem-se ainda como objeção à adoção da possibilidade do controle de
constitucionalidade pela Administração o princípio da reserva de plenário.
Este princípio é trazido pelo artigo 97 da Constituição Federal, que
estabeleceu quórum qualificado (maioria absoluta) para que os tribunais possam
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Emitindo alargada opinião que utilizou o argumento da reserva de plenário
(como também os argumentos já expostos de separação de Poderes, hierarquia,
presunção de constitucionalidade, legalidade estrita e segurança jurídica), PRAXEDES
assim justifica a impossibilidade de controle administrativo de constitucionalidade.38
O argumento consiste basicamente em estender a limitação feita aos
tribunais à própria Administração pública, associando a idéia de uniformização judicial
pretendida pelo princípio de reserva do plenário à uniformização que se pretende
também por parte ou no interior da Administração pública. Todavia, o argumento ignora
que a competência para declarar a norma constitucional possui reserva de plenário
apenas em tribunais, e não em primeiro grau (perante juízes de piso, que continuam
podendo agir de modo não uniforme), e se fosse o caso de resgatá-la para a
Administração, competiria fazê-lo para os tribunais administrativos, apenas, o que
confirmaria a afirmação de que o controle de constitucionalidade pela Administração
seria possível.
Sobre este e os demais argumentos para a defesa do controle de
constitucionalidade pela Administração, veja-se a seguir.
2.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS
2.2.1 Estado de direito constitucional
Desafeitos aos argumentos desfavoráveis encontram-se todos aqueles para
quem pode (e mesmo deve) a Administração recusar obediência a lei inconstitucional ou
38 PRAXEDES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 236.
a ato infralegal que padeça do mesmo vício ou de ilegalidade. Preferem, assim, à
legalidade estrita, a adoção, pela Administração, da idéia de legalidade ampla39.
Um dos primeiros argumentos que se põe diante do tema do controle de
constitucionalidade das normas jurídicas pela Administração é a necessidade de
manutenção do Estado de Direito Constitucional, que jamais seria mantido na hipótese
de se recusar à Administração a capacidade de afastar a aplicação de norma
inconstitucional, ou de forçá-la a aguardar a atuação corretiva do Poder Judiciário para
então salvaguardar o restabelecimento da ordem constitucional.
Deve-se recusar, também, o argumento de que o Judiciário, graças à
especialização que detém, seria muito melhor capacitado para aquilatar a
constitucionalidade de qualquer dispositivo legal. Nenhuma “especialização” garante o
direito de violar a Constituição.
Não se pode deixar de trazer à baila o esforço acadêmico representado pela
consulta formulada (“A autoridade administrativa, como julgadora no processo
administrativo fiscal, pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional?) a
diversos doutrinadores, sendo as respostas publicadas em obra coletiva40, coordenada
por GANDRA MARTINS. Assim respondeu GANDRA MARTINS à própria consulta
que coordenou, aplicando os argumentos do Estado de Direito: “Pretender servir ao
Estado e à sociedade, negando-se a cumprir a constituição, sob a alegação de que
questões constitucionais devem ser examinadas pelo Poder Judiciário, é desrespeitar a
ordem, é descumprir a lei e é violentar o Estado de Direito, visto que toda a ordem
jurídica tem o seu perfil definido pela Constituição.”41No mesmo sentido, tem-se
DELGADO42. Estes autores se referem à necessidade de preservação do Estado de
Direito, inviável diante da mantença, pela Administração, de norma inconstitucional, a
quem caberia por sua própria iniciativa afastar.
39 É o caso de Valdir de Oliveira Rocha, para quem “O órgão decididor administrativo singular pode e deve – conclui-se – conhecer de defesa baseada em inconstitucionalidade e dela decidir” (ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 58, ou ainda de Adriano Pinto, para quem “[…] negar à Administração o poder de recusar aplicação seria negar a própria supremacia da Constituição” (citado por MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal e o mandado de segurança. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 79).
40 MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
41 Ibidem. p. 74-6. 42 DELGADO, José Augusto. Reflexões sobre o Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS,
Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 111-14.
Bastante útil ao argumento é a construção empreendida por HABERLE, no
sentido de que a interpretação da Constituição não é tarefa restrita a uma sociedade
fechada de intérpretes, mas a uma sociedade aberta de aplicadores, na qual se insere sem
sombra de dúvida a Administração. O poder público é expressamente mencionado pelo
autor entre os agentes da interpretação, sendo o destinatário da norma um participante,
muito mais ativo do que se poderia supor tradicionalmente, do processo hermenêutico43.
2.2.2 Garantia de ampla defesa
Também o princípio constitucional da ampla defesa justifica a competência
controladora, pela Administração.
Sempre partem da Constituição Federal os autores que fundamentam o
dever da administração judicante de apreciar questões relativas à constitucionalidade de
leis e atos normativos na garantia de ampla defesa do contribuinte no processo
administrativo fiscal.
A Constituição elevou o status do processo administrativo ao nível de
proteção constitucional, quando assegurou o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e
aos acusados em geral44. Ao processo administrativo passaram a ser aplicados os
mesmos princípios e normas que já eram adotados no processo civil e no processo
penal.
Nessa direção posicionam-se JUSTEN FILHO45 e BALERA46. Este último
autor afirma ainda que o conflito intersubjetivo de interesses existente no processo
administrativo tem por essência o contraditório, que pressupõe a busca da verdade,
possuindo, portanto, feição dialética. O desconhecimento da questão jurídica, sobretudo a
constitucional, que justifica a resistência do contribuinte, viola a segunda parte da ampla
fórmula constitucional consubstanciada no transcrito inciso LV, do art. 5º, do Código Supremo.
BALERA explica que o fato de ser dever da autoridade condutora do processo
administrativo o conhecimento de questão constitucional que envolva a lide não
impede, nem retira do Poder Judiciário a competência para decidir definitivamente
43 HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: SAF, 1997. p. 14-20.
44 Cf. Artigo, 5º, LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil de outubro de 1988. 45 JUSTEN FILHO, Marçal. Ampla defesa e conhecimento de argüições de inconstitucionalidade e
ilegalidade no processo administrativo. Revista Dialética de Direito Tributário, 25/76. 46 BALERA, Wagner. Do controle de constitucionalidade pelo tribunal fiscal. Revista dos Tribunais,, 71,
p.64-65.
sobre a questão, em face do princípio da inafastabilidade do controle judicial dos atos
administrativos.
Lembra MARTINS RODRIGUES que se a Constituição assegura a ampla
defesa em processo administrativo, o contribuinte pode alegar tudo aquilo que lhe seja
útil em defesa do seu direito, inclusive matéria constitucional, estando os órgãos
julgadores no dever de examinar todas as questões relacionadas com o ordenamento
jurídico.47 No mesmo sentido se encontra CABRAL.48 MARTINS RODRIGUES, contudo, faz importante distinção técnica, entre a
competência dos órgãos julgadores administrativos para afastar a aplicação de leis ou
atos normativos reputados inconstitucionais e a competência privativa do Poder
Judiciário para declarar a inconstitucionalidade de lei.49
Ou seja, o processo, judicial ou administrativo, é o instrumento da ampla
defesa, e esta não se faria caso se recusasse a apreciação de questão referente à
constitucionalidade de norma, ou o afastamento do comando normativo impróprio
(inconstitucional).
2.2.3 Jurisdição administrativa
Bastante vinculada ao argumento anterior é a afirmação de que a jurisdição
administrativa adquire contornos semelhantes (embora não necessariamente idênticos) à
jurisdição judicial, e possui, assim, uma diferenciação em face dos órgãos
administrativos em geral, diferenciação esta já suficiente para suportar a atividade de
controle de constitucionalidade.
Não se pode concordar com a alegação de que a atividade julgadora
administrativa não é jurisdicional porque a jurisdição exige a imutabilidade das
decisões.
Ora, a jurisdição administrativa distingue-se da jurisdição judicial
justamente por não proporcionar o caráter de irretratabilidade próprio da última. E
ambas seriam jurisdições, na medida em que ambas dizem o direito, na esfera de suas
competências. É o que afirma, por exemplo, HELY LOPES MEIRELLES.50
47 RODRIGUES, Marilena Talarico Martins. O Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra. Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 333.
48 CABRAL, Antonio da Silva. Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 544-5. 49 RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives
Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 339-40.
50 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 582, nota 17.
Para BIELSA, o Executivo exerce função jurisdicional na medida em que é
ela um complemento natural da função administrativa51. E, segundo FREDERICO
MARQUES: “A diferença entre o controle judiciário e a verificação de
inconstitucionalidade de outros poderes reside em que o primeiro é definitivo hic et
nunc, enquanto a segunda está sujeita a exame posterior pelas Cortes de Justiça.”52
Daí ser desnecessário o recurso ao argumento, utilizado em algumas
oportunidades, de que a recusa à aplicação de lei inconstitucional poderia ser feita por
não estar o Executivo realizando atividade jurisdicional.
A interpretação das normas pelo ângulo de sua constitucionalidade constitui
uma necessidade do dia a dia da Administração.53 A jurisdição, embora não seja uma
atividade típica do Poder Executivo, é por ele exercida. É do que fala BARROS
CASTRO.54
A Administração ativa, para o mesmo autor, com apoio em GOMES DE
SOUSA, tem por objeto a atuação concreta da vontade do Estado declarada
abstratamente na lei. Trata-se de uma atividade essencialmente funcional, visando à
aplicação da lei aos casos concretos, atuando e produzindo os resultados de ordem
prática visados pelo legislador. Visa-se apenas efetivar coativamente a realização de
uma função administrativamente regrada ou discricionária, respectivamente nos termos
e nos limites previstos em lei. A Administração ativa funciona de ofício, buscando o
interesse do ente público previsto na lei.
A Administração judicante, ao revés, visa solucionar as controvérsias
surgidas entre a Administração e os administrados, em consequência do funcionamento
da Administração ativa. A Administração judicante somente funciona por iniciativa da
parte, buscando o interesse da manutenção da ordem jurídica, restaurando as situações
em que essa ordem tenha sido lesada por um ato da Administração ativa que seja
contrário ao direito.
51 BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo. Buenos Aires: La Ley, 1966. p. 122. 52 Citado pelo Ministro Moreira Alves em voto na R. 980-SP (Revista Trimestral de Jurisprudência, 96,
p. 507). 53 Citado pelo Ministro Luís Gallotti em voto proferido no RMS 7.243 (RDA 59/351-352). 54 CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento Administrativo Tributário: teoria e prática. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 24.
Assim, a Administração judicante se confunde, em sua função, com o Poder
Judiciário, pois ambos buscam a plenitude da ordem jurídica, mediante a solução da
controvérsia originada entre as partes55.
2.2.4 A supremacia da Constituição
Sobre o argumento de supremacia da Constituição, pouco este destoa do
argumento da necessidade de preservação do Estado de Direito constitucional. Todavia,
alguns autores preferem individuá-lo expressamente. É o caso de MELO.56 Pode-se
também recorrer a SILVA NETO, no mesmo sentido.57
Quanto ao controle de constitucionalidade pela Administração, se afronta
não há ao Poder Judiciário, é de se concluir, com teóricos da legalidade ampla, que
afronta indevida também não se dá face ao Poder Legislativo. A possibilidade de afastar
comandos inconstitucionais não significa de modo algum contrariar a expressão
legislativa da vontade popular, mas, antes, obedecê-la, pois estar-se-á a afirmar um
princípio ou comando superior desta vontade, posto justamente no texto constitucional.
Se o Legislativo, ao editar lei, ato infraconstitucional, violou esta vontade, a não
aplicação da norma, pela Administração, corresponderia ao exercício de um controle
sobre as práticas daquele Poder, dentro da tão valorizada concepção de “checks and
balances”. O que importa, assim, não será atender ao último desígnio do Legislativo,
mas respeitar a expressão da vontade popular em sua mais elevada forma, afastando
equívocos cometidos pelo Legislativo que teria deixado, ele próprio, de atentar para
comandos superiores que devem conformar à sua própria ação. A soberania não seria
nem um pouco arranhada. Ao revés, a expressão do Poder Constituinte é fielmente
mantida com a ação da Administração que recuse a aplicação de um comando
contrastante com a sua obra58. Trata-se de compreender a ordem jurídica como uma
totalidade59. Vale conferir a argumentação desenvolvida por MIRANDA LIMA60 que
critica os doutrinadores que não reconhecem ao Poder Executivo o direito de afastar a
aplicação de lei claramente inconstitucional.
55 CASTRO, Alexandre Barros. Procedimento Administrativo Tributário: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 24.
56 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 52. 57 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 225.
58 A doutrina empresta valioso apoio a este argumento. 59 DROMI, Jose Roberto. Instituciones de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Astra, 1973. p. 464. 60 MIRANDA LIMA. Funcionário Público – Aposentadoria – Lei Inconstitucional – Poder Executivo.
Revista de Direito Administrativo, 81, Parecer, p. 468-9.
Ou seja, entre a constituição e a lei infraconstitucional, havendo conflito,
deve o administrador preferir a Constituição. Ou, na dicção lapidar de Ruy Barbosa,
“Descumpre-se a lei para cumprir a Constituição”61.
Fornece combustível ao entendimento de que seria possível a recusa de
cumprimento à lei inconstitucional a concepção de que a lei inconstitucional seria nula
ab initio. Na lição de THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI “O ato ou lei
inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou o é para o direito
como se nunca tivesse existido.”62 Já anotou ADALÍCIO NOGUEIRA no julgamento do MS 16003-DF que o
Presidente da República pode recusar-se a cumprir uma lei, sob justificativa da sua
inconstitucionalidade; não declará-la, mas descumpri-la63. PONTES DE MIRANDA
preleciona que “A decisão administrativa sobre a inconstitucionalidade ou ilegalidade
não desconstitui (só a sentença judiciária o faz) mas dá ensejo à abstenção, se e
enquanto não sobrevém a sentença judiciária.”64
MIRANDA LIMA65 entende que entre a ausência de poder para declarar a
inconstitucionalidade e o poder de recusar a aplicação de uma lei inconstitucional,
existe, como frequentemente ressaltado, “uma diferença fundamental”. O Conselho de
Contribuintes, mesmo sem declarar a inconstitucionalidade, pode recusar a aplicação de
uma lei inconstitucional.
Analisando-se outro argumento, deve-se recordar que os adeptos da
legalidade estrita, como já visto, esgrimem a idéia de que também ao próprio Poder
Executivo interessaria a vedação do controle de constitucionalidade e de legalidade por
parte de agentes inferiores, diante da necessidade de preservar a hierarquia e controlar
os limites da atividade interna, que sempre teria de observar ditames superiores. Este
argumento não sobrevive, todavia, ante a percepção de que a violação da Constituição é
uma violação dos princípios fundamentais da Nação, e “violar um princípio”, como diz
LÚCIA DO VALLE FIGUEIREDO, lembrando os publicistas, “[…] é muito mais sério
61 BARBOSA, Ruy. Os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal. Rio de Janeiro: Cia Impressora, 1896. Segundo Hely Lopes Meirelles, “Quem descumpre lei inconstitucional não comete ilegalidade porque está cumprindo a Constituição” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: ERT, [s.d.]. p. 848).
62 Citado pelo Ministro Prado Kelly em voto publicado na RTJ 41, p. 687. No RMS 15.015-SP, o Ministro Candido Mota Filho assim assevera: “A lei, em tais condições, não é lei, até antes de assim declarada pelo Poder Judiciário”.
63 Revista de Direito Público, 5, p. 245. 64 Vide voto do Ministro Moreira Alves publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência, 96, p. 500. 65 Citado pelo Ministro Moreira Alves em voto publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência, 96, p.
500.
do que violar toda a lei”66. Ao interesse público, pois, muito mais do que preservar a
violação em nome da organização e da ordem, impede fugir à ordem desarrazoada para
evitar a desordem, ao desarranjo diante da Constituição, ao olvido de princípios e
fundamentos.
Com muito acerto leciona a Ministra CARMEN LÚCIA ANTUNES
ROCHA que: […] sendo notória a invalidade do ato da Administração Pública, não
se há de ponderar sobre a subsistência daquela presunção. Seria desarrazoado, estéril e até mesmo danoso ao interesse público, ultrapassar fronteiras do entendimento e da lógica para, por amor à forma, permitir-se a produção de efeitos a um ato sabidamente, porque manifestamente nulo.67
A recusa ao controle de constitucionalidade por parte da Administração
pode também fazer surgir uma situação no mínimo paradoxal. É que se a Administração
recusa a aplicação de norma reputada inconstitucional, quem se julgar prejudicado em
seu direito deverá levar a situação ao Judiciário que, entre a norma constitucional e
outra de patamar inferior, fatalmente irá reconhecer predomínio à primeira. Daí ser
inócua a recusa desta possibilidade à Administração, já que o detentor do único meio
efetivo de controle (Poder Judiciário) nada fará (desde que tenha a Administração agido
com acerto e não tenham sido geradas situações subjetivas de vantagem) para desassistir
à pretensão da Administração.
Deixando de reconhecer aplicação a uma lei que repute inconstitucional, a
Administração simplesmente deixa ao prejudicado o dever de provar que nenhuma
inconstitucionalidade ocorreu. Ocorre, assim, uma inversão do ônus da prova, como já
foi reconhecido pelo Ministro ALIOMAR BALEEIRO, em voto proferido no MS
16003-DF: “Quanto ele (o executivo) não cumpre a lei, o que ele quer é inverter o ônus
da ação. Ao invés de ele tomar a iniciativa, ele não cumpre a lei e o particular procura
o Poder Judiciário usando das medidas que as Constituições e as leis lhe asseguram”.68
Outro argumento bastante lembrado é o de que se qualquer particular pode
recusar obediência a um comando legal inconstitucional ou a um comando infralegal
ilegal, nenhuma razão haveria para não reconhecer este direito também à
66 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 45. 67 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994. p. 124-5. 68 Revista de Direito Público, 5, p. 245.
Administração, que cuida de interesses públicos e, como visto, também detém a posição
de guardião da Constituição. Neste sentido posiciona-se MIGUEL REALE.69
A afirmação da tese da legalidade ampla não para por aí. A formação da
corrente intermediária, com a edição da Emenda nº 16 à Constituição de 1946, não
mereceu, após uma perplexidade inicial, qualquer reconhecimento pela jurisprudência,
que seguiu o mesmo rumo de antes, considerando, inclusive, que a inovação, à época,
nem era tão significativa, pois o STF já reconhecia o direito dos Governadores de
Estado de deixarem de aplicar lei estadual inconstitucional, ainda que prevista a
representação de inconstitucionalidade por meio de Procurador Geral do Estado70.
LOBO refere-se à moderna tendência da “jurisdicionalização” do processo
administrativo e conclui que “a Administração fiscal, como órgão de julgamento, deve
poder deixar de aplicar a lei se considerar inconstitucional, fundamentando, obviamente,
a não aplicação do texto legal sob a ótica da sua colisão com a Lei Maior.” 71
Sob outra ótica, o princípio da legalidade tributária constitui uma das
garantias do Estado de Direito (art. 5º, II, da CF), devendo a Administração Pública
expressa obediência ao princípio da legalidade (art. 37).
Fala-se tanto da reserva formal da lei (mediante a fixação precisa e
determinada do órgão singular competente para sua expedição) quanto da reserva
material da lei (ordem abstrata, geral e impessoal).
No campo tributário, a instituição, majoração e extinção dos tributos, ou
criação ou modificação de subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, devem ser sempre previstos em lei, neste
conceito incluída a Constituição, e assegurando-se, assim, os valores de certeza e
segurança jurídicas.
É impossível falar no princípio da legalidade tributária sem o
reconhecimento de que todos os órgãos julgadores administrativos devem decidir as
questões submetidas à sua apreciação com observância dos superiores princípios
jurídicos, examinando o vigente ordenamento como um todo.
69 Citado por MONTEIRO, Ruy Castro de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio da lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 49, n. 284, p. 101-3.
70 Tal situação foi lembrada pelo Ministro Aliomar Baleeiro no voto proferido no MS 15886-DF, definido como inconsistentes todas as alegações que tomavam por base uma suposta inovação constitucional (In: Revista Trimestral de Jurisprudência, 41/685).
71 LOBO, Maria Teresa de Cárcomo. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 250-1.
Já se disse que não podem os julgadores ficar adstritos a determinados
campos legislativos, obedecendo cegamente às orientações internas das fazendas de que
façam parte, aplicando cega e ilegitimamente leis inconstitucionais, fazendo pouco caso
da regra de ouro de que a interpretação obedece ao critério sistemático ou ignorando a
distinção entre a administração ativa e a administração judicante, distinção esta já
exposta acima.
Sempre é lembrada a decisão das Câmaras Reunidas do Tribunal de
Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda de São Paulo (TIT), onde se concluiu que:
“O Egrégio Tribunal de Impostos e Taxas, por qualquer de suas Câmaras, é competente
para deixar de aplicar lei inconstitucional ou decreto ilegal em casos concretos”.72
Neste julgamento, foi destacado que a intangibilidade do regime é tarefa de
todos os órgãos e poderes, todos que são guardas da Constituição, e mencionou-se os
precedentes do STF que reiteradamente reconheceram ao Poder executivo o direito de
deixar de cumprir leis que entendesse inconstitucionais.
Outro julgamento lembrado ocorreu no STJ cinco anos após a vigência da
atual Constituição: “LEI INCONSTITUCIONAL – PODER EXECUTIVO – NEGATIVA
DE EFICÁCIA. O Poder Executivo deve negar a ato normativo que lhe pareça
inconstitucional”.73
Não se pode deixar de aplicar a Constituição em detrimento da lei, ante a
superioridade desta, e pelo caráter intrínseco do processo administrativo como um
sistema de controle interno da atividade administrativa tributária, que necessariamente
implica em garantir os direitos individuais do contribuinte contra abusos e
arbitrariedades da Administração. MARTINS RODRIGUES insiste, no mesmo sentido,
que “Para tender ao princípio da legalidade não é suficiente a existência de lei, mas é
necessário que a lei esteja em conformidade com as normas constitucionais que
integram o ordenamento jurídico, respeitados os princípios e garantias constitucionais,
tal como descritos na Constituição Federal.”74
Para defender o Estado de Direito ou a supremacia da Constituição, é
inequívoco que se exige a ausência de prática contrária à Carta Magna pela
Administração Pública.
72 Processo SF -2713/95, relator Juiz Ademir Ramos da Silva, decisão publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo de 25.07.1995, p. 10.
73 STJ, REsp 23.121-GO, 1ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, AC. de 06.10.1993. 74 RODRIGUES, Marilena Talarico Martins. O Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives
Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 333.
2.2.5 Direito de petição
Finalmente, e como o reverso da medalha do princípio da ampla defesa,
tem-se, para alguns, a necessidade do controle administrativo de constitucionalidade
para a preservação do direito constitucional de petição.
O direito de petição (artigo 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal)
consiste no direito de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou
situação, obtendo assim manifestação fundamentada sobre o que lhe foi solicitado, não
podendo a Administração se recusar a se pronunciar a respeito.
O direito de petição não pode ser destituído de eficácia, e esta eficácia
consiste justamente na exigência de resposta por parte do poder público75, ainda que a
resposta não contemple ou atenda a providência reclamada pelo administrado76. No
mesmo sentido, veja-se ROCHA.77
De qualquer modo, como já visto, o princípio da ampla defesa e a proteção
do direito de petição se confundem, correspondendo a duas faces da mesma moeda.
2.3 TESES INTERMEDIÁRIAS
Diversas correntes intermediárias emergem da prática administrativa ou da
doutrina, sempre reduzindo o grau de possibilidade de reconhecimento da ilegalidade ou
da inconstitucionalidade, mas sem chegar nunca ao exagero de impedir referido
reconhecimento, de modo absoluto, por parte dos agentes administrativos.
2.3.1 Limitação à cúpula administrativa
A primeira delas pode ser descrita como limitadora do citado
reconhecimento ao chefe do Poder Executivo. É o que pensa THEMÍSTOCLES
BRANDÃO CAVALCANTI: O que tem sido, entretanto, admitido é que a autoridade superior, o
Poder Executivo, na orientação da política administrativa, pode verificar a constitucionalidade de uma lei e deixar de aplicá-la, usando do processo usual de interpretação que consiste na aplicação da lei hierarquicamente superior, que exclui, desde logo, a aplicação da lei menor que com ela vem colidir.78
75 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p.144.
76 NEDER, Marcus Vinicius; LOPEZ. Maria Teresa Martínez. Processo Administrativo fiscal federal comentado: Decreto nº 70.235/72 e Lei nº 9.784/99. 2.ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 49.
77 ROCHA, Valdir de Oliveira. A Consulta Fiscal. São Paulo: Dialética, 1996. p. 117. 78 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Lei – Declaração de Inconstitucionalidade pelo Poder
Executivo. Parecer, RDA, 82, p. 377.
É expressão desse pensamento, ainda, a opinião externada por LÚCIO BITTENCOURT, que nega aos funcionários administrativos tal faculdade por não contarem com o exercício do Poder Executivo79.
Dentre os defensores do argumento em prol da competência controladora
centralizada da Administração, tem-se SILVA NETO, para quem: Logo, impedir que o Chefe do Poder Executivo afaste, no âmbito da Administração Pública por ele chefiada – e só com relação a ela, é claro! -, a aplicação de norma suspeita de inconstitucionalidade significa admitir o desencadeamento de efeitos nocivos ao interesse público até que, por definitivo, o Poder Judiciário declare a existência do vício.[...] Anote-se, no entanto, que vimos cogitando de prerrogativa do Chefe do Poder, razão pela qual não é deferida a outras autoridades administrativas, por mais autonomia que tenha ou possam crer que a possuam..80
O posicionamento indicado acima concebe a competência controladora,
entretanto, como prerrogativa do Chefe do Poder, e não dos demais agentes inferiores,
com o que não se pode concordar, já que deve se admitir esta competência para a
Administração judicante (embora, com efeito, se possa recusá-la à Administração
ativa).
2.3.2 Prévia atuação do Poder Judiciário
Para assegurar um certo objetivismo por parte da Administração que surgiu
a ideia de admitir o reconhecimento administrativo da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade somente após esse reconhecimento haver sido praticado por órgãos do Poder
Judiciário81.
Na opinião de JOSÉ LUIZ DE ANHAIA MELO82, o reconhecimento
administrativo da inconstitucionalidade ou da ilegalidade somente poderia ocorrer após
a prévia ou concomitante submissão do caso ao Poder Judiciário, embora a decisão
oriunda do mesmo não precisasse ser aguardada para que a ação ou omissão
administrativa se processasse.
Representativa do pensamento intermediário é a opinião de HARADA, para
quem a autoridade administrativa, enquanto julgadora no processo administrativo fiscal,
pode deixar de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional. Contudo faz importante
79 Cf. MONTEIRO, Ruy Castro de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio da lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 49, n. 284, p. 109.
80 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 289-90.
81 Neste sentido BRITO, Edvaldo. Ampla defesa e competência dos órgãos julgadores administrativos para conhecer de argumentos de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade de atos em que se fundamentam autuações. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Processo Administrativo Fiscal. São Paulo, Dialética, 1995. p. 60.
82 Citado por MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio à lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284, out./dez. 1983. p. 108.
ressalva: “Entretanto, é sempre aconselhável que se aguarde o pronunciamento
definitivo do Poder Judiciário acerca da matéria, em razão do princípio de presunção de
constitucionalidade das leis em vigor.”83
Aguardar a prévia manifestação do Poder Judiciário, apesar de ser prudente,
muitas vezes se revela impossível, em razão da necessidade diária de solução dos
problemas que surgem no Estado, e que reclamam soluções de imediato.
2.3.3 Limitação aos órgãos julgadores
Já manifestamos acima a concordância com a tese de que a Administração
julgadora possui competência para o controle de constitucionalidade.
Ao se restringir o controle apenas à Administração julgadora (retirando-o
da chamada Administração ativa), chega-se de fato a uma espécie de tese intermediária.
Nesse sentido, ROCHA entende que o controle administrativo de
constitucionalidade, de todo factível, não deveria ficar limitado à cúpula administrativa,
embora devesse ficar restrito a todo agente quando possuísse atividade julgadora.84
No mesmo sentido do entendimento de ROCHA tem-se COSTA, para quem
qualquer órgão julgador possui atribuição de controlar a aplicação da norma
inconstitucional.85
Não destoou deste entendimento ALVES, que diferenciou a atividade
administrativa de lançamento - plenamente vinculada à lei86 - da atividade exercida pela
autoridade administrativa julgadora.87
Sem esquecer ICHIHARA, para quem, respondendo à mesma questão,
entendeu que, “pode o julgador administrativo deixar de aplicar a lei por considerá-la
inconstitucional, quando esta é manifesta.”88
Como se viu, estes entendimentos ampliam a possibilidade de aplicação do
exame de constitucionalidade para qualquer agente julgador administrativo, e
83 HARADA, Kiyoshi. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 373.
84 ROCHA, Valdir de Oliveira. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 257-8.
85 COSTA, Antônio José da. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 268-9.
86 Art. 3º do CTN. 87 ALVES, Francisco de Assis. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 459-61.
88 ICHIHARA, Yoshiaki. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 215-6.
convenientemente afastam a idéia de uma competência exclusiva do Poder Judiciário
para preservar a Constituição.
A liberdade de julgar do julgador administrativo é menor do que a do
magistrado, contudo é mais ampla do que a dos agentes públicos em geral
(Administração ativa), já que estes se submetem à hierarquia, diferentemente dos
julgadores administrativos (Administração judicante).
Cumpre anotar que os órgãos administrativos julgadores são especializados
na matéria altamente complexa que lhes é submetida, apreciando um número
infinitamente maior de casos do que o número submetido ao Judiciário, onde a análise
nem sempre é tão técnica e detalhada. Este argumento serve a reforçar o argumento de
que o julgamento, pelo Poder Judiciário, deveria ocorrer de modo excepcional apenas.
Hoje, sequer as provas produzidas na instância administrativa (a exemplo de perícias)
são aproveitadas na fase judicial, o que produz um inegável aumento de despesas e de
demora na solução das controvérsias.
2.3.4 Limitação aos órgãos julgadores de segundo grau
Deriva da tese anterior a tese de que, embora factível o controle de
constitucionalidade por órgãos julgadores (Administração julgadora), este controle seria
restrito aos órgãos administrativos julgadores de segundo grau (com composição
paritária de julgadores classistas e fazendários), em razão da necessidade de conferir
maior segurança e imparcialidade às decisões administrativas.
É MARIZ DE OLIVEIRA, respondendo à questão já mencionada e
diferenciando a atividade julgadora de primeira instância (onde a composição é
exclusivamente fazendária) da atividade realizada pela segunda instância (onde passa a
existir a composição paritária entre fazendários e membros classistas), quem pensa que
em primeira instância a autoridade administrativa julgadora está vinculada à lei e aos
atos normativos expedidos pelas repartições fazendárias. Na segunda instância contudo
a autoridade administrativa judiciante, “que não deve subordinação na sua tarefa
decisória, em tese é possível que o órgão julgador deixe de aplicar uma lei por
considerá-la contrária à Constituição, por que a aplicação do direito, necessariamente
contida em qualquer manifestação judicante, começa pela aplicação das próprias normas
constitucionais.”89
89 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo Tributário. 2.ed. Atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 215-6.
Este autor entende que o fato da primeira instância ser composta
exclusivamente de servidores do fisco retiraria da mesma a imparcialidade necessária ao
julgamento. O melhor juiz não poderia ser juiz de si mesmo, como se diz. “Nem ao
homem mais imparcial do mundo é permitido que se torne juiz em seu próprio caso”, já
lecionava PASCAL em 166290.
Mas se a Administração logra, com a centralização e com a dependência do
Judiciário, afastar-se dos riscos do subjetivismo do servidor e de certa desordem
administrativa, perde em agilidade e na proteção dos interesses dos administrados, pois
poderá agir a Administração de modo monstruoso (constitucionalmente falando).
Vários argumentos são alinhados para justificar a concentração decisória em
instâncias superiores, e um deles é revelado a partir da discussão travada entre o
Ministro GONÇALVES DE OLIVEIRA e o Ministro CÂNDIDO MOTTA FILHO, no
julgamento do RMS 15.015-SP.
Para o primeiro, “As leis votadas regularmente pelas Assembléias devem ser
cumpridas. Não podemos permitir que o Poder Executivo descumpra as leis, na base de
interpretação. Nem todo o Governador é um Ruy Barbosa, jurisconsulto de porte, para
descumprir as leis, na base das interpretações”. Redarguiu o segundo que o “Ruy
Barbosa é o Poder Executivo, com a sua máquina, sua existência jurídica, com a
consciência de sua competência, guarda que também é da Constituição”.91
2.3.5 Requalificação dos órgãos de controle
Ao lado dos que entendem dever ser reservada ao chefe do Poder a condição
de resolver sobre a compatibilidade vertical das normas, dever aguardar-se a solução
judiciária, ou caber o controle unicamente a órgãos julgadores, põem-se outros, que
admitem uma maior descentralização, tomando-se, todavia, alguns cuidados quanto ao
mal do subjetivismo.
Este poderia ser atenuado, assim, pela obrigatoriedade de consultas a órgãos
técnicos (notadamente as procuradorias jurídicas), pelo estabelecimento de duplo grau
necessário ou pela instituição da necessidade de homologação92.
Outra variante exige que as decisões administrativas proveniente de órgãos
colegiados observem o quorum especial (maioria absoluta) fixado no artigo 97 da
90 GIANETTI, Eduardo. O Livro das Citações. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 91 Revista Trimestral de Jurisprudência, 36, p. 385-386. 92 Trata-se de sugestões que podem ser feitas de lege ferenda, inclusive em relação à legislação baiana.
Constituição Federal para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público.
2.3.6 Limitações em razão da boa fé, do direito adquirido ou do ato jurídico
perfeito
Duas atenuações, contudo, propostas por teses intermediárias, devem ser
irrecusavelmente admitidas, ao lado da já admitida competência controladora aos órgãos
julgadores. Uma delas é a evidência da inconstitucionalidade (que será vista no item
3.3.8).
Outra delas cuida do caso de haverem sido produzidos efeitos face a
terceiros a partir de atos fundados em norma desfundamentada. Foi o que decidiu o
Supremo Tribunal Federal no RE 85787/SP, sendo relator o Ministro SOARES
MUNOZ.93
Torna-se fácil, neste ponto, concluir acerca da possibilidade de controle de
constitucionalidade ou de legalidade após a criação de benefício, respondida consulta,
ou ocorrida renúncia de créditos fiscais por parte da Administração. Em todos estes
casos, o limite à atuação da Administração judicante consistirá justamente na
necessidade de preservação da boa fé do contribuinte, do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito, corolários da segurança jurídica.
Trata-se de situação inteiramente diversa daquela em que a Administração
se coloca como órgão julgador primário em conflito que envolve o contribuinte e onde
nenhuma expectativa legítima foi criada, exceto pela presunção de constitucionalidade
da lei ou de legalidade do ato, presunção esta ainda não consolidada por um benefício,
consulta ou renúncia da Administração.
2.3.8 Evidência da inconstitucionalidade
Outra limitação inconteste reside em que a inconstitucionalidade deve ser
evidente ou manifesta. Ou seja, a inconstitucionalidade deve estar acima de qualquer
dúvida razoável (“beyond all resonable doubt”) e devem haver fortes razões para sua
decretação (“clear and strong conviction”)94.
Para João Barbalho, devem haver razões peremptórias, e Willoughby
leciona que o direito de um funcionário, a quem cabe a execução de uma lei, de recusar
93 Ementário, 110, p. 1372. 94 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Lei – Declaração de Inconstitucionalidade pelo Poder
Executivo. Revista de Direito Administrativo, 82, p. 377.
o seu cumprimento sob o fundamento de inconstitucionalidade, não é tão claro quanto o
do particular obrigado a cumprir a lei.95.
Na jurisprudência, existe precedente do Supremo Tribunal Federal, no
sentido de que a recusa pela autoridade administrativa ao cumprimento de lei por ela
reputada inconstitucional só é possível em caso de inconstitucionalidade manifesta96.
A evidência da inconstitucionalidade combina com o princípio da presunção
de constitucionalidade dos atos normativos do Poder Público, na extensão que o mesmo
pode assumir. Trata-se de um princípio formal, ressalte-se, que não pode, diante da lei
da conexão97, prevalecer sobre uma inconstitucinalidade de fundo material que se
relacione a valores de importância superior.
3. CONCLUSÕES
Os problemas que motivaram o presente estudo, como já acentuado, não admitem
soluções ortodoxas. Se a tese da legalidade estrita não convence senão pelo apelo no
sentido de que o controle da legalidade ampla deva sofrer algumas atenuações, a
dimensão destas limitações é que parece consistir na verdadeira questão a ser
enfrentada.
Não deve haver dúvida quanto ao agir administrativo dever conformidade à
Constituição e às normas infraconstitucionais. O princípio da legalidade é bem mais
amplo do que a mera sujeição do administrador à lei infraconstitucional (pois o agente
público necessariamente deve estar submetido também ao ordenamento jurídico como
um todo, notadamente às normas e aos princípios constitucionais).
A necessidade de conformidade à Constituição, por sua vez, reclama saber se a
Administração, especialmente a Administração tributária, pode realizar o controle de
modo autônomo e próprio.
Os adversários da idéia de que a Administração possa realizar o controle de
constitucionalidade de seus atos (afastando regra legal inconstitucional) invocam uma
série de argumentos, que foram sistematizados neste trabalho. Trata-se dos princípios da
separação de poderes, da segurança jurídica, da legalidade formal, da hierarquia, da
presunção de constitucionalidade das leis em vigor e da reserva de plenário, além da
95 Citados por CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Lei – Declaração de Inconstitucionalidade pelo Poder Executivo. Revista de Direito Administrativo, 82, p. 377.
96 RMS-14557/SP. 97 Expressão cunhada por Robert Alexy (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2008).
questão de falta de interesse de agir em razão da (im)possibilidade de revisão dos atos
administrativos pela própria administração.
A separação de poderes não pode eliminar a concorrente atividade do Poder Executivo
com o fim de preservar a ordem constitucional, inexistindo qualquer previsão de
exclusividade ao Poder Judiciário para afastar a aplicação no caso concreto de normas
inconstitucionais, ou mesmo de controlar a legalidade de normas infralegais. A
segurança jurídica não é garantida pela mantença no sistema de norma contrária ao
direito, enquanto o Poder Judiciário não a afaste. A nenhum órgão ou Poder é dado
atuar em desconformidade com a Constituição.
Deve-se distinguir sempre entre a Administração julgadora (que visa solucionar as
controvérsias surgidas entre a Administração e os administrados, em consequência do
funcionamento da Administração ativa) e a Administração ativa (que tem por objeto a
atuação concreta da vontade do Estado declarada abstratamente na lei). Com isto, o
exercício da competência controladora pela Administração julgadora em nada afeta ou
ameaça a hierarquia administrativa ou traz desordem e anarquia à atividade pública.
Por seu turno, a presunção de constitucionalidade das leis em vigor não é absoluta. Caso
contrário, não seria uma presunção, mas uma verdade que não poderia ser posta em
dúvida. E a reserva de plenário, por fim, não foi prevista constitucionalmente para a
Administração judicante.
A competência controladora deve ser reconhecida à Administração judicante, e os
argumentos em favor deste reconhecimento foram agrupados também em número de
sete (estado de Direito, garantia de ampla defesa, jurisdição administrativa, princípio da
eficiência, princípio da moralidade administrativa, supremacia da Constituição e direito
de petição).
O Estado de Direito Constitucional, como se disse, jamais seria mantido na hipótese de
se recusar à Administração judicante a capacidade de afastar a aplicação de norma
inconstitucional, ou de forçá-la a aguardar a atuação corretiva do Poder Judiciário para
apenas então ver restabelecida a ordem constitucional.
O processo, judicial ou administrativo, é o instrumento da ampla defesa e corolário do
direito de petição, e aquela não se faria caso se recusasse a apreciação de questão
referente à constitucionalidade de norma, ou o afastamento do comando normativo
impróprio (inconstitucional).
A jurisdição administrativa é uma realidade incontestável, e sua diferença principal da
jurisdição judicial reside basicamente na irretratabilidade da segunda, que não pode ser
confrontada, salvo casos excepcionais, perante o mesmo Poder.
O controle de constitucionalidade, por seu turno, aproxima a conduta da Administração
de uma maior eficiência e da observância da moralidade administrativa, evitando-se a
produção de resultados impróprios (inconstitucionais).
Afinal de contas, a idéia do controle de constitucionalidade deriva da supremacia da
Constituição. É impossível falar no princípio da legalidade tributária sem o
reconhecimento de que todos os órgãos julgadores administrativos devem decidir as
questões submetidas à sua apreciação com observância dos superiores princípios
jurídicos, examinando o vigente ordenamento como um todo.
Mas, como se disse, nem todos os limites sugeridos ou esgrimidos para sustentar o
cabimento do exercício da competência controladora pela Administração podem ser
sustentados. As teses intermediárias foram agrupadas em:limitação da competência à
cúpula administrativa ou à prévia manifestação do Poder Judiciário, limitação aos
órgãos julgadores, limitação aos órgãos julgadores de segundo grau, prévia atuação do
Poder Executivo, requalificação dos órgãos de controle, limitações em razão da boa fé,
do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito, e evidência da inconstitucionalidade.
Os inconvenientes da limitação da competência controladora à cúpula administrativa
ignoram a distinção aceita entre a Administração judicante e a Administração ativa.
Neste trabalho foi defendida a tese de que a Administração julgadora, em qualquer
instância, possui a necessidade de deter a prefalada competência, sob pena de subversão
e contrariedade a cada um dos argumentos que fundamentam e justificam o exercício do
controle. E desde que a inconstitucionalidade seja manifesta, não se faz necessário
aguardar a prévia manifestação do Poder Judiciário para que esta competência se exerça
por parte do Executivo, na medida em que incumbe a este Poder manter por sua
iniciativa o estado de direito constitucional. A existência do recurso hierárquico, por seu
turno, desfaz a ideia de que o controle ocorra apenas no segundo grau administrativo.
Rejeita-se a ideia de que o Poder Executivo apenas possa atuar corrigindo
inconstitucionalidades de modo preventivo (v.g. veto) ou indireto (v.g. por ajuizamento
de ação direta de inconstitucionalidade ou por requerimento ao Legislativo para que este
revogue a norma inconstitucional). A preservação da ordem constitucional reclama para
o Executivo uma posição repressiva e direta, ainda que circunscrita ao seu âmbito,
sujeita à revisão do Poder Judiciário, respeitando direitos legítimos surgidos para
terceiros, e ainda limitada à atuação dos seus órgãos julgadores.
Esta concepção não desfaz, todavia, a possibilidade, já existente, do controle ocorrer de
modo próprio nos casos da cúpula do Poder Executivo adotar prévia manifestação
reiterada do Poder Judiciário acerca da inconstitucionalidade de norma
infraconstitucional.
E a competência controladora se manifesta, sem dúvida, apenas em casos de evidente
inconstitucionalidade, até mesmo diante da presunção (relativa) de constitucionalidade
das leis em geral.
Em que pesem estas conclusões, a legislação em todas as suas esferas (federal, estadual
e municipal) ainda é pouco receptiva à ideia do exercício administrativo da competência
controladora. Há vedações expressas a este exercicio, preferindo a legislação admitir a
iniciativa de modo centralizado (a partir dos órgãos administrativos de cúpula) e
limitado à prévia análise pelo Poder Judiciário.
A jurisprudência administrativa e mesmo aquela formada nos juízos e tribunais
judiciais, no entanto, destoa da vedação quase total ao exercício da competência pela
Administração, e vem admitindo que este controle se dê, em nome dos já mencionados
argumentos da necessidade de preservação do Estado de Direito, da ampla defesa, da
supremacia da Constituição, da eficiência e da moralidade etc.
A objeção a ser levantada à tese da legalidade estrita deve residir em que toda
centralização ou limitação de tipo geral implicam em uma concentração de poder,
fazendo-se pouco, assim, da possibilidade de, exercendo competências, participarem
ativamente as esferas inferiores da Administração no cumprimento da Constituição e
das leis e na construção de um Estado Democrático de Direito.
Não se pode realizar justiça administrativa sem obediência à Lei Maior, ou seja, à
Constituição.
Assim, adotando uma posição intermediária entendemos que a jurisdição administrativa,
por seus órgãos julgadores, pode deixar de aplicar normas legais ou regulamentares,
quando existir um manifesto confronto com a Constituição, norma superior que
estrutura o próprio Estado ou quando já existir jurisprudência pacificada dos tribunais
superiores sobre a questão.