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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
A PRODUÇÃO ARTÍSTICA VISUAL DO DEFICIENTE INTELECTUAL
NAS AULAS DE ARTE
Roseli Terabe Gambini1
Ana Rita Levandovski2
RESUMO
O presente artigo aborda considerações relevantes a respeito do deficiente intelectual e o papel da Arte enquanto linguagem visual, produção e imagem na construção do conhecimento dos alunos deficientes intelectuais. Neste artigo, procuramos entender de que modo, a produção artística visual desses alunos pode vir a contribuir no processo de ensino e aprendizagem? Com o objetivo de apresentar a importância da Arte para a construção de conhecimento e de linguagem do aluno deficiente intelectual, relatamos aqui o trabalho pedagógico em oficinas nas aulas de Arte para coleta de informações, contextualização e análise das produções dos alunos deu uma Escola Especial localizada no município de uma cidade do norte do Paraná, no ano de 2015. Assim, oportunizou-se aos alunos, a expressão na linguagem visual com atividades artísticas voltadas à criação, à interdisciplinaridade, à ampliação do relacionamento, contribuindo para a inclusão social e progresso significativo em relação ao conhecimento construído. O estudo revelou as possibilidades de superação do deficiente intelectual, com um novo olhar metodológico, auxiliando o professor a desempenhar seu papel de mediador da aprendizagem no Ensino da Arte. Palavras-chave: Arte; deficiência intelectual; linguagem visual; aprendizagem.
INTRODUÇÃO
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, (Lei
nº 9.394/96), a Educação Especial deve ser entendida como modalidade da
educação escolar e, como instituído nas Diretrizes Nacionais para Educação
Especial na Educação Básica (2001), faz-se necessário uma proposta pedagógica
que garanta a educação escolar e promova o desenvolvimento das potencialidades
dos alunos que apresentam Necessidades Educacionais Especiais – NEE. O
professor tem a função de despertar seu aluno para o conhecimento que se instaura
a partir da vivência prática e transformadora do pensar e do agir, efetivando suas
ações ao adotar práticas pedagógicas. Como também ao buscar estratégias e
metodologias diversificadas, que atendam às necessidades educacionais
específicas de cada aluno.
1 Professora da rede pública estadual com formação em Artes Visuais e Licenciatura em Ciências, pós graduada em Metodologia de Ensino e em Psicopedagogia. 2 Orientadora, Professora Mestre da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP – Campus de Cornélio Procópio; do Centro de Ciências Humanas e da Educação – CCHE.
A Arte é uma forma de produção social, construção de linguagem e de
conhecimento. Sendo assim, o Ensino de Arte, na modalidade de Educação
Especial, aproveita-se dessa função da Arte para que ela exerça um papel
importante na formação destes sujeitos. Isso ocorre, pois baseada na ação e na
articulação de todo processo de construção do conhecimento e da linguagem, numa
produção artística, os fazeres se articulam através de várias ações conectadas,
havendo a participação ativa do sujeito que compreende, classifica, transforma e
cria.
Como produto externo para representação subjetiva do ser humano, conforme
expresso nas Diretrizes Curriculares de Artes (2008), a Arte constrói-se como uma
forma de organização do pensamento, como modo de transformar a experiência
vivida em objeto de conhecimento que se inicia por meio de sentimentos, de
percepções e da imaginação. Neste sentido, o envolvimento com as atividades
artísticas, gera um desenvolvimento gradativo e dinâmico em todos os indivíduos,
podendo nos alunos com deficiência intelectual e múltipla deficiência resultar num
maior desenvolvimento global, pois produz resultados de forma contínua e
significativa.
O que até então, parece evidente dentro da força transformadora que a Arte
proporciona, depara-se na dificuldade de entender o processo criativo de indivíduos
com deficiência intelectual. Tal processo abarca a sua interação com os outros, sua
visão para com o mundo por meio de representações e dos processos psicológicos
e intelectuais, sem deixar de considerar as potencialidades cognitivas dos mesmos.
Na prática profissional, no âmbito da Escola de Educação Básica na
Modalidade de Educação Especial, percebe-se que os alunos deficientes
intelectuais, em sua maioria, necessitam deste atendimento educacional
especializado e/ou apresentam transtornos em relação à personalidade, à interação
social, à comunicação e ao comportamento.
A partir da observação do cotidiano desses alunos, observou-se que além do
transtorno acoplado à deficiência intelectual, os alunos apresentam ora ausência de
iniciativa, ora desmotivação para um processo de criação em artes visuais. De que
modo, a produção artística visual desses alunos pode vir a contribuir no processo de
ensino e aprendizagem?
Este contexto gerou uma inquietação, um desafio a ser investigado, a ser
pesquisado, não propõe uma estratégia ou um novo método. Tem como propósito a
elaboração de atividades práticas para as aulas de Arte, a fim de garantir um melhor
desempenho em relação ao compromisso de educadora. Desta forma, tornando
possível o desenvolvimento destes alunos, com propostas direcionadas à produção
artística visual que possibilitem oportunidades efetivas para a construção de
conhecimento e de linguagem do aluno deficiente intelectual.
Assim, este artigo tem como objetivo apresentar a importância da relação da
Arte enquanto produção e imagem na construção do conhecimento de alunos
deficientes intelectuais, passando pelas relações sociais e estimulando a produção
artística visual, na Educação Especial. Para tanto, na primeira sessão, apresenta a
definição da deficiência intelectual; na segunda sessão, referenciais sobre a
linguagem visual e cultura visual, estruturados por meio de pesquisas e
levantamento bibliográfico de propostas artísticas que permitem ao aluno
estabelecer relações da produção visual com o outro e construindo conhecimentos
nas aulas de Arte. Na sequência, a análise dos resultados da implementação do
Projeto de Intervenção Pedagógica desenvolvido em oficinas, com alunos
deficientes intelectuais, nas salas de Arte e as considerações finais.
1 A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM
– 5 (2014), a Deficiência Intelectual (Transtorno do Desenvolvimento Intelectual),
consiste no transtorno procedente no período de desenvolvimento que inclui déficits
funcionais, tanto intelectuais, significativamente abaixo da média, quanto
adaptativos, nos domínios conceitual, social e prático. E apresenta três critérios para
diagnóstico a serem preenchidos:
A. Déficits em funções intelectuais como raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência confirmados tanto pela avaliação clínica quanto por testes de inteligência padronizados e individualizados.
B. Déficits em funções adaptativas que resultam em fracasso para atingir padrões de desenvolvimento e socioculturais em relação a independência pessoal e responsabilidade social. Sem apoio continuado, os déficits de adaptação limitam o funcionamento de uma ou mais atividades diárias, como comunicação, participação social e vida independente, e em múltiplos ambientes, como em casa, na escola, no local de trabalho e na comunidade.
C. Início dos déficits intelectuais e adaptativos durante o período de desenvolvimento (NASCIMENTO, 2014, p.33).
De acordo com as definições propostas pela Classificação Internacional de
Doenças – CID 10 (2006) e pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos
Mentais – DSM - 5 (2014), o diagnóstico médico é bastante utilizado para a tomada
de decisões em diferentes setores da vida do indivíduo e, em relação ao campo
educacional, complementa ou define avaliações psicopedagógicas (BRASIL, 2006).
Atualmente, a deficiência intelectual pode ser explicada por meio de
avaliações de acordo com as dimensões:
Dimensão I – habilidades intelectuais: capacidade geral que envolve o raciocínio, planejamento, solução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas, rapidez de aprendizagem e aprendizagem por meio de experiência (avaliados através de testes de inteligência). Dimensão II – comportamento adaptativo: o funcionamento adaptativo é o modo como uma pessoa enfrenta efetivamente as exigências comuns da vida e o grau em que experimenta certa dependência pessoal compatível com sua faixa etária, bem como a bagagem cultural do contexto comunitário em que está inserida. Divide-se em habilidades conceituais (aspectos acadêmicos, cognitivos e de comunicação), sociais (competência social) e práticas (exercício da autonomia). Dimensão III – participação, interações, papéis sociais (participação na vida social). Dimensão IV – saúde: condições de saúde física e mental. Dimensão V – contextos (ambiental e cultural): condições em que a pessoa vive, relacionadas à qualidade de vida (PARANÁ, 2013, p.10).
Portanto, são considerados indivíduos com deficiência intelectual aqueles que
apresentam baixo nível de inteligência e limitações em relação à adaptação social,
assim como dificuldade nos processos de aprendizagem, no desenvolvimento e na
participação na vida cotidiana e em grupo.
E, tratando-se da deficiência intelectual e múltipla deficiência, os
comprometimentos tornam-se mais sérios, a intensidade de suas limitações e
necessidades especiais torna a oferta de apoio fundamental, merecendo atenção
prestada em segmentos como Escolas Especiais e/ou Atendimento especializado,
bem como flexibilização e adaptações curriculares e o desenvolvimento de
atividades pedagógicas diferenciadas por meio de metodologias de ensino e
recursos didáticos diferenciados.
Segundo os estudos de Vygotsky (1999; 2003), uma criança com deficiência
evolui cognitivamente, seguindo as mesmas leis naturais que regulam o
desenvolvimento infantil de qualquer criança normal, de outra maneira diferenciada,
e a partir do contato e da interação com o meio social, ela constrói seu
conhecimento. Neste contexto, o estado particular de aprendizagem de um
deficiente intelectual também apresenta uma dinâmica de pensamento com
possibilidades sempre abertas para o seu desenvolvimento, merecendo ser inserido
num contexto e levado ao mais alto nível de progresso possível, por meio de
práticas educacionais significativas.
Na Educação Especial, a escola deve resgatar seu papel ao repensar sua
prática e ensinar com a Arte, acreditando no potencial de aprendizagem do
deficiente intelectual para que seja capaz de construir conhecimento.
2 A ARTE VISUAL NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
2.1 LINGUAGEM VISUAL: A IMAGEM NA ARTE
Joly (1996 apud BUENO, 2002, p. 123) apresenta a seguinte definição de
imagem, como “[...] algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns
traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da produção de um
indivíduo: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que produz ou
reconhece” (JOLY, 1996, p.13).
Já do ponto de vista de Bueno (2002, p.125), a imagem é um “registro, que
envolve a interioridade, contemplação e desencadeia a atribuição de significados”,
constituindo um processo criativo de transformação, de representação, levando a
expressão da individualidade do aluno inserido num contexto e pode receber
influências do meio social. A autora enfatiza que a imagem vem a ser: interpretação
e atribuição de sentido, em que o processo de produção revela o universo de cada
ser, no seu olhar, na sua visão de mundo, num contexto de interação social e está
associada à representação visual de formas.
Na visão de Kant (1999 apud BUENO, 2002, p. 46), são duas as formas de
aquisição de conhecimento: pelo entendimento e pela sensibilidade. O entendimento
tem como objetivo sintetizar as intuições da sensibilidade e a capacidade de produzir
conceitos. A sensibilidade, de representar os objetos no tempo e no espaço, de
acordo com as percepções dos sentidos.
Dessa forma, o estímulo externo, dado como imagem visual, atua sobre os
sentidos e sobre a vivência construída com as interações entre apreciação,
experimentação, criação e transformação. Estas geram significados e conteúdos, em
que o fazer artístico torna-se um exercício de sensibilidade e de desenvolver-se no
conhecimento sensível.
A imagem retratada pela Arte, de acordo com Meira (2003), agrega
significados, formas e comportamentos do dia a dia, de exteriorização de
subjetividades e, ainda, contempla exercícios da criatividade. Ao desenhar, pintar ou
criar uma escultura está implícito os processos de organização de espaço, definição
de formas e composição de planos.
Conforme Pillar (2012, p. 2), “criar imagens e pensar sobre as artes visuais,
sobre uma imagem, o que ela mostra e como ela mostra, é ler, é atribuir-lhe um
significado, é estabelecer uma relação de produção de sentido”. Do ponto de vista
da autora, “a semiótica vai tratar o outro, o objeto/obra, como sujeito. Todos são
sujeitos que interagem”. Sendo assim, as produções visuais dos alunos fazem
sentido e, obras de outros artistas, são imagens que em suas estruturas têm
significado e será preciso levá-lo a olhá-las e refletir sobre elas.
Existem diversos autores que enfatizam a questão da leitura da imagem,
sendo inúmeras as abordagens: informação, descrição, análise, crítica, entre outras.
Quando se foca a leitura semiótica da imagem, procura-se conhecer nos alunos,
como o conhecimento significativo se constrói diante de produções visuais, na
relação entre ele com sua obra, situação e pessoas, verificando-se que na leitura da
imagem, a relação que o aluno obtém com o objeto/obra transforma-se em
conhecimento.
Nesse aspecto, Bueno (2002, p.126) ressalta que “a leitura da imagem
produzida, inserida em um olhar contextualizado, provoca o modo de se ver,
envolvendo modo de ser, que desencadeia uma forma diferente de ver”, tornando-se
um meio de comunicação, com elementos visuais e apropriação por parte do aluno.
Por isso é importante que a escola estimule a interação do aluno com o seu
meio sociocultural, com o desenvolvimento de experiências sensoriais como o tocar,
o ver, o ouvir, o cheirar e o saborear. Esses estímulos favorecem a sensibilidade
criadora, reafirmando que a construção do conhecimento envolve todos os órgãos
dos sentidos e se consolida numa aprendizagem significativa por meio da Arte.
2.2 A CULTURA VISUAL COMO ALIADA À CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
No que se refere à educação, Hernández (1999) defende a ideia de que a
cultura visual enuncia que estamos num mundo atual e aponta que é de suma
importância cruzar olhares ao ensinar arte, vinculando objetos artísticos e
manifestações culturais. Para o autor, “isso significa aceitar que os objetos não têm
vida, mas sim adquirem sentido pela experiência de quem os olha e os possui. Mas,
ao mesmo tempo os objetos são uma fonte de conhecimento” (p. 128). Neste
sentido, a cultura passa a compor um sistema organizado de significados e símbolos
que permitem ao ser humano modificar comportamentos, expressar sentimentos e
formular juízos, dando enfoques diferentes à arte.
Como o indivíduo deficiente intelectual possui estruturas cognitivas cujo
desenvolvimento é prejudicado pelas limitações de natureza orgânica, déficits
motores e sensoriais e muitas vezes podem estar associadas e dificultam sua
interação com o meio, percebe-se que é coerente abordar a teoria interacionista, no
sentido de que a influência do meio é significativa no desenvolvimento deste
indivíduo.
Acrescentando a isso, Vygotsky (1999) salienta a questão da aprendizagem
da língua como fenômeno social e cultural. Este estudioso acredita que a linguagem
exerce um importante papel mediador entre o indivíduo e o objeto do conhecimento,
consistindo num sistema simbólico básico entre as pessoas, em que a educação
deve oportunizar ao educando o desenvolvimento de potencialidades. E certamente,
a partir de interpretações que o educando obtém por meio de materiais do mundo
externo, com a Arte estabelece um modo de pensamento e conhecimento.
Diante disso, em seus escritos sobre a Psicologia da Arte, o autor afirma que
na obra de arte encontramos os elementos que persistem nas palavras e comenta
que na obra de arte a imagem tem ligação ao conteúdo, como na palavra a
representação tem relação à imagem sensorial ou ao conceito, com o emprego do
termo “ideia” acrescenta,
[...] o caráter de símbolo ou imagem da palavra equipara-se à sua poeticidade e, deste modo, o fundamento da emoção artística passa a ser o caráter de imagem cuja natureza geral é constituída pelas propriedades comuns do processo intelectual e cognitivo (VYGOTSKY, 2001, p.34).
Desta forma, ao apreciar uma obra de arte, retratada pela imagem que é
linguagem, o educando passa a interagir no processo do conhecimento a partir da
sua relação com o objeto. E por meio da leitura de obras, segundo Martins (2010),
constata-se que é importante
[...] a necessidade de contextualização histórica e cultural da produção artístico-estética da Humanidade, no processo de ensinar/aprender arte, assim como a necessidade da percepção e construção de conceitos artísticos que fundamentam esse contexto (p.75).
Nesta perspectiva, na produção visual, a imagem articula elementos visuais
para sua ordenação, composição e transformação. Tais produções artísticas
envolvem expressão pessoal de valores, significados, sentimentos e relações entre
linguagem e cognição.
A Arte, como forma de linguagem, possibilita um desenvolvimento das
pessoas, construindo e transformando conhecimento na relação entre o processo
artístico e a produção visual, seja do mundo exterior ou do próprio aluno.
2.3 O ENSINO DE ARTE NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
A Arte apresenta uma diversidade cultural de expressão, articula o indivíduo
com o mundo. Tratar a Arte como conhecimento é o ponto fundamental e condição
para muitos estudos nesse enfoque, pois compreende o pensamento (razão,
raciocínio), é uma modalidade do saber que envolve “processos mentais de
raciocínio, memória, imaginação, abstração, comparação, generalização, dedução,
indução, esquematização” (CASTANHO, 1982, p.18) para a formação da identidade
e para que o ensino e aprendizagem tenha significado e sentido. Ela possui muitos
significados, pois depende do olhar construtivo de quem a vê e a analisa.
Como mostra Vygotsky (1999 apud BUENO, 2002, p. 31), faz-se relevante o
fato de se utilizar um sistema de signos (a linguagem, a escrita, as imagens) para
estruturar o pensamento e, consequentemente, construir conhecimentos. Ao pensar
a Arte em suas possibilidades cognitivas e intelectuais, Vygotsky propõe uma
interação entre a arte e a psicologia.
A tendência sociointeracionista de Vygotsky permite o conhecimento das
manifestações culturais, bem como o despertar da imaginação e do
desenvolvimento no processo de criação, utilizando-se de todos os equipamentos e
de ferramentas disponíveis pelo ensino das linguagens: envolve a apreciação
(interpretar obras artísticas); produção (fazer e desenvolver um percurso de criação);
conhecer e reflexão (contextualizar e pesquisar) considerando o contexto social,
cultural, educacional. Lembrando que produção artística é a oportunidade para o
aluno desenvolver percurso próprio.
De acordo com Varela (1986 apud SILVA e ARAÚJO), o espaço da Arte
Educação exerce amplo papel integrador, plural e interdisciplinar, é agente
transformador na escola e na sociedade em que arte e educação são produtos
culturais e precisam se entendidos no contexto das culturas mesmo não havendo
uma noção válida para todas as culturas e para todos os meios sociais.
O ensino de Arte passou por uma trajetória histórica marcada por muitas
transformações nas quais se desenvolveu metodologias diversas. Neste percurso,
surgem importantes contribuições como dos autores: Fernando Hernández (1999),
com apontamentos sobre a cultura visual; Ana Mae Barbosa (2003), que ressalta o
ensino da Arte como conhecimento que está calcado no interculturalismo
(diversidade cultural), na interdisciplinaridade (perspectiva interdisciplinar) e na
aprendizagem dos conhecimentos artísticos, a partir da interligação entre a
experimentação, a codificação e a informação; Anamélia Buoro (2002) apresenta em
seus estudos a imagem como signo, carregada de significação e que deve ser
apresentada e explorada por meio da proposta de leitura da imagem fundamentada
na teoria semiótica greimasiana. Mirian Celeste Martins (1998, 2010) que destaca a
questão da leitura de obras e enfatiza o ensino da arte no que diz respeito à
concepção rizomática, que trata das conexões do pensamento para com as
imagens.
É relevante salientar que, na perspectiva sócio-histórica, o coletivo faz a
formação e o desenvolver do indivíduo deficiente intelectual por meio de um adulto.
Faz com que a educação busque algo diferente, em que o educando cria seu próprio
conhecimento baseado no conhecimento do dia a dia e nas suas relações sociais.
Sendo assim, ele constrói-se, por meio da pesquisa e da autonomia.
Nessa construção, o aluno é o indivíduo do processo e tem oportunidade de
ampliar seu repertório de significações pela linguagem da arte. Segundo Martins
(1998), há a aquisição de um conhecimento daquilo que ainda não se sabe,
transformando a relação sensível com o mundo, com as coisas do mundo e
acrescenta que,
Pensar o ensino de arte é, então, pensar na leitura e produção na linguagem da arte, o que, por assim dizer, é um modo único de despertar a
consciência e novos modos de sensibilidade. Isso pode nos tornar mais sábios, seja sobre nós mesmos, o mundo ou as coisas do mundo, seja sobre a própria linguagem da arte (MARTINS, 1998, p. 46).
Assim, ao realizar produções artisticamente, lendo e compondo, seja com
desenho, pintura ou escultura, o aluno articula o sentir e o pensar, reconhece
elementos visuais, assim como a organização e a ordenação do pensamento, da
significação (representação), da construção de imagem, da expressão individual e
do social. O ensino de arte é resultado da articulação entre o fazer, o conhecer, o
exprimir e o criar (MEIRA, 2003).
A Arte como forma de produção social, possibilita a construção de linguagem
e de conhecimento. Então, dentre muitas atividades propostas, a Educação
Especial, aproveita-se dessa função pertinente para que a Arte exerça um papel
importante na formação destes indivíduos. Uma vez que, numa produção artística,
os fazeres se articulam por intermédio de várias ações conectadas, havendo, assim,
a participação ativa do mesmo.
Para Martins (2010, p.120), quando o objeto do conhecimento é a própria
arte, o processo de ensino e aprendizagem deve ser explorado e ampliado por meio
da experimentação lúdica e cognitiva, sensível e afetiva. Entra em jogo o poetizar, o
fruir e o conhecer por meio de diferentes recursos, materiais, procedimentos e
instrumentos, só assim a aprendizagem em arte será significativa.
Relacionando a isso, a autora apresenta o rizoma, como proposta de
construção do pensamento que faz conexões afirmando que,
[...] operar com o campo da arte&cultura fazendo rizoma é criar um modo aberto de ligação entre os diferentes conteúdos, num sistema acêntrico, não hierárquico, com infinitas possibilidades de transitar entre eles, sem nenhum vestígio de hierarquia (MARTINS, 2010, p. 191).
Neste sentido, as aulas de Arte devem contemplar, na metodologia do ensino,
três momentos da organização pedagógica, conforme as Diretrizes:
- Teorizar: fundamenta e possibilita ao aluno que perceba e aproprie a obra artística, bem como desenvolva um trabalho artístico para formar conceitos artísticos. - Sentir e perceber: são as formas de apreciação, fruição, leitura e acesso à obra de arte. - Trabalho artístico: é a prática criativa, o exercício com os elementos que compõe uma obra de arte (PARANÁ, 2008, p.70).
Esta forma de trabalho poderá ser iniciada por qualquer momento ou mesmo
pelos três simultaneamente, o importante é que o aluno vivencie cada um deles ao
final das atividades.
Payreson (1989, p. 29), apresenta “três definições tradicionais: a arte como
fazer, como conhecer ou como exprimir”. Para o autor a Arte, em todo seu processo,
é invenção, é um fazer pensado, uma práxis criadora, um produto da vida humana
concretizada em objetos artísticos. Uma atividade artística deve estar voltada ao
conceber, fazer, criar, perceber, ler e interpretar tais produtos, que leva as pessoas à
compreensão, ao conhecimento de ordem cognitiva, sensível e sócio histórica.
Desse modo, o ensino de Arte, nas atividades propostas será articulado em
três campos conceituais: a produção em arte, proporcionado por momentos em que
o indivíduo deficiente intelectual irá criar, construir e/ou reproduzir. Momento este
que constitui o fazer artístico; a fruição do ato de perceber, ler, analisar, interpretar,
criticar a arte e o universo a ela relacionado. Um segundo momento que consiste na
apreciação estética. E, finalmente, a reflexão, momento da contextualização do que
se está aprendendo, conhecimento específico da linguagem artística.
Efetivamente, verifica-se que a Arte tem um papel relevante na construção e
aquisição de conhecimentos próprios da linguagem artística pelo contato do aluno
com a obra de arte e sua produção. Também, a Arte, pode ser considerada em todo
seu processo histórico, uma das formas que favorecem o desenvolvimento das
capacidades a serem apropriadas pelo deficiente intelectual, bem como propiciando
a inclusão social.
A partir destas possibilidades, o ensino de Arte torna-se viável e oportuno
para os indivíduos deficientes intelectuais com a realização de atividades de leitura
de imagem e outras estratégias metodológicas. Ao explorar os conteúdos relativos à
linguagem visual, ao propor uma composição artística visual, contando com a
apreciação e a análise das produções, pretende-se concluir que tais ações
colaboram para a construção e o desenvolvimento do indivíduo criativo e
participativo, promovendo uma melhor qualidade de vida, transformando e
ampliando seus conhecimentos.
3 AS PRODUÇÕES VISUAIS DOS DEFICIENTES INTELECTUAIS E SEUS
DESAFIOS
A implementação do projeto de intervenção pedagógica foi desenvolvida
numa Escola Especial, durante as aulas de Arte, contando com a participação de 8
alunos de uma turma da Educação de Jovens e Adultos.
Com o intuito de subsidiar a investigação, traçou-se um plano de ação que se
constituiu em elaborar e aplicar atividades específicas, didático-pedagógicas, na
disciplina de Arte. Considerando que a produção artística e a fruição não dependem
de habilidades especiais e acreditando na importância da experiência artística para o
desenvolvimento integral do deficiente intelectual, foram realizadas oficinas de
produção artística. Tais oficinas consolidaram-se com a utilização de técnicas de
gravura, instalação, fotografia, desenho e pintura, entre outras atividades
complementares, com procedimentos metodológicos diversificados como leitura de
imagens, apreciação de vídeos, composições artísticas e propostas do site Arte na
Escola.
Todas as propostas desenvolvidas durante a pesquisa, nas oficinas, foram
realizadas ora individualmente ora coletivamente, respeitando a individualidade e o
comprometimento de cada aluno. Segundo a teoria de Vygotsky (2003), o
desenvolvimento cognitivo de um indivíduo é limitado dependendo da idade e, para
que se complete, necessita de interação social.
Nesta perspectiva, foi possível conhecer o aluno pelas atividades que
remetiam à linguagem visual, às relações entre ele, à sua produção e à interação
com os demais companheiros. Percebeu-se que tal interação e a troca de
experiências entre os alunos surtiram efeitos positivos no processo de aquisição de
conhecimentos.
O estudo contou com os dados contextualizados, a questão da deficiência
intelectual, registro de comentários orais e gravações em vídeo, fotografias das
produções individuais e coletivas, com foco no envolvimento dos alunos nas
atividades e no processo da produção artística. A relação dos conhecimentos
descritos na pesquisa bibliográfica, acrescidos à experiência profissional, possibilitou
realizar o processo de observação, compreensão e análise das produções visuais,
na relação entre o fazer, na leitura de imagens, na produção e no processo de
criação dos alunos envolvidos.
Na primeira ação, o tema Arte contemporânea, foi apresentado por meio de
obras contemporâneas e pelo questionamento: O que você vê? O que você
percebe? Percebeu-se que alguns têm noção quanto aos elementos cor, forma,
perspectiva, primeiro e segundo planos. Neste momento foi dado opções para
algumas respostas, mas notou-se que pela vivência, levantaram questões de
conteúdos que estavam presentes nas obras como o meio ambiente, o preconceito e
a violência doméstica. Destaca-se também que na leitura da imagem os alunos ora
repetiam a mesma resposta do colega, ora usavam da sua imaginação.
Como Pillar (2012, p. 4) afirma, em relação à teoria semiótica greimasiana,
“não existe o sujeito e objeto separadamente, eles se constroem em relação” e alega
que “a leitura da imagem é uma relação entre o sujeito-leitor e o sujeito-obra, onde
ambos interagem na produção de sentidos, na criação de significados”. Percebe-se
que a linguagem falada juntamente com a imagem traz nitidamente o conteúdo da
mensagem.
A Arte Contemporânea é a arte atual e, as atividades deram oportunidades
aos alunos de exporem seus conhecimentos, respondendo às perguntas,
conhecerem outros artistas, suas respectivas obras com a leitura de imagens.
Expuseram conteúdos implícitos e apresentaram noções de organização de espaço,
definição de elementos formais da Arte e de composição.
Na sequência, os alunos participaram da oficina de gravura. A gravura é uma
técnica empregada nas artes visuais, portanto a atividade tratou-se da impressão de
formas com a utilização de uma matriz. A confecção da matriz com material
alternativo proporcionou momento de criação e troca de conhecimentos durante a
seleção da imagem a ser impressa. Iniciando a produção artística, houve um maior
envolvimento. A escolha da imagem a ser utilizada para a matriz teve significado
para cada um, constituindo um processo criativo de representação onde os alunos
expressaram sua individualidade e percebeu-se a influência do contexto em que
estão inseridos, pelos relatos.
Nesta situação, de acordo com Meira (2003), a imagem escolhida agrega
significados, formas e comportamentos do dia a dia, de exteorização, o que
contempla um exercício de criatividade.
A partir deste momento, mediados pelo professor, a atividade de composição
agradou a todos, demonstraram-se surpresos ao verem a forma impressa no tecido
e fizeram comentários relevantes, com conteúdo. Neste sentido, o estímulo à
construção de novos objetos com técnicas diversificadas levam à transformação, ao
aprendizado, à construção de saberes que devem ser usados e explorados em sala
de aula.
Com a imagem impressa no tecido, foi proposta a atividade de composição
artística individual, com intervenção, fazendo link com as obras contemporâneas
produzidas com materiais do cotidiano feminino: pano, linhas, agulha, botões, fitas,
barbante. Os alunos estabeleceram a capacidade de percepção estética e o objetivo
foi alcançado, pois todos desenvolveram o trabalho, expuseram seus conhecimentos
quanto à obra produzida. As respostas foram acatadas como forma de avaliação e
cada aluno deu um nome à sua composição (Figs.1 e 2), remetendo-se à
sensibilidade de cada um.
1.Gravuras sobre o tecido 2. Instalação coletiva
Nesta atividade, com a gravura, estabeleceu-se a relação do objeto-forma com
o objeto-significado, pois partiu de uma composição que no coletivo, posteriormente,
foi transformado em uma instalação (Fig.3). Sendo assim, as produções fazem
sentido e geram significado e a mediação do professor é relevante para que o aluno
possa construir seu conhecimento.
Segundo Arnheim (1989, p. 249), “a aparência perceptiva é o campo que dá
origem a toda concordância cognitiva.” Há necessidade de distinguir estímulo
sensorial, que “vitaliza as funções biológicas de maneira bastante indefinida” e,
também, desafio perceptivo, “onde as pessoas se defrontam com uma situação
exterior de tal modo que suas capacidades de aprender, de interpretar, de elucidar,
de aperfeiçoar-se são mobilizadas (ARNHEIM, 1989, p. 250)”. Neste sentido, os
alunos deficientes intelectuais precisam de experiências com coisas visíveis para
assim compreenderem a realidade.
Figuras 1 e 2. Gravuras sobre o tecido Fonte: Roseli Terabe Gambini, 2015.
Fig.3. Instalação coletiva Fonte: Roseli Terabe Gambini, 2015.
Iniciamos a exploração do material para a segunda atividade: foto impressa
em preto e branco. Os alunos apreciaram a própria imagem impressa, os
questionamentos tornaram-se desafiadores e notou-se que cada qual expôs o seu
comentário sobre as características físicas, a descendência, com quem se parecem.
A apresentação de referências visuais permitiu na criação, como lembra Arnheim
(1989), um desafio perceptível que leva o indivíduo a mobilizar suas capacidades
cognitivas. Nas artes visuais, o contato físico com o material, leva o educando a
interagir no processo do conhecimento a partir da relação com o objeto.
A interação do indivíduo com a arte esteve presente desde o início da
implementação. Interação esta que, de acordo com os Parâmetros Curriculares
Nacionais – Arte (2001, p. 43), envolve a experiência de fazer, de fruir e de refletir.
Nesta perspectiva, propõe Martins (1998, p. 128), “só aprendemos aquilo que,
na nossa experiência, se torna significativo para nós”. A proposta possibilitou aos
alunos construir sentidos internos, uma aprendizagem significativa, desenvolvendo
potencialidades, como: percepção, observação, imaginação e sensibilidade.
De posse da cópia da foto individual, os alunos realizaram a interferência na
sua respectiva foto (Figs. 4 e 5). Percebeu-se que tiveram receio de criar sobre a
foto e com a intervenção, a atividade proposta teve resultados satisfatórios. A
produção artística, o fazer artístico levou cada aluno a estruturar o que pensa e
consequentemente desenvolver um processo de criação.
Confirmando o que Puccetti (2002, p.125) diz sobre a imagem, que é um
“registro, que envolve a interioridade, contemplação e desencadeia a atribuição de
significados”, constituindo um processo criativo de transformação, de representação,
expressando a individualidade do aluno inserido num contexto, e que pode receber
influências. A autora complementou ainda que “a imagem na produção artística
Figuras. 4 e 5. Interferências em foto Fonte: Roseli Terabe Gambini, 2015.
revela o esforço de explicar a ideia, o pensamento e a visão. É a representação
simbólica da realidade, do mundo interior e exterior”.
Convém ressaltar que nesta atividade, a interferência nas fotos
posteriormente coladas em material reciclável revelou a abstração de
conhecimentos visuais, como organização espacial, perspectiva, linhas, cor e forma.
Na releitura coletiva da obra de Rosana Paulino com exploração de texturas,
cores, formas, leitura da imagem, se produziu uma instalação com os resultados dos
trabalhos anteriores (Fig. 3). Os questionamentos tornaram-se desafiadores e notou-
se que cada qual expôs a solução para o problema e deram um nome à obra a partir
de duas sugestões: “Vida com Alegria”.
Lembra-nos Buoro (2002), que a apropriação da obra de outro artista, antes
tomada como cópia elaborada com base de uma imagem que lhes é oferecida,
numa nova vertente, pode “estimular a construção de novos objetos artísticos muito
diversos daqueles que os resultados de releituras, entendidas como cópias, haverão
de concretizar”. Com base nisto, a releitura de produções deve dar “lugar ao
aprendizado e, por meio dele, à transformação da realidade concreta, num
movimento contínuo que tem como via de manifestação as semiotizações dessas
mesmas produções” (BUORO, 2002, p.25). E, este trabalho proporcionou a
construção de um novo texto, uma nova produção, de identidade própria dos alunos.
As produções até então foram movidas pelo prazer em fazer, expressando
detalhes, que mesmo mediados, refletem o grau de identificação com experiências
vividas, despertando sentimentos, compreensão e capacidade de manter relações
com o mundo e com o outro. Percebeu-se o desenvolvimento estético em todas as
produções, ligado à organização do pensamento, à sensibilidade e à percepção,
resultando em expressões que comunicam.
No que se refere à educação, Hernandez (1999, p. 128) relata a importância
desse cruzamento de olhares vinculando objetos artísticos e manifestações
culturais levando o aluno a organizar significados e símbolos que levam à mudança
de comportamentos, expressão de sentimentos e formulação de conhecimentos.
Para a oficina de fotografia os alunos assistiram ao documentário em vídeo do
material TVescola, DVD 10, intitulado Autorretrato, oportunizou-se a leitura de
imagens, a observação dos elementos que compõem as obras e materiais utilizados
por artistas. A fotografia tornou-se a matéria prima a ser utilizada na oficina de
desenho e pintura.
4. Desenho com retroprojetor 5. Pintura com guache
A primeira atividade consistiu na reprodução do desenho do autorretrato com
o auxílio do retroprojetor, em tamanho maior (Fig. 6). Explorou-se os elementos linha
e textura com a técnica de pintura com guache (Fig.7). Estas composições
demandaram de um tempo maior e alguns alunos precisaram de ajuda e adaptações
devido às dificuldades motoras. Comunicar-se em artes é manter uma atitude de
busca pessoal e/ou coletiva, articulando a percepção, a imaginação, a emoção, a
sensibilidade e a reflexão ao realizar e fruir produções artísticas.
Num segundo momento, os alunos realizaram a impressão com carbono
(Fig.8), outra interferência em suas respectivas fotos (Fig.9) e pintura com guache
sobre a fotografia (Fig.10). A leitura de suas produções foi uma forma de avaliação,
com registro dos comentários.
Diante de tais considerações, Vygotsky (1999, p. 57) afirma que “a arte é
trabalho do pensamento, mas de um pensamento emocional inteiramente
específico” em que a imagem torna-se veículo para a interpretação, que gera a
construção do conhecimento, ou seja, o significativo faz sentido e leva à produção
de saberes.
Figura 6. Desenho com retroprojetor Fonte: Roseli Terabe Gambini, 2015.
Figura 7. Pintura com guache Fonte: Roseli Terabe Gambini, 2015.
Figura 8. Impressão com carbono Fonte: Roseli T. Gambini, 2015.
Figura 9. Interferência em foto Fonte: Roseli T. Gambini, 2015.
Figura 10. Pintura com guache Fonte: Roseli T. Gambini, 2015.
9. Pinturas de fotos impressas 10.Composições com recortes
Na sequência, por escolha própria, cada aluno tirou a foto de uma pessoa da
comunidade escolar e utilizando a técnica de pintura, procuraram mostrar as
características físicas de cada pessoa (Fig.11). Os trabalhos foram expostos para
apreciação e observação das reações dos espectadores que, na maioria, se
recusaram a descrever suas impressões quanto aos trabalhos apresentados, no
entanto elogiaram e interagiram com os alunos.
Para Vygotsky (2003), a interação social e as relações sociais, constituem
papel mediador do processo de construção das funções que se remetem ao
pensamento e ao conhecimento. A arte como atividade criadora humana é
enfatizada por esta mediação feita por outros indivíduos ou objetos.
A atividade de pintura indicou que os alunos tiveram consciência de sua
produção, mesmo figurativa, revela a sensibilidade, acapacidade de ver e sentir o
mundo que o cerca, e de situar nele, também a compreensão gradativa dos
processos de pensamento, da consciência social para assim ampliar a capacidade
criadora. Como na semiótica greimasiana, a autora Pillar (2012) afirma que tudo tem
um sentido, sendo preciso se colocar no horizonte do aluno para poder mediar a
relação obra/aluno, para que ele construa significativamente seu conhecimento, não
existindo sujeito e objeto separadamente, eles se constroem dentro desta relação.
Dando sequência, propôs-se então outra atividade que consistiu no recorte da
pintura e troca de partes com os colegas, produzindo-se outra imagem, com
deformação que foram fotografadas (Fig.12). Realizou-se a leitura da imagem
desfigurada e comparação com outras obras contemporâneas. “Dessa forma,
considera-se que toda nova produção oriunda de uma imagem referente é
Figura 11. Pinturas de fotos impressas
Fonte: Roseli T. Gambini, 2015.
Figura 12. Composições com recortes Fonte: Roseli T. Gambini, 2015.
construção de um novo texto, no qual o sujeito produtor elabora uma interpretação,
podendo até mesmo partir para uma criação”. (BUORO, 2002, p.23)
A apreciação e apresentação dos trabalhos produzidos pelos alunos como
forma de contextualização para a comunidade escolar foi muito válida. Os objetivos
foram atingidos, os alunos se apropriaram do conteúdo realizando a pintura, leitura
de imagens de autorretratos, estabelecendo relações entre o que produziram e as
imagens de obras de outros artistas.
Ao final do trabalho os alunos vivenciaram os diversos jeitos de olhar e
pensar sobre a mesma imagem bem como fotografar e apreciar as diversas formas
de arte, neste caso específico, a fotografia.
A oficina de composição interativa e instalação, iniciou-se com a discussão
sobre o meio ambiente e a importância das árvores e da Floresta Amazônica
(interdisciplinaridade com outras áreas). Nesta proposta, utilizando-se um visor e
imagens impressas, foi valorizado a importância dos sentidos corporais: a visão, o
sonoro e o tátil para com o objeto, articulado à percepção e à afetividade. Tal
interação implica em processos mentais, além de explorar elementos das artes
visuais e proporcionar a produção artística.
Nesta oficina, os alunos se apropriaram da obra de Tomie Ohtake por meio da
leitura de imagem e tiveram conhecimento de que a artista faz uso da linguagem
bidimensional para explorar a preservação do Meio Ambiente, fizeram relação entre
a obra e tema; participaram ativamente das atividades de acordo com a proposta do
site Arte na Escola.
11. Composição interativa 12. Instalação coletiva
Após esta investigação criaram uma obra abstrata conjunta com os recortes
reservados (Fig.13). Num fundo preto, a composição interativa consistiu na
distribuição aleatória de seus recortes, com sobreposição que, após ser fotografada,
Fig. 13. Composição interativa Fonte: Roseli T. Gambini, 2015.
Fig.14. Instalação coletiva Fonte: Roseli T. Gambini, 2015.
foi manipulada e modificada diversas vezes com exploração de conteúdos das artes
visuais e interação entre os alunos dando enfoques diferentes à arte.
No que se refere à educação, na exploração de materiais e produção artística,
os alunos manifestaram suas capacidades de percepção estética e, no ato de
criação da composição interativa, percebeu-se processos de organização de
espaço, de definição de formas, conhecimento de elementos específicos das artes
visuais e de composição, mesmo que mediados. Além de interagir com os outros.
Com os recortes em mãos, desenvolveu-se outra proposta: no verso dos
mesmos, colaram-se mensagens, poesias e recados relacionados à preservação do
meio ambiente e como composição final desta atividade, montou-se uma instalação
com suporte de um galho seco, no meio do pátio onde outras pessoas tiveram a
oportunidade de ler os cartões dispostos na composição coletiva intitulada “Árvore
Arte Brasil” (Fig.14).
Nesta perspectiva, o objeto/obra e o aluno tornaram-se sujeitos que
interagiram e foi estabelecido uma relação verdadeira com a obra final. As atividades
desenvolveram tanto a parte cognitiva quanto o conhecimento sensível, despertando
outros conhecimentos e outras formas de construção.
No tocante, foi ressaltado por Puccetti (2002, p. 126) que “a leitura da imagem
produzida, inserida em um olhar contextualizado, provoca o modo de se ver,
envolvendo modo de ser, que desencadeia uma forma diferente de ver”, tornando-se
um meio de comunicação, com elementos visuais e apropriação por parte do aluno.
Finalizando, a análise das produções de significação e sentido teve como
enfoque a Arte, e foi além da observação das obras finais. Envolveu a observação
de todo o processo de aprendizagem direcionado às produções visuais com seus
elementos formais, ou seja, os elementos que compõem a visualidade, mesmo
relacionadas às outras linguagens, bem como a interação do aluno para com a sua
produção e a construção de conhecimentos. Notou-se a compreensão gradativa do
aluno em relação aos elementos artísticos, experiências e promoção da capacidade
criadora, dando sentido às produções.
Como existem diversos autores que enfatizaram a questão da leitura da
imagem, colocou-se em foco nas análises, a leitura semiótica das mesmas. O que se
procurou conhecer neste contexto foi como se dá a construção do conhecimento
significativo diante de produções visuais, na relação entre o aluno com sua produção
visual, situação e pessoas. Conforme a teoria semiótica greimasiana que considera
imagem como interpretação e atribuição de sentidos ou uma intenção de
representação original na semelhança com a realidade e a representação dela, na
produção artística. A imagem na pesquisa se remeteu à expressão de ideias, daquilo
que o aluno deficiente intelectual pensou e à capacidade de olhar, para assim
construir conhecimentos significativos.
As composições e trabalhos realizados destacaram elementos que compõem
a visualidade seja em forma de pintura, de desenho, de gravura ou mesmo de
fotografia. Em seus estudos, Gombrich (1965 apud AUMONT, 1995), ressalta duas
formas observadas em relação à imagem: o reconhecimento ligado à memória, ao
intelecto, às funções do raciocínio e a rememoração, puxando para a apreensão do
visível, das funções sensoriais. Assim, a imagem pode ser modelada e “é também
um meio de comunicação e de representação do mundo, que tem seu lugar em
todas as sociedades humanas” (AUMONT, 1995, p.131). Pode ser considerada
como meio de interação entre o ser humano e o mundo, estabelecendo ainda uma
relação sensorial.
Ao construir imagens ou tornar-se espectador de uma imagem, os alunos
deficientes intelectuais que participaram das oficinas realizaram a leitura, atribuindo
um significado e estabeleceu-se uma relação de produção de significação e sentido
em artes visuais.
A arte constituiu, em sua essência, um meio de expressão, em que cada
aluno representou o mundo da maneira que o interpreta, e por ser dinâmica, tiveram-
na como meio de comunicação do pensamento, cada qual viu a imagem, a produção
visual coletiva ou individual, de forma diferente e de acordo com o seu
desenvolvimento. O crescimento não foi medido pelo gosto ou padrão de beleza
estética, conceito este que limita o sentido da arte e esse deve ser mais amplo; a
produção artística esteve subordinada à criatividade, às relações sociais e,
prioritariamente, à construção do conhecimento dos alunos deficientes intelectuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Arte articula o sujeito com o mundo e possui muitos significados, pois
depende de quem a vê e a analisa. O símbolo não é uma realidade concreta, mas as
percepções da realidade e representações psíquicas são funções simbólicas,
transformadoras. O valor educacional da Arte, neste sentido, é ampliar a vivência
estética no aluno com ou sem deficiência intelectual, bem como proporcionar a
inclusão social.
A pesquisa pontuou que a Arte, modalidade do saber, está diretamente ligada
à construção do conhecimento, influenciando o aluno em seus processos de
pensamento, de sentimentos, em seu desenvolvimento perceptual e emocional na
sua expressão criadora. Também nas relações, pois por meio da Arte, percebe-se
sua crescente conscientização social. Está como elemento mediador no processo
ensino e aprendizagem dos deficientes intelectuais feita por outros ou por objetos.
Para tanto, torna-se necessário antes de tudo ter o fascínio pela Arte,
observar, compreender e não limitar a aprendizagem sem sentido e explorá-la em
vários sentidos, buscando desenvolver no aluno aptidões que o leve a interrogar, a
procurar respostas, a repensar, a recriar e a encontrar a sua própria expressão
criadora, tendo como objetivo o crescimento intelectual e social.
A escola deve propiciar situações desafiadoras que façam relações do aluno
com o mundo, construindo a aprendizagem de uma maneira gradativa com
conteúdos essenciais, culminando com o fazer significativo, gerenciado por
propostas pedagógicas de apropriação.
Toda produção artística demanda de um processo de conhecimento, no qual
os fazeres se articulam através de várias ações conectadas, havendo participação
ativa do aluno que compreende, classifica, transforma e cria. O aluno passa a
pensar de maneira inteligente sobre sua criação, saindo do senso comum, pois as
vivências têm significado e conteúdo. Também, ao utilizar a produção artística visual
como meio de relacionamento, possibilita oportunidades de mudanças no
comportamento e nas atitudes dos alunos, além de colaborar com suas interações
interpessoais, capacitando-o à comunicação, à socialização, à imaginação, à criação
e à transformação.
Neste sentido, o papel do professor de Arte se faz desafiador e ousado, ao
desvelar o conhecimento que o educando traz e ampliar o seu repertório para o
conteúdo da matéria, fazendo a intervenção significativa através de um olhar
sensível e pensante, possibilitando uma alfabetização estética e cultural, provocando
e instigando os alunos. Cabe ao professor fazer com que o aluno compreenda o
mundo em que está inserido por meio de práticas pedagógicas. Tais ações
significativas contribuem para o desenvolvimento integral da personalidade,
valorização do potencial criador, autoconfiança e superação de bloqueios e
preconceitos.
Desse modo, é necessário caminhar pacientemente por cada etapa que o
deficiente intelectual apresenta, ampliando a percepção do aluno que poderá com
mais clareza, expressar suas opiniões, tomar iniciativas, interagir, firmar sua
autonomia para a produção dentro da arte, além de estabelecer uma relação
diferenciada de proximidade entre professor de Arte para com o aluno em relação às
demais aulas, pois a arte possibilita oportunidades efetivas de interação e de
aprendizagem e isto é um ponto positivo no que se refere à educação.
Em suma, o papel da arte na educação para pessoas com deficiência
intelectual, quando bem direcionada, compactua com um ensino consciente, pautado
em objetivos claros. Arte em Educação Especial para deficientes intelectuais é a
valorização das potencialidades dos alunos por meio de interações entre o conhecer,
o fruir, o fazer e a sua criação, desencadeado num olhar diferenciado e perceptivo
de sua pessoa e do mundo na busca de sentidos, de desenvolvimento e de
conhecimento, com relevância à prática desenvolvida em sala de aula, suscetível a
mudanças na ação pedagógica. Assim, se compreende a função do docente em seu
papel de mediador da aprendizagem, despertando seu aluno para o conhecimento
que se instaura a partir da vivência prática e transformadora do pensar e agir.
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