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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

AUXILIANDO E PROMOVENDO O SUCESSO ESCOLAR

Neudes Hirt

Dalva Cassie Rocha

Resumo

Muito se estudou nos últimos anos sobre avaliação, mas ela ainda causa inquietude para estudantes e

educadores. As avaliações externas, nacionais e internacionais, indicam que os estudantes brasileiros

não estão adquirindo conhecimento. Como fazer da avaliação um momento de busca da aprendizagem

significativa, sendo justa e humana? O objetivo desse trabalho foi aprofundar o estudo teórico sobre a

avaliação, buscando elementos para provocar a reflexão da prática docente a fim de tornar a avaliação

justa, inclusiva e humana. A busca por índices educacionais semelhantes aos de países desenvolvidos,

representado pelo IDEB, deveria passar necessariamente por esse repensar. Buscar um novo sentido

no ato avaliativo deve ser uma atividade conjunta entre os atores do âmbito escolar, bem como a

participação da sociedade nas discussões, propiciando reciprocidade e apoio aos alunos e professores

na busca de uma educação de qualidade.

Palavras-chave: Avaliação; Fracasso escolar; Ensino-aprendizagem; Desempenho

escolar; Prática docente.

INTRODUÇÃO

Nessas duas primeiras décadas do século XXI, a escola brasileira tem passado

por inúmeras transformações, principalmente, pela mudança nas características de

seu corpo discente. A “Educação para todos” tem sido paulatinamente efetivada do

ponto de vista da inclusão e agora deve ter continuidade e sucesso. A escola do século

XXI precisa atender a sociedade nas suas necessidades atuais. Esse é um

compromisso de política pública mundial na área da educação cujo objetivo maior é

unir forças para promover e viabilizar condições para que todo o ser humano tenha o

direito a educação, uma proposta que vem sendo construída há mais de 40 anos e

que foi proclamada na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien,

Tailândia, no período de 5 a 9 de março de 1990, para satisfazer as necessidades

básicas de aprendizagem da população mundial (UNESCO, 1998), a partir de

reflexões tais como

[...] Relembrando que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro; Entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, económico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional [...] Sabendo que a educação, embora não seja condição suficiente, é de importância fundamental para o progresso pessoal e social [...] proclamamos a seguinte Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1998, p. 2 e 3)

Em todo o sistema escolar formal, há o momento de avaliar. Cabe, portanto,

indagar: como fazer da avaliação um momento de busca da aprendizagem

significativa, sendo justa e humana? Foi a partir dessa questão que esta proposta de

trabalho se iniciou.

As interpretações sobre a avaliação escolar

A avaliação, do modo que acontece nas escolas na atualidade, ainda é um

empecilho ao sucesso de muitos estudantes que evadem, mesmo antes de completar

um ciclo e isso não atende às necessidades da sociedade como preconiza a

declaração mundial sobre “Educação para todos” proclamada ás portas do século XXI,

portanto, consideramos que a avaliação como está, deve ser repensada.

De acordo com Antunes (2012. p. 20), “[...] ao longo de um determinado período

de presença na escola é essencial que o aluno mostre algum progresso”. Corrobora-

se aqui a ideia que o indivíduo estando na escola tem o direito de “aprender” nas

várias dimensões que este verbo possa atingir e ao aprender, é estimulante que seja

reconhecido nesse avanço.

A necessidade de repensar a avaliação se justifica a partir de suas consequências, pois

vidas podem ser transformadas e como provoca Antunes (2012, p. 18) com sua

afirmação “[...] se acreditamos que a escola existe tão somente existe e pronto, não há

necessidade de se discutir avaliação e nem mesmo de se avaliar o aluno”. Essa

afirmativa desconsidera o aluno como sujeito protagonista do seu processo de

aprendizagem e indica as decisões da escola como imutáveis, concepção que já não é

mais adequada para atender a sociedade do século XXI. Antunes, busca discutir o tema

a partir de provocações.

Tempos atrás por propiciar a alguns professores um caráter autoritário,

prepotente e segregador, centralizado nas mãos arrogantes deste ou daquele

que fazia de sua nota seu instrumento de sadismo ou sua maneira

egocêntrica de selecionar os bons e os maus, [...]. (ANTUNES, 2012, p.13).

Avaliar é um ato de julgamento, pois envolve juízo de valores além de

conhecimento. Para tal, quem avalia deve ser competente e equilibrado para definir

esses valores a fim de tornar a avaliação algo justo e Humano. Transformar uma vida

pode indicar sucesso, avanços e progresso ou, no contraponto, indicar fracasso,

evasão, desistência e interrupções de planos e sonhos. O processo de avaliação

escolar pode elevar ou reduzir a autoestima do indivíduo. Pode ser humanizado ou

desolador.

Cabe então, refletir sobre como se faz avaliação. Consideramos pertinente o

que salienta Luckesi (2011, p. 205) “vivemos um equívoco: denominamos avaliação,

porém praticamos exame”. Esse tipo de prática docente, conta os acertos e erros na

assimilação de conceitos e atribui-se uma nota no livro diário, ignorando os conteúdos

com assimilação insatisfatória. Com essa postura não estamos avaliando, mas sim

examinando, classificando, selecionando e quantificando, porque com essa prática

apenas se identifica quem assimilou mais no mesmo período de tempo, sem dar

atenção para aqueles que não assimilaram e sem considerar o que foi assimilado ou

não em termos quantitativos e qualitativos. O professor que age dessa forma tem a

concepção reducionista e positivista sobre a avaliação, voltada à formação

cientificista, valoriza predominantemente a memorização das informações.

Neste contexto, a avaliação é pontual, feita por exigência da instituição,

baseada no conteúdo apresentado, podendo ser mensal, bimestral ou anual. Sua

principal função é classificatória e por essa razão, é muitas vezes utilizada como

ferramenta de coação, para garantir o silêncio e a obediência às regras impostas aos

estudantes.

A prática punitiva e fiscalizadora ainda prevalece, quando se atribui apenas

notas para indicar o desempenho do aluno sobre a assimilação dos conteúdos. A

reprovação ocorre quando se interpreta que o estudante não atingiu os quesitos pré-

estabelecidos pelo professor ou pela instituição para indicar a aprovação. Essa prática

privilegia geralmente, apenas o resultado da memorização de informações,

desconsiderando o aprendizado qualitativo.

Para Luckesi (2011, p. 417) “não existe avaliação quantitativa, mas somente

qualitativa”. O autor justifica sua fala dizendo que a qualidade tem como base a

quantidade. Entendemos, então, que foi a partir dessa interpretação que a nota

atribuída às atividades do aluno tornou-se importante registro do seu desempenho em

um determinado momento. Nessa interpretação de Luckesi (2011, p. 420) “a

aprendizagem de determinado conteúdo poderá apresentar uma qualidade mais

refinada ou menos refinada”. Assim entendemos que a nota atribuída deve ser tanto

maior quanto maior for o refinamento da apresentação dessa aprendizagem.

Os alunos estudam para tirar notas e são estimulados a fazer isso pela escola,

pelos responsáveis e pelos professores, sendo que o mais adequado deveria ser

estimulá-los a melhorar sua aprendizagem, a refinar o seu conhecimento.

Mas, qual a importância da nota? Luckesi (2013), a considera um registro dos

resultados da aprendizagem.

O registro será o testemunho dado aos pais, às instituições sociais e à

sociedade que dado estudante frequentou determinada escola em

determinado período e passou por experiências de aprendizagem cujos

resultados apresentaram determinada qualidade. (LUCHESI, 2013, p. 406)

Mas de que qualidade estamos falando, se o resultado de avaliação externas

são tão ruins? O que a nota representa?

A nota é uma decisão do professor que estabelece uma expectativa sobre o

desempenho do aluno. Entendemos que essa expectativa é criada a partir da

interação entre professor e aluno. Se a relação humana é forte, amigável e estreita, o

professor espera muito daquele aluno, enquanto que se a relação é enfraquecida, o

professor o avalia de forma completamente diferente.

Na sua ironia, Antunes (2013, p. 17) faz provocações para mostrar que os pais

entendem que o papel da escola é dar informações para serem decoradas e

memorizadas pelos alunos que, por usa vez, acreditam estar aprendendo, enquanto

os professores mentem estar ensinando. Esse autor reflete que “aprender é se

transformar, e não existe nenhuma aprendizagem que, sendo verdadeira, não

transforma o aprendiz” (ANTUNES, 2013, p. 18).

A estrutura burocrática educacional brasileira, impõe que o resultado seja

expresso através de notas e médias e cabe ao professor adequar-se à regra.

A busca para implantar uma avaliação justa e inclusiva passa por mudanças

comportamentais do professor e do aluno em especial, bem como dos responsáveis

pelos estudantes e passa também por mudanças estruturais-administrativo-

pedagógicas e burocráticas na escola e na estrutura educacional.

Perrenoud (1999) já declarou que procedimentos de avaliação ainda em vigor

na maioria das escolas são obstáculos à inovação pedagógica, representam um freio

à aprendizagem e enumerou sete mecanismos que devem ser vencidos, dentre estes

sete, destacamos o último, ‘sob a aparência da exatidão, a avaliação tradicional

esconde uma arbitrariedade difícil de alcançar unanimidade em uma equipe

pedagógica: Como se entender quando não se sabe nem explicar, nem justificar o que

realmente se avalia?’ (PERRENOUD, 1999, p. 67).

Ao tomar ciência e refletir sobre os obstáculos, podemos entender as

dificuldades enfrentadas pelos professores/avaliadores/responsáveis e alunos, como

aceitar “justo” um julgamento, sem explicar os critérios utilizados e sem definir os

objetivos almejados com tal atividade avaliativa.

Conforme Perrenoud (1999)

As atividades de aprendizagem assemelham-se ao exercício, ao treinamento intensivo, no sentido em que o praticam certos esportistas que fazem e refazem os exercícios sobre os quais serão julgados no dia da competição [...] A avaliação funciona, sob este aspecto, como um fortíssimo impedimento. Os professores que tentam se distanciar dos exercícios escolares mais próximos das provas escritas sabem bem disso: quando se faz os alunos trabalharem em grupos, quando se dá importância às situações de comunicação, aos problemas abertos, ás pesquisas, às enquetes, às atividades-meio, ao trabalho por situações problema, aos procedimentos e projetos, devem afrontar uma certa angústia, que pode se tornar insustentável (PERRENOUD, 1999, p. 72).

Corroborando Perrenoud (1999) consideramos que é necessário buscar

entender e aplicar uma avaliação que auxilie professores e alunos na efetividade da

aprendizagem significativa. Que a avaliação deixe de ser restrita à simples atribuição

de notas que classificam os sujeitos em “vencedores e derrotados” ou “aprovados e

reprovados”. Assim, para tornar a avaliação justa, inclusiva e humana, é preciso

considerar não apenas o que se avalia, mas quem está sendo avaliado.

Há mais de uma década, inúmeros pesquisadores têm se debruçado sobre

esse tema.

Avaliação no contexto externo

Avaliar o desempenho do aluno é um desafio para o professor no contexto

interno de cada escola e de cada sala de aula, mas como avaliar o desempenho geral

dos alunos em uma escola ou o conjunto de escolas de uma rede ou de um município?

Este tem sido um grande desafio para os governos. Foi nessa direção que foram

criadas as avaliações no contexto externo. Esse tipo de avaliação gera dados,

geralmente expressos em índices numéricos e percentuais que ao serem divulgados,

imprimem uma imagem da educação básica no país.

‘Não se ignora que foi um incontestável bem para a educação brasileira a

criação de sistemas de avaliação da instituição com base no desempenho dos alunos’

(ANTUNES, 2013, p. 91). O autor ainda cita alguns tipos mais comum nos dias de

hoje: Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), Prova Brasil,

exames do Programa internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), Exame

Nacional do Ensino Médio (ENEM). Cada unidade federativa ainda pode ter algum

tipo de avaliação dessa natureza para aferir o rendimento dos alunos coletivamente.

As avaliações externas em nível estadual, nacional ou internacional, divulgam os

resultados que são invariavelmente interpretados para criar classificações, e pouco

têm sido usadas para melhorar o ensino nas modalidades avaliadas.

Essas avaliações externas, contudo, contrapõem as reflexões sobre o que é

avaliar, uma vez que são provas realizadas em um momento, ou seja, são exames

pontuais e seletivos, portanto, é um ato de julgamento que desconsidera as variadas

realidades socioeconômicas e culturais, mesmo que esses temas sejam colocados

como assunto de prova. Coletivamente, o quadro de desempenho dos alunos é

expresso através de uma “nota” (ou índice). Esse, por sua vez, quando divulgado

passa a ser um fator de comparação e de propaganda entre as instituições.

Cabe ressaltar que na ocasião desses exames, não existe relações humanas

entre quem avalia e quem é avaliado, diferindo do que ocorre em sala de aula, na

avaliação interna.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) reúne em um só

indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo

escolar e médias de desempenho nas avaliações. A nota atribuída para cada escola

é considerada o seu índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB). Em

conjunto, as notas atribuídas para as escolas de um município geram o IDEB

municipal que, por sua vez, terá influência na composição do Índice de

desenvolvimento humano do munícipio, do estado e do país, já que o acesso ao

conhecimento: ‘Anos Médios de Estudo e Anos Esperados de Escolaridade’ são

índices usados como critérios de avaliação para a composição do IDH. Portanto, os

gestores da educação básica buscam elevar esses índices a cada ano. Como meta,

projetou-se progredir, da média nacional 3,8, registrada em 2005 na primeira fase do

ensino fundamental, para um IDEB igual a 6,0 em 2022, ano do bicentenário da

Independência (BRASIL, 2016 a)

Esses índices fazem parte do cotidiano dos professores na atualidade e

influenciam suas decisões no momento das avaliações, uma vez que precisam

atender às expectativas da instituição escolar de forma específica, bem como

precisam atender às expectativas do modelo educacional coletivo no município.

O sucesso e o insucesso escolar

O sucesso escolar não pode ser resumido apenas a aprovação em exames e

provas, bem como o insucesso não pode estar restrito apenas às atribuições de notas

abaixo de uma média estabelecida por convenção para todos atingirem ao mesmo

tempo, nem tão pouco pode ser ‘medido’ por índices de abandono ou evasão do

sistema escolar sem, contudo, analisar os motivos que levam a esse fato.

Considerando Perrenoud (1999), o sucesso e o fracasso são representações

que, invariavelmente, resultam de negociações entre os atores envolvidos

(professores, alunos, pais e equipe pedagógica) no processo escolar.

É importante refletir que nessas negociações são os resultados insatisfatórios

que normalmente são contestados e não aceitos por parte de alguns desses atores.

Considerando que a concepção elitista da escola é marcadamente histórica e cultural,

pode-se dizer que ela interfere nessas negociações.

As atitudes dos professores e de todos os demais sujeitos envolvidos no

processo, bem como na sociedade, refletem a maneira de pensar que, implicitamente,

foi a eles dada como herança neste contexto educacional de reprodução de saberes.

Ainda que a elite brasileira nunca tenha se preocupado de fato com a educação das massas, o país avançou nos últimos 50 anos. Foi criado um sistema educacional amplo e diversificado, assentado nos ideais de uma educação pública, laica, universal e gratuita [...]. Entretanto, o sistema educacional brasileiro não deixou de ser elitista. Em pleno século XXI ainda reproduz desigualdades sociais (SILVA e SILVA, 2008, p. 3).

Luckesi (2011) aponta para o fato de termos raízes históricas e pedagógicas

fincadas na modernidade, isto é, séculos XVI e XVII. Segundo esse autor ‘Praticar um

modo de agir por centenas de anos, individual e coletivamente, cria padrões habituais

de conduta difíceis de serem removidos’(LUCHESI, 2011, p. 252).

Será necessário muito esforço e investimento pessoal e coletivo para que

possamos alterar nossas condutas relacionadas ao ato de avaliar sem prender-se

exageradamente apenas na aplicação de exames.

O objetivo desse trabalho foi, primeiramente, aprofundar o estudo teórico sobre

a avaliação, buscando elementos para provocar a reflexão da prática docente a fim

de tornar a avaliação justa, inclusiva e humana.

METODOLOGIA

O estudo teórico sobre a avaliação foi fundamentado, principalmente, em

Perrenoud (1999), Luckesi (2011) e Antunes (2012,2013), buscando elementos sobre

como a avaliação é entendida e praticada.

Duas intervenções foram realizadas com professores da rede pública da

educação básica do Paraná, uma oficina presencial e um grupo fechado de discussão

online, o GTR. Da oficina presencial, participaram seis professores de uma mesma

escola pública, situada numa cidade de pequeno porte do interior do Estado do

Paraná, enquanto que do GTR, participaram outros 15 professores da rede pública,

distribuídos em variadas localidades do Estado. Nos dois momentos, buscou-se

teorizar as discussões entre os participantes, aqui denominados “cursistas”

indistintamente. Assim, a amostra de participantes contou com 21 indivíduos.

As discussões nesses encontros partiram, inicialmente, de dados levantados

sobre a realidade da escola e do município onde ela está situada, cujo cenário

representa alto índice de insucesso escolar.

As falas dos cursistas foram registradas em 223 fragmentos nos dois momentos

de intervenção, sem que os indivíduos fossem identificados e a partir desses

fragmentos de fala foi realizada análise do conteúdo (AC) para indicar condutas

individuais. Os fragmentos de fala foram identificados por números arábicos inteiros

(F1, F2, F3 ...Fn), independente dos cursistas.

Numa contextualização mais ampla, também foi possível realizar a análise do

discurso do sujeito coletivo (ADSC) para interpretar a prática docente no quesito

avaliação de forma coletiva.

RESULTADOS

Partindo de dados da realidade, fornecidos pela secretaria da escola, as

discussões foram fundamentadas para buscar as razões do insucesso escolar, que

por convenção geral é considerado o número indicado de reprovações e abandono

que compõem o IDEB. Em 2011, o esse índice da escola em questão era 4,0;

enquanto as porcentagens de reprovação e abandono para a mesma escola e ano

estavam em 21,3% e 0,4% respectivamente. Em 2012, houve 23% de reprovados e

0,29% de abandono e, em 2013, houve 22% de reprovados e 0,55 % de abandono na

mesma escola. O IDEB é um índice calculado bianualmente e em 2013 foi de 3,4 para

essa escola, menor índice, portanto do que o registrado em 2011. Nestes dados os

aprovados por conselho de classe, segundo a mesma fonte, são considerados

reprovados nos registros. Isto porque, a nota média necessária para a provação

imediata é 6, 0.Os valores de reprovação entre 2011 e 2013 para essa escola indicam

alto índice de insucesso escolar pois estão acima de 20%, ou seja, de cinco alunos

matriculados na escola, um está incluído dentre os reprovados (que efetivamente,

pode até ter sido aprovado por conselho de classe, mas nos registros está reprovado).

O conselho de classe pode ser identificado como uma negociação, da qual

Perrenoud (1999) se referiu. Contudo, antes desse momento, outras negociações são

estabelecidas. Isso pode ser ilustrado na fala F71 de um dos cursistas

Já passei por algumas escolas e notei que nas do centro ou de referência, a maior parte da nota do aluno é atribuída a uma Prova (60%) e o restante é atribuída a trabalhos, seminários, entre outros. Nestas, há um consenso (ou se assume) de que o valor da prova é um demonstrativo de que o aluno ‘adquiriu’ o conhecimento. Se ele não atingiu o valor esperado, ou ele tem dificuldade de aprendizagem ou é por desleixo. Há uma competição entre os alunos pela maior média (pelo menos durante a entrega da prova e dos boletins). Os pais são presente e cobram escola/professores (F71).

Nota-se que pais e responsáveis podem interferir no processo quando se fazem

presentes na vida escolar do indivíduo, além dos professores e as suas concepções

sobre o que é sucesso ou insucesso escolar, se farão refletir nos resultados escolares,

as atitudes e cobranças que fazem, conforme o cursista indicou na sua fala.

Em outro fragmento de fala (F135) identificamos que os conselhos de classe

são também negociações como segue

[...] se a decisão do conselho de classe fosse embasada na avaliação qualitativa e se o seu resultado fosse aceito verdadeiramente, muitos problemas poderiam ser evitados. Muitos alunos apresentam médias porque foram ‘ajudados’ e outros, as vezes, desde o primeiro bimestre já são classificados como futuros reprovados, e mantem-se suas notas baixas para não correr o risco de, no conselho de classe final, seja ‘ cobrado’ uma aprovação (F135).

As decisões conjuntas em conselho de classe também precisam ser aceitas.

Ao ser aprovado por conselho de classe, sem condições adequadas de aprendizado,

o aluno estará cada vez mais susceptível à reprovação no ano seguinte. Esse

panorama pode se repetir a cada ano, consecutivamente, até o final do período

escolar do indivíduo, seja na conclusão, seja por abandono ou evasão.

A insatisfação quanto aos resultados das negociações, sejam elas para

aprovação ou reprovação escolar, a partir dos rendimentos dos alunos pode vir de

qualquer dos atores envolvidos. Ora a insatisfação é de pais e responsáveis, ora é de

professores e, até mesmo de alunos. Há professores que se sentem inseguros em

mudar atitudes de forma isolada, temem a iniciativa, mas demonstram querê-la, como

dito nas frases F223 e F59

Não podemos mudar nossas práticas de avaliação de forma isolada, somos subordinados a um sistema de ensino. Como e quando vai acontecer essa mudança se não temos autonomia para isso? (F223)

Mudar a concepção de avaliação, significa mudar muita coisa no processo ensino-aprendizagem e no cotidiano escolar, sendo importante a participação do coletivo escolar nessa mudança. (F59)

Ainda a título de contextualização sobre o cenário da escola, foram trazidos

para a discussão com 21 os cursistas, dados relativos ao IDH do município que estava

dentre os dez piores dos 399 municípios do estado do Paraná (PARANÁ, 2013). O

Plano de Desenvolvimento da Educação estabelece, como meta, que em 2022 o IDEB

em todo o Brasil seja 6,0; isto é, que corresponde a um sistema educacional de

qualidade comparável a média dos países desenvolvidos (BRASIL, 2016 b).

Os números acima citados foram informados em duas situações de discussão

para os cursistas. Eles apontaram que os dados da escola assemelham aos de outras

escolas de outros municípios do Estado, independente do IDH. Isso quer dizer que

estar com uma média do IDEB muito distante da expectativa para 2022 é um desafio

a ser superado em todos os níveis federativos (municipal, estadual e federal). Assim,

a avaliação da escola, ou seja, de todos os alunos matriculados naquela unidade, está

sendo monitorada por meio desse índice, que não representa verdadeiramente o

aprendizado dos alunos, uma vez que é o resultado de notas atribuídas em exames e

provas pontuais executadas pelos estudantes, sem qualquer contextualização.

Municípios com baixo IDH possuem uma população social, econômica e

culturalmente desfavorecida. Considerando que o sistema educacional brasileiro tem

como preceito atual a universalização (UNESCO, 1998) e contraditoriamente ainda se

mantem elitista, fundamentado em bases históricas de cinco séculos atrás (LUCKESI,

2011, p. 252) como promover o sucesso escolar do grupo marginalizado?

Notadamente a participação da família ou dos responsáveis no âmbito escolar,

podem determinar um resultado melhor para as avaliações internas, Perrenoud (2009,

p.57) referiu-se à avaliação concebida como um jogo estratégico entre agentes com

interesses distintos, de um lado a família com seus interesses e de outro a instituição

escolar. Ao mesmo tempo, a não participação da família ou responsáveis, fazem com

que apenas a instituição escolar se “responsabilize” pelo resultado.

Ao serem indagados sobre quais seriam as possíveis razões para o insucesso

escolar, as respostas dos cursistas foram as mais variadas possíveis. Destacamos

como as mais frequentes, o desinteresse dos alunos e a falta de participação dos pais

durante o processo.

O que se manifesta é desinteresse tanto de alunos, como de pais, e isso

dificulta muito o processo avaliativo. Assim, o que é colocado em prática é

trabalhos – notas, provas –notas e assim sucessivamente” (F 81)

Outro cursista postou:

Eu sinto a mesma frustração, tanto alunos quanto pais, estão preocupados

com as notas no final do bimestre, ou se vão passar ou não de série. Os pais

muitas vezes não querem nem saber se seus filhos adquiriram conhecimento

ou não, para eles o que interessa mesmo é saber a nota do aluno” (F 87).

Está expresso nessas falas, que o desinteresse de pais e alunos pela

aprendizagem e a necessidade de notas satisfatórias, fazem com que a

‘responsabilidade’ pelo resultado fique a cargo do professor, dando a ele a liberdade

de julgamento. Nesse sentido alguns cursistas postaram:

Como fazer o aluno entender que o principal não é a nota, se nós mesmos

temos no final de cada bimestre entregar a nota a fim de aprovar ou não o

aluno. (F 04).

Talvez isso seja culpa do nosso próprio sistema, que nos faz cobrar tanto do

aluno em sala de aula, lembrando-o a todo momento da nota, que até nós

mesmos nos esquecemos do principal, construção do conhecimento. (F 06).

Acabamos examinando nossos alunos, e muitas vezes podemos até ser

injustos ao atribuir notas através de trabalhos e provas. (F 07).

Mesmo reconhecendo as dificuldades em relação a apresentação de

resultados de aprendizagem, a busca por uma avaliação diferenciada e

individualizada capaz de promover um crescimento individual que eleve a autoestima

e motive a aprendizagem foram citadas. Essas falas refletem a decisão individual que

esses professores fizeram, porque entendem serem responsáveis pelo processo.

Devemos refletir sobre nossas ações pedagógicas, olhar para os alunos, e

buscar através de estudos metodologias que enriqueçam nossas aulas e

motivem a aprendizagem. (F132).

Os alunos com dificuldades de aprendizagem devem ter um tratamento mais

próximo, não adianta apenas a constatação do problema, ele deve ser

acompanhado e resolvido. (F145).

Devemos corrigir os alunos, quando eles erram, mas levando em

consideração se a questão que deve ser feita é se tal correção favorece a

compreensão e o desenvolvimento da autonomia do aluno. (F184).

Esse professor, provavelmente, tem interações fortes, amigáveis e estreitas

com seus alunos, por isso apresentam maior sensibilidade quanto à questões de

sucesso ou fracasso de desempenho escolar.

A possibilidade de mudar a percepção de uma avaliação baseada nas notas,

excludente e elitista, para uma avaliação que inclua e reconheça avanços individuais,

independente das possíveis negociações a qual o processo está subordinado,

necessita de uma maior participação do coletivo da escola. Nesse sentido alguns

cursistas demonstraram essa necessidade em suas falas:

O processo de ensino aprendizagem não acontece de fato, na escola todos

devem falar a mesma língua, por isso é tão importante participar das reuniões

e formações na escola, para discutir, expor e debater dificuldades e ideias e

assim chegar num consenso com o objetivo de sempre melhorar o bom

funcionamento da escola. (F01).

É na discussão com todo o coletivo, que surge novas idéias, e novos

caminhos no processo ensino aprendizagem. (F113)

Nas discussões com o coletivo, seja na construção do projeto político

pedagógico, seja nas formações continuadas, ou em reuniões onde os

professores tem oportunidades de expor suas ideias e ao mesmo tempo ouvir

as ideias dos colegas, acrescentando novas ideias ao desenvolver o próprio

planejamento. (F 118).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os momentos de discussão e os fragmentos de falas expostas, indicam que a

avaliação para produzir notas, ainda está muito presente em nossas escolas, e uma

avaliação formativa mais individualizada, mesmo fazendo parte do repertório teórico

da maioria dos participantes, encontra obstáculos a sua concretização, seja pelo

individualismo que reflete a atividade profissional do professor, seja pelo medo das

reações que a apresentação de uma nota não condizente com a expectativa de pais

ou responsáveis pode proporcionar.

O insucesso dos alunos de classes sociais marginalizadas, cujo poder de

negociação junto a escola é menor, inclusive pela não participação dos familiares e

responsáveis no processo escolar, representa uma parte significativa. Repensar a

inclusão desse grupo de alunos, significa repensar a estrutura elitista e classificatória

da escola atual. Caso contrário, esse alunado permanecerá com grandes dificuldades

em avançar nos níveis escolares.

A busca por índices educacionais semelhantes aos de países desenvolvidos,

representado pelo IDEB, deveria passar necessariamente por esse repensar.

Para tanto se faz necessário investimentos humanos, na construção de uma

cultura escolar que reconheça a escola como espaço de convívio, de liberdade, de

possibilidade de emancipação e sucesso de seres que se inter-relacionam, que

ensinam e que aprendem mutuamente e continuamente.

A avaliação será justa quando for reconhecida como um mecanismo capaz de

informar o professor, os pais e consequentemente a escola, mostrando as dificuldades

do aluno, podendo auxiliá-lo na superação de dificuldades na aprendizagem.

Assim, buscar um novo sentido no ato avaliativo deve ser uma atividade

conjunta entre os atores do âmbito escolar, bem como a participação da sociedade

nas discussões, propiciando reciprocidade e apoio aos alunos e professores na busca

de uma educação de qualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, C. A avaliação da aprendizagem escolar: fascículo 11. 9.ed.Petrópolis: Vozes, 2012.

ANTUNES, C. Escola mentirosa: sucesso ou estagnação / Celso Antunes. –São Paulo : Paulus, 2013.

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INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –

Metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a

trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Disponível em

http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/o-que-sao-as-metas. Acesso em 02

jan.2016.

LUCKESI, C.C. Avaliação da aprendizagem componente do ato pedagógico –

1ª. ed. – São Paulo: Cortez, 2011.

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