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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A CONSTRUÇÃO DO LEITOR POR MEIO DO GÊNERO DISCURSIVO CONTO
Rosangela Cordeiro Mori1
Eliana Alves Greco2
Resumo: Este artigo tem por objetivo descrever e analisar o projeto de intervenção pedagógica �Construção do leitor por meio do estudo do gênero discursivo conto�, que propõe a leitura de contos por alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Entre os teóricos que embasaram esta proposta estão Solé (1998) e Kleiman (2011). Propôs-se leitura dos seguintes contos de Stanislaw Ponto Preta: �Conto de mistério�, �A velha contrabandista�, �A estranha passageira�, �Ladrões estilistas� e �O milagre�. A escolha desse gênero discursivo se deve ao fato de o conto ser uma narrativa curta, a qual proporciona maior envolvimento do adolescente em fazer a leitura até finalizar a obra. A intervenção foi desenvolvida durante o Programa de Desenvolvimento Educacional, no ano de 2014, com alunos do 6o ano B, do período vespertino, no Colégio Estadual Paiçandu � Ensino Fundamental, Médio, Normal e Profissional, no Município de Paiçandu, Estado do Paraná. Palavras-chave: Conto. Leitor. Leitura.
1. INTRODUÇÃO
Pensar em um ensino de qualidade é repensar como deve ser desenvolvido o
trabalho de leitura em sala de aula com nossos alunos, porque os resultados obtidos
nas avaliações educacionais comprovam o índice insatisfatório de compreensão e
interpretação textual dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental. Portanto,
fez-se necessário que a escola buscasse recuperar o valor da leitura como ato de
prazer, proporcionando ao aluno vivenciar experiências que solidificaram seus
conhecimentos.
Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná �
DCEs (PARANÁ, 2008, p. 56) enfatizam que, �ao ler, o indivíduo busca as suas
experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa,
cultural, enfim, as várias vozes que o constituem�. Sendo assim, fica claro evidenciar
que o meio social em que a criança está inserida tem uma grande contribuição na
formação do aluno leitor. Tanto a família como amigos e a escola a influenciam no
hábito de leitura.
1 Graduação em Letras pela FAFIMAM, Especialização em Língua Portuguesa: coesão e coerência em textos narrativos. Professora QPM, integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional (2013), da SEED/PR e Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]. 2 Orientadora. Doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo, Mestrado em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Graduação em Letras pela Universidade Estadual de Maringá, Professora Adjunta da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].
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A função do professor não se limita apenas em transmitir conteúdos
selecionados por outros, porém faz-se necessário assumir o papel de mediador e
considerar as práticas linguísticas que o aluno traz ao entrar na escola. No entanto,
deve-se proporcionar ao educando condições para adequar sua linguagem aos
diferentes contextos sociais.
A tecnologia tornou-se uma grande aliada na vida do ser humano, mas, ao
mesmo tempo em que facilitou, pela rapidez de acessibilidade, trouxe dificuldades
no âmbito escolar, porque passou a ser a grande concorrente do professor.
Sabe-se que as ferramentas digitais são de suma importância na sociedade
atual. Porém, faz-se necessária a mediação do professor em deixar clara para o
aluno a necessidade de adquirir o hábito de ler, bem como não perder a essência do
gosto pela leitura, para que, nas séries seguintes, não fique uma lacuna entre o que
já aprendeu e o que está para aprender. Diante das dificuldades apresentadas,
como oportunizar ou motivar os alunos a uma maior compreensão de leitura?
Segundo as DCEs (PARANÁ, 2008, p. 14), �um sujeito é fruto de seu tempo
histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é, também, um ser
singular, que atua no mundo a partir do modo como o compreende e como dele lhe
é possível participar�. Portanto, a acessibilidade de leitura faz-se necessária em
qualquer estágio da vida do ser humano, pois a pessoa que não lê pode ser
facilmente manipulada culturalmente e socialmente, pode ter dificuldade de
compreender e de interagir no meio em que vive.
É visível a realidade nas quais os alunos chegam às séries finais do Ensino
Fundamental ou no Ensino Médio, com alto índice de deficiência na leitura e escrita.
Diante desse cenário de leitura dos alunos em nosso cotidiano escolar, fez-se
necessário repensar a escola que temos.
Buscando atingir tal acessibilidade, o projeto teve como objetivo o estudo do
gênero discursivo conto. O conto foi escolhido por ser uma narrativa curta, constitui
campo fértil para os processos de leitura pelas suas características, sendo bastante
apreciado pelos alunos, por demandar menor espaço de tempo em sala de aula e
poder despertar o interesse para outros textos literários.
Desse modo, o conto pode prender a atenção dos leitores, como afirma
Linhares:
O conto é um caleidoscópio e, como tal, deve comunicar uma impressão de vida ou então de simples emoção a ser instalada na alma do leitor, sempre apressado em chegar ao fim, como supõe a época da velocidade em que vive. O que não quer dizer não se empenhe ele em conhecer as virtualidades do contista, as suas tendências voltadas para o folclórico, ora para o anedótico, ou então para a utilização do absurdo, para a mortal angústia de uma cosmovisão apocalíptica que o mundo de hoje tantas vezes comporta (LINHARES, 1973, p. 6)
O objetivo deste artigo é descrever e analisar o projeto de intervenção
pedagógica �Construção do leitor por meio do estudo do gênero discursivo conto�,
que propõe a leitura de contos por alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. A
proposta desenvolvida foi a leitura de contos, por meio da utilização de estratégias
que consideram os conhecimentos prévios dos alunos, contribuindo, assim, para
desenvolver o gosto pela leitura.
Por meio da leitura de contos curtos aos mais extensos, pretendeu-se ampliar
o horizonte de expectativas dos alunos, objetivando formar cidadãos autônomos,
capazes de interagir com a realidade em que vivem.
Propomos um projeto que estimule a leitura e que, gradativamente, diminua
as dificuldades existentes pelos alunos, promovendo o prazer pela leitura,
desenvolvendo competências e habilidades que visem torná-los leitores que
dialogam com o texto e reflitem sobre as informações explícitas e implícitas. O projeto foi desenvolvido com alunos do 6o ano B, do período vespertino, no
Colégio Estadual Paiçandu � Ensino Fundamental, Médio, Normal e Profissional, no
Município de Paiçandu, Estado do Paraná.
Os contos escolhidos para a leitura foram �Conto de mistério�, �A velha
contrabandista�, �A estranha passageira�, �Ladrões estilistas� e �O milagre�, do
escritor Stanislaw Ponte Preta. A contextualização dos contos, no momento da
leitura, possibilitou discussões e reflexões, que ressaltaram a importância dos
elementos ligados à literatura, bem como a problemática que retrata fatos da
sociedade brasileira.
O desenvolvimento do projeto foi embasado nas concepções de leitura de
Kleiman (2011) e nas estratégias de leitura de Solé (1998).
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A leitura deve ser compreendida como um ato dialógico que envolve o autor,
o texto e o leitor. Esse entendimento tem por base uma concepção de linguagem
como produção humana, histórica e social.
Kleiman (2011) define a atividade de leitura da seguinte forma:
[...] começaremos definindo a atividade de leitura como uma interação a distância entre leitor e autor via texto. A ação do leitor já foi caracterizada: o leitor constrói, e não apenas recebe, um significado global para o texto; ele procura pistas formais, antecipa essas pistas, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões (KLEIMAN, 2011, p. 65).
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa do
Estado do Paraná (PARANÁ, 2008) compreendem a leitura como ato dialógico,
interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas,
pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as
suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar,
religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem (PARANÁ, 2008).
Segundo as DCEs, �é tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem
de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a
finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação� (PARANÁ, 2008, p.48).
Já Martins vê a leitura num sentido amplo, independente do contexto escolar
e além do texto escrito. De acordo com a autora, [...] essa perspectiva para o ato de ler permite a descoberta de características comuns e diferenças entre indivíduos, grupos sociais, as várias culturas; incentiva tanto a fantasia como a consciência da realidade objetiva, proporcionando elementos para uma postura crítica, apontando alternativas (MARTINS, 2003, p. 29).
Solé (1998) afirma que há modelos hierárquicos de leitura, como o
ascendente-buttom-up, o descendente-top-down e o modelo interativo. No modelo
ascendente, o leitor inicia a leitura pelas letras, depois palavras, frases e assim por
diante. Referindo-se ao modelo ascendente, percebe-se grande importância dada às
habilidades de decodificação, porque se acredita que o leitor compreende o texto e
sabe decodificá-lo.
E no modelo descendente, de acordo com Solé (1998), dá-se o contrário. O
leitor utiliza seu conhecimento prévio para antecipar o conteúdo e verificar suas
antecipações para chegar a uma interpretação. Nesse modelo, o mais importante é
o reconhecimento global de palavras, ou seja, a ênfase maior é o leitor.
Já, no modelo interativo, tanto o texto quanto o leitor são importantes. O
fundamental é saber processar o texto e seus elementos e elaborar as estratégias
necessárias que tomarão o texto compreensível. Para a autora, quando se
compreende a leitura como processo de interação, há que se ressaltar os objetivos
para o ato de ler. Alguns leem para realizar uma tarefa, outros para obter
informações sobre um assunto qualquer e tantas outras finalidades, mas certo é que
todos os leitores possuem um objetivo ao ler.
O leitor dá sentido ao texto, visto que ele atribui significado, por meio de
leituras prévias que fez e do conhecimento de mundo que traz. Solé (1998) acredita
que, para dar sentido ao texto, o leitor necessita envolver-se no processo de leitura,
vivenciando-o de modo a construir novos horizontes. A leitura é um campo vasto de
conhecimentos no qual o leitor terá a capacidade de conquistar e processar novas
informações.
De acordo com Kleiman (2011), para construir o sentido do texto, o leitor
precisa ativar o conhecimento prévio, ou seja, o conhecimento adquirido ao longo da
vida. A autora considera a leitura um processo interativo, porque há três níveis de
conhecimentos prévios que interagem entre si: o linguístico, o textual e o de mundo.
O conhecimento linguístico é o �... conhecimento implícito, não verbalizado,
nem verbalizável na grande maioria das vezes, que faz com que falemos português
como falantes nativos� (KLEIMAN, 2011, p. 13). Esse conhecimento abrange o
conhecimento sobre como pronunciar português, passando de vocabulário e regras
da língua, chegando até o conhecimento sobre o uso da língua.
O conhecimento textual é �... o conjunto de noções e conceitos sobre o texto
(KLEIMAN, 2011, p. 16). Já conhecimento de mundo ou enciclopédico, que pode ser
adquirido formalmente como informalmente, �abrange desde o domínio que um físico
tem sobre sua especialidade até o conhecimento de fatos... � (p. 20).
Kleiman (2011, p. 20-21) afirma que, �para haver compreensão, durante a
leitura, aquela parte do nosso conhecimento de mundo que é relevante para a leitura
do texto deve ser ativada, isto é, deve estar num nível ciente, e não perdida no fundo
de nossa memória�. Devido a isso, é importante, antes da leitura do texto, o
professor ativar esse conhecimento de mundo do aluno, por meio de diferentes
atividades.
Solé (1998) afirma que o leitor deve-se valer de seus conhecimentos já
adquiridos para construir outros possíveis significados para o texto que lê, num
processo interativo, em que a leitura seja vista como processo, através do qual a
linguagem escrita possa ser compreendida.
Segundo a autora, ensinar a ler não é uma questão simples, mas é
necessário possibilitar ao aluno o contato com diferentes textos, a fim de que os
aprecie e encontre elementos que despertem seu gosto pela leitura.
Ler é compreender diferentes textos de diversos tipos, com intenções e
objetivos definidos, para que se possa atuar com autonomia numa sociedade
letrada. O sujeito leitor deve ser ativo e participativo, atribuir sentido e significado
aos textos e não simplesmente repeti-lo como um mero reprodutor para ser
premiado pelo professor (SOLÉ, 1998).
Solé acredita que o ensino de leitura não é exclusividade de um curso ou de
um professor, mas se faz necessário que toda a escola esteja engajada no processo
de formação de leitores, e que os professores se sintam envolvidos na transmissão
do gosto pela leitura.
Ao descrever a prática de leitura, Solé (1998, p. 23) evidencia a necessidade
de o leitor se envolver com o processo de leitura, como afirma:
Para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos, idéias e experiências prévias; precisamos nos envolver em um processo de previsão e inferência contínua, que se apóia na informação proporcionada pelo texto e na nossa própria bagagem, e em um processo que permita encontrar evidência ou rejeitar as previsões e inferências antes mencionadas.
Para que a leitura faça sentido ao aluno, é necessário superar as práticas
artificiais de leitura e produção textual que foram trabalhadas durante anos na
escola, por meio dos livros didáticos. Devido a isso, as Diretrizes Curriculares do
Estado do Paraná preconizam o trabalho com os gêneros do discurso:
O aprimoramento da competência lingüística do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. O trânsito pelas diferentes esferas de comunicação possibilitará ao educando uma inserção social mais produtiva no sentido de poder formular seu próprio discurso e interferir na sociedade em que está inserido (PARANÁ, 2008, p. 53)
Segundo Marcuschi (2005, p. 22-23), os gêneros são �... os textos
materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica.� Embora os gêneros sejam eventos
linguísticos, não são definidos pelas características linguísticas, mas enquanto
atividades sócio-discursivas.
Há distinção entre gêneros discursivos e tipologias textuais. Contudo, como
cita Marcuschi, não existe uma dicotomia entre os dois, mas há uma relação de
complementaridade e integração.
Para o autor, a expressão tipo textual é utilizada para denominar uma
sequência definida pela natureza linguística de sua composição, em que são
observados aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais e relações lógicas. Já os
tipos textuais são as palavras, as frases e os parágrafos que organizam
internamente o gênero discursivo.
Nessa perspectiva, os tipos textuais são constituídos por critérios internos,
enquanto os gêneros discursivos são instituídos por critérios externos. Ainda, de
acordo com o autor, os tipos textuais compreendem cinco categorias: narração,
argumentação, exposição, descrição e injunção, enquanto os gêneros discursivos
constituem uma listagem bastante ampla, como bilhete, reportagem, receita, carta,
resumo, poema, resenha, debate, anúncio, telefonema, instrução de uso, verbete,
notícia, reportagem, mapa, resenha, fábula, conto, crônica, história em quadrinhos,
charge, artigo, música, horóscopo, aula expositiva, conversação espontânea, entre
outros.
Para Marcuschi (2005), não importa qual o gênero, todo texto pode ser
analisado sob três elementos: conteúdo temático, estilo verbal e construção
composicional. O conteúdo temático não é o assunto do qual trata o texto, mas é um
domínio de sentido de que se ocupa o gênero. Já o estilo verbal é uma seleção de
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua em função da imagem do
interlocutor e do gênero, e a construção composicional diz respeito ao modo de
organizar o texto.
Dentre os gêneros, insere-se o conto, e o ato de contar alguma coisa a
alguém pode ser entendido como um processo �primitivo� da vida em sociedade. As
primeiras manifestações do �narrar�, segundo Gotlib (1988), estariam vinculadas à
aquisição da linguagem pelo homem que, nas sociedades tribais, perto do fogo,
reunia-se para transmissão de ritos e mitos. Portanto, essa prática acontece desde
os tempos mais remotos até os dias atuais, variando os assuntos e os modos de
narrar.
Gotlib afirma que, no início, a criação e a transmissão do conto eram apenas
orais, depois passaram a ser registradas pela escrita, e posteriormente houve a
criação por escrito de contos. Não se sabe com exatidão quando e onde o conto
surgiu, mas, para alguns, os primeiros escritos considerados contos datam,
aproximadamente, de 4.000 antes de Cristo, sendo eles os contos egípcios.
Ao se caracterizar o conto, contrasta-o à fábula e à parábola:
Modernamente, sabe-se que a fábula é a estória com personagens animais, vegetais ou minerais, tem objetivo instrutivo e é muito breve. E se a parábola tem homens como personagens, e se tem sentido realista e moralista, tal como a fábula, o sentido não é aparente e os detalhes de personagens podem ser simbólicos. O conto conserva características destas duas formas: a economia do estilo e a situação e a proposição temáticas resumidas (GOTLIB, 1988, p.15).
São variados os tipos de contos, uns mais antigos que foram passados de
geração a geração através da oralidade, outros mais conhecidos, como é o caso dos
contos de fada. Além desses, temos os contos de humor, de mistério, os religiosos,
os mitológicos, entre outros.
Para Gancho (1991), contar histórias é uma atividade praticada por muita
gente. Enfim, todos contam, escrevem, ouvem ou leem toda espécie de narrativa.
Assim, a maioria das pessoas é capaz de perceber que toda narrativa tem
elementos fundamentais sem os quais não pode existir; tais elementos, de certa
forma, responderiam as seguintes questões: O que aconteceu? Quem viveu os
fatos? Como? Onde? Por quê?
De acordo com a autora, a narrativa é estruturada sobre cinco elementos
principais: enredo, personagens, tempo, espaço e narrador.
Vejamos cada um deles:
Enredo: duas são as questões fundamentais a se observar no enredo: sua
estrutura (conflito) e a sua natureza ficcional (verossimilhança). Em termos
de estrutura, o conflito, via de regra, determina as partes do enredo:
exposição, complicação, clímax, desfecho. Verossimilhança é a lógica
interna do enredo que o torna verdadeiro para o leitor; é, pois, a essência
do texto de ficção.
Personagens: é um ser fictício que é responsável pelo desempenho do
enredo; é quem faz a ação. Por mais real que pareça, a personagem é
sempre uma invenção, mesmo quando se constata que determinadas
personagens são baseadas em pessoas reais. Quanto ao papel
desempenhado no enredo, temos as personagens principais e secundárias.
Tempo: os fatos de um enredo estão ligados ao tempo cronológico e tempo
psicológico. Tempo cronológico é o nome que se dá ao tempo que
transcorre na ordem natural dos fatos, está ligado ao enredo linear (que
não altera a ordem em que os fatos ocorreram). Tempo psicológico é o
nome que se dá ao tempo que transcorre numa ordem determinada pelo
desejo ou pela imaginação do narrador ou dos personagens, isto é, altera a
ordem natural dos acontecimentos; está ligado ao enredo não-linear, no
qual os acontecimentos estão fora da ordem natural.
Espaço: o espaço tem como funções principais situar as ações das
personagens e estabelecer com elas uma interação. O termo espaço, de
um modo geral, só dá conta do lugar físico onde ocorrem os fatos da
história.
Narrador: o narrador é o elemento estruturador da história. Há dois tipos de
narrador: primeira pessoa (personagem) ou terceira pessoa (observador)
do singular.
3. DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA PEGAGÓGICA
Nesta parte do artigo, propomo-nos a relatar o projeto de intervenção
pedagógica, que foi implementado em forma de unidade didática junto aos alunos do
6o ano B do Colégio Estadual Paiçandu � Ensino Fundamental, Médio, Normal e
Profissional, no Município de Paiçandu, Estado do Paraná.
A proposta, que teve como objetivo a construção de leitor por meio da leitura
do gênero discursivo, foi dividida em cinco módulos, em que foram trabalhados os
seguintes contos de Stanislaw Ponte Preta: �Conto de mistério�, �A velha
contrabandista�, �A estranha passageira�, �Ladrões estilistas� e �O milagre�. Foram
realizadas atividades de leitura, considerando os conhecimentos prévios dos alunos,
de compreensão, interpretação, discussão, e dramatização dos contos.
Iniciamos o módulo I, dialogando com a turma para levantar o conhecimento
prévio dos alunos a respeito do gênero discursivo conto, propondo oralmente as
seguintes questões: a) Onde ou quando vocês ouviram as primeiras histórias? Quem as contava?
b) Vocês sabem o que significa a palavra conto?
c) E textos chamados contos, vocês conhecem, ouviram falar ou já leram?
d) O que você entende pela expressão �Quem conta um conto aumenta um
ponto�?
Durante esta aula, os alunos tiveram oportunidade de participar falando de
histórias que ouviram nas séries anteriores. Depois ressaltamos a importância de
apresentarmos aos alunos vários livros que trazem o conto, bem como textos
avulsos para que pudessem manuseá-los e lê-los. Para direcionar a discussão,
foram feitas perguntas orais.
a) Alguém já leu conto para vocês?
b) Onde podemos encontrar esse gênero: em livros, jornais ou revistas?
c) Qual a finalidade do conto?
d) Quais escritores vocês conhecem? Já leram seus livros?
Durante essas discussões, os alunos mencionaram obras de Ziraldo, de
Monteiro Lobato e de Pedro Bandeira.
Antes de iniciarmos a leitura do texto �Conto de Mistério�, de Stanislaw Ponte
Preta, fizemos aos alunos as seguintes questões orais:
a) O que é mistério? Você tem algum?
b) Você já desvendou algum mistério?
c) Leu algum texto envolvendo mistério?
A participação dos alunos foi relevante, porque tiveram oportunidade de
ampliar seus conhecimentos prévios sobre mistério. Além disso, alguns trouxeram
experiências de histórias ouvidas em casa, contadas pelos pais e avós.
Sugerimos aos alunos a leitura silenciosa do conto e, posteriormente,
realizamos estes questionamentos: Por que o título Conto de mistério? Qual foi o
mistério? Quem são as personagens envolvidas? Os alunos tiveram boa
participação e ficaram surpresos com o final do texto. Ao final da aula, foi solicitada
uma pesquisa sobre Stanislaw Ponte Preta.
Na aula seguinte, ocorreu a exposição oral da pesquisa, sendo que os alunos
participaram falando sobre a vida do autor e sobre os temas abordados nos contos.
Alguns deixaram de realizar a pesquisa, mas entregamos a todos os alunos folhas
xerocopiadas contendo a vida e a obra do autor.
A partir do módulo II, foram trabalhadas, com mais precisão, as estratégias
antes, durante e depois da leitura, propostas por Sole (1998).
Nesse módulo, estudamos o conto �A velha contrabandista� e, antes da leitura
do texto, registramos o título, no quadro, e fizemos os seguintes questionamentos
orais:
a) O que você entende por enganar?
b) Você já enganou alguém ou foi enganado por alguém?
c) Você acha correto enganar o outro?
d) O título do texto é �A velha contrabandista�. Você sabe o que é ser
contrabandista?
e) Você já leu ou conhece algum fato relacionado a contrabando?
Os alunos participaram das discussões com bastante entusiasmo, porque é
um assunto que faz parte da realidade deles. Alguns falaram que contrabandear
ganha muito dinheiro, enquanto outros comentaram do perigo dessa ação, pois já
vivenciaram esse problema com os familiares.
Para aguçar ainda mais a curiosidade da turma, entregamos aos alunos cópia
do início e até meio do conto em questão, para que lessem e discutissem qual seria
o final da história e o que realmente a velha contrabandeava. Surpreendente foi a
atitude dos alunos que já conheciam o texto, visto que ficaram quietos e instigaram
os demais, dando pistas para que descobrissem o produto contrabandeado.
Após a leitura silenciosa dessa parte do conto, realizamos questionamentos
orais para averiguar se houve compreensão de leitura:
a) Quem mandou a velhinha parar, quando ela vinha de lambreta?
b) Por onde a velhinha passava todos os dias?
c) O que o fiscal quis saber sobre o saco?
d) Qual foi a resposta da velhinha?
e) Qual foi a atitude do fiscal?
f) Por que o fiscal tomou aquela atitude?
g) Como o fiscal ficou após examinar o saco? O que ele pensou?
h) Quanto tempo a velhinha passou por aquele local?
i) Quanto tempo de trabalho tinha o fiscal?
j) Qual foi a proposta do fiscal à velhinha?
k) Como a velhinha reagiu?
Ao finalizarmos o questionamento, solicitamos a um aluno que registrasse, no
quadro de giz, as supostas coisas que a velhinha contrabandeava citadas pelos
alunos. Houve uma intensa participação, sendo que algumas arriscaram várias
respostas, mas apenas alguns acertaram o produto contrabandeado. Em seguida,
entregamos a parte final do texto. Foi um momento surpreendente para alguns, e
gerou muita polêmica e até risos ao observarem a inteligência da velhinha.
Logo após essa discussão, entregamos questões de compreensão e de
interpretação do texto:
a) Qual o fato que gerou desconfiança por parte dos fiscais de que se tratava
de contrabando?
b) Quem estava sendo mais esperto na história: a velha ou os policiais?
c) Qual é a ideia principal do texto?
d) Se você não tivesse lido a última parte do texto, acharia que a velhinha
estava fazendo contrabando? Por quê?
e) Você esperava esse desfecho? Comente.
f) No Brasil, muitas pessoas se vangloriam de burlar a Lei. O que você acha
dessa atitude?
g) Qual a sua opinião sobre a prática de contrabando?
h) A quem é prejudicial o contrabando?
i) Quais devem ser as atitudes das autoridades em relação aos
contrabandistas?
j) Se você fosse o fiscal, quando soubesse a verdade, o que faria com a
velhinha?
Os alunos não tiveram dificuldades para a realização da atividade, apontaram
as ideias com clareza e respeitaram a opinião do colega.
Para finalizar o estudo desse conto, solicitamos uma pesquisa sobre o tema
contrabando. Na aula seguinte, os alunos apresentaram a tarefa, envolvendo fatos
que a família narrou e notícias de jornal que abordavam o assunto. Foi uma
atividade muito relevante, porque participaram respeitando o outro e destacaram os
pontos negativos do contrabando.
No Módulo III, foram realizadas explicações sobre o conto �Ladrões estilistas�.
Chamamos atenção para os aspectos do texto que tratam da mesma temática dos
contos anteriores.
Primeiramente, perguntamos aos alunos o significado da palavra �estilista�, e
eles, além de darem opiniões, também disseram suas hipóteses sobre do que se
tratava o conto.
Dando sequência às atividades, os alunos realizaram leitura silenciosa do
conto, com a tarefa de destacar as palavras de difícil compreensão, Após a leitura,
relacionamos essas palavras no quadro de giz e retomamos o texto, levando-os a
compreender o seu significado no contexto.
Para dar continuidade e comprovar que os alunos compreenderam o conto,
houve as seguintes reflexões orais:
a) Qual o sentido da palavra �estilista� no texto?
b) Por que o autor, provavelmente, concedeu este título ao texto?
c) Por que os ladrões eram estilistas?
d) Qual a ideia principal que você depreende do conto?
Os alunos tiveram dificuldades em entender a história, bem como
consideraram o conto estranho, diferente da leitura que estavam acostumados a
fazer. Apesar das dificuldades, os alunos tiveram ótima participação e, após as
explicações do professor, passaram a achar o texto interessante.
Foi contemplado, no Módulo IV, o conto �A estranha passageira�. Antes da
leitura, foi registrado, no quadro, o título do conto, para algumas reflexões:
a) Qual assunto o conto abordou?
b) O que é ser uma passageira?
c) O que você imagina que irá acontecer com a estranha passageira?
d) Se você estivesse junto à estranha passageira, o que diria a ela?
Entusiasmados, os alunos participaram das reflexões e expuseram suas
ideias. Fizemos breve comentário do conto para chamar a atenção e o interesse dos
alunos, para realizar a leitura.
Em seguida, entregamos cópias do conto para que os alunos fizessem a
leitura silenciosa e, em seguida, coletiva. Todos participaram, dando sua
contribuição e lendo de forma a participar dos diálogos existentes na narrativa.
Na aula seguinte, foram feitas perguntas escritas relacionadas ao conto.
a) Quais personagens participaram das ações?
b) Escreva os fatos ocorridos na história.
c) Qual fato você achou mais interessante? Por quê?
d) Qual foi a reação da personagem principal diante da situação? E qual
seria a sua?
O resultado dessa atividade foi satisfatório, porque os alunos conseguiram
compreender o texto e responderam as questões sem dificuldades.
No Módulo V, trabalhamos com o conto �O milagre�. Para instigar a
curiosidade dos discentes, registramos, no quadro, o título do conto e perguntamos
�O que você acha que vai tratar um texto que tem esse título?� Cada aluno deu sua
opinião, que foi transcrita, no quadro, para posterior discussão em relação ao texto.
Nesta etapa, entregamos aos alunos cópias do conto até o décimo parágrafo
para leitura silenciosa. Após a leitura, eles escreveram, no caderno, o que havia
acontecido no final da história e, ao encerrar a produção, expuseram seu texto aos
demais. Houve momento de interação, pois todos participaram, ouvindo atentamente
a leitura dos colegas.
Para finalizar a atividade, foi entregue aos alunos o final do conto, havendo,
nesse momento, uma comparação entre o que escreveram e o texto original.
Percebemos que as produções foram coerentes com o texto.
Posteriormente, entregamos questões de compreensão e de interpretação do
texto, para que os alunos respondessem no caderno:
a) Por que começaram as romarias naquela pequena cidade?
b) Qual motivo levou o povo a acreditar em milagre, segundo o texto?
c) Qual é a história que contam sobre o vigário? Ou como é relatada a vida
do vigário da história?
d) Como era o local onde vivia o vigário?
e) Qual fato ocorreu que chamaram de �milagre�?
f) Por que todos acreditaram no milagre?
g) Como se espalhou o fato sobre �o milagre�?
h) Como o milagre se oficializou?
i) Como foi o comportamento das pessoas em relação �ao milagre� com o
passar dos tempos?
j) Quando e como foi descoberto o fato pelo narrador da história?
Dando sequência, os alunos apresentaram suas respostas, e a maioria
conseguiu atingir os objetivos propostos. Eles foram surpreendidos com o final da e,
ao mesmo tempo, refletiram sobre tais fatos do cotidiano.
Para finalizar o projeto, a sala foi dividida em cinco grupos, e foram realizadas
duas atividades com os contos estudados. Para a realização da primeira atividade,
foi sorteado um conto para cada grupo. Depois de uma leitura cuidadosa, os alunos
deveriam fazer uma ilustração, relatando as ideias principais contidas no texto. Os
trabalhos foram expostos no mural da escola. Houve boa interação entre os
participantes e entre os grupos.
Na segunda atividade, cada grupo, por sua vez, escolheu um dos contos para
dramatizar para as outras turmas do 6o ano do Colégio. Essa atividade exigiu muito
esforço por parte do professor e dos alunos, pois foram necessários vários ensaios.
Contudo, houve bastante empenho dos alunos, e o resultado foi gratificante, porque
percebemos que as demais turmas ficaram em silêncio e se interessaram pelas
dramatizações, aplaudindo-os e fazendo comentários elogiosos.
Os professores dessas turmas também contribuíram para que as
apresentações ocorressem de forma tranquila.
Ao finalizamos o projeto, pudemos verificar a grande maioria dos alunos
sentiu-se estimulada para leitura de outros contos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta didático-pedagógica apresentada neste artigo teve como meta
oferecer aos alunos condições de compreender que ler vai além da decodificação e
que o leitor pode lançar mão das estratégias, em etapas, para construir a
compreensão de um texto.
Para atender a essa perspectiva, foram desenvolvidas leituras de contos de
Stanislaw Ponte Preta, a fim de aprofundar a compreensão dos elementos
específicos desse gênero.
O resultado desta proposta demonstrou que a leitura do gênero discursivo
conto constitui campo fértil para os processos de leitura pelas suas características,
sendo possível iniciar e concluir a leitura de um ou mais contos num único período
de aula. Portanto, cabe ao professor o papel de conscientizar e ampliar a visão de
mundo do aluno leitor e favorecer o contato do educando com obras literárias, bem
como motivá-lo a ler e analisar textos.
Para que o leitor dê sentido ao texto, visto que atribui significado, por meio de
leituras prévias que fez e do conhecimento de mundo que traz, como propõem as
DCEs (PARANÁ, 2008), ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus
conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim as várias
vozes que o constituem.
Dessa forma, o Programa de Desenvolvimento do Estado do Paraná veio ao
encontro dessas diretrizes, por proporcionar espaços de leitura na escola, vindo
oportunizar os contos e outros textos literários enquanto fruição, como meio de
desenvolver, nos alunos, o gosto e o hábito pela leitura.
Como era esperado, o trabalho proposto contribuiu para amenizar a grande
desmotivação e as dificuldades dos alunos em relação à leitura de textos.
REFERÊNCIAS GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 4. ed. São Paulo: Ática, 1991. GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. 4. ed. São Paulo: Ática, 1988. KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 14. ed. Campinas, SP: Pontes, 2011. LINHARES, Temistocles. 22 Diálogos sobre o conto brasileiro. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1973. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A, P: MACHADO, A. R: BEZERRA, M. A. (Org) Gêneros textuais e ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucema, 2005.
MARTINS, Helena Maria. O que é leitura. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003. PARANÁ; Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná. Curitiba: SEED, 2008. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.