os detetives de mentes e o enigma da falsa memória the … · 2019-10-30 · os detetives de...
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Os detetives de mentes e o enigma da falsa memória
The detective minds and the enigma of false memory
Maria Tereza Couto Magrani1
INTRODUÇÃO
A respeito do desenvolvimento histórico do Brasil nos últimos anos, em especial do
acesso a informação como um conceito socialmente muito forte, verifica-se um crescente
interesse da opinião pública sobre as investigações policiais e ações penais em andamento.
Sem aprofundar a discussão sobre a seletividade de casos veiculados principalmente
na televisão e internet, o fato é que o trabalho do perito criminal tem ganhado destaque nos
veículos de comunicação e, consequentemente, despertado o interesse da sociedade sobre a
sua participação no deslinde dos crimes de maior notoriedade investigados pelos órgãos
competentes.
Muito embora o perito criminal seja, na verdade, um auxiliar dos delegados,
promotores e juízes na busca da verdade material é ele quem examina os fatos e os
esclarece. E, na maioria das vezes, as decisões judiciais são fundamentadas com base nas
informações trazidas pelo expert. Daí porque o trabalho do perito se revela tão interessante
para a sociedade e porque a mídia faz tantas referências a ele, sanando a curiosidade das
pessoas, as quais buscam manterem-se informadas acerca das notícias relacionadas à
violência e aos crimes.
Logo, o objetivo da perícia criminal é produzir a prova da materialidade e vincular o
autor à cena do crime e, assim, contribuir para a elucidação do delito. Para que isto aconteça,
o perito comumente socorre-se das ciências forenses, tais como: a química, biologia,
geologia, engenharia, física, medicina, toxicologia, odontologia, documentoscopia,
psicologia, antropologia entre outras, já que as ciências estão em constante evolução.
1 Mestranda em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis, especialista em direito civil e tributário,
advogada.
Um bom exemplo de ciência que evoluiu bastante ao longo dos anos foi a Arte
Forense. Atualmente denominada de Representação Facial Humana (RFH) é aplicável nos
casos de desaparecimento – que geralmente são precedidos de um crime – e nos casos de
crimes de autoria desconhecida e de difícil solução, os quais podem ser esclarecidos pela
Polícia com a ajuda de retratos falados e da reconstituição de imagens a partir de gravações
em vídeos. Estes trabalhos são realizados pelo Setor de RFH da Polícia que, aliás, engloba a
execução de várias outras atividades, porém, o retrato falado é a mais conhecida do grande
público.
No começo, a técnica do retrato falado era realizada por peritos em desenho facial,
mas hoje em dia existem vários softwares que realizam este mesmo trabalho com a ajuda de
ferramentas para desenho e combinação de imagens. Então, a tarefa de construção do rosto
humano fica a cargo do perito papiloscopista e sua fundamentação residirá no uso de dados
etnigráficos, antropométricos (aferição das medidas do rosto), antropológicos e visuais,
consubstanciados em fichas e programas, os quais guardam vários modelos de partes de
fisionomia humana, tornando a composição do retrato mais prática e real.
Entretanto, o trabalho do perito não pode e nem deve ser considerado de cunho
eminentemente técnico. Isto porque, existem casos em que as vítimas sofrem um grande
trauma ou estão amedrontadas onde só com o emprego da boa técnica o perito não
conseguirá ganhar a confiança do ofendido. É nesse momento que o fator humano será o
diferencial para a consecução de um bom resultado. E é por isso que se espera do perito que
ele seja mais do que um mero operador das técnicas. Ele também deverá propiciar um
ambiente favorável para a colheita dos dados, bem como demonstrar habilidade em
“vasculhar” a mente da vítima ou testemunha para dela extrair informações fidedignas e
mais próximas da realidade, tudo isso com vistas a minimizar possíveis falhas de lembrança
e a contaminação do processo por falsas memórias.
Nessa esteira, existem policiais e peritos em identificação que utilizam técnicas para
reativar a memória das vítimas e testemunhas para que elas possam passar os elementos
básicos para se formar o retrato de um suspeito. Porém, estas técnicas são um campo fértil
para novas pesquisas. Daí porque surge a necessidade de um perito altamente especializado
que, além de utilizar os mecanismos de elaboração do desenho, seja capaz de ir além da
criação de imagens atualizadas a partir de um retrato, vídeo ou declaração, mas que,
sobretudo, tenha o cuidado de investigar e corrigir caso a caso os retratos, na medida em que
a vítima permitir o acesso a sua memória.
Não se pode olvidar que essa fase é de suma importância, pois, em uma investigação
criminal o retrato falado tem por finalidade diminuir o universo de suspeitos, dando um
direcionamento àquelas investigações cuja pista inicial seja a lembrança que uma vítima ou
testemunha tenha em sua mente. Por ser um elemento de prova fundamental para
determinados tipos de crimes, um reconhecimento mal feito pode vir a dificultar o
descobrimento da autoria ou incriminar um inocente. Então, um erro no procedimento, seja
pela demora na colheita ou pela inobservância dos requisitos do art. 226 do Código de
Processo Penal2, o processo poderá acabar sendo viciado por falhas graves, e o retrato falado
não vir a ser aproveitado, tampouco a verdade ser esclarecida.
A propósito, a ONG norte-americana chamada “The Innocence Project”3 realizou
uma pesquisa sobre os erros de reconhecimento na identificação dos possíveis sujeitos de
um crime e constatou que 75% das condenações foram de pessoas inocentes e que em
muitas delas o sentenciado foi parar no corredor da morte, equivocadamente, por um crime
que não cometeram. Ainda segundo essa fonte, o erro ocorre principalmente porque as
vítimas falham em identificar os suspeitos, cuja principal causa do erro está na semelhança
do suspeito com outras pessoas.
Nessa toada, Mariângela Tomé Lopes4 nos ensina que:
“O reconhecimento possui alto grau de falibilidade e, portanto, valor
probatório de escassa consistência. Isso porque, o subjetivismo inerente à
prova em questão contamina sua eficácia. Entretanto, por sua força
impressionística, mesmo diante das comprovadas falhas desse meio de
prova, os juízes continuam a ser influenciados pela identificação positiva
realizada pela testemunha, ainda que tais resultados equivalham a uma
pacífica indicação de culpa (LOPES, 2011, p.6).”
3 A “The Innocence Project” foi criada em 1992, nos Estados Unidos e se trata-se de uma ONG especializada
em pedir indenização ao Estado americano por condenações de pessoas inocentes. Disponível em: <
www.innocenceproject.org/.../What_is_the_Innocence_Project_How_did_it_get_started.php >. Acesso em
01/02/2016.
4 Em boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, cujo título é: Reconhecimento de pessoas e coisas
como meio de prova irrepetível e urgente. Necessidade realização antecipada. In: Boletim IBCCRIM, Ano
XIX, n. 229, dez. 2011, p. 6-7.
O Código de Processo Penal (CPP), no seu art. 226, prevê as regras aplicáveis ao ato
de reconhecimento de pessoa pela vítima ou testemunhas do delito apurado, atribuindo a
determinada pessoa a autoria do fato ou, ainda, que indicará, em meios às coisas
apreendidas, aquela que possui algum tipo de conexão com o ato criminoso. Reza o art. 226,
do CPP:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa,
proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a
pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao
lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem
tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento,
por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da
pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não
veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas
testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no III deste artigo não terá aplicação na fase da
instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Todavia, se o reconhecimento da pessoa for feito em desatenção às hipóteses
enumeradas no art. 226 do CPP, sua força probante evapora, de maneira que não poderá ser
utilizado como fundamento da condenação. Até porque, do respeito a esse artigo resultará o
valor do reconhecimento do retrato falado como meio de prova. Portanto, no nosso sistema
penal vigente não há falar-se em contraposição ao atendimento do art. 226 do CPP, uma vez
que feriria o Princípio da Legalidade, além do fato de que o reconhecimento, para ser havido
como prova legal, tem que atender às hipóteses legais do sobredito artigo, sob pena de
flagrante ato ilícito. Portanto, se ilícito, será passível de desentranhamento do processo
penal. A esse respeito, diz o art. 157 do CPP:
“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação às normas constitucionais ou
legais.”
Nesse sentido, segue abaixo transcrito dois julgados, sendo o primeiro deles do
Tribunal de Alçada de Minas Gerais e o outro do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:
“ROUBO – PROVA – PALAVRA DA VÍTIMA – RECONHECIMENTO
PESSOAL – FORMALIDADES – ARTIGO. 226 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL – ABSOLVIÇÃO.
Se o reconhecimento de pessoa for realizado sem o comprimento das regras
previstas no art. 226 do CPP, sua força probante se esvai e não pode ser
apontado como fundamento da condenação.”5
“PROVA CRIMINAL – Auto de reconhecimento de pessoa – Falhas em sua
realização – Autoria do delito negado pelo acusado – Inexistência de outros
elementos de convicção – Absolvição decretada – Inteligência do art. 226 do
CPP.
Na sistemática do Código do Processo Penal, somente se pode falar em
reconhecimento quando observadas as normas cautelares do art. 226, seja o
ato realizado diante da autoridade policial, seja diante da autoridade
judiciária”.6
“Notadamente, quanto ao reconhecimento, da ensinança de Tourinho Filho se retira
que “De todas as provas previstas no nosso diploma processual penal, esta é a mais falha, a
mais precária. A ação do tempo, o disfarce, más condições de observação, erros por
semelhança, a vontade de reconhecer, tudo, absolutamente tudo, torna o reconhecimento
uma prova altamente precária.”7
Não será demasia acrescer que as identificações equivocadas são a maior causa
isolada de condenações injustas na história dos erros judiciários, somando muitos casos de
reconhecimentos falsos, seja por suposição equivocada, por falibilidades próprias da
memória ou até mesmo por perversidade. Nesse diapasão, convém mencionar outra
possibilidade dentre as muitas já mencionadas, que é a de poder estar perante uma vítima ou
testemunha acometida por um transtorno de personalidade conhecido como sociopatia e
também, quiçá, a psicopatia. Em ambos os casos de transtornos, os traços comuns são a
desconsideração por leis, por normas sociais e direitos de outras pessoas, a falta de
sentimento de culpa e o comportamento violento. Ademais, nos dois casos eles têm
dificuldade em reconhecer as expressões de medo, tristeza, compaixão, nos rostos dos
5 Informação extraída do texto de FURTADO, Renato de Oliveira. Os riscos do reconhecimento sem as
formalidades legais. In < http://www.conjur.com.br/2012-abr-29/renato-furtado-riscos-reconhecimento-
formalidades-legais > Acesso em 13/03/2016.
6 Idem.
7 Ibidem. FURTADO, Renato de Oliveira apud Tourinho Filho, Fernando, Código de Processo Penal
Comentado, Ed. Saraiva, 12° Edição, ano 2009, Tomo I, pag. 645.
indivíduos. Além do que, são manipuladores e mentirosos natos. Então, ainda que eles
estejam na condição de vítima ou de testemunha de um crime, podem ter dificuldade de
indicar os traços da fisionomia do rosto do suspeito, bem como podem manipular essa
informações através da indicação de características alheias à verdade.
Por essa e outras razões – que não convém esposá-las no momento- mostra-se cada
vez mais importante a investigação sobre o funcionamento da memória, com a finalidade de
entender como funciona o processo de reconstrução das informações pela mente humana e,
consequentemente, sua influência na verdade dos fatos colhidos durante a persecução penal.
MÉTODO
O método utilizado será o da pesquisa bibliográfica porque permite ao investigador a
cobertura de um número maior de fenômenos, principalmente porque os dados que se
pretende coletar a respeito do tema encontram-se dispersos pelo espaço, transitando,
inclusive, entre outras disciplinas e ciências.
Então, o trabalho consistirá basicamente em investigar as publicações e as suas
respostas às questões propostas, as quais servirão de fundamentação teórica do estudo.
Como metodologia, o trabalho encontra amparo na Constituição Federal, nas
legislações infraconstitucionais e em artigos científicos rubricados por cátedras no tema
pesquisado para a verificação das respostas, as quais se pretendem justificar
dogmaticamente, muito embora se reconheça tratar-se de tema pouco estudado ainda.
Contudo, persiste a necessidade de se estimular a pesquisa, sobretudo no que tange
ao procedimento de reconhecimento de pessoas como meio de prova apto a convencer o
julgador, verificando e testando as hipóteses, sobretudo o fenômeno da falsa memória, que
apenas recentemente começou a ser compreendido na gestão de provas do processo penal
brasileiro
OS DETETIVES DE MENTES
No final do séc. XIX, o francês Alphonse Bertillon criou o retrato falado. Esta
técnica sofreu muitas mudanças ao longo dos anos e até o seu nome foi mudado para
Representação Facial Humana. Então, o retrato falado ou a representação facial humana
nada mais é do que:
“A representação de uma pessoa, por meio do trabalho de um desenhista, da
utilização de artifícios técnicos ou da combinação de ambos, segundo a
descrição dos seus aspectos físicos gerais, específicos, e seus caracteres
distintivos (PAPILOSCOPISTAS.ORG, 2008). Continuando,
“Com a chegada da era digital e a necessidade de modernização do sistema
manual, já ultrapassado, de elaboração de retrato falado, a Secretaria Nacional
de Segurança Pública (Senasp) vem investindo em novos equipamentos e
também na capacitação de pessoal. De forma a aprimorar os conhecimentos
dos peritos papiloscopistas atuantes nos Institutos de Identificação de todo
Brasil no que diz respeito à técnica de Representação Facial
(PAPILOSCOPISTAS.ORG, 2008).”
Apesar de todos os avanços na área, a metodologia aplicada em muitos Estados
ainda é feita de forma artesanal. O “quebra-cabeça” é montado manualmente, com os
retoques de lápis e borracha, cujo desenho será baseado na compreensão que o perito teve
sobre as características do criminoso apontadas pela vítima ou testemunha. O mesmo
acontece quando se emprega a tecnologia, com a diferença de que o desenho será feito no
computador.
Na verdade, os retratos são confeccionados através de uma técnica mista segundo
a qual a vítima ou a testemunha faz uma comparação entre a imagem de olhos, nariz e boca
de um acervo fotográfico com a imagem que tem formada em sua mente por decorrência do
contato visual com o criminoso, e o desenhista, por sua vez, reproduzirá a descrição.
Para André Camargo Tozadori, o trabalho do perito consistirá basicamente no
aproveitamento dos detalhes, minuciosamente revelados pelas pessoas, até se formar uma
fisionomia que coincida com a aparência real do sujeito. Contudo, não raras vezes, tantos os
fatores endógenos, quanto exógenos, podem influenciar na percepção da vítima sobre as
características mais importantes de um rosto. Á guisa de exemplo, podemos citar o caso das
vítimas ou testemunhas expostas a situações traumáticas, ou expostas a circunstâncias que
dificultam a identificação do suspeito - como no caso de um roubo - seja porque a vítima
está nervosa e com medo ou porque o delito foi cometido na obscuridade ou em
circunstâncias outras que impossibilitaram a vítima de observar atentamente o suspeito.
(TOZADORI, 2006).
A especialização dos profissionais em compartimentos restritos surgiu para facilitar a
produção do conhecimento, o aprendizado e a sua aplicação social. Por isso, foram
agrupados em disciplinas, as quais passaram a ser trabalhadas separadamente umas das
outras e onde cada indivíduo passou a exercer uma função específica no processo de
produção material. Hoje em dia, o Instituto Nacional de Criminalística (INC) possui áreas
específicas de atuação, como: Área de Perícias em Genética Forense (APGEF), Área de
Perícias em Balística Forense (APBAL), Área de Perícias Externas (APEX), Área de
Perícias em Meio Ambiente (APMA), Área de Perícias em Medicina Forense (APMF).8
Nesse diapasão, a Representação Facial Humana 9 tem sido muito utilizada para
ajudar no deslinde dos procedimentos ou processos criminais. Como exemplo, podemos
citar um caso emblemático: o do “Maníaco do Parque”. O retrato falado dele foi feito por
intermédio da descrição de vítimas. Hoje em dia ele está preso, respondendo pelo
assassinato de nove mulheres. Mas isso só foi possível porque o resultado do trabalho do
perito foi eficiente, de maneira que após o retrato ter sido exposto num jornal o criminoso
foi identificado e denunciado para a polícia.
É bem verdade que, o retrato falado é uma técnica, assim como a medição
antropométrica (do rosto), baseado no relato de um indivíduo, o qual descreve a pessoa que
praticou algum ato ilegal contra terceiros. Isto porque, a arte forense é um meio de prova
conducente da fonte ao elemento mediante a aplicação de procedimento técnico adequado.
Todavia, é um contra-senso afirmar que pelo fato da perícia realizar a prova técnica ou
científica desse processo seja extirpada toda a subjetividade, pois, toda perícia resulta da
interpretação de um técnico ou profissional sobre alguma coisa ou alguém por ele
examinado.10 Tanto que em sua obra Focault nos ensina que a leitura de um sorriso ou uma
simples piscadela de olhos pode revelar expressões físicas ou simbólicas típicas de uma
8 Fonte: Associação Nacional dos Peritos Federais, disponível em
http://www.apcf.org.br/Per%C3%ADciaCriminal/Oque%C3%A9per%C3%ADcia.aspx. Acesso em
07/01/2016.
9 Ou arte forense. É um setor dentro da polícia que faz uso da tecnologia, psicologia e inteligência para criar os
chamados retratos falados. In < http://www.policiacivil.sp.gov.br/ > Acesso em 12/01/2016.
10 Luís Fernando de Moraes Manzano é promotor de justiça em São Paulo. Ele concedeu entrevista a Carta
Forense em 02/06/2011, cujo título é: Prova Pericial. Nesta oportunidade ele sustentou que há subjetividade na
prova pericial mesmo ela tendo um caráter técnico-científico. Disponível em
< http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/prova-pericial/7131>. Acesso em 13/01/2016.
determinada cultura11 (FOCAULT, 1999). Estas impressões são captadas a partir de uma
leitura própria e subjetiva de cada indivíduo particularmente e que se somados ao trabalho
técnico o meio de prova gozará de maior robustez e proximidade com a realidade.
Observe-se que em ambos os casos, tanto o entendimento do perito quanto o da
vítima ou testemunha sobre os fatos, conjecturas e nuances é: subjetiva. Cada qual dará a sua
contribuição ao trabalho de maneira que a reconstrução da face, por sua vez, será feita
através de experimentações de fórmulas, as quais serão testadas até que a vítima se
familiarize com o resultado do rosto do suspeito.
Também é importante asseverar que a qualidade de um retrato falado está atrelada a
capacidade da vítima ou testemunha em fornecer as informações guardadas em sua mente
sobre os traços da fisionomia do indivíduo. O estado emocional, na maioria dos casos,
influencia negativamente no fornecimento dos dados, uma vez que a pessoa quando está
abalada ou traumatizada tem normalmente a sua concentração prejudicada.12
Quem trabalha com esse ofício precisa usar a sensibilidade para interagir com a
vítima ou testemunha, pois, ela recriará o momento traumático com a finalidade de resgatar
da memória os detalhes do rosto do criminoso, principalmente. Por essa razão, os peritos
também fazem um treinamento psicológico e as entrevistas contam geralmente com a
presença de outros profissionais. A propósito, existem especialistas em crianças,
testemunhas protegidas, mulheres vítimas de violência, entre outros, tudo isso pensado para
dar maior eficiência ao trabalho de reprodução.
Assim, o perito que faz o retrato falado deve ser habilidoso ao entrevistar essa
pessoa, visando deixá-la à vontade para que possa se lembrar dos traços do triângulo do
rosto da pessoa a ser retratada. Até porque a não observação de alguma dessas áreas do rosto
11 Para FOCAULT, os rostos são marcados pela rigidez e até pela sobriedade de uma determinada cultura. Para
ele, o controle do rosto e do corpo não se limita ao controle de roupas e posturas, mas de todo o rosto e corpo
que são/serão marcados por essa rigidez e sobriedade, como as expressões faciais e tudo o que pode ser dito
sobre elas. E com propriedade afirma que: uma testemunha ao fazer o retrato falado de um criminoso pode
acabar ocultando expressões físicas ou simbólicas tidas, por exemplo, como imorais ou sujas pela sua cultura.
12 Alberi Espindola é contador e Perito Criminal aposentado. Além disso, é autor de vários livros, consultor e
palestrante. Em entrevista ao portal <http://periciacriminal.no.comunidades.net/retrato-falado>, acessado em
11/01/2016, o autor pontua o quão difícil é a tarefa de se fazer um retrato falado e em como o resultado
depende da confiança que o profissional passa para a vítima de trauma, que deve se sentir confortável durante a
entrevista para lembrar dos traços fundamentais do rosto do criminoso.
prejudica o resultado do desenho e a não observação de duas impossibilita a realização do
retrato.13
Outro fator prejudicial é o tempo. Por isso “o retrato falado deve ser feito
imediatamente após a autoridade policial tomar conhecimento de que a vítima ou
testemunha visualizou o agressor. Não poderá jamais ser interrogada numa delegacia e,
principalmente, deve-se evitar que se mostrem álbuns de fotografias de suspeitos para
possíveis reconhecimentos para evitar que a vítima ou testemunha se confundam”.14
Uma outra situação que demanda esforço extra é quando a vítima ou testemunha dos
fatos porta um transtorno mental ou psicológico. No intróito desse trabalho, foi feita uma
breve, mas densa, explanação sobre o comportamento comumente relacionado aos
portadores destas doenças. Então por hora, cumpre-nos tão somente salientar o cuidado que
o profissional da área deverá despender tanto para “diagnosticar os sintomas” quanto para
buscar a verdade sem esmorecer. Para tanto deverá contar com - além do apoio da equipe
multidisciplinar - habilidade para não se impregnar com a aparente sobriedade dos
“entrevistados”, bem como pela ausência de sentimentos e pelo emprego de possível
violência, adjetivos característicos dessas doenças.
NATUREZA JURÍDICA
Por significado jurídico da prova temos os atos e os meios utilizados pelas partes e
reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade sobre os fatos alegados. Logo, as provas são
quaisquer meios empregados para fornecer ao julgador o conhecimento necessário ou
provável de determinado fato. Para Aquino,
“Prova é o pressuposto da decisão jurisdicional que consiste na
formação através do processo no espírito do julgador da convicção de
que certa alegação singular de fato é justificavelmente aceitável como
fundamento da mesma decisão” (AQUINO, 2005, p. 8).
13 “Os detalhes mais importantes para a confecção de um bom desenho são as características dos olhos, do
nariz e da boca, do rosto a ser desenhado, o chamado “triângulo do rosto”. Extraído do portal do Instituto de
Criminalística do Paraná, in < http://www.ic.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=31>. Acesso
em 11/01/2016.
14 In Alberi Espindola é contador e Perito Criminal aposentado. Além disso, é autor de vários livros, consultor
e palestrante. Em entrevista ao portal <http://periciacriminal.no.comunidades.net/retrato-falado>, acessado em
11/01/2016.
Devem ser provados todos os fatos admitidos ou não pelas partes, até mesmo nos
casos de confissão, pois, o juiz pode questionar o que lhe parecer duvidoso e instar as partes
para instruírem o processo com os elementos suficientes para deliberar e finalmente formar
o seu convencimento.
No Brasil, o sistema adotado é o da persuasão racional do juiz, sendo certo, pois, que
o convencimento do mesmo deverá ser livre, consubstanciado nas provas do processo. Disso
impende esclarecer que as provas não possuem um valor determinado já que são examinadas
dentro de um contexto e juntamente com as demais provas. Assim, ao analisá-las, o juiz
buscará nos elementos probatórios as conclusões sobre os fatos relevantes ao julgamento dos
autos do processo.
De um modo geral, o CPP indica alguns meios de prova, as chamadas provas
nominadas15. Todavia, o rol de hipóteses não é taxativo, o que nos permite dizer que não há
uma limitação dos meios de prova, sendo certo que outros meios probatórios, as provas
inominadas, podem ser usados para a formação do convencimento do juiz – afinal de contas,
ele é o destinatário das provas – mas desde que sejam compatíveis com o sistema processual
em vigor. 16
O Código de Processo Penal bem como a Constituição Federal indicam
respectivamente nos seus artigos 233 (CPP) e art. 5º, inc. LVI (CF/88) as hipóteses
ressalvadas de admissão dos meios de prova, a saber: as provas ilícitas. Igualmente, são
incompatíveis os meios de prova tendentes à invocação de forças sobrenaturais, a hipnose, a
narcoanálise, e o detector de mentiras. (TOZADORI, 2006).
Por seu turno, a natureza jurídica do retrato falado não é uníssona. Uma parte da
doutrina entende que a representação facial é um mero instrumento de investigação, haja
vista sua precariedade não é tido como meio de prova, mas apenas como instrumento
auxiliar das investigações. Noutra banda, o entendimento é de que o retrato falado possui
natureza de meio de prova. É bem verdade que a figura do retrato falado não faz parte do rol
15 Vide arts. 158 a 250 do Código de Processo Penal.
16 São desconsideradas as provas que não passem pelo crivo do contraditório e ampla defesa; as provas imorais,
que atentem contra a dignidade da pessoa humana, como as obtidas mediante tortura (CF/88, art. 5º, III); as
escutas clandestinas (CF/88, art. 5º, XII); diário, entre outras.
de hipóteses elencadas nos arts. 226 a 228, do Código de Processo Penal, atinentes ao
Reconhecimento de pessoas e coisas, senão vejamos:
CAPÍTULO VII
DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de
pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a
descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se
possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança,
convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o
reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a
verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade
providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado,
subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao
reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no III deste artigo não terá aplicação na
fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas
estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável.
Art. 228. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o
reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado,
evitando-se qualquer comunicação entre elas.
Entretanto, o Código de processo Civil, que é o diploma norteador do Direito em
matéria processual nos ensina em seu art. 332 que: “Todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a
verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa.” Diante dessa assertiva, não há falar-se
em qualquer limitação à prova em matéria processual penal, ainda mais se esse meio de
prova atender aos requisitos do art. 226 (CPP); aos princípios da moralidade e lealdade; e da
prescrição de obtenção da prova pela via legal. Em face ao atendimento de todos os
requisitos, o retrato falado deve ser considerado meio de prova legítimo e, via de
conseqüência, deve ser aproveitado no julgamento de mérito, fazendo parte, inclusive, da
fundamentação da decisão. (MORELLI, 2008).
O reconhecimento de pessoas e coisas é o meio de prova pelo qual alguém é
chamado para confirmar a identidade de outra pessoa ou de uma coisa com outra que viu no
passado. O Código de Processo Penal considera o reconhecimento de pessoas e coisas como
meio de prova, prescindindo de um ato formal de reconhecimento (pressupostos do art. 266
do CPP), abrangendo o réu, o ofendido e a testemunha. Trata-se, pois, de uma importante
ferramenta, principalmente nos crimes contra o patrimônio e contra os costumes.
Para ilustrar, segue abaixo três acórdãos, os quais reconheceram a legitimidade do
retrato falado como meio de prova legítimo:
TJ-MG - Revisão Criminal RVCR 10000121043855000 MG (TJ-MG).
Data de publicação: 04/10/2013
Ementa: REVISÃO CRIMINAL. LATROCÍNIO. PRELIMINARES
DEFENSIVAS. IRREGULARIDADE NA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. AUSÊNCIA DO PETICIONÁRIO NA AUDIÊNCIA DE
INSTRUÇÃO E JULGAMENTO E INTERROGATÓRIO REALIZADO
VIA
CARTAPRECATÓRIA. RECONHECIMENTOATRAVÉS DE FOTOG
RAFIA. NULIDADE DO PROCESSO. SITUAÇÕES ALEGADAS NÃO
VERIFICADAS. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. REJEIÇÃO.
MÉRITO. CONDENAÇÃO BASEADA APENAS NOS ELEMENTOS
INDICIÁRIOS. INOCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE
PROVA NOVA. PEDIDOS QUE SE MOSTRAM APENAS REEXAME
DE PROVAS E QUE NÃO SE ENQUADRA NAS HIPÓTESES DO
ARTIGO 621 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL . MATÉRIA
EXAUSTIVAMENTE DISCUTIDA E APRECIADA. PEDIDO QUE NÃO
SE CONFUNDE COM SEGUNDA APELAÇÃO. REVISÃO
INDEFERIDA. - Ausentes as alegadas irregularidades invocadas pela
defesa, é de se rejeitar as preliminares. - Requisitado o réu para a audiência
de instrução e julgamento, bem como para o seu interrogatório,
oportunidades em que teve defensor nomeado para os atos, deve ser rejeitada
a preliminar de nulidade, até porque não demonstrou o peticionário qualquer
prejuízo. - Eventual inobservância das formalidades contidas no art. 226
do CPP não tem o condão de anular o ato de reconhecimento, ainda
mais quando a decisão condenatória não se baseou exclusivamente nele.
- Fundamentados o decreto condenatório e o v. acórdão em prova
colhida sob o crivo do contraditório, impróprio se aventar com a
ocorrência de violação ao art. 155 do CPP. - Conforme preconiza o art.
621 do Código de Processo Penal, a revisão criminal somente será admitida
em se verificando ser a sentença condenatória contrária ao texto expresso de
lei ou à evidência dos autos, se se fundar em depoimentos, exames e
documentos falsos ou se descobrir prova nova da inocência ou circunstância
que determine ou autorize a diminuição da pena. - Pedido indeferido. Grifos
nossos.
TJ-DF - APELACAO CRIMINAL APR 20050110348174 DF (TJ-DF)
Data de publicação: 30/05/2007
Ementa: PENAL - APELAÇÃO - EXTORSÃO E LESÃO CORPORAL -
CONCURSO DE AGENTES E DE CRIMES. USO DE ARMA DE FOGO.
NEGATIVA DE AUTORIA - PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - INCABÍVEL - RETRATO FALADO DO
APELANTE - RECONHECIMENTO DO RÉU PELA
VÍTIMAATRAVÉS DE FOTOGRAFIA NA FASE INQUISITORIAL E
EM JUÍZO - CONJUNTO PROBATÓRIO HARMÔNICO E SUFICIENTE
PARA IMPOR DECRETO CONDENATÓRIO - PRECEDENTE DA
TURMA - PENA DE MULTA - REDUÇÃO DIANTE DA SITUAÇÃO
ECONÔMICA DO RÉU - 1. O CONJUNTO PROBATÓRIO É FARTO E
HARMÔNICO A IMPUTAR A AUTORIA DOS DELITOS AO
APELANTE, NOTADAMENTE ATRAVÉS DA PROVA ORAL
COLHIDA, DESTACANDO-SE O SEU AUXÍLIO (DA VÍTIMA) NA
ELABORAÇÃO DO RETRATO FALADO DO RÉU, QUE
POSSIBILITOUSEUPOSTERIOR RECONHECIMENTO ATRAVÉS DE
FOTOGRAFIA, NA FASE INQUISITORIAL E EM JUÍZO, FATO
AQUELE (RECONHECIMENTO NA FASE INQUISITORIAL)
CONFIRMADO EM JUÍZO PELOS AGENTES DE POLÍCIA - 2. O
ARGUMENTO DA DEFESA DE QUE O DEPOIMENTO PRESTADO
PELA VÍTIMA NÃO SE MOSTRA FORTE O SUFICIENTE PARA
EMBASAR A CONDENAÇÃO DO ACUSADO, NÃO MERECE
PROSPERAR, VISTO QUE A PALAVRA DA VÍTIMA GANHA
ESPECIAL RELEVO NA COMPROVAÇÃO DA AUTORIA, DESDE
QUE HARMÔNICA, SEGURA, COERENTE E APOIADA NOS
DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA, DESCABENDO, EM TAL
HIPÓTESE, A ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS
PARA SE POSTULAR A ABSOLVIÇÃO. 3. IMPROSPERÁVEL A
PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO ANTE A ALEGAÇÃO DA
INEXISTÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO DO RÉU,
UMA VEZ QUE DEVIDAMENTE COMPROVADAS A AUTORIA E
MATERIALIDADE. 4. "NA FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA O JUIZ
DEVE ATENDER, PRINCIPALMENTE, A SITUAÇÃO ECONÔMICA
DO RÉU". (ART. 60 CP). 5. PRECEDENTE DA TURMA - 5. 1 EMENTA
- PENAL - EXTORSÃO - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO -
IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - ALTO VALOR
PROBANTE - HARMONIA COM O RESTANTE DO CONJUNTO
PROBATÓRIO - APELO DESPROVIDO - UNÂNIME. COMPROVADAS
AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO, NÃO HÁ COMO
ACOLHER O PLEITO ABSOLUTÓRIO. A PALAVRA DA VÍTIMA,
ALIADA AOS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA, REVESTE-SE DE
CREDIBILIDADE E FORÇA PARA COMPROVAR A AUTORIA. (IN
PROCESSO: APELAÇÃO CRIMINAL 20010310135650APR DF, 1A
TURMA CRIMINAL, RELATOR: LECIR MANOEL DA LUZ, DJ
14/10/2005 PÁG: 151). 6. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA
PARA O FIM DE REDUZIR-SE A APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA,
MANTIDA NO MAIS, POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
TJ-PR - Apelação APL 11673340 PR 1167334-0 (Acórdão) (TJ-PR)
Data de publicação: 27/03/2015
Ementa: o entendimento deste Tribunal: ROUBO MAJORADO -
CONDENAÇÃO - RECURSOS.APELO DA DEFESA: PEDIDO DE
ABSOLVIÇÃO - MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS -
RECONHECIMENTO ATRAVÉS DE FOTOGRAFIAS - VALIDADE
COMO MEIO DE PROVA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO
DE FURTO - ALEGADA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA GRAVE
AMEAÇA - NÃO PROVIMENTO - CONJUNTO PROBATÓRIO SÓLIDO
EVIDENCIANDO A PRÁTICA DO CRIME DE ROUBO - CAUSA
ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA - EMPREGO DE ARMA DE
FOGO - DESNECESSIDADE DE APREENSÃO DO ARTEFATO -
DEPOIMENTO DAS VÍTIMAS QUE COMPROVAM A UTILIZAÇÃO -
DETRAÇÃO PENAL NOS TERMOS DO NOVEL §2º, DO ARTIGO 387,
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO -
INAPLICABILIDADE POR OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA, DA ISONOMIA, DA
ESPECIALIDADE DA LEI E DO JUIZ NATURAL - COMPETÊNCIA DO
JUIZ DA EXECUÇÃO - RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO.APELO DO PARQUET: DOSIMETRIA DA PENA -
DESVALORAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS -
COMPORTAMENTO DA VÍTIMA - CIRCUNSTÂNCIA NEUTRA -
MAUS ANTECEDENTES - CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM
JULGADO - POSSIBILIDADE - CONSEQUÊNCIAS DO DELITO - NÃO
RECUPERAÇÃO DOS BENS - VALOR SIGNIFICATIVO - MAIOR
DESVALOR DA CONDUTA CRIMINOSA - PROVIMENTO - FIXAÇÃO
DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS -
NÃO COMPROVAÇÃO NOS AUTOS DA OCORRÊNCIA DESTES
DANOS - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO, COM ADEQUAÇÃO DA CARGA
PENAL. (TJPR - 4ª C.Criminal - AC - 1010462-4 - Foro Central da
Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Raul Vaz da Silva
Portugal - Unânime - - J. 21.08.2014). APELAÇÃO CRIME INTERPOSTA
PELO RÉU CONTRA A SUA CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE
CRIME DE ROUBO MAJORADO (ART. 157, § 2º, I, CP). PLEITOS DE
REDUÇÃO DA PENA. 1. PEDIDO DE CONSIDERAÇÃO DA
CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO
ESPONTÂNEA.INADMISSIBILIDADE DA DIMINUIÇÃO DA PENA-
BASE ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DE
CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE.SÚMULA Nº 231 DO E. SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. 2. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS...
Encontrado em: APELO DA DEFESA: PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO -
MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS -
RECONHECIMENTOATRAVÉS... com o acerto o douto Magistrado
quando do reconhecimento desta causa de aumento. (...)" (fls. 401...
DE FOTOGRAFIAS - VALIDADE COMO MEIO DE PROVA -
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE FURTO - ALEGADA
AUSÊNCIA. Grifos nossos.
Conforme se depreende da leitura dos acórdãos selecionados, o reconhecimento
facial é uma modalidade de meio de prova apta a surtir efeito no meio jurídico, desde que
apoiada em outras provas, formando um conjunto probatório sólido. Nesse momento estará
revestida de credibilidade e força para comprovar a autoria de um delito.
O ENIGMA DAS FALSAS MEMÓRIAS
O sistema processual penal vigente não pode ignorar que a memória da vítima ou da
testemunha presencial é, de fato, uma fonte primordial de prova para o esclarecimento do
delito e para a formação de convicção do juiz, justamente por sua força impressionística,
ainda que diante do alto grau de falibilidade e do valor probatório questionável. Nesse
contexto surgem os estudos acerca do fenômeno das falsas memórias, cujo objetivo é o de
analisar os “erros” na recepção de informações pelo processo de cognição. (LOPES, 2011, p.6).
O estudo sobre “as falsas memórias” foi iniciado por Binet e Stern e posteriormente
desenvolvido pela renomada pesquisadora Elisabeth Loftus, na década de 70. Ela constatou
que as falsas memórias podem ser elaboradas pela junção de lembranças verdadeiras e de
sugestões vindas de outras pessoas, sendo que durante este processo, a pessoa fica suscetível
a esquecer a fonte da informação ou as informações se originariam de interrogatórios
realizados de maneira evocativa (LOFTUS, 2005, p. 90).
Em seu livro sobre falsas memórias, Lillian Stein (2010, p.22) observa que esse
fenômeno é fruto do funcionamento normal, e não patológico, de nossa memória. Outros
autores como LOPES JUNIOR e DI GESU (2007, p. 62) vão mais além e concluem que, sob
a perspectiva criminal, alguns delitos geram fortes emoções na vítima ou naquela
testemunha ocular que com ela possua vínculo afetivo. Contudo, a tendência da cognição
humana é guardar apenas a emoção do acontecimento e esquecer justamente o que seria
mais importante a ser relatado no processo sob o ponto de vista jurídico e legal, qual seja, a
memória cognitiva, provida de detalhes técnicos e despida de contaminação (emoção,
subjetivismo ou juízo de valor).
Assim, as falsas memórias possuem aplicação prática. Apesar de ser difícil a sua
constatação, o reconhecimento do acusado deve ser realizado com precaução e sempre com
vistas a minimizar possíveis e eventuais falhas, sejam da memória humana, sejam as falhas
inerentes ao processo. Por isso, DI GESU (2010) insiste em dizer que “os requisitos do art.
226 do Código de Processo Penal devem ser seguidos rigidamente, o que torna imperativa a
realização correta desse meio de prova para dar efetivo substrato à ação penal e evitar erros
judiciais.”
Complementa dizendo que,
“Não devemos nos esquecer que a forma do ato é garantia para o processo
– e, principalmente, evitando à formação de falsas memórias. O
reconhecimento do autor do delito produzido sem a observância dos
preceitos legais, inclusive em relação ao perfilamento de pessoas
semelhantes ou a razoável justificativa da impossibilidade de fazê-lo, é
manifestamente nulo, com base no art. 564, IV do Código de Processo
Penal. O desrespeito ao referido dispositivo viola o postulado da não
autoincriminação e do devido processo legal. Ainda assim, a jurisprudência
apresenta outro tratamento ao tema, entendendo que o descumprimento dos
preceitos presentes na norma infraconstitucional é “mera recomendação
procedimental” e, portanto, não passível de nulidade. O Superior Tribunal
de Justiça defende ser caso de nulidade, porém relativa, devendo ser
comprovado o efetivo prejuízo à defesa do acusado. (DI GESU, 2010, p.
132- 133).
Noutra passagem, Carla Cristina Di Gesu (2010, p.130-132) nos explica que:
“a probabilidade de erro no reconhecimento de pessoas reside no fato de
que a experiência passada deixa sua impressão na memória, a qual pode
apresentar equívocos no momento de reconhecer o suspeito pelo delito.
Assim, diversos fatos convergem para piorar a qualidade da identificação:
condições psíquicas da vítima (estresse, nervosismo), natureza do delito,
condições ambientais (visibilidade, aspectos geográficos), gravidade do
fato, tempo da exposição da vítima ao crime e ao contato com o agressor,
criminoso com rosto encoberto por toca ou capacete, etc. Para o processo, a
possibilidade de uma testemunha ou vítima fornecer um relato não
verdadeiro, a partir da falsificação da recordação, compromete,
integralmente, a confiabilidade do testemunho, gerando um imenso
prejuízo ao imputado.”
Contudo, na busca pela verdade, resta abalado o cumprimento das exegeses do art.
226 do CPP, citado no capítulo anterior, seja pelo formalismo no dispositivo legal, talvez
pela falta de estrutura necessária para o seu regular cumprimento. E não é somente isso,
também porque as pressões populares, a velocidade no julgamento e a insuficiência material
e pessoal do Estado trazem prejuízos ao julgamento e equívocos nas condenações. Na
realidade, a lei nem sempre é seguida fielmente, sobretudo no que atine ao respeito ao artigo
226, do CPP. Inúmeros processos e, por consequência, inúmeras condenações, utilizam-se
deste meio de prova como busca pela verdade e por causa dessa busca.
Nessa esteira de entendimento, em decisão inédita, o Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo reformou, em sede de apelação criminal, sentença condenatória lastreada no
reconhecimento do autor do delito unicamente pela vítima e em dissonância aos preceitos
legais. Argumentou-se, no acórdão, que a vítima não mentiu, mas que sucumbiu ao
fenômeno das falsas memórias. Seguindo os mesmos critérios, o Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro também deu provimento a recurso de apelação, sob o argumento de que a prova
oral apresentou-se controvertida, com várias versões para o mesmo fato criminoso. Alegou-
se no acórdão que o reconhecimento ocorreu de maneira indevida, com o acusado sozinho
na sala de reconhecimento. Além disso, a prova testemunhal teve sua credibilidade afetada,
apresentado o problema de falsas recordações, ao combinar recordações verdadeiras com
conteúdo sugestionado por terceiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de conclusão, o mister em Reconhecimento Facial Humano é uma tarefa que
envolve o conhecimento das técnicas científicas, mas também da humanização do agente em
seu método de abordagem durante a entrevista, a preparação do ambiente, aliado a vivência
do profissional para identificar se de fato a pessoa foi vítima de um trauma, ou se está
acometida pelo fenômeno da falsa memória ou de algum tipo de transtorno mental.
O objetivo do trabalho foi alcançado na medida em que discutiu a credibilidade que o
reconhecimento de pessoa pode transmitir na instrução criminal, mais especificamente no
convencimento do juiz, e em como essa modalidade de prova pode ser frágil porque a
lembrança é um processo sujeito a falhas e contaminações internas e externas.
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