os donos do poder ao longo da formaÇÃo sÓcio-polÍtica brasileira - uma visita À obra de...
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OS DONOS DO PODER AO LONGO DA FORMAÇÃO SÓCIO-
POLÍTICA BRASILEIRA: UMA VISITA À OBRA DE RAYMUNDO
FAORO
Andressa Salvador1
RESUMO
A obra de Faoro “Os donos do poder” destaca-se como leitura fundamental para o entendimento da formação sócio-política brasileira. O objetivo desse artigo concentra-se em identificar os donos do poder ao longo da nossa história. Para tanto, faz-se uma abordagem histórico-crítica da formação do Estado Brasileiro baseado no volume 1 da obra de Faoro que retrata como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma comunidade burocrática que acabou por frustrar o desenvolvimento de uma nação independente. Como fundamento de análise, o artigo aborda o longo período que vai da Revolução Portuguesa do século quatorze, até o Segundo Reinado, no Brasil. Por fim, são feitas as considerações finais do artigo quanto às contribuições deste para nossa história. PALAVRAS-CHAVE: Poder; Formação Sócio-Política; Liderança; Brasil.
ABSTRACT
Faoro`s “Os donos do Poder” is a prominent reading work to understand the structure of the social and political Brazilian formation. The aim of this article is to identify the holders of the power during our history. To get that, a historical and critical approaching of the Brazilian State formation is carried out based on Faoro`s first volume that portrays the way Brazil was ruled , since its colony times, by a bureaucratic community that ended up frustrating the development of an independent nation. As the base for this analysis, the article approaches the long period that goes along from the Portuguese Revolution in the XIV century up to the Second Kingdom in Brazil. To conclude, final considerations are taken on the article regarding the contributions of those periods.
1 Graduada em Administração de Empresas pela UNIVEN, especialista em Gestão Empresarial e Didática no Ensino Superior, e professora da Faculdade Capixaba de Nova Venécia e Instituto de Ensino Superior de Nova Venécia e assessora de marketing da UNIVEN.
Key Words: power; political and social formation; leadership; Brazil. 1 INTRODUÇÃO
O poder sempre esteve concentrado nas mãos de poucos desde a formação
social e política do Brasil. Faoro busca no seu livro “Os donos do Poder –
formação do patronato político brasileiro” explicar que o poder sempre foi
exercido por meio do que é chamado de “estamento burocrático”, revelando a
contradição entre o processo de modernização do país, cujas bases são
instituições “anacrônicas” e comandadas por um “estamento burocrático”. Este
se fundamenta num sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado,
que nem mesmo a pressão da ideologia liberal e democrática conseguiu
quebrar, diluir ou desfazer.
O “estamento burocrático”, segundo o autor, tem atravessado toda a história
política brasileira, que, no caso da ausência do “quadro administrativo”, a chefia
dispersa e assume caráter patriarcal, identificável no mando da pessoa do
fazendeiro, do senhor de engenho e dos coronéis.
O objetivo desse artigo concentra-se, exatamente, em identificar os donos do
poder ao longo da nossa história. Para tanto, faz-se uma abordagem histórico-
crítica da formação do Estado Brasileiro baseado no volume 1 da obra de
Faoro que retrata como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma
comunidade burocrática que acabou por frustrar o desenvolvimento de uma
nação independente.
O artigo está organizado em duas seções. A seção 1 faz uma abordagem
histórico-crítica da formação social-política do Brasil desde as raízes de
Portugal até o 2º Reinado. Por fim, a seção 2 relata as considerações finais
embasadas nos principais pontos enfocados no artigo quanto à concentração
de poder ao longo da história.
2 FORMAÇÃO SOCIAL-POLÍTICA DO BRASIL
2.1 O ESTADO PORTUGUES: ORIGEM E REVOLUÇÃO
A Península Ibérica formou e constituiu a sociedade sob o império da guerra.
Assim, a formação de Portugal está ligada às lutas de reconquista da
Península Ibérica com características dentro do feudalismo. Duas civilizações
(uma do oriente outra do ocidente) pelejaram rudemente dentro de suas
fronteiras pela hegemonia da Europa. Dos fins do século XI ao XIII, as
constantes batalhas contra o sarraceno e o espanhol garantiram a Portugal a
condado convertido em reino, tenazmente.
A sociedade formada pela nobreza, clero, servos e uns poucos homens livres,
ocupavam-se basicamente da produção agrícola que cobria a região. A
sociedade era feudal com a classe dominante tendo seus privilégios de isenção
de impostos e recebendo contribuições em trabalho dos servos em troca da
proteção militar e do direito de cultivar a terra e o rei como senhor do reino,
tinha instrumento de poder da terra.
No entanto, segundo Faoro (2001, p. 45-59) de 1383 a 1385 Portugal passou
por uma crise, de onde nascera uma nova dinastia, a dinastia de Avis, onde se
deu a fisionomia definitiva aos elementos dispersos, vagos, em crescimento.
Em meados do século XIV, a Revolução Portuguesa apresentou
particularidades não apenas no âmbito interno, mas também no âmbito externo
de suas relações. D. Fernando, último soberano da dinastia de Borgonha,
manteve uma política de conflito com o Reino de Castela, trazendo prejuízos à
formação e à ascensão de classe burguesa, que visava criar condições para a
aquisição de produtos de luxo consumidos pela nobreza. Esse prejuízo
estendeu-se nas relações de troca com a burguesia castelhana, pois esta
permitia a variedade de produtos cuja demanda interna exigia.
Para resolver o problema da sucessão, reuniram-se as Cortes em Coimbra, em
1385. Nesta “reunião”, teve um papel importante o legista, representante da
burguesia, D. João das Regras que, com muita habilidade e conhecimento das
leis, convenceu todos os grupos sociais de que o Mestre de Avis era o único
que tinha condições para ser aclamado rei. Assim, Mestre de Avis foi eleito rei
D. João I, iniciando assim o seu longo reinado (1385-1433).
Seguindo a ordem cronológica dos fatos históricos da nação portuguesa, a
Revolução de Avis (1383-1385), que obteve amparo das massas descontentes,
constituiu um novo marco evolutivo nas políticas de relações da estrutura social
dominante. A elite política e econômica teve que renunciar a alguns privilégios
para acalmar os ânimos populares, sem, no entanto, alterar a estrutura de
poder e a relação de exploração já vigente.
Portanto, a Revolução de Avis marca o início do processo de centralização
monárquica e a consolidação do Estado Nacional Português, em direção ao
absolutismo e ao mercantilismo, com a aliança entre a monarquia e a
burguesia ascendente (FAORO, 2001, p. 19).
“A direção dos negócios da Coroa agora exigia o trato da empresa econômica,
definida em direção ao mar, requeria um grupo de conselheiros e executores
ao lado do rei, sob a incontestável supremacia do soberano” (FAORO, 2001, p.
56). Havia não apenas tributos a colher, como participação do príncipe em
negócios, senhor ele próprio de todas as transações, lucros e vantagens.
Nota-se que a dinastia de Avis realizou a aliança da burguesia com o novo rei o
que fez nascer às condições políticas favoráveis a grande expansão comercial
e marítima de Portugal no séc. XV. Estas condições eram: a centralização
política, acumulação prévia de capitais, grupo mercantil forte aliado aos
interesses reais, desenvolvimento náutico.
Segundo Faoro (2001, p. 67), a geografia teve papel de fundamental relevo na
história das navegações indicando a causa dos fracassos das tentativas
italianas, cujo ativo comércio medieval as privilegiava para buscar, por via
marítima, as fontes das preciosas mercadorias orientais. A geografia sugeriu
aos espanhóis o comando da empresa ultramarina, cujo povo estava
ativamente empenhado nas costas mediterrâneas. A conjugação de outros
fatores, todavia, além, do cais europeu, assentado nas costas portuguesas,
elegeu Portugal para a aventura ultramarina. Assim, os séculos XIII e XIV
concentraram-se, nas costas portuguesas, o comércio atlântico de troca de
produtos locais ou no trânsito de especiarias vindas do Mediterrâneo.
Nota-se também segundo a visão de Faoro (2001, p. 75) que a expansão
marítima só foi possível graças à centralização do poder nas mãos dos reis.
Um comerciante rico, uma grande cidade ou mesmo uma associação de
mercadores muito ricos não tinha condições de reunir o capital necessário para
esse grande empreendimento. Apenas o rei era capaz de captar recursos de
toda a nação para financiar as viagens ultramarinas.
O início da expansão dos portugueses pelo mundo foi a conquista de Ceuta em
21 de agosto de 1415. Esta data é muito importante, pois, a partir daí, os
portugueses começaram a explorar o litoral africano para o sul de Marrocos e a
aventurar-se cada vez mais para o ocidente, no Oceano Atlântico.
Com a preciosidade do comércio português sugeriu-se a valorização social do
comerciante e a valorização econômica do comércio. A velha aliança do rei
com a burguesia, concentrada para domesticar o poder da nobreza, parecia ter
alcançado seu grau extremo, com a emancipação econômica e política do
comerciante.
De acordo com a obra de Faoro (2001) os mencionados fundamentos sociais e
espirituais reuniram-se para formar o Estado Patrimonial. A realidade
econômica, com o advento da economia monetária e ascendência do mercado
nas relações de troca, deu a expressão completa a esse fenômeno já latente
nas navegações comercias na Idade Média. A moeda – padrão de todas as
coisas tornou-se este mundo novo aberto ao progresso do comércio. A
emancipação da moeda circulante, atravessando países e economias até então
fechadas, preparou o caminho para uma nova ordem social, o capitalismo
social e monárquico, com a presença de uma oligarquia governante de outro
estilo, audaz, empreendedora, liberta de vínculos conservadores. “[...] Tornou-
se possível ao príncipe e ao seu estado-maior organizar o Estado como se
fosse uma obra de arte, criação calculada e consciente [...]” (FAORO, 2001, p.
33).
Assim, a sociedade capitalista no ocidente, gerou-se das ruínas da sociedade
feudal. Segundo Faoro (2001, p. 33) a era capitalista, caracterizada pela
propriedade da burguesia dos meios de produção e da exploração do trabalho
assalariado teve seu ponto de partida no século XVI.
2.2 O CONGELAMENTO DO ESTAMENTO BUROCRÁTICO
Faoro (2001, p. 91) descreve o Estado envolvido por uma camada de domínio,
o estamento de feição burocrática. Este se alimenta da classe comercial, que
despreza. Essa camada está junto da corte e influencia as decisões da Coroa.
Com isso, as duas camadas, não obstante de suas discordâncias sociais, se
entendem num plano incerto: embarcadas na mesma empresa, o fomento das
navegações e dos lucros será o fim comum.
O Estado era a nobreza a serviço do rei – as aventuras dos mesmos
empobreciam a nação. A corte e a cidade, esta o complexo daquela, a
residência real cercada do bulício e da febre comercial, marcavam a fisionomia
do século XVI, o século da Índia.
Todos os cargos elevados – que davam a nobreza ou qualificavam origem
aristocrática – como os nautas portugueses estavam cegos e atolados em seus
cargos modestos, hauriam a vida e o calor do tesouro, diretamente vinculado à
vigilância do soberano. O comércio que era controlado ou explorado pelo
príncipe é, por sua vez, a fonte que alimenta a caixa da Coroa. O rei insistia em
ser um bom príncipe, preocupado com o bem estar dos súditos, assegurando-
lhes participação nas rendas.
Pode-se entender que este padrão de predomínio do Estado leva a que ele se
constitua, historicamente, com duas características predominantes. Primeiro,
por um sistema burocrático e administrativo e que se caracteriza pela
apropriação de funções, órgãos e rendas públicas por setores privados, que
permanecem, no entanto, subordinados e dependentes do poder central,
formando aquilo que Raymundo Faoro chamou de "estamento burocrático".
O contato entre governo e governados era distante, frio, indiferente. Segundo
Faoro (2001, p. 104) o governo, o efetivo comando da sociedade, não se
determina pela maioria, mas pela minoria que a pretexto de representar o povo,
o controla, o deturpa, o sufoca.
Uma longa herança – herança social e política – concentrou o poder minoritário
numa camada institucionalizada. Formou-se desta sorte, uma aristocracia, um
estamento de caráter aristocrático, do qual se projeta, sem autonomia, uma
elite, uma escola dirigente, uma “classe política”.
Assim, os países aprisionados pelo estamento se modernizaram,
ocidentalizando-se, por via de um plano do alto, imposto à nação, com a
teorização, retardada de muitas décadas, de processos espontâneos nas
sedes criadoras. Ou seja, o mundo se partiu em mundo metropolitano, diretor e
condutor, e mundo de retaguarda, alheando mais a minoria do conjunto da
Nação.
2.3 O BRASIL ATÉ O GOVERNO-GERAL
Segundo Faoro (2001, p. 117) a descoberta do Brasil entrelaça-se na
ultramarina expansão comercial portuguesa, e que diante do português
emergiu não apenas um mundo novo, mas também um mundo diferente, que
deveria além da descoberta suscitar a invenção de modelos de pensamento e
de ação.
Faoro (2001, p. 118) tenta explicar em sua obra que o descobridor, antes de
ver terra, antes de estudar as pessoas, antes de sentir a presença da religião,
queria saber de ouro e prata, ou seja, tinha um interesse estritamente
econômico.
Porém, como dizia na carta de Pero Vaz de Caminha (apud FAORO, 2001, p.
123), o Brasil era um país que não tinha ouro nem prata, desprovido das
riquezas da Índia, não oferecia nada ao nobre, ao comerciante ou ao burocrata.
Contudo, conforme Faoro (2001, p. 124) o mundo Idílico, voltado para o pobre
homem filho da miséria, durou pouco e desapareceu como um sonho. Para ele,
a América não era um exílio, nem o degredo, mas sim o reino da aventura, do
salto da fome à ostentação senhorial, colocando que, ainda nessa mágica
transformação há subterraneamente o fio da rede mercantil que devora o
mundo.
Todavia, Faoro (2001, p. 128) enfatiza uma aparente regressão nessa dinâmica
mercantil e Européia que avassalava os três continentes e os oceanos.
Regressão esta para muitos historiadores, de caráter feudal com o
estabelecimento agrícola, autônomo, em lugar do polvo comercial, vinculado ao
mundo dos negócios.
Essa afirmação vem explicar a atitude de Martim Afonso de Souza que chega à
colônia em 1530, e divide as terras em capitanias hereditárias, que na visão do
rei tinham a função de organizar melhor a colônia, além de cada feitora
funcionar como uma agência de distribuição de terras, de cobrança de tributos,
cumulado o poder administrativo com as funções bancárias.
Assim, Faoro (2001, p. 139) identifica a capitania como um estabelecimento
militar e econômico, voltado para a defesa externa e para o incremento de
atividades capazes de estimular o comércio português.
Porém, o sistema de capitanias hereditárias fracassou, em função da grande
distância da Metrópole, da falta de recursos e dos ataques de indígenas e
piratas, apresentando resultados satisfatórios apenas as capitanias de São
Vicente e Pernambuco, graças aos investimentos do rei e de empresários.
Após a tentativa fracassada de estabelecer as Capitanias Hereditárias, a coroa
portuguesa estabeleceu no Brasil o Governo-Geral. Era uma forma de
centralizar e ter mais controle da colônia, a fim de incrementar os lucros.
Para Faoro (2001, p. 134) a sociedade no período do açúcar era marcada pela
grande diferenciação social. No topo da sociedade, com poderes políticos e
econômicos, estavam os senhores de engenho. Abaixo, aparecia uma camada
média formada por trabalhadores livres e funcionários públicos. E na base da
sociedade estavam os escravos de origem africana. Era uma sociedade
patriarcal, pois o senhor de engenho exercia um grande poder social. As
mulheres tinham poucos poderes e nenhuma participação política, deviam
apenas cuidar do lar e dos filhos. A casa-grande era a residência da família do
senhor de engenho. Nela moravam, além da família, alguns agregados. O
conforto da casa-grande contrastava com a miséria e péssimas condições de
higiene das senzalas (habitações dos escravos).
A monarquia lusitana, nessa tarefa de povoar o território imenso encontrou nas
arcas de sua tradição, um modelo legislado, as sesmarias. Segundo Faoro
(2001, p. 140), o sistema das sesmarias deixou, depois de extinto, a herança: o
proprietário com sobras de terras, que nem as cultiva, nem permite que outro
as explore. Os lavradores, meeiros e moradores de favor são duas sobras que
a grande propriedade projeta, vinculados à agricultura de subsistência,
arredados da lavoura que exporta e que lucra.
É importante ressaltar ainda que tanto o município, como as capitanias e o
governo-geral obedecia, no molde de outorga o poder público, ao quadro da
monarquia centralizada do século XVI, gerida pelo estamento cada vez mais
burocrático.
A partir de 1700, é iniciado no Brasil um processo de alargamento de suas
fronteiras com o objetivo de dominar e exterminar os indígenas e as missões
dos jesuítas espanhóis, mapeamento do território brasileiro, mineração de ouro
e esmeraldas além de outros metais e pedras preciosas, e obtenção de mão-
de-obra escrava (FAORO, 2001, p. 179).
Faoro (2001, p. 181-190) também menciona sobre os bandeirantes. Segundo
ele, as Entradas e Bandeiras (tendo como objetivo a busca do ouro e o
combate e a captura aos "selvagens hostis") surgiram predominantemente em
um período em que o Brasil já contava com inúmeros centros populacionais
espalhados pelo seu território. Os movimentos originaram-se no nordeste para
a região do amazonas e posteriormente para o centro do país. Por outro lado,
as Bandeiras partiram de São Vicente, em São Paulo, em direção ao Rio
Grande do Sul, além de incursões pela região Centro-Oeste. O movimento das
Entradas antecederam às Bandeiras, e ambos possuíram características
diversas entre si.
As entradas, portanto, reveladas na obra de Faoro (2001, p. 188) foram os
primeiros responsáveis pela dizimação em grande escala das tribos indígenas
no Brasil. A ação dos catequizadores, ao passo que se opunha a esta caçada
humana, acabava por facilitar o trabalho dos entradistas: a catequização dos
índios, que se aglomeravam em aldeias, tornava mais facilitada a própria
aniquilação deste povo.
Os portugueses ainda aproveitavam as hostilidades entre certas tribos inimigas
e jogavam-nas umas contra as outras, tirando grande partido disto. Apesar
destes fatos, a luta dos portugueses não se desenvolveu sem perdas: os
índios, de grande tradição caçadora e guerreira, opuseram grande resistência
ao português. Mas a caçada portuguesa aos indígenas, ainda assim, foi
implacável (FAORO, 2001, p. 189).
Anos depois, quando os índios das missões receberam armas dos espanhóis
para defenderem-se, os bandeirantes penetraram cada vez mais no sertão. Foi
essa penetração que traçou os contornos aproximados do Brasil atual. O
Tratado de Tordesilhas tornou-se uma relíquia do passado e o ouro surgiu
como recompensa aos desbravadores do sertão.
2.4 TRAÇOS GERAIS DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, SOCIAL,
ECONÔMICA E FINANCEIRA DA COLÔNIA.
No século XVI as funções dos reis estavam atribuídas às fazendas, guerras e
justiça. “Uma constelação de cargos, já separada a administração pública da
casa real, realizava tarefas públicas, com as nomeações e delegações de
autoridade” (FAORO, 2001, p. 197).
Quanto ao aspecto político e administrativo da colônia e da metrópole, Faoro
(2001, p. 203) define como um esquema vertical traçado na ordem descente: o
rei, o governador geral (vice-rei), os capitães (capitanias) e as autoridades
municipais.
Pode-se afirmar que no Brasil Colonial registra-se a consolidação de uma
instância de poder que, além de incorporar o aparato burocrático e profissional
da administração lusitana, surgiu sem identidade nacional, completamente
desvinculada dos objetivos de sua população de origem e da sociedade como
um todo.
Ademais, segundo Faoro (2001, p. 205) a aliança do poder aristocrático da
Coroa com as elites agrárias locais permitiu construir um modelo de Estado
que defenderia sempre, mesmo depois da independência, os intentos de
segmentos sociais donos da propriedade e dos meios de produção. São
dessas constatações que se pode auferir a confluência paradoxal; de um lado,
da herança colonial burocrática e patrimonialista; de outro, de uma estrutura
sócio-econômica que serviu e sempre foi utilizada não em função de toda a
sociedade ou da maioria de sua população, mas no interesse exclusivo dos
donos do poder.
Apesar de praticamente subjugados pelo poder centralizador das Capitanias,
de acordo com Faoro (2001, p. 230) os municípios brasileiros, através de suas
Câmaras, sempre buscaram autonomia e independência administrativa da
Metrópole, apoiados pela Igreja, nunca pelos Donatários. E conseguiram
algumas vitórias, desafiando a Coroa, como é o caso da criação de novas vilas
(onde se levantava o pelourinho, como seu símbolo e como desafio à
autorização expressa do Rei para que tal ocorresse), que ocorreu sem
autorização real, pela força e determinação do povo, como exemplificam os
fatos registrados em Campos, Parati e Pindamonhangaba, no século XVII.
Infelizmente, Faoro (2001, p. 232) revela que o período imperial foi de nefasto
cerceamento da atuação das Câmaras Municipais, que perderam funções
políticas e financeiras, embora seu Presidente exercesse funções executivas
(sob protestos e denúncias de políticos e estadistas). Inspirado na legislação
napoleônica de 1804, o Império transformou as Câmaras Municipais em
"corporações meramente administrativas", pela Lei Regulamentar de 1o de
outubro de 1828.
Quanto a classes da sociedade colonial “[...] não esgota sua caracterização
com o estado administrativo e o estado maior de domínio, o estamento. Esta
minoria comanda, disciplina e controla a economia e os núcleos humanos [...]”
(FAORO, 2001, p. 236).
Faoro (2001, p. 256) menciona também sobre a figura da propriedade rural
brasileira, que economicamente vivia em regime quase autárquico, sendo uma
espécie de território soberano, onde o proprietário, como nos velhos senhorios
europeus, fazia justiça e mantinha força militar própria, para defesa e ataque.
Entre o senhor e as autoridades do Estado, como no plano internacional,
estabeleciam-se relações de potência a potência, fundadas na convenção
bilateral de que o Estado se comprometia a respeitar a autonomia local do
senhor, ao passo que este, como coronel da Guarda Nacional, obrigava-se a
manter a ordem na região, emprestando à autoridade pública o concurso de
seus homens de armas para a eventual guerra contra o estrangeiro, ou a
episódica repressão aos levantes urbanos.
Por fim, vale ressaltar o meio urbano, justamente, a classe dos que se
dedicavam ao grande comércio de exportação e importação, tanto quanto os
principais banqueiros, atuavam em estreito relacionamento com o grande
senhorio rural.
Faoro (2001, p. 259) continua sua análise quanto aos aspectos da colônia e
metrópole evidenciando o sistema de apropriação de terras. Na segunda
metade do século XVIII o país assiste à passagem de um sistema econômico
colonial de produção do açúcar, no Nordeste, para um sistema de mineração
do ouro e do diamante no Centro, e para um crescente enrijecimento do
controle da administração colonial sobre a pujante, mas efêmera economia de
mineração.
Assim, a política inicial de colonização no Brasil foi, de fato, a criação de feudos
hereditários (capitanias) concedidos à exploração privada, porém este sistema
não chegou a se desenvolver plenamente, sendo logo em seguida substituído
por um processo crescente de centralização administrativa.
2.5 OS PRÓDOMOS DA INDEPENDÊNCIA
Faoro (2001, p. 279) inicia o seu discurso abordando a transformação da
sociedade no século XIX, onde o que mais se evidencia é um processo de
crescimento demográfico acelerado que se faz acompanhar da intensificação
dos processos migratórios do campo para as cidades.
Neste processo, a economia rural mais tradicional e decadente, com sua
combinação perversa de minifúndio-latifúndio, vai-se esvaziando aos poucos,
sendo substituída pelas grandes lavouras mecanizadas de exportação, pelas
grandes extensões de criação de gado, pela expansão de uma agricultura e
pecuária de alta tecnologia e voltadas ao mercado interno, e assim por diante.
Os antigos meeiros e posseiros vão perdendo suas raízes, imigrando ou
transformando-se em bóias-frias ou assalariados das grandes plantações de
cana-de-açúcar e outras agroindústrias.
Segundo Faoro (2001, p. 284) é um processo intenso e violento, acompanhado
do deslocamento forçado da população e por conflitos pela posse da terra. O
que se pode concluir que os problemas brasileiros dependem hoje muito
menos do que ocorre no campo do que o que ocorre nos centros urbanos. O
esvaziamento do campo permite sua modernização cada vez mais acelerada, a
extensão do sistema previdenciário e da sindicalização do setor rural, e outras
transformações, fazem com que as diferenças entre campo e cidade no Brasil
tendam a se reduzir.
Aliado a essas revoluções, o mau desempenho da indústria açucareira no início
do século XIX mergulha Pernambuco em um período de instabilidade.
Distantes do centro do poder, a presença da corte no Brasil traduz-se apenas
em aumento de impostos e faz crescer a insatisfação popular contra os
portugueses.
Em 1817 estoura uma revolta: de um lado, proprietários rurais, clero e
comerciantes brasileiros, de outro, militares e comerciantes portugueses
vinculados ao grande comércio de importação e exportação.
Com isso, segundo Faoro (2001, p. 302) afloraram as tensões sociais. Contra
os comerciantes portugueses protestavam os grandes senhores rurais e toda a
massa de homens livres não proprietários. Entretanto, essas duas últimas
camadas sociais opunham-se ao domino comercial português por motivos
inteiramente diferentes: para os grandes senhores a questão era, sobretudo,
política, pois aspiravam ao auto-governo e à liberdade econômica, para os
homens livres não proprietários, era a sua própria sobrevivência que estava em
jogo, pois o monopólio comercial português encarecia os gêneros de primeira
necessidade.
A união entre a metrópole e a colônia já não era mais realidade, pois a
supremacia de Portugal vigorante até 1808 sucedera a supremacia do Brasil
tendo a quebra do estatuto colonial e dos instrumentos de sucção fiscal, agora
fixados no Rio de Janeiro.
Seguindo o caminho da independência, conforme Faoro (2001, p. 307-309)
Dom João VI permaneceu no Brasil até 26 de fevereiro de 1821, quando
regressou a Portugal com o objetivo de abrandar a revolução e restabelecer a
autoridade do trono, apesar de não acreditar muito em sua eficácia. Nesse dia
Dom Pedro aceita ser o intermediário entre a nação e o rei, em nome do seu
pai. E em 24 de abril o rei aconselha o filho que se o Brasil tiver que se separar
que o trono fique com ele (Dom Pedro) e não para algum aventureiro.
Em 9 de janeiro de 1822 a nação recebe um rei com o famoso Fico, e em 13 de
maio passa de regente a defensor perpétuo do Brasil.
2.6 AS DIRETRIZES DA INDEPENDÊNCIA
É obvio que o patrimonialismo brasileiro tem fortes raízes em Portugal. Não se
deve, entretanto, pensar no patrimonialismo brasileiro como uma mera
transplantação do regime português. Se não fosse por outras razões, porque
ele só se tornou dominante no Brasil quando o país se tornou independente.
Mas, da mesma forma que ocorreu em Portugal, ele emergiu da decadência da
classe proprietária de terras – em Portugal da aristocracia proprietária de
terras, no Brasil da burguesia mercantil e patriarcal com pretensões
aristocráticas. Ela foi formada por políticos civis e por oficiais militares do
Exército em formação, constituída principalmente por bacharéis, médicos e
clérigos.
Devido a uma forte divergência entre os deputados brasileiros e o soberano,
que exigia um poder pessoal superior ao do Legislativo e do Judiciário, a
Assembléia Constituinte é dissolvida em novembro. A Constituição é outorgada
(imposta) pelo imperador em 1824. Foi a primeira constituição de nossa história
e a única no período imperial.
Diante do exposto é possível compreender que nossa primeira constituição
ficou marcada pela arbitrariedade, já que de promulgada, acabou sendo
outorgada, ou seja, imposta verticalmente para atender os interesses do partido
português, que desde o início do processo de independência política, parecia
destinado ao desaparecimento. Exatamente no momento em que o processo
constitucional parecia favorecer a elite rural, surgiu o golpe imperial com a
dissolução da Constituinte e conseqüente outorga da Constituição. Esse golpe
impedia que o controle do Estado fosse feito pela aristocracia rural, que
somente em 1831 restabeleceu-se na liderança da nação, levando D. Pedro I a
abdicar.
Conforme Faoro (2001, p. 333) a Constituição de 1824 manteve os princípios
do liberalismo moderado e fortalece o poder pessoal do imperador, com a
criação do Poder Moderador acima dos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário. Ela estabelece que as províncias passem a ser governadas por
presidentes nomeados pelo imperador e divide o Legislativo em Senado
vitalício, na prática escolhido pelo imperador, e Câmara dos Deputados, eleita
por voto indireto e censitário. Os eleitores votam em suas províncias num
colégio eleitoral que escolhe os deputados. Apenas os homens livres que
cumprem algumas condições, inclusive de renda, participam das eleições.
Esses requisitos são apurados nos censos.
Nota-se que a marca mais característica desta Constituição foi a instituição de
um quarto poder, o Moderador, ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Este quarto poder era exclusivo do monarca e, por ele, o imperador controlava
a organização política do Império do Brasil.
Dessa forma, o imperador concentrava um poder sem paralelo, o que
demonstrava o caráter centralizador e autoritário da organização política do
Império do Brasil. Tal situação não foi aceita por toda a sociedade imperial.
Havia quem aprovasse, quem calasse por temor e quem contestasse. O
protesto mais violento partiu da província de Pernambuco e se transformou no
episódio conhecido como Confederação do Equador.
Quanto ao movimento do dia 7 de abril de 1831, representou uma repressão
muito mais contra os processos políticos do Imperador do que contra sua
pessoa. Ao abdicar, D. Pedro I deixara um país em crise.
Segundo Faoro (2001, p. 346-348) vários fatores contribuíram para esse
desfecho (abdicação de D. Pedro), entre eles, o acirramento das paixões
políticas; as divergências de opinião dos estadistas brasileiros, cada qual, é
verdade, buscando a seu modo o bem da pátria; o sentimento federalista,
dominante em diversas Províncias, em contraposição à diretriz unitarista
exigida pelo momento; a indisciplina nos quartéis, conduzindo alguns
segmentos do Exército a motins e a manifestações partidárias; o temperamento
impetuoso de D. Pedro I, que o levou, entre outras coisas, a dissolver a
Assembléia Constituinte de 1823 e a outorgar no ano seguinte
(arrogantemente, por decreto) uma Carta liberal, que Euclides da Cunha
chamou de "bizarro contra-senso da liberdade doada; o ressentimento contra
os portugueses; a perda da Província Cisplatina; e a prisão e o desterro de
homens eminentes, como os Andradas.
2.7 A REAÇÃO CENTRALIZADORA E MONÁRQUICA
Os primeiros vinte anos do país independente atravessam o penoso drama de
muitas perplexidades: dificuldades financeiras e a lenta mudança do panorama
da economia, em meio ao reajustamento do quadro político.
Em 1822, a circulação monetária, calçada, na transmigração de 1808, em dois
terços de ouro e um de prata, reduz-se às notas do Banco do Brasil e ao cobre.
Para o sistema financeiro da época, isso significava uma imensa dívida que se
agravaria, esgotada a base de metal nobre que a garantiria: dívida externa, em
1827 constituída do empréstimo de 1824 e da indenização paga pela
independência, dívida interna formada de apólices e de compromissos com o
único estabelecimento de crédito (FAORO, 2001, p.372).
A problemática brasileira excedia o quadro configurado pela oposição de que o
problema principal estaria na manutenção, após a independência, de
interesses ligados à antiga metrópole ou da possibilidade de retorno às práticas
absolutistas. Articulava-se ao prolongamento da crise econômica determinada
pela queda dos preços dos produtos primários de exportação, atingindo, em
conseqüência, os grupos sociais que constituíam o apoio fundamental ao
regime monárquico.
Para Faoro (2001, p. 372-375) a crise econômica articulava-se à
desorganização financeira produzida pelo déficit crescente na balança
comercial, forçando, além do recurso aos empréstimos externos, o aumento de
impostos, expediente que provocava protestos e que conferiu fundamento a
reações mais violentas, como a revolução Farroupilha. A vigência do livre-
cambismo tornava mais onerosa a dependência da economia brasileira, ao
favorecer a saída de capitais através de importações não compensadas por
uma atividade exportadora relevante.
Para Faoro, o combate inglês ao tráfico negreiro, além de ameaçar os
fundamentos do sistema produtivo brasileiro, determinava o aumento das
compras de escravos na África, diminuindo os recursos financeiros disponíveis.
Essa situação só se modificou na medida em que o café passou a ser gênero
de exportação quase exclusivamente produzido no Brasil, e assim, não estava
tão sujeito às crises determinadas pelas pressões internacionais. Em função
disso, a balança comercial brasileira começou, ao fim do período regencial, a
apresentar saldos compensadores, sobretudo devido à intensificação das
vendas de café aos EUA.
Segundo Faoro (2001, p. 379) com base na economia vivida no Brasil, o
retorno à centralização será a obra do tempo, conduzida pelo partido
conservador. O desaparecimento de Dom Pedro, em 1834, remove o obstáculo
político ao retorno monárquico, à reação dinástica. A renúncia de Feijó à
regência e a subida de Araújo Lima marcam o momento da corrida para o trono
e da debandada aos ideais do 07 de abril.
2.8 O SISTEMA POLÍTICO DO SEGUNDO REINADO
O segundo Reinado, visto na distância de um século, oferece uma visão
harmônica elegante, enganadoramente monumental no quadro estilizado.
Segundo Faoro (2001, p. 389), a história política se resume, a partir de 1836,
na luta dos dois grandes partidos, o liberal e o conservador, separados e
identificáveis por um ideário próprio. A Câmara dos Deputados, que ganhara,
na Regência, a dignidade de uma convenção permanente, estaria no centro do
quadro, movida pelo sistema parlamentar em busca de plenitude e expressão.
Pode-se dizer, segundo a visão a Faoro (2001, p. 390) que o Segundo Reinado
foi o período mais importante do Brasil no século 19. Até então, não se pode
dizer que houvesse um sistema político bem definido. No tempo de Dom Pedro
I houve o “partido brasileiro” e o “partido português”, que não eram bem
partidos, mas sim correntes de opinião. Nos primeiros anos do Segundo
Reinado foram restaurados o poder moderador e o Conselho de Estado e se
formaram os dois primeiros grandes partidos brasileiros, o Partido Conservador
e o Partido Liberal.
Porém, apesar dos conflitos iniciais entre conservadores e liberais, a
tendência política no Segundo reinado era a conciliação entre os dois partidos.
Afinal de contas, a maior diferença ideológica entre eles no período regencial
era quanto a maior ou menor centralização política, sendo esse o principal
causador dos conflitos. O Segundo Reinado põe fim à discussão sobre o grau
de centralização, pois agora o poder está nas mãos do imperador, e isso é
indiscutível. Restavam agora os jogos de interesses dos diversos setores
representados no Parlamento, não mais por grandes divergências ideológicas,
mas pelo acesso ao uso da máquina do Estado.
O Parlamentarismo brasileiro e o Poder Executivo permaneceram nas mãos do
Imperador, que o exercia com seus Ministros, levando à centralização político-
administrativa do Império e ao fortalecimento da autoridade do Governo do
Estado. Os Partidos, liberal e conservador, passaram a disputar o Ministério,
alternando-se no Governo. O rodízio no poder entre liberais e conservadores
revelava a identidade que havia entre eles. Seus interesses não eram
diferentes entre si nem com relação aos de D. Pedro II. Eram membros da
mesma camada social - a dos grandes proprietários de escravos e de terras -,
o que explica a identificação de ambos com os projetos centralizadores do
Imperador.
Segundo a visão de Faoro, na outorga da coroa a Dom João I, Dom João IV e
a Dom Pedro I nada se parece à eleição moderna: uma vez exaurida a
expressão da vontade popular, esta perde a liberdade de revogar a decisão ou
de limitar os termos da concessão da soberania. O regime é representativo – o
rei está no lugar da nação e em seu nome exercer o poder – mas o governo,
como atividade e manifestação jurídica, nada tem de representativo.
Para o autor, depois de ter sido durante quase dois séculos, carne viva para a
varejeira lusitana, o Brasil acabou incluindo na sua vida o próprio Estado que,
de lá emigrara na plenitude da ignomínia lusitana. “O imperador não será a
única realidade cercada de sombras e fantasmas, mas ele representa a
comunidade de poder, por ele meramente presidido, turvando-lhe o olhar e
murando-lhes os ouvidos”.
E ainda diz que: “a camada dirigente, aristocrática na sua função e nas suas
origens históricas, fecha-se na perpetuidade hereditária, ao eleger os filhos e
genros, com o mínimo de concessões ao sangue novo”.
3 CONCLUSÃO
O objetivo desse artigo concentrou-se em identificar os donos do poder ao
longo da nossa história, através de uma abordagem histórico-crítica da
formação do Estado Brasileiro baseado no volume 1 da obra de Faoro que
retrata como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma comunidade
burocrática que acabou por frustrar o desenvolvimento de uma nação
independente. Diante dos fundamentos históricos levantados no artigo, é
possível tecer algumas considerações finais.
Inicialmente é interessante abordar a importância da obra de Faoro analisada
neste artigo como leitura fundamental para o entendimento da formação sócio-
política brasileira, pois apesar de ter uma ampla abrangência histórica, não
exclui em nenhum momento a profundidade crítica.
Com base no artigo ficam nítidos que as elites brasileiras contemporâneas e
seu patronato político consolidam-se como atores sociais portadores de um
individualismo acentuado, formatado pela tradição histórica, que continuam a
agir de uma forma impertinente, arrogante e autoconfiante.
Buscam assim, através de estratégias culturais, esconder suas angústias,
humildades e pobrezas, medos e esperanças que são a base de capital
material e simbólico em que se assenta a exploração que dá origem às
exterioridades comportamentais e estéticas de nossos governantes, no
passado e na atualidade.
Numa análise crítica da nossa história o artigo procurou enfatizar em todo texto
o conceito-chave de estamento burocrático. Essa característica tem
atravessado toda a história política brasileira, que, no caso da ausência do
“quadro administrativo”, a chefia dispersa e assume caráter patriarcal,
identificável no mando da pessoa do fazendeiro, do senhor de engenho e dos
coronéis.
Identificou-se ainda, que o “estamento burocrático” com aparelhamento próprio
invade e dirige a esfera econômica, política e financeira, comandando o ramo
civil e militar da administração. No âmbito político, interno à estrutura, o quadro
de comando se centraliza, pretendendo ao menos a “homogeneidade de
consciência, identificando-se às forças de sustentação do sistema”.
O artigo também chamou atenção para uma abordagem do sistema político
brasileiro nele mesmo e não como manifestação do interesse de classe
defendido pelos escritos marxistas convencionais. Foi possível perceber que
não era verdade a visão de que o Brasil tinha tido um passado feudal, com o
predomínio do campo sobre a cidade; ao contrário, o que sempre predominou
foi a força do poder central. E ainda, o poder político não era exercido para
atender os interesses das classes agrárias ou burguesas, mas em causa
própria, por um grupo social cuja finalidade era dominar a máquina política e
administrativa auferindo prestígio e riqueza inerentes ao seu controle.
Nessa situação, é evidente dizer que a soberania popular não existe, senão
como farsa, pois pôde ser visto que a autocracia pode operar sem que o povo
perceba seu caráter ditatorial, salvo em momentos de conflitos e de tensões,
quando os órgãos estatais e a carta constitucional cedem ao real, verdadeiro e
atuante centro do poder político.
Por fim, apesar não conseguir esgotar a interpretação crítica que um historiador
ou cientista político pode tecer, foi possível entender que o Brasil convive com
duas partes desacreditadas e opostas: a sociedade e o estamento.
Os processos de modernização, em todos os níveis, desde a transmigração da
família real têm ocorrido de “cima para baixo" sob o pressuposto da “incultura”,
senão da “incapacidade do povo”. Assim, ao povo resta oscilar entre o
parasitismo, a mobilização de passeatas sem participação política e a
nacionalização do poder, ficando mais preocupado com os “novos senhores”,
com o “bom príncipe”, dispensários de justiça e proteção.
4 REFERÊNCIAS
1. FAORO, Raymundo Faoro. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Globo, 2001.
2. ______. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. vol.
1, São Paulo: Globo, 2001.